LUZ ESPÍRITA
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2022 8:59 pm

Donos do Próprio Destino
Maurício de Castro

pelo espírito Hermes

SUMÁRIO

PARTE I

NO PASSADO
MOMENTO DE ESCOLHA
DESCOBERTAS NO CONVENTO
SÁBIAS LIÇÕES DO PADRE AMARO
PROCESSO OBSESSIVO
PADRE AMARO FALA SOBRE MEDIUNIDADE
VISITA INESPERADA
LÍVIA CONHECE A REENCARNAÇÃO
O NASCIMENTO DE CAIUS
DE VOLTA AO CONDADO DE SOLETO
ENTRE CARLOS E LUCAS
ACONTECIMENTO INESPERADO
O CHORO
DE VOLTA AO CONVENTO
IRMÃ LÚCIA E UMA SURPRESA DESAGRADÁVEL
A VERDADE SOBRE IRMÃ LÚCIA E CAIUS
DESFECHO IMPREVISÍVEL
INÍCIO DE UMA VINGANÇA
A CIDADE DA FÉ
MADRE CATARINA: O ANJO BOM
CONVERSANDO COM OS ESPÍRITOS
SURPRESA E SOFRIMENTO DE LÍVIA
OBSESSÃO POR AMOR
A REDENÇÃO DE CARLOS
A MORTE DO BARÃO
A NOVA VIDA
CAIUS VÊ O PAI
BERTA PLANEIA
A TERRÍVEL VINGANÇA DE BERTA
O PASSADO EXPLICA O PRESENTE, MAS NÃO O JUSTIFICA
O DESTINO DE CADA UM
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2022 8:59 pm

PARTE II
NO PRESENTE
TODOS REENCARNAM
CAIO E NICOLE RECEBEM UMA NOTÍCIA
LUCÉLIA CHEGA
OS PROBLEMAS DE CAIO
OS PROBLEMAS DE NICOLE
LUCÉLIA: A CHEFE DE UMA ZONA UMBRALINA
REVELAÇÕES DE MARÍLIA,
VIRGÍNIA, ENTRE A CRUZ E A ESPADA
SURGE UMA PAIXÃO
LUCÉLIA DESCOBRE A PAIXÃO ENTRE PIERRE E NICOLE
ROMPIMENTOS E PRESSÕES
MAIS MALDADES DE LUCÉLIA
DESFECHO IMPREVISÍVEL
DESCONFIADOS UNS DOS OUTROS
Os LIMITES DO LIVRE-ARBÍTRIO
FINALMENTE A VERDADE
A DESCOBERTA DE GERMANO
EPÍLOGO
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2022 9:00 pm

MOMENTO DE ESCOLHA
Península Itálica, 1726.
Uma carruagem seguia lentamente pela trilha íngreme que levava ao imponente Convento de Santa Maria de Jesus, enfrentando o forte vento frio e os finos pingos de chuva que teimavam em cair e denunciavam o inverno rigoroso que se abatera por toda aquela região.
No interior da carruagem estava o padre Enrico com o rosto bastante grave, acompanhado da baronesa Lívia, que, por sua vez, também não ocultava o semblante sério e os olhos inquietos de preocupação.
Finalmente, chegaram diante do pesado portão de ferro que dava entrada à imensa construção, cercada de grandes muralhas. Em seu interior, homens e mulheres diziam servir ao senhor. Após se identificarem com o guarda, eles passaram pela alameda principal e foram directo à sala do bispo Ricardo, que os esperava com impaciência.
Sentados em frente àquele homem com aparência severa, e vendo que ele não pronunciaria nenhuma palavra, padre Enrico iniciou:
— Sabemos que o senhor não gosta desse tipo de problema aqui no convento, mas, como lhe contei, não existiria outra pessoa capaz de nos ajudar neste momento. Agradeço-lhe por mim e por Lívia.
O bispo Ricardo olhou-os profundamente e disse:
— Não gosto de lidar com esse tipo de coisa, mas, pela amizade que lhe tenho e pelo seu bom desenvolvimento aqui no convento, bem como toda a amizade que devo à sua família, não poderia negar seu pedido. — Olhou para Lívia e perguntou: — E então, senhora baronesa, decidiu o que fará?
Os olhos de Lívia encheram-se de lágrimas, que caíram livremente por seu rosto. Enxugou-as com delicado lenço de seda, demonstrando seu nervosismo pelo tremor das mãos. Assim, ela falou com voz que a emoção embargava:
— Oh! Senhor bispo, nunca me vi em tal situação. Sei que sou uma pecadora por trair meu marido e estar carregando no ventre um filho bastardo. Mas como o padre Enrico lhe disse, não sei se tenho coragem de tirá-lo de dentro de mim, cometendo um crime ainda muito maior, que é o aborto. Por outro lado, essa criança é filha de um amor verdadeiro, do homem que amo, não é justo deixá-la viver?
Fez pequena pausa e ainda emocionada continuou:
— Mas se deixá-la viver será para mim um sofrimento tão intenso que não sei se vou aguentar. Como vou sair daqui deixando meu filho sem a convivência de uma mãe, vivendo entre os rejeitados deste convento?
O ambiente ficou silencioso por alguns minutos e ninguém ousou emitir opinião, até que o bispo Ricardo quebrou o silêncio:
— São os velhos problemas da consciência humana.
Contudo, a senhora terá de escolher e deverá ser rápida.
Já sabe que, com o passar do tempo, é muito mais perigoso interromper uma gestação. — Questionou ao padre Enrico: — Qual foi mesmo a desculpa que deram ao barão Rodolfo para que Lívia pudesse passar tanto tempo longe de casa?
Padre Enrico tornou sério:
— A velha desculpa de sempre. Fiquei uns dias com ela e disse ao barão que ela precisava de um retiro espiritual longo no qual pudesse se livrar da tristeza estranha e profunda que havia se abatido sobre ela nos últimos dias. O barão, que a ama e faz de tudo para vê-la feliz, concordou de imediato, principalmente com a garantia de que ficaria sob minha tutela durante todo o tempo. Ele sabe que somos primos e confia cegamente em mim.
— Avisou que ele não poderá aparecer por aqui sob nenhuma hipótese?
— Sim. Expliquei-lhe que os retiros espirituais não podem ser interrompidos, porque nesse período a pessoa precisa ficar em contacto constante com Deus.
— E ele não fez nenhuma objecção?
— Não. Até porque o barão viaja muito e já está de partida para a África, onde ficará por longo período em busca das riquezas daquele continente.
O bispo Ricardo demonstrou alívio:
— Melhor assim, não quero enfrentar nenhum problema por estar ajudando uma pessoa que se deixou levar pelas ilusões da carne sem medir as consequências. Agora vá, mostre-lhe seus aposentos e a apresente à abadessa Lúcia. É ela que cuida desses problemas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2022 9:00 pm

Lívia, profundamente agradecida, beijou-lhe as mãos e saiu acompanhada do primo Enrico. Foram andando por imensos corredores de pedra cheios de portas, que ela imaginava ser as celas das noviças e freiras. O ambiente era imensamente frio, o que a fez tremer. Contudo, a jovem não sabia dizer que frio era maior: o de sua alma, que sofria por ter de tomar uma difícil decisão, ou o daquele lugar completamente triste e sem vida.
Chegaram ao gabinete da abadessa Lúcia e, ao conhecer a mulher, Lívia sentiu um medo inexplicável.
Observou-a bem e notou que seus olhos negros e grandes demonstravam uma maldade que procurava esconder na figura de religiosa. De fato, irmã Lúcia era daquelas que haviam procurado a religião, bem como a vida reclusa, para melhor expandir sua personalidade inferior e seus instintos animalescos. Olhou para os dois e, com um gesto, fez com que sentassem. Dirigindo a palavra a Lívia, disse:
— Como já deve ter sido informada, eu serei responsável por você durante todo o tempo em que ficar aqui. Mesmo sendo conhecida do bispo Ricardo, terá de se submeter às disciplinas severas do convento para mulheres que chegam aqui em seu estado. Seus aposentos são anexos a esta sala, de forma que a estarei vigiando todo o tempo.
— Não pensei que me tornaria uma prisioneira, apesar de saber que lugares como este não passam de prisões disfarçadas. Contudo, gostaria de ficar entregue aos cuidados do meu primo Enrico, que tenho certeza saberá me tratar tão bem quanto a senhora.
Pelos olhos da abadessa passou um brilho de ódio.
Nem bem aquela baronesa havia chegado, em uma situação precária, e já ousava desafiá-la. Tentou disfarçar o rancor e prosseguiu:
— Devo relembrar à senhora baronesa que este convento é exclusivamente para mulheres. Além do nosso director e de alguns padres que vêm ministrar aulas às noviças, o único homem que existe aqui é o padre Amaro, que cuida das nossas crianças. A senhora deve convir que não ficaria bem para a instituição que uma mulher ficasse aos cuidados de um padre. Por essa razão, querendo ou não terá de se submeter às minhas disciplinas.
Lívia ia revidar indignada, mas padre Enrico fez um gesto para que se calasse e interveio:
— Não se preocupe, senhora abadessa, minha prima Lívia cumprirá com as normas do convento. É que, acostumada a mandar, é natural que fique chocada com um estilo de vida completamente diferente do seu. Perdoe-a por ter se expressado mal.
A abadessa fez um gesto como que a dizer que a perdoava e, em seguida, disse calmamente:
— Sei como são essas mulheres, principalmente como sua prima, que se deixam levar pelo pecado sem o menor constrangimento, mas creio que eu e a baronesa nos daremos muito bem. — Com o olhar severo e fixo em Lívia, indagou: — Espero também que já tenha decidido o que fazer com a criança, ou ainda não sabe?
— Ainda não decidi e não quero ser pressionada, espero que a senhora entenda isso e me deixe em paz — tornou Lívia completamente irritada. — Agora, leve-me aos meus aposentos, preciso descansar. Essa viagem foi muito desgastante. Será que poderei, ao menos, ver o meu primo quando desejar?
Irmã Lúcia sentiu prazer ao dizer:
— Não será assim como quer. O padre Enrico tem muitas tarefas a desenvolver aqui no convento e, além disso, deverá dedicar seu tempo às orações, pedindo para que Deus a perdoe.
— A senhora fala tanto em pecado, mas os abortos que a senhora realiza são pecados ainda maiores. Como pode ser tão severa com os erros dos outros?
Irmã Lúcia, pega de surpresa pela ousadia e pelo questionamento da jovem, precisou de algum tempo para responder. Por fim, disse:
— Não é pecado algum o que faço. Apenas ajudo pessoas como você a não colocarem filhos bastardos no mundo, frutos do pecado. Além do que, só aborta quem quer, aqui a mulher é livre para retirar a criança ou deixá-la crescer e depois doá-la à nossa instituição. Por esse motivo, peço que se decida logo.
A conversa pareceu se encerrar, e a abadessa a levou para seus aposentos. Lívia entrou, despediu-se do primo, e ao ver-se sozinha naquele ambiente uma grande tristeza a acometeu. O quarto era escuro, iluminado apenas
por uma pequena clarabóia, situada num dos cantos do tecto. As paredes de pedra deixavam o ambiente extremamente frio, e em toda sua vida nunca sentiu tanta angústia e solidão. "Será esse o preço que terei de pagar por ter me casado por interesse, me apaixonado por Carlos e estar traindo meu marido? Meu Deus, perdoe-me e me ajude a tomar a melhor decisão."
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2022 9:00 pm

Sem que ela pudesse ver, um espírito iluminado surgiu no ambiente e, enternecido com suas dores morais, deu-lhe um passe calmante, enquanto dizia:
— Filha querida, não erre mais e deixe essa criança nascer. Caius precisa renascer para enfrentar os desafios da vida, crescer moralmente, evoluir e encontrar a felicidade.
Sua consciência já a acusa pela traição, não queira ficar presa a outras culpas por não ter permitido que mais um filho de Deus chegasse ao mundo. Entre Caius e você há uma profunda ligação de amor fraterno, e você prometeu que o receberia na Terra. Tenha coragem e confie em Deus, ainda que tenha de deixá-lo entre os rejeitados do convento, a vida encontrará uma maneira sábia de uni-los no futuro. Que Jesus a abençoe!
Mesmo sem registrar aquelas palavras, Lívia foi sentindo uma sensação imensa de paz, que aos poucos a envolveu, deixando-a tranquila e serena. Dentro de si já havia tomado a decisão: seu filho iria nascer e depois encontraria uma maneira de tê-lo perto de si.
Mais calma, começou a pensar em sua vida. Vinda de família nobre, porém falida, Lívia foi obrigada pelos pais a casar-se ainda muito jovem com o barão Rodolfo. O casamento era, na verdade, uma forma de salvar a família da bancarrota financeira e devolver-lhes os bons tempos de faustosa riqueza. Ela era a única filha, e só aceitou o casamento porque não queria ver o sofrimento dos pais, nem o seu próprio, já que desde a mais tenra idade sempre vivera no luxo.
O barão Rodolfo era um viúvo bem mais velho que ela e sem filhos. Logo que se casou, comunicou-lhe sobre sua impossibilidade de ter filhos, por conta de uma grave doença pela qual passara na adolescência. Lívia foi compreensiva e, apesar de não amá-lo nem sentir atracção física por ele, procurou ser a melhor das esposas. O barão a cobria de carinhos e seu palacete no Condado de Soleto, além de exuberante e luxuoso, era cheio de empregados, que só faltavam adivinhar-lhe os pensamentos. Contudo, talvez por não amá-lo, ela sentia um grande vazio interior, até que conheceu Carlos, um dos soldados que faziam parte da guarda da casa.
Dos primeiros olhares até os encontros não se passaram nem dois meses, e eles se tornaram amantes. Lívia e Carlos contavam com a ajuda da fiel camareira Luzia, que facilitava os encontros sempre durante o período em que o barão viajava.
Tudo tinha de acontecer no mais absoluto sigilo, porquanto a mãe do barão, Filomena, também morava no palacete, o que, por vezes, dificultava os encontros.
Naquele momento, entre as paredes frias do convento, mesmo sentindo-se pecadora, Lívia não deixou de agradecer a Deus por ter descoberto o amor, ainda que de forma ilícita. Relembrou os vários momentos vividos com Carlos e até mesmo as vezes em que ele se aventurou a subir pelas cordas que ela jogava para que chegasse à sua alcova.
Pensando no amado, o sono foi dominando-a e ela adormeceu com a certeza de que, houvesse o que houvesse, não mataria o filho, muito menos desistiria de seu amor pelo soldado Carlos.
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DESCOBERTAS NO CONVENTO
No dia seguinte, ainda era bastante cedo quando Lívia acordou sobressaltada pelo ranger da porta de seu quarto, por onde entrou uma noviça carregando uma bandeja com alimentos.
— A abadessa pediu que lhe trouxesse a alimentação da manhã.
— Obrigada, pode deixar em cima da cama.
Enquanto a noviça arrumava a bandeja por entre os lençóis, Lívia notou que ela tremia e que seu rosto estava bastante pálido. Curiosa, perguntou:
— Sente-se bem? Noto que está nervosa.
A outra pareceu estremecer ainda mais e, vendo que Lívia esperava a resposta, tornou:
— Não se preocupe, senhora baronesa, venho sentindo um pequeno mal-estar há alguns dias. Se não melhorar, creio que irmã Lúcia chamará o médico do convento.
Lívia percebeu que ela ficara ainda mais nervosa e mentia. Sentindo imensa pena da jovem, sem mesmo saber por que, tentou fazer com que ela se abrisse:
— Noto que você está passando por um sério problema.
Como se chama?
— Irmã Helena — disse num fio de voz.
A baronesa, num ímpeto de bondade, fez com que ela se sentasse, pegou em suas mãos frias e trémulas, e disse com carinho:
— Helena, vejo que está sofrendo muito e não sei a razão pela qual me afeiçoei a você. Se confiar em mim, poderei ajudá-la.
Helena começou a chorar baixinho, revelando que seu drama era maior do que a baronesa imaginava.
— A senhora é muito bondosa, mas meu problema só eu poderei resolver. Tive de tomar uma séria decisão, e hoje à noite tudo estará terminado.
Lívia, de maneira rápida, compreendeu a situação e afirmou:
— Você está grávida e, pelo visto, resolveu matar o seu filho. Não é verdade?
Sem mais poder esconder a sua situação, e vendo que Lívia só queria ajudá-la, Helena revelou tudo entre soluços:
— Estou grávida e nunca em minha vida pensei que pudesse acontecer isso comigo, muito menos que chegaria ao crime de matar uma criança inocente, na verdade, meu próprio filho. Mas não tenho alternativa. A abadessa está me pressionando e resolvi ceder.
— Mas o bispo Ricardo disse que nenhuma mulher aqui precisa abortar, só o faz se quiser. Por que não desiste e deixa que seu filho nasça?
Helena limpou as lágrimas com as costas das mãos e tornou:
— Se eu deixar essa criança nascer, ela passará a viver entre os órfãos do convento e eu jamais iria conseguir conviver com meu filho sem poder abraçá-lo, dizer que sou sua mãe. Também não sei se conseguiria viver vendo essa criança e lembrando que foi fruto de um pecado.
— Mas você escolheu a vida religiosa, servir a Deus, ser a noiva de Jesus, como pôde se deixar levar pelas tentações da carne?
— Isso é mais comum acontecer do que a senhora imagina. Jamais irmã Lúcia poderá saber que lhe contei alguma coisa, mas a vida em um convento não é o que muitos imaginam. Muitas de nós têm real vocação, queremos servir a Deus, mas continuamos com os nossos desejos da vida mundana e nem sempre conseguimos nos controlar. Aqui, nesta instituição, há alguns padres e diáconos que vêm para nos instruir. Eles também estão cheios de desejos da carne e não titubeiam em nos seduzir, às vezes com promessas ilusórias de uma vida em comum ou de amor eterno. Como somos humanas, acabamos caindo na tentação. Os abortos são praticados constantemente e, para isso, tanto o bispo Ricardo quanto a irmã Lúcia utilizam uma sala nos subterrâneos do convento.
Irmã Lúcia é especialista em fazer abortos, e marcou o meu para hoje à noite. Sei que estarei pecando ainda mais com esse crime, mas não posso voltar atrás.
Lívia ouvia o relato horrorizada, nunca imaginara que em casas consideradas de Deus pudesse acontecer aquilo.
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Pensava que só mulheres como ela é que recorriam àquele tipo de coisa. De tão interessada que estava na conversa, Lívia mal tocou no alimento. Vendo que era ouvida com atenção, a noviça Helena continuou:
— Mas não é só isso que acontece por aqui. Este lugar frio e sem vida durante o dia ganha calor e vida durante a noite. Quase todas as noviças e freiras se entregam aos prazeres da carne, não só com os padres, mas entre si mesmas. Há, também, os padres e noviços que se entregam à sodomia, relacionando-se uns com os outros.
Lívia, cada vez mais estarrecida, perguntou:
— Mas será que em todo lugar como esse ocorrem essas práticas?
— Não podemos generalizar, devem existir outros ambientes onde os religiosos são sinceros e se entregam a Deus, de fato. Contudo, para nós, é difícil vencer a tentação dos prazeres da carne.
Lívia lembrou-se de algumas conversas que havia tido com o primo Enrico e sabia que ele era um padre diferente.
Tinha ideias abertas e não concordava com a vida celibatária imposta aos religiosos. Ainda que não tivesse nenhuma amante, não considerava pecado o amor que surgia, muitas vezes de maneira sincera, entre os religiosos.
Lembrando-se das palavras dele, disse:
— Pois eu acho que a Igreja deveria rever essas questões.
O ser humano nasceu para ser livre e amar. Quem disse que para servir a Deus precisamos ficar longe dos prazeres físicos? Eu garanto que se padres e freiras pudessem se casar, não existiria essa devassidão nos meios religiosos.
Helena também concordava com aquela ideia, mas sabia ser impossível.
— A Igreja é muito fechada, não só para esta, mas para muitas outras questões. Creio mesmo que ficará por muito tempo assim. Contudo, tenho a real intenção de servir a Jesus, e agora aprendi a lição. Nunca mais vou me deixar levar pelos prazeres mundanos.
— E você vai conseguir viver toda sua vida sem amor e prazer? — questionou Lívia curiosa.
— Apesar de saber que esses prazeres são bons e naturais, também aprendi que podemos sublimá-los vivendo em união verdadeira com Deus e em serviço ao nosso semelhante. Acredito que, assim como eu, os religiosos que se deixam levar só o fazem porque não se interessam em aprender a sublimar esses sentimentos. Tenho certeza de que conseguirei.
Passos curtos vindos da antessala fizeram com que a conversa fosse encerrada. Era a abadessa que se aproximava.
Entrou no quarto e observou:
— Posso ver que conversavam bastante. Do que falavam?
Helena ficou ainda mais pálida e nada respondeu, enquanto Lívia disse calmamente:
— A noviça Helena é uma pessoa muito boa e simples.
Estava me sentindo muito só e pedi que me fizesse companhia, já que não posso ficar tão próxima do meu primo Enrico. Então, aproveitamos para conversar sobre a vida religiosa.
Pelos olhos de irmã Lúcia passou um brilho de desconfiança.
— Pode sair, irmã Helena. Eu mesma me encarrego de levar a bandeja assim que a baronesa terminar de se alimentar. Vá cuidar de seus afazeres.
Ao ficar a sós com Lívia, irmã Lúcia falou secamente:
— Gostaria de avisar que, assim como padre Enrico, as noviças e freiras daqui têm muito o que fazer.
Quando não estão cuidando do convento, estão dedicadas às orações, não convém que você fique lhes tomando o tempo.
Lívia irritou-se, mas procurou se conter.
— Entendo perfeitamente, senhora, mas já aviso que não ficarei os nove meses presa neste quarto. Sei que este convento é imenso, há muita coisa para conhecer, quero ver o pomar, o jardim, a horta e também as crianças do padre Amaro. Meu primo Enrico disse que ele tem uma escolinha onde lhes ensina as primeiras letras. Creio que vou lá hoje mesmo.
Lívia ia se levantando quando a abadessa pegou em seu braço com força.
— Não pense que conseguiu me enganar. Conheço irmã Helena e sei como é fácil para ela contar as coisas.
Seja o que for que tenha ouvido dela, deverá manter total sigilo. Se revelar alguma coisa, eu mesma escreverei uma carta a seu marido dizendo o que a trouxe aqui.
Sentindo medo, Lívia não disse mais nada, soltou-se das mãos da mulher e saiu a passos rápidos pelo corredor.
Sem saber muito bem para onde estava indo, deparou com um belo jardim onde um religioso de meia-idade cuidava das flores ajudado por algumas crianças. Sua vontade de se ver livre daquela mulher horrorosa foi tanta, que ela nem se deu conta de que não havia feito sua toalete.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2022 9:01 pm

Aproximou-se do senhor e disse:
— Bom dia, caro padre. Posso observar um pouco suas actividades com as crianças?
Padre Amaro abriu um grande sorriso.
— Esteja à vontade, senhora. A propósito, como se chama? Nunca a vi por aqui.
— Sou a baronesa Lívia Soleto, e estou aqui para fazer um retiro espiritual.
Padre Amaro olhou-a profundamente e logo percebeu do que se tratava. Com sua discrição de sempre, desviou os pensamentos e disse alegre:
— Este é um bom lugar para se pensar na vida, mas tenho uma opinião mais particular. Não existe lugar melhor para se encontrar Deus do que no contacto com a natureza.
Por esse motivo ensino as minhas crianças, desde cedo, a lidar com a terra. Quem lida com ela, principalmente se tiver amor, estará tão perto de Deus que jamais se sentirá infeliz.
— O senhor diz coisas diferentes da maioria dos padres, que querem nos ensinar a encontrar Deus nos templos de pedra. Nunca foi censurado em suas opiniões?
Padre Amaro, percebendo que as crianças estavam entretidas com o jardim, chamou Lívia a um banco; depois que se sentaram, disse, ajeitando os óculos:
— Sabe, minha filha, já vivi muito, estou trabalhando aqui há mais de três décadas. Não sei se pelo peso da minha idade ou porque o bispo Ricardo me tem em grande conta, sou bastante respeitado. Não deixo de seguir as regras e os rituais da Igreja, mas permito-me pensar por conta própria e posso lhe garantir que Deus não está aí não — disse, apontando para a grande construção do convento. Depois, continuou: — Deus está ali naquelas flores, na inocência daquelas crianças, nesse ar puro que respiramos, na chuva que molha a terra, na perfeição dos astros que povoam o infinito e onde estiver todo coração cheio de bondade e despido de preconceito.
Lívia encheu os olhos de lágrimas. Fosse pela presença daquele bondoso senhor, fosse pelas suas ideias, ela sentia uma emoção que não sabia explicar em palavras.
A conversa iria continuar não fosse pela chegada do padre Enrico que, rindo muito, disse:
— Senhora baronesa, minha prima. Como ousou sair por aí com roupas de dormir e despenteada desse jeito?
Irmã Lúcia pediu que eu a procurasse e a levasse de volta ao quarto. — Olhando para padre Amaro, pediu: — Não ligue para essa falta de modos de minha prima, caro padre, é que ela não está acostumada com a vida daqui.
Creio que em pouco tempo vai se adaptar.
— Sua prima tem a grande qualidade da espontaneidade, pena que esteja agasalhando uma grande tristeza no coração. Mas tenho certeza de que o Nosso Senhor Jesus Cristo vai levá-la de volta à alegria.
— Obrigada, padre Amaro, suas palavras me fizeram bem. Gostaria de, em outro momento, conversar mais com o senhor.
— Teremos muito tempo para isso. Agora vá com o padre Enrico. Realmente precisa se trocar — disse rindo.
Lívia deu o braço ao primo e ambos seguiram para o interior do convento. Nela só havia uma certeza: dentro daquele ambiente havia poucas almas boas e compromissadas com Cristo. E uma delas era o padre Amaro.
Era com ele que iria se abrir e contar toda sua vida.
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SÁBIAS LIÇÕES DO PADRE AMARO
Assim que entraram nos aposentos de Lívia, padre Enrico questionou:
— Quer dizer que já decidiu, não é? Deixará seu filho nascer. Fiquei muito feliz com sua decisão.
— Quem lhe contou?
— Irmã Lúcia, ao me chamar e pedir para procurá-la, disse-me que você afirmou que ficaria os nove meses aqui no convento. Supus que optou por deixar a criança nascer.
— Sei que será, para mim, um sofrimento muito grande ter de sair daqui deixando meu filho, mas ao mesmo tempo tenho esperanças de convencer meu marido a adoptar uma criança, então virei aqui e o levarei para casa.
— Será que ele não vai desconfiar de nada? — questionou padre Enrico temeroso. — Temo o que pode acontecer se o barão descobrir a verdade, e ainda tem a agravante de você mentir mais uma vez para ele.
— Minha consciência cobra-me por muitas coisas, mas ainda assim tudo farei para ter meu filho comigo.
— Você é quem sabe. Só peço que tome cuidados ao voltar para casa. Se engravidar mais uma vez será difícil convencer o barão a deixá-la fazer novo retiro espiritual.
Lívia tentou desviar o rumo da conversa que a estava desagradando sobremaneira. Assim, perguntou ao primo:
— E você? Não consigo imaginar como pode ser feliz em um lugar como este. Com sua mente aberta, poderia até mesmo deixar de ser padre, se casar, levar uma vida comum. Por que não faz isso?
Os olhos de Enrico brilharam ao dizer:
— Sinto-me muito feliz com a vida que escolhi, além disso não estou preso a este convento, estou aqui passando um tempo, dando aulas às noviças. Creio que nasci para a vida religiosa, embora discorde de muitas posturas da Igreja.
Os olhos de Lívia se tornaram maliciosos, e ela questionou:
— Será que não se sente feliz por estar envolvido com alguma freira ou padre?
Enrico respondeu com segurança:
— Embora não concorde com o celibato, procuro respeitar o meu juramento e ser feliz de outras maneiras, nunca me envolvi com ninguém. Mas não me fecho a uma relação amorosa, o dia em que me descobrir gostando de alguém, sairei da Igreja.
Lívia percebeu que o primo estava sendo sincero e resolveu dar a conversa por encerrada. Depois de se arrumar, após padre Enrico sair do quarto, ela, sem ter o que fazer, pegou um dos livros que trouxera em sua bagagem e tentou ler. Contudo, seus pensamentos estavam agitados, e ela não conseguiu se concentrar na leitura. Muitas culpas rondavam seu espírito e ela não sentia paz. Lembrou-se de padre Amaro, de suas palavras e resolveu que ainda naquele dia iria procurá-lo para se abrir com ele.
Precisava de um alívio para sua mente perturbada.
O dia passou lentamente, e foi com ansiedade que Lívia esperou o fim da tarde para falar com padre Amaro.
Sabia que o religioso era bastante ocupado e não seria conveniente procurá-lo durante a tarde. Assim que o Sol se despediu no horizonte, ela rumou para a escolinha, onde sabia que encontraria padre Amaro dando as lições finais às crianças.
O inverno seguia rigoroso e a chuva fina, acompanhada do frio cortante, chegou com intensidade naquele fim de tarde. Lívia odiava aquele tempo, sentia-se muito triste e não tinha ânimo para fazer nada. Em todos os anos era com ansiedade que esperava a chegada da primavera e do verão. Parecia que o frio despertava-lhe emoções bastante penosas, deixando sua alma vazia e angustiada.
Ao entrar na escolinha, percebeu que padre Amaro estava sozinho. Bateu levemente na porta, perguntando: — Incomodo?
Padre Amaro ajeitou os óculos para ver melhor e sorriu ao identificar a baronesa.
— De forma alguma, senhora baronesa. As crianças acabaram de sair para a sopa e eu estava terminando de fazer algumas anotações. Fico muito feliz com sua visita.
Lívia sentiu-se à vontade e, sentando-se ao lado do padre no banco tosco, começou:
— Senhor padre, na verdade vim aqui para lhe fazer uma confissão. Minha alma sente-se culpada, e essa culpa tem me atormentado dia e noite. Ao conversar com o senhor pela manhã, tive a certeza de que é a única pessoa capaz de me compreender e ajudar.
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro Empty Re: Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2022 9:01 pm

Padre Amaro parou as anotações que estava fazendo, olhou profundamente dentro dos olhos de Lívia, e falou com bondade:
— Não sou muito a favor de confissões, até porque ninguém neste mundo tem autoridade moral suficiente para perdoar os erros dos outros. Portanto, considere nossa conversa um diálogo entre amigos que se gostam e se confiam mutuamente.
Sentindo-se encorajada, Lívia contou-lhe toda sua vida, desde o casamento por interesse, para ajudar a família a sair da ruína, até o relacionamento com Carlos, finalizando com a gravidez e o abandono do filho no convento. Quando terminou, estava em lágrimas. Padre Amaro, com muita calma, disse:
— Minha filha, realmente você está se deixando levar por um dos piores sentimentos que o ser humano pode ter: a culpa. Ela cria, para a nossa vida, a maioria dos sofrimentos. Hoje você sofre, e só vai melhorar quando deixar de se culpar.
— Mas como eu posso deixar de me culpar? Casei-me sem amor, sou uma adúltera e ainda terei de abandonar meu filho! — Exclamou, deixando que grossas lágrimas caíssem de seus olhos.
Padre Amaro condoeu-se do sofrimento daquela mulher, mas não desistiu de ajudá-la. Acariciando suas mãos de maneira fraternal, disse:
— Você, minha filha, assim como a maioria das pessoas, foi criada numa sociedade falsamente cristã, onde instituíram o que é certo e errado, bom ou mau, segundo os próprios interesses, sem levarem em conta a natureza de cada um nem suas necessidades de aprendizado. Estamos no mundo para aprendermos a ciência da felicidade; foi para isso que Deus nos criou, mas ninguém pode ser feliz se viver contra sua própria alma ou seu próprio coração. — Fez pequena pausa e perguntou: — Dentre essas coisas que você fez, teve algum momento em que pensou em prejudicar o próximo?
Lívia pensou e respondeu:
— Não. Muito pelo contrário, mesmo sabendo que não estava agindo correctamente, casei-me para ajudar minha família. Meu relacionamento com Carlos não é uma aventura ou uma situação forçada para obter prazeres carnais, eu o amo de verdade e, se não fosse minha família, fugiria com ele para muito longe só para ser feliz.
— Quero que você entenda que o mal não está no ato em si, muito menos em seus resultados. O mal verdadeiro está na vontade que se tem de praticá-lo, ou seja, está puramente nas intenções, e é por meio delas que Deus analisa suas criaturas, por meio de leis soberanamente justas, eternas e imutáveis. Ocorre que o homem, deturpando os ensinamentos de Cristo, criou a filosofia do pecado e do castigo. Mas posso lhe afirmar que Deus não castiga ninguém e que não existe pecado. Cada ser está em uma faixa de entendimento próprio e sempre vai agir de acordo com ela. Conforme for recolhendo os resultados, vai amadurecer, crescer, evoluir; se for necessário, mudará o proceder. Como ninguém erra por querer, e sim por ignorância, não há por que se culpar, apenas tem de tomar consciência do erro e tentar agir melhor. Mas isso deve acontecer naturalmente, de dentro para fora, e não porque a religião ou a sociedade impõem.
Lívia estava elevada com aquelas palavras. De repente, parecia que boa parte do peso da culpa havia saído de suas costas. Olhou para o padre Amaro e disse:
— Cada vez mais, noto que o senhor é muito diferente da maioria dos padres que conheço. De onde tirou tanta sabedoria?
— Não há segredo, é a própria vida que ensina. Basta olhar a natureza e suas leis para conhecer Deus.
— Mesmo com tudo o que me disse, ainda tenho medo de errar. O que fazer para me libertar disso?
— Em primeiro lugar, jamais permita que algo ou alguém, por mais santificado que pareça, diga o que é certo ou errado em sua vida. Ninguém sabe o que você precisa vivenciar para desenvolver seus potenciais de espírito eterno. Sempre que tiver alguma dúvida, recolha-se em um lugar sossegado, ore e pergunte a Deus o que fazer.
Tenho certeza de que a resposta virá por meio de você mesma, pela sua intuição. É assim que o Criador se comunica connosco. Seguindo a intuição, jamais vamos nos arrepender.
— Então devo continuar com minha vida de sempre sem sentir nenhuma culpa?
Padre Amaro sorriu com bondade.
—E a culpa vai ajudá-la em quê? É claro que pelas leis sociais, o mais certo seria você deixar de se relacionar com Carlos e contar toda a verdade a seu marido. Mas as coisas não são tão simples assim, e ninguém pode fazer o que ainda não está ao seu alcance ou não tem vontade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2022 9:01 pm

Apenas peça a Deus para fortificá-la e tenha certeza de que Ele jamais vai abandoná-la. Ademais, até que ponto podemos saber se você está errada ou certa? O apóstolo Paulo disse: "Nada é impuro por si mesmo, mas aquilo que o homem achar impuro é que se tornará impuro para ele". Pense nisso, reflicta e sempre que precisar estarei aqui para conversarmos.
De tão emocionada, Lívia, num gesto de espontaneidade, abraçou-o como se estivesse abraçando seu próprio pai. Minutos depois, ao sair dali, sentia-se mais leve, mais calma e com a certeza de que Deus a amava profundamente em qualquer situação.
Naquela noite, Lívia dormiu muito bem, como há muito não conseguia. As energias de padre Amaro a envolveram com tamanha intensidade que desfizeram toda a aura negativa que ela estava acumulando havia muito tempo.
Lívia não sabia, mas padre Amaro era um espírito altamente evoluído, que havia reencarnado com a missão de ajudar as pessoas a encontrarem o próprio caminho, ainda que dentro do seio da Igreja Católica. Não foram poucos os que ele havia conduzido para dentro da própria alma, mostrando o verdadeiro Deus: Aquele que não julga, não condena, não castiga; apenas compreende e ama.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 14, 2022 11:29 am

PROCESSO OBSESSIVO
Apesar de estar dormindo profundamente, Lívia despertou assustada, ouvindo gritos e palavras desconexas que ecoavam por todo o convento. Assustou-se, vestiu um penhoar e foi até o corredor. Algumas freiras corriam, outras se escondiam debaixo dos pesados móveis, numa confusão que ela não conseguiu entender.
Ficou parada na porta igualmente assustada, até que ouviu a voz de irmã Lúcia dizer:
— Podem se acalmar, ela já foi pega e está sendo amarrada. Voltem para suas celas e rezem muito.
As freiras obedeceram e quando uma delas passou por Lívia, ela a segurou levemente pelo braço e perguntou:
— Posso saber o que aconteceu aqui?
— Ah, a senhora é a baronesa? — tornou a outra, mostrando no rosto ainda visível preocupação.
— Sim, sou. O que houve?
A freira encostou-se mais em Lívia e disse baixinho:
— É porque você nunca veio aqui, mas de vez em quando o demónio ataca uma de nós e dá nisso. As vezes, ele nos faz correr, gritar, tirar as roupas, falar palavras de baixa moral. Muitas enlouquecem de vez. Desta vez, aconteceu com a coitada da irmã Helena. — Lívia assustou-se.
Helena era sua amiga. A outra continuou: — Começou a gritar e a correr por todos os lados dizendo coisas que ninguém compreendia.
— O que dizia? — perguntou Lívia curiosa.
— "Você prometeu que deixaria Olívia nascer, você prometeu, agora quer se livrar dela? Vai penar nas chamas eternas." Enquanto ela gritava, corria muito, dava tapas no rosto e corpo. Mas, felizmente, os guardas ajudaram a irmã Lúcia e ela já está imobilizada.
— E para onde ela foi levada?
— Quando isso acontece, a irmã Lúcia e o bispo Ricardo prendem-nas no isolamento.
— Mas todas as celas são de isolamento. — Lívia disse estranhando.
— Essas às quais me refiro ficam no subterrâneo. Até que um exorcista venha aqui ou a pessoa melhore por conta das orações da abadessa, ficará lá.
Lívia agradeceu e retornou aos seus aposentos. Estava muito assustada. Nunca poderia imaginar que o demónio pudesse entrar num local como aquele. Mas lembrou-se de que ali havia muitas práticas ilícitas. Provavelmente era por esse motivo que o demónio as atacava. Ficou pensando no que a freira lhe disse e percebeu algo estranho. Por que o demónio dizia que Helena estava impedindo Olívia de nascer? Resolveu que perguntaria o que se passava a padre Amaro. Em seguida, mergulhou nos cobertores e em poucos minutos havia novamente adormecido.
No gabinete do bispo Ricardo, a abadessa Lúcia estava muito preocupada:
— Apesar de amordaçada, ela não para de repetir a mesma frase. Estou achando isso perigoso.
O bispo olhou-a calmo.
— Não há perigo. Esses ataques são comuns, logo ela há de estar melhor.
— O senhor sabe a que me refiro. Esse demónio que atacou irmã Helena é a alma de alguém que está no purgatório.
Conheço bem. Quando isso acontece, a pessoa não melhora e nunca mais volta a ser ela mesma. A alma que a atacou falava claramente do aborto que iríamos fazer na madrugada. Não acha perigoso mantê-la viva correndo o risco de ter novamente esses ataques?
Dava para se notar um ar de preocupação no rosto do bispo.
— Podemos deixá-la para sempre no isolamento.
Seria uma boa solução.
— Penso que não — completou irmã Lúcia, com os olhos maldosos. — O convento, de tempos em tempos, recebe visitas de inquisidores, que vasculham tudo. O melhor, mesmo, é não termos problemas...
Padre Ricardo, entendendo o que ela queria dizer, acabou concordando:
— Faremos o que é certo o quanto antes. Vamos lá.
Eles desceram pelo longo corredor de pedra que levava ao gabinete da abadessa e não perceberam que eram seguidos por espíritos altamente inferiores, aqueles que realmente aproveitavam suas fraquezas para fazer o mal.
A abadessa entrou em seu gabinete de forma silenciosa e abriu um armário, que ficava atrás de sua escrivaninha.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 14, 2022 11:29 am

Logo se viu grande quantidade de frascos, os mais diversos, de todos os tamanhos e formatos. Ela os analisava minuciosamente até que disse:
— É este aqui! Vamos, bispo.
Entraram por outro corredor, chegaram a uma pequena sala, tiraram um grande tapete que encobria a pequena porta dos subterrâneos e entraram. Logo que chegaram à cela, perceberam que Helena ainda se debatia e gritava as mesmas coisas. Quando os viu, parou, e com os olhos vidrados, após alguns segundos, disse:
— Chegaram, miseráveis! Não basta quererem destruir a vida de Olívia, agora querem destruir a vida de Helena? Saiba que se fizerem isso vão ser perseguidos pelo resto da eternidade.
Ricardo, achegando-se, entabulou conversa:
— Como saiu do purgatório e chegou até aqui? A Bíblia diz que isso é impossível.
A entidade gargalhou:
— Vocês não entendem nada da vida. Eu posso ir aonde quero e não estava em purgatório algum, estava numa cidade. Minha filha ia bem nesse convento e eu não tinha por que me meter, mas quando percebi que iam matar Olívia, perdi a cabeça e interferi.
O bispo, curioso, continuou:
— Quem é Olívia?
— A criança que vai nascer. Seria minha neta, mas Helena, com medo, não quer deixá-la nascer. Estou aqui para impedir, mas vejo que não será possível. Matem logo minha filha, mas serão perseguidos para sempre.
As gargalhadas sinistras que o espírito dava por intermédio de Helena assustaram tanto Ricardo quanto irmã Lúcia, porém, habituados àquilo, trataram de agir.
— Ela é mais perigosa do que eu pensava, infelizmente teremos de matá-la.
Ricardo, com muita força nas mãos, segurou o rosto de Helena, abriu sua boca e com habilidade baixou sua língua, enquanto irmã Lúcia a fazia ingerir o veneno mortal. Após alguns minutos, viram o corpo da jovem estertorar e, em seguida, ela deu o último suspiro.
Quando tudo acabou, irmã Lúcia olhou para o bispo:
— Temos de dar a desculpa de sempre, que Helena teve um mal súbito do coração e morreu inesperadamente.
O dr. Tobias nos deve muito favores e não se negará a vir aqui confirmar a causa da morte.
— Exactamente — tornou o bispo. — Enviarei um emissário à sua casa para que o mais cedo possível possa estar aqui. É bom que as freiras pensem que o médico passou a noite velando pela irmã moribunda.
Dizendo isso, ambos saíram sem nem olhar para o corpo morto que deixaram para trás e sem perceber que o vulto escuro do pai de Helena os seguia sorrateiro.
Foi com horror que, pela manhã, as freiras souberam que Helena havia morrido. O médico confirmou o motivo da morte, e o corpo seria enviado para a devida arrumação.
O enterro aconteceria no cemitério do próprio convento. Em seus aposentos com o padre Enrico, Lívia não se conformava:
— Mas como ela pôde ter um mal súbito do coração?
Ela não parecia doente. O mais estranho ainda é morrer logo após ter tido um ataque do demónio.
Padre Enrico não sabia de nada e disse:
— Já houve outros casos semelhantes. Pode ser que o demónio a tenha matado mesmo.
— Desculpe-me, primo, mas não acredito que ele possa matar uma pessoa. Creio que a vida e a morte estão nas mãos de Deus. Teria o demónio poder igual ao de Deus?
— Muitas vezes questionei-me sobre isso, mas fico sem resposta. Como você sabe, creio que nossa teologia tem falhas, e, embora jamais diga isso a alguém além de você, acredito mesmo que nossa Igreja se distanciou dos verdadeiros ensinamentos de Jesus.
— Você poderia fazer uma revolução.
— E quer que eu morra pela Inquisição? O último que fez isso publicamente morreu na fogueira.
— Quem foi?
— Jan Russ. Ele também não concordava com muitas coisas que nossa teologia prega.
— Gostaria de conhecer mais a história desse homem.
— Outra hora, com tempo, vou contar-lhe. Agora, prepare-se para a cerimónia de missa de corpo presente.
Irmã Helena era sua amiga e ficará feliz no céu quando receber suas orações.
Padre Enrico saiu do quarto deixando-a sozinha com seus pensamentos. Aquilo tudo estava estranho e quando a situação se acalmasse conversaria com padre Amaro. Ele, sim, saberia lhe explicar. Pensando nisso, foi se preparar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 14, 2022 11:29 am

PADRE AMARO FALA SOBRE MEDIUNIDADE
Assim que terminou a missa, Lívia saiu apressada à procura do padre Amaro. Estava com dor de cabeça e, por mais que tentasse, não conseguia compreender a morte súbita da amiga. Certamente, o padre teria alguma explicação.
Entrou na escolinha e, vendo a freira que o ajudava no cuidado com as crianças, indagou:
— O padre Amaro ainda não voltou da missa? Achei que ele já tivesse vindo para cá.
A freira, com ar bondoso, respondeu:
— Depois da missa, o bispo Ricardo o chamou ao seu gabinete. Sente-se aí, creio que ele não demora a chegar.
Lívia olhou para aquelas crianças e percebeu que, mesmo sendo tratadas com carinho, sem que nada lhes faltasse, elas não tinham brilho de alegria no olhar. Raras eram as que sorriam com espontaneidade. Automaticamente colocou a mão em sua barriga e imaginou seu filho vivendo ali entre eles. Será que ela teria mesmo coragem de deixá-lo ali sem a certeza de que poderia buscá-lo para conviver consigo?
Foi tirada dos seus devaneios pela voz da freira, que comentava:
— A morte da irmã Helena nos serve de lição para que possamos rezar ainda mais e não deixar que pensamentos mundanos invadam nossa mente. O diabo a matou.
— Eu não acho que o diabo a tenha matado. Creio mesmo que, se ela morreu, foi por obra de Deus, o único dono da vida — falou Lívia com segurança.
— Você diz isso porque está aqui em retiro espiritual, não é freira nem estudou religião. O diabo tem poderes que estamos longe de saber.
Lívia pensou que não adiantaria continuar conversando sobre o assunto com aquela freira, que pensava como a maioria e certamente seria irredutível. Resolveu não responder e começou a ajudá-la na distribuição da sopa das crianças. O tempo passou rápido; uma hora depois, padre Amaro surgiu e mostrou-se alegre ao ver a baronesa:
— Que felicidade tê-la aqui, senhora baronesa. Certamente veio visitar nossas criancinhas.
Lívia beijou a mão do padre respeitosamente e tornou:
— Na verdade, vim ver o senhor, preciso muito falar-lhe, mas estou percebendo que a hora é imprópria. Acho que o senhor vai se preparar para se alimentar e descansar um pouco. Volto outra hora.
Lívia já ia saindo quando padre Amaro tocou com leveza em seu braço e disse:
— Não se preocupe, senhora. Acabei de fazer uma pequena refeição com o bispo Ricardo, de forma que agora só me alimentarei mais tarde. — Fixou-a profundamente e disse: — Vamos para a outra sala, lá poderemos conversar mais à vontade.
Foram para a sala contígua e, frente a frente com o bondoso padre, Lívia começou:
— Vim procurá-lo porque sei das suas ideias diferentes, e por esse motivo é a única pessoa neste convento capaz de me consolar e esclarecer. — Fez pequena pausa e, percebendo que era ouvida com atenção, continuou:
— Desculpe-me, padre, mas estou inconformada com a morte da irmã Helena e não acredito que foi o satanás que a matou, ainda mais sabendo que ela estava grávida e iria fazer o aborto naquela noite. O senhor não acha isso muito estranho?
Padre Amaro sabia o que realmente havia acontecido, contudo, não poderia dizer à baronesa. Tentou disfarçar o incómodo que sentia sempre que necessitava mentir ou omitir algo e limitou-se a dizer:
— Também não acredito que tenha sido o diabo que a matou, mas ela teve uma crise de possessão e pode ter tido um mal súbito do coração, como confirmou o médico.
Lívia não se conformava.
— Mas ela parecia muito bem de saúde. Será que durante o aborto a situação se complicou e ela morreu em consequência disso?
— Eu prefiro acreditar na opinião do médico e aconselho você a não ficar falando das suas suspeitas por aí, não quero que se envolva em problemas.
Lívia percebeu que padre Amaro sabia de mais coisas; contudo, resolveu não insistir, afinal, ele fazia parte daquele convento e jamais iria revelar o que, de facto, acontecia ali. Mas o padre havia falado em possessão. O que seria aquilo?
— O senhor disse que irmã Helena teve uma crise de possessão. Acredita que realmente foi o diabo que tomou posse do corpo dela?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 14, 2022 11:29 am

Padre Amaro sorriu:
— Minha filha, apesar de católico e sacerdote, não acredito na existência do demónio como a Igreja costuma pregar. Lívia ficou surpresa:
— O senhor está me dizendo que não acredita no diabo?
— É isso mesmo. E esse pensamento já me causou muitos problemas aqui. Creio que só não fui entregue ao Tribunal do Santo Ofício porque o bispo Ricardo me tem em grande conta; contudo, sou totalmente proibido de falar isso com quem quer que seja ou fazer pregações nesse sentido.
Peço-lhe que não comente nada sobre o que conversamos aqui nem mesmo ao seu primo. Vejo que sua alma anseia pelas verdades eternas da vida, sinto na senhora uma grande vontade de se libertar das velhas crenças que tanto têm feito os homens sofrer. É raro encontrar uma alma assim, mas quando encontro não posso deixar de esclarecer. Aliás, isso é cumprir com um dos ensinamentos do Nosso Senhor Jesus Cristo, que disse que a luz não pode ficar escondida sob o alqueire, mas acima dele, para que todos possam se iluminar; e depois, nada melhor do que a verdade, pois foi o próprio senhor quem disse: "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará".
O padre fez uma pequena pausa e Lívia ficou calada, esperando que ele continuasse:
— Se Deus tivesse criado o diabo como um anjo de luz que depois se rebelou, Ele seria imperfeito, pois teria criado um ser com a capacidade de se tornar mau e ter tanto poder a ponto de lhe fazer oposição. Mas, partindo do ponto de que Deus é perfeito, não podemos aceitar a ideia de que ele tenha criado seres eternamente voltados para o mal. Deus é bom e só pode ter criado coisas boas. — E de onde surgiu o mal e o pecado?
— Surgiu da própria ignorância do homem, que, não querendo seguir as leis de amor, partiu para os caminhos ilusórios da maldade. A morte do corpo não modifica a alma que nele habitou e, estando no outro mundo, os malvados, os perversos, os assassinos, os prostituídos e os cruéis continuam do mesmo jeito que viviam aqui e muitas vezes tornam-se piores. São as almas desses homens, habitantes do outro mundo, que atacam as pessoas aqui na Terra, não só em casos de possessão, como os induzindo a fazer todas as coisas ruins que vemos por aí.
— Então quer dizer que são as almas dos mortos e não os demónios que atacam os humanos?
— Exactamente.
— Nunca havia pensado nisso antes. Mas, se isso é verdade, por que a Igreja não explica para todos?
— A Igreja, infelizmente, tem seus interesses em não divulgar a verdade, querem prender as pessoas pelo temor, e nada melhor do que a história do diabo para atingirem esse objectivo. Mas posso garantir que dentro do seio da Igreja existem provas inequívocas de que quem morre continua vivo no outro mundo. A intervenção dos santos nos chamados milagres não é mais que uma prova?
Se os santos podem interferir na vida de quem está aqui na Terra fazendo o bem, curando, aconselhando, por que os espíritos daqueles que foram maus não teriam a mesma chance?
Lívia estava surpresa. Mesmo já tendo escutado casos de aparições de espíritos em sua família, nunca tinha levado o assunto a sério. Se aquilo fosse mesmo verdade, se a alma continuasse viva numa outra dimensão, tudo mudava. As responsabilidades perante a vida, por si mesmo e pelo próximo aumentariam. E a melhor coisa era saber que ninguém morria de fato, apenas mudava de lugar, e um dia todos se reencontrariam novamente.
Aquilo a emocionou e ela não escondeu uma lágrima que caiu de seu olho direito.
Padre Amaro, percebendo a emoção comum a todos aqueles que descobrem as verdades eternas, tornou:
— É, minha filha, todos nós nos sentimos tocados na alma quando a verdade da vida chega ao nosso coração.
Se todos soubessem que a vida continua, mudariam suas atitudes e esse mundo seria muito melhor. Aqueles que julgam que matando estão livres de seus inimigos, descobririam que o inimigo está no além e com mais poderes de influenciá-lo para o mal, levando-o ao sofrimento.
Mudariam o comportamento e decidiriam fazer do inimigo um amigo. Enfim, se todos soubessem que o mal praticado às escondidas é percebido por uma nuvem de testemunhas invisíveis e que nada fica oculto para sempre, certamente pensariam duas vezes antes de fazer tanta coisa ruim.
Lívia se mantinha emocionada:
— Agora me sinto ainda mais responsável pelos actos que pratico. Mas como o senhor me ensinou, não vou me culpar. Pedirei a Deus que me ajude a ter forças para levar minha vida adiante, ainda que continue a me encontrar com Carlos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 14, 2022 11:30 am

Sei que um dia Rodolfo vai me entender.
— Fez uma pausa e continuou: — Mas por que as almas dos maus atingem a uns e a outros não? Teriam alguns mais protecção que outros? Por que Helena foi atingida?
— O que sei e tenho observado é que todas as pessoas têm capacidade para sentir as interferências das almas.
Contudo, o nível dessa sensibilidade varia de uma pessoa para outra. Conheci um padre numa missão, em Coimbra, que via e conversava com os espíritos o tempo inteiro. Infelizmente, ele foi morto pela Inquisição como feiticeiro. Percebo que a interferência dos espíritos maus acontece com as pessoas que trazem culpas dentro da alma, pensamentos negativos, falta de fé em Deus e na vida, e que também fazem actos de maldade. Já as pessoas boas, que procuram viver dentro das leis de Deus, com a mente elevada para o céu, cultivam o hábito da oração, não se culpam pelos seus erros, nem se deixam levar pela tristeza; vivem rodeadas de almas radiosas, belas e iluminadas que as fazem se sentir serenas, em paz e viver com muito prazer e alegria.
— Quer dizer que só depende de cada um escolher as companhias espirituais que quer ter?
— Exactamente.
— Mas o senhor ainda não me explicou por que a freira Helena foi atingida. Ela era uma pessoa maravilhosa.
— Mas estava grávida e provavelmente se culpava, além de outros problemas emocionais que devia ter. Se ela estivesse mais ligada a Deus, nada disso teria acontecido.
A hora já estava adiantada e Lívia percebeu que padre Amaro estava encerrando a conversa. Agradeceu os esclarecimentos e retornou ao seu quarto. Fez uma prece e em seguida adormeceu.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 14, 2022 11:30 am

VISITA INESPERADA
Os dias continuavam cinza. O inverno seguia rigoroso e a chuva fina e impertinente não parava de cair. A noite ia alta quando um dos guardas do mosteiro saiu de seu posto em direcção aos aposentos do padre Enrico.
Bateu de leve e, vendo que ele não abria, bateu com mais força. Ouviu a voz do sacerdote pedindo que o aguardasse e, em seguida, abriu a porta.
— O que deseja? — perguntou curioso. Não era comum guardas entrarem no mosteiro procurando pelos padres. Algo grave devia ter acontecido.
O guarda avisou:
— Há um cavalheiro querendo falar-lhe no portão principal.
Padre Enrico estranhou:
— Perguntou de quem se trata?
— Ele lhe mandou este bilhete.
Enrico pegou-o e abriu rapidamente, lendo-o:
"Padre Enrico, aqui é Carlos, amante da sua prima, a baronesa Lívia. Preciso falar-lhe com urgência, não posso esperar. Se não vier até o portão, causarei problemas e procurarei o seu superior".
Padre Enrico empalideceu. O que Carlos queria ali?
Sem titubear, vestiu sua batina e seguiu debaixo da chuva fina até o portão. Viu Carlos montado num cavalo e chamou-o para conversarem embaixo de uma figueira próxima.
A escuridão não impedia que ambos se vissem, porquanto padre Enrico levava consigo um archote emprestado de um dos guardas.
— O que deseja aqui, Carlos? Por acaso enlouqueceu?
— Enlouqueci sim, padre. Enlouqueci de amor pela sua prima. Não posso mais ficar um minuto sequer sem vê-la, tê-la nos braços, senti-la novamente. Por tudo isso vim pedir-lhe que me ajude a entrar no mosteiro e nos reserve um quarto onde possamos nos encontrar.
— Isso é um absurdo! — falou padre Enrico ainda mais nervoso. — O mosteiro só a aceitou grávida porque se trata de minha prima e tem nome, é rica. Mas o meu superior jamais aceitaria que ela se encontrasse com o amante na casa de Deus. Se eu fizer alguma coisa para ajudar, posso ser punido severamente.
Os olhos de Carlos brilhavam de paixão quando disse:
— Padre, sei que nunca amou da forma como amo Lívia. Foi um infortúnio a vida ter nos separado, nos colocado em situações sociais tão diferentes. Mas o senhor, mais do que ninguém, sabe o quanto nosso amor é verdadeiro.
Não estamos traindo o barão por simples leviandade, nos amamos com o amor dos puros de alma. Por esse motivo, rogo-lhe que nos ajude, em nome de toda a caridade que aprendeu com o Santo Cristo!
O argumento foi forte e padre Enrico acabou cedendo:
— Tudo bem. Mas precisamos fazer tudo muito bem-feito. Os guardas daqui são instruídos a contar tudo o que acontece de estranho nas proximidades da construção.
Certamente, amanhã levarão esse acontecimento ao conhecimento do bispo Ricardo e terei de dar uma boa desculpa. Que Deus me perdoe o sacrilégio da mentira, mas será por uma boa causa. — Depois de pensar um pouco, disse: — Direi que você veio aqui a pedido de uma família carente da vila para solicitar mantimentos. Seu cavalo é de raça inferior e suas roupas estão gastas, o que facilitará para quem ninguém desconfie. Vou entrar e falar com Lívia. Vocês vão se encontrar nos meus aposentos.
Sairei com um saco cheio dizendo que vou entregá-lo. Você vestirá minha batina, vai se cobrir com uma capa e entrará no mosteiro como se fosse eu. Ficarei esperando mais adiante; assim que terminarem, você volta para o portão e diga apenas a palavra "abra". É o suficiente para os guardas obedecerem. Trocaremos de roupa novamente e eu voltarei normalmente.
Feita a combinação, padre Enrico voltou e foi até os aposentos da prima. Bateu de leve, pois sabia que irmã Lúcia dormia ao lado. Lívia não respondia, num sinal claro de que não havia acordado; felizmente, ele tinha uma cópia da chave. Abriu a porta com leveza e a chamou.
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Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro Empty Re: Donos do Próprio Destino - Hermes/Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 14, 2022 11:30 am

Ela acordou assustada e já ia gritar quando o primo tapou sua boca com as mãos, dizendo:
— Não emita nenhum som. Tenho uma boa notícia.
Carlos está lá fora e quer vê-la. Pediu minha ajuda para que vocês pudessem se encontrar e eu acabei concordando.
Que Deus perdoe minha falha, mas quero ajudá-los. Acompanhe-me.
Lívia, feliz e nervosa, acompanhou o primo até seus aposentos.
— É aqui que vão se encontrar. É mais seguro do que no seu quarto e se alguém passar pelo corredor e escutar algum ruído pensará que sou eu que estou a fornicar com alguma noviça ou guarda do convento. Infelizmente, isso aqui é mais comum do que se imagina. Só permitirei que fiquem aqui durante dois quartos de hora. Em seguida, quero que Carlos saia sem delongas.
Lívia abraçou-o com emoção:
— Não sabe o quanto me fará feliz! Sei que estamos abusando, mas o amor que sinto é maior que tudo.
— Não fale mais nada, apenas espere.
Padre Enrico foi até a despensa, encheu um saco de mantimentos e saiu, agora coberto com uma capa preta. O inverno veio a calhar naquele momento. Chegou à figueira, trocou de roupa com Carlos e este saiu em direcção à grande construção. De longe, padre Enrico percebeu que os guardas de nada desconfiaram e Carlos passou pelo portão com facilidade. Uma vez lá dentro, tentou encontrar o caminho que o padre lhe indicara. Estava difícil, pois o mosteiro era grande e havia muitas portas. Foi procurando com rapidez até que encontrou o enorme corredor.
Foi seguindo e, como lhe foi ensinado, girou a aldrava do quinto quarto à esquerda e entrou. Foi com emoção que Lívia correu para abraçá-lo.
Depois de serenadas as primeiras emoções, ela o levou para a cama, onde se amaram com ardor. Já mais calmos e com a cabeça de Lívia sobre seu peito, Carlos tornou:
— Como a amo! Como senti saudades! Parece que a cada dia morria um pouco por dentro.
— Você foi louco em ter vindo. Como conseguiu achar este lugar, que é tão longe?
— Vim perguntando pelo caminho e o cavalo é forte, ajudou-me. Mas ainda que fosse mais longe eu viria procurá-la. Por que não matamos o barão para que possamos ser felizes já?
— Eu já lhe disse que jamais cometeria um crime.
Posso ser adúltera, mas não sou assassina e sei que você fala isso por causa dos impedimentos de nosso amor. Sua índole é boa, jamais mataria alguém.
Carlos ficou calado. Podia ser bom, mas se pudesse mataria o barão. Lívia, não gostando do seu silêncio, tornou:
— Você seria capaz de matar meu marido, Carlos?
— Não me falta vontade, Lívia. Se você ficasse viúva, poderia assumir um relacionamento com quem quisesse.
— Não concordo, e se você insistir nossa relação termina aqui.
— Não, nunca! Prefiro dividi-la com ele o resto da vida a perdê-la de vez. Sei que não o ama, mas também sei do seu respeito e apreço pelo barão Rodolfo; afinal, foi ele quem salvou sua família da ruína.
Lívia beijou Carlos repetidamente nos lábios e tornou:
— Você ter vindo aqui foi a maior prova de amor que poderia me dar.
— E o farei outras vezes.
— Não! Pelo amor que tem a mim, não volte mais aqui.
Não quero colocar em risco a vida de meu primo Enrico.
Já estou com seis meses de gestação e em breve voltarei para casa. Não custa esperar. Três meses passam rápido.
— Você não sabe o quanto cada dia sem você é um tormento para mim.
— Sei sim, meu amor. Pensa que estou feliz vivendo como prisioneira neste lugar frio, escuro e sem alegria?
Pensa que estou feliz longe de você? Mas é necessário. — Colocando as mãos no ventre avolumado, continuou com amor: — Nosso filhinho vai nascer e, como combinamos, vou deixá-lo aqui durante um tempo e logo depois virei buscá-lo como filho adoptivo e ele viverá perto de nós.
— Acha mesmo que o barão aceitará que adopte uma criança?
— E o que Rodolfo não faz para me alegrar? Tenho certeza de que conseguirei levar nosso filho para casa.
Assim seremos felizes.
— Felizes mesmo só seremos no dia em que existir só nós: eu, você e nosso filho.
— Sei disso, mas não podemos fazer nada por enquanto.
Entreguemos o futuro nas mãos de Deus.
Beijaram-se mais uma vez e, como combinado, Carlos retornou pelo mesmo caminho. Parando no portão, disse:
— Abra.
Os guardas abriram e ele já ia dando alguns passos quando um deles o chamou com voz grave:
— Padre Enrico, volte aqui, por favor!
Carlos estremeceu. Fora descoberto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 14, 2022 11:30 am

LÍVIA CONHECE A REENCARNAÇÃO
Carlos continuou andando, ultrapassou o portão e, ao ver-se do lado de fora, correu desesperadamente, enquanto a voz continuava a chamá-lo. Foi para o local combinado, mas o padre Enrico não estava lá. Se tivessem desconfiado de que era um impostor, por certo logo estariam ali. Andou mais um pouco e assustou-se quando, numa clareira, sentiu uma mão forte segurar seu braço.
— Aonde pensa que vai?
O alívio foi grande ao perceber que se tratava do padre Enrico.
— O senhor não sabe o que aconteceu. Parece que desconfiaram que eu era um impostor.
— Por que diz isso? — perguntou preocupado.
— Quando ia saindo, assim que dei ordem para que abrissem o portão, um dos guardas me chamou com voz forte. Continuei andando e, em seguida, corri sem parar.
Certamente estão me procurando e não vão demorar até chegar aqui.
Padre Enrico imediatamente trocou de roupa com Carlos e vestiu sua batina. Após ouvir, mais uma vez, os agradecimentos do amante da prima, despediu-se e voltou para o convento. Curiosamente, não havia nenhum movimento anormal, e ele entrou pelo portão como se nada tivesse acontecido.
Uma vez lá dentro, quando chegou ao corredor que o levaria para seu quarto, uma surpresa: o bispo Ricardo e um dos guardas o esperavam. Sentiu-se gelar, mas precisava disfarçar e encontrar rapidamente uma desculpa.
O bispo o interpelou:
— Posso saber onde estava uma hora dessas?
— Fui acudir uma pessoa em sofrimento na vila — mentiu.
— E quem era essa pessoa? — inquiriu o bispo com rosto severo.
— Não sei o nome. Trata-se de um casal bastante carente.
O marido veio me pedir mantimentos, mas disse-me que sua mulher estava mal, doente. Por essa razão, quando voltei para dormir, não consegui conciliar o sono e resolvi voltar à vila para saber se precisavam de mais alguma coisa ou de um médico.
— O guarda Giulio disse que o chamou para avisar que havia deixado cair algumas moedas e que o senhor saiu correndo. Não acha isso estranho?
Vendo que não tinha saída, pediu:
— Senhor bispo, preciso falar-lhe pessoalmente, vou lhe contar toda a verdade.
O bispo dispensou o guarda e o chamou para seu gabinete.
— Muito bem, senhor padre Enrico. Quero ouvir a verdade. O que foi fazer lá fora?
Enrico, sem omitir nenhum detalhe, contou tudo e finalizou:
— Sei que posso ser punido, mas não resisti; afinal, eles se amam. Pode haver algo errado no amor?
Os olhos do bispo Ricardo brilharam estranhamente enquanto disse:
— De fato não há nada de errado no amor, mas você pôs em risco a reputação do nosso convento, e isso eu não posso deixar de lado, como se nada tivesse acontecido. — Fez uma pausa e, olhando maliciosamente para Enrico, continuou: — Está em suas mãos ser punido ou não.
Enrico não entendeu:
— Em minhas mãos? O superior aqui é o senhor.
— Justamente por ser o superior é que estou dando a você o poder de escolher. E então, quer ser punido ou não?
Ainda sem captar a intenção, Enrico respondeu inocentemente:
— Não quero ser punido. Agi em nome do amor, por esse motivo, se posso optar, desejo não ser punido.
— Então me acompanhe.
O bispo Ricardo foi se dirigindo aos seus aposentos e, assim que estavam lá, fechou a porta, e só aí padre Enrico percebeu o que ele queria. Ficou assustado e arrependeu-se da resposta dada. Desde jovem descobrira sua inclinação religiosa e, ao decidir ser padre, pensou que no convento acabaria por se encontrar ao sublimar os seus desejos. Até aquele momento, nunca havia tido intimidade com ninguém, embora intimamente sentisse atracção por mulheres e homens.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 14, 2022 11:30 am

Tentou recuar, mas o bispo Ricardo foi envolvendo-o.
Enrico se deixou levar por aquele momento e acabaram passando o resto da noite juntos.
A partir daquele episódio, Enrico e Ricardo tornaram-se amantes. O bispo tratou de arrumar um quarto contíguo ao seu onde Enrico passaria a dormir, mas, na verdade, era em sua cama que Enrico dormia todas as noites.
Lívia não deixou de notar que o primo estava mais alegre, sereno e feliz que de costume. Desconfiou que estivesse se envolvendo com alguém, mas como ele não lhe disse nada, evitou perguntar.
Os meses foram passando e a primavera havia chegado, trazendo alegria, calor e encantamento. Embora Lívia vivesse trancada dentro do convento, quando estava no jardim podia tomar sol e sentir o cheiro das flores, não só do jardim de padre Amaro, como das outras que certamente estavam desabrochando pelas campinas verdes, atrás daqueles altos muros. Lívia sabia o quanto a primavera era bonita em todo o sul da Itália, e daria tudo para poder caminhar por entre tílias, pisando na grama. Estava sentada no banco, imersa naqueles pensamentos, quando viu padre Amaro se aproximar.
— Bom dia, baronesa! Como se sente?
— Muito bem, padre Amaro. Fico muito feliz quando chega a primavera; além de estar mais feliz ainda porque daqui a algumas semanas meu bebê vai nascer.
O bondoso padre sentou-se com ela e, passando carinhosamente a mão em sua barriga, perguntou:
— Já escolheu o nome da criança?
— Sim, vai se chamar Caius.
— Humm, Caius é um nome muito bonito e muito usado aqui na Itália.
— Sempre admirei esse nome e dizia que, se um dia Deus me agraciasse com um filho, era sim que ele iria se chamar.
— E como sabe que será menino? Deus pode te dar uma linda mocinha.
— Eu sinto que será homem, padre. Alguma coisa dentro de mim diz isso.
— É o coração de mãe que nunca se engana.
Padre Amaro parou um pouco olhando fixamente a barriga de Lívia e comentou:
— Mais uma alma que volta à Terra... Que Jesus o abençoe para que cumpra bem o que virá fazer.
Lívia estranhou:
— Alma que volta? Como assim? A alma de meu filho foi criada agora, assim que ele começou a crescer dentro de meu ventre.
— Vou dizer-lhe algumas coisas porque sei que sua alma já é madura para compreender, embora peça que não comente com mais ninguém, nem mesmo com seu primo Enrico.
— Claro, padre. Estou curiosa, não entendi quando disse que meu filho é mais uma alma que volta à Terra.
— Você já ouviu falar em reencarnação?
— Reencarnação? Aquela ideia que os povos pagãos tinham que a alma de um morto poderia voltar ao mundo em outro corpo?
— Exactamente. É a isso que me referi.
— Não me diga que o senhor acredita numa loucura dessas. Isso é impossível.
Padre Amaro sorriu.
— A doutrina da reencarnação é tão antiga quanto o mundo. Os primeiros povos acreditavam nela e a respeitavam.
Eram politeístas, e dentro da nossa visão os chamamos de pagãos, mas a crença na reencarnação é verdadeira e, dentro da Igreja Católica, é muito comentada e até estudada. Nas grandes bibliotecas da Cristandade existem livros sobre o assunto, e são muitos os homens da mais alta hierarquia religiosa que a estudam e acreditam nela. Mas, assim como a história do diabo, a Igreja não tem interesse em divulgar essa verdade, e proíbe terminantemente que se fale sobre ela com o povo.
Lívia estava surpresa. Seria mesmo verdade?
— Então o senhor quer dizer que o meu filho já viveu outras vidas e está voltando?
— É isso mesmo, minha filha. O corpo do seu filho é novo, foi feito por você, por Carlos e pela natureza, mas o espírito que o habita vem de Deus e já teve inúmeras experiências na Terra ou em outros mundos. Volta, agora, para continuar aprendendo a ciência de ser feliz, de ser bom, harmonizar erros do passado e um dia retornar à pátria maior, vitorioso ou derrotado, dependendo do que venha a fazer na vida actual.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 14, 2022 8:02 pm

— O que o senhor me diz é muito fantástico para ser real.
— Mas é mais real do que imagina. Os judeus acreditavam na reencarnação, mas davam-lhe o nome de ressurreição.
— Mas os padres dizem que a ressurreição é voltar a viver depois de ter morrido e com o mesmo corpo!
— Esse é um dos erros de nossa teologia. Ressurreição significa ressurgir num novo corpo, e não no mesmo corpo que morreu, cujos elementos já estão dispersos na natureza e jamais podem voltar a se reconstituir. Quem lê com atenção as epístolas do apóstolo Paulo vai entender perfeitamente que ele falava de reencarnação.
— Agora fiquei preocupada. Eu não sei quem é esse ser que está em minha barriga. E se for um desses espíritos maus que vagam por aí?
— Não pense dessa forma. Não importa quem foi seu filho, o que importa é o que ele será de agora em diante.
Quando Deus confia um filho a uma mãe é porque sabe que ela tem toda capacidade de orientá-lo pelo bem e para o bem, fazendo-o um ser humano voltado para a ética, a moral cósmica e o amor. Quando uma mãe pega seu filhinho nos braços assim que nasce, o passado morre e dali em diante o que importa é apenas o presente. Quem não amaria um ser indefeso, que dependerá de alguém para sobreviver? Essa é a beleza da reencarnação. Aliás, acho a doutrina da reencarnação a mais bela de todas, e ela também foi pregada por Jesus diversas vezes. A reencarnação mostra que todos são iguais perante Deus e que não temos nenhum direito de ter preconceito ou nos sentir melhores que o semelhante. Ela coloca todos no mesmo nível.
Aquele que hoje é rico e se orgulha de sua fortuna e posição social, se conhecesse a reencarnação jamais teria esse orgulho, pois saberia que numa próxima existência poderá voltar pobre, vivendo entre os que rebaixou, fazendo trabalhos que julgava menores e sofrendo todos os tipos de humilhação que impingiu aos outros. Aquele que se julga melhor pela cor da pele, pode descobrir que nascer branco, negro ou amarelo é uma questão de necessidade evolutiva e que poderá voltar entre qualquer raça, caso assim seja necessário. A reencarnação também iguala os homens na questão de género. Ninguém pode se orgulhar por ser homem ou mulher e abusar do sexo oposto, pois o espírito nasce mulher ou homem conforme suas necessidades de aprendizagem, e aquele que foi homem numa vida, na outra poderá ser mulher e vice-versa. Eu poderia ficar horas aqui falando das belezas da reencarnação, mas não temos tempo, veja quem se aproxima.
A conversa estava tão agradável que Lívia nem percebeu a aproximação do primo.
— Vocês se tornaram verdadeiros amigos. Fico feliz que minha prima tenha uma boa recordação ao sair daqui.
— Sim — disse Lívia com alegria. — Padre Amaro é um amigo que jamais esquecerei. Com ele tenho aprendido lições que ficarão comigo para sempre.
O padre sorriu com simplicidade, depois virou-se para Enrico e completou:
— Já que você falou em amizade, quero dizer que depois que você se tornou amigo do bispo Ricardo ele se transformou em outra pessoa. Sua amizade lhe fez muito bem.
Enrico enrubesceu levemente, mas disfarçou:
— Como assim, padre Amaro? Pode ser mais claro?
— O bispo Ricardo era um homem muito severo, fechado para o amor. Tinha o coração muito endurecido para certas coisas. Depois que você foi morar próximo aos seus aposentos e se tornou seu secretário particular, ele ficou bom, amável, sereno e sempre está com um sorriso nos lábios. A sua amizade foi fundamental para essa mudança.
— Encerrou o assunto pedindo: — Haja o que houver, nunca se afaste dele.
Dizendo isso, padre Amaro se retirou, deixando os primos sozinhos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 14, 2022 8:02 pm

O NASCIMENTO DE CAIUS
Enrico e Lívia continuaram conversando, até que resolveram se recolher. Em seu quarto, Lívia pensava no que o padre Amaro havia dito sobre a amizade do primo com o bispo, e uma leve desconfiança surgiu-lhe na alma.
O que será que havia entre eles? Tentou não pensar mais no assunto e abriu um livro para ler. Mergulhou prazerosamente na leitura durante meia hora, quando, de repente, começou a sentir leves dores na barriga. A princípio, não se importou, mas as dores começaram a se intensificar, e ela gritou desesperada:
— Irmã Lúcia, socorra-me! Meu filho vai nascer.
Em alguns instantes, irmã Lúcia estava em seu quarto acalmando-a:
— Comece a rezar, pedir ajuda à Nossa Senhora. Tudo correrá bem.
Lívia, que até aquele momento não gostava nem um pouco da abadessa, sentiu-se segura em suas mãos. Era como se nada fosse lhe acontecer de mau enquanto estivesse sendo cuidada por aquela mulher.
Colocaram-na numa padiola e levaram-na para uma sala grande, onde uma clarabóia iluminava e ventilava o ambiente. Sem que ela percebesse, espíritos iluminados estavam ali, cuidando para que Caius reencarnasse sem problemas. O espírito estava adormecido e perfeitamente encaixado no corpo de carne.
Caius estava voltando para vivenciar experiências no campo da religiosidade e da sexualidade, que seriam ímpares em sua existência. Já era educado para tais fins; contudo, necessitava vencer as últimas provas.
As horas que se seguiram foram de sofrimento para Lívia, que tentava, a todo custo, ajudar o bebê a vir ao mundo. Finalmente, uma hora depois, ouviu-se o choro grosso e forte do lindo bebê que irmã Lúcia tinha nas mãos. Lívia chorava emocionada e foi com enlevo que o recebeu nos braços, entregue pela freira, que disse:
— É um lindo menino. Agradeça a Deus!
Lívia só chorava. Beijou Caius ainda sujinho de sangue e o encostou no rosto. Ficou assim durante alguns minutos, quando irmã Lúcia se aproximou:
— Preciso levá-lo para fazer assepsia. Você também precisa se lavar, tomar um banho. Logo ele estará de volta.
Lívia entregou seu filho e, naquele momento, sentiu que sua vida nunca mais seria a mesma. Ter aquele pequeno ser, indefeso, precisando de seu amparo e sua protecção a havia mudado completamente. Faria de tudo para levá-lo ao seu palacete, onde iria torná-lo a mais feliz das crianças.
Os dias que se seguiram foram de intensa felicidade para a baronesa. Ela passava amamentando a criança, conversando com o primo e com padre Amaro. Cada vez que olhava o rostinho inocente de Caius, aumentava sua certeza de que jamais poderia deixá-lo viver longe dela.
Passadas algumas semanas, irmã Lúcia a chamou em seu gabinete. Sentadas frente a frente, a abadessa começou:
— Como sabe, seu prazo para ficar aqui no convento está vencendo. Sei que tem de amamentar a criança, mas não podemos permitir que permaneça connosco. Seu marido a liberou para ficar aqui apenas dez meses, e já estamos perto de um ano. Como não queremos problemas em nossa ordem, acho bom que comece a se despedir de seu filho. Tem apenas uma semana para deixar este lugar.
As palavras da abadessa, ditas com tanta clareza e frieza, fizeram Lívia estremecer. Sabia que o pior momento seria deixar seu filho ali e retornar para casa. Contudo, a certeza de que voltaria àquele lugar para adoptá-lo fez com que se acalmasse. Olhou para a abadessa e respondeu:
— Compreendo sua preocupação, sei que vai ser muito difícil deixar meu menino aqui, mas tenho certeza de que em pouco tempo voltarei para levá-lo.
Irmã Lúcia sorriu com maldade ao dizer:
— Se eu fosse você não estaria tão confiante. O barão, como todo homem de sociedade, não vai querer ter um filho adoptivo. É bom que se acostume com a ideia de que talvez nunca mais possa ver a criança.
— Saiba a senhora que tenho um marido muito bom, que faz de tudo pela minha felicidade — disse Lívia com raiva. — Não tenho dúvida alguma de que ele me deixará adoptar uma criança. Rodolfo pode ser um homem de sociedade, mas é destituído de muitos preconceitos. Tenha certeza de que em menos de um ano levarei Caius comigo.
— Tomara que consiga. Nossa conversa está encerrada, queira se retirar, por favor.
Lívia saiu dali furiosa com a atitude desafiadora da irmã Lúcia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 14, 2022 8:02 pm

Foi correndo em direcção ao jardim, onde encontrou padre Enrico segurando Caius no colo. Vendo a prima tão transtornada, tentou ajudá-la:
— Posso conseguir com o bispo Ricardo que você continue aqui por mais tempo. A irmã Lúcia deve obediência a ele e não poderá fazer nada para impedir que fique o tempo que for necessário. Podemos mandar uma carta ao barão dizendo que você ainda não está refeita e que precisa de mais tempo de retiro espiritual.
Já com Caius em seus braços, Lívia tornou:
— Bem que eu gostaria, mas em um ponto irmã Lúcia tem razão. Se eu ficar, Rodolfo pode desconfiar de que há algo de errado, e nós sabemos que ele jamais pode desconfiar da verdade. Não posso pôr em risco a vida de meu filho nem trazer problemas para o convento. Mesmo com dor no coração, partirei daqui a uma semana.
Enrico calou-se e logo os dois entraram, dirigindo-se aos seus aposentos. Os dias que se seguiram foram, para Lívia, de extrema infelicidade. Cada vez que Caius sorria inocentemente para ela ou lhe oferecia os bracinhos, ela sentia como se estivesse sendo apunhalada no coração.
O dia da despedida chegou, e após beijar muito o filho, deixando-o nos braços de padre Amaro, entrou na carruagem a partiu. No meio do caminho, lembrou-se das últimas palavras do querido amigo:
"Confie sua vida ao universo, minha filha. Deus não faz nada errado e sempre transforma todas as nossas acções em luzes de paz e amor, mesmo aquelas que julgamos erradas. Seu filho aqui estará bem cuidado e na hora certa Deus permitirá que você venha pegá-lo. Mas, se quiser atingir seu objectivo, precisa ter fé, não se entristecer e acreditar sempre no bem. Que Jesus a acompanhe".
Notando que Lívia estava pensativa, padre Enrico, que a acompanhava, perguntou:
— Está se sentindo mal?
Desperta de seus pensamentos, Lívia tornou:
— Não, querido. Estava apenas pensando nas palavras de despedida de padre Amaro. Como ele disse, preciso ter fé e não me entristecer.
— Com certeza. Seu semblante não está dos melhores.
Se chegar ao condado com essa cara, seu marido vai pensar que o retiro espiritual de nada valeu. Você sabe como ele a ama, e que só concordou em deixá-la connosco porque estava muito triste. Se não quiser que ele desconfie, precisa colocar alegria no rosto.
— Como colocar alegria se por dentro estou sangrando?
— Sempre que estamos tristes, preocupados, com pensamentos tumultuados, precisamos neutralizá-los pensando com coisas que nos alegram e nos fazem felizes.
Você, por exemplo, pode pensar que tem um lindo filho à sua espera, um bom marido e Carlos, o homem que você realmente ama. Pense neles e verá como se sentirá melhor.
Lívia sorriu e durante o resto da viagem ambos foram conversando amenidades.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 14, 2022 8:03 pm

DE VOLTA AO CONDADO DE SOLETO
Os majestosos portões de ferro estavam abertos de par em par para receber a carruagem que levava Lívia.
Ao entrar naquela imensa propriedade e pisar no belo tapete de entrada do grandioso palacete, a jovem respirou fundo e agradeceu a Deus por estar de volta. Por mais que tenha deixado Caius no convento, ela detestou aquele lugar, totalmente diferente de sua casa, onde tudo era colorido, cheio de alegria, beleza e encantamento.
O barão Rodolfo, com os olhos brilhantes de felicidade, foi recebê-la com um caloroso abraço.
— Minha jóia rara, nunca pensei que fosse sofrer tanto sua falta. Agora que está de volta, minha vida terá novamente alegria, eu a amo.
Correspondendo ao abraço, Lívia o beijou com carinho.
— Eu também o amo, Rodolfo. Nunca poderei pagar-lhe tudo o que tem feito por mim. Esse retiro espiritual devolveu-me a paz.
— Dá para perceber pelo seu rosto, minha amada.
— Fez pequena pausa e, olhando para ela e padre Enrico, disse alegre: — Como sabia que chegaria hoje, preparei-lhe uma surpresa. Venham ao salão de festas.
Ao chegarem lá, Lívia foi surpreendida por uma famosa orquestra italiana que tocava músicas em sua homenagem.
Profundamente emocionada, lembrou-se do filho e abraçou o marido chorando convulsivamente.
O barão, acreditando que o choro era pela beleza da música e pelo fato de a mulher ter se tornado ainda mais sensível pela estada no convento, nada comentou, apenas lhe afagou os cabelos.
Sentaram-se em belíssimas poltronas, enquanto os criados os serviam das mais diversas iguarias e vinhos tintos. Quando a apresentação terminou, Lívia, pretextando cansaço, pediu para retirar-se aos seus aposentos, onde sua fiel camareira Luzia a esperava. Estava ansiosa para ter notícias de Carlos. Não o havia visto quando entrou no palacete.
Luzia a ajudou a se despir e ela logo mergulhou em sua deliciosa banheira de espuma.
— Correu tudo bem por lá, senhora? — perguntou Luzia curiosa.
— Sim, correu tudo bem. Tive um lindo menino, ao qual dei o nome de Caius. Você precisa ver, Luzia, é a cara do pai.
— Que bom, senhora, fico feliz.
— Onde está Carlos? Não o vi na chegada.
— Deve estar guardando a outra parte do palácio, mas está tudo bem com ele.
Luzia respondia sem nenhuma empolgação, e Lívia estranhou. Luzia era uma jovem alegre, gostava de animá-la em sua relação com Carlos e conversava muito.
Assim, Lívia indagou:
— O que está acontecendo com você? Por acaso está doente?
— Não, senhora.
— Mas alguma coisa a preocupa. Seja qual for o problema, saiba que somos amigas e sempre estarei disposta a ajudá-la.
Sem conseguir mais se conter, Luzia disparou:
— Minha preocupação é com a senhora.
— Comigo? Por quê? Por acaso o barão está desconfiado de alguma coisa?
— Não, senhora. É que no tempo em que esteve fora aconteceu algo desagradável, cuja culpa foi minha e que pode vir fazer a senhora sofrer muito.
Lívia agora estava realmente preocupada. Saiu da banheira rapidamente, enrolou-se numa toalha e foi sentar-se na cama com Luzia, que estava perdida em prantos. — Fique calma, Luzia. Se não parar de chorar, como vou saber o que aconteceu?
Aos poucos, a camareira se acalmou e começou a narrar:
— Um dia, Carlos e eu estávamos conversando sobre a senhora nos fundos do pomar. Ele estava me contando sobre a aventura de ter ido visitá-la no convento. Estávamos tão empolgados que não percebemos que o guarda Lucas nos observava por trás do pessegueiro. Ele ouviu toda a conversa e, quando Carlos voltou ao posto e eu ia entrando em casa, ele me abordou. Disse que havia muito tempo estava desconfiando das nossas conversas e que a descoberta do caso de vocês muito o tinha alegrado. Contou que é interessado na senhora desde que veio trabalhar aqui, mas julgava ser impossível qualquer contacto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 14, 2022 8:03 pm

Agora que sabia da verdade, disse-me que, se a senhora não aceitasse se deitar com ele, contaria toda a verdade ao barão — Luzia voltou a chorar, mas foi abraçada pela baronesa.
— Não se culpe, precisamos dar um jeito nessa situação.
Eu jamais terei algo com ele, aliás, nem o conheço.
— Mas será muito difícil a senhora se livrar. Ele falou que, se contarmos alguma coisa a Carlos, o barão saberá de toda a verdade. A senhora não sabe o que eu tenho passado de angústia desde esse dia, principalmente porque ele disse que me procuraria para marcar um encontro assim que a senhora chegasse.
— Pode marcar o encontro, diga que vou — falou Lívia resoluta.
— A senhora não pode fazer uma loucura dessas. Se ceder à chantagem desse homem, ele vai conseguir o que quiser sempre. Não permitirei que a senhora vá.
— Eu não vou ter relações com ele, mas sim dizer que isso é impossível. Oferecerei dinheiro, posição e tudo o que for preciso, mas o convencerei a esquecer o assunto.
Por mais que Luzia tentasse demover a baronesa daquela ideia, não conseguiu. Como havia sido avisada, logo Lucas a procurou e marcou o encontro.
*
* *
Naquele dia, Lívia se preparava para o encontro, marcado na cabana de caça, dentro do bosque, um tanto distante do palacete. Havia dito ao barão que iria passear com Luzia, rever as campinas verdes, as quais tanto gostava.
Foram andando lentamente até que, em determinado ponto, Lívia parou, olhou para Luzia e pediu:
— Fique aqui e me espere, em breve estarei de volta.
— É melhor que eu vá com a senhora, é perigoso deixá-la sozinha com aquele homem.
— Não há nada de perigoso. Ele me quer amorosamente, saberei conversar com ele, o que poderá me fazer de mal?
Luzia não insistiu mais, sabia que quando a baronesa queria algo ia até o fim.
Lívia foi caminhando mais rapidamente, segurando o longo vestido que teimava em atrasar seus passos, sempre enganchando nos arbustos. Finalmente chegou à cabana e percebeu como ela estava velha e abandonada.
O barão Rodolfo não era dado às caçadas e só as fazia às vezes, quando recebia amigos importantes no condado.
Lembrou-se de que fora ali que se deram seus primeiros encontros com Carlos. Tentou tirar aqueles pensamentos da mente, abriu a porta e entrou.
Lucas estava em pé, encostado em uma mesa tosca. Ao vê-la entrar, seus olhos brilharam:
— Tinha certeza de que a senhora viria. Não sabe por quanto tempo esperei este momento! Finalmente ele chegou. — Dizendo isso, agarrou-a com volúpia e beijou seu pescoço, quando ela o empurrou e deu-lhe uma violenta bofetada no rosto.
Lucas, enfurecido e surpreso, pegou-a pelos pulsos e gritou:
— Por quem me toma? Se veio aqui foi para deitar-se comigo, ou quer que eu conte toda a verdade ao seu marido?
Quer que ele saiba que sua santa esposa o trai com um reles guarda?
Lívia percebeu que Lucas era violento e estava disposto a tê-la de qualquer maneira. Tentou contemporizar:
— Acalme-se. Vim para que pudéssemos conversar, antes de tudo. Não desejo me tornar sua amante. Faço tudo que você quiser para que fique calado, tenho dinheiro, jóias... posso lhe oferecer um bom cargo na corte e...
Lívia não conseguiu falar mais nada. Vendo que ia ser rejeitado por ela, o soldado Lucas, completamente louco pela paixão, deu-lhe violenta bofetada, que a fez tontear.
Dominado pelo desejo, agarrou-a com força pela cintura, jogou-a sobre uma velha e empoeirada cama e com uma fúria descomunal foi rasgando suas roupas até deixá-la completamente nua. Lívia gritava desesperada, mas ninguém a ouvia. Lucas, mais descontrolado ainda, dominou-a completamente. Após seu torpe ato animalesco, olhou para o corpo despido de Lívia e percebeu que o havia deixado cheio de manchas roxas e arranhões.
Vendo-a chorar, completamente humilhada, olhou-a com desdém e disse:
— Pensou que ia ser só de Carlos? Está enganada. A partir de hoje, será minha sempre que eu quiser. E trate de inventar uma boa desculpa para esses arranhões. Saiba que qualquer problema que eu venha a ter, não sofrerei sozinho. Levarei você e Carlos junto.
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