LUZ ESPÍRITA
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro - Página 5 Empty Re: Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 18, 2022 7:24 pm

LUCÉLIA DESCOBRE A PAIXÃO ENTRE PIERRE E NICOLE
Duas semanas se passaram rapidamente. Tanto Virgínia quanto os sobrinhos continuavam achando estranho a súbita mudança no comportamento de Lucélia. Ela não mais tocara no assunto de levá-los para Paris, vivia bem-humorada, indo a festas, teatros, recepções na casa de amigos da alta sociedade carioca, sempre na companhia de Pierre.
Germano também continuava despreocupado. Lucélia agora já não ia mais à empresa e, como ele deixara temporariamente de desviar dinheiro, fez um falso relatório de vendas, expondo lucros maiores, explicando que a situação estava voltando ao normal.
Pierre tentou, outras vezes, aproximar-se de Nicole, mas ela o cortou de vez, embora não parasse de pensar em seu rosto, em sua figura bonita e em seus gestos másculos.
Nicole tinha certeza de que estava gostando do namorado da mãe, mas lutava com todas as forças que possuía para não se envolver com ele.
O tempo foi passando e, numa manhã de segunda-feira, Lucélia estacionou sua limusine em frente à casa de Marília. O motorista foi até a porta, conversou com a criada e, em seguida, voltou para o carro dizendo:
— Dona Marília mandou dizer que já está vindo.
— Muito bem, vamos esperar.
Depois de cinco minutos, Marília saiu de casa excessivamente arrumada, cheia de jóias e óculos escuros
no rosto. Lucélia achou um exagero, mas não disse nada. Assim que se acomodou, disse:
— Você tem certeza mesmo de que quer ir lá?
— E você acha que já fiz algo em minha vida sem ter certeza do que estava fazendo? Se pedi a você para me levar, é porque preciso saber como agir — Lucélia falou com certo nervosismo.
— É que ir até a casa de um pai de santo não é uma coisa muito comum para você, que não acredita nessas coisas.
— Olhe, querida, na situação em que me encontro, eu acredito até em Papai Noel — zombou Lucélia. — Não
sei se esse tal pai Serapião vai me ajudar, mas se ele for realmente o que você diz, tenho certeza de que sairei de lá com todas as informações de que preciso.
O carro foi se afastando do centro, e Marília pediu ao motorista que parasse na entrada da favela da Rocinha.
— É aqui! Está vendo aquele sobrado? É lá que pai Serapião atende. Nos fundos há um terreiro onde ele faz os despachos.
— Poupe-me desses detalhes. Vamos lá.
Elas desceram e seguiram pela rua. À porta do sobrado, uma moça alta, morena, cabelos encaracolados, com vários papéis nas mãos sorriu ao ver Marília:
— A senhora demorou para vir desta vez. Pensei que tivesse se esquecido do pai Serapião.
— Não, querida, jamais esqueço o que ele faz por mim; mas desta vez a consulta não é para mim, mas para minha amiga — fez um gesto com as mãos apontando para Lucélia.
A moça sorriu simpática e estendeu-lhe a mão com um papel numerado:
— A senhora será atendida quando chamarem o número trinta e dois. Sente-se lá e fique à vontade. A secretária lhe dirá quanto precisa pagar e...
Lucélia a interrompeu bruscamente e com agressividade falou:
— Escute aqui, mocinha, você não sabe quem eu sou, naturalmente. Se soubesse, não estaria me dando essa fichinha. Sou Lucélia Cerqueira de Lopes, uma das mulheres mais ricas e importantes deste país. Você acha mesmo que vou me sujeitar a esperar mais de trinta pessoas serem atendidas? — dizendo isso, rasgou o papel em pedacinhos e jogou no rosto da moça. — Vou entrar lá e serei a primeira.
A moça, sentindo-se humilhada, abriu caminho para que ela passasse e em pensamento disse: "Ninguém me humilha dessa forma sem ter troco. Evocarei meu exu e farei um trabalho para que essa mulher chegue ao fundo do poço".
Naquele mesmo instante, por meio de sua mediunidade, ela ouviu:
— Não faça nada para ela, pois quem vai se dar mal é você. Essa mulher é um verdadeiro demónio, tem acompanhantes perigosos que podem nos reduzir a pó. Ninguém pode com ela. O melhor que tem a fazer é engolir a humilhação e esquecer.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 18, 2022 7:24 pm

Sentindo um profundo pavor com o que ouviu, Suellen desistiu da ideia e foi recepcionar outro cliente que acabava de chegar.
*
* *
Ao entrar na recepção, Lucélia dirigiu-se à secretária:
— Bom dia, como é o seu nome?
— Telma. A dona Marília já me conhece. Veio acompanhá-la?
— Não, vim me consultar. Obviamente que morando aqui neste fim de mundo e fazendo o que você faz não deve saber quem sou, pois então eu me apresento. Sou Lucélia Cerqueira de Lopes.
Lucélia falou tudo sobre sua brilhante carreira como empresária e concluiu:
— Você acha, mesmo, que uma mulher da minha classe vai se sentar com essas outras que estão aí para esperar? Eu exijo que me deixe ser a próxima.
Telma ficou sem graça, mas teve de dizer:
— Senhora, tem gente aí esperando desde as cinco da manhã. Se eu passá-la na frente, todos vão reclamar, e é capaz de irem embora.
Lucélia pensou um pouco e tornou:
— Quanto é mesmo a consulta com pai Serapião?
— Quinhentos reais.
Ela sorriu por dentro. Aquele dinheiro para ela era uma ninharia, não dava nem para comprar sua escova de dentes. Olhou para a moça, que tremia de medo, e propôs:
— Se você me deixar ser a próxima, pago quinhentos reais da consulta e dou-lhe quinhentos reais pelo favor. Telma sentiu-se tentada e cedeu:
— Tudo bem, darei um jeito. Assim que o cliente que está lá dentro sair, a senhora entra.
Lucélia sorriu. O que ela queria que não conseguia?
Marília a olhou admirada:
— Você não é fácil, hein?
— Ora, ora, parece que não me conhece — sorriu.
Assim que o cliente saiu, a secretária deixou que as duas entrassem na sala, mesmo debaixo de reclamações e gritos de protesto.
Pai Serapião era um senhor de setenta anos, moreno-claro, careca, magro e com os dentes amarelados pelo fumo. Olhou para as duas e sorriu, mostrando as falhas de dentes na boca.
— O que minhas filhas querem do pai Serapião? Pai Serapião tudo sabe, tudo vê, tudo resolve.
Marília se adiantou:
— Desta vez não é para mim, pai, é para minha melhor amiga. Ela está com muitos problemas.
— Não tem problema que pai Serapião não resolva — fixou os olhos metálicos em Lucélia, que o encarou sem receio, e disse: — Veio aqui porque quer acabar dois namoros, não é?
Lucélia surpreendeu-se. Será que ele tinha mesmo adivinhado ou Marília havia ido lá e contado seus problemas?
Antes que ela abrisse a boca, ele, parecendo ler seus pensamentos e já em transe, disse:
— Não foi sua amiga quem me contou nada, dona moça. Eu é que estou vendo.
— Então o senhor é dos bons, mesmo! — disse Lucélia, assumindo seu lado prático. — Quero acabar o namoro de minha filha e o caso de meu filho com outro homem. Pago o que quiser, não tenho problemas com dinheiro, desde que os dois terminem a relação o mais rápido possível.
— Deixe que o pai vai fazer uma "vista".
Pai Serapião acendeu sete velas pretas e sete velas vermelhas dispostas em dois castiçais, tocou uma sineta e ficou com os olhos fechados durante dez minutos. Em seguida, disse:
— Os meus guias estão dizendo para a senhora desistir de separar o seu filho do outro moço. Por mais que faça, não vai conseguir. Os dois estão ligados pelo destino e um gosta do outro de verdade, neste caso é impossível interferir.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 18, 2022 7:25 pm

Lucélia irritou-se:
— Que espécie de pai de santo é o senhor? Eles são homossexuais, praticam coisas abomináveis, estão com o diabo. Como o senhor não pode fazer nada?
— A senhora não acredita em nada do que está dizendo, só não quer seu filho com outro homem para não passar vergonha, mas este trabalho não posso fazer, pois gastaria muito material, seria caro e não daria resultados, já a sua filha...
O médium fez uma pausa proposital, a qual Lucélia cortou com impaciência:
— O que tem ela? O senhor pode separá-la daquele negro, não é?
— Eles já estão separados, minha filha. Também não é preciso fazer nada.
— Como separados? Ainda ontem saíram juntos, eu escutei quando marcaram o encontro.
— Eles estão namorando, mas ela não gosta mais dele e vai deixá-lo para ficar com o seu amante.
Lucélia gelou. Estaria ouvindo direito?
Como quem leu seus pensamentos, o pai de santo afirmou:
— Está ouvindo direitinho, seu ouvido é bom e o que a senhora mais tem é saúde, mas vou repetir: sua filha não gosta mais do namorado e vai trocá-lo pelo rapaz que lhe serve de amante. O seu amante está apaixonado por sua filha e é correspondido.
— O senhor só pode estar brincando.
— Brincando não, minha filha. Não sei como você, que é tão esperta, não percebeu. Não tem notado como ele está distante?
Naquele momento, tudo ficou muito claro na mente de Lucélia. Fora ali resolver seus problemas, mas iria sair com outros.
— Mas é claro que o senhor vai impedir isso. Fará um trabalho para separar Pierre de Nicole. Pago quanto quiser.
— Posso tentar, mas não garanto que vai dar certo.
Parece que os dois se amam muito e quando existe amor fica muito difícil mudar as coisas.
— Faça o que for necessário, vá ao inferno, se for preciso, mas afaste minha filha do homem que amo.
— Está mesmo apaixonada, não é? Olhe só a ironia do destino! A senhora, que sempre usou os homens para chegar ao poder e à riqueza, sem nenhum sentimento de dó pelo que eles sentiam, agora será passada para trás pelo único homem que conseguiu amar.
Pai Serapião fazia ar de riso, e Lucélia não aguentou:
— Quer saber de uma coisa? Já tenho as informações de que preciso. O senhor pode ficar aí sem fazer nada para mim. Eu mesma resolverei meus problemas. Passe bem.
Já ia abrindo a porta, quando a voz grave do pai de santo se fez ouvir ainda mais alta:
— Meus guias estão me dizendo que no fim do ano a senhora fará a maior viagem de sua vida. Irá para muito longe.
— O senhor deve estar brincando comigo — zombou Lucélia. — Já viajei praticamente o mundo inteiro, só se eu for agora para o Polo Norte.
Ele riu ao dizer:
— Se fosse para lá, seria muito bom, mas senhora vai para mais longe.
Puxando Marília pelo braço, Lucélia saiu dali sentindo dor de cabeça e o estômago enjoado. No trajecto de volta, mal conversou com a amiga. A ida àquele lugar não foi de todo perdida. Ela acabara por descobrir a paixão entre Pierre e Nicole. O que mais queria era chegar em casa, mergulhar na banheira e, imersa nos sais calmantes, começar a planear como destruir os próprios filhos.
Mostraria a pai Serapião quem era mais forte.
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ROMPIMENTOS E PRESSÕES
Nicole chegou em casa arrasada. Não fora fácil romper o namoro com Luciano, e ela sentiu que o magoou muito. Afinal, tantas declarações de amor, tantos planos feitos, um castelo de sonhos que desabou em segundos, tudo isso fez com que ele tomasse a atitude radical de não querer mais vê-la, nem mesmo como amiga.
Nicole não esperava aquela atitude, julgava que ele iria compreendê-la quando ela foi verdadeira e declarou estar apaixonada por outro. Mas Luciano, magoado, dissera-lhe coisas que ela jamais esperava ouvir.
Ia subindo para o quarto com o rosto inchado de tanto chorar, quando encontrou com Pierre, que descia as escadas. Vendo seu estado, ele segurou seu braço fazendo com que parasse:
— O que houve com você? Por que está assim?
— Deixe-me, Pierre. São problemas pessoais, não quero dividi-los com ninguém.
Ele insistiu, carinhoso:
— Foi seu namorado, ele a tratou mal, a traiu?
— Não foi nada disso, deixe-me subir.
— Não vou deixá-la assim. Quero que me conte o que aconteceu. Sabe o quanto a amo e o quanto me dói vê-la infeliz.
Nicole sentiu-se confortada com as palavras de Pierre, mas tinha de resistir, ele era namorado de sua mãe.
— Queria muito poder estar com você, contar meus problemas, mas há a mamãe e até mesmo, aqui na escada, se ela nos flagrar conversando, pode desconfiar de algo e eu não quero mais problemas com ela.
— Lucélia ficou horas na banheira, depois se vestiu e saiu sem dizer para onde ia. Sua tia foi levar Berta ao médico; Luzia está cuidando de seus afazeres. Estamos praticamente sozinhos. Venha, vou levá-la para seu quarto.
Nicole foi sendo conduzida e, uma vez lá dentro, ambos se sentaram na cama. Com carinho, Pierre pegou em suas mãos e as acariciou:
— E agora? Vai me contar ou não?
— Eu terminei meu namoro com Luciano — disse num rompante.
— Será que ouvi direito?
— Ouviu, sim. Não estava mais suportando ficar ao lado dele amando outro. Não é digno de mim agir assim.
Tomei coragem e rompi nossa relação.
Os olhos de Pierre brilharam de felicidade.
— Então você está livre? Está livre para mim?
— Livre estou, mas fui muito ofendida pelo Luciano, nunca imaginei ouvir o que ele me disse. E, quanto a você, não podemos ter nada. Esqueceu-se de minha mãe?
Pierre deixou as mãos de Nicole, ajoelhou-se, colocou a cabeça no seu colo e disse:
— Eu sei que você me ama, e eu a amo também. Não tenho dinheiro nem trabalho, mas faço qualquer coisa para estar ao seu lado. Se você disser que está disposta a enfrentar Lucélia, deixo-a hoje mesmo.
Nicole sentiu-se feliz. Perguntou:
— Será mesmo que você teria coragem de romper com mamãe e ficar sem dinheiro?
— O sentimento de amor modifica as pessoas. Também não tenho mais suportado a intimidade com Lucélia, está sendo difícil demais. Você não me sai do pensamento um segundo. Eu a amo.
Dizendo isso, tomou-lhe os lábios com ardor e ambos se entregaram a um beijo apaixonado. Quando Nicole percebeu que estavam indo longe demais, empurrou-o levemente e disse:
— Aqui não, Pierre, por favor.
— Por que não? Não há ninguém para nos impedir.
— Mesmo assim. Não estaríamos sendo honestos com minha mãe; afinal, você ainda está com ela.
— Deixe disso, Nicole. O que importa é o amor.
— Realmente, o amor é que importa, mas ele deve vir sempre acompanhado de respeito e honestidade. Não vou me sentir bem em fazer amor com você nem aqui, nem em lugar algum enquanto você estiver com ela. Se me ama mesmo, termine a relação. Eu enfrento minha mãe e ficaremos juntos.
Pierre percebeu que Nicole tinha valores nobres e que só fazendo o que ela dizia conseguiria conquistá-la.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 18, 2022 7:25 pm

Ele a amava, não tinha dúvida. Por essa razão, não importava que tivesse de trabalhar para se sustentar. O que ele queria mesmo era estar ao lado daquela que seu coração escolheu. Sabia que não seria fácil romper com Lucélia, mas ele o faria, custasse o que custasse. Ficaram mais um tempo conversando até que ele a deixou, indo também para seu quarto.
*
* *
Virgínia chegou em casa bastante triste. O resultado do exame de Berta havia saído, e foi confirmado que ela estava com hanseníase. Tentou ficar bem diante da filha, mas assim que entrou em casa e a deixou aos cuidados de Luzia, foi para o quarto, deitou e chorou muito, com pena da menina. Sabia que nada na vida estava errado e que, se Berta estava passando por aquele grave problema, era porque se fazia necessário. O exame constatou que a forma da hanseníase que a menina contraíra não era contagiosa, como se pensou a princípio, mas ainda assim ela deveria passar por um severo tratamento para ficar boa.
Ficou assim meditando até que dormiu e sonhou.
Viu-se num belo palacete conversando com uma mulher.
Aquela mulher era Berta, tinha certeza. As cenas foram se desenrolando e ela percebeu que Berta, naquele tempo, era sua cunhada. Viu mais algumas coisas até aparecer uma cena em que Berta ia até uma despensa, pegava um garrafão de azeite e derramava por todo o seu quarto, onde ela dormia com seus dois filhos pequenos: Caio e Nicole.
Logo as chamas subiram com intensidade e Virgínia sentiu-se sufocar. Acordou gritando e com bastante suor.
Quando conseguiu se acalmar, lembrou-se claramente de tudo o que sonhara. Pelas imagens e a intensidade das emoções que sentira, não tinha dúvida de que fora uma reminiscência de vidas passadas. Berta era sua cunhada e a matou queimada. Não apenas ela, mas também Caio e Nicole, que naquele tempo eram seus filhos.
Naquele momento, percebeu que a menina passava pelas consequências do mal que praticara no passado. Ela queimou corpos, agora era seu corpo que se deteriorava pela doença terrível, ainda chamada de lepra por muita gente. Ela se ajeitou nos travesseiros e chorou novamente, mas desta vez seu pranto era conformado. Restava-lhe pedir a Deus que amenizasse o sofrimento de sua menina.
Apesar do passado, ela não queria que Berta sofresse.
Amaro havia lhe explicado que os sofrimentos na infância são escolhas dos próprios espíritos, que não conseguiram se perdoar pelo que fizeram, ou desafios impostos pela vida para que pudessem se libertar do peso da culpa. Na infância, como o espírito ainda não está de posse do entendimento que faculta o livre-arbítrio, existe uma espécie de fatalidade nos acontecimentos. Então, restava a Virgínia somente orar para que Deus abrandasse seus sofrimentos e a curasse.
Naquele momento, Virgínia começou a pensar em sua vida como um todo. Nunca fora feliz. Desde cedo foi dominada pela irmã, que a obrigara a fazer coisas desagradáveis em nome do poder e da ambição. Reconhecia que havia sido fraca e cedera, porque tinha uma paixão secreta pelo cunhado. Hoje, analisando-se, percebera que nunca amou Rodolfo de verdade e, se fosse agora, diria não para a irmã.
Pensou em sua solidão. Estava com cinquenta anos e nunca conseguira ninguém para se relacionar. Por mais que tentasse, nunca havia dado certo, e chegou um momento em que desistiu de amar e ser amada. Criar os filhos da irmã a ajudou a preencher o vazio que era sua vida.
Mas ali, naquele instante, sentiu falta de um homem que ela amasse, com o qual pudesse conviver, dividir seus problemas.
Por que a vida a deixara na solidão afectiva? Viu que na outra vida ela era uma mulher distinta, tinha filhos, provavelmente não fora prostituta nem destruidora de lares para merecer o castigo de ficar sozinha. Então, por quê? A essa pergunta chorou um pouco mais, até que resolveu tomar um banho e relaxar.
O que Virgínia ignorava é que sua solidão vinha do compromisso firmado com Carlos na espiritualidade, quando ela se chamava Lívia. Programando a nova encarnação, eles pediram aos mentores que os deixassem sozinhos até se reencontrarem. Pelos muitos erros cometidos no passado, agora eles queriam provar a si mesmos que estavam mudados, e só um longo período de solidão os faria reflectir.
Carlos também estava encarnado, com cinquenta anos, e era um homem que nunca havia dado certo no amor, por mais que tivesse tentado. Era bonito, elegante, bem formado e, por tudo isso, não entendia por que as mulheres fugiam dele. Elas até iniciavam um namoro, mas em seguida sumiam sem explicação. Assim ele foi ficando sozinho e acostumara-se à vida amarga de solteirão.
O que ambos não sabiam é que havia chegado o momento do reencontro, em que iriam ser felizes, mas também teriam de se harmonizar com Lucas, que nunca deixara de odiá-los.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 18, 2022 7:26 pm

MAIS MALDADES DE LUCÉLIA
Depois do jantar, enquanto Virgínia ficou na sala com os sobrinhos e Berta, Lucélia e Pierre foram para o quarto.
Ela fingiu nada saber sobre sua paixão por Nicole e tratou-o como sempre. Fingiu, também, não perceber sua indiferença no momento de intimidade. Tinha de ser o mais fria possível, pois já havia traçado o plano para separar ou impedir que os dois ficassem juntos.
Quanto a Caio, tomaria as providências no dia seguinte, ajudada pela amiga Marília. Então, assim que terminou de tomar o café da manhã com a família no dia seguinte, exagerando no bom humor, seguiu em sua limusine para a casa de Marília.
Marília a atendeu com exagero de atenção, e ela foi logo dizendo:
— Preciso que você me ajude em duas coisas, uma é separar Caio desse outro que se relaciona com ele, e a outra é impedir que Nicole tenha alguma coisa com Pierre, se é que já não está tendo.
— É verdade. Pai Serapião não foi muito claro. Disse que os dois estão apaixonados, mas não afirmou se já estiveram ou estão juntos.
— Você não sabe o ódio que estou sentindo de minha própria filha. Como ela ousa querer um homem que pertence a mim?
— Mas o amor não se domina, Lucélia. Nicole sempre foi uma garota muito correta. Acredito que ela pode estar gostando de Pierre sim, mas não creio que ela está tendo alguma coisa com ele.
Lucélia irritou-se:
— Isso não é amor, é desejo, é atracção! Pierre é um jovem bonito, atraente, másculo, qualquer uma se apaixonaria.
Além do mais, é um cafajeste e não nego a você que está comigo apenas pela boa vida que lhe dou. Acha que vou querer isso para a minha filha? Embora esteja com raiva por ela desejar algo que é meu, não posso deixá-la cair nas mãos de um gigolô.
Marília observou Lucélia por alguns segundos e questionou:
— E você, hein? Sabe que somos amigas e não precisa esconder nada de mim. Sei que sempre pagou para ter sexo com rapazes jovens, que é uma coisa que você adora. Mas dar tudo de bom a um rapaz desses por tanto tempo, sujeitando-se a uma relação totalmente interesseira, não é do seu feitio. Conheço muito bem a auto-estima de Lucélia Cerqueira de Lopes. Não foi sustentado rapazes que você multiplicou a fortuna de seu marido.
— A vida, às vezes, prega-nos peças, Marília. Desta vez, acabei me apaixonando. Sou louca por Pierre. Farei de tudo para que ele não me deixe. Ainda que a vítima seja minha filha.
— Vítima? — Marília assustou-se. — O que você pensa em fazer com ela?
— Nada de mais, não precisa fazer essa cara de brasileira com medo do retorno da inflação. Poupe-me dessas tragédias gregas que vocês cultuam tanto aqui no Brasil.
— Mas...
— Nada de "mas". Preste atenção, depois de ontem, pude ver que esse pai de santo tem realmente poder.
Quero que você vá lá e peça a ele que faça dois trabalhos para mim. Pago o que for necessário. Quero um trabalho para separar definitivamente Caio do tal namorado e Nicole de Pierre.
— Esses trabalhos, às vezes, são pesados. Uma vez Germano estava com uma amante em São Paulo e pai Serapião fez algumas coisas simples para separá-los e não conseguiu. Então pedi que ele jogasse pesado. Foi feita uma magia, e a mulher levou um tombo, bateu a cabeça e ficou em coma por mais de um ano. Nesse período, Germano a esqueceu e fiquei livre daquela prostituta. E se for necessário que ele faça algo mais pesado, que prejudique a saúde de seus filhos?
Pelos olhos de Lucélia passou um sinistro brilho:
— Estou disposta a tudo, desde, é claro, que eles não morram.
— Mas pai Serapião afirmou que não ia adiantar fazer trabalho para Caio. Disse que talvez não desse certo.
— É esse talvez que me dá esperança. Sei muito bem da fama desses macumbeiros. É só colocar um dinheirinho a mais que eles fazem tudo. E, depois, ele disse que não precisava fazer nada para separar Nicole do negro, mas com Pierre tenho certeza de que conseguirá.
Marília ainda resistiu:
— Você tem certeza de que é isso que quer?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 18, 2022 7:26 pm

Você poderia separá-los de outra maneira. Poderíamos arquitectar um plano, fazer alguma tramóia; enfim, há muitos meios de se separar adolescentes de supostos amores sem que precisemos usar da magia.
— Não, não quero fazer nada que alguém possa descobrir depois. Quero sair dessa história como uma verdadeira santa, a própria reencarnação da Madre Tereza de Calcutá.
Ambas riram com a ironia de Lucélia. A empregada entrou no ambiente com uma bandeja e café.
— Como é que permite que sua criada me ofereça café? — irritou-se Lucélia. — Detesto essa bebida, lembra tempos que quero esquecer.
Marília pediu que Jurema levasse de volta a bandeja e comentou:
— Esqueço-me de que você já foi pobre, desculpe.
Os olhos de Lucélia tornaram-se melancólicos ao dizer:
— Muito pobre. Só tínhamos café com pão como alimento.
Virgínia sempre encarou isso muito bem, mas eu odeio lembrar aquela época. Ser pobre é um castigo divino, tenho certeza. — Fez pequena pausa e, recobrando a altivez, continuou: — Espero notícias até o fim da tarde.
Quanto acha que ele vai cobrar?
— Como são dois trabalhos, deve ser mais de cinco mil reais.
— Farei o cheque agora. Entregue a ele. Se for preciso mais, é só pedir.
Foi com felicidade que Lucélia saiu da casa de Marília.
Antes de entrar na limusine, pegou o celular e fez uma ligação. Assim que a pessoa atendeu, ela disse:
— Estou ligando para combinar nosso encontro no meu apartamento no Flamengo. Esteja lá pontualmente às dezoito horas, como tratamos, e com tudo o que lhe pedi.
Em seguida, ela entrou no carro e seguiu para casa.
Ao chegar lá, encontrou Virgínia sozinha folheando uma revista. De repente, veio-lhe uma vontade imensa, e quase incontrolável, de provocá-la. Não gostava de ver a irmã tranquila e serena, queria vê-la sofrendo. Aproximou-se, sentou-se no sofá ao lado dela e disse:
— Pensei muito e tomei uma decisão que vai mudar o rumo de nossa vida.
Virgínia levou um susto com a presença silenciosa e sorrateira da irmã. Perguntou:
— E eu posso saber o que é?
— Decidi que hoje mesmo vou contar toda a verdade sobre você a Caio e Nicole.
Virgínia empalideceu, mas precisava ser forte.
— Já lhe disse que pode contar, estou disposta a encarar as consequências.
Lucélia sorriu zombeteira:
— Será mesmo que terá coragem? Eu tenho minhas dúvidas. Já imaginou o rosto de Nicole, que é tão correta, ao saber quem você é na verdade? E o Caio então! Ele pode ter esse defeito horroroso de ser homossexual, mas saiu ao pai, não tolera mentiras nem falsidades. Já pensou em como ele vai tratá-la quando descobrir quem é você?
Virgínia ouvia tudo calada, pedindo forças a Deus para suportar as consequências do passado. Ela pensou estar com coragem, mas, ao ouvir Lucélia dizer aquilo, sentiu medo. Ela poderia perder tudo na vida, menos o amor e a admiração de seus sobrinhos tão queridos, criados por ela com todo o amor. Ainda tentou ser forte:
— Pode dizer, eu já pensei em tudo. Sei que Nicole e Caio vão me perdoar.
— Eu não teria tanta certeza... — sibilou Lucélia, com ar triunfante de maldade. — Eles até podem perdoá-la, pois não saíram a mim, saíram ao pai, mas tenho a mais absoluta certeza de que não vão mais querer conviver com você. Afinal, uma mulher que fez o que fez não merece nenhum respeito.
Virgínia começou a chorar. Estava muito emotiva naqueles dias pela doença de Berta, pelo clima tenso da mansão, e não resistiu, deixando que as lágrimas caíssem em profusão por seu belo rosto.
— Pode chorar, chore muito — continuou Lucélia colada ao seu rosto e falando próximo ao seu ouvido. — É bom que suas lágrimas sequem e que você fique seca por dentro também.
Virgínia enxugou o rosto com um pequeno lenço e olhou profundamente para a irmã:
— Por que me odeia tanto, hein? Sempre foi assim, desde que éramos crianças. Só queria entender por quê.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 18, 2022 7:26 pm

— Tudo sempre foi para você, tudo — disse Lucélia, já beirando o descontrole. — Até meu marido nunca me amou, casou-se comigo obrigado, sempre amou você. Você precisa pagar e será hoje. Vou sair e, assim que voltar, prepare-se, pois finalmente Nicole e Caio saberão a verdade.
Verdade essa pela qual Rodolfo morreu, lembra?
Virgínia reagiu gritando:
— Você o matou! E não foi por conta dessa verdade à qual se refere, mas sim porque ele a pegou em flagrante de adultério.
— Muito esperta você, irmãzinha, mas lembre-se de que ele também ia contar a verdade aos filhos. Ia mostrar quem a tia deles era de verdade. Eu o matei e ajudei a nós duas.
— Você só ajudou a si mesma, pois eu não temia que Rodolfo falasse a verdade aos filhos, ele saberia fazê-los entender, ao contrário de você, que vai fazê-los me odiar eternamente.
— Você merece, sua prostituta!
Virgínia ia dar uma bofetada no rosto da irmã quando sentiu as mãos de Luzia segurando seu punho. Lucélia riu:
— Controle sua patroa, querida. Ela está muito nervosa.
— Ia subindo as escadas quando voltou, olhou para Luzia, e continuou: — Você foi testemunha do crime, aliás, sabe de todos os nossos segredos. Os de Virgínia vou revelar, mas nunca ouse contar para a polícia que eu matei meu marido, pois seus filhos não viverão para rever a mamãezinha.
Sorrindo, ela subiu, enquanto Luzia levava Virgínia até o banheiro social para que lavasse o rosto. Quando ela se acalmou, Luzia perguntou:
— E então? A senhora vai enfrentá-la mesmo? Vai deixá-la contar a verdade?
— Não tenho saída, Luzia. Tudo o que fiz no passado foi porque Lucélia pediu, mas se concordei foi porque pensava que amava Rodolfo. Hoje vejo que nunca o amei.
Os meninos nunca vão acreditar que foi a mãe deles que me pediu para fazer tudo aquilo. Estou nas mãos dela.
— Não concordo que a senhora fique tão passiva assim. Ameace-a também, diga que vai revelar que ela assassinou o sr. Rodolfo.
— Esqueceu que não posso dizer isso? Dei depoimentos à polícia afirmando que Rodolfo se matou, que vi o momento. Você também fez o mesmo. Nós duas mentimos para salvar Lucélia da prisão, por essa razão somos cúmplices, seríamos processadas e provavelmente presas também.
Luzia preocupou-se, realmente não havia o que fazer.
— Então vamos deixá-la contar tudo e rogar a Deus e a Jesus para que Caio e Nicole a perdoem.
Sem ter mais o que dizer, Virgínia deixou-se ficar com a cabeça no ombro de Luzia até que sentiu sono e foi se deitar.
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro - Página 5 Empty Re: Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 18, 2022 7:26 pm

DESFECHO IMPREVISÍVEL
Pouco antes das seis da tarde, Lucélia já estava em seu apartamento particular à espera de sua visita. Os minutos foram passando e a pessoa não aparecia. Ansiosa, pegou o celular e ligou:
— São quase seis horas e você ainda não apareceu. Sabe que nossa conversa não pode passar de hoje.
A voz respondeu:
— Calma, Lucélia, peguei um tremendo engarrafamento, mas já estou quase aí. Chego em quinze minutos.
Lucélia desligou e, folheando uma revista, pôs-se a esperar. Quinze minutos depois, a campainha tocou e ela, de tão ansiosa, nem se deu ao trabalho de olhar quem era pelo olho mágico. Quando abriu a porta, surpreendeu-se. Definitivamente não era a pessoa que esperava.
Irritada, bradou:
— Posso saber o que quer aqui?
A pessoa se manteve calada, e ambos entraram no apartamento.
— Então, o que quer? Como conseguiu este endereço?
Não posso falar com você agora, queira se retirar, estou esperando uma pessoa e...
Lucélia não falou mais nada. A visita inesperada sacou um revólver e apontou para ela, atirando uma, duas, três vezes. O corpo de Lucélia tombou inerte no chão, e a pessoa apontou a arma para sua cabeça, dando-lhe mais um tiro e dizendo:
— Nunca mais vai atrapalhar minha vida.
A arma estava no silencioso e ninguém ouviu nada.
A pessoa saiu rapidamente e, em seguida, já atrasado, Germano chegou:
— Por que deixou a porta aberta? — A cena que viu à sua frente assustou-o sobremaneira. — Meu Deus! Lucélia está morta!
Correu pelas escadarias e avisou ao porteiro, que imediatamente chamou o síndico do prédio. A confusão estava armada. Ninguém queria acreditar que Lucélia Cerqueira de Lopes havia sido morta naquele lugar. A polícia foi activada e o local fechado para perícia.
Germano contou ao delegado que ele e Lucélia estavam resolvendo assuntos sigilosos da empresa, e por essa razão marcaram o encontro. Os policiais reviraram todo o apartamento e não encontraram nada que o incriminasse, ainda assim, levaram-no para depoimento formal.
A notícia da morte de Lucélia chocou Virgínia, Caio, Nicole, Pierre e Luzia. Após o enterro, a polícia começou as investigações e, por mais que tentasse, não conseguia chegar ao assassino. Ninguém sabia da paixão secreta de Nicole e Pierre nem das ameaças que ela fazia a Luzia e Virgínia. O sistema de segurança do prédio estava com defeito e não havia fitas que comprovassem quem havia entrado ali naquele dia.
Após dois meses de investigação, a polícia deu o caso por encerrado, mas ninguém jamais esqueceu que Lucélia Cerqueira de Lopes fora brutalmente assassinada por uma pessoa misteriosa.
*
* *
Pouco antes de Lucélia morrer, seu grupo espiritual inferior, já sabendo o que ia acontecer, estava presente para levá-la ao palácio no astral assim que saísse do corpo. E foi isso o que fizeram. Assim que o espírito se desprendeu, conduziram-na, adormecida, para o local de seus crimes. Começaria uma nova fase para ela e para todos os que lhe estavam ligados.
*
* *
Embora chocados com a morte de Lucélia, Virgínia e os sobrinhos não podiam negar que sentiram um alívio imenso. Poder viver sem sua presença irritante, sempre a criticar e a zombar das fraquezas alheias, verem-se livres de suas ameaças e planos diabólicos trazia-lhes um bem-estar que eles não se lembravam de ter sentido com tanta intensidade.
Naquela noite, Virgínia resolveu ir ao Centro Espírita.
Queria ouvir uma palestra edificante e orar pela irmã, pedindo a Deus que perdoasse seus erros e a conduzisse a um lugar de recuperação. A palestra seria de Amaro, que ela considerava um sábio. Gostava de ouvi-lo em todas as circunstâncias.
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro - Página 5 Empty Re: Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 18, 2022 7:27 pm

Enquanto o ouvia discursar sobre as leis de amor, baseado na primeira carta de Paulo aos Coríntios, Virgínia não podia deixar de notar que um homem alto, moreno-claro, cabelos lisos e olhos castanhos a olhava vez por outra fixamente. Seu coração acelerou e uma onda de calor gostoso lhe invadiu o corpo. Gostou de ser olhada com carinho por aquele desconhecido, embora tivesse a certeza de que já o tinha visto em outro lugar.
Ao fim da palestra, enquanto alguns foram cumprimentar Amaro, ele a abordou:
— Olá, como se chama? — perguntou educado.
— Virgínia. E você?
— Carlos. É um prazer conhecê-la.
Ele pegou suas mãos levemente e as apertou entre as suas. Virgínia ficou encabulada, nunca imaginava que algo semelhante lhe pudesse acontecer. Ele disse:
— Gostaria de conversar melhor com você. Vamos sair um pouco para o jardim?
— Vamos.
Lá fora, sentaram-se em um banco. Carlos, percebendo o nervosismo dela, disse:
— Sei que notou meus olhares durante a palestra.
Desculpe se fui indiscreto.
— Não tenho o que desculpá-lo, seus olhares não foram nada indiscretos — brincou.
— É que vi quando você entrou, e tive a certeza de que já a conhecia de outro lugar.
Virgínia surpreendeu-se:
— Eu também, assim que comecei a notar seus olhares, senti a mesma coisa. De onde nos conhecemos?
Carlos fez uma expressão de pensativo e tornou:
— Na minha profissão já conheci muita gente, mas de você não tenho lembrança. Será que não seria de vidas passadas?
Ela sentiu uma emoção muito grande tomar conta de seu ser e respondeu:
— Será? Apesar de crermos na reencarnação, não podemos fantasiar. Sou de uma família que sai muito em revistas sociais. Não gosto disso, mas, às vezes, mesmo a contragosto, sou clicada pelos paparazzi. Será que não me viu em alguma revista?
— Tenho certeza de que não. Minha profissão não me dá tempo para ver revistas — ele sorriu da própria brincadeira.
— Tenho certeza de que a conheço de outra vida.
— E se eu lhe disser que, conversando com você, senti o mesmo? Já estivemos assim antes, conversando.
Foi a vez de Carlos corar. Seu coração batia em descompasso.
Nunca se impressionara tanto com uma mulher.
Pegou o cartão e lhe deu:
— Gostaria muito de continuar com nossa amizade.
Espero que você também queira o mesmo.
Virgínia olhou o cartão e contrariou-se:
— Então quer dizer que você é policial?
— Sim. Alguma objecção?
Ela sorriu distendendo o rosto:
— Nenhuma, é que minha irmã foi assassinada recentemente e me vi muitas vezes às voltas com policiais, delegacia; enfim, com todo o seu mundo, e não foi nada agradável.
— Fico sentido por você ter perdido sua irmã. A violência está exagerada nos dias atuais. Mas já prenderam o assassino?
— Não, a polícia não descobriu e deu o caso por encerrado.
Já faz mais de três meses.
De repente, Carlos exclamou:
— Não me diga que você é Virgínia Cerqueira de Lopes, irmã de Lucélia, a famosa empresária morta misteriosamente num apartamento do Méier!
— Exactamente. Tudo foi muito traumático. Desconfiaram de todos, até de meus sobrinhos. Mas, finalmente, passou.
— Bem, não quero continuar com esse assunto, pois vejo que não lhe faz bem. Aceita um convite para jantar?
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro - Página 5 Empty Re: Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 19, 2022 10:51 am

Virgínia ficou sem saber o que responder, até que uma voz lhe disse:
— Pode aceitar sem medo, Virgínia. Não conheço uma pessoa melhor do que Carlos.
Era Amaro, que ouviu o fim da conversa. Ela sorriu e disse:
— Então aceito.
— Vamos marcar para sexta-feira? Estarei de folga.
— Sim, está marcado.
Os dois combinaram os horários e, em seguida, Virgínia, após um longo abraço de despedida, deu carona para Amaro.
— Estou notando um brilho em seus olhos que nunca vi antes. Foi amor à primeira vista? — perguntou o amigo com ar brincalhão.
— Não sei se foi amor, mas foi um sentimento muito forte. Tenho certeza de que conheço Carlos de outras vidas.
— Eu também tenho a impressão de conhecê-lo de tempos atrás — comentou Amaro. — Quando ele chegou ao Centro, estava deprimido e queria respostas para sua solidão. Encontrou algumas explicações em livros da doutrina e acabou se tornando espírita.
Virgínia surpreendeu-se:
— Solidão? Claro que, se me convidou para jantar, está solteiro. Quer dizer que ele está solteiro há muito tempo?
— A vida inteira, para dizer a verdade.
Ela se surpreendeu ainda mais:
— Como um homem bonito, educado e atraente ficou solteiro até hoje?
— É o que ele queria saber quando chegou ao Centro.
Contou-me que, mesmo já tendo cinquenta anos, nunca havia conseguido firmar um relacionamento. Disse-me que as mulheres correm dele como o diabo da cruz, e aquelas com que se relacionou sumiram pouco tempo depois sem explicação.
Virgínia exclamou:
— Nossa! O mesmo problema que eu. Isso não pode ser coincidência, Amaro.
— Não é, minha querida. Há um amigo espiritual aqui presente dizendo que foi um reencontro de almas e que, a partir de agora, vocês finalmente serão felizes.
O carro havia parado no sinal, e ela deixou que lágrimas de emoção escorressem pelo seu belo rosto.
— Como estou emocionada! Finalmente não estarei mais sozinha. Agradeço à espiritualidade.
— Você nunca foi sozinha, Virgínia, sempre teve sua própria companhia, que é a melhor. Lógico que um relacionamento amoroso é muito bom, traz alegria para a alma, melhora-nos como seres humanos. Mas a solidão vem para ensinar muitas lições; uma delas é fazer a pessoa conhecer-se melhor, dar mais atenção a si e aos seus sentimentos. A solidão carrega um recado: é hora de cuidar de si. Eu, por exemplo, sou muito mais velho que você e nunca me casei nem tive filhos. Moro sozinho, mas nunca sinto solidão. Sinto-me completo comigo mesmo.
— Isso não é egoísmo?
Amaro sorriu:
— Seria, se eu tivesse encontrado alguém que amasse de verdade, tivesse tido oportunidade de formar uma família pelos laços sagrados do amor e não o fizesse. Mas não encontrei minha alma afim nesta encarnação, e o que menos quero é me casar apenas para dizer que não estou sozinho. Isso, sim, seria egoísmo, seria prender uma pessoa ao meu lado por um capricho, sem amá-la de verdade, impedindo-a que fosse feliz com outra pessoa.
— Mas o amor pode vir com o tempo — argumentou Virgínia.
— O respeito e a amizade vêm com o tempo, mas o amor não. Na Terra, as almas se reconhecem pelo simples olhar, como no seu caso, numa simples troca de palavras, num abraço, e, às vezes, até num simples "oi". Como dizem por aí, o amor dispensa até apresentações, e ele deve vir sempre primeiro, antes da convivência. Fora disso, não há relação que dê certo.
— Suas palavras têm lógica. Mas continuo emocionada.
Você sabe lidar com a vida solitária, eu não. Sempre me senti muito só, desamparada, triste, com um vazio imenso no peito, que nada preenche. Há dias em que parece que vou morrer.
— Tomara que isso termine agora com a chegada de Carlos.
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro - Página 5 Empty Re: Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 19, 2022 10:51 am

— Claro que vai terminar. Ou você acha que não?
— Quem não é feliz, quem sente vazio, sempre encontra um motivo e vive a dizer que será feliz quando tiver isso ou aquilo, quando fizer isso ou aquilo ou ser aquilo que deseja. Mas a felicidade é um estado de alma que independe das coisas externas. Ser feliz é viver cada dia como se fosse o último, apreciar as pequenas coisas, contemplar a natureza, ler um bom livro, cultivar boas e nutritivas amizades, trabalhar no que dá prazer e, finalmente, pensar apenas no bem, na alegria e na beleza de estar vivo, usufruindo o que este planeta maravilhoso tem a oferecer.
O sinal abriu e eles continuaram conversando:
— Essa sua forma de ver a felicidade é rara. Todos acham que ser feliz é ir a muitas festas, beber, fazer muito sexo, viagens maravilhosas, ter carros e casas belas, roupas de grife e um homem ou uma mulher maravilhoso que lhes faça tudo o que querem.
— Essa é a maior ilusão de todas. Muitos são os que mergulham nela profundamente para acabarem mais infelizes do que eram. Festas ruidosas, bebida, sexo sem amor, excesso de trabalho, namoros rápidos e furtivos dão sensações maravilhosas no momento, mas depois que tudo passa vem o imenso vazio interior, o tédio de viver, a tristeza inexplicável. Observe e veja que nossos jovens de hoje têm tudo isso, mas não são felizes. E quanto a ter um homem ou uma mulher maravilhosos, bem, isso dispensa comentários, mas nunca é demais dizer que, quem pensa assim escolhe seu companheiro baseado nas ilusões da beleza, do status, do dinheiro e do sexo, ou seja, coisas materiais. Um dia, quando tudo isso acaba, o suposto amor vai embora e volta-se à infelicidade de antes.
Virgínia reflectia em como eram verdadeiras aquelas palavras. Perguntou:
— Então é por esse motivo que, embora muitos sejam casados, quase todos são infelizes?
— Exactamente. Enquanto as pessoas esperarem os outros para fazer sua própria felicidade continuarão infelizes.
Finalmente, chegaram à casa de Amaro. Ele desceu e Virgínia seguiu sozinha e em silêncio, relembrando o que ele lhe disse no portão: "Desta vez, não perca a chance de ser realmente feliz. Carlos lhe trará muita alegria, mas ser feliz só depende de você".
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro - Página 5 Empty Re: Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 19, 2022 10:51 am

DESCONFIADOS UNS DOS OUTROS
Três meses se passaram e o romance entre Virgínia e Carlos foi se tornando mais profundo. O companheirismo, a sensação de se conhecerem há muitos anos e o prazer na intimidade revelavam que entre eles existia o verdadeiro amor.
Foi também com muito alívio que Pierre e Nicole assumiram o amor que sentiam um pelo outro. Eles fizeram questão de manter tudo em sigilo para evitar desconfianças da polícia e passarem por situações desagradáveis de interrogatórios e assédio da imprensa. Luciano acabou por se conformar com a situação, para a alegria de Leonor, que agora tencionava uni-lo, em definitivo, com Sueli, a nora com quem ela tanto sonhava.
Fernando e Caio também assumiram o romance, e Virgínia fez questão de dar-lhes um belo apartamento, onde passaram a viver juntos com muita harmonia, como sempre sonharam. Virgínia também havia sido boa com Pierre, deixando-o viver em sua casa e dando-lhe um bom emprego na empresa da família. Ele havia mudado, queria casar-se com Nicole e ter uma vida digna.
Parecia que a felicidade, finalmente, havia chegado àquela mansão, e a única preocupação ainda existente era com a saúde de Berta, que se agravava dia após dia.
Com ajuda de Amaro, Virgínia estava conseguindo ter forças para lidar com a situação sem se apavorar. Como a doença não era contagiosa, a menina continuava fazendo as refeições com a família, participando da vivência deles, mas perdera os amiguinhos, visto que as mães, temerosas do contágio, haviam afastado os filhos de sua convivência.
Mas Virgínia e Luzia se faziam de crianças e brincavam tanto com Berta que ela quase não sentia falta dos coleguinhas.
*
* *
Numa tarde em que estavam sozinhos no apartamento, Fernando olhou para Caio e disse:
— Caio, não queria tocar no assunto, mas faz tempo que estou engasgado com ele. Não aguento mais.
Caio o olhou sem entender e ele continuou:
— Vou lhe fazer uma pergunta e desejo que seja o mais sincero possível. Saiba que pode contar comigo sempre. — Ele fez pequena pausa e, vendo que Caio o ouvia com atenção, perguntou: — Foi você quem matou sua mãe?
Aquela pergunta totalmente inesperada fez com que Caio ficasse branco como cera, com o coração em descompasso.
Ele tentou se refazer, e disse gaguejando:
— Como pode me perguntar uma coisa dessas? Não confia em mim? Não conhece meu carácter? Jamais mataria minha mãe, aliás, jamais mataria alguém. Por que me fez essa pergunta sem sentido?
— Porque você estava com ódio dela, que queria levá-lo para a Europa. Lembro que me disse que ela estava boazinha demais ultimamente, e isso era sinal de que estava armando algo para nos separar. Lembro bem da expressão de ódio em seu rosto.
— Mas isso não justifica sua desconfiança — bradou Caio, já refeito.
— Mas não é apenas por isso que eu desconfio — continuou Fernando, na tentativa de descobrir a verdade.
— Na tarde em que sua mãe morreu, tínhamos marcado um encontro para irmos ao teatro, e você só apareceu uma hora depois. Perguntei onde estava e você me disse que havia deitado para relaxar e pegado no sono. Fingi que acreditei, mas sei que não é verdade. Por causa do seu atraso, liguei várias vezes para sua casa, e Luzia me garantiu que você tinha saído havia muito tempo. E agora,
Caio? O que me diz?
Caio não podia se dar por vencido, e respondeu:
— Eu realmente dormi e acordei um pouco mais tarde.
Quando estava indo ao seu encontro, encontrei Charles.
Você sabe que ele me para sempre para conversar e toma muito do meu tempo. Como você não gosta dele, pois sabe que ele tem uma queda por mim, preferi não comentar.
Fernando sentiu que Caio mentia. Por essa razão, disse:
— Você sabe que acredito tanto em seu amor que não tenho ciúmes de ninguém. Custava falar a verdade?
Ou você realmente matou sua mãe e não quer me dizer?
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro - Página 5 Empty Re: Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 19, 2022 10:52 am

Caio bradou com raiva:
— Você acredita em meu amor, mas não acredita em mim. Uma relação com base na desconfiança, seja ela qual for, não pode dar certo. Estou falando a verdade, não matei minha mãe! Se você continuar com essa desconfiança, é melhor acabarmos nossa relação.
Fernando empalideceu. Amava Caio com todas as forças de sua alma e o que menos queria era perdê-lo. Por essa razão, mesmo desconfiado, resolveu contemporizar:
— Pare com isso. Não vamos deixar que uma coisa como essa atrapalhe o nosso amor. Já que você diz, eu acredito — Caio o enfrentou, dizendo:
— Eu é que tenho desconfiança de você. Nunca lhe disse nada, mas, já que puxou o assunto, agora falarei tudo. Quando cheguei ao teatro, você não estava mais lá. Liguei para sua casa e sua mãe disse que você havia chegado havia mais de meia hora e que estava no banho.
Estranho, não? Você também tinha motivos de sobra para matar minha mãe. Lembro bem que me disse ser capaz de tudo para que ficássemos juntos.
Fernando irritou-se:
— Acho que você tem razão. Nossa relação, se continuar assim, vai terminar.
— Não. Vamos parar com isso. Vamos esquecer essas desconfianças e nunca mais voltamos a elas. Eu o amo, é isso que importa.
Fernando abraçou Caio com carinho e ambos procuraram esquecer aquele diálogo. Contudo, a partir dali, a semente da discórdia foi plantada entre eles.
Lucélia e mais três espíritos de aspecto repugnante riam com prazer da situação.
O mesmo aconteceu entre Marília e Germano. Uma noite, após ter chegado em casa, depois do jantar, ela falou:
— Germano, você sabe que sou uma mulher de mente aberta, acompanho a evolução do mundo, mas nunca aceitarei que um ser humano mate outro. É a coisa pior que alguém pode fazer, não acha?
Germano estranhou a conversa:
— Concordo. Assassinato é um crime hediondo. Mas por que essa pergunta?
— É que não consigo mais viver com você sem falar da desconfiança que vai em meu coração. Você matou Lucélia?
— Como diz isso? Não matei ninguém, tenho provas de que cheguei depois que ela foi assassinada. Ora essa!
— As câmaras do condomínio foram danificadas naquele dia pela manhã. Não há como provar. O assassino providenciou isso, e a única pessoa que sabia desse encontro era você e ela. Se a matou, pode confessar. Sou sua mulher, serei sua cúmplice, mas o que não posso é continuar com essa dúvida.
Germano entendeu a preocupação da esposa, e respondeu com calma:
— Marília, juro que não matei Lucélia. Você sabe que nunca lhe escondi nada de minha vida, até minha conta na Suíça, feita com o desvio de altas somas das empresas, é de seu conhecimento. Por que iria esconder que matei Lucélia?
Marília pensou um pouco e disse:
—O que sei é que ela havia feito uma auditoria na empresa e descoberto todas as suas falcatruas. Aquele encontro foi justamente para vocês resolverem esse problema.
Você me disse que ela o estava ameaçando: ou você devolvia todo o dinheiro ou ela iria denunciá-lo à polícia federal. Convenhamos que a morte dela veio-lhe num bom momento.
Germano estava sem saída:
— Eu ia me encontrar com ela justamente para entrarmos em um acordo. Eu sou a alma das empresas dela aqui no Brasil. Não sairia sem nada. Acredite, não matei Lucélia e, aliás, eu penso que pode ter sido você.
— Eu? — disse Marília com a voz alterada. — Que motivos teria para matar minha melhor amiga? Está louco, por acaso?
— O mesmo que eu, minha amada — respondeu Germano com ironia. — Será que você estava disposta a viver com menos luxo, abandonando seus sonhos de no futuro viver na Europa com todas as regalias?
Marília chorava inconformada:
— Eu sempre confiei em você, sabia que o problema seria resolvido. Lucélia jamais iria perder um funcionário de sua qualidade. Não precisava matar minha amiga por isso — concluiu chorosa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 19, 2022 10:52 am

— E por que você sumiu durante toda a tarde daquele dia? Perguntei a Miralva, e ela me disse que você só chegou aqui quando estava anoitecendo. Posso saber aonde foi?
Marília estava acuada. Não poderia dizer que passara a tarde no terreiro de pai Serapião encomendando os trabalhos que a própria Lucélia pedira. Seu marido não sabia que ela recorria a macumbeiros para afastá-lo das amantes. Naquele dia, havia mais gente que o habitual na sala de espera do consultório do pai de santo, e por essa razão ela voltara tão tarde. Respondeu reticente:
— Fui ao cabeleireiro. Você sabe como demoro quando vou lá. O Francis é muito requisitado.
— Está bem, vou fingir que acredito.
Marília, completamente exaltada, gritou:
— Vão para o inferno você e sua desconfiança. Só lhe aviso uma coisa: se descobrir que você é um assassino, deixo-o no mesmo dia. Posso ser fútil, gostar de dinheiro, mas tenho princípios e jamais continuaria ao lado de alguém que tirou a vida de um ser humano.
Saiu como um furacão em direcção ao quarto, batendo a porta com força. Já era tarde e Germano, completamente irritado com a situação, recolheu-se ao quarto de hóspedes.
O que ele não viu foi o espírito de Lucélia e de seus tutelados sorrindo. A partir daquele momento, não os deixaria mais em paz.
*
* *
Na casa de Virgínia, Luzia estava na cozinha ajudando Jurema com o jantar quando a patroa a chamou.
Ela prontamente atendeu, indo para o escritório onde Virgínia pediu que entrasse:
— Luzia, estou sufocada. Preciso lhe perguntar algo e você não pode mentir.
— O que foi? Pelo jeito, é coisa grave. Está acontecendo algum problema?
— Você matou minha irmã?
Luzia empalideceu. Nunca imaginara que Virgínia um dia lhe perguntaria tal coisa. Rebateu com indignação: — Dona Virgínia! Será que me acha mesmo capaz de uma coisa dessas?
— Sei que você é muito boa, Luzia, mas, desde que presenciou Lucélia matando Rodolfo, vive com medo das ameaças dela. Depois teve aquela discussão horrível e você foi ameaçada novamente.
— Mas nunca mataria ninguém. A senhora sabe disso. — Desculpe, mas procurei saber, e Jurema me disse que naquela tarde você saiu pouco depois das quatro horas.
Você mentiu para a polícia que havia ficado a tarde toda em casa e tinha Jurema como prova. As duas mentiram.
Por quê?
Luzia baixou a cabeça. Não conseguia acreditar que Virgínia pudesse pensar isso dela. Respondeu:
— Saí para ir aos Correios, precisava mandar uma carta para meu filho. Não quis dizer à polícia e pedi para que Jurema mentisse para evitar que eu me tornasse mais uma suspeita. Tenho horror à justiça, delegacia, policiais.
Sentindo a sinceridade na voz da fiel empregada de tantos anos, Virgínia a abraçou com carinho:
— Desculpe por ter desconfiado de você. É que eu passava pelo corredor e ouvi uma violenta discussão entre Pierre e Nicole. Um acusava o outro de ter matado Lucélia. Pierre disse que Nicole não foi à faculdade naquela tarde mesmo afirmando para ele que tinha ido. Por sua vez, Nicole dizia que ele havia saído também, só chegando pouco depois da notícia da morte da mãe. Sei que não foi nenhum dos dois. Nicole não tem essa índole, e Pierre quer se casar, está amando-a, não iria se comprometer logo numa hora dessas.
— Então sobrou para mim, não é?
— Mais uma vez, desculpe, Luzia. Sei que também não tem essa coragem.
Luzia, de repente, teve um pensamento e perguntou:
— E a senhora? Onde esteve naquela tarde? Lembro-me que a vi sair de carro sem avisar para onde ia e que chegou quase junto com Pierre, praticamente no mesmo horário, para ser mais precisa.
— Eu fui a um chá beneficente.
— Com quem? Quais das suas amigas estavam lá?
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 19, 2022 10:53 am

Virgínia empalideceu:
— Não lembro, participo de tantos...
— Desculpe, mas a senhora também tinha motivos de sobra para matar sua irmã, aliás, mais do que todos aqui.
— Que disparate, Luzia. Você me conhece bem demais para saber que não gosto de matar nem insectos.
— Olhe, vamos fingir que essa conversa não existiu e voltar à nossa vida de antes.
— Acho melhor.
As duas mais uma vez se abraçaram e, em seguida, saíram do recinto. Lucélia, que também estava ali naquele momento, sorriu maliciosa:
— Coitadas, a vida medíocre de vocês jamais será a mesma — deu uma estridente gargalhada no ar e desapareceu.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 19, 2022 10:54 am

OS LIMITES DO LIVRE-ARBÍTRIO
Lucélia chegou aos seus domínios, no astral inferior, sentindo-se feliz por ter espalhado a discórdia entre aqueles a quem odiava. Todos iriam pagar, um a um. A princípio, não havia gostado de ter desencarnado daquela forma brutal e precoce, mas percebeu que do astral poderia infelicitar a todos de maneira muito mais fácil.
Recordou-se totalmente de sua encarnação anterior, como freira Lúcia. Lembrou-se de que a baronesa Lívia havia reencarnado como sua irmã Virgínia e que Caius e Nicole haviam voltado como seus filhos. Ela havia prometido, antes do reencarne, que iria perdoá-los e tentar conviver bem, mas não havia conseguido. Como poderia perdoar o fato de ter sido morta pelo bispo Ricardo, apenas para satisfazer o capricho de Lívia em ficar com o filho?
Caius... Era o único que amava verdadeiramente. Faria de tudo para que ele deixasse a homossexualidade que, para ela, era algo abominável.
Como fora uma religiosa apenas de aparência, na última encarnação como Lucélia havia perdido toda a vontade de lidar com as coisas da Igreja. Aceitou se casar com Rodolfo porque necessitava harmonizar-se com ele, para que Lívia pudesse ter uma vida mais tranquila. Mas não perdoara ninguém. Em seu coração reinavam apenas o ódio, o rancor, o mal e o sentimento de vingança. Pensava que só poderia estar louca quando os espíritos iluminados a resgataram da Cidade da Fé e a convenceram a renascer, fazendo promessas ilusórias de perdão.
Sozinha naquele momento, pois seus servos estavam descansando, ela aproveitou o tempo para detalhar os planos de vingança contra todos. Pensou primeiro em Virgínia e Carlos. Não permitiria que ficassem juntos mais uma vez. Faria com que Carlos fosse morto numa batida policial.
Nicole não ficaria com seu ex-amante Pierre. Para isso, ela o faria adoecer gravemente. Havia um cientista que trabalhava com ela e que lhe garantira que podia desenvolver um câncer terminal em Pierre, visto que ele vivia para as ilusões do mundo e não era nada espiritualizado.
Quando ele regressasse ao astral, ela o faria seu escravo.
Nicole que ficasse sozinha, amargando a solidão com a tia que tanto amava.
Pensou em Caio. Ela o amava mais que tudo. Jamais iria fazê-lo sofrer, mas iria impedi-lo de continuar sendo homossexual. O mesmo cientista lhe garantira que poderia desenvolver no filho um problema hormonal que o faria não querer mais sexo para o resto da vida. Assim, sua relação estaria terminada. Sem sexo, ela inspiraria Fernando a traí-lo e tudo estaria acabado em pouco tempo. O filho que fosse viver uma vida casta e solitária, de preferência em um mosteiro. Cuidaria de afastar todos os homens que dele se aproximassem.
Finalmente, pensou na pessoa que lhe havia assassinado.
Essa teria o pior dos castigos: ficaria louca, sem chances de cura. Lucélia havia descoberto que alguns neurologistas e psiquiatras das trevas, excelentes conhecedores do cérebro e da mente humana, iriam agir para desencadear naquela pessoa uma loucura que a medicina seria impossibilitada de curar. Ainda faltava o ladrão do Germano. Será que ele pensava que iria ser feliz com Marília à custa de seu dinheiro? Usaria sua imperfeição moral em trair a esposa para que se relacionasse com uma mulher portadora do vírus da aids; assim, com o vírus em seu corpo, os médicos das trevas tratariam de fazer a doença se manifestar de forma tão cruel que nenhum coquetel do mundo iria resolver. Lucélia lembrou que havia na Terra cientistas querendo descobrir a cura da aids e que isso estava perto de acontecer. Era uma coisa que ela precisava impedir. As pessoas eram levianas, despudoradas, desequilibradas e não queriam contrair o vírus? Aquilo não podia acontecer.
Estava tão absorta naqueles macabros planos que não viu quando uma luz forte, prateada e intensa, corporificou-se ao seu lado, e dela apareceram os espíritos luminosos de Rodolfo e de outro senhor que ela não reconheceu de pronto. Assustada, gritou:
— Guardas! Guardas! Temos invasores! Expulsem-nos daqui!
Os guardas não vieram e ela continuou a gritar, até que Rodolfo disse com calma:
— Não adianta gritar, Lucélia, ninguém virá até aqui.
Fizemos um isolamento energético e ninguém pode nos ouvir. Ela sorriu diabólica:
— O que você quer aqui, adúltero? Já não basta ter me traído a vida inteira com minha irmã? O que quer de mim? Já o matei na Terra, quer que o mate novamente?
— O espírito é eterno, Lucélia, nunca morre. Você só conseguiu me matar na Terra porque eu queria usar da violência e também contar a verdade aos nossos filhos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 19, 2022 10:54 am

Foram meus pensamentos negativos que permitiram que me matasse. Mas aqui isso não é possível.
Lucélia continuou zombeteira:
— Bem se vê que não sabe de nada. Você não pode morrer, claro, mas posso fazer com que vire um ovóide, uma massa disforme, sem consciência alguma. Se continuar a me desafiar, é o que farei. Por esse motivo, saia daqui!
Rodolfo calou-se. Foi a vez de o outro senhor se manifestar:
— Meu nome é Adelino. Estou aqui a mando da espiritualidade superior. Viemos buscá-la.
— A mando de quem?
— Dos espíritos do bem. São entidades amigas que a querem muito bem. Eles querem protegê-la de você mesma. Seu limite para a maldade terminou aqui. De agora em diante, terá de parar.
Ela soltou uma gargalhada tão alta que ecoou por todo o ambiente sinistro:
— Quero ver quem vai me deter!
— Deus. Já parou para pensar que até o livre-arbítrio tem limites? Você o tem usado em várias encarnações só para fazer o mal. Por esse motivo, o plano superior lhe traçou um plano de regeneração. Você será exilada para um mundo primitivo, para, assim, lidando com seus iguais, possa melhorar e entender o valor do bem.
Lucélia parou de rir. Sentiu um medo inexplicável e viu que aquele espírito não estava brincando.
— E se eu não quiser ir?
— Você, neste momento, não tem escolha, não está mais de posse do livre-arbítrio.
Ela riu nervosa:
— Mas que Deus é esse? Ele nos fez livres!
— Não é assim como imagina. Ninguém possui a liberdade ilimitada como pensa. Se fosse assim, nem a própria Terra existiria mais. O homem age segundo as determinações do Alto. Nenhum ato do homem é isolado, tudo coexiste com as leis universais. Só possuímos total livre-arbítrio quando chegamos ao grau de espíritos puros. Por essa razão, não há opção para você. Estamos lhe contando o que vai acontecer para que nos siga de boa vontade, pois assim o processo será mais rápido e menos doloroso.
Lucélia estava aterrorizada. O que menos queria era ir para um mundo inferior, enfrentar pessoas dez vezes mais maldosas que ela. Assim, gritou:
— Nunca sairei daqui. Sou poderosa, absoluta, faço o quero e destruirei todos os que passaram pelo meu caminho e que passarão. Vão embora daqui e me deixem em paz.
Adelino olhou penalizado para Rodolfo e disse sem que ela pudesse ouvir:
— Infelizmente, nossa irmã é resistente. Mas Deus sabe o que faz. Vamos adormecê-la para levá-la.
Lucélia continuou gritando impropérios. Adelino levantou as duas mãos, de onde saíam energias brancas que rapidamente a envolveram; logo ela desmaiou e caiu em sono profundo.
Enfermeiros dedicados chegaram com uma maca, pegaram Lucélia adormecida e a levaram ao aeróbus, que os esperava na frente do sinistro prédio. O veículo alçou voo, e depois de alguns minutos todos chegaram a um posto de socorro. Um a um, desceram. Lucélia continuava adormecida na maca. Adelino novamente se aproximou dela e disse com compaixão:
— Pobre filha de Deus. Mais uma que se deixou levar pelas ilusões da maldade. Mas Ele é pai amoroso e justo. Essa experiência no planeta primitivo ser-lhe-á muito benéfica. Vamos pedir ao divino amigo Jesus que ela possa se redimir e um dia voltar para nossa abençoada Terra.
Todos fizeram sentida prece, e Adelino deu ordem para que a levassem e a atendessem em suas primeiras necessidades, visando ao reinício de sua nova jornada em outro orbe.
Quando se retiraram, Adelino não conteve o comentário:
—A Terra não suporta mais pessoas tão maldosas quanto Lucélia!
— É mesmo — disse Rodolfo, que acompanhou todo o resgate. — A Terra agora vai ser um mundo de paz, alegria, saúde, felicidade, harmonia, fartura e amor. As pessoas estão percebendo que não precisam mais sofrer para chegar a Deus, e os que estão dispostos a espalhar o sofrimento precisam ser retirados de lá.
Eles se abraçaram em despedida e desapareceram.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 19, 2022 10:54 am

FINALMENTE A VERDADE
O afastamento de Lucélia provocou sensação de alívio e paz em todos. As pequenas discórdias e desconfianças que estavam marcando os relacionamentos naqueles dias, milagrosamente acabaram, e eles voltaram a viver em harmonia.
Nicole estava muito feliz, pois Pierre se mostrava um homem delicado, companheiro, honesto e interessado no trabalho da empresa. Iriam se casar e morar com Virgínia.
O casamento havia sido marcado para o mesmo dia em que Virgínia e Carlos iriam se unir num belíssimo acto civil. Eles estavam felizes, teciam planos para o futuro e pretendiam adoptar outras crianças carentes de afecto e lar.
A doença de Berta evoluía lentamente, e era a única tristeza da casa, mas a menina parecia aceitar tudo tão naturalmente, que confortava Virgínia. Amaro havia lhe dito que quando o sofrimento não traz revolta, medo ou descrença, é porque foi o próprio espírito que o pediu para libertar-se do passado. O que Berta teria feito para ter aquele triste fim? Eles não sabiam, mas se resignavam em Deus, sabendo que sua justiça era sempre amorosa e soberana.
Dois dias antes do casamento, Virgínia resolveu chamar Carlos à sua casa. Precisava contar-lhe todo o passado, tudo o que tinha feito a mando de Lucélia e que era, de certa forma, cúmplice na morte do cunhado. Ela não poderia se unir ao homem amado sem que ele soubesse de fatos tão importantes referentes à sua vida.
Carlos chegou alegre, beijou-a e perguntou:
— O que minha futura mulher quer comigo a essa hora? — brincou. — Não pode esperar pela lua de mel?
Virgínia estava nervosa e não conseguia ocultar. Ele percebeu:
— O que você tem, Virgínia? Está nervosa. Algum problema?
— Não é um problema, Carlos, mas preciso lhe contar alguns fatos da minha vida antes da nossa união. Sei que seu amor por mim é incondicional e puro, por essa razão, apesar de estar nervosa, tenho certeza de que vai me perdoar, não só por não ter lhe contado antes, mas por tudo o que fiz.
Carlos fez uma expressão grave. O que tão bela e boa mulher poderia esconder de tão grave?
— Pode dizer, minha querida. Seja o que for, vamos enfrentar juntos e vencer. Você disse que tem coisas que não podem mais ter jeito, mas eu digo que tudo na vida tem solução. Quem sabe se não a encontramos juntos?
Virgínia sentiu-se encorajada e começou:
— O que vou lhe contar é o maior segredo desta família e envolve meus sobrinhos.
Ela não percebeu, mas Caio estava acabando de entrar na sala quando ouviu a última frase e, curioso, coração descompassado, ficou atrás da porta e pôs-se a ouvir.
Virgínia jamais iria imaginar que ele estava ali. Era hora de sua musculação e Nicole estava na faculdade. Confiante de que estavam sozinhos, ela prosseguiu:
— Há muitos anos, Lucélia, que sempre foi ambiciosa, conheceu Rodolfo, um rico empresário que naquele momento estava assumindo os negócios da família por causa da morte do pai. O encontro foi casual, num sarau a que fomos na casa de amigos. Logo, os dois começaram a namorar.
Minha amizade com Rodolfo foi imediata. Gostei dele assim que o vi e sabia que ele também gostara de mim, mas Lucélia era uma mulher muito apaixonante, inteligente, culta, e ele preferiu se casar com ela, até porque sua mãe admirava muito a futura nora. Eles se casaram e vieram morar nesta mansão. Poucos meses depois, meus pais faleceram num acidente de automóvel, e para não ficar sozinha, aceitei morar com minha irmã. Quando cheguei aqui, notei que Lucélia estava triste e apreensiva.
Perguntava-lhe se era por causa da morte de nossos pais, mas ela sempre dizia que não, que estava havendo problemas sérios entre ela e Rodolfo e que não eram da minha conta. Alguns meses se passaram, até que um dia ela me chamou ao escritório. Foi directa, como sempre:
"Virgínia, preciso muito de sua ajuda, não só eu, mas meu marido. Isso garantirá o futuro do meu casamento e da minha família."
— Pelos olhos de Lucélia passava um brilho muito estranho. Eu disse:
"No que for possível, vou ajudá-la."
"Não vamos lhe oferecer dinheiro, pois nossos pais sempre foram multimilionários, e o que deixaram para você dá para o resto de seus dias. Por esse motivo, como não temos uma maneira de remunerá-la, aceite nossa amizade eterna em troca desse favor."
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 19, 2022 10:55 am

"Do que se trata?" perguntei impaciente com todo aquele rodeio.
"Sei que está querendo sair daqui e morar sozinha em sua mansão, mas peço-lhe que fique connosco e aceite ser a mãe de meus filhos."
— Senti meu coração acelerar, meu rosto ruborizou e perguntei incrédula:
"Como assim? Mãe de seus filhos? Ouvi bem?"
"Sim", ela se aproximou carinhosa, o que era raro, dizendo entre lágrimas: "Desde que nos casamos, nunca consegui engravidar. Então procuramos os melhores especialistas, fizemos exames e descobrimos que Rodolfo é perfeitamente saudável, mas meu útero não tem capacidade de gerar uma criança. Nasci com uma atrofia intra-uterina irreversível. Jamais poderei ter filhos. Existe tristeza maior para uma mulher casada com um homem rico, da mais alta sociedade carioca, que quer perpetuar sua família?"
— Fiquei assustada com o que ouvi e respondi de imediato:
"Mas como vamos fazer isso?"
"Existem clínicas de fertilização artificial na Suíça, mas Rodolfo não quer envolver conhecidos nisso, e lá a família dele conta com muitos amigos. Mesmo tendo todo o sigilo médico, ele não quer que mais uma pessoa fique sabendo além de nós três. Todo o cuidado é pouco num caso como esse, e Rodolfo teme ser chantageado no futuro."
— Já prevendo o que ela iria propor, adiantei-me:
"Vocês estão querendo que eu tenha relações com Rodolfo e engravide dele?"
— Minha voz saiu com profunda indignação.
"Ora, ora querida", começou Lucélia já com ironia. "Para você convenhamos que não será nenhum sacrifício.
Pensa que não sei que ama meu marido? Pensa que ele não sabe do seu amor? Não fique indignada, você não estará cometendo adultério, é tudo combinado."
"Não, eu jamais aceitaria uma coisa dessas."
"Pense em nossa família, em como vai nos ajudar.
Além do mais, se você continuar morando connosco, poderá conviver com seus filhos normalmente."
"Filhos? Vocês querem mais de um?"
"No mínimo dois. É o suficiente para garantirmos os nomes de tão tradicionais famílias."
— Respondi resoluta:
"Não, infelizmente, o que me pede é impossível."
"Então não terei alternativa, a não ser romper definitivamente com você. Caso você se recuse, eu e Rodolfo pedimos que vá embora de nossa casa e não nos procure nunca mais."
"Você está sendo cruel."
"Não, querida, estou lutando pela minha família. E então? Não temos mais ninguém por parte de nossos pais.
Você vai conseguir passar o resto da vida sozinha?"
"Eu também terei meu marido e meus filhos."
— Ela riu:
"Duvido. Já está com essa idade e nunca encontrou ninguém que a quisesse. Sem graça do que jeito que é, seu destino é ficar solteirona e terminar seus dias num asilo."
— Quando pensei naquilo, eu, que já tinha muito medo da solidão, mudei de opinião e respondi convicta:
"Você tem razão, não tenho outra escolha senão aceitar."
"Muito bem", falou Lucélia alegre. "Vamos marcar várias consultas para você, e quando for confirmado que está tudo bem, aguardaremos seu período fértil e assim você terá relações com o meu marido."
— E assim foi. Os exames médicos mostraram que meu aparelho reprodutor era perfeito, que eu poderia ter quantos filhos quisesse. Aguardamos o período certo e fui para a cama com meu cunhado. Embora no início eu estivesse me sentido errada e suja, passei a gostar daquilo, porque acreditava amá-lo.
Depois de quatro tentativas, fiquei grávida. Foi uma alegria geral. Eu estava tocada, sentindo uma emoção tão forte dentro de mim que não sabia explicar. Eu estava gerando uma vida, ia ser mãe.
Lucélia, após a confirmação do exame, disse: — Agora temos de sair do país. Vamos passar os nove meses de gestação em Paris. Diremos aos nossos amigos que eu estou grávida e quero passar essa fase na Europa com minha irmã. Assim fizemos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 19, 2022 8:56 pm

Quando Caio nasceu pelas mãos de um médico desconhecido, eu tive uma crise de choro. A emoção era grande demais. Peguei aquele neném grande e de olhos espertos no colo e o beijei muito.
Ainda ficamos algumas semanas lá para que eu o amamentasse.
No dia do retorno ao Brasil, Lucélia, já com Caio nos braços, disse:
"Devo dizer que a partir de agora ele não é mais seu filho. Você será a tia, somente a tia, para o resto de sua vida. Fui clara?"
"Sim. Quando aceitei, já sabia que seria assim."
— Tempos depois, quando Caio já tinha um ano, o processo se repetiu. Fiquei grávida novamente e, em Paris, dei à luz Nicole. Mais uma vez senti que eu era a mãe daquela criança, por mais que Lucélia dissesse o contrário.
Todos ficaram muito felizes e na mansão tudo estava em paz. Acostumei-me à situação e me contentei em conviver com eles como tia. Lucélia começou a viajar muito para fora do país e as crianças foram criadas por mim, com todo o amor que uma mãe pode dar aos filhos. Eu os amo incondicionalmente. Quando descobri que Caio era gay, compreendi-o imediatamente e dei-lhe todo o apoio. Sempre soube lidar com o temperamento difícil de Nicole, e fui eu quem passou, ao lado de Luzia, noites insones cuidando deles enquanto estavam doentes. Era eu quem ia às escolas resolver os probleminhas típicos da infância, foi a mim que Nicole contou, em primeiro lugar, que já era uma mocinha, e Caio também me escolheu para ser a primeira a saber de sua orientação sexual. Quer felicidade maior para uma mãe?
Carlos, que até aquele momento não havia ousado interromper a importante narrativa, perguntou:
— Você nunca teve vontade de contar a verdade a eles?
— Sempre tive, mas era ameaçada por Lucélia. Após alguns anos de casamento e já com os meninos criados, ela começou a trair Rodolfo com rapazes jovens. Eu sabia de tudo, mas não contava nada. Como eles viajavam muito e não gostavam do Brasil, venderam-me esta mansão na qual vivo até hoje. Numa dessas voltas de Lucélia ao Brasil, Rodolfo, por meio de um detective, descobriu que ela o traía. Ele já estava desconfiado e provou. Pelas leis do país, ela sairia sem nada do casamento. Desesperada, ela aproveitou que os meninos haviam saído e chamou a mim, Rodolfo e Luzia ao escritório. Lá dentro, ela implorou que ele a perdoasse, mas Rodolfo estava irredutível e, além de deixá-la sem nada, iria revelar a Caio e Nicole quem era a verdadeira mãe deles. Vendo que ele não iria ceder, Lucélia sacou um revólver e atirou em sua cabeça com uma mira invejável. Rodolfo morreu na hora, estendido no tapete do escritório. Vendo-o morto, ela sorriu e disse-nos:
"Rodolfo pensou que estava brincando com quem?
Eu sou Lucélia! Para todos, ele se suicidou, colocarei a arma nas mãos dele apontada para a cabeça, cuidarei para espalhar por sua mão rastilhos de pólvora, e vocês duas vão dizer que estavam no quarto comigo e que, ouvindo um tiro aqui embaixo, correram para ver e foram as primeiras a encontrar Rodolfo morto.
— Eu gritei:
"Seu monstro! Vou entregá-la à polícia já. Há o detective, ele poderá ajudar a condená-la."
"Detective? Mas que detective? Você se refere ao Afonso?
Antes de ontem depositei generosa quantia em sua conta para fosse embora do país com mulher e filho. A essa altura deve estar na Ásia", disse rindo.
"Sua miserável!"
— Avancei para ela querendo estapeá-la, mas ela segurou meus pulsos, dizendo:
"É melhor que me obedeça e faça o que estou mandando, porque, se eu for para a cadeia, Caio e Nicole saberão quem é você. Contarei a história do meu jeito. Direi que você seduziu meu marido e ficou grávida dele duas vezes, mas que nunca quis assumir a maternidade pela vergonha de ser adúltera. Você vai querer que seus filhotes nunca mais olhem em sua linda cara?"
— Fiquei parada e não pude mais dizer nada. Ela olhou para Luzia, que tremia muito, e disse:
"Quanto a você, sei que tem filhos naquela cidadezinha horrorosa de onde veio. Caso diga alguma coisa e eu vá para a cadeia, já deixei matadores de aluguer com todas as fichas deles. Não tenha dúvidas de que eles não viverão para ver a mãezinha novamente."
— Luzia, chorosa, ajoelhou-se:
"Eu digo o que a senhora quiser, mas, por favor, poupe a vida de meus filhos."
"Só depende de você."
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 19, 2022 8:57 pm

— Imediatamente, liguei para a polícia e, quando eles chegaram, confirmamos tudo. Dissemos que Rodolfo havia flagrado Lucélia com outro homem e que, por essa razão estava triste e depressivo, o que culminou no seu suicídio. Pedimos sigilo para o caso de Lucélia, que era uma dama respeitada na sociedade e não tinha culpa da fraqueza do marido em não conseguir perdoá-la. Como você pode imaginar e com certeza sabe, o caso foi muito comentado, e até hoje todos acreditam que Rodolfo se matou por uma causa misteriosa.
Carlos ia começar a falar, quando Caio irrompeu na sala em soluços, dizendo:
— Minha mãe! Minha querida mãe! Por que não me disse antes? Eu a amo, mãe!
Caio correu para abraçar Virgínia, que também rompeu em prantos.
Nicole, que acabava de chegar com Pierre, quando viu toda a cena, sem entender, perguntou:
— Mãe? Caio está chamando tia Virgínia de mãe?
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 19, 2022 9:01 pm

A DESCOBERTA DE GERMANO
Germano estava apertando a gravata diante do espelho.
Precisava estar impecável para a cerimónia de casamento de Virgínia e Carlos, Pierre e Nicole. A morte de Lucélia foi-lhe de grande alívio, porquanto Virgínia dera-lhe carta branca para continuar no comando das empresas brasileiras e do exterior, já que ela nunca gostara do mundo dos negócios e vivia muito bem com a fortuna deixada pelos pais. Ela mal usava o dinheiro dos lucros das empresas que entrava em sua conta bancária todos os meses. Pegava o montante e o distribuía para várias instituições de caridade sérias, dedicadas a minimizar as dores dos semelhantes.
Olhou-se novamente no grande espelho do quarto e sorriu feliz ao pensar que continuaria roubando à vontade, como sempre fez durante todos aqueles anos. Ele estava terminando de pentear os cabelos quando ouviu um grito agudo pedindo por socorro, vindo da sala de estar.
Desceu as escadarias correndo, pois a única pessoa que estava lá era Marília, esperando-o se arrumar para irem ao Clube Carioca, onde a cerimónia se realizaria.
Quando Germano chegou à sala encontrou Marília com os olhos desmesuradamente abertos, toda urinada, puxando os cabelos com força e pedindo aos gritos: — Tire ela daqui, tire ela daqui, Germano. Ela veio do inferno para me matar, está dizendo que vai me levar para as profundezas com ela. Socorro!
Germano e Jurema, que haviam acabado de chegar à sala, assustados com os gritos, tentaram fazer com que ela se acalmasse, mas foi em vão. Quanto mais lhe pediam calma, mais Marília gritava e esperneava. Depois de muito tempo, ela desmaiou. Germano olhou preocupado para Jurema:
— Marília teve uma crise de loucura. Meu Deus, como isso foi acontecer? Minha mulher sempre foi tão equilibrada, tão centrada! — ele passou a mão pela testa para retirar o fino suor.
Jurema tornou:
— Tenho notado que dona Marília está estranha há muitos dias. Está deprimida, sem graça e até chorando.
Nos últimos dias, estava falando muito em dona Lucélia.
— Estranho, não percebi.
— É que ela disfarçava quando o senhor chegava em casa, mas já está estranha há quase uma semana.
— Vou chamar nosso médico de confiança. Por favor, traga-me a agenda.
Ele ligou para o dr. Fábio e pediu que ele fosse à sua casa imediatamente. Como era domingo, o médico não estava de plantão em seu consultório e disse que iria o mais rápido possível.
Enquanto o aguardavam com impaciência, Marília acordou do desmaio e, com os olhos girando entre as órbitas, olhou para o marido em súplica:
— Germano, tire essa mulher daqui. Ela quer me enlouquecer, matar-me! — Marília falava mais controlada, porém apontava para um canto da sala onde ninguém via nada.
Germano tentou acalmá-la:
— Não há mulher nenhuma ali, meu amor, acalme-se.
— Tem sim, é Lucélia. Está rindo para mim com um chicote nas mãos, dizendo que vai me levar para o inferno.
Ajude-me! — voltou a gritar em descontrole.
Germano continuou tentando acalmá-la e disse:
— Lucélia morreu, Marília. Não pode estar aqui. Esqueceu que ela foi assassinada?
— Como vou esquecer, se fui eu mesma que a matei?
Naquela tarde, ouvi vocês combinarem o encontro e, como sabia que ela o estava ameaçando, matei-a sem piedade.
Agora ela voltou para me levar. Por favor, não deixe! Socorro!
Germano e Jurema estavam pálidos. Teria sido mesmo Marília a assassina tão procurada pela polícia? Pelo estado em que estava, eles não tinham a menor dúvida. Provavelmente, o remorso a torturou a ponto de causar-lhe uma crise psicótica.
Marília continuou descontrolada e dizendo as mesmas coisas. Quando Fábio chegou, ouviu e discretamente aplicou-lhe forte sedativo. Quando ela adormeceu, depois de examiná-la melhor, olhou para Germano e afirmou:
— Sua mulher teve uma crise psicótica. Vai dormir com esse indutor, mas, ao acordar, talvez esteja do mesmo jeito. O melhor é levá-la a uma clínica psiquiátrica o quanto antes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 19, 2022 9:02 pm

Germano, nervoso, tornou:
— Estou atrasado para um casamento. Vou deixá-la dormindo e retorno o mais rápido possível.
— Não aconselho que o senhor saia — disse o médico enfático. — Ninguém sabe o tempo que sua esposa levará para acordar. Nesses casos, tudo é muito imprevisível.
Se ela acordar apenas com a empregada em casa, temo pelo que possa acontecer.
— É tão grave assim?
— Há crises psicóticas de várias formas. Só com o tempo e uma boa avaliação psiquiátrica é que poderão lhe dar o diagnóstico preciso, mas até lá é bom não facilitar. O médico, após receber o pagamento da consulta, já ia se retirando quando Germano o chamou a um canto.
— Peço sua discrição quanto ao que ouviu minha mulher dizer. Ela está fora da razão.
— Eu não teria tanta certeza disso — respondeu Fábio. — Ela pode complicar a própria vida e a sua também.
Os psicóticos costumam revelar muitas verdades quando estão em crise. Se Marília matou mesmo Lucélia, o melhor a fazer é interná-la de uma vez por todas no sanatório mais distante que encontrar. Conselho de amigo.
O médico se retirou e Germano sentou-se na poltrona ao lado de Marília, adormecida, com os pensamentos contraditórios.
Só podia ser mesmo verdade. Sua mulher era a assassina de Lucélia. O que fazer? Deveria seguir as orientações do médico e interná-la para sempre?
Realmente, Marília havia assassinado Lucélia com medo de que o marido perdesse tudo e ambos ficassem na miséria. Como o espírito dela estava exilado em outro mundo, o que ela via era apenas o reflexo dos pensamentos de sua mente culpada. Não havia espírito algum perseguindo Marília, a não ser o seu próprio. Aquela mulher, a partir daquele dia, iria amargar para o resto da vida uma loucura irreversível, somente se libertando quando se sentisse quite com as leis cósmicas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 19, 2022 9:04 pm

EPÍLOGO
Clube Carioca nunca esteve tão bonito como naquele dia.
O órgão começou a tocar a marcha nupcial quando Virgínia e Nicole, lindamente vestidas, entraram pela porta principal, tendo Amaro e Fernando como padrinhos.
Quando foram entregues aos noivos, a cerimónia teve início. O juiz de paz falou sobre a importância do amor como único motivo para justificar uma união na Terra, ressaltando os valores da família, dos sagrados laços com os filhos e a boa convivência, tendo o respeito como base para uma vida conjugal feliz.
Ao término, os noivos trocaram alianças e se beijaram.
Os magníficos jardins da mansão estavam abertos para a recepção, e foi com imensa felicidade que Nicole e Pierre, Virgínia e Carlos receberam os cumprimentos.
No dia seguinte, partiram em lua de mel, aproveitando a chegada da primavera ao continente europeu.
Eles haviam escolhido o sul da Itália para viver aquele momento.
Em uma manhã ensolarada, os quatro partiram para conhecer a pequena Vila de Vinhedos. O carro que os conduzia passou por diversos lugares interessantes, até que Virgínia viu uma grande construção em ruínas. Seu coração acelerou e ela sentiu que conhecia aquele lugar. Pediu que o motorista parasse e desceu, sendo seguida pelos outros.
Ela aspirou o ar daquele ambiente e, olhando para as ruínas, sentiu todo seu corpo arrepiar. Carlos e Nicole também sentiram uma emoção que não souberam explicar de pronto. Foi quando Virgínia perguntou ao guia de turismo: — Do que são essas ruínas?
— São do Convento Santa Maria de Jesus. Aí viveram muitos padres e freiras durante mais de dois séculos, até que um incêndio devastador e misterioso acabou com tudo. A Igreja sempre fala em reconstruir, mas nunca leva adiante o projecto.
Virgínia olhou para Carlos e disse, emocionada:
— Tenho certeza de que já vivi aqui.
— Será que foi aqui que nosso amor começou?
— Não sei se foi exactamente neste lugar, mas não tenho dúvidas de que já vivemos juntos na Itália. Um dia, quando for oportuno, Deus vai nos mostrar a verdade.
Eles se despediram do lugar, visitaram outros e retornaram ao hotel. Lá chegando, Virgínia ligou para casa e prontamente Luzia atendeu:
— Dona Virgínia, acabou de chegar. Deu positivo.
Louvado seja Deus!
Virgínia enrubesceu, não sabia se aquilo era bom ou não.
— Você tem certeza, Luzia?
— Tenho sim, está aqui em minhas mãos.
— Tudo bem, darei a notícia a Carlos.
Ela desligou o telefone, aproximou-se do marido, abraçou-o com amor e disse:
— Estou grávida.
Ele se assustou:
— Como assim? Grávida?
— Sim, vamos ter um filho.
Carlos abraçou-a emocionado, beijando-a várias vezes na face.
— Como estou feliz, por que não me disse antes?
— É que eu estava apenas desconfiada, fiz o exame um dia antes de nosso casamento e só hoje entregaram o resultado. Luzia acabou de confirmar.
— Sou o homem mais feliz do mundo, vou realizar o sonho de ser pai.
— E eu a mulher mais feliz. Mesmo sabendo os riscos de uma gravidez aos cinquenta e um anos, sei que a medicina fará o melhor por mim. Nosso filho nascerá lindo e com saúde, e poderá viver ao lado dos irmãos.
— Falando nisso, pensei que Nicole não fosse aceitá-la como mãe. Foi um milagre ter cedido tão rápido.
— É que, no fundo, ela sabia que a mãe dela sempre fui eu.
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