LUZ ESPÍRITA
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro - Página 3 Empty Re: Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 10:34 am

CONVERSANDO COM OS ESPÍRITOS
Ao chegarem aos aposentos do bispo, encontraram-no deitado, parecia mergulhado num sono profundo.
— Vamos fechar os olhos, elevar o nosso pensamento a Deus, pedindo Seu amparo e do divino amigo Jesus — comunicou madre Catarina com voz suave. Ela conhecia bem aqueles casos, e bastou olhar para ter certeza de que o bispo Ricardo estava sendo vítima de severa obsessão.
Todos obedeceram e, orientados por ela, permaneceram em silêncio com o pensamento em Deus. De repente, ela estremeceu com violência e começou a bradar:
— Impostora! Impostora maldita! Pensa que vai me impedir de concluir minha vingança? Além de ter tomado o meu lugar, quer ser mais forte que eu? Se continuar interferindo, vou matá-la. — O espírito deu estrondosa gargalhada e vários estouros foram ouvidos.
Lívia e Enrico, completamente apavorados, abraçaram-se com força, enquanto padre Amaro, intuído pelos espíritos iluminados, disse para a entidade:
— Você pode ameaçar o quanto quiser, mas os poderes de Deus são maiores e vão impedir que continue com o acto insano de se vingar. Não percebeu que só o perdão é capaz de lhe devolver a paz?
Madre Catarina, ainda em transe, continuou:
— Padre Amaro... Sempre com essas conversas que não levam a nada, mas saiba que nós, da Cidade da Fé, já estamos de olho em você. Agora não queira também interferir em meus planos. Estou fazendo justiça. Esse homem que está aí, jogado na cama, matou-me. Está surpreso, padre? Ele é um assassino cruel. Tirou minha vida enquanto eu dormia para que todos pensassem ser um mal súbito. Mas foi ele quem me sufocou, só porque eu queria o Caius e ameacei contar aos superiores sua vida dissoluta ao lado do padre Enrico. Mas ele vai ver do que sou capaz. Não só ele como Lívia, essa mulher venal e prostituída. Assim que eu terminar com a vida dele, será a vez dela.
Naquele momento, ninguém mais tinha dúvidas de que quem falava por intermédio da madre Catarina era o espírito de irmã Lúcia.
Padre Amaro continuou:
— Está aqui um anjo de luz afirmando que vai impedir que você e seus amigos façam o que desejam. Ou perdoam e seguem o caminho da luz ou serão afastados deste local para sempre.
— Não é justo — bradou com raiva. — Além disso, estou com a irmã Helena e seu pai, que desejam vingança também. Ela estava grávida e pouco antes de fazer o aborto foi tomada por um espírito. O bispo Ricardo resolveu matá-la envenenada para evitar problemas no convento.
Vocês pensam que podem fazer tudo isso e sair ilesos?
— Não posso julgar ninguém, irmã, mas Deus pode.
Se Ele mandou um anjo de luz para me dizer que não será permitida a vingança, é porque o bispo deve estar se modificando, buscando os caminhos do amor.
Ela gargalhou com mais força ainda.
— E você chama de amor o que esses dois fazem?
Isso é pecado mortal!
— Amar jamais será pecado, minha irmã. O amor é um sentimento espontâneo, livre das barreiras do preconceito e das regras ilusórias criadas pelos homens. É o maior sentimento do mundo e independe de sexo, raça, condição social ou do que quer que seja. Aprenda isso e nunca mais julgue ninguém.
— Maldito! Mil vezes maldito!
Vendo que o espírito não ia ceder, madre Catarina tomou o controle de sua mente e encerrou a comunicação.
Assim que se refez, pediu a todos que orassem mais uma vez em favor daquele espírito sofredor e também por Ricardo, para que se recuperasse, seguisse as leis de Deus e pudesse reparar seus delitos pela compaixão e caridade.
Enquanto todos oravam, padre Amaro viu que um espírito iluminado afastou as entidades que estavam no quarto e produziu uma espécie de cordão azul brilhante, que ele interpretou como sendo um cordão de isolamento.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 10:36 am

Quando as preces foram encerradas, o bispo Ricardo acordou. Vendo tantas pessoas no quarto e notando o rosto assustado de padre Enrico, perguntou:
— O que aconteceu? O que desejam?
— Sente-se, bispo. O senhor precisa saber o que houve aqui — disse padre Enrico com carinho.
— Estou me sentindo um pouco tonto. Não sei o que está acontecendo comigo.
— Vamos lhe explicar. O senhor não adoeceu, foi atacado pelo espírito de irmã Lúcia, que deseja se vingar.
Ricardo ficou ainda mais pálido e seu coração disparou.
Imediatamente rebateu:
— Mas o que é isso? Que história é essa? Irmã Lúcia não tinha nenhum motivo para se vingar de mim. Além disso, ela está morta, e os mortos não voltam.
— Não foi bem o que presenciei aqui — comentou padre Enrico com cautela.
— Mas, afinal, o que houve? Como ousaram entrar em meu quarto uma hora dessas? — bradou o bispo, nervoso e tentando impor sua autoridade.
— Viemos socorrê-lo, senhor bispo — informou madre Catarina com voz amável. — O padre Enrico muito o estima, e preocupado com seu estado emocional, foi nos procurar, pois desconfiou que o diabo estava tomando sua alma. Mas não era o diabo, e sim irmã Lúcia.
— Não acredito nisso, e padre Enrico errou em tê-los chamado. Será punido severamente. O que tenho é um esgotamento nervoso, já diagnosticado pelo dr. Tobias, meu médico de confiança. Agora, saiam todos daqui, preciso descansar e nunca mais interfiram em minha vida. Padre Amaro não conseguiu se conter:
— Desculpe, senhor bispo, mas lhe tenho grande apreço e sei que está nervoso, mas vou contrariá-lo. Ninguém vai sair daqui sem lhe contar o que aconteceu.
Aliás, tudo foi bastante grave, com sérias implicações para sua vida.
O bispo Ricardo sentou-se na cama e disse:
— Então, padre Amaro, o que aconteceu?
— Madre Catarina tem um dom especial. Os espíritos das pessoas que partiram deste mundo podem falar por sua boca, e foi isso o que aconteceu aqui. Não me venha dizer que não acredita, porque nós sabemos muito bem que a Igreja Católica é cheia de manifestações como essas.
Em todos os ambientes religiosos as almas se manifestam e dão provas inequívocas de suas existências e identidade.
Irmã Lúcia quer se vingar do senhor porque disse que foi o responsável pela sua morte, que a sufocou com o travesseiro. Garantiu que o senhor fez isso motivado pelo medo de ser delatado em seu relacionamento com Enrico e para ajudar Lívia a recuperar a posse de Caius.
Ricardo teria caído se estivesse de pé. Aquilo provava, sem nenhuma sombra de dúvida, que irmã Lúcia estivera ali; afinal, como madre Catarina iria saber de um segredo que nem a Enrico contara?
Vendo-o calado, padre Amaro continuou:
— Ela afirmou também que não estava sozinha. Disse estar acompanhada de irmã Helena, a noviça que morreu misteriosamente. Afirmou que foi o senhor que a matou envenenada.
Se havia alguma sombra de dúvida no pensamento de Ricardo, agora já não existia mais, e ele, baixando a cabeça, chorou sentidamente. Vendo-o tão frágil, abraçado a Enrico, madre Catarina tornou:
— Não se deixe levar pelo remorso. Seu arrependimento sincero prova que seu espírito está amadurecendo para o bem, e creio que, a partir de agora, não será mais incomodado por ela.
— Tenho certeza — respondeu padre Amaro com segurança. — Vi quando um espírito iluminado os levou daqui e criou um cordão de isolamento de cor azul em volta de todo o quarto. Deus jamais fecha a porta àquele que se arrepende, e você está se transformando num novo homem. É justo que tenha a chance de ser feliz e reparar todos os seus erros através do bem e do amor.
Ricardo, que continuava calado, depois de alguns minutos disse:
— Espero contar com o sigilo de todos vocês, não só com relação ao que fiz, mas com relação a essa manifestação espiritual. Como sabem, a Igreja tem inúmeras delas, mas nem sempre somos compreendidos de maneira correcta.
Quero evitar problemas para nossa ordem.


Última edição por Ave sem Ninho em Sex Dez 16, 2022 10:48 am, editado 1 vez(es)
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 10:36 am

— Não precisa se preocupar, senhor. Todos manterão sigilo.
— Uma manifestação como esta prova que nossa religião está toda montada em dogmas falsos, em rituais e cultos exteriores que não levam a nada — queixou-se Ricardo, profundamente abalado. — Quando iremos mudar, meu Deus?
Foi madre Catarina quem respondeu:
— Tudo tem seu tempo. Acredito que um dia surgirá uma doutrina de luz que esclarecerá todos esses acontecimentos, mostrará os porquês da vida e consolará a todos.
Por enquanto, precisamos ter paciência e esperar. As palavras da irmã consternaram a todos, que foram se despedindo e saindo.
Lívia continuava com medo das ameaças de irmã Lúcia, por esse motivo ainda perguntou à madre:
— Será que ela vai conseguir destruir minha vida?
— Não se preocupe com isso. Se quer se manter livre do assédio dos espíritos sofredores e maus, basta ter sempre o pensamento elevado no bem, amor no coração, viver dentro da moral cósmica e, principalmente, nunca se deixar levar por pensamentos e sentimentos negativos. Outra coisa essencial é cultivar o hábito da prece, não apenas nos momentos de necessidade e sofrimento, mas em todas as horas, lembrando sempre de agradecer a Deus por este mundo maravilhoso em que vivemos, pelo dom da vida, e louvá-Lo por ser tão perfeito e bom, destinando-nos à felicidade completa e integral.
— Muito obrigada, madre. Que Deus a abençoe.
— A você também, minha querida.
— Confesso que ainda estou chocada ao saber que foi o bispo que matou minha amiga Helena e a irmã Lúcia.
Nunca pensei que num lugar como este, destinado ao culto à Virgem e a Jesus, pudesse acontecer coisas assim.
— Não fique pensando nisso. A fraqueza humana ainda é grande, e não há nenhum de nós que não esteja sujeito a sucumbir diante das tentações da vida. Por tudo isso é prudente nunca julgar ninguém, apenas aprender a viver melhor com os actos dos outros. Você sabe que matar é algo ruim, compromete-nos seriamente com as leis de Deus, a ponto de atrairmos para nós espíritos inferiores, capazes de nos levar à loucura e à morte. Então, vamos aprender a nunca matar, seja em que situação for.
Não só matar o físico, mas também não matar a alegria, a felicidade, a esperança, o amor e o respeito dos outros.
Lívia abraçou a irmã mais uma vez. Ambas se despediram e foram para seus aposentos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 10:38 am

SURPRESA E SOFRIMENTO DE LÍVIA
Nos dias que se seguiram, o bispo Ricardo foi melhorando consideravelmente, até que se restabeleceu por completo. Enrico, cheio de felicidade, comentava com Lívia sobre a mudança ocorrida com o religioso a partir daquela noite. Ele se tornara uma pessoa dedicada ao bem verdadeiro e interessada em reparar seus delitos, aprendendo as leis do amor.
O tempo passou e, numa noite de primavera, Lívia deu à luz uma linda menina. Ao olhá-la, ela sorriu, chorou e agradeceu a Deus, pois a criança tinha os olhos escuros e já se via em seu rostinho os traços de Carlos. Lívia agradeceu por aquele acontecimento, e foi com felicidade redobrada que, com o pequeno Caius e o primo Enrico, retornou para o condado.
Ao chegar ao luxuoso palacete, Lívia foi surpreendida pela presença do barão, que foi abraçá-la alegre:
— Minha amada, que bom vê-la de volta. Já não aguentava de saudades.
Lívia o beijou ternamente, dizendo feliz:
— Fico feliz também em vê-lo em casa. Olhe, finalmente adoptei a criança com que tanto sonhei.
O barão olhou para Caius com olhos enigmáticos, mas pegou o menino nos braços e, com carinho, disse:
— É um belo menino. Fez muito bem em escolhê-lo.
Finalmente tenho um varão.
Vendo o marido abraçar e beijar o rostinho de Caius, Lívia deixou que lágrimas de emoção e remorso rolassem de seu rosto. Logo que se refez, tornou:
— O senhor meu marido não ia demorar mais na viagem?
— Nossa expedição foi mais curta desta vez, faz mais de um mês que estou aqui e, como sempre, ainda mais rico. Fico feliz que agora tenha esse lindo filho para herdar tudo o que é meu. Você já pôs nome nele?
— Sim, ele se chama Caius.
— Caius... Lindo nome! Você é, de facto, minha maior felicidade, sabe fazer tudo certo. E, pelo que vejo, já está curada da angústia. Não pode haver felicidade maior.
Padre Enrico interveio:
— Lívia está plenamente recuperada, senhor barão.
Tenho certeza de que daqui para a frente o senhor terá sempre ao lado uma mulher feliz e realizada. Deus a preencheu.
— Faço votos que sim, padre. Não conseguiria mais ver minha mulher enferma.
— Bem, preciso descansar da viagem. Peço licença aos dois para ir com Caius aos meus aposentos. A propósito, onde está Luzia?
— Em seu quarto. Assim que vimos a carruagem entrar, ela pediu para ir lhe preparar a alcova.
Lívia deixou os dois homens conversando e entrou em seu quarto. Luzia, ao vê-la, abraçou-a, e emocionada segurou Caius em seus braços, dizendo:
— Deus seja louvado! É a cara do pai!
Lívia ia dizer alguma coisa, quando Luzia desabou num pranto angustiado, entregando-lhe a criança e virando as costas.
— O que houve, Luzia? Está com algum problema?
— Não, senhora. Perdoe-me a emoção. É que não aguentei ver o pequeno Caius e me lembrar de Carlos.
— Chorou por isso? Em breve daremos um jeito de Carlos ver o filho. Sua emoção, às vezes, é exagerada.
— Não é isso, senhora, é que... é que...
Lívia pressentiu que Luzia tinha algo grave a lhe dizer, e um ligeiro mal-estar invadiu seu ser.
— Diga logo, Luzia. O que houve?
— Carlos está morto, senhora! Morto!
Era como se Lívia estivesse tendo uma alucinação.
Teve uma ligeira tontura, mas reagiu:
— Como morto? Deixe de brincadeiras!
— A senhora sabe que jamais brincaria com uma coisa séria dessas. Carlos está morto há mais de um mês.
Lívia deixou-se cair na cama e começou a chorar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 10:40 am

Entre lágrimas de tristeza e desespero perguntou:
— Mas como isso aconteceu? Ele adoeceu?
— Não, senhora. Foi uma tragédia, por pouco o barão não fica sabendo de toda a verdade.
— Conte-me tudo.
— Lucas teve uma grave discussão com Carlos, na qual revelou que a senhora e eles eram amantes. Carlos não acreditou, mas Lucas contou tudo em detalhes e o desafiou para um duelo. O barão já estava aqui e, embora não goste que os guardas duelem, Lucas o procurou e disse que o duelo se justificava, pois fora ferido muito gravemente em sua moral. Perguntado o que tinha acontecido, Lucas mentiu dizendo que Carlos o acusara de deitar-se com outros soldados da guarda do palácio.
Considerando a ofensa muito séria, o barão permitiu o duelo, que Carlos aceitou com o intuito de lavar sua honra. Hora alguma ele acreditou que a senhora o houvesse traído. O duelo foi com floretes, e Carlos praticamente não tinha habilidade com essa arma. Sucumbiu no primeiro golpe dado por Lucas.
Lívia não conseguia acreditar no que estava ouvindo.
Perguntou:
— E Lucas? Onde está?
— O barão o mandou embora para longe. Disse que não gostou do que houve e que duvidava de sua masculinidade.
Ninguém sabe seu paradeiro.
Lívia olhou para Caius e chorou muito. Seu choro ficou tão alto que logo o barão e Enrico estavam no quarto.
— O que houve com a baronesa, Luzia?
A pobre serviçal não sabia o que responder e ficou calada.
— O que houve com ela, Luzia?
— Não sei, senhor — respondeu com voz fraca. — Só sei que começou a chorar de repente enquanto conversávamos sobre sua vida no convento.
O barão fingiu acreditar. Sentou-se na cama com a mulher, abraçou-a com carinho e afagou seus cabelos, dizendo:
— Sei que está emocionada por voltar para casa, mas procure ficar calma. Você está em seu lar, rodeada das pessoas que ama.
Quanto mais ele falava, mais ela chorava.
— Por favor, Luzia, providencie um chá calmante para a baronesa e leve Caius daqui. Dê-lhe um banho e o prepare para estar com a mãe mais tarde.
Vendo o carinho do marido e o apoio piedoso de Enrico, Lívia foi se acalmando. Quando Luzia chegou com o chá, ela o ingeriu e, em seguida, adormeceu.
De volta à sala, Rodolfo e Enrico conversavam:
— Sua mulher é muito frágil, senhor barão. Tente compreender.
— Sei disso, padre. Agradeço-lhe por tudo. Lívia é uma mulher sensível e é a razão de minha vida. Por esse motivo, peço-lhe que fique aqui alguns dias até que ela se recupere de verdade. Será muito incómodo para o senhor?
Enrico queria voltar logo para o convento, mas, diante daquele convite e do choro estranho da prima, resolveu ficar.
— Não será incómodo algum, barão. Só peço que o senhor mande um cavaleiro ainda hoje levar uma carta ao bispo Ricardo. Não posso me afastar da ordem sem lhe explicar o motivo.
— Compreendo. Escreva a carta que a mandarei entregar o quanto antes.
O barão continuou conversando amavelmente com Enrico, até que o padre se retirou para escrever e ele retornou ao quarto da mulher para verificar seu sono. Lívia dormia profundamente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 10:42 am

OBSESSÃO POR AMOR
Horas mais tarde, Lívia finalmente despertou. Atordoada, foi aos poucos se dando conta de que estava em seu quarto com Enrico e Luzia orando fervorosamente aos pés da cama. Lembrando o que tinha acontecido, Lívia olhou o primo, pegou em suas mãos, apertando-as com força:
— Carlos morreu, Enrico, morreu! O que farei de minha vida agora?
— Fique calma, minha querida. Talvez tenha sido melhor assim.
— Como diz uma coisa dessas? Não vê que estou morta por dentro? Que não possuo mais razão para viver?
Enrico ponderou:
— Está sendo egoísta. Tudo em sua vida se resumia a Carlos? Não lembra que Deus lhe enviou dois filhos que precisam de sua dedicação, alegria e coragem para crescer com segurança?
Lívia meditou um pouco e disse:
— Tem razão, mas é muito doloroso saber que perdemos a pessoa que amamos e que nunca mais a veremos.
— Você sabe que isso não é verdade. Pôde ver no convento que a vida continua em outro lugar e que Carlos está vivo. Um dia poderão se reencontrar.
— Mas esse dia pode estar muito distante. O que farei daqui até lá?
— Como já lhe disse, há seus filhos para você se dedicar e, além disso, o barão Rodolfo a ama profundamente.
Você precisa viver por eles.
Lívia recomeçou a chorar, mas desta vez era um choro baixinho, mostrando a amargura de sua alma, já mais conformada com o destino.
Enrico tornou:
— Vou procurar o barão e dizer que você já acordou.
Ele estava preocupado, pois você estava dormindo demais.
Assim que ficou a sós com sua fiel aia, Lívia retornou:
— Tenho a impressão de que não vou resistir, Luzia.
Por mais que padre Amaro tenha dito que Deus não castiga e que não devemos nos sentir culpados, dentro de mim uma voz me acusa, dizendo que sou a única responsável por tudo isso. Sei que Deus está me punindo com a morte de Carlos e a solidão.
Alisando carinhosamente os cabelos lisos e macios da baronesa, Luzia disse:
— Mas a senhora jamais estará sozinha, terá para sempre minha companhia, a do barão e dos seus dois lindos filhos. A senhora tem obrigação de viver e procurar ser feliz por eles. Se é verdade mesmo que as almas dos mortos vivem em outro mundo, um dia a senhora encontrará Carlos e será feliz.
Lívia resolveu não continuar com aquela conversa.
Percebia que todos estavam certos e ela tinha de parar de chorar para não provocar suspeitas. Levantou-se, foi ao toucador, lavou o rosto e já estava mais refeita quando o barão entrou no quarto com Caius no colo. Lívia alegrou-se ao ver o menino. E quando o barão indagou novamente a razão de seu pranto, ela mentiu dizendo ser falta da vida religiosa. Contudo, prometeu que iria melhorar e ficaria bem.
Num canto do quarto, um espírito chorava sentidamente.
Era Carlos. Seu choro era doloroso, enquanto pensava:
— Então é verdade, estou morto! Meu Deus, por que fui sucumbir naquele duelo? Queria tanto estar vivo e feliz para um dia ter a alegria de poder conviver com Lívia e meus filhos! Ajude-me, Deus!
Naquela hora de reconhecimento de seu desencarne e de verdadeira humildade em pedir ajuda ao Alto, Carlos viu imenso clarão surgir-lhe à frente. Aos poucos, a luz foi se corporificando e uma linda e jovem mulher, vestida com uma túnica dourada, olhou-o com amor e disse:
— Carlos, Deus ouviu seu pedido sincero e mandou socorrê-lo. Venha comigo. Sua estada na Terra terminou, é hora de seguir outro caminho na busca da paz e da verdadeira felicidade.
Enxugando o rosto, olhou-a e perguntou:
— É um anjo enviado do Altíssimo? Será que tenho esse merecimento?
— Sou um espírito que deseja o seu bem. E por que você não teria merecimento?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 10:44 am

Ele ruborizou.
— Fui um homem adúltero, leviano, cheio de pecados...
— Você é um espírito eterno em busca da evolução, não deve se condenar por nada que tenha feito. Se soubesse o que iria acontecer, agiria da mesma maneira?
— Com relação à Lívia, eu a amaria sempre, mas, se eu soubesse que iria morrer, jamais teria aceitado o duelo.
Agora estou sozinho, sem que ninguém possa me escutar e ainda afastado da mulher que amo e dos meus filhos.
A morte é cruel.
— A morte não é cruel, ao contrário, é um bem. É por meio dela que a vida se renova. Falo da morte física, pois o espírito jamais morre, e você está comprovando isso.
Carlos pareceu não ouvir e continuou se lamentando:
— Por que fui morrer no duelo? Por quê?
— Porque você acreditava na violência como solução para seus problemas. Uma pessoa só é assassinada ou vítima da violência se acreditar nela ou temê-la. É preciso aprender essa lição para que nunca mais atraia um crime em sua vida. — A doce mulher estendeu-lhe a mão pedindo:
— Vamos? Chegou a hora.
Carlos olhou para a cama onde Lívia e seu filho estavam e respondeu com segurança:
— Não vou! Quero ficar aqui com eles. Nunca mais sairei daqui.
— Tem certeza de que é melhor? Seu ferimento ainda sangra, você precisa se tratar, recompor-se. Quando estiver bem, poderá voltar para vê-los.
— Não, não há força neste mundo que me faça sair de perto daqueles que amo.
A mulher aproximou-se de Carlos, abriu as mãos, passando-as pelo seu corpo, e com o olhar coberto de compaixão, tornou:
— Você é livre e pode fazer o que quiser. Quando sentir vontade de sair daqui é só pensar em mim e me chamar. Meu nome é Flávia.
Dizendo isso, desapareceu envolta no mesmo clarão que a fez surgir.
Assim que Flávia saiu, Carlos sentiu-se melhor, revigorado pelo passe que ela lhe dera. Aproximou-se da cama onde sua ex-amante estava, agora sozinha com o filho, alisou-lhe os cabelos e falou:
— Minha amada Lívia, o destino foi cruel connosco, mas nunca sairei de perto de você. Eu a amo e estou sofrendo muito com a separação.
De repente, Lívia sentiu um mal-estar inexplicável e o rosto de Carlos apareceu vívido em sua tela mental.
Sentiu-se tonta, mas logo se reanimou para pegar o filho, que começou a chorar descontroladamente.
Lívia tentou acalmá-lo de todas as maneiras, mas, vendo que não ia conseguir, abriu a porta do quarto e chamou por Luzia.
— O que foi, senhora?
— O Caius começou a chorar de repente, fez cara de assustado e não quer parar.
— Dê-me o menino.
Luzia foi sacudindo a criança com carinho e em pouco tempo ele se acalmou e adormeceu.
Lívia estava admirada:
— Com você ele parou de chorar muito rápido.
— É que a senhora está triste e nervosa pela notícia da morte de Carlos, por isso ele não se acalmou em seus braços. Minha avó dizia que o que a mãe sente passa para o filho.
— Nesse caso, preciso melhorar. Mas confesso que está sendo muito difícil. Agora há pouco, antes de Caius começar a chorar, senti-me muito triste e o rosto de Carlos me veio à mente com clareza. Será difícil esquecê-lo.
Carlos ouvia tudo atentamente e, percebendo que ela se entristecera com sua aproximação, resolveu se afastar.
Contudo, aquela descoberta era-lhe de grande valia, pois jamais iria deixar sua amada ter intimidades com o marido. Sempre que eles fossem se aproximar, ele também se aproximaria dela fazendo-a sentir-se mal.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 10:44 am

Lívia perguntou:
— Onde está o barão e Enrico?
— Foram conversar na sala de música enquanto aguardam o jantar.
— Vou trocar este vestido para acompanhá-los. Enrico tem razão, meu marido precisa de minha alegria.
Já basta o tanto que o fiz sofrer com minhas ausências, traições e falta de amor. Agora que Carlos morreu, serei a melhor das esposas, o barão merece.
O espírito de Carlos se enfureceu ao ouvir aquelas últimas palavras e jurou:
— Isso nunca acontecerá.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 10:46 am

A REDENÇÃO DE CARLOS
Nas semanas seguintes, Lívia foi melhorando. Apesar de ter suas crises de saudade aumentadas sempre que o espírito de Carlos se aproximava, ela foi, aos poucos, se conformando com a realidade, o que fez Enrico partir naquela fria manhã de dezembro.
Caius desenvolvia-se e tornava-se um belo e delicado menino. A harmonia parecia ter voltado àquele lar.
Numa noite, Lívia percebeu que o barão a estava procurando para intimidades e resolveu ceder, sendo a melhor das mulheres. Foi deixando-se acariciar e beijar como nunca antes havia acontecido. Rodolfo, percebendo que estava sendo correspondido como nunca, redobrou as carícias e os beijos.
Carlos enojou-se ao ver aquela cena e partiu para cima do casal, dando-lhes socos e pontapés. Contudo, eles pareceram nada sentir. Ele tentou outra e outra vez, mas nada aconteceu. Desesperado, começou a chorar agachado em um canto. Foi aí que viu surgir à sua frente a imagem de uma freira, que foi se corporificando até que tocou-lhe os braços e disse:
— Estou aqui para ajudá-lo. Como pode ver, sou uma irmã de caridade e não posso ver ninguém sofrendo. Deseja ajuda?
Carlos estranhou:
— O que a senhora pode fazer por mim? Está morta como eu!
Irmã Lúcia sorriu.
— Morta não é bem o termo apropriado para a nossa situação. Não vê que continuamos mais vivos do que nunca?
— É verdade... — concordou Carlos reticente. Depois perguntou: — Qual o interesse em me ajudar e como a senhora pode fazer isso?
— Como lhe disse, sou uma pessoa muito caridosa e quando vivia na Terra fui muito amiga de Lívia, quando ela esteve fazendo retiro em nosso convento. Na verdade, ela foi se esconder do marido, que não podia saber de sua gravidez, mas ficamos muito amigas, seu quarto era contíguo ao meu e ela me revelou o quanto o amava e queria ficar ao seu lado. Sua morte foi injusta e cruel.
Hoje você está nesta outra parte da vida enquanto Lucas, o assassino, o homem que arrancou sua vida, continua vivendo bem e feliz. Acha isso justo?
Carlos enfureceu-se com aquelas palavras. Tudo o quanto aquela freira dizia era verdade. Ela continuou:
— Mas não temos tempo a perder. Vamos logo impedir que Lívia e o barão concluam essa relação íntima. Você não conseguiu porque se utilizou apenas da raiva, mas saiba que, para atingir as pessoas que vivem no mundo, uma simples raivazinha não basta, principalmente nesse momento íntimo, em que Lívia se entrega por querer. Para atingirmos nossos objectivos, temos de mexer nas feridas emocionais das pessoas, ou seja, em seus pontos fracos.
Veja como é fácil.
Irmã Lúcia aproximou-se de Lívia, colocou a mão direita em sua testa e repetiu com força:
— Você é adúltera, prostituta e má! Deus a condena, vai para o fogo do inferno, está condenada!
Aquelas palavras foram ditas com muita intensidade, e Lívia, mesmo envolvida pelos carinhos do barão, sentiu terrível mal-estar, que foi aumentando à medida que a freira repetia as mesmas palavras. Começou a se sufocar e, num ímpeto, empurrou o marido com força.
— O que aconteceu, querida? Está passando mal?
— Sim, parece que vou morrer. De repente me veio uma tontura, uma dor no peito, falta de ar... É como se o mundo estivesse girando.
Constrangido, mas preocupado, o barão vestiu as roupas e fez com que ela se vestisse também.
— Vamos esperar um pouco. Pode ser que esse mal-estar passe.
— Perdoe-me, meu marido. Eu o amo e não queria lhe dar esse desgosto. Temo estar doente.
Rodolfo sabia que Lívia não estava fingindo, por essa razão, disse:
— Não se preocupe, querida. Se continuar, chamaremos o médico.
Os dois ficaram conversando e, em pouco tempo, Lívia estava sentindo-se muito bem, como se nada tivesse acontecido. As carícias recomeçaram e, quando eles estavam mais uma vez entregues um ao outro, irmã Lúcia aproximou-se novamente:
— Você é adúltera, prostituta e má! Deus a condena, vai para o fogo do inferno, está condenada!
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro - Página 3 Empty Re: Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 10:47 am

E, novamente, registando aquelas palavras no inconsciente e por ainda não saber lidar com o sentimento de culpa, Lívia voltou a sentir-se mal, desta vez ficou vermelha e teve um ataque de tosse.
O barão tentou acalmá-la, mas vendo que não ia conseguir, vestiu-se rapidamente e foi procurar os servos do palácio. Depois de uma hora, Francesco entrou na alcova da baronesa.
Após minucioso exame, constatou:
— Sua esposa teve uma crise respiratória, vou receitar um remédio para que melhore. Até lá, deverá sair muito do palácio para tomar ar puro. Também aconselho a manter este quarto sempre com portas e janelas abertas.
Pode ser que a pouca circulação de ar no ambiente tenha dado origem à crise.
O barão estava aliviado.
— Pensei que Lívia fosse morrer. Nunca a vi assim. — Esses casos estão sendo muito estudados pela medicina, mas ainda não se chegou à nenhuma conclusão; mas pode ficar tranquilo que não costumam levar à morte.
Principalmente quando são tratados devidamente.
O médico se despediu e, enquanto Luzia ficava com a baronesa no quarto, o espírito de Carlos e o de irmã Lúcia comemoravam.
— Você percebeu como fui eficiente? Resolvi na hora seu problema, mas há um pequeno porém.
— Qual?
— Não posso ficar ajudando-o de graça. Para que continue mantendo sua amada sob controle, terá de trabalhar connosco em nossa cidade.
— Cidade? Trabalhar?
— Exactamente. Por incrível que pareça, aqui deste lado da vida existem cidades, sim. A que eu moro chama-se Cidade da Fé. Se quiser, poderá ir para lá viver connosco.
Em troca, faremos todo o trabalho para que Lívia e o marido jamais durmam juntos. Não é isso o que quer?
Carlos sentiu algo estranho. De repente, aquela freira lhe pareceu desagradável e ele não se sentiu bem ao seu lado.
— Não vou trabalhar para ninguém, desejo ficar aqui neste quarto, nesta casa ao lado de minha amada.
Os olhos de Lúcia brilharam rancorosos:
— E quer deixar sua amada para aquele que durante toda sua vida foi seu rival? Aquele que sempre impediu sua felicidade? Quer deixar também que Lucas fique impune por ter tirado sua vida? Onde está o seu amor-próprio?
Carlos irritou-se e, num momento de bom senso, revidou:
— A senhora esquece que fui eu que me meti na vida do barão com sua esposa? Quando cheguei aqui para trabalhar na guarda eles já eram casados e Lívia, apesar de não amá-lo, sempre foi feliz ao seu lado. Eu é que invadi este lar. E quanto a Lucas, fui levado pela vaidade ferida, por essa razão aceitei o duelo. Se morri, foi por minha própria culpa. Quero ficar aqui e fazer as coisas do meu jeito, não pretendo trabalhar para a senhora nem para ninguém. Entendeu?
A medida que Carlos falava, sua força foi aumentando a tal ponto que irmã Lúcia sentiu-se compelida a se afastar. Dando gritos agudos e esbracejando ameaças, ela desapareceu.
Carlos sentiu-se aliviado com sua ausência e agora, que sabia como se dava o processo de interferência, era ele mesmo quem iria comandar.
O tempo passou rápido. Após longos passeios pelas campinas e bosques verdes, Lívia sentia-se restabelecida para entregar-se ao barão. Numa noite de intimidades, Carlos levantou-se da cadeira onde ficava sentado e aproximou-se dela dizendo as mesmas palavras que irmã Lúcia dissera:
— Você é adúltera, prostituta e má! Deus a condena, vai para o fogo do inferno, está condenada!
Contudo, desta vez Lívia nada sentiu. Ele foi repetindo, repetindo e repetindo, mas nada acontecia, e ele, entre frustrado e desiludido, viu o ato de amor se consumar.
Não aguentando ver a amada entregue daquela forma a outro homem, ele desabou a chorar. Seu choro era sincero e representava a amargura de estar distante do ser amado, o arrependimento pelos actos cometidos e a incapacidade de interferir na vida de Lívia. Ele estava cansado. O que faria dali em diante? Voltou a chorar baixinho sentindo-se o mais infeliz dos homens. Até que o espírito radioso de Flávia apareceu envolto em imenso clarão, ajoelhou-se à sua frente e disse com carinho:
— Carlos, não vê que é inútil querer interferir nos desígnios da vida e no livre-arbítrio de cada um?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 8:41 pm

Até quando vai permanecer nesse sofrimento sem entender que só o amor liberta? Você nunca conseguirá fazer Lívia se sentir mal como Lúcia fez porque você não a odeia, você a ama e quem ama de verdade, por mais que queira, jamais consegue prejudicar o ser amado.
— O amor me deixou prisioneiro e infeliz.
— Não. O amor só traz alegria e felicidade, quem o deixou prisioneiro e infeliz foi a paixão que toldou sua razão e obstruiu o sentimento do amor verdadeiro. Se ama Lívia de verdade, deixe-a viver com dignidade o tempo que lhe resta na Terra, procurando fazer feliz àquele que um dia lhe deu a mão, tirou-a da ruína e a ama sinceramente. Seu tempo de viver ao lado dela nesta vida acabou. Um dia vocês vão se reencontrar livres das amarras e dos compromissos do passado e finalmente poderão ser felizes. Então, vem comigo?
— Para onde quer me levar?
— Para um lugar muito agradável e belo, onde você será tratado do corpo e da alma e reverá toda a sua existência na Terra, assim como sua vida passada. Assim, vai entender por que você e Lívia não puderam viver juntos nesta última experiência. Acredite, nada no mundo está errado, pois todos os acontecimentos obedecem às leis cósmicas, eternas e imutáveis que regem a vida; e elas jamais se enganam. Abençoe a Deus por esta experiência e vamos comigo para um mundo melhor, onde poderá usufruir da felicidade.
Carlos deixou que lágrimas teimosas rolassem de sua face.
— Esse lugar existe? Nunca fui realmente feliz, será que ainda tenho chance?
— Esse lugar existe e você pode ser feliz, sim! Todos podem. Você não foi feliz até agora porque colocou sua felicidade no futuro. Isso é ilusão, pois se tivesse aproveitado todo o bem que a vida lhe proporcionou, teria sido feliz.
— É... pelo visto perdi meu tempo — murmurou ele sentido.
— Ninguém perde tempo nenhum. Essa é outra ilusão que as pessoas têm. Uns aproveitam mais o tempo que os outros, mas nada nesta vida se perde, apenas se transforma. Agora vamos?
Carlos levantou-se com ela, deram-se as mãos e iam partindo quando ele olhou para trás. Captando seus pensamentos, Flávia sorriu e disse:
— Você voltará em breve, mas quando isso acontecer estará equilibrado e sereno, em condições de ajudar.
Tenho certeza de que conseguirá.
Ele enxugou uma última lágrima e logo teve sua atenção voltada para as mãos de Flávia, que enlaçaram sua cintura. Em poucos instantes, estavam volitando por entre o céu estrelado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 8:42 pm

A MORTE DO BARÃO
O tempo passou e a harmonia voltou a reinar no Condado de Soleto. O barão Rodolfo estava espaçando mais suas viagens, porquanto, além de já possuir muita riqueza, sentia-se mais cansado para viagens tão longas.
Esse facto concorreu para que Lívia o tivesse mais perto no lar, acompanhando o crescimento de Caius e agora de Nicole, que também havia sido levada pela mãe para viver no palácio.
Num fim de tarde, Lívia estava num amplo terraço vendo o pôr do sol ao lado de Rodolfo, enquanto Nicole e Caius brincavam alegres por entre as trepadeiras, quando, de repente, o barão soltou um grito agudo e tombou ao chão.
Aquela cena fez com que Lívia também gritasse, chamando a atenção dos criados e assustando os filhos, que começaram a chorar. Debruçada sobre o corpo do marido, enquanto Luzia levava as crianças para dentro e mandava um cavaleiro buscar Francesco, Lívia suplicava entre lágrimas:
— Fale comigo, Rodolfo! Não me deixe, pelo amor do nosso santo Deus. Eu o amo, não me deixe sozinha neste mundo hostil. Fale comigo!
Ela continuou emocionada repetindo suas súplicas, até que dois serviçais vieram e levaram o corpo do barão até a cama, onde ele continuou inconsciente, respirando de maneira fraca. Luzia foi ter com ela no quarto e, vendo-a tão desesperada com a possibilidade da morte do marido, abraçou-a.
— Oh! Luzia, não sei o que farei se Rodolfo partir.
Como hei de viver?
— Senhora, vamos ter fé em Deus e rezar para que o melhor aconteça. Não vamos nos desesperar porque só Ele tem o poder sobre a vida e a morte.
— Mas Rodolfo estava tão feliz vivendo comigo e com as crianças... Creio que nunca o vi tão feliz como ultimamente.
— Eu também notei que o senhor barão estava muito mais feliz e sereno. A presença dessas crianças aqui nesta casa trouxe muita alegria a todos.
— Tenho medo de que ele morra. Depois que Carlos morreu, apeguei-me a Rodolfo e passei a amá-lo sinceramente.
Não com o amor que sentia por Carlos, mas um amor terno, cheio de gratidão e serenidade. O barão é um homem muito bom, tenho certeza de que, mesmo coberta de erros, Deus teve piedade de mim e colocou-o em meu caminho.
Luzia consternou-se:
— Deus sempre faz o melhor. Vamos aguardar com fé, aceitando tudo o que a vida determinar.
Nesse momento, Francesco entrou no recinto e, após os cumprimentos de praxe, iniciou minucioso exame físico no barão. Depois de meia hora, olhou para a baronesa com pesar:
— A senhora deve estar preparada para o pior. O barão, infelizmente, teve um ataque do coração e é um verdadeiro milagre que esteja vivo até agora. Esses ataques costumam matar na hora. Perdoe-me se não tenho boas notícias, mas a vida do barão está por um fio e em questão de horas ele não estará mais neste mundo.
Lívia prorrompeu em soluços desesperados e perguntou:
— Não há nada que o senhor possa fazer?
— Infelizmente não, senhora baronesa. O coração é um órgão muito delicado e pouco sabemos ainda sobre seu funcionamento, só podemos dizer que uma enfermidade nele é muito mais perigosa e fatal do que em qualquer outro órgão.
O pranto de Lívia ficou mais profundo, até que o médico aconselhou:
— Creio que a senhora deve ficar firme para as próximas horas. Há seus filhos, a mãe do barão e os criados desta casa que precisarão de forças. Vou receitar-lhe um sedativo para que fique melhor.
O médico prescreveu a receita com as orientações e tirou da maleta um pequeno frasco de vidro azul e deu à Luzia:
— Prepare-o como está aqui e traga logo.
Os instantes seguintes foram de angustiosa espera para todos. Luzia teve de tomar a providência de mandar chamar o padre da vila para a extrema-unção e Francesco não deixou mais o palácio. Gostava muito do barão e estimava a baronesa demais para deixá-los sozinhos num momento como aquele.
Em dado momento, quando Lívia estava mais calma, Rodolfo abriu os olhos e foi com dificuldade que balbuciou:
— Lívia, meu amor, chegue mais perto, preciso lhe falar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 8:43 pm

Ela, emocionada, foi se aproximando até que apertou suas mãos entre as suas chorando baixinho. O barão, vendo que havia mais pessoas no quarto, pediu com voz fraca:
— Preciso falar sozinho com minha mulher, deixem-nos um instante.
As pessoas saíram e quando ele se viu sozinho com Lívia, disse:
— Lívia, minha querida. Sei que o anjo libertador está chegando. Vejo-o aos pés da cama na figura de uma jovem mulher e na presença de meu velho pai, que estão aqui para me levar deste mundo. Mas não posso morrer sem antes lhe dizer o quanto a amo e o quanto você foi importante em minha vida. Sua alegria, beleza, juventude e ternura fizeram de mim o homem mais rico deste mundo.
Saí muito em busca de fortuna, fiquei ainda mais rico, mas trocaria todas as riquezas deste mundo por você, se preciso fosse...
Lívia chorava sem conseguir impedir que as lágrimas brotassem espontâneas e escorressem por seu belo rosto.
Recobrando-se da extrema fadiga que o acometeu ao dizer aquelas palavras, o barão continuou:
— Por amá-la tanto e por esse amor ser tão incondicional em meu peito, preferi sofrer a vida inteira, calando-me na renúncia, para que você fosse feliz. Sim! Eu sempre soube que você amava Carlos. Sabia de seus encontros com ele enquanto estava fora e também sei que Caius e Nicole são frutos desse amor. Eu não a condeno.
Ninguém pode ser condenado por amar. Agora que partirei para a morada dos mortos, sei que encontrarei a paz que tanto sonhei e só vim a ter nos últimos meses de minha vida. Mas não se culpe, mesmo com todo o sofrimento que passei fui um homem muito feliz. Eu a amo!
O barão beijou as mãos dela com delicadeza e exalou o último suspiro, sendo desligado do corpo físico pelas mãos amorosas de Flávia e de seu pai Agostinho e levado a uma bela colónia do astral superior.
Lívia, vendo que ele havia morrido, soltou suas mãos e saiu correndo chamando pelo padre Guilherme. Quando o velho sacerdote entrou, já não tinha mais o que fazer, a não ser encomendar sua alma a Jesus e pedir que ele o levasse para junto de Deus.
A noite foi triste no Condado de Soleto. Os familiares de Lívia, nas figuras de seu pai, o conde Fernando, a mãe Lilian, seu irmão Fabrício e a esposa Berta, bem como sua irmã Aline, foram os primeiros a receber a notícia e também a chegar para o funeral. Logo o palacete do condado estava cheio de pessoas que admiravam o conde, como também de oportunistas e curiosos, que se aproveitavam da situação na esperança de tirar alguma espécie de vantagem.
A mãe do barão, já bem idosa, chorou bastante a morte do filho, mas, muito religiosa, acabou por aceitar, acompanhando tudo com serenidade ao lado de Luzia, que a amparava.
Na manhã seguinte, o corpo foi sepultado com todas as honrarias que ele merecia. Acabava, para Lívia, um ciclo de sua vida, mas o que ela não sabia era que outro estava para começar, cheio de provações e sofrimentos, mas que, como sempre, serviriam para seu crescimento moral e espiritual.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 8:46 pm

A NOVA VIDA
A família de Lívia permaneceu no palacete ainda por três semanas. - Ela os adorava e foi com alegria que pôde matar a saudade da irmã Aline, que tanto amava e pouco tinha visto após o casamento com o barão, que havia tirado todos da miséria. Aline contou-lhe que estava noiva de um nobre chamado Saulo e muito feliz com a proximidade das bodas.
Um dia antes de partirem, Lívia estava no terraço vendo o pôr do sol e pensando em sua vida, quando foi surpreendida pela chegada do irmão.
— Assustei-me, Fabrício. Aproveitava os instantes de solidão para me lembrar de tudo o que me aconteceu nesta vida.
— E o resultado foi positivo, suponho.
— Sim, apesar de tudo, fui uma mulher privilegiada.
Preciso agradecer a Deus, todos os dias, as bênçãos que recebi.
Fabrício calou-se. Tinha um assunto bastante sério para falar com a irmã, mas não sabia se aquele era o momento.
Ele era um homem branco, de beleza rara, olhos azuis, pele acetinada, dentes alvos e perfeitamente distribuídos, que lhe davam ainda mais beleza ao rosto quando sorria, formando pequenas covas. Além de tudo, era extremamente bom, delicado, gentil e caridoso. Não sabia como se dirigir à irmã naquele momento. Por fim, tomando coragem, resolveu:
— Vim procurá-la porque precisamos falar sobre algo sério.
— Do que se trata? Papai está doente? Mamãe...
Antes que ela continuasse, ele interrompeu:
— Não é nada com nossa família, que, graças ao seu esforço e sacrifício, vive muito bem, gozando não só de saúde como também de todas as coisas boas que a fortuna pode oferecer. O assunto é outro.
— Então não faça rodeios, sinto que está preocupado.
— Bem, o senhor seu marido parecia ter uma leve intuição de que deixaria este mundo muito breve.
Lívia assustou-se:
— Ele disse a você que já estava doente?
— Não. Mas procurou-me cerca de seis meses atrás e pediu-me que, caso ele morresse, eu cuidasse de você, de seus filhos e todos os seus bens até o dia de sua morte.
Lívia surpreendeu-se:
— Por que ele lhe pediu isso? Será que temia que eu me casasse novamente?
— O barão não era egoísta, mas tinha muito receio que algum aproveitador se aproximasse de você depois que ele morresse. Por essa razão, me procurou com um tabelião e fez-me assinar um documento, no qual me deixa como tutor geral de todos os seus bens e seus negócios. Mesmo que se case novamente, os bens não serão de seu novo marido, mas sim meus.
Ela se indignou:
— Mas como pôde? Eu sou dona de minha própria vida.
— Convenhamos, querida irmã, que uma mulher em nossa sociedade jamais saberia lidar com tão grande fortuna, nem multiplicá-la.
— Não estou interessada em multiplicar nada, tenho o suficiente para viver bem e feliz para o resto de meus dias, e ainda deixar imensa fortuna para Caius e Nicole.
Fabrício ponderou:
— Mas o barão não pensava assim, era um homem de negócios, que agia não só pelo dinheiro, mas pensava que, quanto mais a fortuna se multiplica, mais ela ajuda seu meio social. Era um homem muito caridoso. Por esse motivo, deixou tudo em minhas mãos.
Lívia parou para pensar e acabou concordando que o marido, mais uma vez, tinha razão. Ele fora precavido e era justo ter sua fortuna multiplicada. Ia falar quando o irmão continuou:
— Mas, além disso, ele fez uma exigência, constada no mesmo documento, para que eu me mude para cá com minha esposa e viva aqui até que seus filhos cresçam, recebam a grande parte que lhes cabe na herança e possam cuidar cada um de sua própria vida. Se Caius quiser, assim que for maior de idade, poderá ser o tutor de sua fortuna, e a partir daí eu seguirei minha vida.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 8:48 pm

Lívia se recompôs e disse:
— Meu marido teve razão. Não existe neste mundo um ser humano melhor do que você, meu irmão. Com tudo em suas mãos ficarei mais segura. Este palacete é grande e pode vir quando quiser. Só não conheço sua esposa Berta. Quando me casei, você ainda era solteiro.
— Terá tempo suficiente para conhecê-la e gostar dela.
Agora passo a suas mãos o documento registado que o barão deixou. Leia com atenção e depois me devolva.
Lívia abriu o documento e viu que ele era autêntico.
Havia o sinete do condado e as assinaturas eram legítimas.
Mais uma vez, pensou no quanto o marido fora nobre, deixando-a nas mãos de uma pessoa tão justa como o irmão.
Pouco antes do jantar, ela lhe devolveu o documento, e já na biblioteca, onde saboreavam licores, o conde Fernando tornou:
— Partiremos amanhã, querida filha, Fabrício e Berta vão connosco. Eles prepararão suas bagagens com o necessário e creio que em dois dias estarão de volta. Só temos algo a lhe pedir: fique com Aline durante dois meses. É verão e ela nunca saiu de casa para tomar novos ares.
Quero que adquira experiência com você, pois está de casamento marcado com Saulo e lhe faltam boas maneiras de como agir em sociedade. Creio que sua companhia vai ajudá-la bastante.
Lilian, mãe de Lívia, falou com ironia:
— Não sei por que o meu marido insiste nessa bobagem.
Eu sou mais do que suficiente para educar e preparar minha filha para as bodas. Todos nós sabemos que Lívia não é lá bom exemplo para uma jovem.
Fabrício alterou-se:
— Como ousa dizer isso, mamãe? Principalmente na frente de Berta, que mal viu Lívia, e na frente de Aline, que é jovem e sempre admirou a irmã?
Lilian não se importou:
— Sou sincera, falo o que penso. Uma moça que se vende a um homem rico, mesmo que para salvar sua família da ruína, não é um bom exemplo.
Lívia já conhecia o veneno da mãe, e antes que uma discussão se iniciasse, ela se pronunciou:
— Não vamos dar largas a um assunto desses. Temos Berta e Aline aqui, e elas não sabem quase nada sobre os nossos problemas familiares. Prontifico-me a ajudar minha irmã no que for necessário, se papai assim o quer.
Compreendo os valores de mamãe e não vamos discutir.
Os olhos do conde Fernando brilharam de admiração.
Como gostava daquela filha!
No dia seguinte, assim que a família partiu, Lívia começou a ficar reflexiva. Como seria sua vida dali em diante? Tinha total confiança no irmão, que era uma pessoa de excelente carácter, tanto que fora escolhido por Rodolfo para cuidar dela, mas as coisas não estavam como ela queria.
Durante toda a vida sonhou com o dia em que seria livre para viver com Carlos e seus filhos. Como amava aquele homem! Mas a vida fizera diferente. Carlos morrera em decorrência de sua leviandade, o barão também se fora e ela ficara sozinha, sem horizontes de felicidade.
Havia os filhos, e ela se dedicaria a eles para sempre. Será que conseguiria ser feliz só com a companhia dos filhos e do irmão? Era possível uma pessoa se realizar sem uma convivência amorosa? Essas e outras perguntas perturbaram a mente de Lívia por vários dias, até que, num fim de tarde, algumas carruagens se aproximaram do palacete e ela percebeu que, finalmente, o irmão e Berta haviam chegado para ficar.
Foi recebê-los com alegria e os conduziu aos amplos quartos arrumados caprichosamente para eles.
Lívia não percebeu, mas os olhos de Berta vibraram de inveja e raiva a cada cómodo e objecto da casa que olhava.
Pensava que não era justo Lívia ter tudo aquilo só para ela e os filhos, enquanto Fabrício, se quisesse ter uma vida boa, tinha de se sujeitar a passar a vida pajeando a irmã.
Mas ela daria um jeito naquela situação.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 8:49 pm

A alma de Berta era primitiva e má, porém ela escondia de todos suas inclinações perversas. Havia conquistado o amor de Fabrício assim, fingindo ser boa moça.
Com certeza, precisaria fingir muito para Lívia, mas aquilo tudo não ficaria só para ela. Daria um jeito de, no tempo certo, tramar algo para ficar com tudo.
No plano espiritual, irmã Lúcia se regozijava com a chegada de Berta. Seria por meio dela que consumaria sua vingança. Não havia conseguido mais atingir o bispo Ricardo pelo profundo amor que ele desenvolveu pelo padre Enrico, o que o fez melhorar moralmente, mas com Lívia seria diferente. A baronesa entrava facilmente na tristeza e no sentimento de culpa, e isso seria o factor mais importante que ela usaria para atingi-la. O desejo de irmã Lúcia era levá-la à miséria total, e não descansaria enquanto isso não acontecesse.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 8:52 pm

CAIUS VÊ O PAI
Os meses foram passando calmos no Condado de Soleto. A convivência de Lívia com o irmão era harmoniosa e tudo entre os dois fluía com facilidade. Berta mantinha-se um pouco isolada, mas procurava viver o melhor possível com a cunhada. Estava sendo difícil para ela ter de fingir. Cada vez que observava melhor o luxo daquela casa, a forma faustosa como Lívia vivia, mais sua inveja e raiva aumentavam. Contudo, demonstrava estar contente e não reclamava.
Como Berta tinha dificuldades para engravidar, acabou por se apegar verdadeiramente a Caius e Nicole, tratando-os com bondade, fazendo-lhes brincadeiras engraçadas, saindo com eles para passear pelos jardins.
Lívia admirava a cunhada, que, se por um lado mostrava-se um tanto retraída, por outro fazia mais feliz a vida de seus filhos.
Foi difícil para Lívia vencer a depressão que se instalou em si mesma depois que o barão morreu, mas a ajuda providencial de Fabrício, um verdadeiro espiritualista, a fez renascer e perceber a felicidade que ainda lhe restava na vida. Por várias vezes, conversando com ele, lembrou-se das agradáveis conversas que havia tido no convento com madre Catarina e padre Amaro. Sentia muita saudade deles, mas o ambiente do convento e tudo o que se passou por lá não a encorajava a visitá-los.
Numa tarde de outono, Berta estava no imenso e verde jardim brincando com as crianças quando Caius ficou estranho de repente, parado e olhando fixamente para um ponto definido. Preocupada, Berta indagou:
— O que está acontecendo, meu querido?
Caius continuou calado e seu rosto cobriu-se de palidez.
— Diga o que está acontecendo, Caius! Conte para a titia — insistiu Berta, nervosa.
Caius, finalmente, balbuciou:
— Papai!
— Papai? O que tem o papai?
— Papai está ali — apontou Caius para um grande banco de ferro postado em um dos lados do jardim.
Berta sabia que tanto Caius quanto Nicole haviam sido adoptados por Lívia. Arrepiou-se ao pensar que a criança pudesse estar vendo um espírito que dizia ser seu pai. Disse:
— Vamos sair daqui, rápido.
Ela pegou no braço do menino, enquanto segurava Nicole no colo, mas ele não saía do lugar e continuou falando:
— Papai Carlos está aqui e diz que nunca vai deixar mamãe.
Foi o suficiente para Berta ter a certeza de que o menino via o espírito do pai. Deixou as crianças no jardim e correu para o interior da casa gritando por Lívia e pelo marido.
Quando eles apareceram, Berta, nervosa, disse:
— O Caius está vendo uma alma do outro mundo.
Socorram-no, ele está no jardim.
Lívia e Fabrício correram, mas, ao chegarem lá, encontraram as crianças brincando tranquilamente. Lívia indagou:
— O que houve aqui mesmo? Caius está tão tranquilo!
Berta torceu as mãos em nervosismo.
— Caius estava brincando comigo quando, de repente, parou e fixou o olhar naquele banco. Seus olhos estavam parados e ele afirmou que estava vendo o pai, que dizia que nunca deixaria sua mãe.
Lívia sentiu-se gelar. Será que o filho tinha a capacidade de ver os espíritos? Fabrício foi até a criança, pegou-a no colo e perguntou:
— Caius, você pode contar ao titio o que viu naquele banco?
A criança, com muita naturalidade, respondeu:
— Eu vi o meu pai.
— Mas o barão já morreu. Como você pôde tê-lo visto?
— Não era o barão, titio, era o meu pai — afirmou Caius convicto.
— Seu pai?
— Sim, papai Carlos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 8:54 pm

Lívia quase desmaiou ao ouvir aquilo. Tentou se recompor, mas Berta percebeu seu constrangimento.
— O que está sentindo, Lívia? Por acaso conheceu alguém com o nome Carlos?
— Não... É que meu filho deve ter o dom de ver as almas dos mortos, e eu não quero isso para ele.
Berta sentiu que era mentira e que havia algo envolvendo alguém com o nome Carlos, que ela iria descobrir.
Fingiu acreditar:
— Eu não acredito nisso. Criança tem muita imaginação.
Fabrício discordou:
— Não é imaginação, sei que existem pessoas com a capacidade de ver os espíritos. Muitas crianças possuem essa faculdade. Caius pode ter visto seu pai, que certamente já está morto. — Virando-se para Lívia, perguntou:
— Você conheceu o pai dessa criança?
Ela fez um esforço grande para mentir:
— Não, não sei quem é. Caius foi adoptado, assim como Nicole, não sabemos quem foram seus pais. No convento, os rejeitados são deixados na roda dos expostos. Raramente uma mãe ou pai leva directamente seus filhos para lá. Caius e Nicole foram deixados na roda, ninguém viu quem os colocou.
— De qualquer forma, ele pode estar vendo o pai.
Vamos entrar com ele e, lá dentro, faremos uma oração.
Antes de entrarem, Berta falou:
— E por que será que esse espírito disse que não a deixaria, Lívia? Não acha isso estranho?
Lívia empalideceu mais uma vez, mas Fabrício respondeu:
— Pode ser que o espírito do pai de Caius esteja grato a Lívia por tê-lo adoptado, e por essa razão pretende ficar por aqui. Há espíritos que são apegados à vida que deixaram na Terra e não aceitam partir. Se ele rejeitou o filho, provavelmente agora está arrependido e acha que se ficar por perto poderá ajudá-lo.
Eles entraram na casa e Fabrício pediu que todos dessem as mãos. Ele fez sentida prece e luzes circularam toda a casa, atingindo o espírito de Carlos, que chorava emocionado.
Era a primeira vez que havia ido visitar Lívia e os filhos desde que fora levado por Flávia para viver numa colónia espiritual. Pensava estar preparado, mas ao ver Lívia e, em seguida, os filhos, sentiu imensa vontade de estar ali, usufruindo daquela felicidade. Não sabia como, mas Caius acabara por vê-lo no jardim e ele não conseguiu conter-se, falando ao menino que ficaria para sempre ao lado da mãe. Flávia chegou ao seu lado dizendo com carinho:
— Não se desespere, você não foi o culpado. Caius tem sensibilidade e pode ver o que está na outra dimensão.
O que precisamos fazer agora é aproveitar essa prece que nos fortaleceu e voltar à nossa colónia. Retornaremos em outra oportunidade.
Depois da prece, Caius sentiu-se sonolento e adormeceu.
Lívia, visivelmente preocupada com o que havia acontecido, resolveu não jantar e recolheu-se cedo, aos seus aposentos, com os filhos.
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro - Página 3 Empty Re: Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 8:56 pm

BERTA PLANEIA
Enquanto isso, no amplo quarto onde dormiam, Berta e Fabrício conversavam:
— Esse menino tem um potencial incrível. Você sabe como sempre gostei desses assuntos sobrenaturais. Agora poderei estudá-los melhor.
— Eu achei estranho — respondeu Berta, com voz suave.
— Mas nada disso é estranho. Acontece com muitas pessoas.
— Não me refiro a esse dom do menino. Refiro-me ao homem que ele viu e que afirmou que não deixaria Lívia.
— Já lhe expliquei o que pode ser. Esse Carlos, pai de Caius, pode estar sentindo-se grato por Lívia estar criando seu filho. É natural.
Berta, com ar venenoso disse:
— Você não acha que há possibilidade de essa criança ser filha de Lívia de verdade?
Fabrício assustou-se:
— Você está ficando louca? Todos nós sabíamos que o barão não podia ter filhos.
— Ele não, mas ela sim...
— Está querendo insinuar que minha irmã traía o marido?
— Não estou insinuando, estou praticamente afirmando.
Fabrício levantou-se da cama num salto.
— Não admito que pense isso da minha irmã. Ela é uma mulher digna e jamais faria isso com Rodolfo.
— Você não está querendo enxergar a verdade. Essas duas crianças tem a cara da mãe. Isso eu observei desde que as vi pela primeira vez. Os mesmos traços no rosto, as mãos, os cabelos, os olhos. Não tenho dúvida alguma de que Lívia é a mãe verdadeira de Nicole e Caius.
Por alguns momentos, Fabrício pensou que aquela hipótese poderia ser verdadeira. Mas não se deu por vencido:
— Você está confusa, vendo coisas onde não existem...
— Você não é bobo, ao contrário, é um homem muito inteligente. Observe os meninos e veja como se parecem com sua irmã.
— Mas, ainda que ela tenha traído o marido e que eles sejam filhos de outros homens, o que nos cabe isso agora?
O barão já morreu e Lívia está livre para criá-los como bem entender.
Berta fixou-o com raiva:
— Não consigo entendê-lo, às vezes. Nunca pensou em mudar de vida e ter mais do que possui? Por que se conforma em viver à custa de sua irmã quando poderia ser dono de tudo o que é dela?
Fabrício assustou-se:
— É você mesma que está falando semelhante coisa?
É minha Berta ou outra criatura que vejo diante de meus olhos?
— Sou eu mesma, querido, e o que penso é o melhor para nós dois e para nossos futuros filhos. Já que o barão deixou tudo em suas mãos, por que não aproveitar essa chance para ficarmos com tudo?
A cada palavra da esposa, Fabrício ia ficando mais pálido. Nunca percebera que a mulher com quem havia se casado dois anos atrás era tão ambiciosa a ponto de pensar numa maldade daquelas!
— Pois eu jamais faria isso. Meu senso de justiça é grande e nunca roubaria nada de ninguém, muito menos de minha irmã, que amo e que na pior hora de nossa vida se sacrificou por nós. Ela é uma mulher muito digna e merece todo o nosso respeito.
— Pois eu não diria que ela é tão digna assim! Se fosse, não teria se entregado aos prazeres com outros homens.
E você? Até onde vai seu comodismo? Antes vivia para administrar os bens do seu pai, agora viverá para administrar a fortuna da sua irmã. Nunca pensa em nós?
Nunca pensa que teremos filhos e poderemos lhes dar uma vida digna sem depender dos outros?
A voz de Berta estava coberta de ódio e indignação.
Contudo, Fabrício continuou paciente:
— Viver para administrar os bens de minha irmã é uma honra para mim. É um trabalho digno, ao qual me dedicarei com toda alma.
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro - Página 3 Empty Re: Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2022 8:58 pm

Lívia é boa e generosa. Esse palacete é imenso e aqui poderemos morar com quantos filhos tivermos e ela nunca vai cobrar nada de nós, muito menos alegar que estamos aqui de favor. — Fez pequena pausa e, olhando a mulher com profundidade, continuou:
— Não sabia que você era desse jeito. Hoje parece que a vi pela primeira vez.
Berta percebeu que havia se excedido e tentou contemporizar:
— Desculpe-me, querido. Mas às vezes penso que poderíamos ter uma vida melhor. Há algum mal nisso?
— Querer ter uma vida melhor não é um mal, mas a forma que procuramos de realizar isso pode ser, sim, um mal. Você insinuou que nos aproveitássemos da situação para usurpar tudo o que é de minha irmã; isso é crime grave.
Berta fingiu arrependimento:
— Desculpe, meu amor. Prometo que não tocarei mais no assunto.
— Acho bom. Até mesmo pelo bem de nosso casamento.
O horror tomou conta de Berta. Era bem capaz de Fabrício deixá-la, e ela teria de voltar para o albergue onde vivia com a família. A esse pensamento, sentiu o pavor aumentar. Deitou-se ao lado do marido e fez o maior esforço para dominar os pensamentos contraditórios. Mas de uma coisa ela tinha certeza: jamais deixaria tudo aquilo para Lívia e seus filhos bastardos. Haveria de encontrar uma maneira de destruí-los sem que o marido desconfiasse de sua participação. Ao seu lado, o espírito de irmã Lúcia se regozijava de prazer.
Nos dias que se seguiram, Berta procurou não tocar mais no assunto com o marido e continuou tratando as crianças bem, levando-as para passear. Também dedicava algumas horas conversando com Lívia, na tentativa de conquistar definitivamente sua amizade.
Numa manhã ensolarada, as duas estavam no imenso terraço observando as crianças brincarem quando Berta, fingindo inocência, comentou:
— Essas crianças são realmente lindas. Você sabe que as acho muito parecidas com você?
Lívia sentiu-se inquieta com a observação aparentemente pueril, mas logo se refez e comentou:
— Há muitas crianças no orfanato do convento, mas me afeiçoei logo a essas duas. Confesso que também vejo nelas alguns traços de nossa família. Felizmente, essa coincidência aconteceu.
— Mas os traços são muitos. Olhe para Caius, além de ter seus olhos e boca, a forma de se expressar, de gesticular quando fala, lembra muito o meu marido Fabrício.
Apesar do tom displicente e até brincalhão que Berta usou para dizer aquelas palavras, Lívia sentiu-se muito incomodada. Então disse:
— Vamos chamá-las para entrar, o sol já está muito quente.
Lívia ia se levantando, quando Berta, carinhosamente, pôs a mão em seu braço fazendo com que se sentasse novamente. Com rosto angelical, como se quisesse ser compreensiva e amiga, Berta disse:
— Lívia, há muito percebi algo e gostaria de dividir com você. Talvez eu não seja digna de sua confiança, mas mesmo assim direi. Antes, quero deixar claro que não a julgo por nada. Você é uma mulher forte e corajosa, que muito admiro, mas tenho quase certeza de que Caius e Nicole são seus filhos verdadeiros.
O rubor no rosto de Lívia fez com que Berta não tivesse mais nenhuma dúvida sobre o que acabara de dizer.
Berta continuou, afagando seus cabelos:
— Sei que o barão era impossibilitado de ter filhos e se, de facto, as crianças forem suas, acredito que elas são fruto de um grande amor. Uma mulher como você jamais seria leviana a ponto de trair o marido por uma aventura qualquer. Se quiser me contar a verdade, saiba que aqui está uma grande amiga. Sinto-a triste e distante, muitas vezes, e sei que não é somente pela morte do barão. Não estará com saudade de um grande amor?
Ouvindo aquelas palavras ditas de maneira tão doce pela cunhada, Lívia não aguentou e prorrompeu em prantos. Berta deu-lhe um lenço e, quando a outra se acalmou, disse:
— Não precisa me dizer nada, sei que é verdade.
— É verdade sim, Berta. Eles são meus verdadeiros filhos com um homem que muito amei. Mas peço-lhe, por tudo neste mundo, que não conte nada a Fabrício. Temo que, se souber a verdade, ele, como meu tutor perene, possa vir a prejudicá-los.
— Parece que você não conhece seu irmão. Mesmo que ele saiba, jamais faria algo contra as crianças.
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro - Página 3 Empty Re: Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 17, 2022 10:53 am

— Mas Fabrício é muito moralista. Não sei como reagiria se soubesse que fui leviana e adúltera.
— Realmente, nem sempre os homens sabem entender o que vai no fundo do nosso coração. Mas fique tranquila, ele não saberá de nada.
Lívia, por se sentir sozinha e sem ninguém para desabafar suas dores morais, viu em Berta a figura de uma amiga confiável, que queria seu bem. Assim como ela, muitos são aqueles que, imprevidentes, depositam confiança cega em pessoas altamente perigosas, capazes de usar informações feitas em momentos de angústia e fragilidade para fazer o mal em seguida. Isso ocorre porque não usam a intuição, que é a verdade mais profunda e nunca erra. Se Lívia estivesse mais equilibrada e ligada com a própria alma, com certeza sentiria as energias falsas e de maldade vindas de Berta e se recusaria a fazer-lhe confidências.
As duas continuaram conversando e Lívia abriu toda a sua vida. Contou que se apaixonou por Carlos, que mantinham relações sempre que o barão viajava e também sobre os retiros espirituais que fizera na intenção de ter seus filhos. A confiança em Berta estava tão cega que Lívia foi mais fundo e lhe revelou também suas relações com Lucas. Ao término, a cunhada sabia praticamente tudo de sua vida.
Quando foram chamadas para o almoço, Lívia sentia-se muito bem por ter desabafado e encontrado uma amiga, e Berta muito feliz por saber seus segredos íntimos, que, de alguma forma, poderiam lhe servir no intento de tomar-lhe os bens.
Do outro lado da vida, Carlos e Flávia observavam tudo. Ele disse:
— Se eu não tivesse tido o conhecimento do passado e entendido a origem de nossa vida presente, estaria revoltado, achando a vida injusta. Mas vejo que Berta chegou para cobrar o que lhe fizemos no passado. Será que não poderá perdoar?
— Berta deixou-se levar pelo sentimento de vingança, mesmo inconscientemente. É um espírito ainda muito primitivo e voltado para o mal. Talvez não se arrependa e o resgate pela dor venha a acontecer.
Havia lágrimas nos olhos de Carlos, quando disse:
— Não queria que o fato se repetisse...
— Infelizmente, querido, não estamos no comando do livre-arbítrio das pessoas. Você sabe que nada está errado perante as leis cósmicas. Se Berta conseguir o que quer, é porque Lívia, apesar de tudo, ainda não se livrou de suas culpas.
— Mas e meus filhos? Eles ainda são crianças...
— Mas são almas antigas envolvidas também no processo de reajuste. Você sabe disso, teve acesso às lembranças da última encarnação de vocês no reino da Boémia, séculos atrás. Esqueceu que Nicole e Caius renasceram também envolvidos pelo sentimento de culpa, achando-se devedores pelo mal que causaram?
Carlos compreendeu o que Flávia lhe disse e falou:
— Vamos continuar orando por todos eles. Ainda bem que o barão me perdoou e está connosco na ajuda à Lívia.
— É verdade. Rodolfo é uma boa alma; reencarnou apenas com o intuito de ajudá-los. Ele não o perdoou porque, para ele, não houve ofensa. Entendeu que tudo aconteceu da melhor maneira possível dentro do nível evolutivo de cada um. Para que haja perdão é necessário que haja ódio, sentimento de ofensa.
— É por esse motivo que você diz que Deus não perdoa ninguém?
— Exactamente. Deus não perdoa porque Deus não se ofende. Ele sabe das limitações de seus filhos, do esforço que fazem para evoluir. Deus está acima de todas as coisas.
Mesmo aqueles que erram muito e até O ofendem, Ele não dá importância, pois sabe que um dia todos voltarão ao seu aprisco. Lembremo-nos da frase de Jesus: "Nenhuma ovelha se perderá do meu rebanho". É assim que será.
Compreendendo o que Flávia, com sua grande sabedoria, havia dito, Carlos a abraçou e, em seguida, ambos sumiram dali.
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro - Página 3 Empty Re: Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 17, 2022 10:56 am

A TERRÍVEL VINGANÇA DE BERTA
A amizade entre Lívia e Berta tornava-se cada dia mais forte. Uma noite, Berta entrou no grande quarto da amiga levando chá e pães para um lanche.
— Não gosto de vê-la melancólica — disse com fingida doçura. — Preparei esse lanche para nós. Enquanto isso, conversamos.
As crianças ainda brincavam na cama e também tomaram o chá e comeram pequenos pedaços de pães.
A conversa entre as duas não durou muito tempo, pois logo Lívia e as crianças caíram em sono profundo.
Berta sorriu maldosamente. Seu plano começara a dar certo. Fez o chá de propósito e misturou a ele uma erva sonífera, tomando cuidado para separar seu copo na bandeja para não ingeri-lo também. Precisava colocar a outra parte do plano em acção. Fabrício havia viajado para resolver problemas do condado, e não poderia haver oportunidade melhor. Tudo o que Berta sabia era que jamais ficaria vivendo às expensas de Lívia. Para herdar tudo, teria de matá-la e aos filhos.
Ela não percebia, mas estava totalmente influenciada pelo espírito vingativo de irmã Lúcia, que ria muito de prazer.
Berta esperou a madrugada chegar, foi até uma grande despensa, pegou um garrafão de azeite, entrou no quarto onde os três dormiam e despejou todo o conteúdo pelos móveis, cama, roupas e, finalmente, sobre eles.
Sua mente doentia nem imaginava que poderia ser facilmente descoberta pelo marido, assim que ele regressasse.
Totalmente alucinada pelos desejos de posse, pegou uma das velas acesas no imenso oratório e jogou-a no chão. Logo as labaredas se fizeram ver e, em pouco tempo, tudo estava sendo devorado pelo fogo.
Berta demorou um pouco em seu quarto, fingindo dormir, quando ouviu os gritos dos servos chamando-a:
— Dona Berta, uma desgraça aconteceu!
— O que houve? Que fumaça é essa? — Berta fingiu surpresa.
— O quarto da baronesa pegou fogo e ninguém conseguiu abrir a porta, que está trancada por dentro.
Esperamos ordem da senhora para mandar os homens arrombarem-na. Temos de salvá-los — disse Luzia em prantos e desesperada.
— E vocês ainda esperam ordens minhas? Arrombem logo! Meu Deus! Que desgraça! — Berta começou a chorar com fingimento e de maneira descontrolada.
Quando os homens arrombaram a pesada porta, não havia mais como entrar no quarto. Todo o fogo o havia consumido e ia se espalhando por toda aquela ala do palácio. Assustada com a dimensão do que tinha feito, Berta ordenou que contivessem as chamas a todo custo.
Foi apenas quando o dia amanheceu que o fogo finalmente foi apagado. O clima de tragédia tomou conta do condado, pois os corpos de Lívia, Caius e Nicole foram encontrados queimados em meio aos destroços.
Luzia e Berta choravam sem parar. Logo um mensageiro foi enviado para comunicar a Fabrício o que havia acontecido.
Quando o irmão chegou, ainda estava em choque.
Parecia que vivia um pesadelo. Perguntou à mulher:
— Como isso aconteceu?
— Não sei, meu querido. Conversei com Lívia ontem, tomamos chá e nada parecia anormal, a não ser a quantidade excessiva de velas que havia no oratório. Lívia revelou-me estar se sentindo muito depressiva e pedia ajuda aos santos. Você sabe o quão religiosa ela era. A única explicação que encontro para isso é que uma das velas do oratório tenha começado essa tragédia.
Fabrício chorava desolado. Em seguida, a família foi comunicada e o sepultamento aconteceu em meio a muita tristeza. Todos se questionavam por que Deus havia permitido que Lívia, uma pessoa tão bondosa e temente a Ele, morresse daquela maneira. Quando se falava em Caius e Nicole, o sofrimento ainda era mais intenso.
Os pais de Lívia ainda ficaram duas semanas no castelo.
Um dia antes de retornarem, Fabrício reuniu-os na biblioteca para uma conversa particular:
— Foi hediondo o que aconteceu, mas precisamos continuar a viver. Pelo documento que assinei com o barão, a fortuna de Lívia, caso ela viesse a falecer, passaria a ser dos seus filhos. Como eles também morreram e o barão pôde prever isso, os bens passariam para o tutor, ou seja, eu. Confesso que essa situação me angustia muito.
Não quero ficar com nada que não seja meu, muito menos numa circunstância como esta. Acho que ficarei com o pequeno palacete onde morava antes e o resto doarei ao Convento Santa Maria de Jesus, onde Lívia fez muitos amigos e é o lugar para onde, tenho certeza, ela desejaria que seus bens fossem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 17, 2022 10:57 am

Berta soltou um grito histérico:
— Não! Jamais! Você enlouqueceu de vez?
Todos se surpreenderam com a reacção intempestiva de Berta.
— Acalme-se, meu amor — pediu Fabrício ponderado.
Eu estava aqui justamente para gerenciar a fortuna de minha irmã. Nada disso nos pertence, embora os documentos atestem que sou o herdeiro. Jamais ficaria bem usufruindo de um património tão grande que não é meu. Ela continuou colérica:
— E do que pensa que vamos viver? Quer que cheguemos à miséria?
O pai de Lívia se manifestou:
— Sua mulher tem razão, Fabrício. Nós também vivemos do dinheiro de sua irmã. Quer que seus pais morram de fome?
Lilian, a mãe, tornou com mais raiva ainda:
— Se isso acontecer, nunca mais olhe para mim ou me chame de mãe.
Fabrício ainda tentou:
— Eu tenho minhas terras, que são produtivas, e já vivia antes com o que vinha delas. Nunca passei fome, Berta muito menos. Posso voltar a viver na quinta sem nenhum problema.
Lilian protestou:
— Mas nós somos velhos e não podemos tocar para a frente as terras em que vivemos. Aline casou e não está mais connosco. — Fez pequena pausa e arrematou: — Volto a dizer, se doar esses bens à Igreja, além de você ver seus pais morrer idosos e na miséria, nunca mais nos verá, pois proibirei que entre em minha casa.
Vencido, Fabrício concordou:
— Se é para o bem da família, eu me sacrifico. Não se preocupem, podem voltar em paz para casa.
Dizendo isso, saiu da biblioteca sem olhar para ninguém, batendo a porta com força.
Berta, com alegria exagerada, aproximou-se dos sogros beijando-os.
— Ainda bem que os senhores estavam aqui. Não sei se eu sozinha conseguiria ter feito Fabrício mudar de ideia. Ele é muito teimoso.
— Mas nós o fizemos ver o quanto sua teimosia iria nos infelicitar — falou Lilian com afectação.
A conversa foi encerrada e no dia seguinte eles partiram. Ao ver a carruagem virar a curva da estrada, Berta olhou os limites daquelas terras, e sabendo que tudo aquilo, a partir daquele momento era seu, suspirou de felicidade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 17, 2022 11:00 am

O PASSADO EXPLICA O PRESENTE, MAS NÃO O JUSTIFICA
Assim que Lívia, Caius e Nicole adormeceram, o espírito deles foi retirado do corpo físico pelas mãos amorosas de Flávia e sua equipe. Assim que tiveram o corpo queimado e o cordão de prata se rompeu, eles foram levados para uma colónia de paz, onde tiveram todo o atendimento necessário.
Era com ansiedade que Carlos e o barão esperavam que eles acordassem. Estavam conversando em um belíssimo jardim à beira de um lago quando Flávia os chamou:
— Venham. Lívia e seus filhos acordaram.
A emoção foi grande para ambos. Entraram na singela casa onde eles estavam e se dirigiram ao quarto.
Lívia deu um grito aos vê-los:
— Carlos? Rodolfo? Como podem estar vivos e juntos?
Foi Carlos quem primeiro a abraçou, beijando-a com ardor, enquanto ouvia uma voz doce chamá-lo de "papai".
Era Caius que o reconhecia.
Lívia ainda estava sob o natural estado de perturbação que se segue após a morte, por essa razão não entendia com clareza o que estava acontecendo. Perguntou:
— Mas o que há aqui? Onde estou? Por que estou abraçando Carlos e vendo Rodolfo?
Flávia, com bondade, disse:
— Calma, Lívia, as respostas todas virão com o tempo.
— Devo estar sonhando!
— Não, você agora está mais acordada do que quando vivia na Terra.
— Terra?
— Exactamente. Você e seus dois filhos se libertaram e encontram-se no mundo dos espíritos.
Lívia, mais desperta e menos perturbada, começou a entender:
— Quer dizer que morremos?
— Morrer não é a palavra apropriada, porque não existe morte em lugar algum do universo, apenas transformação.
— Mas como isso foi acontecer tão de repente? — ela assustou-se. — E por que meus filhos morreram comigo?
Não consigo me lembrar de nada.
O barão, carinhoso, aproximou-se e disse:
— Berta armou tudo para que vocês morressem em um incêndio.
— Berta? — Lívia não conseguia crer.
— Ela mesma.
— Mas Berta era minha amiga, éramos confidentes.
Você está enganado, Rodolfo.
— Berta não é amiga de ninguém, nem de si mesma.
Só tem amor aos bens materiais, vive distante dos verdadeiros valores da alma. Por tudo isso, cometeu esse crime.
Lívia começou a chorar e foi consolada por Carlos e pelo ex-marido.
— Foi o preço pelas minhas traições... — disse chorosa.
— Você ainda está apegada à culpa. Foi por esse motivo que Berta conseguiu matá-la. Nicole e Caius também renasceram sem conseguir desenvencilhar-se dos fantasmas do inconsciente. Mas ninguém foi vítima, vocês atraíram o que vibraram.
Lívia enxugou os olhos, entendeu o que Flávia disse, mas olhou curiosa para o barão e perguntou:
— Mesmo aqui deste lado você ainda continua ao meu lado?
— Minha querida, como lhe disse ainda na Terra e volto a dizer agora, não guardo nenhuma mágoa de você e de Carlos. Amo-a como uma filha e nossos laços são muito antigos.
— Obrigado. Sinto muito não ter sido o que era para ser.
— Você foi você mesma. Esqueça o passado, se quiser encontrar a felicidade ao lado de quem sempre a amou por muitas e muitas encarnações.
Ela se emocionou:
— Eu sabia que o que sentia por Carlos não era uma aventura. Eu o amava mais que tudo.
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro - Página 3 Empty Re: Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 17, 2022 11:02 am

Rodolfo tornou:
— Exactamente. Você o amou porque já vinha o amando havia séculos. Mas nesta vida não puderam viver juntos por causa de compromissos adquiridos na última encarnação.
— Então existe mesmo a reencarnação?
— Sim. Sem ela não há como explicar a justiça divina.
— Quero saber o que fiz para merecer a vida que tive e morrer desse jeito.
Flávia, percebendo que Lívia estava preparada para saber, começou a narrar:
— No início do século XV, na região da Boémia, havia um pequeno vilarejo com paróquia própria, onde as pessoas eram muito religiosas. Naquela época, a Europa vivia sob os horrores da Inquisição e tudo o que era tido como suspeito acabava por ser denunciado às autoridades eclesiásticas, e os envolvidos tinham seus bens confiscados, além de serem julgados e mortos.
"Naquele vilarejo, morava uma família diferente, composta de três pessoas: a mãe Berta, o pai Fabrício e a única filha Lúcia. Eles eram também ligados à Igreja com muita devoção. A jovem Lúcia estava decidida a entrar para a ordem das Carmelitas, pois admirava a vida contemplativa e pretendia entregar-se a Jesus. Berta e Fabrício, seus pais, viam isso com muita alegria. Contudo, um imprevisto veio tirar de Lúcia esse sonho: ela passou a ter visões e a ouvir vozes de pessoas que afirmavam já ter morrido. Enquanto algumas vozes eram boas, outras eram assustadoras e a fazia ter ataques de pânico em qualquer lugar em que estivesse.
"A família, com medo da Inquisição tomá-la como bruxa, passou a não mais sair de casa. Mas, mesmo vivendo reclusos, o problema continuou. Era comum os vizinhos passarem a noite acordados ouvindo os gritos da jovem, que corria desesperada pela casa dizendo ser perseguida pelo espírito do demónio.
"O facto não havia chegado ao conhecimento do padre Maurício porque as pessoas da região gostavam muito de Berta e Fabrício e ocultavam os fenómenos, porquanto, se o padre soubesse, a família seria entregue ao Tribunal do Santo Ofício.
"Mas nem todas as famílias do vilarejo eram condescendentes com aquilo. Próximo da casa de Lúcia vivia o senhor Rodolfo, sua esposa Lívia e seus dois filhos, Nicole e Caius. Lívia era uma mulher ambiciosa, havia deixado o grande amor de sua vida, o mercador Carlos, para casar-se com Rodolfo, um viúvo vinte anos mais velho que ela, que possuía grande riqueza, vivia numa bela propriedade e poderia lhe dar o luxo com que ela sempre sonhara.
"Lívia e os filhos nada tinham a ver com Rodolfo, que era um homem honesto, bondoso e sincero em seus propósitos. Casara-se com Lívia porque não aguentava a solidão em que sua mulher o havia deixado após a morte e queria ter filhos, o que não conseguira no primeiro casamento.
"Caius e Nicole eram igualmente ambiciosos como a mãe. Ele queria possuir mais bens, ampliar tudo o que o pai tinha; ela era apaixonada por Fabrício, mas, como ele era casado e havia recusado suas propostas, nutria-lhe um grande ódio. Foi quando viram a chance da vingança.
"Em uma tarde, procuraram a mãe, pois sabiam que ela era amiga do padre Maurício, e lhe disseram que iam entregar a família de Lúcia à Inquisição com a condição de que Caius ficasse com as terras e Nicole se casasse com Fabrício. Lívia, que amava os filhos com desvelo, concordou.
"Na manhã seguinte, procurou Maurício e fez a proposta, ao que ele respondeu:
"— Não sei se poderemos deixar as terras para o seu filho. O inquisidor virá de Praga, e é lá que eles serão julgados.
"— Mas sei que o senhor pode dar um jeito nisso... — disse Lívia com ar sedutor.
"O padre, percebendo que ela se entregaria a ele em troca daquele favor, prometeu ajudá-la. E assim aconteceu. A família de Lúcia foi condenada à fogueira como herege, mas Fabrício foi poupado a pedido de Maurício, que, a muito custo e valendo-se de chantagem, conseguiu que ele ficasse livre.
"Lúcia e Berta foram queimadas na fogueira no centro de Praga, e o espírito raivoso delas jamais perdoou o mal que Lívia e os filhos lhes haviam feito. Ninguém no vilarejo soube quem fizera a denúncia. O viúvo Fabrício, solitário e angustiado, acabou por ceder aos encantos da bela Nicole e tornou-se seu marido. Caius ganhou as terras onde construiu bela residência, casando-se. Lívia, mesmo casada com Rodolfo, tornou-se amante de Maurício pelo resto de seus dias. Morreu amargurada, porque, apesar de tudo, nunca tinha sido feliz, porquanto deixara para trás o homem que sempre amara em nome da ambição.
Ave sem Ninho
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro - Página 3 Empty Re: Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

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