LUZ ESPÍRITA
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O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama

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O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama - Página 3 Empty Re: O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 07, 2023 7:30 pm

Samuel obteve um emprego de professor primário em casa de um rico negociante local e Anália colocou-se também como professora de música no domicílio de uma família onde havia duas meninas em idade escolar.
Foi então que os dois irmãos, unidos, puderam realizar sua grandiosa aspiração:
frequentar o templo onde oficiavam as célebres pitonisas de Delfos, por cujo intermédio entidades espirituais luminosas espalhavam mensagens de admirável sabedoria e amor.
Ao chegarem, causou-lhes admiração a pequenez do templo, que melhor mereceria o nome de santuário, ao qual se chegava por um longo caminho ladeado de estátuas, oferendas, pedras votivas e até monumentos erigidos pelas cidades da Grécia, em sinal de reconhecimento pelos benefícios recebidos do "deus" que se fazia ouvir através das sacerdotisas idosas que o serviam. No frontispício via-se a célebre inscrição: Conhece-te a ti mesmo(3). No meio do templo havia um orifício, de onde brotava fumaça de origem vulcânica, e sobre ele uma cadeira de bronze de três pés, onde a pitonisa se sentava em meditação. As origens desse templo um dia serão de conhecimento da humanidade, que ficará sabendo como todos os movimentos de fé são aproveitados pela Hierarquia Oculta do mundo para a prática do bem. Ainda hoje, isso se verifica. Não tendes inúmeros lugares santos onde às vezes se verificam "milagres"? Eu mesmo por ocasião da minha última romagem terrena visitei um desses lugares em busca de melhoras para a minha saúde: Lourdes. Em Meca não se realizam também inúmeros milagres? E o mesmo acorre em vários lugares do mundo. Na época a que me reporto, apesar de factores vários que levavam à decadência o famoso santuário, entre eles as guerras e a perda da independência da Grécia, ainda era grande o número de pessoas que vinham consultar o oráculo, formando-se às vezes, por ocasião de peregrinações, extensas filas que desciam a montanha.
Anália e Samuel franquearam as duas colunas do templo e acharam-se directamente em frente da sacerdotisa que, envolta nos vapores que se evolavam do solo, parecia orar. À aproximação dos jovens a venerável senhora levantou-se com majestade e com voz suave e profunda assim lhes falou:
— Bem-vindos sejais irmãos queridos, que de longe vestes com santos propósitos altruístas, a fim de cooperar connosco na manutenção desta obra, que tantos benefícios e consolações tem espalhado. Contra ela se acirra cada vez mais o ódio das trevas.
Vencestes, com a vossa pureza de intenções, secretos e poderosos adversários dos dois planos. Fostes auxiliados porque mereceis. Agora cabe-vos auxiliar a outrem. Jesus contempla tudo o que ocorre no Planeta das Lágrimas e sua intervenção benfazeja nunca falha. Graças sejam rendidas à Potestade Suprema e a Jesus pela valiosa cooperação que nos vindes prestar. Escolhestes local apropriado para vossa residência, de acordo com as intuições recebidas pela irmã aqui presente, que possui faculdades idênticas às da sacerdotisa por cujo intermédio vos dirijo a palavra.
Aqui vereis decorrer quase dois decénios, em paz e saúde. Após esse tempo, enfrentareis lutas e dificuldades, mas elas vos encontrarão já perfeitamente preparados para vencê-las com galhardia.
Radioso será o fim da vossa existência, embora tenhais os corações repletos de dolorosas recordações. O destino humano é viver e lutar. Rejubilai-vos vós que não temeis a luta, porque uma glória imarcescível vos coroará. O sofrimento passa e a força da alma fica, tudo conforme o traçado do Geometria Suprema, que não se ilude jamais e tudo delineia com maravilhoso acerto. Confiai no Pai mesmo quando tudo pareça desdizer a sua Providência. Quando o mal deixar de atrair-vos totalmente e vossas almas se tornarem puras como o ouro no crisol, desnecessário se terá tornado o sofrimento e conquistareis a felicidade suprema: a Redenção, que vos franqueará o ingresso em esferas sublimes, de beleza indescritível. Segui sempre os ditames da consciência, meus amigos, e nunca vos arrependereis. Por ora cooperareis nas irradiações de Paz e Perdão que aqui se realizam ao cair do sol, e mais tarde participareis de outros trabalhos em benefício dos que sofrem. Recebei a bênção deste santuário.
Quando a pitonisa concluiu, Samuel e sua irmã foram possuídos por uma extraordinária sensação de paz interior e de amor para com todas as criaturas de Deus, boas e más. Durante largos instantes permaneceram à sombra daquela benfazeja vibração, gozando de um bem-estar tal como nunca haviam sentido e compreenderam que a verdadeira felicidade consiste em harmonizar-se com as vibrações divinas.
* * *
Indelével foi a impressão recebida pelos dois irmãos no famoso templo, cuja grandeza perceberam ser espiritual, diferente portanto, da que estavam acostumados a considerar como tal, e muito louvaram a Jesus pela graça de serem admitidos a cooperar em tão importantes serviços do Bem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 07, 2023 7:31 pm

Todas as tardes, infalivelmente, compareciam às preces colectivas e participavam dos cânticos erguidos em louvor da Divindade. Anália, em virtude das suas aptidões musicais, integrava com brilho o conjunto coral.
Dentro de pouco tempo estavam relacionados com diversas famílias e gozavam de geral estima. Entre as pessoas com quem travaram amizade, achavam-se os jovens Eurípedes e Eneida Marcial, com quem poucos meses depois, vieram a convolar núpcias. Um acréscimo foi feito à casinha em que residiam, passando a viver todos sob o mesmo tecto amigo. Jamais seis pessoas habitaram juntas em tão cordial entendimento e harmonia. Eurípedes, que beirava os vinte e seis anos, dava-se maravilhosamente bem com Samuel, por quem tinha verdadeira admiração. Este, apesar dos seus escassos dezanove anos, era mais alto e do seu todo transpirava uma certa autoridade espontânea que infundia respeito e atracção. Por sua vez Eneida, jovem e delicada morena de olhos negros e vivos, era amicíssima de Anália, e todos viviam em suave e perene alegria. Eurípedes possuía uma pequena loja, à beira da estrada que conduzia ao templo, estrada essa chamada via sacra, e expunha à venda recordações, imagens, estatuetas e outros objectos de culto, no que era auxiliado por Eneida. Uma noite, ao regressarem do Templo, Anália foi tomada pelo seu Guia Cirinto, que assim se expressou com a sua voz serena e profunda.
— Meus irmãos e amigos, tendes sido fiéis ao Mestre bem amado e, cumprindo as determinações que vos foram dadas, viestes para esta região, fértil em dádivas espirituais, a fim de cooperar na manutenção deste posto avançado de espiritualidade, mantido na terra pelo poder de Jesus. Tendes cumprido rigorosamente vossos deveres.
Fizestes jus à aliança com outras almas amigas, afeiçoadas de outras eras, que vieram juntar-se a vós sob este tecto. Amanhã, quando fordes ao santuário, presenciareis um acontecimento inolvidável. Não vos alarmeis porém, porque tudo o que ocorrer convosco está determinado pelo Alto... Já tivestes um período de ventura e tranquilidade, necessário ao reequilíbrio dos vossos espíritos. Agora, nova fase de trabalhos se abre diante de vós. Recebereis em vosso círculo familiar dois espíritos que já vos foram muito caros num passado recente. Reencarnarão como vossos filhos.
Trata-se de mais uma graça que baixa sobre vós. Antes do nascimento de ambos virá um outro ser, frágil na aparência, completar os personagens que constituem o elenco do novo drama tecido pelo Destino com os elementos que lhe forneceis. Não posso revelar-vos maiores detalhes. Somente mais tarde, com o escoar do tempo, compreendereis toda a sabedoria que nos rege e que emana do Juiz Supremo.
As novidades anunciadas pelo bondoso guia encheram de júbilo os corações dos presentes.
No dia imediato, os dois casais, acompanhados de Nereu e esposa, que queriam presenciar o acontecimento anunciado pelo protector espiritual, dirigiram-se para o Templo. Quando lá chegaram era já grande o número de fiéis que aguardavam o início das irradiações crepusculares.
Dois sacerdotes ladeavam a pitonisa, em profundo recolhimento, enquanto os músicos se agrupavam ao fundo, vestidos de branco. Nenhum rumor se ouvia, permanecendo todos em grande expectativa e recolhimento. A um sinal dado pelo venerável ancião que presidia os trabalhos da noite, o coro suavemente iniciou um mavioso hino, acompanhado pela orquestra, em surdina. Misteriosa paz derramava-se sobre o ambiente, acalmando os corações. Um profundo suspiro sublevou o seio da pitonisa que se achava sobre a trípode e ela se pôs de pé lentamente. Com os braços erguidos assomou à porta do templo enquanto a multidão se ajoelhava contrita.
— Irmãos bem amados, começou ela a falar, que aqui viestes em busca de um consolo ou um alívio para os vossos males, limpai vossos corações de todo sentimento menos nobre para que possais receber as graças que neste momento chovem do Alto sobre vós. Abri, alargai os vossos corações, expulsai deles o rancor, o ciúme, a inveja, a dureza, e ficareis aptos a receber os benefícios que solicitais. Vejo-vos preocupados com questões atinentes aos vossos interesses materiais, e mui pouco com o que diz respeito aos vossos interesses espirituais, quando deveria ser o contrário. Quereis a saúde do corpo mas eu vos digo que o que está doente é a vossa alma. Curai primeiro as doenças do vosso espírito para que as do corpo desapareçam. Um sofre do estômago mas não quer deixar de comer demais; outro sofre de vertigens mas não deixa de beber; este aninha o ódio no pensamento e não quer sofrer de ulcerações. Não é possível, irmãos. Não podereis servir ao Bem e ao Mal conjuntamente. Onde reina o desequilíbrio e a maldade não há ambiente para a ordem e o bem. Se implorais a benignidade de Deus, começai por aplicá-la ao vosso semelhante. Arrependei-vos sinceramente do mal que praticastes, formai o firme propósito de repará-lo e muito poderá ser feito por vós neste momento. Levantai-vos todos vós e acercai-vos. Amados, ajudai-nos a ajudar-vos. Não é outro o nosso propósito. Nós que habitamos o empíreo de nada mais necessitamos e se até vós baixamos é com o intuito de vos auxiliar. Outro interesse não nos move.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 07, 2023 7:31 pm

Porque tanto empenho em recuperar a saúde e fazer bons negócios se nenhum dos que estão presentes chegará a ver o fim deste século? Porque tanto empenho nesta caça aos bens materiais, que passam rápido, e esse desprezo pelos bens eternos? Só porque não vedes o espírito? Mas duvidais acaso da sua imortalidade? Se duvidais, porque vindes pedir conselhos aos espíritos? Sede coerentes. Não pretendais viver em harmonia com Plutão e Zeus ao mesmo tempo, porque isso é impossível. Não enganareis a Zeus e sim a vós mesmos. As trevas são incompatíveis com a luz. Decidi-vos portanto, definitivamente, entre o Bem ou o Mal.
— Ouvi-me, divino Apolo, falou um dos assistentes, emocionado, eu não me sinto com forças para proceder como vós nos aconselhais, sofrendo calado e indefeso a injustiça e o ódio dos que me perseguem. Deverei abrir o peito aos que desejam a minha ruína? Não será isso o mesmo que ajudá-los a matar-me?
— Bem sei que é rude a tua prova, meu amigo, respondeu-lhe o invisível Mestre, com bondade, mas assim é preciso que procedas. Digo-te mais que é o único meio que tens de venceres os teus inimigos. Não existindo a morte, não poderás vencer os inimigos sem convencê-los, isto é, sem te reconciliares com eles. Importa que sofras calado todas as injustiças, amando e abençoando os teus perseguidores, que são apenas amigos, pois te auxiliam a resgatar faltas praticadas em outras vidas. Quando não mais tiveres dívidas a pagar, cessará o poder que eles têm de fazer-te dano. Dizes que abrir o coração ao inimigo é suicídio. Entende bem: abrir o coração é ser justo para com o teu inimigo, é amá-lo. Isto que parece difícil é na realidade facílimo. Já experimentaste?
— Confesso que não, murmurou o peregrino reticente.
— Então tenta e verás como não é difícil a primeira oração. Uma vez que perdoas, deixas de ter inimigos. Na realidade, só temos que recear um Poder Invencível: Deus, mas esse é por nós e não contra nós. E se ele é por nós, quem poderá prevalecer contra nós? Habitua-te a confiar na Providência Divina e nada temas: o futuro pertence-te.
A seguir a respeitável Entidade dirigiu-se para a trípode onde se sentou e começou a receber os peregrinos que se ajoelhavam ante ela, alguns carregados pelos seus parentes. Altamente concentrada, apunha-lhes a mão sobre a cabeça e em poucas palavras ditava o conselho necessário, cujo acerto provocava assombro.
Repentinamente ouviu-se um grito: Estou curado! Enxergo! Recuperei a vista!
Abençoado sejas Apolo Delfinios! Os circunstantes rodearam o homem que assim falava, o qual, dispensando os serviços de um menino que lhe servia do guia, dirigiu-se sozinho para o centro do salão, arrojando-se aos pés da pitonisa banhado em lágrimas de alegria e reconhecimento.
— Poderoso deus! clamava ele em altas vozes, se bem que eu tenha poucos inimigos, guardava dentro de mim rancor contra os parentes que me abandonaram. O muito sofrimento e as misérias por que tenho passado, abrandaram-me porém o coração e seguindo a tua sábia advertência, perdoei intimamente a todos os culpados, aos quais desejei as máximas venturas, embora o meu desgraçado ser tivesse que continuar a sofrer todos os martírios do Averno. Pois bom, imediatamente comecei a sentir-me invadido por uma indizível sensação de ternura, que me fez derramar copiosas lágrimas. Ao enxugar os olhos, percebi que enxergava. Arranquei precipitadamente as vendas, que protegiam da poeira e do sol as minhas pupilas mortas, e vi que recobrara o dom precioso da vista! Abençoado sejas!
Ante o prodígio, o coro estacara. Depois, começou a entoar o hino Glória a Orfeu, reservado para tais momentos. Suas claras e jubilosas harmonias elevavam-se ao céu em sinal de gratidão pela graça alcançada. Os assistentes choravam e vários declaravam que se sentiam melhor de suas doenças, finalizando-se assim os trabalhos com incontáveis benefícios espirituais e consequentes reflexos físicos.
Ao regressarem ao lar, Samuel percebeu a aproximação do seu protector espiritual, e feita a concentração em torno da mesa, manifestou-se Hermínio por seu intermédio dizendo:
— Boa Noite, amigos. Vistes hoje quanto pode o espírito sobre a matéria. Se conseguíssemos manter sempre o elevado nível vibratório hoje verificado, maiores prodígios seriam possíveis. Perseverai na senda que vindes seguindo e os bons resultados não faltarão. Agora dizei-me: estais preparados para receber no vosso meio a um antigo inimigo, que muito mal vos causou, e a amá-lo e tratá-lo como a um irmão?
— Sim, responderam os presentes, a uma voz.
— Então preparai-vos e daí graças a Deus, porque tudo indica que desta vez será conseguida uma reconciliação geral, para o bem comum. Mais um esforço e tereis dado um passo de grande importância para o progresso do grupo de almas a que pertenceis.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 07, 2023 7:31 pm

Exultai amigos e entoai loas ao Doador da Vida pelas grandes oportunidades que vos oferece de acesso aos planos elevados. Agora, trazei material de escrita. Acha-se presente um dos grandes vultos da nossa literatura, cujo nome não estou autorizado a declinar, o qual vos brindará com uma poesia. Permanecei concentrados. Adeus.
Trazidas que foram penas e folhas de papiro, Samuel de olhos fechados escreveu estes versos com rapidez vertiginosa:
VIVER SEM MEDO
Viver sem medo... aqui, ali, seja onde for,
Entre bons, entre maus, entre A, B ou C,
É uma virtude cristã, de inegável valor;
E prova de que em Deus e em Jesus se crê.

Viver sem medo... é ter, dentro da própria Vida
Uma vida maior, independente e forte;
É não temer a Dor; é ter a alma nutrida
Pelas bênçãos do Amor, que desconhece a Morte.

Viver sem medo... é amar a Luz, a Liberdade;
É amparar o fraco; ajudar o Ignorante;
É melhorar o Mau; é fazer Caridade;
É confraternizar com todos, e ir adiante.

Viver sem medo... é ter compreensão de tudo
Quanto possa levar o homem à Perfeição;
É ante o Erro e o Crime, armar-se com o Escudo
Da Ciência e do Amor, do Bem e da Instrução.

Viver sem medo... é não deixar que o Egoísmo,
A Indisciplina, o Vício, a Ambição e a Vaidade
Continuem a ser o mais tremendo Abismo
Existente entre Deus e a sua Humanidade.

Viver sem medo... é ter um Poder que irradia
Fluidos de Autoridade aos actos mais pueris...
É provar que a Ilusão é apenas Fantasia
E que só a Verdade é que faz o "Eu" feliz.

Viver sem medo... é agir com toda Rectidão,
Aprendendo a fazer, dentro da Treva, Lume;
É não dar à Perfídia a honra da Indignação,
Nem sentir dentro da alma o Despeito ou o Ciúme.

Viver sem medo... é ter, ante qualquer Perigo,
Atitude mental suprema; é ter em vista
Que o Ódio pode atacar e ferir o Inimigo,
Mas que, em verdade, só a Bondade o conquista.

Viver sem medo... é crer, com Coragem espartana,
Que a Revolta não resolve o problema da Dor
E que o Equilíbrio e a Paz da sociedade humana
Não se podem basear na Raiva e no Rancor.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 07, 2023 7:31 pm

Viver sem medo... é crer que a Morte não existe.
Que tudo se transforma, e renova, e enriquece;
É combater o Mal; é jamais ficar Triste;
É ser Justo e Leal, e ter por arma a Prece.

Viver sem medo... é dar Crença e Perseverança
Ao Cérebro imortal; é dar força à Razão;
É acender de vez, cheio de Fé e Esperança,
A luz da Caridade em pleno Coração.

Viver sem medo... enfim, é ter absoluta Certeza
De que a Sombra jamais há de deter a Luz...
É avançar sorrindo, combatendo a Torpeza,
Renunciar ao Mal, carregar sua Cruz!

Finda a psicografia, Eurípedes leu em voz alta os versos que aqui reproduzimos,
maravilhando-se todos pela variedade de dons com que vinha sendo cumulada a pequena e fraterna família.
No dia seguinte, como fosse domingo e fizesse tempo esplêndido, resolveram todos dar um passeio de carro até uma cascata existente nas proximidades, entre as belas florestas que outrora cobriam a Fócida, hoje áspera e agreste. O fiel Nereu conduzia a sege e o passeio decorreu em grande alegria dos participantes. Na volta porém, quando se achavam já na metade do caminho, o céu cobriu-se de nuvens escuras, prenunciando temporal.
— Que faremos? perguntou Samuel ao seu cunhado. Não será melhor procurarmos um abrigo?
— Talvez. Um raio que caia pode assustar os cavalos e precipitar-nos nas escarpas.
— Vamos andando, enquanto pudermos, disse Anália. Não quero perder as preces vespertinas no Templo. Temos recomendações no sentido de só faltarmos em último caso.
Pareceu ser esse o melhor alvitre, e resolveram segui- lo. Tocadas pelo vento forte as árvores balançavam-se, parecendo dizer não a Éolo, que teimava em puxá-las.
Dentro em pouco grossas bátegas começaram a cair aqui e ali, e uma forte chuva desabou sobre a terra sedenta. Passo a passo avançavam os excursionistas, procurando um abrigo onde pudessem refugiar-se da intempérie. Os coriscos sulcavam os ares e por vezes Samuel era obrigado a auxiliar Nereu a conter os cavalos, Por felicidade, não demorou muito e acharam à beira do caminho, uma espécie de gruta, formada por gigantescas pedras superpostas. Para ali conduziram a carruagem, em cujo interior todavia permaneceram, porque a protecção da furna era algo precária. As rédeas foram amarradas a uma árvore, que crescia nos interstícios das pedras e todos se dispuseram-se a aguardar pacientemente o fim da procela. A cada raio que caía, Diana persignava-se e murmurava o nome de Jesus.
— Dir-se-ia que ouço o choro de uma criança, falou a esposa de Samuel.
— Deve ser o vento nas árvores, murmurou Nereu apurando o ouvido.
Fez-se maior silêncio e pôde-se perceber realmente o som característico do pranto de criança recém-nascida.
Samuel, apreensivo, disse:
— Vou ver o que é. E desceu, acompanhado de seu cunhado. Num dos meandros ou corredores naturais formados pelas rochas, viram uma criancinha deitada no chão e no extremo oposto um indivíduo embuçado num manto negro, que fugia.
— Alto! bradaram os dois. Que crime cometeste, covarde?
O desconhecido estacou por momentos e de longe gritou:
— Nenhum! Cumpro ordens! Socorram a criancinha antes que ela morra de frio! - e desapareceu em veloz carreira.
Enquanto isso Eurípedes recolhia o infeliz enjeitado, que continuava a chorar energicamente, e o conduzia para o carro. Entregue que foi às mãos diligentes e carinhosas das três mulheres, em poucos minutos teve substituídas as suas roupinhas molhadas por panos secos e reconfortantes. Friccionaram-lhe as perninhas álgidas, arroxeadas de frio.
— Indigno é o ser que ditou uma atrocidade como esta! - exclamou Samuel revoltado.
A criança devia ter no máximo dois dias de vida, pois o umbigo ainda se apresentava mal cicatrizado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 07, 2023 7:32 pm

— Assim que chegarmos, disse Anália, dar-lhe-ei um pouco de leite quente e amanhã providenciaremos uma ama para o pequenino, cuja vinda para o nosso meio já estava prevista pelos guias.
— Acho bom não esperarmos que a chuva passe. O menino está gelado e urge dar-lhe alimento quente.
Aliás, o temporal amainava visivelmente. A chuva tornara-se fina e só as enxurradas que desciam as encostas inspiravam ainda cuidado. Com cautela puseram-se novamente a caminho e com o atraso de uma hora e pouco, apenas, chegavam em casa. Socorros foram prestados ao infante, que ficou aos cuidados de Diana enquanto a família se dirigia para o templo. Hebe, a pitonisa-mor já se achava na trípode, imersa em profundo recolhimento. Feitas as in vocações aos Poderes Celestiais, pelo dirigente do dia, o coro elevou suas vozes em notas suaves, entoando um hino de paz e adoração ao Senhor. Antes de finda a oração musical, a venerável matrona ergueu-se incorporada e circundando em torno o olhar velado, murmurou:
— Irmãos caros. Hoje somos poucos, mas o devotamento e a sinceridade suprem o número e nossas vibrações não deixam de produzir os seus efeitos salutares. Não podeis imaginar ainda os prodigiosos efeitos das orações, principalmente colectivas.
Deste centro irradiam-se jactos de luz que dissolvem nuvens de trevas, sobre as quais exercem efeito semelhante ao da água sobre o fogo. Perseverai e os louros não deixarão de coroar vossos trabalhos. Falar-vos-ei hoje sobre a necessidade de paciência no lar.
Irmãos, o lar é uma igreja e uma escola, cujo valor nem sempre apercebemos. É um templo, porque o seu recesso é sublime e santo e nele deve-se penetrar com respeito e veneração. É uma escola, porque ali nos aperfeiçoamos e aprendemos. Mas é também uma grande e delicada oficina de trabalho espiritual. O segredo da felicidade num lar é a paciência, a cordura. Nunca deveis levantar a voz. Aprendei a calar quando vos ferirem. Daí o exemplo de mansidão e de serenidade. Aceitai os dissabores domésticos como provas necessárias. Muitas vezes são antigos inimigos que se reúnem sob o mesmo telhado, sob as bênçãos de um esquecimento temporário, a fim de recapitularem antigas lições interrompidas e restabelecerem laços de amor desatados pelas paixões ou pela imprevidência. É claro que na reincidência as penas se agravam.
As oportunidades de reajuste tornam-se mais difíceis de serem aproveitadas. Por isso, se não possuirmos muita paciência, ao reencontrarmos os nossos adversários, seremos vencidos pelos impulsos de aversão instintiva. Quantas vezes se ouve dizer numa casa:
— Não tolero mais fulano! Um dos dois tem que sair daqui!
Nunca façais isso! Não alimenteis discussões. Quem consegue a remissão de um ser inclinado ao mal, consegue valiosa vitória, sempre recompensada pelo Creador.
Um conselho amistoso, às vezes, produz maior efeito do que uma chibatada de fogo. Uma palavra serena e piedosa pode desarmar o braço de um facínora, ao passo que a violência gerará a violência e o homicídio.
Alguns dos que se acham presentes acabam de receber em seus braços um antigo adversário, que muito sofrimento já lhes causou. Pois bem, vereis a sapiência das leis celestes que facultam o esquecimento dos agravos e a reconciliação das almas desavindas. A paciência e o amor transformarão esses adversários em amigos para a eternidade. Confiai em Deus. Não penseis que são injustos os sofrimentos que vos advêm. Sabei que todos vós, em remotas peregrinações, também já muito fizestes sofrer, fostes despóticos, violentos, infligistes padecimentos e injustiças e torturastes os que vos amavam.
— Venerável sacerdotisa, exclamou um dos assististes, a quem certamente tocaram as palavras da entidade. Porquê Deus não me puniu outrora, quando ainda me recordava dos crimes praticados, aplicando a justiça por mais severa que fosse, e não agora, que já estou deslembrado de todas as vilanias perpetradas numa era que se eclipsou da minha mente? Eis porque não me resigno: sofrer pelo que ignoro haver praticado num passado que não se pode investigar!
— Meu amigo: um delinquente que hoje comete um crime, poderá horas após, adormecer profundamente e então esquecerá a perversidade praticada mas, nesse período, deixará de merecer as sanções da lei? Não, certamente. Digo-te mais: se nos lembrássemos de todos os crimes praticados nas inúmeras encarnações passadas, cujo resgate temos que empreender um dia, nenhum de nós poderia dormir ou viver normalmente, como é necessário. Convence-te do seguinte: o esquecimento é um favor que Deus nos faz, em sua infinita misericórdia e não um castigo. Além disso, se não te lembras às vezes nem do que ias dizer, como queres te lembrar de fatos ocorridos há milénios?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 07, 2023 7:32 pm

Estabelecer-se-ia em teu cérebro uma tal confusão que terias de ser recolhido a uma prisão de loucos. Que importa pois, que um indivíduo sofra sem saber porque, se o sofrimento lhe é duplamente benéfico: abrandando-lhe o coração e quitando-lhe as dívidas? Edifiquemos o nosso porvir procedendo ilibadamente no presente. Tenhamos em mente que o adversária da actualidade é o prejudicado de outrora. Por esse motivo surgem nos lares dissidências alarmantes, às vezes entre os próprios pais e filhos.
Cedei sempre, mesmo quando tiverdes razão. A quem quiser disputar convosco sobre a propriedade do vosso manto, dai-lhe também a vossa túnica, porque Zeus, que tudo vê, vos dará duas, e o iníquo mais tarde ficará reduzido a farrapos para escarmento.
Algum dia, outro disputará a posse das suas roupas e ele, a quem o sofrimento ensinou a tolerância e a bondade, deixá-las-á, por sua vez. Lembrai-vos de que pela paciência possuireis as vossas almas, sereis donos dos vossos destinos. Quereis saber quanto vale a paciência? Vede os males causados pela falta dela.
E com esta simples frase a vidente encerrou a prelecção da noite.
* * *
Ao regressarem ao lar, estavam todos ansiosos para saber como estaria passando o pequeno enjeitado, que ficara aos cuidados de Nereu e Diana. Receavam que se manifestasse alguma febre em consequência da chuva que apanhara, mas felizmente encontraram-no dormindo calmamente em improvisado berço feito por Nereu.
Rejubilaram-se com o fato e reunindo-se na sala de jantar para decidir sobre o que fariam, Samuel assim se expressou:
— Meus caros amigos. Precisamos considerar o seguinte: breve nascerão os nossos primogénitos e precisamos desde já prever a situação que se vai criar futuramente entre os nossos filhos e o pequeno enjeitado. Em primeiro lugar acho que devemos dar-lhe também a condição de filho. Fomos informados de que se trata de um antigo inimigo nosso, mas estamos suficientemente esclarecidos sobre o mecanismo da Justiça Divina para lamentar esse fato. Acolhemo-lo como filho e façamos perpetuo silêncio sobre o que sabemos. Estais de acordo?
Todos aprovaram o ponto de vista de Samuel. Eurípedes levantou outra questão:
— Fomos dois a encontrá-lo, mas só pode ser perfilhado por um. Quem o adoptará publicamente?
— Tirem a sorte, falou Anália sorrindo.
E assim foi feito, escrevendo-se os nomes de Samuel e Eurípides nos dois lados de pequeno pedaço de pergaminho, o qual foi lançado ao ar. Depois de revolutear, pousou no chão com o nome de Samuel para cima.
— Mas será nosso afilhado, disse Anália.
— Agora, inspirai-nos um nome, disse Samuel.
Proponho o de Argos Políbio, disse Anália.
— Logo o nome do destruidor de vosso lar? perguntou Eneida.— Justamente por isso, respondeu ela. Será um dos modos de virmos a amar aquele nosso inimigo.
A inesperada lembrança de Anália foi discutida entre os presentes, que afinal acharam procedente o seu ponto de vista, à luz da doutrina cristã de esquecimento de todo agravo, e assim foi chamado o menino.
No dia seguinte, uma ama foi contratada para vir alimentar o menino a horas certas. Tratava-se de uma robusta lavadeira residente nas proximidades, cujo filho, ainda de colo, havia morrido poucos dias antes.
Anália e Eneida por sua vez preparavam-se activamente para receber seus pimpolhos, cujo nascimento se aproximava a olhos vistos, obrigando ambas a pedirem dispensa das ocupações estranhas ao lar. Não deixaram no entanto de frequentar o templo, onde se amiudavam as mercês divinas, sendo raro o dia em que não se comentava uma cura ou a confirmação de factos preditos pela pitonisa. Aos domingos pela manhã realizavam-se em casa reuniões para estudo do Evangelho e a comunhão com os santos espíritos em tomo da mesa branca. Conselhos, receituário, aposição de mãos, oram propiciados nessa ocasião. Anália e Samuel tornavam-se dia a dia melhores transmissores, não sendo raras às vezes em que os guias traziam espíritos sofredores para serem doutrinados. As vibrações desses espíritos eram de tal modo pesadas que não permitiam a comunicação directa entre os socorristas do espaço e eles, havendo de mister a incorporação provisória em corpo denso.
Um domingo, pela manhã, após a leitura de um trecho do Evangelho, que foi comentado por todos os presentes, manifestou-se o guia de Anália, Cirinto, que assim falou:
— Caros amigos, estamos satisfeitos convosco.
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O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama - Página 3 Empty Re: O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 07, 2023 7:32 pm

Perseverai neste rumo e tudo vos será facilitado cada vez mais. Não tenhais receio das lutas que o futuro um dia vos fará deparar. Vivei alegremente o dia que passa sem temer o amanhã, que a Deus pertence.
Quem vos fala, tem experiência própria. Também eu tive várias existências na terra, em passado não muito remoto. Vivi dramas acerbos, lances amorosos, riqueza e miséria.
Por tudo passei: Vidas de resgate e expiação, bem como encarnações calmas, e de pouso. Um dia, raiou para o meu espírito uma oportunidade. Há cerca de mil anos, o divino Dionisos, que em sua última descida ao planeta conhecestes pelo nome de Jesus, enviou à terra um dos seus anjos, Orfeu, com a missão de preparar a unidade espiritual da Grécia sob a égide da beleza do amor. Foi-me dada a ventura de assistir às suas pregações sublimes, que arrancavam lágrimas dos que as escutavam e descerravam à nossa visão interior as maravilhas do mundo espiritual. Fascinado pela felicidade que me traziam os estados de êxtase que me causavam os discursos de Orfeu, votei-me de corpo e alma à prática do bem e o meu pequeno espírito pôde enfim progredir. Tive ainda encarnações de sofrimento e imolações redentoras, mas tudo concorreu para o saneamento da minha alma, que na derradeira fase já não se lembrava mais de si própria e sim, tão somente, daqueles que sofriam mais que eu e não tinham o conforto de conhecer a verdade. Minha fé adquiriu a consistência de uma rocha inabalável.
Na última prova, já cego das vistas e com o corpo mutilado pela lepra, abandonado pelos filhos, vivi os maiores horrores que é dado ao ser humano experimentar. Mas, ao deixar o casulo físico, meu espírito conheceu momentos de alegria celestial. Milagrosa alteração se verificara: lavada pela lepra, de suas máculas passadas, minha alma apresentava-se branca e leve. Ajoelhei-me chorando, agradecendo a Deus o sofrimento redentor que ele me enviara. Deixei de ser um habitante terrestre para tornar-me trabalhador dos espaços. Mil vezes abençoei todas as
torturas físicas e morais que eu experimentara com ânimo sereno. Todo o sofrimento desaparecera, como a borrasca desaparece depois de limpar os ares e regar a terra.
Reconhecendo o quanto eu devia a Orfeu. que me apontara a porta estreita que ascende ao empíreo, pedi que me fosse permitido cooperar na sua obra. Esta prossegue, no plano invisível e se reflecte, na terra, em iniciativas de vária natureza, tendentes a tornar os homens melhores. Mas o mundo conhecerá ainda um largo período de trevas e violências. Torna-se cada vez mais difícil manter os santuários e as escolas filosóficas onde fazemos ouvir nossas vozes. Os homens vivem ainda em busca do prazer material, e até que aprendam a valorizar os do espírito, decorrerão séculos.
Mas isso não importa. Dionisos espera por nós desde a formação do mundo, trabalhando incansavelmente e dia a dia novas almas se libertam das cadeias terrenas e ascendem ao seu trono de luz. Assim, pouco a pouco, os espíritos endurecidos acabarão ficando em minoria e a terra se tornará um paraíso. É a predita Idade de Ouro. Não vos aflijais portanto, quando virdes a ignorância triunfar. Cumpri com esforço e abnegação as vossas atribuições, pois o futuro é belo e incomparável e não há razão para pessimismo!
Felicito-vos pela escolha do nome do menino, mas ocultai sempre o que ele vos recorda para que a criança não se sinta oprimida.
Este lar não tarda a ser acrescido de mais dois entes humanos que vem à terra em cumprimento de dolorosas e remissoras missões. Amai-os a todos apaixonadamente para serdes dignos do amor de igual natureza que vos dedica Jesus. Esforçai-vos para que as três crianças se estimem fraternalmente. Incuti-lhes, desde o início, hábitos brandos, a tolerância, a cordura, o perdão, para que possam vencer as tendências contrárias que se manifestarão neles com a idade.
Os lares, meus irmãos, são assim constituídos: seres humanos já intensamente relacionados desde o tempo em que suas almas habitavam o reino animal, congregam-se novamente por efeito da Lei do Carma, de modo a virem a conhecer as belezas do amor e a estabelecerem laços que farão felizes. Perdoando-se, e esquecendo as faltas perpetradas uns contra os outros, colaboram por sua mútua evolução e facilitam o seu progresso. Nas famílias onde há disputas e ressentimentos, esse progresso se faz à custa do muito maiores sacrifícios, porque os componentes do grupo, em vez de se auxiliarem, se combatem e dificultam a marcha uns dos outros. Por aí podeis avaliar a importância da tolerância e do perdão. Não haveria felicidade na terra sem esses sentimentos.
Deus, o Juiz Supremo, não exige o resgate imediato das dívidas. Ele sabiamente avalia as possibilidades dos seres o tempera a sua justiça com a sua misericórdia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 07, 2023 7:32 pm

Todos os viventes têm a eternidade por passado e por futuro. Nenhum crime fica impune, a pedido do próprio criminoso, que deseja libertar-se dos remorsos, como Hércules da túnica de Nesso, sendo este o significado dessa passagem da Mitologia.(4)
Meus irmãos, não tereis descanso enquanto não atingirdes a perfeição moral.
Esforçai-vos pois desde logo para vos purificardes. Pesquisai vossos sentimentos recônditos e expulsai os que não forem dignos de um tabernáculo. Sede tão tolerantes com as falhas alheias quanto intransigentes com as vossas. Respeitai sempre o vosso semelhante; temei-o mesmo, porque ele é filho de um rei poderosíssimo, Deus, que vos tomará justas contas do mal que houverdes feito aos seus princípios bem amados.
Quanto a ti, Samuel, já estás prevenido da missão que te aguarda, elevada mas difícil. Ainda te recordas, como no houvesse ocorrido ontem, a tragédia que vos atingiu em pleno coração. Pois bem, o desditoso que recebestes nos braços, foi o destruidor do vosso lar.
Tereis que lutar contra a animosidade que haverá entre ele e outro ser humano que está prestes a se manifestar nutre vós. A grande oportunidade de vossas vidas está em saber reconciliar esses adversários, a fim de que entre eles surja outro sentimento: o amor sublime e fraternal! Não será fácil consegui-lo, pois a rivalidade é antiga e forte e infelizmente só tem feito crescer. Mas, o poder de Deus é infinito e situações serão criadas para vos auxiliar a obter êxito. Estaremos a vosso lado em todos os momentos difíceis. Se conseguirmos a pacificação, eles se aliarão eternamente, depois de mútuo perdão.
Querido irmão, vós todos que vos congregastes nesta habitação, tereis de exercer grande esforço em prol do pequenino que salvastes e abrigastes. E haveis de salvá-lo novamente! Ele e os que não tardam a emergir no plano material, hão de proporcionar-vos dias de alegria e de lágrimas. Tereis de norteá-los com afecto e dedicação para os mais edificantes Ideais, para a luz eterna da Redenção!
— Mas, disse a esposa de Samuel, a redenção não já nos está assegurada por Jesus Cristo? Se não, porque o chamam de redentor do género humano?
— Devo dizer-te, prezada Eneida, que Jesus é realmente o Redentor da Humanidade mas no sentido de que é aquele que torna possível a redenção e indica o caminho que a ela conduz. Sem o Mestre Incomparável, dificilmente o homem acharia por si mesmo a porta estreita que leva à verdadeira liberdade. Ele é o Salvador, na acepção de que permite aos homens salvarem-se de si mesmos, pois mortos estão no pecado e na matéria, assim como prisioneiros dos seus próprios erros e paixões. Deus não deixaria os seus filhos sem um Pastor e um Guia que lhes mostrasse a felicidade eterna. Para a vida do mundo físico acendeu Ele o sol nas alturas, para a vida do mundo espiritual instituiu Ele um sol não menos potente: Jesus Cristo. Somente daqui a milénios a humanidade saberá tudo o que deve a Jesus. Não fora ele, os homens estariam ainda em plena Idade da Pedra e do canibalismo. O nome de Jesus, meus irmãos, era para ser pronunciado de joelhos e chorando, pela humanidade. E o de Deus era para não ser pronunciado senão nas ocasiões mais santas e solenes e após longa purificação da nossa boca. Mas, a bondade do Pai e de Jesus é infinita. Murmuremos os seus nomes com veneração e carinho, repletos de gratidão, e não estaremos pecando.
Adeus. A felicidade vos acompanhe e a Paz permaneça em vosso lar.
A seguir, pela boca de Samuel manifestou-se Hermínio que lhes fez a revelação seguinte:
— Os três infantes que se estão incorporando ao vossa núcleo familiar não permanecerão sempre convosco. Antes de completarem vinte anos ter-se-ão encaminhado para novos sectores. Ireis observando os seus sentimentos, a eclosão das suas inclinações, cultuando sempre o que for nobre e coibindo seus maus pendores.
Grande deverá ser o vosso esforço, para que nenhum deles se perca. Sabei que só o hábito é mais forte que a natureza. Incuti-lhes pois, bons. hábitos. Com o tempo e a repetição, as coisas difíceis do fazer tornam-se fáceis, do mesmo modo que as fáceis se tornam difíceis. Vede o vício de roer unhas. Para quem. não rói, não roer é a coisa mais fácil do mundo, mas para quem rói, é a mais difícil. Se desde pequenos incutis aos vossos filhos o costume da ordem e do trabalho, serão sempre metódicos e diligentes.
Se os deixais de mão, serão sempre relaxados e preguiçosos e jamais triunfarão, nem de si mesmos nem do mundo. Esforçai-vos portanto em educá-los bem desde a primeira infância, formai o carácter deles, nas máximas cristãs e quando chegar a idade em que os seus antigos hábitos deverão se manifestar, sob a forma de pendores, poderão controlá-los mais facilmente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 07, 2023 7:32 pm

Digo isto porque, no princípio da nova existência planetária, os três serão ligados por sentimentos fraternos, mas com o transcurso dos anos as antigas rivalidades e odiosidades surgirão fatalmente.
Creio que não é preciso recomendar-vos mais nada. Boa noite amigos!
* * *
Argos Políbio contava já três meses de idade, quando foram acrescentados à família mais dois entezinhos: um menino, filho de Samuel e Eneida e uma menina, filha de Eurípides e Anália. Plotino e Emérita, assim se chamavam os novos moradores, em homenagem aos avós desaparecidos.
Alguns anos transcorreram sem grandes modificações na vida dos nossos personagens, senão que Anália passara a integrar o grupo das pitonisas e Samuel o de grão-mestres do templo. Folheando mais algumas páginas, vamos encontrar os três amiguinhos Argos, Plotino e Emérita, em idade escolar e, no colégio que frequentavam, salientarem-se nos estudos e nos jogos. E assim foram crescendo, estreitamente unidos, a ponto de parecerem a todos, três irmãos carnais. Com o passar do tempo foram-se desenvolvendo as suas mentalidades em sentido algo diferente: Argos era atraído pelo desporto, Plotino pelo estudo, embora brilhassem numa e noutra coisa. Samuel costumava dizer: Argos foi espartano em encarnação passado, e Plotino ateniense. De vez em quando, surgiam disputas entre eles, mas terminavam sempre em reconciliação por intervenção dos pais.
Além disso, havia outra secreta rivalidade entre Argos e Plotino: Emérita, a linda priminha, era quase sempre o pomo de discórdia entre eles.
Todos, porém, educados cristãmente e recebendo instrução esmerada, que abrangia o cultivo dos sentimentos, sabiam refrear seus impulsos e perdoavam-se reciprocamente, e assim atingiram a casa dos dezoito anos de idade.
Um dia, ao amanhecer, Argos manifestou o desejo de ir em companhia de dois colegas, tomar parte em uma excursão marítima, no vizinho Golfo de Corinto. Tendo solicitado prévio consentimento aos pais, convidou para fazer-lhes companhia Plotino, mas este, à hora da partida recusou-se a ir, alegando falta de vontade.
— Não tens vontade de passear de barco?! exclamou Argos admirado. Parece-me antes que não te agrada a minha companhia.
— Não é isso, protestou Plotino. Não leves a mal a minha recusa, mas algo me diz que não devo ir a esse passeio pois, não sei porque, tenho a impressão de que me aconteceria algo desagradável. Aconselho-te até a que consultes o guia de tia Anália sobre esse passeio. Tenho um mau pressentimento!— Qual o que! disse Argos animoso. Adoro as viagens por mar e agradam-me os perigos que se corre nas vagas enfurecidas e movediças.
— Bem, estamos em completo desacordo, disse Plotino, mas isso não há de ser motivo para discussão entre nós. Cada um fará o que mais lhe aprouver.
Separaram-se então, amistosamente.
Mas a Natureza parecia hostil às diversões marítimas. O céu tornou-se sombrio, no transcurso do dia, e, sem demora, bátegas de chuva violenta fustigavam a terra, torrencialmente.
— Estou ansioso pelo regresso de Argos! falou Samuel, lembrando-se de que o filho adoptivo tinha ido com alguns amigos tentar a travessia do Golfo, indo de Lepanto a Patras, ao Norte da Moréa.
Transcorreu o dia em dolorosa expectativa para todos. Anoiteceu. Políbio não regressara ainda. Horas intérminas decorreram com a morosidade própria dos momentos aflitivos. Transcorreu a noite, em dolorosa vigília para os integrantes da família, que amavam sinceramente o jovem.
No dia imediato, entretanto, quase ao entardecer, chegou Argos Políbio, amparado por dois dedicados companheiros, todos eles com os rostos entristecidos.
Políbio mal se sustinha em pé, e, o que logo atraiu a atenção de todos os que o viram, havia uma larga atadura do lado direito, comprimindo-lhe o braço.
— Que é que sucedeu a Argos? interrogaram todos, correndo para o seu lado.
— Um deplorável acidente! exclamou um dos que o amparavam, fraternalmente.
— Foi ele vítima de sua audácia ou de uma inolvidável heroicidade! Escutai-me, todos que muito o estimais. Infelizmente há grave fractura do braço.
— Como ocorreu o lamentável acidente? interrogou Eurípides, que também compartilhava da dor que, então, farpeava os corações familiares.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 10:41 am

— Houve alguma precipitação de nosso querido companheiro, senhores!
exclamou um dos rapazes! A tempestade atingiu-nos, violentamente, mal o barco se aproximou de um ilhéu pedregoso, de difícil acesso. O barco, desarvorado, pois lhe havíamos colocado uma vela para aumentar a velocidade, era abalado da proa a popa.
As vagas, agigantadas, dir-se-iam enfurecidas contra nós, prestes a devorar-nos.
Perdemos a serenidade de ânimo e julgávamos haver soado, para nós, os derradeiros instantes de vida.
— Façamos esforços para atingir o ilhéu! exclamou Argos, então, com voz de comando.
Com grande dificuldade, conseguimos dirigir a embarcação para o referido local, inteiramente pedregoso, para ficarmos a salvo, até que nos socorresse algum pescador, como os há, em profusão, naquela zona marítima, porém, os esforços foram tão intensos, que se lhe esgotaram as forças e, quando ele se atirou em um dos lajedos próximos, caiu com a cabeça para baixo e logo submergiu nos vagalhões enfurecidos.
Quando, após ingente luta, conseguimos segurar-lhe as pernas, para retirá-lo do abismo, o braço direito foi de encontro a uma pedra com agudas arestas e ouvimos um estalido, que nos apavorou: o esfacelamento de algum osso.
— Arrastem-me, para cima! Estou perdendo as forças! Salvem-me, amigos, antes que as ondas me devorem! gritava Argos, e, subitamente, após o estalo mencionado, ele exclamou:
— Parece-me que está quebrado o meu braço direito! Não me salvem mais.
Eu e nossos companheiros, aqui presentes, fizemos um esforço sobre-humano para o retirarmos do local do sinistro, conseguindo, finalmente firmar pé numa elevação do rochedo.
Argos, ao perceber sua desdita, tentou arrojar-se aos vagalhões novamente, dizendo com desespero incontido:
— Vou perder o braço direito! Prefiro a morte a ficar deformado! Deixem-me atirar-me dentro das ondas. Deixem-me!
— Enlouqueceste, Argos? Nós havemos de salvar-te, ou morreremos contigo!
— Não! Não! É melhor morrer do que ficar com o braço direito aleijado. Soltem-me! Nós custamos a contê-lo e lhe falamos:
— Confiemos em Deus e na sua protecção, Argos! Quando chegarmos a Delfos, levar-te-emos a um médico e não perderás o teu braço!
— Não quero! Sei que vou ficar defeituoso!
Custamos a imobilizá-lo em nossas mãos. Quando abrandou a tempestade, debilitados e famintos, tendo desaparecido o barco que alugamos, vimos, com alvoroço, passar perto do ilhéu uma canoa de pescador. Nossos gritos estridentes fizeram os que se encontravam em seu interior, aproximar-se de nós, e, dotados de sentimentos fraternos, abrigaram-nos na frágil embarcação, onde pudemos ser salvos, quando já desesperávamos. E aqui estamos.
Plotino aproximou-se de Argos, e, abraçando-o fraternalmente, com os olhos marejados de lágrimas, disse-lhe, emocionado:.
— Não te lembras do que te disse, antes que partisses para o nefasto passeio?
— Sim, lembrei-me de tuas palavras, muitas vezes.
Ambos choravam, dolorosamente. Todas as providências foram dadas para o tratamento do braço contundido de Argos, mas, tendo permanecido muitas horas sem o indispensável tratamento, foi preciso que lhe amputassem.
A funesta excursão, num frágil barquinho, no canal de Corinto, resultou em sérios dissabores. Logo aos albores da juventude, ficara o moço privado de um dos órgãos mais úteis ao homem. Além do defeito, sentia a alma também fragmentada, pois afeiçoara-se, desde a infância à formosa e loura Emérita, e, desde o fatal sucesso, que o privara do braço direito, ela ficou algo arredia, transferindo as atenções para Plotino que, no entanto, foi um fiel companheiro, pródigo em desvelos para mitigar-lhes as dores e as amarguras.
Era, então, visível a predilecção de Emérita pelo primo. Após muitos dias de delírio e dores cruciantes, depois da amputação do braço ofendido, seu estado físico equilibrou-se e ele obteve melhoras reanimadoras, começando a agir. Tinha tido, durante a febre que lhe afogueara o rosto, visões apavorantes; via-se em batalhas renhidas, assaltando lares honestos, fazendo pilhagens, e, por último, pareceu-lhe estarem um altaneiro castelo, do qual se julgava senhor, e, finalizando as cenas, tomava parte em um duelo, tendo por contendor a Plotino e, ambos, em luta feroz, caíam sem vida sobre o solo ensanguentado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 10:41 am

Quando, após dezenas de dias de padecimentos, entrou em convalescença, tornou-se estranho para a linda Emérita, que começou a votar todas as atenções ao amável primo. Avolumaram-se as mágoas no coração de Argos, que, por vezes, lamentou não ter morrido no acidente.
Nessa época, Samuel e seus bem amados haviam assumido maiores responsabilidades no Templo de Apolo, pois a querida pitonisa Hebe, havia desprendido deste mundo sua lúcida alma. Uma tarde, em palestra com Argos, a quem considerava um verdadeiro filho, ouviu-o dizer, com inexprimível amargura:
— Louco que fui em esforçar-me para não morrer sob as ondas. Que me vale a vida aleijado, sem poder enfrentar as dificuldades de cada dia, nem trabalhar para a manutenção de um lar querido? Ainda prefiro a morte, a viver torturado e sem esperança na vida!
— Não digas loucuras, Argos! aconselhou Samuel, comovido. Não estás cego nem perdeste o senso, as piores enfermidades que existem! Podes ainda ser útil a ti próprio e aos teus, dirigindo uma casa comercial, uma granja, por exemplo. Eu vou me esforçar por fornecer-te a quantia necessária para que tu e teu amigo Plotino possais negociar de sociedade, pois ele pretende desposar a jovem prima, que foi solicitada ontem em casamento, obtendo a resposta desejada de seus tios.
— Pois Plotino já é noivo de Emérita, pai? interpelou Argos, com o timbre de voz alterado pela emoção violenta que sentia.
— Porque te admiraste tanto, meu filho? interrogou Samuel, fitando-o com espanto.
— Porque julguei que se considerassem irmãos e não futuros consortes!
— A afeição que eles se consagram nasceu no berço! respondeu Samuel, que intimamente percebeu o que se passava no coração de Políbio, ao qual procurou consolar. Argos, porém, estava entristecido, embora seu pai adoptivo o concitasse a enfrentar a vida com heroicidade e lhe dissesse, para suavizar-lhe o dissabor de haver sido mutilado:
— Se já houvesses lutado em prol de nossa Pátria, talvez tivesses imolado o braço direito em uma batalha. E, quem sabe? Em vez de um membro decepado talvez perdesses a vida.
— Preferia que assim sucedesse, pai! Que é que me vale estar vivo com a morte em minha alma?
— Tu te iludes, Argos! Ainda poderás ser útil a ti próprio e à humanidade. Põe tua alma em defesa do corpo e luta para Deus, que a vitória será certa e a felicidade, também!
— Perdi a Fé na misericórdia divina! exclamou Argos, com os olhos cintilantes de lágrimas.
— Não blasfemes, meu filho! Se o fizeres, virão novos tormentos.
O enfermo fitou-o, lacrimejante, e teve a impressão de que seu espírito ficaria imerso em desalento até que se lhe consumasse a vida planetária.
Uma noite de apreensões supliciantes sucedeu aquele dia em que Argos soube do projectado casamento dos primos. O aposento em que repousava, à noite, era em conjunto com Plotino, que, quase fronteiriço ao seu leito, dormia placidamente, enquanto ele, em vigília, atormentava-se com a ideia de que talvez, estivesse sonhando com a projectada ventura. Pairava-lhe na mente a imagem da loura e formosa Emérita, de quem, desde que fora atingido pela desventura, depois de crer que ela lhe correspondesse o afecto, tornou-se também arredio. Foi a desventura que o atingira, a causa de haver perdido a formosa companheira de infância que ele sonhara ser sua esposa para toda a vida.
Os pensamentos fervilhavam em sua mente, parecendo conter um Vesúvio no cérebro, que projectava pensamentos comburentes como verdadeiras lavas!
— Vou enlouquecer! disse ele, em seu íntimo, convicto de que iria perder o juízo. Por diversas vezes pareceu-lhe ouvir estridentes gargalhadas e que alguém, que ele não via, assim expressava os seus pensamentos:
— Não tem mais direito à felicidade! És um mutilado! Tens em perspectiva um futuro de dores, humilhações, misérias.
Perdeste o amor de Emérita, que te correspondia, mas, agora, te despreza e substituiu-te pelo primo, mais venturoso do que tu. Que é que esperas mais na vida?
Porque não pões termo à tua desgraça arrojando-te ao mar?
— Não! ouviu Argos, distintamente. Não é a ventura que nos leva ao Céu, à presença de Deus e de Jesus! Não é a vitória nas batalhas sangrentas, a ventura conquistada a poder de violências, de dores alheias que nos conduzem às paragens siderais, único objectivo de todas as criaturas humanas! Só são ditosos os triunfadores do Mal, das injustiças, das dores nobremente suportadas como tivemos o eterno exemplo em Jesus!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 10:42 am

Não ouças as palavras de um infortunado irmão que quer levar-te ao cárcere do remorso que segue as almas, até depois que se desprendem da matéria. A compunção é o látego divino! Se não tens coragem de contemplar a felicidade de um companheiro de existência, de um irmão pelo Destino, então não te demores mais aqui:
foge; foge desventurado Argos! Sim, fugir, à hora do crime, deve ser a escolha de todos os cristãos, e não exterminar os que estão em repouso, adormecidos, sem defesa...
Não queiras enlouquecer de dor e de remorsos, apunhalando os corações amigos dos que te acolheram como verdadeiros pais, salvando-te da morte, do túmulo das trevas. Evita a desventura alheia, buscando o esquecimento de um afecto que, quando atingir a conquista definitiva, vai deixar de existir sobre a Terra.
Se ouvires as palavras de um insensato adversário, serás um dos maiores criminosos e não enlouquecerás para que maior seja a tua tortura moral, o teu tormento espiritual. Eu te aconselho que te ausentes, definitivamente, deste lar, o único que tiveste nos momentos felizes e de padecimentos, mas onde encontraste afecto e pão.
A ventura, sem a paz de consciência, não tem duração, é como um relâmpago, que fulge no firmamento e logo se arroja num abismo desconhecido. A única felicidade deste planeta de Sombras e de Lágrimas, consiste na isenção de culpas, na paz da consciência após o cumprimento austero de todos os deveres morais e cristãos! Levanta-te e segue-me, desditoso filho! Eu me compadeço de ti e quero levar-te a um local onde serás feliz!
— Feliz, eu? Não escarneçais de minha desdita, amigo invisível.
— Lembras-te da data que transcorre, hoje? tornou a Entidade. Estamos a 25 de Dezembro, dia consagrado a Jesus! Concebeste um crime que, por muito tempo, agravaria a tua situação, por haveres premeditado uma acção condenável justamente na noite que assinala a vinda à Terra do mais fúlgido Emissário divino! Vais erguer-te do leito e seguir-me.
Argos levantou-se, cambaleante, como que dominado por uma força incoercível.
Viu reluzir, à sua cabeceira, a lâmina de um punhal, que, desde a véspera ocultara naquele lugar, pensando matar Plotino, o único irmão que lhe foi concedido pelo Destino. Não podendo apunhalá-lo, por estar incapacitado de o fazer, lembrou-se de asfixiar seu companheiro de dormitório. Houve, então, a intervenção bendita do Emissário celeste, que o fez recair sobre o leito, estabelecendo-se o diálogo referido.
Argos, fitou, através das lágrimas que jorravam de seus olhos, o companheiro de todos os instantes e deteve-se no rosto sereno de Plotino, que ressonava tranquilamente.
— Podes dormir porque és ditoso. O desventurado, se adormecesse, seria menos infeliz. Como me consideraria feliz, se ainda pudesse empunhar um punhal para destruir a vida a quem me tomou desventurado! Como era firme a minha destra!
- Não compreendeste ainda que foste justiçado pelos tribunais celestes? ouviu o jovem, no íntimo de sua própria consciência, Seria preferível o suicídio, delito de suma gravidade, ao crime que projectas, pois se o cometeres, apunhalarás diversos corações amigos, ensanguentando um lar que substituiu o que te foi negado para resgate de uma falta gravíssima.
— Eu não posso continuar a viver mais, sentindo-me preterido por quem adorava e, no entanto, tornou-me desgraçado! murmurou o desditoso Argos.
— Podes reagir contra os dois delitos humanos — homicídio e suicídio — tendo a Jesus no coração! A ventura não consiste na realidade de um sonho quimérico, embora querido, mas, às vezes, na sua renúncia. Não vaciles mais, no caminho da Honra, do Dever e da Justiça! Esforça-te para que saias deste lar bem amado com a consciência imaculada! Foge sem destino que este é, sempre, traçado pelo Geómetra supremo — DEUS — de quem somos filhos e vassalos eternos. Foge!
Serás guiado a um local onde foi acumulado um tesouro de conquista de guerra e, muitas vezes, de pilhagem, mas que poderás tornar lugar bendito, de onde praticarás a caridade cristã e o amparo aos que sofrem!
— Que posso eu fazer com esta dupla miséria — paupérrimo e deformado?
— Verás, quanto a misericórdia divina é grande! Foge deste local, antes que executes os alvitres de um adversário implacável, que te assedia há muito.
— Não! Fugirei depois que estrangular quem roubou a minha ventura, o afecto de Emérita, tornando-me, sempre e sempre, desventurado!
— Resgataste um débito do passado, Argos.
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O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama - Página 3 Empty Re: O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 10:42 am

— Como hei de vencer o ódio que explode em meu coração por quem, até há pouco tempo, seria eu capaz de sacrificar a própria vida, e que me tornou o mais infortunado de todos os seres humanos? Como hei de contemplar a sua felicidade ao lado daquela que também começo a execrar?
— Tu ainda não compreendeste que a vida humana de uma era depende da de outra, transcorrida, às vezes, no mesmo local?
— Que alegria, seria a minha, se hoje transformasse em realidade o meu projecto, o de eliminar duas vidas, sendo-me indiferente o resgate em séculos de dores por vindouras!
— Eis porque foi decepado, com antecedência, teu robusto braço, desditoso Argos! Caiu para todo o sempre, o punhal maldito da vingança e da odiosidade, a fim de que não apunhales corações de pais e de irmãos, enodoando a página imaculada da alma onde devias gravar esta excelsa palavra: GRATIDÃO!
É assim que queres resgatar o débito de reconhecimento, por haveres sido abrigado num lar honesto? Não, desditoso Políbio. Varre do teu cérebro tão hediondos pensamentos. Abençoa o doloroso acidente que te impede de praticar um dos mais horripilantes crimes dentre todos os que já perpetraste...
Tu, Argos, foste o destruidor de muitos lares e, nesta actual existência terás que praticar a caridade...
— Como hei de conseguir o que me alvitrais, se não possuo senão a desdita?
— O Destino, o executor das Leis divinas, tem surpresas que destroem todas as nossas mais profundas meditações.
Seguirás os meus passos; subirás o Calvário das provas e atingirás o Céu da Redenção!
— Parece que vou enlouquecer, bondoso Guia! Esquecestes de que sou pobre e me encontro desesperado, por não poder ferir quem me tornou infortunado?
— Um Emissário celeste não transgride as leis eternas! Esforça-te por destruir em tua alma os ímpetos fratricidas! Vais seguir os meus passos até determinada região, outrora familiar!
Se eu te disser que, depois de atingires o ponto culminado, terás horas de verdadeiro conforto espiritual, talvez duvides. Vais sofrer, a princípio, a nostalgia da falta deste remanso de paz doméstica que desejaste perturbar e enlutar, mas, depois, com a protecção celeste dos Mensageiros de Jesus, olvidarás o passado. Deus te fará Justiça!
— Às vezes. Mestre, penso que Deus é um mito, senão seria patenteada a sua existência em todos os momentos, impedindo o crime...
— Que é que te sucede, neste instante? Não estou a teu lado para que desistas de um crime revoltante? Muitas vezes tal sucede, porque ELE nos concede o livre arbítrio, o discernimento do Bem e do Mal. Somente os loucos não sabem julgar o proceder humano! Se os bons não souberem distinguir o Bem dos actos perversos, não tardarão a cometer algum desatino.
Ele existe, realmente, em nosso íntimo, mormente em nossa consciência, que é um tribunal divino em nosso próprio espírito, para julgar os nossos actos, acusando-nos ou absolvendo-nos; existe na soberana Natureza, na germinação de uma semente que mais tarde se transforma em folhas, flores e frutos, no esplendor do Firmamento, pontilhado de estrelas e de nebulosas que são mundos em formação! Germinam as plantas no solo e este, quase sempre, não tem sabor nem aroma, nem beleza ou colorido e, no entanto, no transcurso dos dias, ostentam folhagens esmeraldinas, desabrocham flores que encantam pelo colorido e pelo perfume inebriante ou pelo dulçor de um fruto coralino. De onde surgiram o aroma, as belas cores, o sabor melífluo? E caro irmão, que é que existe acima de nossas frontes quando ainda nos achamos na terra? Que é que existe abaixo de nossos pés e no Espaço infinito? Que Geómetra traçará com tanta precisão as elipses, em pleno Espaço, onde vão bailar os astros-sóis fulgurantes e planetas opacos sem jamais se encontrarem, girando suavemente, sem que se ouça o rumor das asas invisíveis? De que substância se origina a luz solar que, existindo há bilhões de anos, ainda não se extinguiu? Quem acciona os astros para se moverem, sempre vitalizados, prestando homenagem ao Soberano do sistema a que pertencem? Como se efectua o equilíbrio dos corpos celestes em pleno Infinito, sem nenhum suporte resistente ou visível? De que substâncias foram forjadas as águas salgadas e insípidas, bem como as areais e a crosta terrestre?
Tudo quanto nossos olhos contemplam acima e abaixo de nossas frontes, não foi produzido pelo homem e revela um Factor prodigioso, inimitável, um artista incomparável!. Podes desmentir estas verdades eternas?
— Não! Não há sobre a Terra quem o possa fazer!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 10:42 am

— Pois bem, como pode alguém elucidar o esplendor das alvoradas, ou o dos crepúsculos dos países tropicais? como encontrar a origem dos corpos celestes, que sulcam o Espaço a velocidades vertiginosas, de milhares de quilómetros por segundo, sem produzir o mais leve rumor e dando a impressão de estarem parados?
E, o que existe no Espaço Infinito, existe na Terra, que ainda habitas, onde germinam os cedros e os lírios, cada um com a densidade, a dessemelhança das folhas, das hastes, do aroma. E as aves, minúsculas ou altaneiras como os colibris e as águias que revoam, em vertiginoso adejo, como se fossem accionadas por um motor invisível e extraterreno? Tudo isso, caro irmão, revela a existência de um Factor inimitável, de poder infinito, o qual se chama — DEUS — do qual tens duvidado e vivido alheio, sempre sonhando venturas, fugazes como a brisa, esquecendo-te dos triunfos siderais, que são eternos e indestrutíveis. Nunca imaginaste a ventura que sente um espírito, quando se libera da força centrípeta, da atracção planetária e quase enlouquece, deslumbrado, ao contemplar das Alturas, o espaço infinito, repleto de constelações maravilhosamente belas?
Após alguns momentos de meditação, Argos, com as elucidações recebidas de seus Mentores psíquicos, compreendeu, lucidamente, o que tinha a fazer. Fitou, por instantes, na penumbra do aposento, o vulto de Plotino, no leito, e foi invadido por estranha comoção. Dir-se-ia que, naquele momento, sua alma estava sendo devorada por um câncer de fogo... Pela segunda vez foi tentado a empunhar o fatídico punhal, com a mão esquerda, porém, um abalo terrível vindo do exterior, impulsionou-o da fronte aos pés, sua mão esmoreceu e a arma homicida caiu sobre o soalho. Fitou o irmão de criação e algo de decisivo lhe falou dentro do coração: — "É a última vez, nesta existência, que fitas este rosto amigo".
Reuniu então algumas peças de vestuário, um agasalho, algumas dracmas que encontrou, fez de tudo um embrulho e abriu silenciosamente a porta do aposento.
Transpôs o quintal e, do lado direito, escreveu o que lhe tumultuava o coração, sentindo-se dominado por uma poderosa sugestão: — "Deus que vos recompense!
Parto sem destino! Adeus. Perdão!"
Ao terminar o que jamais, supusera ter ânimo de mencionar, foi novamente abalado por um soluço incoercível e a mão esquerda e o braço enrijado caíram ao longo do corpo onde pulsava um coração revoltado e proceloso! Ao descerrar o portão que dava acesso para a rua, foi pressentido pelo fiel Fidalgo, o cão doméstico, que veio lamber-lhe as mãos como a dar-lhe as despedidas.
- Como invejo este cão! exclamou Argos entre lábios mal descerrados. Ele gozará dos afagos de Emérita e eu não!
Os primeiros fulgores da alvorada tinham tingido o horizonte de rosas divinas. Lançou um olhar entristecido à janela do dormitório da formosa prima, murmurando em seu íntimo:
— Adeus, criatura adorada! É a última vez que eu te contemplo!
Sentia, no seu íntimo, o coração soluçando, mas, impulsionado por uma força invencível, partiu para sempre daquele lar querido...
* * *
Um soluço incontido, abalou o peito de Argos Políbio, o, com a mão trémula, abriu o portão. Com os passos lentos, seguiu em busca da estrada real, sentindo, emocionado, o ressoar das palavras de seu coração revoltado e acusador:
— Meus pais! Reconheço, neste momento, mais do que sempre, de que sois os causadores de todas as minhas desventuras, dos meus mais acerbos tormentos morais!
Que as minhas lágrimas e os meus sofrimentos revertam em dores para ambos! Que, jamais, possais fruir um instante de tranquilidade neste mundo de intensos tormentos!
— Não, desventurado Argos, ouviu ele, também no âmago de seu espírito. Foste tu o culpado de tudo quanto tens padecido.
De vez em quando ressoava a seus ouvidos a voz suave de um invisível Protector espiritual:
— "Vais rever o local onde muitas faltas cometeste! Estás andando como se estivesses seguindo uma rota traçada pelo Destino. Verás, no final da jornada, ressurgir do passado, luminosamente, como se voltasses uma página de tua própria vida planetária, ocorrida há muito tempo, e terás que metamorfosear o teu modo de vida, no carreiro divino do Cristianismo"
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 10:42 am

2.° PARTE

O SOLAR DE JESUS
Após alguns dias de marcha, sempre se dirigindo para o oriente, aproximou-se do Épiro e, já exausto, desalentado, alimentado escassamente, à mercê das intempéries, dormindo ao relento, aproximou-se de uma região acidentada.
Começou, então, a vencer o aclive, que terminava no alto de uma colina, que descia até o mar. Desvendou, ao alto, um imponente castelo, meio arruinado, que se erguia altaneiro.
— Jesus! exclamou ele, com angústia, eu conheço este local e aquele alcáçar que meus olhos fitam com assombro!
Será um axioma o da sobrevivência e o da transmigração da alma através de corpos sucessivos até o completo triunfo espiritual? Quando, em que época, eu conheci o Solar que acabo de fitar?
Sim, lembro-me de ter vivido nesta região uma existência faustosa e, por vezes, pecaminosa. Como hei de desvendar a verdade que dormita em minha própria alma?
Como hei de descobrir o que fui, quais foram os meus crimes? Como hei de proceder para resgatar tudo quanto já fiz nossos semelhantes sofrerem? Foi aqui onde tanto padeci! Qual será o nome deste Solar?
Sem que lhe influísse a própria mente, um influxo sobre-humano, dominando sua vontade, fê-lo cair genuflexo sobre o solo, abalado por emoções estranhas e profundas.
— Deus! Se sois verdadeiramente Pai dos desventurados, compadecei-vos de mim! Concedei-me a certeza de que fui um criminoso e permiti que eu trabalhe para o meu resgate espiritual, tomando-me um consagrado discípulo de Jesus, e vosso extremoso filho! Misericórdia, Pai! Compadecei-vos deste infortunado que, doravante, quer seguir a trilha do Bem e a da Caridade!
Por momentos, abalado por um tremor nervoso, sempre ajoelhado, Argos murmurou uma prece fervorosa. Ouviu então, em seu íntimo, aquela mesma voz amiga:
"Meu irmão em provas, aproxima-te do local onde viveste e praticaste muitos delitos, muitas transgressões às Leis divinas e sociais! Não te recordas mais desse imponente castelo que teus olhos acabam de contemplar? Não te lembras mais do Solar de Apolo? Não te lembras mais dos festivais ruidosos aqui realizados?"
Possuído de grande tristeza, ergueu-se com dificuldade, do solo e, com o andar mal seguro, começou a subir a colina, parando às vezes, para relembrar detalhes do panorama que lhe parecia familiar.
Um silêncio sepulcral dominava aquela região que parecia abandonada.
Subitamente, sem que soubesse quem lhe desfechara um inesperado vigor no corpo amortecido, subiu ele uma extensão apreciável, e, já no ápice da colina, caiu novamente genuflexo, não sabendo discernir se os pensamentos que o assaltavam eram produzidos por seu próprio espírito ou se vinham de algum outro ente intangível, murmurou, com indizível emoção e inflexão dolorosa:
— "Deus! Eis-me certamente no local onde muitos crimes perpetrei, onde projectei a destruição de um lar bendito que foi inundado de lágrimas e de sangue!
Sem recursos financeiros, o braço direito decepado, que vim eu fazer aqui? Que ser monstruoso hei sido para merecer uma tão dolorosa penalidade? Agora, apavora-me o crime e não desejo nunca mais aviltar-me com a prática de alguma transgressão aos códigos celeste ou terrestre. Estou ávido de paz e de progresso espiritual. Só agora sinto em meu espírito a eclosão dos ideais humanitários e redentores. Dai-me a precisa coragem para não fracassar novamente, agora; há agora, em meu coração, ou antes, em minha alma, a convicção plena da sobrevivência da criatura humana, através dos séculos e dos milénios. Quero viver neste castelo, que parece abandonado, para agir de modo contrário, substituindo os festivais, orgíacos pelas preces radiosas! Dai-me a coragem inabalável para conseguir realizar os mais nobres ideais! Concedei-me a força invencível e excelsa de implantar a Virtude onde imperou o vício. Quero ter por objectivo o Bem e ser discípulo fiel do Mestre amado — Jesus!"
Um soluço embargou-lhe a garganta e lágrimas ardentes surgiram-lhe nos olhos comovidos. Qual se fora um autómato, ergueu-se e encaminhou, seus passos para a entrada do Solar de Apolo, já bastante arruinado. Ao chegar deteve-se, por alguns instantes. Depois resolutamente, bateu no portão central e, após um tempo que lhe pareceu longuíssimo, aguardou que o atendessem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 10:43 am

Nenhum ruído se ouvia no interior, como se a imponente habitação estivesse de há muito abandonada. Com uma coragem que excedia à própria expectativa, bateu de novo, com uma pedra que apanhou no chão e de súbito, a porta foi entreaberta.
Surgiu, então, um ser humano, que já devia ter ultrapassado meio século de existência, de olhos negros e investigadores, dizendo ao recém-chegado:
— Quem ousa penetrar neste Solar, sem prévio consentimento de seu único proprietário?
— Um desventurado sem lar, estropiado de longa peregrinação, mutilado, que é demais sobre a Terra e vive em busca de quem lhe arranque a vida inútil! Um desgraçado que a Morte despreza e o Destino tornou indesejável, sem o braço direito para o trabalho honesto!
— Pois bem, já que Jesus te encaminhou para este castelo quase abandonado, consinto que te sentes neste banco e me relates tua vida, com sinceridade, dizendo-me de onde vieste e o que é que desejas aqui.
— Obrigado, senhor, vossas palavras deram-me novo alento, e ânimo para relatar-vos quanto sou desventurado sem omitir nenhum segredo. Julgo estar diante de um homem honesto e de um verdadeiro cristão, porque não me expulsastes de vossa presença e manifestais boa vontade para com um ser andrajoso e desprezível Estou exausto de fadiga e de sofrer. Temo não poder continuar a peregrinar para atingir outro local. Se não abrísseis esta porta, eu tentaria chegar até aquela muralha para arrojar-me às águas do mar...— Compreendo que és um pobre e desditoso viandante e não um malfeitor. Vivo aqui só e sem amigos qual se fora um anacoreta, porque receio todos os seres humanos, que se deixam dominar pelo ouro e pela ambição!
Reside comigo apenas uma velhinha, que, quando meus pais morreram, de um desastre marítimo, compadeceu-se de mim e criou-me como se eu fora seu filho. É a única criatura em quem confio e creio em sua afeição maternal por mim!
Aceitai-me, pois, caro senhor, e tereis um filho que não conheceu seus progenitores criminosos, que me abandonaram ao relento, por uma noite procelosa.
Juro que serei fiei e hei de auxiliar-vos na defesa deste Solar!
— Antes de dar-te uma resposta definitiva, diz-me: porquê te ajoelhaste ao te aproximares deste local? Estás surpreso? Eu estava oculto no alto da torre que fica ao lado direito.
— Nem eu sei ao certo, senhor, o que pratiquei. Houve um impulso que me dominou e fez-me ajoelhar sobre o solo nas proximidades deste castelo!
Argos lançou um olhar perscrutador investigando o Solar, até onde a vista alcançasse e ao senhor que lhe falava e, por fim, exclamou:
— Não sei o que ocorre comigo, desde que me aproximei deste castelo. Dir-se-ia que não é a primeira vez que aqui venho e indizível é a emoção que se apodera de mim ao contemplar o que me parece já ter visto.
— O que me assombra, também, mancebo, é a semelhança que há entre teu aspecto e o daquele que foi o proprietário deste Solar — Argos Zenóbio! Que idade tens? Quem sabe se és filho bastardo desse a quem me refiro?
— Tenho apenas dezoito anos e não sei quem foram meus pais, pois fui abandonado numa gruta deserta.
— Argos já morreu há vinte anos. Não me consta que tivesse algum descendente ilegítimo. Como deslindar o problema que ora se nos apresenta? Será uma verdade doutrina reencarnacionista? Serás o antigo proprietário deste Solar em outra encarnação? É muito misterioso o que ora nos sucede, mancebo!
— Ainda não dissestes como se chama este castelo. Estou ansioso por sabê-lo!— Chama-se Solar de Apolo! Já conhecias esta região?
— Não! É a primeira vez que viajo! Residia em Delfos. Não sei onde ocorreu o meu nascimento e de onde são meus inconscientes progenitores!
— Pareceu-me reconhecer o teu semblante logo que chegaste ao castelo, depois vi que te assemelhavas ao seu antigo possuidor, que, conforme já te disse, chamava-se Argos Zenóbio.
— Confesso que tudo quanto vejo, parece-me haver contemplado antes.
— Deus! Como é que aqui vieste pela vez primeira e julgo reconhecer-te? Parece-me que estou prestes a enlouquecer! Eu também, tenho esse receio. Vamos, porém, voltar à realidade. Vamos relatar o que há de positivo em nossa vida que ora transcorre. Quem sabe se não chegaremos a um resultado positivo sobre nossas próprias vidas actuais?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 10:43 am

Eu estou perplexo! Nunca, desde a morte do desditoso Argos, deixei ninguém penetrar neste Solar, a não ser para beneficiar algum desditoso mendigo. Ao ver-te, porém, julguei reconhecer o meu antigo senhor que me entregou o Solar de Apolo no dia em que pretendia partir para o Oriente e despediu todos os seus servidores, menos eu. Partiu, sim, mas para o mundo das Sombras que tão pouco nós conhecemos. Agora, volta mudado! A vida humana tem dessas surpresas! Mas, como te chamas, mancebo?
Ainda não me disseste.
— Meu nome. Quem poderá saber qual é? Minha designação, pelo baptistério, é Argos Políbio. Foi forjada por meu generoso benfeitor, que me encontrou ao abandono.
— É espantosa mais esta coincidência! E que vieste aqui fazer?
— Vim sem querer, andando ao acaso. Não tenho para onde dirigir os meus passos. Fui dominado por um poder desconhecido desde que concebi um plano sinistro contra um quase irmão. Sim, sou um desgraçado e desejo usar de toda a lealdade para convosco que me não expulsou qual se fora eu um cão leproso, quando descerrastes a porta deste formoso castelo!
* * *
Houve um súbito silêncio entre aqueles dois seres humanos que, sem o suspeitar, acabavam de se reencontrar no plano material.
Ambos fitaram-se com silenciosa surpresa. O que vivia isolado, depois de analisar o aspecto do recém-chegado, murmurou perplexo:
— Parece-me que recuei muitos anos no caminho da vida! Teu rosto e teu aspecto são os do falecido Argos Zenóbio, nos primeiros alvores da juventude, quando nos conhecemos no exército, em momentos angustiosos das campanhas em defesa do torrão natal. Eu não te julgo um estranho, apesar de afirmares que aqui nunca vieste.
De onde vens, portanto, mancebo?
— Eu já vos revelei a pungente realidade, desde o momento em que aqui penetrei! Sou um filho bastardo exposto numa gruta isolada, à beira da estrada, pouco distante do Golfo de Corinto e da cidade de Delfos. Fui acolhido e protegido por criaturas cristãs, cuja identidade vou revelar-vos.
Por um dever de lealdade, Argos mencionou os nomes, a situação, a procedência de seus protectores e o motivo que o fez abandonar o domicílio — o único que considerava seu neste Mundo das Lágrimas e dos sofrimentos acerbos.— Meu plano, senhor, continuou Argos, era o de vingar-me, exterminando quem me tornou desditoso, e, após, arrojar-me ao mar. Porque não o fiz? Vou confessar a verdade: desde que me tomei infortunado, percebo que tenho a meu lado, incessantemente, um amigo desconhecido, que me inspira o que hei de fazer, livrando-me dos crimes e dos sofrimentos porvindouros! Tenho-me sentido amparado por um Mentor sideral, o mesmo que me inspirou a dobrar os joelhos e orar, quando me aproximei deste alcáçar que eu não considero desconhecido! Parece, às vezes, que estou enlouquecendo, pois julgo ver o vulto de um egípcio ao meu lado. Agora acho-me ao vosso dispor: podeis acolher-me e; eu vos tratarei, desde então, como se fôsseis meu verdadeiro progenitor ou apunhalar-me, e eu morrerei abençoando o vosso gesto!
O que não desejo é continuar a ser desventurado, sem procedência conhecida, sem poder enfrentar a vida por intermédio do labor honesto, pois o meu braço direito, o essencial para a aquisição do alimento para nosso mísero organismo, foi decepado pelo alfanje da Fatalidade. Senhor, estou ao alcance de vossas mãos justiceiras! Não carrego nenhuma arma, nada que possa ocasionar-vos algum dissabor. Estamos sozinhos. Deveis possuir valores monetários, sempre em depósito nos solares antigos. Se duvidais de minha lealdade, eu vou ajoelhar-me para que me possais exterminar mais facilmente. Tenho um monte de bronze a oprimir meu peito. Eu pretendia, ao subir o aclive que fica próximo do despenhadeiro em que construíram este Solar, arrojar-me às ondas, terminando o meu inconsolável martírio moral.
Assim falando, Argos começou a soluçar. O misterioso anacoreta fixou-o compadecido e respondeu-lhe, levando sua destra ao ombro esquerdo do jovem infortunado e dizendo- lhe, enternecido:
— Tenho vivido isolado, pois deixei de crer na sinceridade humana, mas, pela primeira vez, após vinte anos de degredo voluntário, não duvido do que me disseste e me compadeci do tuas desditas. Quem sabe se não poderemos aliar-nos em nome do Jesus?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 10:44 am

O mundo é perverso justamente para com aqueles que mais necessitam do seu amparo, de sua protecção. Nunca abri a minha alma, desde que me tornei desventurado, mas, a ti, desejo elucidar porque vivi isolado, ao abandono, como se estivesse em uma enxovia, ou no degredo de uma ilha afastada, e com o coração inundado de dor infinda. Desde que te ajoelhaste ao começar a ascensão da colina encimada por este castelo, uma íntima intuição me advertiu de que tens necessidade de meu amparo, de algum conforto espiritual que eu te possa proporcionar para mitigar a grande dor que ora te domina! Vou agora aproveitar o ensejo para te por ao corrente de minha vida passada, pois, a actual, tu a compreendeste, desde que te abri esta porta.
— Escutar-vos-ei, senhor, com o máximo interesse e atenção.
— Senta-te a meu lado e escuta o que te vou relatar. Desde os primeiros anos de juventude, enamorei-me de uma bela e bondosa camponesa, com a qual me consorciei; assim fui nomeado mordomo deste Solar, sendo grandemente prestigiado com a afeição do senhor a quem servia, o qual me conhecera em combate, trazendo-me em sua companhia, mal terminada a peleja. Como era eu o dirigente dos que aqui trabalhavam, estando Argos, durante anos, em peregrinações pelo Oriente, angariei a confiança absoluta daquele grande e inolvidável amigo. Eu, sempre escrupuloso e probo, prestava-lhe minuciosas contas de tudo quanto ele me encarregava de fazer, de todas as ocorrências sucedidas durante sua ausência. Assim vivemos, na mais integral harmonia, durante alguns anos. Tendo eu contraído núpcias com a minha querida Helena, já aguardava o nascimento de nosso primogénito, quando Argos, contra o conselho do seu médico que aqui vivia, deliberou viajar novamente para o Oriente, entregando-me a direcção deste castelo e a de todos os negócios referentes ao mesmo, pois pretendia permanecer, por muito tempo, em longínquos países. Só depois soube quais eram suas pretensões: partir, às ocultas, com a esposa de um amigo até que, decorridos os anos, pudessem regressar à Pátria, da qual era ele valoroso defensor.
Todos os seus planos foram descobertos pelo marido daquela com quem ia fugir e ambos, empenhados em luta apavorante, perderam a vida! Argos Zenóbio tinha-me feito entrega de um valioso documento, legalizado perante as autoridades competentes, constando no mesmo que, se não voltasse mais da projectada viagem, ou morresse, o Solar de Apolo ficaria sendo de minha propriedade. O médico egípcio, que Argos havia trazido de Alexandria, como se previsse o triste fim da expedição, recusara-se a acompanhá-lo e desapareceu para sempre, com grande pesar meu, que o estimava muito.
Quando se desencadeou a série de sinistros sucessos já relatados, houve como que o desmoronar deste Solar e de todos os meus planos de felicidade! Quando Argos Zenóbio morreu, tragicamente, do que dei a conhecer aos restantes companheiros de serviço, que aqui ficaram, depois das homenagens prestadas ao infortunado castelão, subitamente, sabendo os serviçais que eu estava ausente, para legalizar a posse do castelo, revoltaram-se e agrediram covardemente a minha indefesa Helena, fugindo em seguida para região ignorada, carregando todos os valores que encontraram, bradando enfurecidos:
— Este Solar devia ser de todos nós e não de um só, exclusivamente! Não queremos ser servos de outro, que não merecia tal!
Só escapou, ilesa, minha fiel e bondosa mãe, que segue meus passos desde que vim a este mundo de traições e de dores. Ela, ao ouvir os primeiros gritos dos amotinados, ocultou-se em um dos subterrâneos do castelo e, quando eu regressei ao lar semi-destruído, apareceu-me, pranteando nossa desdita. Já, então, havia exalado o derradeiro alento minha adorada esposa e, com ela, nosso esperado filhinho nascituro.
Quis dar fim aos meus dias, em momentos de tremenda desilusão, mas eu me contive, ao ver o pranto e o desespero de minha mãe adoptiva. Dizia-me ela, enxugando lágrimas sinceras:
— Se aqui estivesses, meu filho, terias sido estrangulado! Os servos estavam enfurecidos contra Argos por te haver concedido este Solar, como único herdeiro.
Nunca me esquecerei daqueles pavorosos instantes! Imagina o quanto a pobre Helena padeceu!
— Como poderei encontrá-los para tirar uma desforra? inquiri eu, soluçando.— Foram eles para muito longe e deves esquecer o que aqui se passou, depois de dares conhecimento de tudo o que ocorreu às autoridades. Deus, unicamente, fará a merecida Justiça!
Quase enlouqueci, ao verificar que a minha fiel companheira de existência fora morta e supliciada, sem haver praticado nenhum delito!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 10:44 am

Os cruéis adversários, invejosos de nossa felicidade, haviam-na espancado barbaramente. No estado em que se encontrava, devia ter perdido a vida em dores horrendas.
Todos os agressores fugiram, conduzindo objectos artísticos, de valor inestimável, metais preciosos, deixando este Solar devastado, como vais ter ensejo de constatar. Fiquei neste isolamento, depois de terem vindo, aqui, as autoridades competentes, e, esperando morrer em breve tempo, também fiz um testamento, consagrando tudo àquela que me tem amparado desde que vim a este planeta de acerbos padecimentos!
A opulência pode dar felicidade e alegria, quando a consciência está serena, aos entes queridos a nosso lado, com saúde e podendo desfrutar as regalias que o ouro concede aos que o possuem, mas, quando os seres amigos baixam ao túmulo, quando os supostos amigos supliciam os nossos corações, as moedas tornam-se inúteis e o milionário (tal o sou há vinte anos!) seria mais ditoso se não tivesse a carregar o peso desta desgraça e vivesse pelas estradas, esmolando aos viandantes.— Lamento tudo quanto tendes padecido, senhor, e juro-vos, por Jesus, que me esforçarei para suavizar-vos as penosas recordações! Neste momento, o amigo que me inspira e guia meus passos, o qual alvitrou que viesse a vossa presença, segreda-me que ainda seremos felizes, antes de abandonar esta vida acidentada.
— Como o conseguiremos? Só espero o supremo remate desta dolorosa existência...
— Eu agradeço me haverdes confiado todos os vossos padecimentos, e, desde, este momento, tudo farei para ser vosso filho (aquele que não conhecestes!) e, sobretudo, vosso defensor. Haveis de permitir que façamos alguns reparos neste Solar, cultivando a horta e o pomar que estão em completo abandono, conforme verifiquei.
— Poderás fazê-lo, porque és jovem e tens esperança na vida. Eu te auxiliarei a trabalhar, pois já me sinto mais animoso.
— Trabalharemos em conjunto e as horas serão menos, amargas.
— É o momento da primeira refeição. Vamos entrar para que conheças a cara Fabiana!
— Como é surpreendente o destino humano! exclamou o jovem, fitando a quem o estava tratando paternalmente. É impossível não existir um supremo ser para traçar nossa sina, desde o seu primeiro instante!
Todo o futuro encerra, sempre, o prosseguimento do passado, com as consequências dos crimes ou das virtudes de cada ente humano eis o que tenho pensado muitas vezes...
Devo, agora, dizer-vos que sou sincero e amo a verdade e, se permitirdes que eu aqui permaneça, haveis de consentir que seja vosso companheiro e defensor de vossos direitos.
Argos começou então a relatar, pormenorizadamente, as peripécias de sua triste vida.
Ao pronunciar os nomes de seus protectores, Flávio interpelou-o, com a voz alterada:— Nunca ouviste alguém fazer referências a este castelo?
— Sim, mas, como julgava nunca vir a conhecê-lo, não havia prestado a devida atenção! Agora me recordo de que, em palestra às vezes faziam referências ao senhor primitivo deste castelo, mas sem o amaldiçoarem. Todavia, percebi que algo trágico havia ocorrido neste local!
— Nada te revelaram da vida elegante e arriscada de Argos Zenóbio?
— Sim, mas sem lhe atribuírem as desventuras que atingiram o seu lar.
— Nobres almas! Vou pôr-te ao corrente dos tristes sucessos que ocorreram.
Flávio Genésio, o senhor de Apolo, narrou então com fidelidade todos os episódios que culminaram com a morte violenta de Argos Zenóbio e Plotino Isócrates e a ruína das respectivas casas. Zenóbio, revelou também, era ao que dizem, filho bastardo e a fortuna que conseguiu, nem sempre licitamente, lhe dera maior renome social. Foi sua desventura motivada pela paixão indómita que consagrara à progenitora de teus benfeitores. Eis a verdade integral. Suspeitei que aqui viesses sondar o antigo sucesso que infelicitou o lar de Plotino.
Vou pôr-te ao corrente de tudo quanto tem ocorrido, aqui, desde que me tornei auxiliar de Argos Zenóbio e, após sua morte, substituto legal de tudo quanto lhe pertencia. Desempenharemos o restante da tarefa, como Jesus nos inspirar. Poderás ser um leal companheiro c receber condigna recompensa se fores meu digno auxiliai!
— Tudo farei para merecer vossa confiança, caro senhor! exclamou o jovem, emocionado. Detesto a traição e, assim pensando, foi que deliberei a minha fuga porque, inspirado pelos sublimes Mentores siderais, percebi que se pusesse em execução o que vibrava em meu coração, eu seria o mais repelente dos traidores, pois infelicitaria o lar dos que me acolheram carinhosamente e trataram como se fora eu um de seus filhos cornais.
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O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama - Página 3 Empty Re: O solar de Apolo - Victor Hugo/Zilda Gama

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 10:44 am

— Louvo muito o teu proceder, mancebo! Sou eu, desde a tragédia provocada pelo proceder ilícito de Argos Zenóbio, ao qual devo tudo o que possuo e ao qual serei grato, até o extremo alento desta existência, um sincero guarda deste Solar, um anacoreta exausto de silêncio e de não ter a quem transmitir os pensamentos aguardando, apenas, a Morte, para me libertar e reunir-me à saudosa esposa e ao filhinho que não cheguei a conhecer!
Raramente saio deste castelo. Apenas poucas vezes durante um ano, dirijo-me a Corinto, para adquirir víveres e roupa, pois aqui todos me fitam como se já fora um fantasma, sorriem ao ver-me passar, e, por isso, prefiro ir fazer compras mais longe.
És mais ditoso do que eu, porque percebes as vozes silenciosas dos Mentores siderais! Aqui, só percebo rumores, quedas de móveis como se o castelo estivesse sendo invadido, novamente, pelos agressores que me tornaram desditoso justamente à hora em que podia ter sido feliz. Se não fora a dedicada Fabiana, minha mãe de criação, eu já teria posto fim ao meu martírio inenarrável.
***
Subitamente, ouvindo o senhor do Solar de Apolo, Argos Políbio inteiriçou-se e, com o rosto lívido, a voz diferente, exclamou:
— Bondoso irmão, eu vos agradeço não haverdes repelido de vosso lar o vosso mais sincero amigo de uma finda romagem planetária, reconhecendo-o pela voz e pelo aspecto e não podeis calcular a nobreza de vosso proceder, pois que evitastes o termo de uma útil existência, como ainda tereis ensejo de verificar. Convencei-vos de que este longo degredo voluntário que sofrestes, teve sua origem num passado acidentado, quando, após a perpetração de um homicídio, fugistes de um cárcere, e conseguistes ficar impune até o fim dos vossos dias.
Porque fostes atingido pela desdita à hora em que esperáveis a ventura? Porque assassinastes o esposo de uma linda jovem e destruístes um lar até então ditoso, e, quando supúnheis fugir com aquela que amáveis, fostes encarcerado, e ela se suicidou premida pelo remorso do ato indigno com o qual pactuou, deixando no lar abandonado um filhinho que morreu de uma queda, mal o havia abandonado sua mãe desnaturada. O filho que aguardáveis, e perdeu a vida antes de abrir os olhos à luz do Sol foi um de vossos cúmplices e causador da morte da criança. Vede pois, caro irmão, que, às vezes, uma súbita desventura, um fracasso inconsolável na vida representa uma justa punição e um resgate necessário. Muito sofrestes, porém, após a tragédia aqui desenrolada há vinte anos, pena a que fostes, condenado outrora e conseguistes isentar-vos, por isso, nesta existência que transcorre, vós ficastes voluntariamente degredado, a fim de que seja reconquistada a felicidade desfeita em uma distante romagem planetária.
Este que ora recebe as orientações dos Emissários siderais, não é um estranho, mas um companheiro de lutas, que muito vos havia prejudicado, e, então, em finda existência, foi generoso convosco, doando este Solar ao antigo espoliado, mas, que, por motivos justos, ainda não conquistou a sonhada ventura, mas que ainda será uma realidade no porvir. Ides, agora, com o amigo que veio comparticipar de vosso degredo, para dar-lhe um limite, e, ambos, desde este momento, têm de trabalhar em conjunto, conseguindo a ventura espiritual, que é mais valiosa que a material.
Para que sejam acatadas as minhas palavras, prometo, para amanhã, uma grandiosa surpresa, um entontecedor sucesso que mudará o rumo de vossas vidas planetárias. Este jovem, que ora transmite os meus alvitres, possui faculdades semelhantes às dos oráculos, por ele solicitada antes de encarnar para praticar o Bem em grande escala, e, não fracassar na jornada terrena, para remissão de seus delitos do passado.
Ambos vão desempenhar uma excelsa e inesquecível missão espiritual que, levada a efeito com escrúpulo, resultará em plena remissão para ambos pois, a reparação do Mal cometido só poderá ser efectuada pela prática do Bem em larga escala, como tem sido realizado por vários benfeitores da humanidade. Não lhe reveleis, por enquanto, o que estais escutando, para que não seja ele sugestionado, e possa praticar a generosidade sem esperança de recompensa, mas, que, no entanto, poderá ser compensada pelo Juiz Supremo. Sereis, doravante, verdadeiros discípulos de Jesus".
.............................................................................................................................
Quando recobrou a consciência, Argos interrogou ao que estava a seu lado:
— Dizei-me o que me sucedeu, senhor, pois tive uma tontura e perdi os sentidos.
Julguei que ia morrer!
— Nada de assustador, meu caro, ao contrário, por teu intermédio, um Mensageiro sideral, o que te ampara nas horas pungentes da vida, deu-me preciosos conselhos, os quais, no transcurso dos dias, havemos de executar. Ignorava que tivesses uma faculdade semelhante a que possuem os oráculos do Templo de Apolo, em Delfos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 10:44 am

— Ao qual já compareci muitas vezes, em companhia dos meus pais adoptivos.— O Mensageiro celeste, por teu intermédio, fez-me uma promessa valiosa, para amanhã, e, se tal suceder eu ficarei convicto da verdade do que me foi revelado.
Parece tudo fantástico o que está ocorrendo neste Solar, meu caro mancebo! A humanidade devia reflectir, com maior interesse, sobre os problemas que constituem o destino de todos os seres que existem neste planeta. Eu, desde que me isolei, neste remanso de paz, afastando-me dos importunos, dos falsos amigos, tornei-me excessivamente desconfiado e, ainda não sei elucidar o que ocorreu comigo, quando consenti que penetrasses neste castelo. Confesso, porém, que dois motivos influíram em meus sentimentos: a semelhança dos teus traços com os do mais caro amigo que tive nesta existência, e a prece que fizeste, ao te aproximares deste Solar.
Políbio e o senhor do alcáçar, desde aqueles instantes, tornaram-se muito amigos e entraram em detalhes circunstanciados a respeito dos sucessos, do passado, de tudo quanto lhes ocorrera até a era em que se encontraram, percebendo que o Destino humano não é forjado pelos homens mas por uma intervenção extraterrena.
— Vamos, de hoje para o futuro, disse Flávio, agir de comum acordo, como se fôssemos pai e filho.
— Nada farei em desacordo com a vossa vontade, senhor, pois reconheço que algum laço indissolúvel liga os nossos espíritos! Só não cumprirei vossas determinações se me obrigardes a empunhar alguma arma homicida a não ser em legítima defesa deste lar e dos que o constituem.
— Não sei qual dos dois está possuído de mais nobres sentimentos: eu ou tu, rapaz! Bem, deixemo-nos de divagações e tem onde costuma estar aquela que tem sido minha melhor é mais sincera amiga! minha piedosa Fabiana, que me criou e educou com sacrifícios inauditos! Quero que a conheças e a consideres, qual se fora minha própria mãe.— Interessante a nossa situação, senhor. Foi constituída uma família de três seres que não têm o menor parentesco uns com os outros.
— É a verdade, meu jovem; todos os seres humanos, por mais diversos que o sejam, pelos característicos raciais, de educação, de fortuna, são todos irmãos, pois um só é o Pai universal: DEUS!
* * *
Ergueram-se os dois, dirigindo os passos para o interior do majestoso Solar de Apolo. Argos detinha-se, por vezes, fitando tudo com o olhar demorado, como se estivesse revivendo, ao contemplar os vetustos salões, onde outrora se realizaram memoráveis banquetes, e deslumbrantes festas. Na ampla cozinha encontraram uma dama de humilde aparência, sexagenária, modestamente trajada, ocupada em serviços domésticos. Antes que a alcançassem, Argos interrogou ao castelão:
— Nunca pensastes em substituir por outros os móveis que os perversos agressores inutilizaram?
— Não. Desde a morte de Helena e de Argos Zenóbio. É-me indiferente o conforto do corpo, pois minha alma continua a sofrer e a recordar os seus tormentos! - respondeu-lhe Flávio.
Quero agora, apresentar-te minha querida mãe.
Sorrindo, com ar calmo, a dama aproximou-se de ambos, sendo patente a admiração estampada no rosto da anciã.
— Mãe, apresento-vos Argos Políbio, que terá oportunidade de dizer como aqui veio parar. No limitado tempo em que veio ao mundo já sofreu intensamente! Espero que seja um verdadeiro amigo, que o Destino nos enviou, para suavizar as longas horas de tédio e de dolorosas recordações.
— Folgo em ver-te neste melancólico Solar, mancebo. Talvez não suportes com verdadeira coragem, aqui, as intérminas horas que passamos, apenas aguardando o fim determinado por Deus. — Terás, em permuta do teu sacrifício, nossa sincera afeição.— Deixai-me oscular vossa destra, senhora! exclamou Políbio, comovido.
Obrigado! Todos os esforços farei para jamais dar-vos um só dissabor! Tereis, em mim, um filho dedicado.
— Somente Deus poderá saber o que temos padecido neste isolamento, falou a digna dama, julgo, porém que, de hoje para o futuro, a vida transcorrerá menos dolorosa. Que Jesus vos abençoe, meu filho!
Políbio, agradecido e emocionado, osculou as mãos da nobre senhora que o acolhia com tanta generosidade.
— Mãe querida, falou Flávio Genésio, dir-se-ia que durante dois decénios, minha alma esteve extraviada da vida material, paralisada, encarcerada e somente agora, parece-me haver despertado para uma nova existência. Temos, aqui, neste castelo, terras cultiváveis, verdadeiro tesouro que nos suprirá fartamente, sem que tenhamos que nos afligir pelo nosso sustento e, no entanto, temos levado uma vida de sacrifícios, de abandono, e não sei como agradecer ao Pai celestial não nos ter deixado adoecer, pois temos desfrutado regular saúde.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 10:45 am

Agora somente compreendo que eu, certamente impulsionado por Agentes divinos, tenho estudo encarcerado por haver transgredido, certamente, os Códigos Celestes e terrestres.
A bondosa senhora serviu-lhes uma suculenta sopa, que ambos saborearam alegres e satisfeitos, como dois amigas muito queridos que se sentem contentes ao se reencontrarem após longa separação.
Findo o repasto, Flávio falou:
— Escuta-me, Políbio, se fores cumpridor de teus deveres, fiel aos que aqui residem, terás um porvir isento de amargores.
— Não me deixarei dominar pela ambição, senhor, mas pelo tributo de gratidão, pelo acolhimento paternal que tenho recebido dos piedosos habitantes deste castelo maravilhoso!
Assim dizendo, ambos se ergueram e Políbio abraçou aqueles dois entes humanos que, até então, temiam todas as criaturas, julgando-as perversas e agressivas.
A seguir, Flávio convidou Políbio para conhecer o castelo. Depois de haverem percorrido grande parte do Solar de Apolo, passaram o dia em arrumações e à noite, quando Políbio ia dirigir-se ao aposento que lhe foi designado por Fabiana, disse ele ao bondoso anfitrião, com a máxima lealdade:
— Fechai esta porta pelo lado exterior, senhor Flávio! Antes, porém, podeis examinar o pouco que para aqui eu trouxe e, também a humilde roupa que me reveste o corpo.
Assim dizendo, antes do protesto de Flávio, o acolhido desfez com agilidade admirável para quem possuía um só braço, o que conduzira para o castelo, espalhou as humildes peças do vestuário, pelo pavimento, agitando-as invertidas, provando que apenas levara algumas dracmas.
— Não necessitavas dar-me esta prova de lealdade, Políbio, no entanto, eu louvo o teu proceder! exclamou Flávio, emocionado. Quando alguém premedita qualquer crime, não se submete a provas mas evita-as, com verdadeira relutância, o que patenteia seus secretos pensamentos.
Mas, de quem é este chalé? Parece de mulher!
— É o que me envolvia quando fui achado. Guardo-o como recordação.
Separaram-se, indo cada um deles para os aposentos, maternalmente arrumados pela bondosa Fabiana.
Quando Argos ficou a sós, ouviu, após as preces que formulou, sinceras e veementes, as palavras de seu Guia espiritual:
As vibrações sinceras de tua alma, foram recebidas.
— "Irmão Políbio, tiveste um dia abençoado por Jesus com agrado, no plano espiritual! Terás uma noite de sono reparador e em recompensa, prometo-te, para amanhã, uma bela surpresa, quase enlouquecedora! Todos os teus esforços devem ser para o austero cumprimento de teus deveres, terrenos, que possam concorrer para o teu apuro psíquico! Tens que trabalhar, intensamente, para que resgates os numerosos delitos de um passado. Foram aliados, novamente, antigos colegas de luta no transcurso das quais ambos perpetraram erros lamentáveis! Jesus que te ilumine a alma: com os seus clarões estelares! “Após uma noite de serenidade e repouso, Argos Políbio ergueu-se do leito, bem disposto, sentindo-se reanimado e com ideias generosas. As horas transcorreram em palestras amistosas com Flávio Genésio, que, subitamente, disse ao jovem hóspede:
— Vamos percorrer o resto do Solar, Políbio! Quero que te certifiques da solidez deste velho castelo ainda inexpugnável!
Vagarosamente, Flávio, munido de inúmeras chaves, ia descerrando portas e janelas, subindo e descendo escadas, chegando por fim a uma das torres do Solar e, fitando o jovem que o acompanhava, disse-lhe, emocionado.
— Passo horas aqui contemplando a paisagem. Foi deste local, ontem, que eu percebi a tua aproximação e, quando te prosternaste no solo, compreendi que algo de anormal sucedia contigo, e que não eras nenhum malfeitor, mas um coração desventurado, que desejava encontrar um conforto que lhe escasseava na vida fértil em dores! Bem vês que eu não me iludia. Compreenderás, mais. tarde, quão vasta é a misericórdia divina nos momentos angustiosos da vida terrena!
— Vossas generosas palavras são semelhantes às que ouvi, hoje, ao despertar.
— Que é que ouviste?
— Escutei, como se alguém houvesse segredado em meus ouvidos: — "Coragem e paciência! Não tardarás a desvendar o enigma da tua vida".
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 10:45 am

Pois bem, senhor, na infância, ia com meus protectores ao tempo de Apolo, em Delfos. Ouvi, inúmeras vezes, magníficas mensagens siderais, que me causavam surpresa e encantamento! Compreendi que Deus é o Juiz universal, que nos julga, condena ou absolve! Vamos, pois, vibrar os pensamentos, erguendo-os ao Magistrado Supremo o a Jesus, implorando-Lhes bênçãos e inspirações!
— Tiveste uma bela ideia, Políbio, disse o senhor do Solar de Apolo.
Terminada a irradiação espiritual, ambos continuaram a percorrer o castelo, fazendo Flávio comentários referentes aos locais em que penetravam.
As horas transcorreram serenamente, em amistosas palestras. O céu estava sempre azul, reflectindo nas almas o seu dulçor inefável. À tarde, os dois penetraram em um vasto dormitório, com mobiliário de apurado gosto artístico o qual se conservava fechado desde o tempo de Argos Zenóbio, não tendo mais sido utilizado por ninguém.
— Eis o aposento ocupado pelo antigo proprietário deste alcáçar, Políbio!
exclamou Flávio, apontando os móveis ali existentes.
— Tive a inspiração de vibrar uma prece neste local, senhor! falou o jovem.
Antes, porém, desejo dirigir-vos algumas interrogações. Escutai-me: desde a morte trágica do seu antigo proprietário, nunca retirastes os móveis dos primitivos lugares?
— Não! Não quis ocupar este luxuoso dormitório, pois vim da humildade, embora ele hoje me pertença, legalmente.
Eu e minha mãe ocupamos os mais modestos aposentos, pois não temos ambições nem desejamos imoderado conforto material, mas exclusivamente, espiritual, que, aliás, sempre nos tem faltado!
— É estranho o vosso proceder, senhor! Parece que estais velando por este castelo como se esperásseis o regresso do antigo proprietário. Não é verdade?
— Sim! Esta tem sido a minha impressão, meu amigo, desde que o transformei em cárcere privado! Quantos mistérios tem a vida humana. Como e quando poderemos desvendá-los?
— Jesus da Galileia, sendo o consolador dos que padecem, ainda nos dará uma aceitável elucidação, senhor, sobre nossa vida terrena. Porque nos reuniu sob o mesmo tecto? Quem guiou os meus passos para esta região de mim desconhecida? Porque reuniu o nosso destino como se ambos fôssemos pai ei filho?
— Eu tenho vivido, há quase vinte anos como se estivesse em um presídio sem autorização para retirar-me, senão por poucas horas. Quando saio, parece-me estar sendo seguido por sentinelas invisíveis, mas austeras, que me não deixarão evadir sob pena de ser fulminado por um raio! Sinto-me inquieto e tenho de voltar.
— Meu amigo, falou também Políbio, ao chegar a este castelo, algo me advertiu de que já o conhecia. Julgo-me tão humilde e sem mérito e, no entanto, parece que Deus nos reuniu para a consecução de uma excelsa missão. Vamos, pois, elevar os nossos agradecimentos ao Pai celestial. Políbio, assim dizendo, ajoelhou-se, e, com voz comovida, elevou o braço para o alto, em súplica humilde:
— "Jesus, desejamos imitar-vos, seguindo as vossas orientações, os vossos próprios actos, até o cimo do Calvário de nossa Redenção espiritual! Não nos desampareis, jamais, por maior que seja o nosso percurso da peregrinação terrena, por maiores que sejam os flagelos de nossos corações desiludidos! Sede nosso Mestre, nosso Amigo, nosso Mentor no decurso de todos os séculos vindouros! Estamos ao vosso dispor. Inspirai-nos o que temos a realizar. Não desejamos o impulso do ódio, mas o amor a nosso próximo, a compaixão pelos que padecem as mais excruciantes dores, expulsos de todos os lares, ao desabrigo, sem uma palavra que os alente a esperar a derradeira fase da vida planetária".
Políbio fez uma pausa e depois prosseguiu com voz profunda:
— Foi este o aposento ocupado pelo antigo proprietário deste majestoso Solar, Argos Zenóbio.
Argos não possuía crença religiosa e, por isso, perpetrou faltas deploráveis. Hoje não queremos mais o gonzo material, e sim as conquistas espirituais. Queremos receber as vossas inspirações, para transformá-las em luminosas realidades! Desejamos trabalhar com ânimo sereno e honradez para que possamos merecer as vossas bênçãos no término de nossas jornadas terrenas! Dai-nos nítida percepção de nossos deveres!
Inspirai-nos tudo o que for de vosso agrado, para que possamos abreviar a nossa Remissão espiritual!
Dai-nos vosso apoio e vossa protecção, Jesus, bem amado, vós que tanto padecestes por amor à Justiça, que tanto tem custado a ser implantada neste planeta, povoado por pecadores e repleto de lágrimas ardentes!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 08, 2023 10:45 am

Queremos amparar os desabrigados, os que sofrem as consequências de lamentáveis crimes, norteando-os para a vereda do Bem, da Honra e da Virtude!
Nós vos tomamos por Mestre, Jesus, e podeis punir-nos se não soubermos cumprir nossos deveres sacrossantos, retirando-nos do palco da vida terrena, e, se, ao contrário, soubermos cumprir todos os nossos deveres morais não nos recuseis as vossas bênçãos! Somos dois desventurados, batidos pelas procelas da vida, sem família, sem amigos, sem haver, jamais, experimentado as venturas terrenas, mas desejamos ser úteis e humanitários aos que são, também desditosos e desiludidos.
Desejamos transitar pelo carreiro da Virtude e do Dever, a fim de que mereçamos a vossa bênção estelar!
Dai-nos a lídima convicção de vossa vontade para que possamos realizá-la até o extremo alento de nossas vidas.
Não somos mais dois seres humanos vulgares, ávidos de venturas e de conforto material, mas dois desiludidos que desejam ardentemente ser vossos discípulos e, nunca mais se desviarem do caminho recto da Virtude e da Caridade!
Já não aspiramos a ostentação, as regalias sociais, mas a conquista da Verdade, dos bens imateriais, o perdão para nossos crimes, destas e de transcorridas romagens terrenas.
Abençoai-nos, agora e sempre, e concedei-nos a precisa coragem para que, jamais, possamos fracassar nos momentos de provas acerbas!"
Ambos pronunciaram esta súplica como se estivessem ouvindo as palavras que, de fato, eram transmitidas a Políbio, que as reproduziu com os olhos fitos no Céu azul, amplamente divisado pela janela descerrada por Flávio Genésio.
Terminada a sentida prece, o jovem fitou tudo que o circulava com incontida emoção e, se não houvesse sido amparado por Flávio, teria baqueado sobre o assoalho.
— Não sei o que tem sucedido comigo, desde o momento em que aqui cheguei, cada vez parece-me reconhecer tudo quanto contemplo.
— Apreciei imenso a tua oração, Políbio! Desde que passei por intensas desventuras, tornei-me indiferente à vida, sem aspirar os bens mundanos, com o tesouro que me foi proporcionado pelo morto benfeitor. Percebi que tinha de viver recluso, como se eu é que houvesse cometido um crime abominável! Agora sinto-me reanimado.
Para vencer as horas de silêncio penoso, de reclusão celular voluntária, assim posso expressar-me, com sinceridade, costumo trabalhar no cultivo do pomar, dos legumes, no amanho das terras nas proximidades do Solar e também trato dos animais domésticos. Saio, às vezes, ao alvorecer, em direcção às povoações próximas, para dispor do excesso de frutas, dos legumes e das aves que aqui existem, e as quantias recolhidas chegam para cobrir as despesas do lar, voltando eu à reclusão. Mormente as noites são apavorantes! Eu e minha dedicada mãe costumamos ouvir depois do castelo escrupulosamente fechado, rumores injustificáveis, passos apressados, parecendo que alguém, atropeladamente, sobe e desce as escadas. Ouvimos, por vezes, também, gritos estridentes, gargalhadas de escárnio. E, desse modo, temos vivido, sem enlouquecer, Políbio!
Políbio quedou em silêncio, depois falou:
— Tive uma intensa emoção ao penetrar neste dormitório e vibra-me na alma o ardente desejo de afastar o guarda-roupa, a fim de certificar-me, se, sob o mencionado móvel não existe um alçapão secreto. Quero fazer uma experiência.
* * *
Com inauditos esforços, conjugando-os, um com um dos braços somente, o outro com ambos, conseguiram remover o pesado móvel existente no lado esquerdo do extenso dormitório onde se encontravam palestrando. Assim foi patenteado o assoalho, que, até então, se achava oculto pelo referido móvel, e surgiu uma abertura, vedada por dois quadrados de madeira, com argolas de ferro embutidas e cobertas de pó, presas por um cadeado também disfarçado.
Um esconderijo! exclamou Flávio, verdadeiramente surpreso.
Vamos abri-lo, senhor? inquiriu Políbio ao proprietário do Solar de Apolo.
Sim, mas como o faremos?
- As chaves do cadeado devem estar dentro de algum móvel deste aposento!
exclamou o jovem, convicto, por uma intensa intuição de que falara a verdade.
Depois de longa busca nos móveis, foi encontrada uma gaveta secreta, contendo um grande molho de chaves, de diversas dimensões. Experimentadas quase todas, o cadeado foi finalmente aberto, as duas metades rectangulares erguidas e foi-lhes patenteado um cofre colossal, também fechado, mas logo descerrado por meio de outra chave, do mesmo conjunto.
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