LUZ ESPÍRITA
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O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama

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O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama - Página 4 Empty Re: O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 7:05 pm

Levantando a tampa, viram espantados um incalculável tesouro em jóias, moedas, pedras preciosas, barras de ouro e de prata.
— Como era opulento Argos Zenóbio! exclamou Poleio, com veemente admiração, mas, logo esmoreceu e tombou sobre o leito próximo. Flávio Genésio sacudiu-o com alguma violência. Com a voz em timbre diverso do que lhe era peculiar, o jovem falou:
— "Deixai-o, por momento, não vos assusteis. Escutai- me: Este tesouro não vos pertence, meus irmãos, pois foi ele acumulado com o sofrimento do próximo, nos assaltos a mão armada, a lares indefesos durante a guerra. Representa lágrimas, padecimentos de esposas, mães e criancinhas desditosas, que curtiram fome e frio. com o saque das suas residências.
Não servirá, pois, para a ostentação dos que passaram a possuí-lo, nem para o desfrute dos dois seres que acabam de encontrá-lo, neste momento. Esta era a surpresa que vos foi prometida, a prova evidente de que os Emissários divinos podem agir sobre os entes pensantes, não somente norteando-os para o Bem, como sustando-lhes os passos à beira de um abismo. Deus vos reuniu para a consecução de novos ideais cristãos e redentores! Terminou o encarceramento para o irmão Flávio Genésio, tendo concluído a sentença exarada outrora, por um íntegro Juiz criminal deste país e, juntamente com o seu auxiliar, que lhe foi enviado pelo Destino, onde se manifestam as resoluções supremas... A misericórdia celeste mais uma vez se patenteia neste Solar cuja fama se tornará mundial!
* * *
Ambos saíram do aposento, após encerrar o tesouro descoberto no mesmo cofre onde lhes foi patenteado, e, ao encontrarem Fabiana, contaram-lhe o sensacional achado e os planos que haviam traçado para o seu aproveitamento. Ela ouviu a narração circunstanciada e, com a voz emocionada, exclamou:
— Meus filhos, vejo no sucesso que me contastes, a protecção divina que veio ao nosso encontro. Há muito andava impressionada com o silêncio e o abandono em que vivíamos, neste Solar. Achava desumano o nosso proceder, não ocupando nem a centésima parte deste castelo, enquanto, pelo mundo, há famílias ao desamparo, não tendo vestuário nem alimento. Agora sinto-me reanimada e, tudo o que depender de meus esforços, estará ao dispor de ambos. Que Deus nos abençoe para que jamais nos falte a coragem para a prática do Bem! No entanto, a lembrança do que nos sucedeu nesta habitação, cinge de crepe o nosso coração e me causa receios. Quem sabe se não seria melhor continuarmos a viver isolados, como nos acontece há vinte anos?
Assim falando, Fabiana, com os olhos enublados de lágrimas, exclamou:
— Vamos orar, meus filhos, implorando a Jesus uma resolução para a nossa vida futura!
Emocionados, viram a compassiva Fabiana ajoelhar-se no assoalho da sala onde se encontravam, com as mãos postas, murmurando com unção:
— "Meu Jesus, eis-nos ao vosso dispor para a Cruzada do Bem e da Justiça, sempre arriscada para os que desejam segui-la, contando apenas com a vossa protecção e a do divino Pai e seus dedicados Mensageiros! Dai-nos as inspirações mais acertadas, para que jamais nos desviemos da senda do Dever e para que seja satisfeita vossa bendita vontade, mormente sobre os que aqui se encontram, pois eu já me sinto fatigada, desiludida, exausta de labores que me extinguem, aos poucos, a saúde e a vida... Somos pequenos e humildes, mas desejamos tentar a derradeira partida para alcançar o vosso luminoso reino! Tende, pois, compaixão de nós, dai-nos coragem e vontade firme na execução de uma grandiosa missão terrena, sendo preferível a morte ao fracasso!"
Os dois a escutaram com emoção, e ao verem-na erguer-se, abraçaram-na, osculando-lhe a destra encarquilhada.
Logo após, Políbio, empalidecendo, ficou erecto, e, com voz diferente da que lhe era natural, murmurou, com suavidade:
— "Deus, amados irmãos, nunca investe um ente humano em um cargo superior às suas possibilidades, por mais excelso que o seja, e por mais árduas as provas por que passar, jamais o abandona no meio da jornada ou dos ínvios caminhos, pois lhe concede amigos e Protectores, que o auxiliam a transpor todos os abismos da vida terrena, nos momentos tétricos ou difíceis da peregrinação da Terra ao Infinito!
Estejais sempre com os ouvidos ou a alma atentos às vozes dos Mensageiros de Jesus que, por intermédio do irmão que ora transmite esta mensagem, vos darão a orientação necessária ao desempenho da missão que vos foi outorgada, a qual tem por base o Bem, a Honra, a Virtude, com a prática dos quais os seres humanos podem imitar os Emissários siderais e alcançar a luminosa Redenção espiritual!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 7:05 pm

O tesouro encontrado, foi pilhado dos lares profanados, e será transformado nas moedas de luz da caridade, com as quais podereis adquirir o próprio Céu! Eis que Jesus vos oferece o momento precioso de, em alguns anos de sacrifícios e labores, resgatar os delitos do passado sombrio de todos vós!
São esses pois, os conselhos que ora vos transmito por ordem superior.
Que Deus e Jesus vos abençoem os esforços, de hoje por toda a Eternidade! Estais investidos do poder espiritual necessário para que, sendo leais executores da vontade suprema, possais alcançar a vitória.
Quando Argos Políbio recobrou os sentidos, viu que os dois entes amigos o fitavam com admiração, e falou comovido:
— Que é que me sucedeu novamente, senhor? Parece que há uma estranha influência sobre minha alma, neste Solar. Julgo que estive adormecido, novamente.
— Confirma-se a nossa missão, meu amigo. Teu Guia falou sobre o valor do tesouro encontrado e o destino que devemos dar-lhe.
Flávio, reproduziu-lhe os alvitres recebidos por seu intermédio e, por diversas vezes, consultou os desejos de Políbio, a fim de aquilatar de sua sinceridade, de seus sentimentos de altruísmo ou de ambição, mas o jovem lhe dava respostas que justificavam o excelente conceito que estava desfrutando naquele lar...
— Desde quando, Políbio, falou Flávio, emocionado, possuis estas admiráveis faculdades espirituais?
— Nunca eu havia percebido que as possuía, senhor, até o instante em que me bateu à porta a impiedosa desventura. Vivia em um lar ditoso, e, por vezes, julguei que, aqui, no plano terreno, jamais possuiria outro. Mas, ao impulso da dor, com ideias sinistras, quando empunhei uma arma homicídio começou o desvendar de uma excelente realidade: não estamos arrojados no Vale de Dores, do Infinito constelado, temos amigos desvelados, temos soldados divinos que procuram nos reter o braço para impedir um crime, um ato violento! É a dor que nos faz desvendar os arcanos da vida eterna. É ela que eleva nosso espírito dos marneis(5) do crime, das injustiças, da corrupção, dos desatinos. Temos Entidades luminosas que seguem nossos passos vacilantes, auxiliando-nos a galgar o roteiro da Redenção! Desejo, de hoje para o futuro, ter Jesus no pensamento e na alma, aspirando alcançar o termo de meus tormentos, morais e físicos, e ser digno intérprete das mensagens siderais.
Sinto, nos momentos em que transmito as mensagens astrais, que minha vida material, fica, então, quase desligada dos tecidos e meu espírito, prestes a deixar o plano terreno, cedendo os seus direitos, a uma Entidade que ultrapassa a minha, com enorme vantagem. Há um ser nobilíssimo que me impede de transgredir as Leis divinas, de cometer o Mal, e, portanto, todos os sacrifícios, todos os esforços que eu fizer não atingem os sentimentos de reconhecimento que existem em meu íntimo.
Chegamos, pois, meu nobre amigo, ao instante aprazada para encetar a incumbência dos Siderais que nos honram com a sua presença! Aliemo-nos a todos Eles, e, jamais, havemos de arrepender-nos, mesmo que sejamos crucificados, após todos os trabalhos e todos os sofrimentos em prol da nossa futura Cruzada do Bem!
— Aceitemos, pois, a missão excelsa que Jesus nos outorgou por mais acerbas que sejam as provas que dela advierem, por mais percalços e dissabores que tenhamos de suportar! Aceitemos os martírios morais, as desilusões, os desgostos, os desalentos!
— Sim, repetiu Políbio, essa será a subida do Calvário da Redenção, a única que nos levará ao alcance do Céu, da Remissão de nossos erros, a fim de que possamos atingir os páramos celestiais! Foi esse o exemplo que Jesus nos deu e há de perdurar por todos os séculos, aliando as almas para as missões sublimes, os sacrifícios redentores! Só assim poderemos partir dos Planetas da Lágrima e da Dor para as fúlgidas mansões siderais!
* * *Mais uma vez aqueles três seres humanos ligados pelo Destino, no Solar de Apolo, fizeram vibrar os seus pensamentos, aliados, talvez, eternamente, em busca das Regiões etéreas, onde todos conjecturam a presença dos mais luminosos espíritos redimidos pela Dor e pelo cumprimento austero de todos os deveres morais e psíquicos.
Depois de longas confabulações, ficou combinado entre eles que a bondosa Fabiana, isolada no castelo pertencente a Flávio Genésio, ficaria esperando, enquanto Flávio e Políbio, em modesto veículo, iriam convidar os desditosos que quisessem ir residir no Solar de Apolo.
Após alguns dias de ausência, inquietos quanto à piedosa Fabiana, que ficara só, regressaram eles em companhia dos primeiros infortunados que, em miséria extrema, os acompanharam com indizível reconhecimento.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 7:05 pm

Ao transporem os portões do castelo, as humildes criaturas recolhidas como náufragos da vida, sentiram-se deslumbradas e ditosas, chorando de inaudita emoção.
— Como Deus é misericordioso e bom! exclamou uma idosa mulher, juntando as mãos em prece fervorosa, pois acaba de conceder-me o que jamais ousei esperar, no momento em que pensava dar cabo da minha vida tormentosa!
— Seja, então, irmã, o vosso primeiro ato, neste Solar, uma rogativa sincera, implorando perdão ao Pai celestial pela falta de confiança que n'Ele depositáveis!
exclamou Flávio, que escutara as palavras de uma das primeiras asiladas.
— Sim, bondoso senhor, eu o farei, agora, e, também, desejo implorar-lhe suas bênçãos para todos os que aqui se encontram reunidos talvez para sempre! Que Ele e Jesus vos recompensem, abnegados senhores, que, em tão deslumbrante castelo se lembraram dos que vivem ao relento e ao abandono. Tive um lar e perdi-o. Deus castigou-me merecidamente. Um dia ainda vos contarei a dolorosa história de minha vida.
— Como vos chamais, senhora? interrogou-a Políbio, que tivera súbita inspiração.
— Chamai-me apenas Elmana Sandria. — Fico à espera de vossa confidência, para melhor poder confortar-vos o coração angustiado.
Decorreu um mês, desde que chegaram os primeiros acolhidos ao Solar de Apolo, e este já estava repleto de órfãos, sexagenários, viúvas, donzelas, crianças, denotando suas fisionomias as privações que, em outras paragens estavam curtindo.
...................................................................................................................................
Cada um, de acordo com a idade e a saúde, desempenhava um mister doméstico, ou no pomar e na lavoura, todos, porém na mais perfeita harmonia.
Uma tarde, Flávio e Políbio, dirigiram-se ao vastíssimo pátio do castelo, onde outrora, eram realizadas as manobras militares, e que, agora comportava, com facilidade, todos os asilados, os quais estavam reunidos esperando com ansiedade a palavra dos dois aliados do Bem. Quando os viram aproximar-se, a multidão dos mendigos os saudou com respeitoso entusiasmo e com fraternal carinho, e, decorridos alguns segundos, com a voz emocionada e suave, Políbio dirigiu-lhes a palavra amiga:
— "Irmãos em Jesus, vós não fostes só acolhidos neste Solar, que se tornará bendito, mas em nossos corações! É mister, pois, que vos falemos, fraternalmente. Fostes acolhidos, em nome do Pai celestial e no de seu celeste Enviado Jesus — e muito esperamos de vossa dedicação e do vosso auxílio. Deixastes as asperezas do mundo em que talvez vivestes por vários anos, e, após decepções pungentes, bem diversa vai ser vossa existência, sem os clamores da fome, do frio, do desamparo. Estais reunidos sob a égide sagrada do amor ao próximo, da Fraternidade que, sendo iniciada na Terra, não termina jamais, prolonga-se nos planos siderais! Além, dos paramos divinos, não existe outro parentesco senão o fraternal! Deveis usar, sempre, de toda a lealdade, para connosco, como nós a teremos para com todos os que ora me escutam. Somos todos irmãos, perante as Leis divinas, pois há um único Progenitor para todo o Universo — DEUS — sempre clemente e bom.
Deveis compreender, porém, que, para que haja harmonia e saúde, é mister que não seja abandonado o santificante labor de cada dia. Foi por esse motivo que nós vos reunimos, pela primeira vez. Amanhã, quando todos se erguerem do leito, hão de dirigir-se a este mesmo local e, conforme a idade, a saúde, a competência individual, dirá em qual labor deseja ocupar-se. Não nos julgueis senhores impiedosos, mas irmãos e amigos sinceros de todos! Não deveis, aqui, entesourar moedas, que serão recolhidas à Caixa Geral, já que podeis viver sem as preocupações dos aluguéis, dos alimentos, dos vestuários. Tudo isto tereis, com modéstia e benevolência.
Queremos cultivar as terras pertencentes a este castelo, beneficiar os pomares abandonados, adquirir animais domésticos, para nos utilizarmos dos seus produtos inestimáveis.
Detestamos a ignorância, e, por isso, todos devem aprender a ler. Os que possuírem instrução adequada serão os professores dos que sabem menos.
Os que não estiverem incapacitados para o serviço, pelo peso de idade ou pelas enfermidades, têm, sempre, de concorrer com os seus labores no cultivo das terras pertencentes a este Solar, para que os seus frutos sejam utilizados por todos os que, na actualidade, vivem como irmãos, tendo por único e piedoso Progenitor — Deus!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 7:05 pm

As famílias ocupar-se-ão dos misteres domésticos; os jovens, dos labores agrícolas para que este castelo se torne um remanso de paz e de concórdia na face da terra. Havendo paz, alimento, vestuário e bênçãos divinas, poderemos considerar-nos venturosos neste Planeta sombrio em que predominam as lágrimas e as dores! Todos os que se encontram válidos, homens e senhoras terão o seu trabalho designado, de conformidade com os seus pendores.
O labor individual é uma Lei divina que, na Terra e em outros planetas se acha em plena execução, é o meio mais santificante de que dispõem os indivíduos para sua felicidade porvindoura! É uma Lei universal, da qual nem o próprio Criador e Pai se exime, pois nos dá um exemplo incessante em tudo o que nos circula: o movimento dos corpos celestes, a precisão que há em tudo, o som, o desenvolvimento das plantas, a circulação do sangue nos corpos vivos, assim como o curso dos rios, o calor solar etc.
O trabalho dignifica o ser humano por mais humilde que o seja. Os humildes são os vencedores contra os prepotentes, os orgulhosos, os injustos. Jesus amava a humildade e nós devemos imitá-lo. O exemplo que Ele nos concedeu, eternamente, antecedeu sua vinda a este planeta, pois nasceu em uma humilde manjedoura que, com o transcurso dos séculos, há de ser devidamente glorificada. Todos nós devemos considerar-nos discípulos de Cristo, consagrando-Lhe diariamente, nossos actos e nossos pensamentos.
As batalhas da vida planetária serão vencidas com denodo moral, com humildade, não visando lucros excessivos, porém os que sejam suficientes para a manutenção dos lares. Todo triunfo alcançado será consagrado ao Pai celestial.
Todos os nossos esforços devem tender para a conquista definitiva da Redenção espiritual, que consta de uma série de provas, de dores, de imolações, de lágrimas, injustiças e, quando alguém suporta tudo com verdadeira heroicidade, alcança o triunfo que leva milénios a ser conquistado!
Termino, pedindo que não vos julgueis escravos nesta casa, mas sim irmãos muito amados cuja chegada nos enche de alegria.
* * *
Decorrido menos de um mês, já o SOLAR DE APOLO estava repleto de peregrinos, de asilados, reinando a maior harmonia, disciplina e fraternidade entre todos.
Foram turmas de homens idosos e jovens para os misteres da lavoura, outros cuidavam dos reparos do prédio danificado pelas intempéries e pelos agressores, enquanto outros ainda cuidavam das aves domésticas. Foram realizados reparos indispensáveis nos móveis e no próprio castelo, pois decorreram vinte anos sem que nenhum conserto ali se fizesse.
As mulheres tinham dias determinados para os serviços domésticos de lavandaria e da alimentação colectiva.
Uma era de prosperidade, de paz, de concórdia, surgiu para aquele solar, outrora triste e sem vida. Políbio e Flávio ocuparam o antigo aposento que fora o preferido de Argos Zenóbio quando ainda se encontrava no plano terreno. Ambos queriam velar pela conservação do inestimável tesouro que se ocultava abaixo do pavimento, sob o pesado móvel, a fim de, aos poucos, irem retirando as quantias necessárias a manutenção dos asilados sem que estes desconfiassem de que existia um erário de valor incalculável naquele recinto. Ambos levaram, para o aludido local, armas e munições, conservadas em um dos móveis contidos no recinto, para que ninguém pudesse conceber a ideia do que existia no dormitório dos dois leais amigos.
Foram escolhidos professores para que ministrassem ensinos utilíssimos aos abrigados, um para adultos, e outro para os jovens e as crianças.
Uma tarde, tendo previamente avisado, nas horas das refeições aos que se encontravam reunidos em um vasto salão, Políbio e Flávio solicitaram a atenção dos que estavam residindo no SOLAR DE APOLO.
Coube a Flávio expor os seus pensamentos, iniciando, assim, sua longa confabulação:
— "Há muito desejávamos, eu e meu digno amigo, aqui presente, reunir-vos para que, lealmente, pudéssemos palestrar com todos os que aqui se encontram, ovelhas de incontável aprisca de Jesus! Eis-nos congregados, em nome do incomparável Mestre bem amado, como irmãos, sob o mesmo tecto paternal, pois Deus é o Pai universal! Está em conjunto a falange do Bem, tal será sempre o nosso objectivo.
O conselho de administração deste Solar, que se tornará bendito, está fazendo novos planos, plenamente contente com o correto proceder de todos. Faremos uma reunião mensal e, quando quiserdes expor pensamentos úteis à colectividade, deveis chamar a nossa atenção para o que puder beneficiar a mesma e ainda não foi lembrado pelos que almejam tornar-vos ditosos. Não encontrareis dois insensíveis potentados, mas irmãos atentos, preocupados com a felicidade de todos vós.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 7:06 pm

Vou, agora, expor-vos os nossos pensamentos, com a máxima lealdade: não desejamos que, sob a nossa alçada, haja aqui, injustiças e clamores secretos! Os que, também, tiverem sugestões a nos dar, sobre qualquer assunto, poderão fazê-lo, com verdadeira confiança de serem atendidos, fraternalmente. Pedimos que evitem as murmurações, os queixumes nas sombras; preferimos a lealdade, a franqueza. Aqui estaremos, todas as noites, após as lutas do dia, para vos atender, fraternalmente...
Aqui ninguém é mais ou melhor do que outrem. Sejamos unidos, fraternalmente, como se houvéssemos nascido sob o mesmo tecto e fôssemos filhos de um só casal afectuoso! Somos todos nós os herdeiros da desventura e da desilusão, mas desde este momento, poderemos ser venturosos, vivendo em harmonia, auxiliando-nos mutuamente,, livres das calúnias, da intriga, do ódio, da falsidade do despotismo, da devassidão, do orgulho e da vaidade!
Sejamos dignos das bênçãos celestiais, cumprindo estoicamente todos os nossos deveres terrenos e, neste instante, sentindo jorrar do Além as irradiações estelares, eu vos concito a fazermos uma prece veemente, uma vibração espiritual a fim de que seja bendita nossa aliança sobre a Terra e, mais tarde, nos paramos siderais!
Após a prece, se tiverdes algo para nos transmitir, eu e meu amigo, Argos Políbio, estaremos sempre, com toda a boa vontade, ao vosso dispor, podendo emitir os vossos pensamentos, as vossas sugestões, as vossas aspirações! Aqui, sempre, haveis de encontrar-nos para vos atender. Agora, elevemos nossas almas a Jesus e ao Criador do Universo!
— "Pai infinitamente compassivo e justo, aqui estamos congraçados em vosso nome e na de Jesus, unificados pelo tributo de gratidão que vos consagramos, para vos render o nosso preito de gratidão, de nosso amor intraduzível, de nosso reconhecimento por tudo quanto nos tendes proporcionado. Dai-nos ânimo sereno para suportar as lutas, as injustiças, as desilusões de que são férteis as vidas terrenas ou planetárias! Aspiramos a salvação de nossas almas e, por isso nós vos rogamos vossas bênçãos radiosas, que penetram os espíritos torvos, implorando vossa protecção para que, nem por um instante sequer, sejamos invadidos pelo desalento, por pensamentos depressivos, por ideias malsãs de odiosidade, de revolta ou de perversidade!
Somos filhos vossos, afastados de vossa presença para o desempenho de nossas tarefas, ou missões remissoras, mas, unidos pela potência invencível do pensamento, jamais havemos de separar-nos da vossa presença! Abençoai, pois, nossos esforços, nossas esperanças, nossos excelsos Ideais, e, assim fortalecidos e invencíveis, jamais nos afastaremos do caminho do Bem, da Virtude e da Esperança, abreviando o nosso encontro nos planos siderais para então, ajoelhados, com os braços alçados ao Céu, como neste momento, possamos agradecer-vos todos os benefícios recebidos e por alcançar, eternamente!
Ouvi-nos, Senhor e Pai, e dai-nos a convicção plena de que havemos de triunfar do Mal, bem como das provas árduas!"
Houve um rumor uníssono entre os assistentes, que se acercaram de Flávio, cheios de contentamento, trocando ideias e apresentando soluções para os problemas que se defrontavam na colectividade, cuja boa fama transpunha as fronteiras do Solar de Apolo.
Um dia vamos encontrar os dois amigos conversando.
— Políbio, falou Flávio sorrindo: eu te recebi, no dia em que penetraste neste alcáçar, como amigo, porque, conforme te disse, vi que te ajoelhaste, humildemente, às ocultas antes de aqui entrar. Vendo-te praticar um ato digno de louvor, tirei uma conclusão convincente: um ser humano, materializado, imbuído de sentimentos perversos, não fita o céu, senão para observar os fenómenos meteorológicos; não eleva seus pensamentos ao Criador do Universo para fazer-lhe rogativas, mas para blasfemar! Neste recanto abandonado por todos os seres racionais, não podia suscitar ambições, ignorando todos que um tesouro estava oculto, talvez por mais de um século, se não fosses inspirado para encontrá-lo.
Deixei que aqui penetrasses, mas, no início ainda havia algum receio, conjecturando que desejasses fazer pesquisas como eu, também as fiz, a respeito de tuas aspirações. íamos vivendo, sempre, em mútua observação, quando tiveste a ideia de sondar o mistério de um aposento, onde foi encontrado incalculável tesouro, que, certo, foi acumulado por Argos, após devastações guerreiras. Pensei, então, por momentos:— "Ele já sabia, por alguma revelação secreta de algum parente, que talvez, tivesse sido confidente ou auxiliar do antigo senhor deste Solar, que aqui existiam valores monetários e, talvez, tenha encaminhado seus passos para dele se apoderar. Com certeza durante a noite vai tentar contra a minha vida, mas de súbito, quando proferiste aquelas memoráveis palavras, dizendo que o tesouro não nos pertencia, mas aos que sofrem, aos desamparados, houve, em meu espírito, a derradeira conclusão:
não eras um hipócrita, um ambicioso, mas um verdadeiro discípulo de Jesus, e, desde aquele instante, conseguiste absoluta confiança em meu íntimo, inabalável prestígio, que jamais será destruído!
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A mensagem que recebeste, certamente de um dos luminares divinos contendo conceitos radiosos, aconselhando-nos, não ao gozo que provém da opulência, mas ao cumprimento dos deveres morais, dos sacrifícios, tornou-me ditoso e entreguei-me, tenazmente, à execução dos nobres projectos aconselhados.
Graças, pois sejam rendidas a Jesus por nos haver reunido, parecendo que éramos abandonados na Terra para a execução de uma excelsa missão. Jamais duvidarei de tua lealdade!
Argos Políbio assim lhe respondeu:
— Estamos agindo de acordo com os alvitres transmitidos pelos Mensageiros de Jesus e ainda não nos adveio nenhum dissabor. Prossigamos, pois, com ânimo sereno, e, com a protecção do Alto, havemos de triunfar para que nossas almas também alcancem a vitória suprema: a Redenção!
* * *
Uma era de labores produtivos, de esforços gerais compensadores, raiou para o até então abandonado SOLAR DE APOLO.
Todos os que passaram a viver em conjunto, tinham deveres a cumprir. Qualquer ocorrência digna de menção. eram exposta, lealmente, à noite, no pátio do castelo, onde oram aguardados os abrigados pelos dois aliados do Bem. Políbio, um dia, disse a Flávio:
- Sempre que tiverdes de fazer aquisições de víveres e vestuário, convêm partirdes para Corino ou Atenas, inesperadamente, ao alvorecer, e, à tarde, regressareis em outro veículo, aprazando com os comerciantes a remessa das compras efectuadas.
— Duvidas acaso, que algum dos asilados possa trair a nossa confiança? - interpelou-o Flávio.— Tudo é possível neste mundo! Devemos viver precavidos, mormente quanto ao local onde se encontra oculto o tesouro que se transformará em pão e agasalho para os que sofrem. Assim o recomendou um de meus Protectores, em sonho lúcido, para que sejam evitados dissabores e prejuízos futuros.
Serão regularizados os gastos com a manutenção dos protegidos, os reparos indispensáveis neste castelo e não haverá desocupados senão os que estiverem na infância, os enfermos e os octogenários. Com labor, economia e probidade nunca lutaremos com dificuldades.
* * *
Uma tarde, reunidos todos os habitantes do castelo, no pátio central, Flávio, ao lado de Políbio, depois de expor alguns alvitres fraternais, assim se expressou com lealdade:
— Amigos e irmãos em Jesus, todos os que desejarem frequentar algum templo cristão, poderão fazê-lo quando lhes aprouver, sem que isso possa nos desgostar, pois pretendemos conceder liberdade de culto a todos os presentes, respeitando a crença de cada um dos que ora me escutam. Os que foram crentes dos oráculos e das pitonisas, poderão ser atendidos neste recinto, pois o meu bondoso amigo Políbio possui faculdades psíquicas inestimáveis e, aqui, fará prelecções utilíssimas para os que se acham no plano terreno. Os que desejarem participar das irradiações espirituais, aqui permanecerão, pois vamos dar início a uma vibrante prece cristã.
Ouviu-se a voz suave de uma mulher, aparentando cinquenta anos, que assim .se expressou:
— Verdadeiros Amigos de Jesus que, olvidando os gozosa efémeros da vida material, que poderíeis fruir, possuidores de valiosos tesouros que estais despendendo para a manutenção dos desvalidos, dos enfermos, dos infortunados, preferindo os sacrifícios e a protecção aos infelizes, ouvi-me: Já ultrapassei meio século de vida planetária e, pela primeira vez, pude contemplar este fenómeno social: os opulentos compadecidos e irmanados aos desgraçados. Arriscada é a vossa empresa, mas, quanto mais o for, tanto maior será o vosso triunfo espiritual para o Juiz universal: DEUS!
Aqui, na Terra da Lágrima e da Desilusão, o Bem é sempre retribuído com a moeda intoxicada de ingratidão e do crime algumas vezes! Podeis, porém, contar com o reconhecimento de muitos acolhidos e com a eterna recompensa do Pai celestial! Avante, pois, discípulos de Jesus! Que Ele vos ampare, sempre e a todos os que aqui se encontram em vossa presença!
Não é necessário irmos buscar além o conforto da prece, salvo os que o quiserem, pois os que crêem nas inspirações dos Mensageiros siderais, aqui encontram os mananciais do conforto e da Verdade propagados pelos adeptos do Templo de Delfos.
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Vamos, pois, amigos e companheiros, conseguir uma vibração espiritual em benefício de todos os assistentes e, em particular, pelos que nos amparam, com carinho de filhos abençoados por Deus!"
Quando soaram as derradeiras palavras da prelecção de Elmana Sêndria, todos os que a escutaram, com crescente atenção, tiveram os olhos fúlgidos de pranto e prosternaram-se murmurando uma prece vibrante, como fora aconselhado pela inspirada oradora que, desde então se elevou no conceito de todos os que ali se achavam, reunidos pelo Destino.
Aproximou-se então aquela mulher, de Políbio, e disse-lhe, com os olhos enublados de lágrimas:
— Desejo falar-vos em sigilo, amanhã, após a primeira refeição. Quero que saibais quem sou eu e desejo revelar-vos os martírios de minha alma batida pelas tormentas da vida!
— Podeis procurar-me, amanhã, na sala das audiências, que, depois de nossa entrada, será hermeticamente fechada. Desejo, porém para agir com integral lealdade, que esteja presente meu inseparável amigo Flávio Genésio. Ninguém mais será cientificado do que nos revelardes.
£ assim transcorreu mais uma noite, remate de mais um dia de lutas e de labores benditos.
* * *
No dia imediato, após a refeição, Políbio e Flávio dirigiram-se ao salão das audiências encontrando a culta Elmana sentada em uma das poltronas laterais. O jovem, trajado modestamente, como era hábito seu, sentou-se ao lado de Flávio e, voltando-se para a dama que almejava expor-lhes alguns magno segredo, falou-lhe:
— Podeis expor os vossos pensamentos, senhora! Estamos ao vosso inteiro dispor.
Ela, aparentando ter pouco mais de cinquenta anos, mas conservando ainda traços de uma beleza invulgar, com os cabelos repletos da neve do sofrimento, depois de levar aos olhos um lenço branco, com voz embargada de emoção, assim se expressou:
— Amigos dos que sofrem, quero que me julgueis com imparcialidade. Dentre tantos desditosos que aqui se encontram, sob o vosso amparo, é provável que, nenhum deles, haja padecido tanto quanto eu. Acho-me, pois, em frente a um tribunal para que receba um julgamento cristão!
Políbio contemplou-a com piedade e, quase em segredo, disse a seu fiel amigo:
— Como devia ter sido formosa esta dama, nos áureos tempos de plena juventude! Depois, voltando-se para ela, murmurou:
— Podeis relatar-nos o que desejardes! Nós vos ouviremos com a máxima atenção!
— Amigos sinceros, bem dolorosa foi minha existência, em uma afastada povoação onde, há poucos meses, retumbou a notícia confortadora de vossos actos de nobreza e generosidade, evitando por certo o meu suicídio!
Minha adorada progenitora, o Anjo guardião dos lares, desprendeu a alma boníssima, quando vim ao plano material, em consequência de uma febre perniciosa.
Meu pai, homem culto, mas de génio violento, não sabendo perdoar, mas odiar com ferocidade, prodigalizou-me os seus rudes desvelos e uma esmerada educação, tendo contratado diversos professores para o meu preparo intelectual, no próprio lar, para que eu não me ausentasse um momento sequer de nosso domicílio.
No entanto, durante o tempo consagrada a uma ladainha ou missa, eu me encontrava com frequência com um esbelto mancebo chamado Cláudio Robério, cujos olhares buscavam os meus, com ansiedade. Já nos amávamos, por alguns anos, quando, tendo meu severo progenitor percebido que estávamos intensamente enamorados um do outro, proibiu-me ir à missa. Pouco tempo depois apresentou-se em nosso lar um rapaz de mais de trinta anos de idade e após o almoço que lhe foi oferecido por meu pai, ouvi estas palavras por ele pronunciadas:
— Elmana, acabo de contratar teu casamento com Eros Argólida aqui presente, abastado comerciante, originário da Arábia, que pretende fazer-te extremamente venturosa.
Estive a ponto de desmaiar e comecei a soluçar!
— Porque tanto pranteia vossa bela filha, senhor Gregário? interpelou-o Eros contrafeito.
— Ela é muito sensível e ficou emocionada com a notícia do seu próximo casamento.
— Quem sabe não lhe foi grato o meu pedido, sem haver eu lhe feito alguma prévia declaração de afecto?
— Não vos aflijais! Logo conversarei com ela, e, amanhã, durante o dia, irei dar-vos uma resposta definitiva sobre vossa solicitação.
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O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama - Página 4 Empty Re: O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 7:07 pm

Após a saída de Eros Argólida, meu pai assim falou-me:
— Elmana, nunca faltei à minha palavra empenhada a ninguém e, se não aceitares a proposta de casamento do opulento Eros, aquele a quem amas, Cláudio Robério deixará de existir hoje mesmo!
— Meu pai! exclamei eu, com incontido pavor, prefiro que, neste momento, me apunhaleis! Eu abençoarei o vosso gesto, pois prevejo desventuras porvindouras. Não façais mal a Cláudio!
— Ficarás sob a vigilância de Solano Almério e de uma severa serva que passará a dormir em tua companhia. Ai! de ti se tentares falar a Cláudio!
Tive de ceder, para salvar a vida daquele a quem amava. Desde então, tornei-me prisioneira de dois míseros servos, e decorridos poucos dias estava consorciada com Eros, pois nem ao menos podia atentar contra minha vida, :sob a vigilância do casal de sicários.
Não me foi possível rever meu adorado Cláudio. Eros Argólida era digno e correto no proceder, mas extremamente cioso e de génio reservado.
Transcorreu algum tempo, talvez uns sete anos em que vivia eu como encarcerada e só podia ausentar-me de casa ao lado de meu progenitor ou de meu marido.
O amor, quando reprimido, aumenta de intensidade, e, quando excessivo, predispõe os seres humanos a cometer insanidades, para que sejam saciados os seus ímpetos afectivos.
Amando como eu amava, apaixonadamente a Cláudio Robério, o meu consórcio com um homem que contava o dobro de minha idade, e ao qual nunca pude amar, embora me tratasse com bondade fraternal, não podia terminar bem. Decorridos alguns anos, meu companheiro de existência foi chamado à terra natal, para atender a um chamado de sua idosa progenitora, que não desejava baixar a sepultura sem se despedir de seu único descendente. Partiu ele assim para a Arábia. A enfermidade materna prolongava-se, tendo feito a entrega de todos os seus tratos comerciais a meu pai, que continuava a tiranizar-me.
Ficava eu isolada, no meu dormitório e só me era permitido um rápido passeio ao jardim, pela manhã ou à tarde.
Uma vez, quase ao entardecer, estando pensativa, sentada em um tosco banco do jardim, vi aproximar-se aquele a quem continuava a consagrar intenso afecto: Cláudio Robério que, ao ver-me, aproximou-se do gradil e disse-me, com incontida emoção:
— Vim despedir-me de ti para sempre, Elmana!
— Que é que disseste, vais deixar nossa Pátria querida? Porque cometer uma loucura que me tomará mais infortunada? falei-lhe comovida e em pranto.
— Vou incorporar-me ao exército grego e ausentar-me por tempo indefinido, para que sejas menos desditosa! Nunca te acusei por teres ligado o teu destino ao de outrem porque sei que és uma prisioneira! Ausentando-me desta terra querida, serás menos desventurada!
— Tu te iludes: nada poderá tornar-me mais desditosa do que saber que te achas ausente, mais longe de meu coração! Meu esposo está na Ásia; meu carcereiro, saiu para cumprir uma ordem de meu progenitor. Vais entrar comigo na varanda, pois desejo te dar uma lembrança que pertenceu à minha mãe. Entra!
— Não! É arriscado penetrar no lar de adversários cruéis.
— É o destino que nos protege, Cláudio, pela derradeira vez, quem sabe?
Enlouquecido de amor e desespero, Cláudio forçou o portão e eu e ele entramos na varanda e, em seguida fomos ao meu dormitório, ébrios de felicidade e inconscientes de nossa responsabilidade... O que ocorreu fica por conta da loucura, da alucinação de um afecto veemente e sincero, talvez eterno!
Decorridos alguns instantes, ouvimos, apavorados, baterem à porta do aposento onde nos encontrávamos, com violência assombrosa e meu pai dizer, com a voz alterada pela cólera:
— Elmana! Abre a porta antes que a ponha abaixo!
— Estamos perdidos, querida! exclamou Cláudio, sem se acovardar. Morrerei feliz.
Teria sido melhor que eu houvesse fugido quando ele abriu o portão, conforme me propôs, partiríamos para um destino ignorado, tendo por farol o amor existente em nossos corações, podendo conquistar a almejada felicidade então destruída indefinidamente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 7:07 pm

Deixo, porém, de divagações, tão penosa é a narração de minha vida. Aberta a porta de meu dormitório, com violência brutal, aquele que eu amava com intensidade, defendeu-se com valor, mas foi apunhalado por Solano, o sinistro servo de meu pai e, logo, arrastado o cadáver para o ponto mais afastado do quintal, murado e intransponível e, o improvisado túmulo foi disfarçado por um monte de pedras. Fizeram desaparecer todos os vestígios do crime horripilante. Quando recobrei os sentidos e soube da dolorosa verdade, quase enlouqueci! Fui espancada barbaramente, por meu cruel progenitor e, ao cabo de alguns dias de inércia sobre o leito, soube, por um requinte de perversidade da serva, que também era assalariada de meu pai, que a progenitora de Cláudio enlouquecera, devido ao desaparecimento de seu adorado filho, prevendo um trágico evento. Para obter o silêncio de Solano e o de Esméria, foi mister um gasto excessivo que desfalcou o que seria minha herança paterna. Terminada uma tragédia, afigurou-se-me que outra que aproximava de meu lar: sentia-me enferma e, dentro em pouco tempo, Esméria revelou-me a verdade: estava eu para ser mãe. Temia agora o regresso de Eros, cuja progenitora já havia melhorado.
Implorei a meu pai que me deixasse extinguir a vida que eu então, odiava!
— Não! Tens que resgatar o crime cometido contra a honra de nosso lar! Prevejo que queres morrer para te encontrares com o maldito Cláudio Robério! Tens feito a minha desdita e quero que também padeças como desventurada mãe!
Meu marido avisou que só regressaria no fim do ano que transcorria, então. Antes que ele chegasse fui transportada para uma casa solitária, nos arredores de Delfos, onde ninguém me conhecia, e fiquei sob a vigilância feroz de Solano e Esméria.
Os dias foram-se sucedendo e, uma tarde procelosa, veio ao desventurado planeta da Terra, um lindo ser humano, de cabelos louros, feições semelhantes às daquele a quem eu havia consagrado um afecto imorredouro.
Esméria prestou-lhe os primeiros cuidados depois envolveu-o em um manto róseo a contrastar com a minha dor e o pequenito foi entregue a Solano, que o abandonou numa gruta, pouco distante da estrada real.
Antes que o levassem, quando já ia ser expulsa de um lar que era seu, não cheguei sequer a beijar o fruto de um afecto veemente, pois perdi os sentidos!
Algum tempo depois, eu e os que me seguiram a Delfos, regressamos, tendo antes estado presa ao leito com intensa febre. Com a saúde intensamente abalada, voltei ao local de minha residência, pois não tardava a regressar Eros Argólida, chamado por meu pai, cujos negócios em conjunto com os do genro estavam fracassando: Um dia, disse-me o que me dera o ser:
— És uma filha desnaturada que trouxe a desonra a nosso lar, que se tornou maldito! Agi com acerto, eliminando dentre os vivos, o causador de nossos infortúnios e, até o presente ainda não me arrependi do que fiz! Agora, já nos ameaça a penúria, a falência temível e fragorosa! Nunca te perdoarei!
Não lhe respondi, pois, então, estava tão abatida que a menor emoção fazia-me desmaiar.
E os dias iam transcorrendo sem sucesso algum digno de menção. Quanto me arrependi por não haver fugido, antes que nascesse o meu filhinho, para longínqua região onde certamente, havia de encontrar quem se compadecesse de minhas desditas!
Meus pensamentos, quando desperta, eram todos consagrados àquele que continuava a ser o meu único afecto sobre a Terra — Cláudio Robério e o nosso filhinho, afastados de minha presença. Por vezes tentei sair de nossa habitação, para arrojar-me ao mar, porém, a vigilância incessante de Solano e Esméria não cessava.
Meu marido interpelava-me, com frequência, sobre a causa de minha enfermidade e tristeza permanente, mas eu me esquivava, dizendo-lhe que havia levado uma queda, da mais alta escada de nossa habitação.
Os negócios de meu pai e os de Eros não prosperaram mais, entrando em declínio e vários prejuízos consideráveis advieram. Meu genitor, tendo abalado o seu crédito de opulento negociante, desgostoso e desiludido, apareceu inerte em seu leito, tudo fazendo crer que havia posto fim à sua vida. Por algum tempo mais, vivemos eu e Eros em dolorosas cogitações mas, o que me torturava sem cessar era a presença do cruel Solano que, com frequência extorquia-me quantias valiosas, para as gastar em jogos ilícitos. Era eu forçada a retirar, ocultamente, dos bolsos de meu esposo, fortes importâncias que, por vezes, foram notadas por ele.
Passaram-se anos de inenarráveis apreensões. Vendo faltar recursos pecuniários para as exigências de Solano e Esméria, fui-lhes entregando as jóias, verdadeiras preciosidades de família, para satisfazer-lhes os dispêndios criminosos!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 7:07 pm

Imaginai, senhores, como transcorreu minha existência, durante vinte anos: prisioneira de dois algozes, que se regozijavam com meus tormentos e eu, por mais esforços que fizesse, não conseguia repelir a lembrança do passado, recordando-me, com frequência daquele que, por crueldade do Destino, só pude contemplar uma só vez — meu filho!
Quanto a meu infeliz marido, desalentado com os fracassos comerciais, alguns anos depois também morreu.
"Tornou-se dia a dia mais intolerável a minha vida na residência em que nasci, e vivi desde então, sempre amargurada e desditosa. Por diversas vezes, tentei saber notícias de meu adorado filho, mas não me era permitido ausentar-me do lar senão para um templo, sempre seguida, de perto, pela cruel Esméria.
Continuava prisioneira de Solano e sua assecla, cada vez em situação mais penosa, pois já estava à beira do abismo da miséria: só me restava o prédio, em que residia, mas já hipotecado, quando ouvi, dos lábios de uma velha mendiga, notícias relativas ao SOLAR DE APOLO, onde se acolhiam os infortunados, os que estivessem sem amparo, ou sem recursos pecuniários. Comecei, então, a planejar a fuga definitiva mas, como conseguiria efectuá-la? Uma vez tendo-me isolado no porão de minha residência, Solano e Esméria foram encontrar-me, depois de muitas buscas, e, o cruel assassino de Cláudio disse-me, encolerizado:
— Não tenteis fugir desta casa, pois sereis encontrada e, à volta, terminareis a vida supliciada! Se fordes abrigada por alguma pessoa conhecida eu vos denunciarei à polícia, como verdadeira mandante do homicídio de Cláudio Robério, cuja confirmação será efectuada com os vestígios existentes no fundo do quintal. Tereis a maldição dos parentes de Cláudio, o cárcere e a desonra.
— Porque então, não me tiras a vida que eu detesto?
— Porque quero o vosso sofrimento igual ao meu. Já deveis ter percebido que, apesar de minha inferioridade social eu vos consagro intenso amor, sabendo que me odiais! Compreendeis agora porque fui auxiliar de vosso pai no extermínio de Cláudio?
Fiquei emudecida, por alguns instantes; depois, com voz trémula, respondi-lhe:
— Liberta-me e eu venderei este prédio e dar-te-ei, bem como a Esméria, tudo quanto eu apurar!
— E para onde pretendeis partir? inquiriu ele subitamente.
— Sem destino, talvez para a Morte!
— Não tenteis pôr em execução o que pretendeis pois, se continuardes viva longe de meus olhos, serei inflexível na vingança! Saberei tirar desforra de vosso ultrajante desprezo. Agora, que soubestes que vos adoro só desejais desaparecer para outro local!
— Se me consagrais amor porque tens sido tão cruel para mim?
— Porque compreendo o vosso injuriante menosprezo, que eu devasso através de vossos olhos que têm para mim, o valor de um céu maravilhoso, o único que conheço!
— As lágrimas que têm fluído já lhes amorteceram o brilho que, brevemente, será extinto.
— E, nesse dia fatal também meus olhos hão de ficar cerrados para sempre!
Compreendendo eu que, mais do que até então, a situação se agravara ao ter notícias do Solar de Apolo, concebi a ideia de uma difícil retirada para este local! Mas como iludir a meus carcereiros? Há poucos dias, porém, a cruel Esméria adoeceu, e, abatida pela febre, ficou meio inconsciente, ocasião que aproveitei para tirar-lhe as chaves. Inspeccionei as gavetas, em busca de alguma quantia que me valesse em horas aflitivas, e resolvi por um prática o que me ocorreu à mente: Foge! Foge! Foge!
Reuni, pois, num pequeno envoltório, algumas peças de roupa, a quantia que possuía, deixei à vista as derradeiras jóias e escrevi algumas linhas em um rectângulo de pergaminho:
— "Não tolero mais a vida! Busco o repouso eterno nas profundidades do mar.
Tudo o que me pertencia, passará para Solano Almério que, por amor a Jesus, não abandonará a enferma, Esméria. Estes são os derradeiros rogos da infortunada Elmana Sêndria Argólida”. Deixei o escrito, à hora da partida, sabendo que o cruel Solano estava em algum antro de jogo ou de prazeres ilícitos. Finalmente, temerosa, abri o portão e pude respirar a atmosfera da Liberdade.
Como a estrada real estava deserta, ajoelhei-me, implorando o auxílio dos Mensageiros divinos e parti, sem destino, até que cheguei a um local onde eu sabia existir um senhor que vivia do aluguel de modestas carruagens.
Eu lhe menti dizendo que ia em socorro de um parente, que havia fracturado uma perna, e estava em artigo de morte.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 7:08 pm

— Pago-vos três vezes o vosso trabalho! disse-lhe eu, temendo que ele não quisesse enfrentar a viagem nocturna. Ele ficou reanimado assim que ouviu a promessa pecuniária que lhe sugeri.
Quando a sege se pôs em movimento, senti, pela primeira vez nesta existência, o prazer da liberdade, do desafogo, o que não me sucedia desde a infância! Foi assim que consegui chegar até Sicione, vendo-me longe da perseguição de dois algozes! Despedi o carro e esperei clarear o dia na soleira de uma porta. Quando alvoreceu e pude caminhar, com as vestes encharcadas de água, da chuva, ajoelhei-me, e comovida e em pranto, roguei ao Pai celestial que, se ainda não estivessem findas as minhas provas acerbas, permitisse que eu caísse ao solo, sem vida, para cessar o meu padecimento. Reanimei-me, porém, e consegui subir a colina e ser acolhida neste adorável Solar, cujo nome devia ser mudado para Solar de Jesus. Percebi logo que estaria sob a protecção de dois luminosos discípulos do bondoso Nazareno. Desde então, tenho vivido tranquila e feliz como nunca o fui! O que ora me amargura e deu causa à revelação que acabo de vos patentear, foi um recado imperioso que recebi, por intermédio de um dos mais recentes asilados, de que Solano foi cientificado pelo cocheiro que me conduziu, pois saiu ele em busca de minha pessoa, quando soube que eu prometera suicidar-me e pôs em dúvida minha afirmativa. Declarou que viria a este local denunciar-me como mandante do homicídio de Cláudio Robério, pelo qual eu teria sacrificado a própria vida, de bom grado, afirmando mais que ia denunciar-me também como matricida.
— Que monstruosidade, senhora! exclamou Argos Políbio extremamente emocionado. Aproximou-se de Elmana e interpelou-a com voz trémula: — Dizei-me, senhora: tendes certeza de que vosso desditoso filhinho não foi morto pelo cruel Solano?
— Sim, porque meu pai embora impiedoso, me revelou que ele foi recolhido por um digno cavalheiro, mas não quis revelar-me o seu nome, para eu não ir procurar meu desconhecido e adorado filhinho! Tendo eu agora conseguido libertar-me dos algozes, meu objectivo principal é o de rogar vos o auxílio precioso para pesquisar a verdade, indo aos arredores de Delfos, a fim de conseguir saber o paradeiro do querido enjeitado, sempre lembrado com saudade e remorso.
— Lembrai-vos ainda do dia em que ocorreu o nascimento do vosso descendente?
— Sim, 24 de maio.
— Qual foi a vestimenta de vosso filho?
— Não me foi permitido fazer-lhe sequer uma peça de vestuário. Foi ele envolvido em um manto róseo que eu tinha e do qual sem que o percebesse meu pai, cortei um fragmento, que conservo encerrado em uma medalha de ouro, a única jóia que restou das muitas que eu possuía.
— Pois bem, senhora, logo faremos um confronto do fragmento que guardastes como relíquia preciosa com o manto onde fui achado, pois eu, também, ao fugir de casa não tive coragem de abandoná-lo.
— Que dissestes, senhor? Enlouqueci eu? interpelou Elmína, aproximando-se de Políbio, com os olhos fúlgidos.
O jovem ergueu-se, também, apertou-a no braço falando com a voz trémula de emoção:
— Deixai agora, o perverso Solano vir até este Solar, senhora! Jamais vós o temereis, pois já tendes vosso filho para vos defender!
— Que ouço eu, Jesus? Dizei-me se ainda não enlouqueci, senhor? - falou a desditosa Elmana, em lágrimas, e, subjugada pela emoção, que lhe avassalou a alma, perdeu os sentidos, mas foi amparada pelo seu adorado filho Políbio!
* * *
Quando Elmana terminou a narrativa de sua vida, foi abraçada pelo filho, soluçante, sendo tão intensa a sua emoção, que perdeu os sentidos; Flávio amparou-a também, indo em seguida, chamar a generosa criatura que por ele se havia sacrificado, sua mãe adoptiva, que exultou, com a notícia.
— Obrigado! Obrigado! murmurou Políbio, sorridente, retribuindo os abraços dos amigos. Repentinamente, tendo empalidecido, Políbio falou com voz emocionada e suave:
— "Amigos e irmãos, a data de hoje será eternamente, comemorada em vossos espíritos!
Triunfastes do Mal e esse sucesso faustoso já vos proporcionou uma alegria sem par! Obedecei aos ditames divinos e não sereis jamais abandonados, em hipótese nenhuma, salvo se vos desviardes do carreiro luminoso da Honra e do Dever. Aqui, no Solar de Jesus, conforme a inspiração da irmã Elmana, congregados fraternalmente, vós vos afastastes das misérias humanas, a fim de revestir vossas almas com o escudo da heroicidade moral e espiritual, contra o qual não prevalecerão os golpes dos adversários de Jesus: o ódio, a vingança, a impiedade!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 7:08 pm

Cumpri a vossa missão terrena por maiores que sejam os dissabores que vos atingirem! Tendo Jesus em vossos corações, todos os vossos prazeres, vossas decepções serão suavizadas nas horas amargas.
Não vos faltarão dissabores, horas penosas e trágicas, mas tudo sofrereis, tendo em mente Jesus que, por única recompensa, após tantos actos carinhosos que praticou, recebeu dos beneficiados a coroa de espinhos, os cravos lacerantes, que lhe feriram o corpo, mas tudo quanto padeceu lhe deu direito de ascender às Regiões radiosas do Universo!
Trabalhai, pois, com persistência e sem desfalecimentos na Seara do Senhor!
Vivereis, doravante, como se houvésseis nascido num mesmo lar, no qual o afecto sincero e profundo é imperturbável e há de ultrapassar os milénios porvindouros! Doravante, este bendito alcáçar terá por designação — Solar de Jesus — sucedendo à do luminar dos deuses mitológicos — Apolo — consagrado às Artes e à Medicina, pois o Rabi da Galileia culminou todas as divindades ideadas pelos seres humanos na evolução psíquica e na perfeição moral!
Aqui, no Solar de Jesus, sob a protecção do Mestre bem amado, deverá predominar a lealdade, o combate ao Mal, ao desvario, à devassidão, ao que for nocivo à alma e ao corpo! Intensa será a batalha contra os adversários da alma, porém, o resultado será compensador.
Não decorrerão muitos anos e tereis uma surpresa estonteante, a princípio desoladora, depois confortadora, com a vinda, para este Solar, de alguém que muito amais, cujo auxílio muito intensificará a vossa actividade!
Aguardai, pois, as surpresas, dolorosas e dignificadoras do Destino, que é o intérprete do Legislador Universal — DEUS!"
Com um prolongado é profundo suspiro, Argos Políbio mudou de entonação de voz, fitou com o olhar amortecido os que o rodeavam e, após ligeira pausa, com outro timbre, expressou os pensamentos de novo Mensageiro sideral:
— "Irmã querida, que aqui vos achais pela vez primeira, eu vos sigo há muitos séculos e sou conhecedor de todos os erros e de todas as provações por que tendes passado. Não vos ofenderão as minhas palavras, pois são baseadas no afecto que vos consagro.
Em encarnação passada pertencentes a elevada classe social. Fostes vaidosa, fátua e impiedosa. Cometestes faltas graves, traístes um nobre esposo com àquele que, na presente existência, foi vosso único e veemente afecto, Cláudio Robério, traiçoeiramente eliminado pelo que chamastes de pai e que tinha sido o esposo ultrajado em transcorrida existência. Solano Almério foi outro consorte traído e que, na existência que transcorre, tornou-se vosso mais temível e cruel adversário. Éreis excessivamente consciente da vossa formosura venusina, a qual constitui uma das mais ásperas provas planetárias, pois a vaidade de ser requestada, lisonjeada e adorada, torna a mulher formosa, frívola e conquistadora, dominada pelo desejo de suplantar as suas rivais. A beleza material, tão decantada na Grécia antiga, tem causado mais malefícios que bênçãos. Grande parte da ruína da nossa pátria se deve à guerra de Tróia, motivada pela peregrina beleza de Helena. Todos os dissabores, todas as angústias que assediam vossas romarias neste planeta de dores, tiveram origem na vossa vaidade. E ainda não estão findas as vossas provas, irmã querida! Desprezastes um violento e perverso apaixonado, que sempre foi preterido: Solano Almério. Este, enlouquecido pelo vosso abandono e vosso desaparecimento, não deu crédito ao propalado suicídio e após pesquisas minuciosas, descobriu o local onde vos achais foragida! Ele aqui virá ter, disposto a cometer violências. Já tendes quem vos defende, irmã querida, porém é mister que useis de um estratagema, a fim de evitar graves consequências por não terdes vos submetido à sua cruel e desumana exploração. Quando o vosso rancoroso adversário chegar, deveis atendê-lo com inalterável brandura, sendo-lhe informado que uma desventurada mendiga, que se dirigia para este solar, caiu na estrada que a ele conduz e exalou o derradeiro suspiro antes que pudesse ser socorrida, tendo apenas tido tempo para identificar-se ligeiramente.
Que Jesus vos ilumine as almas onde já fulguram ideais excelsos e vos conceda imorredouras consolações!"
Terminou, assim, a orientação de um dos guias siderais que à Terra descem para o desempenho de importantes missões psíquicas.
* * *
Desde aquele dia inolvidável em que Elmana Sêndria relatou aos dirigentes do Solar de Jesus as ocorrências de sua dolorosa existência, foi ela incorporada aos que dirigiam os asilados do famoso castelo que havia pertencido a Argos Zenóbio.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 7:09 pm

Apesar da apreensão que lhe causara a notícia relativa a seu tenaz adversário, ela experimentou pela primeira vez em sua acidentada existência, horas de conforto moral, de alegria inexprimível, por haver encontrado aquele que era, desde o seu nascimento, a preocupação máxima de sua vida — seu filho!
Decorridos alguns dias, certa manhã, aproximou-se do alcáçar, um homem já encanecido, de aspecto consternador: estatura elevada, descarnado, nariz adunco, olhos circulados de cor violácea, cabelos bastos e incultos, denotavam a criatura escrava. Curvo ao peso de uma vida de paixões violentas, eivada de crimes, tinha o aspecto de um vencido nas provas planetárias; sem desejar, contudo, patentear seus intuitos, falou, ao aproximar-se dos senhores do Solar de Jesus, fitando-os com insistência:
— Desejo falar-vos a respeito da senhora Elmana Sêndria que, há poucos dias, transferiu sua residência para este local.
Foi recebido em um dos salões destinados as audiências, onde predominava conforto, mas não em excesso.
— Não estais iludido, senhor? inquiriu Flávio.
— Tenho absoluta certeza de que ela veio residir aqui onde chegou, conduzida por uma sege de um de meus amigos, que me transmitiu todos os informes.
— Já me lembro, senhor, da referida dama, de aspecto nobre, cabelos louros, já encanecidos, vestes de luto.
— Sim! Vós a conheceis, senhor! exclamou o recém- chegado, animando-se.— Pois bem, senhor, ela aqui chegou, mas antes de transpor os umbrais deste castelo, depois de haver dito onde residira, declarando que deixara tudo quanto possuía para dois servos fidelíssimos, perdeu os sentidos, sucumbindo logo após, não pronunciando mais uma só palavra!
— Que dissestes, morreu Elmana Sêndria? Será verdade? falou o desconhecido, erguendo-se da cadeira que lhe fora designada pelos senhores do Solar de Jesus.— Calma! Sois parente da desditosa senhora? Quereis ir orar em seu sepulcro?
— Não! Fui seu dedicado servidor durante mais de trinta anos. Eu a estimava muito, mas fui compelido a vir, aqui, relatar-vos episódios trágicos de sua vida de consorte: infiel!'
— Ainda pretendeis lançar a desonra sobre quem já consumou uma infortunada existência, senhor? interpelou-o Políbio, erguendo-se de um impulso quase involuntário do local em que se encontrava acomodado. Era ela, uma desditosa que vinha em busca de conforto espiritual como o temos que aqui são acolhidos e viveu apenas poucos momentos! Deu-nos a conhecer, como já vos revelei, que possuía haveres valiosos tendo-os legado a dois dignos servidores para que estes pudessem viver sem preocupações.
Já legalizastes o que vos pertence? Se necessitardes de algum informante perante as autoridades eu e meu amigo Flávio Genésio estamos prontos a prestar-vos auxílio.
— Obrigado, senhores! Só desejo saber se ela aqui estava acolhida para evitar ser detida pelas autoridades policiais, pois tinha sob os ombros o peso de um crime nefando: o extermínio de um filho ilegítimo, que ela me encarregou de abandonar na gruta existente nas proximidades, de Delfos.
— Sois parente da desditosa senhora? Porque tanto a acusais?
— Não! Fui seu dedicado servidor e confidente durante mais de trinta anos consecutivos! Eu a estimava bastante, mas vim aqui para vos relatar a verdade e vários episódios de sua vida que poderia ter sido a de uma digna consorte.
— Ainda pretendeis fazer revelações mesmo depois de saber que seu corpo já baixou a um túmulo? Era uma desventurada, pois, nos derradeiros momentos de vida, ela nos deu a conhecer a triste realidade, mas teve mais pressa de afirmar que, tudo quanto possuía, legara a dois servos que ficaram na habitação que lhe pertencera. Já legalizastes a posse?
— Não! Queria avistar-me com ela para fazê-la retroceder, voltando a seu lar deserto! Ela não precisava viver de esmolas, pois possuía uma fortuna! Faltou com a verdade, pois declarou que ia arrojar-se ao mar, no entanto, queria fugir da presença dos que lhe foram consagrados durante três decénios!
— Não devíeis acusá-la, senhor, pois foi ela generosa convosco e sua serva!
— Como a defendeis com ardor, jovem senhor! Compreendo, porém, o que ocorreu: queria ela enclausurar-se para fugir à dor de remorso!
— De que remorso falais? Não podeis usar de lealdade? Estais entre pessoas de confiança. Queríeis que ainda vivesse para que a denunciásseis?
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O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama - Página 4 Empty Re: O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 7:11 pm

— Esse era o meu intuito quando aqui cheguei, mas, agora, que já sei o que me relatastes, só me resta sair com amarga decepção na alma, se é que a possuo! Políbio percebeu o seu grande sofrimento e, como já tinha experiência adquirida que o Bem desarma melhor o braço do criminoso do que o Mal, foi buscar um copo de água para lhe dar, enquanto conjecturava:
— Foi esse miserável delinquente que tanto fez padecer a infortunada que me deu o ser. Ele, porém, podia ter-me tirado a vida, quando me levou à gruta. Porque não o fez? Quem sabe não foi minha desditosa progenitora que não consentiu na execução de um tão cruel delito, e, por isso, comprou com sacrifícios inauditos a sua forçada generosidade? Ela há de revelar-me a verdade!
Quando Políbio voltou e lhe deu o copo com água, ele o tomou com ansiedade e, depois, como num brado de consciência, falou aos que o estavam escutando:
— Não devo mentir em hora tão grave, meus senhores! Confesso-vos que, decorridos alguns anos, sob a insistência de Elmana, regressei aos arredores de Delfos e soube que o menino, nascido neste mundo cruel não morrera e fora abrigado por um generoso casal...
— Garantis, pois, que a criança não foi atirada às ondas, interpelou Políbio ao desventurado.
— Sim! Não o matei, embora houvesse recebido ordens de meu amo para o fazer, pois compreendi que o pequenino desprovido da família, do carinho materno, do próprio nome familiar, era digno de compaixão e, quem sabe, talvez encontrasse alguém que o adoptasse como verdadeiro filho, o que sucedeu, efectivamente.
— Procedestes com muita piedade e vosso acto é digno de louvor! exclamou Políbio, acercando-se do mísero Solano, que o livrara da morte deixando-o sobre a Terra para ter ensejo de sofrer e resgatar os crimes do passado tenebroso. Nunca fostes recompensado pela progenitora do infeliz enjeitado?
— Não... vacilou Solano, fitando o jovem Políbio, com desconfiança. Eu agi por conta do progenitor de Elmana, que me gratificou parcamente e contentei-me somente em proceder como servo fiel penalizado com o sofrimento da desventurada mãe que ficara à mercê das censuras paternas, calando suas mágoas para que houvesse sigilo sobre o adultério que cometera.— Foi ela a responsável pela morte do amante?
— Ela concordou com o progenitor em que desaparecesse, por completo, o causador de sua desdita.
— Mas, ela não o amava intensamente? tornou Políbio, para não causar suspeitas.
— Sim, mas temia a chegada do consorte, um árabe vingativo e cruel! Agora, senhores, eu vos agradeço a acolhida fraterna que me dispensastes neste Solar e vou retirar-me, gratíssimo aos dois.
Se eu necessitar de algum informe a respeito do legado que a inditosa Elmana me concedeu e à sua dedicada serva Esméria, talvez ainda venha aqui, para vos solicitar detalhes sobre sua morte conforme garantistes.
Depois, pronto para partir, Solano, fitando os senhores do Solar de Jesus, com a voz trémula de emoção, interrogou:
— E, se algum dia, perder eu tudo quanto vou possuir, poderei ser acolhido neste castelo?
— Sim, se fordes prejudicado por alguma calamidade, pois achamos que vós e a servidora da desventurada Elmana, com critério e economia, podereis aguardar o futuro sem receio da pobreza! Cremos que não sois perdulário ou jogador inveterado, mormente agora que tendes o pão garantido para o resto da existência! exclamou Flávio, percebendo que Solano desejava arriscar no jogo a fortuna que recebera, sabendo que teria o pão garantido, como sucedeu aos moradores do Solar de Jesus.
— Mas, às vezes, sucedem infortúnios inesperados e veem-se milionários tornarem-se párias sem destino.
— Que Jesus vos livre de semelhante desdita, senhor! exclamou Flávio, fitando-o com surpresa e suspeita incontida.
— Só o futuro, sempre enigmático, poderá dar-vos condigna resposta. Vou agora fazer-vos um derradeiro pedido: poderei ver o sepulcro da desditosa Elmana Sêndria? — Sim! responderam os dois, e, erguendo-se, conduziram Solano à Necrópole do Solar de Jesus, onde, sem dificuldades, mostraram-lhe o sepulcro, ou antes, a cova mais recente.
Ao vê-la, Solano foi dominado por um tremor incontido, da cabeça aos pés, e, esmorecendo, começou a soluçar.
Compadecidos do desventurado, os acompanhantes o abraçaram e, quando ele pôde falar, dirigiram-lhe palavras de conforto. Parecendo arrependido do que fizera Elmana sofrer, falou-lhes, com manifesta sinceridade:
— Desejo voltar a este bendito Solar no termo desta vida amargurada! Desejo repousar antes que meu corpo desça ao túmulo. Consentireis que eu realize esse desejo?
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O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama - Página 4 Empty Re: O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 7:12 pm

— Sim, mas permiti, que eu vos elucide, senhor, falou Políbio, que só repousam depois da morte, unicamente os que cumpriram todos os seus deveres sociais, morais e espirituais!
— Sabeis, acaso, que tenha eu cometido desatinos ou crimes ocultos? interpelou-o Solano, fitando-o exaltado.
— Eu não formulei semelhante acusação, meu amigo, apenas afirmei que só conseguem repouso, no plano espiritual, os que estão isentos de penalidades divinas ou humanas!
— E sabeis, por acaso, que eu já tenha faltado com os deveres que mencionastes?
— Não! Falei apenas baseado na filosofia dos mais eminentes cultores da moral humana, respondeu-lhe Políbio, suspeitando que ele desconfiara que Elmana houvesse feito alguma referência comprometedora a respeito de sua vida de delinquente.
— Aqui na Terra vivemos em trevas, a respeito de porvir após túmulo e só os que recebem as revelações dos Mensageiros celestes, podem guiar-nos através dos carreiros pedregosos da vida planetária.
— Ainda bem, senhor, que fostes sincero.
* * *
Assim terminou a conferência de Solano Almério com os proprietários do — SOLAR DE JESUS — transformado em abrigo de duas centenas de desditosos.
Solano partiu, acabrunhado e com a alma repleta de remorsos, desde que ouvira a notícia do passamento de sua vítima indefesa, exausta de tantas amarguras sofridas para que não fosse patenteado o que constituía o segredo de uma desventurada mãe, no entanto, ao saber que ela já baixara ao túmulo, conjecturou em seu íntimo:
— Será crível que duas pessoas, que dirigem uma missão excelsa de caridades cristãs, com aspecto tão nobre, tenham faltado com a verdade? Teria Elmana, antes de morrer, a lembrança de relatar-lhes algo de nossa existência na mesma habitação?
Houve momentos que me pareceu que ambos estavam a par de meu passado.
Partiu ele, assim, com a alma confrangida por dolorosas suposições.
Quando os que ficaram no Solar de Jesus, cientificaram Elmana da conversa havida com o seu principal algoz, foi firmemente combinado que, daquela data em diante ela passaria a ser chamada Diana Apoloma para que ninguém, pudesse dar algum informe que contrariasse o que foi exposto a Solano.
Outros sucessos, entretanto, ocorreram no famoso castelo.
Um dia, Políbio, tendo em mente seus protectores da infância, onde passou quase vinte anos de relativa felicidade, enviou um emissário a Delfos, com recomendação expressa de ir à casa de Samuel Isócrates, seu desvelado protector, e foi surpreendido com uma dolorosa notícia que o abalou até o âmago de sua alma sensível.
Seu pai adoptivo mantinha-se da mesma forma com os seus seres queridos, mas, tendo efectuado um empréstimo a um amigo, este desaparecera, repentinamente, e, jamais dera notícia, deixando-o em situação embaraçosa. Se não fora o cunhado, marido de sua irmã Anália, ficaria em situação desesperadora!
Além dos revezes de ordem pecuniária tivera outros de maior vulto: sua única filha, Emérita, já consorciada com seu primo e companheiro de infância, Plotino, convidara os sogros e os progenitores para uma excursão ao Golfo de Corinto, por uma formosa manhã primaveril. Samuel e a esposa, lembrando-se do que acontecera a Políbio, fizeram esforços para que desistissem do passeio, mas não foram atendidos e, à tarde, receberam a lúgubre notícia de que a barca em que foram excursionar tangida por um tufão, se esfacelara de encontro a um recife e, antes que pudessem ser socorridos, pereceram afogados Anália, seu marido Eurípides e os jovens Plotino e Emérita.
Foram infrutíferos os esforços para que fossem encontrados os quatro cadáveres daqueles seres queridos!
— Como terminou a ventura que foi o meu único sonho desde os primeiros anos de juventude! exclamou Políbio, ao ter notícias do infausto acontecimento. Não há ser humano racional, que não fantasie uma era de felicidade para si próprio e seus entes bem amados, mas, essas aspirações, às vezes ilógicas, irrealizáveis, prejudiciais a nosso próximo, não se efectuam, ou se conseguem atingido o plano terreno, tornam-se falazes ou irreais. Deve ser por isso que, quando eu pretendia conquistar o que me parecia a suprema ventura, golpeando corações ditosos, justamente quando foi iniciada a minha missão espiritual na Terra ouvi, em horas avançadas da noite de inquietação e vigília um dos Mensageiros siderais segredar dentro de minha própria alma desalentada:
— "Não existe a decantada felicidade neste planeta como a aspiram os entes humanos! Os homens nasceram para felicidade mais alta, gloriosa e duradoura".
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 09, 2023 11:24 am

Políbio, abalado por soluços incoercíveis, deixou-se cair numa cadeira cobrindo o rosto com as mãos.
— Coragem, amigo! disse-lhe Flávio, abraçando-o afectuosamente.
Elmana, que chegara naquele instante, interrogou-o, com verdadeiro interesse maternal:
— Que tens, meu querido filho? Foste sabedor de alguma notícia desagradável?
Flávio, sempre solícito, satisfez-lhe a legítima curiosidade:
— Soube ele da morte trágica de irmãos com os quais fora criado e educado, bem como dos pais deles. Seu sofrimento aumenta ao pensar em quão profunda deve ser a dor de Samuel Isócrates e sua esposa, nestes dolorosos momentos.
— Pobre filho! Quem lhe transmitiu tão funesto sucesso? interpelou Elmana com crescente desejo de amenizar a tortura que atingira Políbio. Depois de diversos alvitres confortadores, Políbio, mais calmo, abraçou sua mãe e Flávio, dizendo-lhes, com emoção:
— Obrigado, meus amigos! Vejo em tudo quanto nos sucede a execução das Leis divinas, que presidem nossos destinos. Só agora compreendo tudo quanto antecedeu a minha partida definitiva de Delfos, em um período dolorosíssimo de minha existência.
Quando ia eu idealizar a execução de um sonho bem amado, julgando ser correspondido por quem adorava desde a infância, fui atingido pelo golpe do Destino, tornando-se um quase inválido, um desditoso mutilado. Desde então notei a criatura amada afastar-se de mim, correspondendo ao outro. Não tinha limites o meu desengano! Tinha que me resignar a ser infortunado até que baixasse a uma tétrica sepultura! Não tive a calma conveniente para suportar a tortura que se apoderou de meu coração. Era preferível a morte do que uma existência como a que me esperava, sempre difícil de prever sua duração. Projectei, então, egoisticamente, o extermínio daquele que foi meu companheiro de infância, de estudos e de juventude, e, se tivesse efectuado o meu sinistro intento, golpearia, ao mesmo tempo, cinco extremosos corações e ficaria marcado como uma das mais aviltantes designações humanas: Assassino! Traidor!
Foi então que ocorreu a aproximação de um de meus amados Mentores espirituais que me forçou a arrojar ao solo a arma fratricida e fatídica e fugir do único lar que, até então, me fora dado possuir sobre a Terra!
Como hoje abençoo esses desvelados companheiros de intensa dor que paternalmente guiaram meus passos vacilantes para este bendito castelo. Como tudo se gravou eternamente em meu espírito: a fuga, o desalento, a aproximação deste Solar de Apolo ou de Jesus, cujo novo nome melhor interpreta as suas nobres finalidades!
Agora, o que mais ardentemente almejo e imploro, e que meu grande amigo aqui presente, Flávio Genésio, me conceda sua autorização para eu enviar um convite ao meu antigo protector, verdadeiro pai espiritual, Samuel Isócrates, para que venha colaborar connosco nas pelejas do Bem, como Legionário de Jesus.
— Ainda duvidas, Políbio, falou Flávio com generosidade, que esteja eu de pleno acordo contigo neste ponto?— Obrigado! disse Políbio, abraçando o bondoso companheiro. Amanhã, ao alvorecer, chova ou faça esplendido dia, expedirei um emissário a Delfos, pois sei que tudo está fracassando na vida de meu amado protector e quero proporcionar-lhe, e à digna companheira de existência, significativa prova de afecto pelos benefícios que hei recebido em companhia de ambos, meus verdadeiros pais espirituais! Qual será a impressão que terão ao saber que ainda vivo no plano terreno? Que conforto receberão seus corações em momento de tanto sofrimento, pela morte de quatro entes bem amados?
— Estou ao teu inteiro dispor, Políbio, e desejo auxiliar-te nas acções generosas!
— Vinde, pois, até aquela secretária, amigo, pois vou ditar a carta que já formulei em minha própria mente. Ei-la:
"Inolvidável Pai e amigo Samuel Isócrates:
Somente agora, após mais de três anos de ausência forçada, tive notícias do trágico sucesso que enlutou e amargurou vosso lar e vosso coração. Lembrei-me, pois, de vos dirigir estas palavras afectuosos que não foram traçadas pela mão inexistente mas por intermédio de um segundo Pai, que ora escreve o que dita minha própria alma agradecida e que compartilha de vossa grande dor.
Talvez desejeis retirar-vos de Delfos para outro local que não recorde tão intensamente o que sofrestes com a vossa digna esposa.
Lembrei-me, pois, de convidar-vos para uma Cruzada em que estamos empenhados e que, certamente, terá mérito no vosso conceito, pois não trabalhamos mais para as conquistas terrenas, mas para as que elevam os espíritos às regiões siderais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 09, 2023 11:24 am

Aqui deixou de ser o Solar de Apolo e passou a denominar-se o Solar de Jesus, pois este é o nosso Mestre, o nosso eterno modelo, o que nos ensinou a laborar para a Redenção espiritual!
Nós vos esperamos com o nosso coração reconhecido, desejando que venhais nos auxiliar nos prélios do Bem, da Justiça e da Redenção. Sois um inspirado celestial, e, portanto, contamos com o vosso concurso inestimável. Aqui vos aguardamos, com ansiedade, tenho oportunidade de verificar que vos consagro um afecto leal e profundo.
Vosso filho adoptivo e amigo sincero, Argos Políbio”.
* * *
Já haviam decorrido mais de três anos que Políbio e Flávio dirigiam os diversos labores do Solar de Jesus, onde todos viviam na mais cordial confraternização. Todos os sucessos que ocorriam no seu interior, eram encarados com verdadeiro critério e todos os asilados se consideravam ditosos por haverem conseguido tanta paz e tanta harmonia naquele reduto que não desmentia a designação que lhe fora posta em hora de inspiração: o Solar de Jesus!
Fabiana e Elmana dirigiam os afazeres domésticos; Políbio e Flávio zelavam pelos trabalhos e pelas despesas. Todos estavam acordes em enaltecer a Justiça e a paz que reinavam no castelo e em suas próprias almas.
Alguns jovens já haviam efectuado consórcios afectuosos sob a protecção de seus parentes e, sobretudo, dos dois magnânimos proprietários do famoso Solar de Apolo, como ainda era chamado algumas vezes.
Enquanto aguardava o regresso do emissário enviado a Delfos, Políbio vivia em meditação e muitas foram as mensagens siderais transmitidas por seu intermédio.
Todos os aliados do Solar de Jesus, agiam de comum acordo, não só na direcção dos labores que se verificavam diariamente, como nas reuniões fraternais ali efectuadas.
Começaram a surgir os frutos resultantes de uma excelente administração. As terras produziam alimentos variados, cereais, legumes, frutas que, chegavam para o abastecimento do Solar e sobravam para vender nas feiras vizinhas.
Os jovens eram os mais activos e interessados nos labores agrícolas dos quais dependiam as produções que eram utilizadas por todos os moradores do antigo Solar de Apolo. Raras foram as desavenças entre os abrigados e, conforme a questão aventada, havia um imparcial julgamento promovido pelos dirigentes do castelo —Políbio e Flávio. Quase sempre Argos Políbio recebia dos planos espirituais alvitres conciliadores, que a todos satisfaziam com imparcialidade, Um dos salões outrora consagrado a festejos monda-nos, foi transformado, durante o dia, em escola infantil e à noite, em curso para os adultos que, até então, não tinham tido oportunidade de aprender a ler.
À tarde, depois da segunda refeição, uma vez por semana, activavam-se os habitantes para que participassem de alguma reunião de pregações morais ou psíquicas. Nessas fraternas reuniões, sempre tomavam parte Fabiana e Elmana, que se tornaram inseparáveis amigas.
Elmana, que passou a ser denominada Diana Apoloma. tinha arroubos de Fé e gratidão dirigidos ao Criador do Universo, revelando-se uma eficiente colaboradora dos serviços administrativos.
* * *
Após o convite filial que Políbio dirigiu a seus protectores da infância, decorreram algumas semanas e, por uma tarde hibernal, chegaram aqueles dois amigos ao Solar de Jesus, sendo recebidos com o maior acatamento e carinho por todos os presentes.
Nereu e sua consorte já haviam partido para o além.
Depois de refeitas as forças orgânicas, esgotadas em aspérrimas lutas, tendo ambos sido substituídos no templo de Delfos, e, com a recepção afectuosa que lhes fora dispensada, alguns dias após sentiam-se reanimados, embora envelhecidos e algo abatidos.
— Estamos nas proximidades do Solar de Minerva, que pertenceu a meus pais, e, logo depois de sua morte, era meu e de minha desditosa irmã, disse Samuel a seu filho adoptivo.
— Quereis ir vê-lo, pai? Mandarei aprestar a sege para vos levar.
— Não, filho, não o quero ver, jamais. Era também meu desejo, Políbio, jamais penetrar neste castelo, ou antes, nesta região, onde tanto padecemos eu e meus entes queridos, mas o Destino impeliu-me a agir de modo contrário, para minha humilhação, ou meu maior conforto. É sempre caprichosa a nossa sina! Temos que nos curvar sob o seu império inexorável!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 09, 2023 11:25 am

— Não, pai, respondeu-lhe o jovem inspirado. Em bendita hora vós me levastes ao templo de Delfos onde desabrochou a faculdade psíquica que me salvou do mais bárbaro delito e do suicídio. As luzes que lá me foram transmitidas, em hora oportuna, foram-me preciosas, pois, após haver sido decepado meu braço direito, compreendi que assim foi decretado pelo Juiz Supremo para não cometer um revoltante crime que iria ofender, esfacelar os corações que, até então, tinham sido mais generosos para comigo.
— Pois pensaste, filho, em exterminar teu companheiro de infância? interpelou-o Samuel admirado.
— Sim, pai, e, neste momento, eu vos imploro perdão, como já o fiz, inúmeras vezes, ao Magistrado universal. Eu fui preterido por aquela que eu já julgava noiva e, embora não vos houvesse revelado, agora confesso toda a verdade: quase enlouqueci de desespero e quis impedir que outrem fruísse a felicidade que eu desejava para mim.
Tudo se passou no recesso de minha alma e, foi quando ouvi um amigo invisível bradar a meus ouvidos: — "Foge, desventurado Políbio, para que não apunhales corações amigos e paternais!"
Obedeci ao imperativo da voz tutelar e quanto tenho agradecido ao Pai celestial o haver me proporcionado tão desvelados inspiradores! Deus tudo remediou nos momentos angustiosos. Nunca havia sonhado com a posse deste Solar que, se já foi o palco de cenas condenáveis, hoje é o refúgio dos desventurados, o conforto dos discípulos de Jesus!
Eu, que já perpetrei diversos homicídios em vidas anteriores e, para que não fosse também assassino na que decorre, o alfanje da Tamis divina decepou o meu braço direito! Ao princípio, nos primeiros dias do martírio moral eu me revoltei contra o Destino, mas, depois, quanto o tenho bendito! O Destino, pois, pai, não é arbitrário, mas baseado no Código celestial.
Tudo quanto nos sucede tem uma base real na vida presente ou nas outras peregrinações planetárias, já transcorridas. Por mais que nos atormente essa verdade, devemos nos resignar com os sucessos dolorosos de nossas existências materiais e agradecer ao Sumo Juiz por nos ter proporcionado o ensejo de resgate de uma dívida penosa.
— Muito te agradeço, filho, as elucidações que acabo de receber! exclamou Samuel, apertando a mão de Políbio. Não duvidarei, jamais, de que tens recebido as inspirações dos Mensageiros celestes!
— Obrigado, pai! Todos os nossos esforços devem tender para culminar este objectivo: nossa Redenção espiritual!
— Dizei-me, pai, como deixastes a missão que desempenháveis em Delfos.
Samuel deixou transparecer profunda melancolia no olhar, e respondeu:
— Por enquanto, prossegue a obra de paz e espiritualização que tem por centro de forças aquele Santuário, mas fomos informados pelos nossos mentores de que as condições de trabalho se tornam cada vez mais difíceis e que talvez tenhamos de cessar as nossas actividades no plano físico, lá, por longos séculos. As trevas preparam uma aliança nefanda com os bispos cristãos, em consequência da qual eles abandonarão os princípios da sua religião, para participar do governo material do mundo. Prevê-se um demorado período de deturpação dos ensinos de Jesus. Fadado a desaparecer da superfície da terra, o império romano tentará sobreviver na consciência dos homens pelo terror. Não será possível impedi-lo porque a humanidade em conjunto adora o bezerro de ouro, evolui lentamente e não está apta a apreciar em seu justo valor as lições de Jesus. Durante muitos séculos os homens ainda buscarão os gozos efémeros da matéria, o poder temporal, esquecidos do espírito e desprezando as revelações cristãs. Mas a dor e a desilusão os acompanharão e um dia todos serão despertos para a Verdade. Até lá, deveremos trabalhar sem desfalecimento, hora a hora, minuto a minuto, sem indagar se chegaremos a ver os frutos do nosso, labor. Todos os homens estão fadados a se tornarem génios do bem, por muito que se transviem e retardem.
Herodes, o autor da matança dos inocentes, virá a ser mais tarde o protector da infância desvalida com o nome de Vicente de Paulo. Judas Iscariotes renascerá como Joana D'Arc; os sumos sacerdotes que condenaram Jesus serão os maiores defensores e divulgadores da sua doutrina, futuramente. Portanto, não há razão para o pessimismo. Só o Bem é eterno, porque emana de Deus; o mal é apenas o Bem ainda imperfeito, como o diamante é o brilhante ainda não lapidado.
A conversa entre os dois amigos prolongou-se por várias horas, dela participando com proveito o velho Flávio e Elmana Sêndria.
* * *
Desde o dia em que, em conjunto expuseram os seus sentimentos e seus nobres intuitos, Samuel, Políbio, Flávio e todos os seus auxiliares, se constituíram em verdadeiros discípulos de Jesus e tiveram oportunidade de incentivar os labores espirituais e materiais, exercendo todos os misteres sob as Leis da Fraternidade que agradavam a todos os asilados.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 09, 2023 11:25 am

Samuel, muitas vezes, presidia as reuniões que eram efectuadas à tarde, no pátio do castelo, revelando-se sempre grande mentor.
Chegando ao remanso de paz que lhe foi proporcionado pelo filho adoptivo, que ele julgara desaparecido e sem reconhecimento, desde que abandonara seu lar, Samuel mais uma vez pôde compreender a excelsitude e a sabedoria do Criador que reúne os inimigos do passado para torná-los amigos e permite que reparem os danos praticados.
Um dia, fitando-o ao lado de Flávio, disse-lhe:
— Como te pareces com o antigo senhor do Solar de Apolo, Argos Zenóbio!
— Já eu o disse, senhor, respondeu-lhe Flávio. Parece que Argos renasceu, com o mesmo aspecto mas, com o espírito totalmente diferente, pois as ideias generosas deste não se coadunam com as do violento senhor primitivo deste castelo. Quem sabe se o Pai celestial não lhe deu, pela segunda vez, este imponente Solar para que possa ele remir as faltas praticadas outrora? Tinha ele, porém, seus gestos nobres, praticava Justiça e, por esse motivo, confiou-lhe Deus uma excelsa missão, finda a qual, se a cumprir escrupulosamente, será por certo recompensado.
— Esta deve ser a verdade, Flávio, disse Samuel sem a qual não podemos agir com segurança e da qual, jamais, devemos nos divorciar! Não cessemos, pois, de dirigir o pensamento ao Juiz supremo, para que, jamais, nos afastemos do caminho do Bem e do Direito!— Sim, meu pai! respondeu-lhe o jovem, muito emocionado, graças a Flávio Genésio, este alcáçar não é mais o núcleo dos que consideram os gozos mundanos acima dos espirituais e foi transformado em abrigo dos que sofrem, sob os auspícios do divino Mestre!
— Obrigado, meu filho! Tu te tornaste, agora, o melhor dos amigos e compreendo que recebeste os alvitres dos Emissários siderais para a execução de uma excelsa missão terrena, justamente quando parecia que estavas abandonado pelo Destino. Todos nós estamos em provas sobre a Terra e, o que nos compete fazer é seguir sem temor, com Jesus, a trajectória das dores, a rota dolorosa do Calvário de todos os tormentos planetários, que é a rota do triunfo e da glória.
— Como sabes, as dores e os prejuízos que padecemos, são todos baseados nos delitos que praticamos nesta ou em anteriores peregrinações. Ninguém sofre sem um motivo justo, embora os ignore. Muitas vezes, somos soldados pusilânimes que fraquejamos em horas de batalhas renhidas, por isso temos que compartilhar de pelejas verdadeiramente acerbas para temperar nossas almas.
— Não te disse já que possuía o Solar de Minerva, pouco distante deste local, o qual pertencera a meus desditosos genitores? Pois eu e minha irmã éramos os únicos herdeiros e, os seus atuais donos conseguiram documentos acusando os que me deram o ser, e assim fiquei desprovido até do essencial para a manutenção da família. Que provam essas desventuras? Crimes desta actual existência? Não! Delitos do passado sombrio de outras eras, já olvidadas.
Mas a alma, porque tenha recebido uma nova roupagem carnal, não se eximiu das punições dos delitos outrora praticados. Que fazer, pois, o ser humano, ligado assim ao passado? Ter resignação e procurar cumprir, escrupulosamente, as Leis divinas!
A morte trágica de meu amado Plotino, sua mulher e outros parentes, deixou-me abatido, mas não vencido.
Aceitei, pois, o generoso convite de um filho que, por vezes, julgava ter arrebatado às pedras de uma gruta que lhe deram a mesma consistência ao seu coração, quando me abandonou! Mas, felizmente, eu me enganara! Com que alegria recebi teu filial convite, que me causou profunda emoção ou, antes, um conforto extraordinário, embora me sentisse algo humilhado, aceitei-o e vim para o Solar que pertencera a Argos Zenóbio, o destruidor do meu lar, compelido pela invencível força do Destino.
— Não, pai, em vez de humilhação, deve ter sido o resgate de uma antiga dívida do passado...
— Concordas comigo? Muito bem! Vamos, pois, orar pelos que já nos fizeram sofrer as mais dolorosas provas, por mais pungentes que tenham sido! Argos era desditoso como os há pelo mundo em número quase infinito. Como o coração humano custa a perdoar! Já se passaram mais de dois decénios que assisti à primeira tragédia de minha vida: e ela parece ainda recente em minha alma.
— Aprendi convosco pai, que, enquanto estivermos sobre a Terra, devemos fazer os maiores esforços para alijar de nossos corações o peso esmagador do remorso, da vingança, tornando-os imponderáveis, envolvendo-os com a clâmide de luz que se irradia de nossa alma, como sucede às estrelas mais fulgurantes!
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O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama - Página 4 Empty Re: O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 09, 2023 11:25 am

— És um inspirado pelos Mensageiros celestes, filho-querido! Vamos, pois, fazer vibrar os nossos pensamentos, em benefício de nossos adversários, de todos os que têm. concorrido para aumentar o peso do madeiro do sofrimento de nossas vidas planetárias...
E os dois, em frente de uma ampla janela, elevaram, seus pensamentos ao Infinito, com os olhos voltados para o céu límpido, pejado de estrelas faiscantes, gozando momentos de divinal euforia.
* * *
Reuniam-se os moradores do castelo, todas as tardes, quando cada um relatava as ocorrências principais do dia e que, às vezes, pedia as orientações dos dirigentes do SOLAR DE JESUS.
Uma tarde, logo após as vibrações espirituais, adiantou-se um dos asilados e, respeitosamente, aproximando-se de Flávio e Políbio, disse-lhes o seguinte:
— Necessito ser ouvido em sigilo por um dos senhores e pela senhora Diana Apolónia.
— Aguardai um pouco, e já vos ouviremos.
Depois da reunião, cada qual se retirou para seus aposentos, ao passo que os dirigentes do Solar de Jesus foram para o salão reservado aos que tinham de relacionar algum fato ou sucesso particular. Quem havia feito um apelo a Flávio e seus consócios, chamava-se Jónio Sólon, que devia contar uns cinquenta anos e era sempre comedido em suas apreciações. Sentando-se perto de seus protectores, atenuando a voz, como se temesse, além dos que ali se achavam, mais alguém que pudesse ouvi-lo, falou:
— Senhores, há quase dois anos aqui esteve um indivíduo, logo após a chegada da senhora Apolónia, sem que ambos se defrontassem. Ele, por diversas vezes aqui tem vindo, às ocultas, interrogando sobre o paradeiro de uma dama de Atenas, Elmana Sêndria, que ele desconfia estar viva e reclusa neste Solar. Por mais que eu tenha feito esforços para convencê-lo do contrário, ele insiste em que o iludido, sou eu. Aos poucos relatou-me vários fatos a respeito da referida dama.
— Queres relatar-nos o que sabes, Jónio? pediu Políbio.
— Sim. Eu insisti para que ele me desvendasse os seus intuitos, a fim de poder preveni-los e ajudá-los no que estivesse ao meu alcance. Tentarei reproduzir a nossa conversação:
— "Tenho plena certeza, começou ele, com emoção irreprimível, que, existe uma dama aqui, a qual já foi muito opulenta, e viveu, durante muitos anos, em Atenas, onde perdeu o pai, o esposo e o amante, que ela adorava!
Foi este, porém, assassinado pelo próprio genitor da mulher que muito o amava, na ausência de seu marido, tendo sido enterrado nos fundos do extenso quintal. Foi esse crime que a desgraçou para sempre, pois ficou sem o amante e o filho que nasceu e, logo após, foi enjeitado, cruelmente, forçada pelo pai, a repelir o fruto de um amor infortunado mas profundo, abandonando-o por ordem de seu avô materno, em uma gruta deserta, por uma tarde tempestuosa. Eu, que sabia de todos os segredos de sua vida, seria feliz se Elmana me consagrasse algum afecto, mas seu formoso olhar revelava o ódio que me votava por ter sido o auxiliar, forçado, da morte de seu bem amado. O consorte nunca soube da infidelidade de Elmana, ou de sua traição, e, quando ele morreu, logo depois seu cruel sogro foi levado à sepultura, desconfiando eu que ele se suicidara por questões financeiras.
Eu, que sempre guardei segredo em torno de todos os trágicos sucessos que acabo de relatar, nunca deixei de consagrar a Elmana uma invencível afeição e, sempre generosa, ela me entregava, com frequência, valiosas gratificações.
— Diz-me a verdade, perguntei a Solano, dava-te ela, voluntariamente, essas recompensas, ou tu lhes exigias com violência, ameaçando-a de narrar a dolorosa história de sua vida às autoridades?
— Eu gostava de jogos e diversões para esquecer a minha desdita e ela não tinha ânimo de negar-me o que eu lhe exigia! Estás duvidando de minha lealdade?
— Não. Podes prosseguir tua narrativa! disse-lhe eu.
— Tudo terminou há cerca de dois anos, meu amigo. Ela, ao fugir de seu próprio lar, simulou um suicídio, que não se efectuou e legou-me a habitação em que vivera.
Sua serva, com quem eu vivia e que a conheceu desde a infância, morreu logo após a fuga. Com o coração infortunado, sem alento, despendi tudo quanto apurei com a venda da habitação, das jóias e do mobiliário existente, em noites intérminas de boémia, de jogos, sentindo sempre enlutada, minha alma!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 09, 2023 11:25 am

Pouco tempo depois, ao referir a um amigo o desaparecimento de Elmana, soube que ela não se suicidara e está vivendo com nome suposto no Solar de Apolo, transformado em abrigo de desventurado. Tentei assediá-la, mas venceu ela e fui eu esmagado pela fatalidade!
Meu desejo agora é entrar no castelo e revelar todas as peripécias de sua vida infamante, afirmando que ela é responsável pelo homicídio do amante e pelas desventuras do filhinho.— Não tens remorso por haveres extorquido tantas quantias para as desbaratar em jogos e em entretenimentos nocivos à moral e à alma e ainda desejares prejudicar a uma pobre mulher?
— Não! Agora só me resta a vingança final: eu sei que ela não morreu, e que é prestigiada pelos senhores deste castelo e feliz! Meu amor se transformou em ódio e eu preciso aniquilá-la!
Repliquei, com energia:
— Lamento tudo quanto me relataste, Solano, mas, eu, que estou residindo no Solar de Jesus, sendo tratado fraternalmente por todos, ignoro se Diana Apolónia, culta e inspirada, é a mesma pessoa a que te referes, pelo nome de Elmana Sêndria.
— Eu tenho recebido informes minuciosos de um antigo servo do pai de Elmana que, após a morte do amo, caiu em penúria extrema e, como tu, foi admitido no castelo.
Ele a conhece, desde os primeiros anos da juventude.
— Se ele ficou a par de um segredo que pertence a seus protectores, devia ter sido leal aos que o acolheram com benevolência e não trair os que lhe estenderam as mãos generosas, em hora amarga.
— Sim, mas também sempre foi meu fiel amigo. Estamos unidos, indissoluvelmente, pelos sucessos que te relatei e não deves trair a nossa confiança. Foi ele quem nos auxiliou no extermínio do amante de Elmana, o desditoso Cláudio Robério.
— Qual é, porém, o interesse de ambos para infelicitar, novamente a infortunada dama? interpelei com indignação.
— Porque sempre a adorei e fui desprezado, com desdém insultuoso, aviltante.
Quero, pois, vingar-me de tudo quanto tenho sofrido por sua causa. Enquanto vivia ela no mesmo lar, a minha "revanche" era a de valer-me de sua bolsa, mas, agora, a casa que ela me legou já foi vendida e, desde então, entreguei-me ao entretenimento predilecto, o jogo e, actualmente, estou desprovido de um abrigo, durmo nas mansardas abandonadas, enquanto ela vive em um principesco palácio, amada pelos que a cerca me isso me revolta e induz-me à mais requintada vingança: quero denunciá-la pelo homicídio de Cláudio Robério, a fim de que seja expulsa daqui!
— Mas, porque desejas te vingar de quem foi generosa contigo ao ponto de legar-te uma confortável habitação, que podia ter feito a tua ventura, podendo viver despreocupado o restante da vida, se tivesses outra orientação?
— Porque nas horas de desespero só desejava amortecer o meu penar distraindo-me com os amigos! Porque, realmente, ela é venturosa e eu, um desgraçado pária. Eu, o desprezível, estou em penúria extrema e ela em abastança feliz.
Eu lhe falei, novamente, estudando as palavras que ia proferindo, para não exacerbar seus sentimentos de revolta.
— Vou rogar aos dirigentes do Solar de Jesus para que sejas acolhido como todos o foram, com verdadeira caridade cristã, no bendito castelo em que encontrei a tranquilidade no derradeiro quartel da vida terrena! Hás de, porém, prestar um juramento sagrado de que jamais pensarás em vingar-te de quem tanto já padeceu. Mas acho que Apolónia e Elmana não constituem uma só personagem! Creio que estás iludido.
— Iludido, eu? Jamais! Meu antigo companheiro de serviço muito a conhece, desde longa data e, se ela agir para que eu seja repelido, irei à polícia mesmo em risco de me complicar e farei declarações comprometedoras, que serão patenteadas com o encontro de um esqueleto, na antiga residência de Elmana Sêndria, comprovando o crime cometido por sua causa.
— Como poderás acusá-la sendo tu conivente no homicídio?
— Direi que fui obrigado a comparticipar do crime, sob pressão invencível de Elmana, que pretendia ocultar a verdade a seu esposo e de seu progenitor e que ameaçara tirar-me a vida se eu o revelasse.
— Tua denúncia não teria valor, pois foste comparsa e gratificado para a execução do crime. Devias ter efectuado a denúncia antes, e não tantos anos depois!
— Sim, mas eu direi que agi, também, movido pelo ciúme, fazendo desaparecer do plano terreno o único ser a quem ela adorava!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 09, 2023 11:25 am

— Compartilhaste, pois, do nefando crime, por um duplo motivo: ciúme, por um amor repelido, e por interesse pecuniário, pois ficaste com a vítima sob teu domínio para dela extorquires vultosas quantias.
— Sim, outrora assim sucedeu mas, agora, sou impulsionado apenas pelo desejo de vingança, por ela se ter ocultado de meus olhos!
— Assim, Solano, não poderei interessar-me por ti, receoso que estou de um grave sucesso que irá infelicitar um santuário de paz.
Fitou-me ele com os olhos chamejantes e falou, com a voz alterada pelo ódio, que nutre pela digna dama que reside connosco e é tão sensata e acatada por todos que a conhecem. Percebi logo que ele planejava uma injusta vindicta, e, falseando a verdade por um motivo louvável, modifiquei meu timbre de voz e disse ao Solano que iria interessar-me fraternalmente para que fosse ele admitido no Solar de Jesus, ficando de obter a resposta definitiva amanhã à tarde.
— Obrigado, Jónio, disse-lhe Flávio, apertando a destra do fiel protegido. Eu e os amigos presentes vamos agir em defesa de nossa irmã Cassandra e precisamos executar um plano eficiente para burlar as pretensões do cruel adversário de sua vítima! Amanhã virás à presença dos que aqui se encontram, pela manhã.
Necessitamos muito de teus esforços e de tua dedicação. Serás condignamente recompensado por tua fidelidade!
— A recompensa que desejo, senhores, é ter minha consciência sem mácula!
— Louvamos imenso os teus nobres sentimentos, Jónio! Deus que te recompense! - exclamou Políbio.
***
Ficando isolados os dirigentes do Solar de Jesus, Flávio, Políbio e Samuel fizeram vir a sua presença a desditosa Elmana que, emocionada, escutou o relato das confidências de Jónio e foram feitos diversos comentários por aqueles quatro seres congregados pelo Destino.
Depois de diversas conjecturas, chegaram a um acordo. Políbio, que, também, comovido pelo que ouvira com referência à infortunada Elmana, assim falou: — Meus amigos, Solano Almério é um indivíduo perigoso ao extremo, vingativo e cruel, a paixão do jogo o domina como se fora um verdadeiro déspota. Para satisfazer o seu triste vício, será capaz de praticar as maiores indignidades! Enquanto sua vítima estava sob seu domínio, ele, podendo continuar com seus hábitos de jogador inveterado, guardava sigilo de que presenciou a morte de meu desditoso pai, sendo ele, talvez, o próprio homicida. Depois que se esgotou a mina, a bolsa de sua sacrificada senhora, o seu ódio não teve limites!
Sabe que ela aqui se encontra, por intermédio de um antigo comparsa, o qual será despedido deste Solar, que tem por escopo proteger os infelizes e não os celerados e, certamente, vai agir contra todos os que protegem minha querida mãe! Quer ser ele admitido como desamparado. sendo adversário dos que vivem, neste bendito Solar, dominado como está por sentimentos inferiores! Pois bem, exponho aos bondosos amigos que me ouvem, o meu pensamento: não convém que o levemos aos tribunais, porque faria deprimentes confissões contra minha mãe e seus entes bem amados. Não deve ser morto, porque estamos associados para a execução do que é humanitário e digno e não para a consecução de actos perversos. Que faremos, então? Depois de ser minuciosamente revistado, pois deverá trazer armas, nós o encerraremos em um dos cárceres subterrâneos deste castelo, onde ficará prisioneiro, mas será tratado com piedade. Tudo faremos para que ele se regenere.
— Muito bem Políbio, disse Flávio, és um espírito ponderado e justo e louvo o que pretendes pôr em execução. Evitaremos desse modo que Solano forje histórias inverosímeis e lance o descrédito sobre quem tanto já tem sofrido:
Todos os circunstantes aprovaram a sugestão e, em conjunto, fizeram vibrar os pensamentos, dirigindo-os aos Entes siderais que, embora pareçam distantes, não abandonam os que na Terra estão passando por rudes provas!
— Tudo temos feito a nosso alcance para minorar a desventura de nosso próximo, disseram ambos a Samuel, e, no entanto, já existe quem deseje destruir o que temos realizado em nome do Mestre bem amado!
— Jesus, porém, não o consentirá, meus amigos! respondeu-lhes Samuel, pois estamos avisados e, com o auxílio que teremos do Alto, sairemos vencedores! Os dirigentes do Solar de Apolo tinham ficado apreensivos, pois tudo podiam esperar de um insensato que desejava vingar-se da vítima que se afastara de suas garras asfixiantes.
Jónio, ao entardecer, havia-lhes dito:
— Senhores e amigos, o desventurado Solano Almério disse-me que amanhã, ao alvorecer, estará neste Solar contando com a generosidade dos que o dirigem, até agora fartamente demonstrada. Fiquei de ir aguardar sua vinda, além, na estrada real. Podeis confiar na minha lealdade, senhores!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 09, 2023 11:26 am

— Sim, Jónio, nós te esperaremos, com a máxima confiança! falou Políbio, fitando-o com gratidão. És digno de nosso reconhecimento, pois se não nos relatasses a verdade, provavelmente todos nós teríamos de sofrer amanhã, as consequências da alucinação de um indivíduo sem consciência.
Jónio, emocionado, antes de se retirar, falou:
— Podeis confiar em minha eterna gratidão! A recompensa que mais desejo é a de jamais retirar-me deste grande Solar e merecer a afeição paternal daqueles que o dirigem.
Transcorreu o dia sem incidentes dignos de menção. Os dirigentes do Solar, contando com a presença de Samuel Isócrates, que era culto professor dos jovens e adultos, auxiliado por sua digna esposa Eneida, mostravam-se calmos, porém, entristecidos.
Passou a noite, alvorecendo um dia primaveril. Jónio afastou-se do Solar de Jesus, partindo ao encontro de Almério. Não haviam decorrido duas horas quando regressou o fiel Jónio, seguido do alquebrado Solano Almério que, a custo, conduzia um grande saco que depositou no solo, mal chegara.
Esperavam-no, no andar térreo, Flávio, Políbio e Samuel.
O recém-chegado, aparentando humildade e gratidão, saudou-os cortesmente, dizendo-lhes:
— Muito vos agradeço o acolhimento amistoso, senhores, e confio agora, até que a morte me leve para o túmulo, em vossa generosa protecção!— Tu a terás, meu amigo, respondeu-lhe Políbio, mas desejamos, agora, avisar-te de que vamos proceder com toda a lealdade, a fim de que seja verdadeiramente fraterno o acolhimento que te será dispensado. Desejamos antes, fazer uma rigorosa inspecção no volume que trouxeste.
— Pois duvidais de mim, senhor? interpelou ele, fitando Jónio, que empalideceu visivelmente. Logo após, Solano agarrou com violência, o surrão que levara, querendo afastar-se do local onde fora acolhido fraternalmente.
Enfurecido, como um tigre acuado, gritava ele, com desespero:
— Quero minha roupa! Quero sair deste maldito castelo!
— Teu futuro depende de teu proceder! disse Argos. Deliberamos, há muito revistar os que desejarem privar connosco, pois já houve um falso mendigo, que trouxe armas e líquidos inflamáveis para incendiar este castelo, desejando exterminar uma infortunada dama digna de toda a compaixão, que dele fugira porque era martirizada!
Desde então, procedemos com vigilância para com todos que aqui venham conviver, evitando, com precauções, desventuras irreparáveis. Podemos afirmar, porém, com toda a lealdade, que serás tratado com benevolência, como se foras um irmão desventurado.
— Mas, eu não sou um criminoso, senhor! exclamou Solano com violência e desespero crescente.
— Mais uma razão para que não temas a nossa inspecção, que só tem por mira patentear a tua sinceridade! tornou Políbio.
Solano, porém, que já não possuía destreza, enfraquecido pelas noites de vigília e privações, quis, novamente, entravar a entrega do volume que conduzira, esforçando-se por retroceder pela porta pela qual ingressara no Solar.
— Não conseguirás o teu intento, desditoso! Teu proceder desperta suspeitas, Solano! Somos indulgentes e compassivos e não necessitas temer nosso acolhimento!
Assim dizendo, Políbio ordenou a dois asilados, jovens e vigorosos, que detivessem Solano Almério. O recém-chegado foi então vencido em sua resistência, e examinado minuciosamente, custando a todos conter um ímpeto de furor, ao constatara verdade. Nos bolsos e no volume que Solano conduzira, foram encontrados: punhais, uma pedra de fazer fogo, várias garrafas de óleo bem como panos velhos em grande quantidade, certamente para facilitar o incremento das chamas que iam ser ateadas no Solar em diversos pontos simultaneamente. Estava Solano lívido, e, não lhe sendo possível dominar a emoção, caiu ao solo, espumando e sem sentidos.
— Deixemo-lo despertar, a fim de que saiba que estamos agindo com Justiça e lealdade! falou Flávio.
Quando Solano recobrou os sentidos, solicitou, em brados, que o deixassem partir, que jamais queria voltar àquele maldito local.
— Foste o meu traidor, Jónio! gritou ele. És um hipócrita e eu te considerava amigo sincero! gritava, com violência, o exasperado criminoso. Hei de vingar-me! Não perdes por esperar!
— Nós não te supliciaremos, infeliz! Jónio apenas interessou-se por ti, rogando que fosses admitido ao nosso convívio. Ignorava ele que quisesses trair a nossa confiança.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 09, 2023 11:26 am

— Quem vos revelou a verdade, senão ele? Relatei minha dolorosa vida a Jónio, que eu julgava um leal amigo.
— Sim, ele o é! Ignorava a realidade, apenas interessando-se para que fosses incluído entre os moradores desta casa. Como prova da nossa boa intenção para contigo, guardaremos segredo dos teus planos sinistros a fim de que os asilados não venham a castigar-te ao saberem que pretendias queimar-nos vivos a todos. Nós, que somos sinceros amigos dos que padecem, esforçados discípulos do Rabi da Galileia, fomos salvos, também das misérias da vida. Quem for crente no Pai celestial poderá contar com seu auxílio benéfico, como de seus fiéis mensageiros, os espíritos protectores.
— Eles só protegem os opulentos, deixando os desditosos párias no abandono mais desprezível! falou o delinquente, revoltado.
— Não sejas injusto, infortunado irmão, pois Eles são bons e justos e, mais uma vez, ficou patenteada a compaixão por todos nós, pois foram eles que nos advertiram dos teus propósitos. Mas não temas, estás em poder de verdadeiros cristãos, que só têm um objectivo sobre a Terra: melhorar as nossas condições psíquicas, guiar os nossos passos e os dos delinquentes para o Céu ou para a Redenção eterna! Pensaste somente na vingança contra quem foi sacrificada por mais de dois decénios por aquele que apunhalou quem ela adorava, não a deixando mais em paz. Seguindo as lições de Jesus, perdoo-te o haveres assassinado o meu infortunado Pai!
— Pai, dissestes vós? inquiriu, com espanto e pavor, o encarcerado, fixando Políbio com o olhar cintilante de ódio incontido. Sois portanto o filho desaparecido de Elmana Sêndria? Agora percebo porque caí em verdadeira cilada! Não sabeis, por acaso, que eu é que vos salvei a vida? Ignorais que vosso avô materno ordenou que vos arrojasse nas ondas?
— Sei que foste o encarregado de levar-me a uma praia deserta, pouco distante do Golfo, mas, não me iludes, pois o que fizeste não foi por piedade, mas para conservar o domínio sobre tua indefesa vítima, minha mãe! Fui encontrado e criado por um compassivo Pai, Samuel Isócrates, aqui presente, que me educou, tratando-me sempre com amor. Embora saiba o móvel de tua pretensa caridade, saberei ser grato e compassivo. Terás minha protecção, e, sobretudo, quero arrancar-te dos braços do crime, do jogo e do Mal!
Tudo o que fizeste, salvando-me de uma violenta morte não foi por bondade tua, mas para teres um argumento a teu favor e que ficasse mais jungida às tuas mãos insaciáveis, tua vítima de prolongada extorsão!
— Não discutamos o passado! Houve o Bem praticado, outrora, dai-me hoje, em troca, a liberdade, mancebo! Não sejais injusto para que eu não tente vingar-me tornando-vos desgraçado!
— Tu és o que és, infeliz, pois eu jamais serei assim considerado, porque tenho em mente a prática do Bem, do dever, da doutrina cristã e, por mais desditoso que o seja, não serei desgraçado, porque não me há de faltar a misericórdia divina! Ficou provada a tua criminalidade, ao buscar um abrigo acolhedor, que tem por objectivo a expansão da caridade, para destruir o lar de dezenas de infortunados! Foste recebido qual um novo amigo e vieste preparado para incendiar este bendito refúgio dos que padeciam pelo mundo dissabores e misérias!
Eu e meus dignos companheiros, temos em mente atenuar as amarguras alheias, repartir o pão como o fez Jesus, o eterno símbolo da caridade neste planeta! Rogai perdão a Deus e a Jesus!
........................................................................................................................................
O desditoso Solano contorcia-se no solo, como se houvesse sido mordido por uma víbora, presa de um furor indescritível.
— Hei de conseguir evadir-me e tereis de resgatar o que estais me fazendo sofrer, desgraçados!
— Solano, falou Samuel, aproximando-se do detido, nós não desejamos atormentar-te, nem fazer-te padecer, mas queremos regenerar tua alma, encaminhando-a para o Criador e Pai! Não temas tortura alguma. Vais ser tratado humanitariamente dependendo tua liberdade do teu proceder correto. Se continuares como até agora, dominado pelo ódio e pelos impulsos da vindicta nós te entregaremos à Justiça com todas as provas em nosso poder, retiradas do teu surrão! Teremos, então, de revelar todos os teus crimes, as extorsões contra a desditosa Elmana, e severa será a punição que vais receber!
É preciso que te humilhes, que te conformes com os direitos que nos assistem, pois aqui, apesar de tratado fraternalmente, abrigas planos sinistros. Domina, pois, os teus ímpetos de furor, de verdadeira ferocidade. Desejo, agora, que me respondas:
— Sabes orar ao Pai celestial e a Jesus?
— Não! Nem quero aprender! Nunca eu os conheci, nem fui por Eles beneficiado!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 09, 2023 11:26 am

Também não conheci pai nem mãe. Fui criado, por esmola, numa casa com toda a crueldade, como escravo e, por isso não sei compadecer-me dos que sofrem. Aos vinte anos de idade, fugi do local onde fui criado e encontrei asilo no lar do progenitor de Elmana Sêndria, a qual comecei a adorar, sentindo que seu domínio me subjugava completamente. Vê-la era suficiente para fazer-me feliz! Ela era possuidora de uma surpreendente formosura, parecendo uma encantadora deusa da Mitologia que houvesse ficado tangível por um poder sobrenatural! Bastava que ela se compadecesse de mim, que me dirigisse uma palavra de afecto e seria seu escravo! Mas, era orgulhosa, e, embora consorciada com um homem rico, amava um jovem de família humilde que, na ausência do esposo, introduzia-se em seu dormitório. Quando seu pai, enlouquecido de ódio, propôs-me exterminá-lo, eu aceitei com prazer e fi-lo com violência, por vingança. Passou ela a odiar-me, com ferocidade! Nunca ninguém descobriu nosso crime, pois não houve testemunhas e o cadáver foi sepultado nos fundos do quintal. Cumpri as determinações do senhor que era seu pai e ameaçou-me de exterminar minha vida se eu revelasse o trágico sucesso, que nunca foi desvendado, por mais que as autoridades policiais procurassem o desaparecido a pedido de sua mãe.
— Não soubeste conquistar a afeição de Elmana Sêndria, Solano! falou Samuel, aproximando-se do detento. Não se conquista pela violência um coração nobre, ferido rudemente por uma tragédia inesperada.
* * *
Solano Almério, olvidando por momentos as palavras de Políbio e Samuel, deixou-se cair ao solo, preso de um acesso de lágrimas, que lhe abalava o peito com violência.
— Tudo está perdido! Cheguei ao fim desta maldita vida! exclamou ele com desespero.
— Não, amigo, respondeu-lhe Samuel, intervindo compadecido do desditoso delinquente. Ainda podes sentir, em teu íntimo, a felicidade que só existe na alma dos justos, nos momentos de mais acerba prova: não tenhas pensamentos de revolta ou de vingança, de ódio ou de crueldade. Torna-te humilde e compassivo: alia-te aos que se esforçam por seguir o Mestre da Galileia, abolindo os actos de violência, sendo cumpridor austero de todos os deveres cristãos, buscando o sacrifício como saneador da alma onde há remorso e recordações pungentes pelo mal praticado em horas fatais!
Enquanto não dominares os ímpetos de ódio, e de crueldade, não encontrarás a paz de que necessita teu espírito! Pensas em retribuir o Bem que desejamos fazer-te com o Mal que projectaste contra nós.— Assim procedo, porque desde que compreendi a vida, falou com aspereza Solano, só tenho recebido decepções amargas. Por desventura minha, conheci Elmana no esplendor da juventude e tive a desdita de enamorar-me de seus encantos. Vê-la era o meu único prazer! Mas fui desprezado como se não pertencesse à mesma humanidade, e, sendo bela como uma deusa, adorei-a com loucura, e, para ganhar um sorriso, um olhar compassivo, seria capaz das maiores loucuras ou das mais inesquecíveis heroicidades!
Ela, porém, era sempre indiferente às minhas demonstrações de afecto, correspondendo à afeição de um e sendo forçada a unir seu destino ao de outro a quem ela não amava. Nunca se compadeceu de mim, parecendo odiar-me, tanto mais quanto ia transcorrendo o tempo, desde que perdera o seu grande enamorado.
— Bem sabes, Solano, que a sociedade está dividida em diversas castas, de acordo com o nascimento de cada ser humano, e, raramente, alguém poderá invadir a que lhe não pertence. Quem dividiu as criaturas humanas pela cor da epiderme, pelas raças de diversas categorias? A humanidade? Não! Deus, que é a suprema Justiça e deve agir de acordo com o mérito ou o demérito de cada indivíduo. Somente existe a igualdade integral nos planos superiores do Universo, depois que esgotarmos o cálice de amarguras das provas terrenas, depois de conquistadas todas as virtudes dignificadoras.
— Talvez, mas, quando ela perdeu o pai e o esposo, quase na mesma época, ficou inteiramente livre e podia ter atendido aos imperativos do meu coração que aguardava com ansiedade aquela ocasião. No entanto, fui tratado com desprezo, com desdém ofensivo, que me levaram ao desespero humilhante que só o sentem os párias, os escravos, os inúteis na vida terrena.
— Ignoras, Solano, que foste tu quem arrebatou a vida ao ser adorado? Quem poderá amar aquele que exterminou a sua felicidade, transformando em luto perene o transcurso da vida até que o túmulo devore um corpo extenuado de padecimentos?
Quem não sofre com os embates da dor, vibrados pelos que destroem as esperanças, as ilusões, deixando o coração vazio inútil até o extremo alento vital? Não destruíste todos os projectos que ela nutria para o porvir?
Ave sem Ninho
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