LUZ ESPÍRITA
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Aqueles que amam - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.

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Aqueles que amam - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho. - Página 3 Empty Re: Aqueles que amam - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Fev 22, 2015 7:49 pm

Partiu feliz no outro dia. :
José Maria partiu, a viagem foi desconfortável e longa.
Demorou dias, iam parando pelo caminho.
Meu filho sempre achava um modo de ajudar, conversava com todos os companheiros de viagem, animando-os e lembrando-os de Deus.

Sua chegada foi uma grande surpresa. não era esperado e todos se alegraram muito.
Marita recebeu-o chorando emocionada.

- José Maria! - exclamou. - Que bom vê-lo!
Como está magro! Farei com que engorde!
Conte-me tudo que aconteceu com você.
Por que veio sem avisar?

- Foram me dados três meses de férias. Foi surpresa!
O meu superior me achou cansado.
Não avisei porque achei que eu e a carta chegaríamos juntos.

Riu e fez rir. não falou nada do que tinha acontecido, não queria preocupá-los.
Olhei a estalagem emocionado.
Ela continuava linda e bem cuidada.
Dolores estava já mocinha e qual foi minha surpresa ao saber que estava namorando Marquinho.

A família toda se reuniu para vê-lo.
Foi uma festa! Que bom rever meus familiares!
Todos estavam relativamente bem, porque não é muito fácil viver encarnado e não ter problemas e dificuldades.

Falavam muito do namoro de Dolores e Marquinho.
Marita amava seu afilhado e não foi contra o amor dos dois, mas estava preocupada, Dolores poderia ter filhos negros ou mulatos.
Sabia que o preconceito era forte e temia que a filha sofresse por isso, mas não falou nada.

Os enamorados resolveram que José Maria iria casá-los.
- Meu irmão - disse Dolores -, vamos antecipar nosso casamento para que você possa celebrar a cerimónia.

A data então foi marcada, todos, contentes, passaram a ajudar nos preparativos.
Marita tudo fez para que José Maria se alimentasse melhor, e ele até engordou.
Descansou, estava feliz com os familiares, que se desdobravam para agradá-lo.

Um dia, brincando com os sobrinhos, pensou:
"Se Leonor não tivesse morrido, teríamos casado e eu estaria rodeado de filhos e talvez até de netos.
Minha vida teria sido muito diferente - suspirou. - não quis casar com outra mulher, por isso resolvi ser padre e foi uma óptima escolha.
Acho mesmo que vim a este mundo para ser um sacerdote, viver os ensinamentos de Jesus.
Sou feliz assim, porque faço o que me propus".

Amâncio vinha sempre visitar Marita e pôde ficar connosco uns dias.
Tudo estava bem, mas, ao ver minha filha Laurita me preocupei.

Leonor me esclareceu:
- Lourenço, Laurita é uma sensitiva, uma pessoa que se comunica com os espíritos.
Naquela época não usávamos os mesmos termos que usamos hoje sobre mediunidade, mas para melhor compreensão, já que conhecemos as designações, vamos usá-las.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Fev 22, 2015 7:49 pm

- Sempre a achamos estranha e esquisita - respondi, recordando-a menina e jovem.
- Esse intercâmbio entre desencarnados e encarnados sempre existiu.
Muitas pessoas têm receio de dizer e muitos o escondem.
É o caso de Laurita, incompreendida pelos familiares, teve medo de ser tachada de louca e escondeu o facto.
Mas teve no noivo e esposo a compreensão e passou a trabalhar com seus dons.

- Muito bom! - exclamei alegre. - vou conhecer como ela trabalha!
- É bom não se animar, poderá ter surpresas, vou com você.

Fomos à casa de Laurita.
Minha filha morava com o esposo e cinco filhos num sítio bem perto da cidade.
A casa era simples, porém confortável. Plantavam muitas ervas.

- São plantas que usam para chás e remédios - esclareceu Leonor.
- Eles vendem essas ervas? - indaguei
- Sim, vivem disso.
O esposo de Laurita, descendente de índio, aprendeu com os familiares a usar plantas como medicamento.
Eles plantam, fazem chás e remédios e os vendem.

Entramos na casa, Laurita estava costurando uma roupa e ao seu lado estavam três desencarnados que não nos viram e nem perceberam nossa presença.
E, ao ver um deles, levei um tremendo susto.
Era como se me visse no espelho.

- Que é isso Leonor? - indaguei assustado. - Por favor, me explique!
- É um desencarnado que se passa por você.
Como Laurita é vidente, ele plasmou seu perispírito para ficar igual a você.

- Minha filha aceita isso? - perguntei.
- Ela acredita que ele é você.
Laurita ajuda muitas pessoas, mas, por não saber o certo, age indevidamente.

- Não sabe porque não tem quem a ensine, não haverá alguém para ensinar os encarnados? - indaguei preocupado.
- Já está sendo preparado um grupo de espíritos de boa vontade que reencarnarão na França para um estudo sério e que deixarão escritos ensinamentos para a geração futura.
- Por que esse espírito se faz passar por mim?

- Logo que você desencarnou, Laurita o quis perto, desejou muito.
Para que ela o recebesse, este desencarnado se fez passar por você.
- Que absurdo!

Os quatro, Laurita e os três desencarnados, conversavam:
"Papai - disse ela -, o senhor está contente com a visita de José Maria?
Não o achou muito magro?"

"Estou contente sim, filha.
Também o achei magro, certamente não deve se alimentar direito no convento - respondeu calmamente o que se fazia passar por mim. ele."

"Se ele não estranhasse, iria levar umas ervas para José Maria - falou o desencarnado - não iria querer, é melhor que eles não saibam o que se passa com você, todos acham estranhas estas actividades.
Esqueça, filha, Marita irá alimentá-lo e José Maria ficará bem".

Cheguei perto dela e tentei lhe falar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Fev 22, 2015 7:50 pm

Laurita percebeu minha presença, porém espantou-se e indagou:
"Quem é você? Que faz aqui? É do bem?"
"Sim, sou do bem - respondi.
Amo você! Alegro me por me escutar. Sou seu pai!

- Papai?! Não é mesmo!
Por que me engana? Que faz aqui?
Por que está tomando a aparência de meu pai?"

Quando ela disse isso, as três entidades ficaram em alerta e olharam para todos os lados e uma para a outra.

"Laurita, minha filha - insisti -, sou seu pai!
Aqui estou para visitá-la juntamente com Leonor.
Por que me repele?"
"Você não é meu pai! Não gosto que me engane.
Papai! Papai Lourenço, me ajude!
Afaste este enganador daqui!"

O desencarnado que se fazia passar por mim aproximou-se como que se colando a ela, que suspirou aliviada, sentindo-se protegida.

Afastei-me preocupado e Leonor esclareceu:
- Ela está acostumada com ele, gosta desse espírito.
- Como ele consegue tornar seu perispírito igual ao meu? - perguntei.
- Desencarnados que sabem, fazem isso com certa facilidade, tomam a aparência que querem e infelizmente se fazem passar por outros desencarnados.

- Pensei que isso acontecia apenas com desencarnados que quando vivos foram importantes ou conhecidos - falei preocupado.
Leonor me abraçou e esclareceu:
- Para Laurita você é importante e conhecido.
Os médiuns devem conhecer os desencarnados pelos fluidos, esses não são modificáveis.

Os bons vibram o bem.
Porém esse desencarnado não é mau, sabe que engana e que está agindo errado, mas por comodidade ou por não saber como agir certo, continua enganando.

Há casos que são mais prejudiciais.
Ele quer bem a Laurita e não quer que nada de mau lhe aconteça, mas há os que são inconsequentes ou maldosos, enganam para se vingar, prejudicar ou fazer os encarnados de tolos e levá-los ao ridículo.
Os encarnados que não querem ser enganados devem estar alerta, vibrar no bem e agir correctamente, e não querer que determinado espírito, seja ele quem for, seja seu companheiro, guia ou protector.

Os médiuns devem fazer sua parte e deixar que os trabalhadores do bem se encarreguem de determinar um desencarnado para seu companheiro.
Devem entender que não precisa ser alguém importante ou conhecido, se isso tiver que ser, deve acontecer naturalmente.
Mas para nós, espíritos estudiosos e que almejamos progredir, não julgamos ninguém mais importante que outros.

Todos os que trabalham para o bem têm sua utilidade.
Espíritos conhecidos dos encarnados normalmente estão incumbidos de muitas actividades e nem sempre podem ser companheiros de trabalho de um encarnado.
Laurita queria você para ajudá-la, e ele, para agradá-la, se faz passar por você.

- Minha filha não me aceitou! - exclamei triste
- Como já disse, acostumou-se com ele.
" Bateram na porta e Laurita foi atender.
Era uma senhora que veio pedir ajuda.
Minha filha concentrou-se e o desencarnado que se fazia passar por mim aproximou-se dela e aconteceu o intercâmbio ou a incorporação.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Fev 22, 2015 7:50 pm

O desencarnado falou:
"A senhora veio de novo pedir ajuda para o marido que bebe e está sem dinheiro."
Laurita repetiu:
- Dona Margarida, a senhora veio aqui pedir para que seu esposo não se embebede mais.
Estão ficando sem dinheiro, não é?

Leonor explicou:
- O médium transmite o pensamento ou os dizeres do desencarnado, porém com a sua linguagem própria.
Conversaram com a senhora, animaram-na e Laurita deu-lhe um remédio para ser colocado na alimentação do esposo, só que escondido dele, para que não se embebedasse mais.

Terminou dizendo:
- Sei que está sem dinheiro, a senhora me paga quando puder.

Leonor e eu fomos embora, mas passei a ir à casa da Laurita todos os dias.
Vi com tristeza que eles faziam remédios abortivos.
Tornei-me visível aos três desencarnados.
O que se fazia passar por mim assustou-se.
Falei com eles tentando ser gentil, com o objectivo de me tornar amigo.

- Sou o verdadeiro Lourenço.
Quem são vocês?
- Este é Pedro e este é Mico, e eu sou Lourenço, o pai de Laurita - respondeu ele, inquieto.
- Não, não é! - respondi tranquilamente.
- Para ela sou e pronto!

- Por que fez isso? - indaguei-o.
- Por que não veio quando ela o chamou?
Necessitou de você.
Por que não veio ver sua filha antes? - indagou-me olhando seriamente.

- Não podia! Não estava bem, estava perturbado quando desencarnei e tive que ser socorrido.
Depois fui estudar e em seguida fui fazer um outro trabalho.
- Ela queria você.
De início não me aceitou, e para que me aceitasse, me fiz passar por você.
Só quis e quero ajudar.

Para mim pouco importa como me chamam.
Ela me dá atenção e é isso que interessa.
Mas tenho nome, me chamo João.

- João - disse calmamente -, você engana e isso não é certo.
- Não se preocupe, gosto dela como filha e estou ajudando-a.
- Sei disso, mas não é certo se fazer passar por mim.

Foram muitas conversas, fiz de tudo para ser amigo deles, os três demoraram para me aceitar e fiquei contente quando passaram a me receber bem.

Então passei a falar sobre o aborto:
- Se vocês se preparassem e contentes viessem reencarnar para continuar sua aprendizagem e os futuros pais viessem a este lugar e recebessem a erva abortiva e os expulsassem do corpo que lhes fora destinado no ventre materno, achariam bom?
- Não! - responderam os três a um só tempo
- Não façam aos outros o que não querem para vocês - os três então passaram a me ajudar a convencer Laurita e o esposo a não mais vender as ervas abortivas que eram as mais procuradas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Fev 22, 2015 7:50 pm

Mesmo depois de José Maria ter ido embora, pedi autorização para visitar mais meus familiares e resolver essa questão junto a Laurita.

Foi-me permitido.
Fiquei alegríssimo quando meu genro não plantou mais as ervas abortivas e queimou as que já tinham colhido.
Resolveram não fazer mais nada que provocasse o aborto, além disso, João passava àqueles que o consultavam sobre o assunto, ensinamentos a favor da vida, do amor.

João aceitou ir estudar, ir para a colónia fazer o curso, o mesmo que fiz, para depois voltar como ele mesmo e continuar sendo mentor espiritual de Laurita.
Despediram-se emocionados.

"Laurita, devo partir - disse ele.
Daqui a uns meses virá um outro amigo, o João, para continuar o trabalho que faz.
Ficarão com você Pedro e Nico".

"Papai, é necessário mesmo o senhor ir embora?" - indagou ela com voz chorosa.
"É, minha filha, devo ir. Não me prenda, por favor.
Tenho necessidade de ir aprender muitas coisas."

"Lembre que o senhor prometeu me visitar."
"Não se esqueça de que estarei diferente. Adeus!"
"Não me esquecerei. Adeus!"

Laurita chorou e sentiu muito a falta dele.
João estudou com vontade, fez o curso, aprendeu muitas coisas e voltou com novas ideias.

Fizeram os dois um bonito trabalho.
Agora era João, o pai João.
Os outros dois foram um de cada vez para a colónia, gostaram de aprender.

E um deles, agradecido, me disse algo de que nunca me esqueci:
- Devemos caminhar sempre, crescer, progredir e auxiliar, nos tornar um servo útil, em vez de permanecer sempre precisando de auxílio.

Passei a visitar sempre Laurita, ela me via e conversávamos por momentos.
Minha filha alegrou-se muito com a volta daquele espírito e o aceitou imediatamente como João.
Ele voltou com a aparência que havia tido na última encarnação.

Eram amigos, companheiros e amavam-se muito.
Ela, enquanto estava encarnada, não ficou sabendo que fora enganada.
Actualmente ainda ocorrem factos semelhantes, mas sempre há como saber, porque hoje temos os livros de Allan Kardec para nos orientar.

Mas voltemos à visita de três meses de José Maria aos nossos familiares.
Em todo lugar que ele estava encontrava ocasião para ajudar.
Era amado e amava.
Seus conselhos úteis, ponderados e prudentes ajudavam muito os familiares.

Chegou o dia do casamento de Dolores e Marquinho.
A família se reuniu na estalagem.
Filhos, netos e bisnetos conversavam alegres e felizes.
Eu estava emocionado. Bidu começou a falar de mim.

- Será que o sr. Lourenço iria gostar de ver meu Marquinho casado com a caçulinha Dolores?
- Ora, Bidu, certamente que papai aprovaria - disse Joaquim.
- É que eles poderão ter filhos negros ou mulatos e sr. Lourenço e d. Marita terão netos negros.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Fev 22, 2015 7:50 pm

- Serão netos - disse José Maria.
Papai não era racista.
- Isso não era mesmo - disse Bidu.
Que saudade tenho do sr. Lourenço!

Falaram do passado, dos acontecimentos divertidos e alegres.
Chorei, as lembranças eram fortes e compreendi que estava ainda muito ligado a eles.

O casamento foi muito bonito.
O casal ia morar na estalagem com Marita, isso me deixou tranquilo, ela não ia ficar sozinha.
Três meses se passaram rapidamente e José Maria e eu partimos de volta ao convento.

José Maria foi com outros quatro padres para o interior do país, para a Província de Goiás, uma vila onde ao que tudo indicava seria logo uma bela cidade.

A viagem foi difícil, desconfortável e longa.
José Maria tornou-se amigo de todos, mas principalmente de um jovem sacerdote, Lenizo.
O superior deles era um padre alemão gordo que gostava muito de se alimentar bem e beber vinho.
Era ambicioso e queria que seu colégio fosse o melhor e mais bonito do Brasil.

A planta que levavam era de uma construção grande e muito moderna para a época.
Tinham dinheiro para construí-lo, mas o superior contava com a ajuda dos fiéis, dos ricos fazendeiros da região.

José Maria gostou do lugar, mas se entristeceu.
Ali a escravidão era muito pior.
No Rio de Janeiro e em São Paulo, os escravos eram melhor tratados.
No interior, nas fazendas, eram realmente propriedade dos senhores que dispunham deles como queriam.

Havia senhores bons e humanos, mas havia também muitos senhores maus e os negros sofriam horrores.
Foi-lhes emprestada uma casa para se acomodarem até o colégio ficar pronto.
A casa era simples e isso aborreceu o padre superior.

- Merecíamos casa melhor! - exclamou descontente.
- É uma das melhores da vila - disse Lenizo.
- Vamos nos acomodar da melhor forma possível.

E assim fizeram.
Instalaram-se na casa, que não era longe do local da construção e imediatamente as obras começaram num terreno doado.
José Maria e Lenizo dividiram o mesmo quarto e já começaram a trabalhar.

O superior adquiriu escravos e alguns outros foram emprestados para os trabalhos.
Foi feito um galpão ao lado e outro nos fundos.
O do lado era sala de aula e o dos fundos, as acomodações dos escravos.

Perceberam que os escravos eram tratados rudemente e que trabalhavam muito, isso deixou José Maria e Lenizo, que tinham as mesmas ideias, desgostosos.
Passaram a conversar muito, trocando ideias.

- Padre José Maria - disse um dia Lenizo -, não consigo pensar que Deus, sendo justo como é, permite que haja escravos.
Será mesmo que os negros não têm alma?
Sinto que têm e que são humanos como nós.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Fev 22, 2015 7:51 pm

Evito até de pensar nisso, porque temo ficar ateu, como muitos que se dizem religiosos ou como alguns cientistas estudiosos.
Percebo que muitas pessoas inteligentes que dizem não acreditar no que a nossa Igreja ensina e que são tachados de hereges e ateus na verdade não o são, pensam diferente somente.

Já conversei com um desses e ele negou, me disse que acredita em Deus, mas O concebe diferente.
Acredita num Pai Justo e bom, que nos ama igualmente.

- Também penso assim - falou José Maria.
Acho que cada um sente o Criador de um modo.
Há muitas maneiras de crer no Pai e tenho pensado que todos estão certos.

Não há injustiça, há aprendizado.
Acho, Lenizo, que vivemos muitas vezes num corpo de carne, que é esta veste, a carne que morre, mas o espírito, a alma, continua seu aprendizado, voltando muitas vezes à esfera física.

- Tem ideias orientais?
Acha então que os escravos estão resgatando seus erros, seus pecados? - indagou Lenizo interessado.
- Não é mais justo do que acreditar no inferno?

- Isso é! Mas não devemos crer nisso.
- Lenizo - disse José Maria calmamente -, como me explica o que vemos por aqui?
Por que há tantas diferenças?
É preferível pensar nessa possibilidade do que se tornar ateu.

- Se estão resgatando seus erros não devemos interferir - disse Lenizo sério.
Algo por nós, por eles e pelos que no momento são os seus senhores.
Somos todos irmãos e temos também nossos erros a serem acertados.
Ajudar a todos os que erram e aos que sofrem é tarefa dos que querem ser úteis e dos que se têm por filhos do mesmo Pai.

Somos todos irmãos!
Penso também, Lenizo, que não só reparamos faltas aqui na Terra mas também aprendemos, um espírito num corpo de negro' sendo escravo, terá muitas oportunidades de aprender a ser humilde, trabalhador e dar valor à liberdade.
Como o do seu senhor de ser generoso e humano.

- E os que não aprendem? - perguntou Lenizo.
- Repetem as lições! - exclamou José Maria.
O senhor poderá vir escravo e sofrer o que fez os outros sofrerem no aprendizado doloroso.

- Que bom tê-lo por companheiro, José Maria.
Não quero ser ateu e vou pensar com carinho no que me disse.
E que esse assunto fique só entre nós dois.

José Maria sorriu. Era melhor mesmo.
O padre superior, conhecendo suas actividades anteriores, já o escalou como o padre dos pobres e já o tinha avisado que não toleraria indisciplina.
Ter sido escalado para atender aos pobres deixou meu filho muito contente e passou a dedicar-se a eles com muito carinho.

José Maria e Lenizo, à noite, começaram a ensinar os pobres.
No começo havia poucos alunos, mas foram aumentando.
Meu filho conversava com muitas pessoas e parecia que por ali não havia abolicionistas ou se havia temiam e não se declaravam.

As pessoas mais esclarecidas e de posses não queriam ficar sem mão-de-obra barata e os monarquistas eram contra a libertação dos escravos, porque achavam que se a abolição acontecesse os republicanos chegariam ao poder.

E, entre os padres, a maioria pregava que os negros não tinham alma e que não era errado tê-los como escravos, e isso amortecia muitas consciências.
Com certeza José Maria iria logo arrumar novos companheiros abolicionistas, e isso me preocupava, não queria que nada de mau lhe acontecesse.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Fev 22, 2015 7:51 pm

Meu filho estava inquieto, seu superior não usava de bondade para com os negros que construíam o colégio.
Era autoritário, enérgico e usava o castigo para os que não o obedeciam.
Era temido e, como todos os que usam da violência para serem obedecidos sempre são odiados, também o era.

Um dia, os escravos que trabalhavam na obra se rebelaram e bateram em um capataz.
Isso aconteceu à tardinha e foram falar ao superior quando já era noite.
Este mandou que os escravos fossem trancados no galpão, e o caso seria resolvido no dia seguinte.

"Meu Deus! O que faço para evitar o castigo que será dado aos escravos?" - pensou José Maria aflito.
O padre superior tinha no seu quarto um armarinho cheio de remédios e venenos.
Eu havia, sem querer bisbilhotar, olhado tudo e por isso sabia de sua existência.

Tive uma ideia e a dei para meu filho, que a captou e a colocou em prática.
O superior estava jantando, José Maria, às escondidas, entrou no quarto dele, abriu o armário e viu os frascos, os rótulos eram todos em alemão.
Meu filho entendia um pouco da língua germânica, apontei-lhe o certo.

"Este, meu filho."
Ele pegou o frasco, leu e deduziu que seria o sonífero.
Derramou umas gotas no copo e voltou imediatamente à sala de refeições.

Colocou o copo sem que ninguém percebesse na mesa e exclamou:
- Uma mosca no seu copo!
Troco-o para o senhor!

Rapidamente despejou vinho no copo que trouxera e levou o outro para a cozinha.

O padre superior exclamou:
- Malditas moscas!

Bebeu e comeu como sempre e foi dormir.
José Maria ficou ansioso, não conseguiu adormecer, levantou se cedinho.
Como o padre superior não acordou, foi para a construção no lugar dele.

Reuniu todos no pátio.

- Aqui estou para resolver a questão do acontecido ontem à tarde.
O padre superior está indisposto e não pôde vir.

Os oito capatazes e os escravos estavam atentos, o empregado que fora surrado estava satisfeito esperando o grande castigo prometido e os negros estavam temerosos

- Vamos esquecer o ocorrido - disse José Maria com firmeza.
Este colégio será um lugar onde muitos aprenderão e não deve ser construído com dores e aflições.
O sr. Souza será despedido.
São muitas as queixas contra ele, não trabalhará mais connosco.
O sr. Manoel ficará responsável pela obra.

José Maria fez uma pausa. Todos se alegraram.
O capataz despedido era mau e o sr. Manoel era bondoso e ponderado.
Os escravos o olharam esperançosos, inspiravam piedade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Fev 22, 2015 7:51 pm

Meu filho não temeu as consequências do seu acto e continuou a falar:
- Não haverá mais castigos, o tronco será queimado.
A jornada de trabalho diminuirá.
Começará às seis da manhã e terminará às seis da tarde, e terão uma hora de almoço.

Aos domingos terão folga e poderão visitar suas famílias.
A alimentação será melhorada e poderão comer mais.
Hoje e amanhã vocês irão melhorar o galpão de vocês.

Os negros deram vivas, ficaram alegres e meu filho finalizou:
- Espero não ter problemas com vocês, não quero abuso.
Se alguém abusar, será devolvido.
E se tiverem problemas, sejam quais forem, aqui virei uma vez por dia para atendê-los.
Agora, ao trabalho.

Um negro forte e jovem aproximou-se timidamente dele.

- Pode falar! Que quer? - perguntou meu filho.
- Seu padre, tenho uma companheira lá na fazenda e um filhinho de oito meses.
Ele estava muito doente quando vim para cá.
Há tempo que não os vejo, não sei deles e...

- Pode ir vê-los! Tem três dias para visitá-los.
O negro continuou de pé e meu filho disse:
- Que espera? Pode ir!
- Senhor, se chego lá vou para o tronco.
Batem primeiro para depois verificar.
Pensarão que fugi.

- Seu senhor sabe ler?
- Sabe, estudou na cidade grande - respondeu o escravo.
- Pois então escreverei a ele. Espere aqui!

José Maria escreveu rápido uma carta dizendo ter dado permissão para o escravo se ausentar e entregou ao negro.
- Deus lhe pague, sr. padre!

O escravo saiu correndo feliz.
José Maria também ficou muito feliz.
Quando fazemos alguém feliz, ficam em nós fluidos de bem-estar.
Meu filho voltou para casa, o padre superior dormiu o dia todo, acordou de tarde indisposto e não quis fazer nada.

- Padre superior - disse José Maria -, cuidei de todos os problemas para o senhor.
- É bom mesmo. Estou cansado, tenho trabalhado muito.

Passou dias acamado com crise hepatálgica e quando melhorou foi ver a obra e soube do acontecido, mas não se zangou.
O trabalho estava adiantado e bem-feito.

- As pessoas felizes trabalham melhor - disse José Maria.
- É - falou ele -, acho que vou deixar você conduzir o trabalho desses negros. Você os entende.
Alegramo-nos, eu, José Maria e os escravos, que passaram a ser tratados com benevolência.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Fev 22, 2015 7:51 pm

A obra foi sendo construída por alas.
José Maria recebia cartas dos familiares, mas elas demoravam muito, ele ficava alegre com as notícias e se preocupava com todos.

Eu ia sempre vê-los.
Enquanto aconteceram os factos narrados com José Maria, na minha ex-casa, com os outros familiares, se passaram muitos acontecimentos.

Marquinho adoeceu.
Estava com pneumonia, piorou e veio a desencarnar.
Dolores sofreu muito, com 19 anos, viúva e com dois filhos mulatos.

Marquinho revoltou-se ao saber que seu corpo carnal havia morrido, não queria ter desencarnado e não aceitou o facto.
Queixava-se de que era jovem e com dois filhos pequenos necessitando dele.
Amâncio, Leonor e eu tudo fizemos no plano espiritual para ajudá-lo.

Até o levei a Laurita, que conversou com ele, mas também não adiantou.
Ficou na estalagem, tentando participar da vida familiar.
Sofria de dores no peito e fraqueza e não queria ajuda e nem socorro.

Começou a atrapalhar a vida dos que amava.
Dolores por sua influência passou a ser triste e desanimada e às vezes se revoltava.
Bidu ficou inquieto e um dos meus netos, filho dele, adoeceu.

- Marquinho - dizia-lhe eu -, aceite a mudança que houve na sua vida.
Seu corpo morreu, venha aprender a viver de outra forma.
Está prejudicando os que você ama.

- Não quero mudar! Não queria morrer!
Vou ficar aqui. não prejudico ninguém. Eu os amo!

Pedro, o espírito que trabalhava com Laurita pegou-o e levou-o para um Posto de Socorro em que ficou recolhido por alguns meses.

Todos melhoraram sem os fluidos de angústia dele.
No Posto de Socorro, embora Marquinho tenha sido tratado com carinho, não melhorou, não queria aceitar o facto de ter seu corpo físico morto e não podia ficar lá por mais tempo não querendo.

Todos temos o nosso livre-arbítrio que é respeitado sempre.
Então ele voltou. Mas não foi mais aceite em casa.
Os familiares não estavam dispostos a sentir seus fluidos negativos.

Marquinho sentiu-se rejeitado e muito infeliz.
Novamente tentei convencê-lo.

- Marquinho, venha comigo!
É tão triste vê-lo assim.
Amamos você e queremos que esteja bem.
- Ninguém me ama, não me querem por perto.

- A vida continua. não é só você a sofrer com a situação.
Dolores tão novinha tem responsabilidade de criar os dois filhos.
Ela não pode parar e ficar só chorando por você.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 23, 2015 10:32 pm

Seus filhos são pequenos e merecem ser felizes, e na idade deles é natural não se lembrarem de você.
Marita e Bidu já estão velhos, sofrem muito sua falta e se teimar em ficar aqui, acabarão doentes.
Sua revolta não mudará nada, sofre e está fazendo sofrer.
- Que tristeza! - e chorou desesperado.

Mas acabou por entender e pudemos, Amâncio e eu, levá-lo para o Posto de Socorro, onde ficou internado um bom tempo, primeiro se recuperando e depois aprendendo.

Fazia dois anos que Marquinho havia desencarnado e dois meses que havia sido levado para a colónia.
Adelino, meu filho que servia o exército, tendo licença, foi para casa e levou com ele um amigo.
Marita alegrou-se e recebeu bem o amigo do nosso filho, que era um jovem louro, muito bonito, natural de um estado do sul.

Ele enamorou-se de Dolores, que também correspondeu ao seu amor.
Resolveram se casar.
Marita entristeceu porque eles iam morar no sul do país e ela ficaria longe da filha e dos netos.

- Dolores - disse Marita -, deixe os meninos comigo.
- Mamãe, não posso me separar dos meus filhos.
Meu noivo os aceita, prometeu amá-los como filhos dele.
- Eles são mulatos! Temo que sejam desprezados.
Você terá outros filhos que serão brancos e louros.

- Defenderei meus filhos!
Não posso deixá-los, a senhora está velha, já trabalhou demais e criou muitos filhos.
Seremos felizes, amo meu noivo e ele é muito bom.

Casaram e se mudaram.
Joaquim deixou a estalagem com um de seus filhos e veio com a esposa morar com Marita.
Ele e Bidu passaram a cuidar de tudo.
Minha esposa ficou muito triste com mais essa separação.

Ao visitá-la a encontrei reclamando:
"Já perdi tantos entes queridos.
Eva, minha prima Dolores, Amâncio, Leonor, Lourenço, Marquinho e agora minha filha Dolores e os dois netos partem para longe.
Sinto que não os verei mais."

"Marita" - disse consolando-a - você não perdeu, porque aqui continuamos a amá-la.
Quando você desencarnar poderá rever Dolores e os meninos".

Ela só sentiu meus fluidos de carinho, conformou-se e tentou se sentir da melhor forma possível.

Dolores seguiu com o esposo para o sul.
Tiveram problemas, mas superaram.
Amavam-se e foram felizes.
Tiveram mais filhos e Marquinho reencarnou em um deles.

Meu afilhado voltou para um novo recomeço perto daqueles que amava.
Passaram uns meses, Leonor foi me visitar e me pôs a par dos novos acontecimentos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 23, 2015 10:32 pm

- Lourenço, Marita desencarnou, papai e eu a levamos para a colónia.
- Por que não me chamou? - indaguei sentido
- Não vimos necessidade de chamá-lo.
Mamãe teve uma morte física repentina.
Aceitou a desencarnação está bem e espera-o para uma visita.

Depois de três dias fui visitá-la, estava ansioso para abraçá-la e dar as boas-vindas.
Encontrei-a com Amâncio.
Os dois conversavam contentes sentados num banco no jardim.

Olhei-os comovido. Eles se amavam.
Poderiam, para os encarnados, parecer um estranho casal.
Amâncio, de aparência jovem e forte, Marita, com aparência de idosa, mas para os desencarnados isso é normal.

Para o amor verdadeiro a aparência não tem importância.
A ligação pelo amor espiritual é a verdadeira, o sentimento real está além do externo, é querer bem pelo que o outro é.
O afecto espiritual é durável para todo o sempre. Aproximei-me.

- Marita, seja bem-vinda!
Marita sorriu timidamente.
Estava diante de seus dois esposos, não a deixei encabular-se.

Coloquei minhas mãos no ombro de cada um deles aproximando-os mais e disse emocionado:
- Meus amigos!

Olhamo-nos com ternura.
Como é bom ter amigos!
É possuir um grande e valioso tesouro.
É ter alguém para contar nas horas incertas e nunca sentir-se sozinho.

E como é bom participar com eles dos momentos felizes.
Foi para mim muita felicidade abraçar meus amigos e saber que estavam melhores do que eu.
A amizade é a luz da existência.

Amâncio falou:
- Lourenço, devo-lhe muito.
Nunca esquecerei que você criou meus filhos!
E nem o que Marita, mulher corajosa, fez por mim.

- Também sou grata - disse Marita.
Você, Amâncio, foi um marido maravilhoso, e você, Lourenço, muito me ajudou.
- Eu também quero lhes agradecer - falei.
Marita me ajudou a criar meus filhos, cuidou de mim com muito carinho quando estive doente, e você, Amâncio, me socorreu e...

- Chega! - exclamou Leonor sorrindo.
A lista de agradecimentos de cada um me parece enorme.
Já fez muito pelo outro! Alegremo-nos!
Vocês só lembram dos benefícios que receberam e me parecem esquecidos dos que fizeram.
Isso é maravilhoso! Amo vocês!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 23, 2015 10:32 pm

Abraçamo-nos felizes.
Sempre nos encontramos e nossa amizade se solidificou cada vez mais.
Amâncio ficou junto com Marita e eu continuei com José Maria.

José Maria começou a sondar as pessoas em confissões e em conversas e logo encontrou alguns companheiros e passaram a se reunir às escondidas.
No começo era ele e mais dois, Firmino, o dono de uma taberna, e Josias, jovem filho de um rico fazendeiro, que estudara no Rio de Janeiro e achava injusta e cruel a escravatura.

Josias era corajoso, mas não gostava de trabalhar e se envolvia muito com mulheres.
O grupo cresceu aos poucos.
Todos temiam, ali a lei era a dos senhores ricos e eles eram contrários à abolição e defendiam suas ideias com violência.

Com uma parte do colégio pronta, mudaram-se para lá e vieram mais dois padres para leccionar.
Foi dado a cada um deles um quarto.
O de José Maria era pequeno, mas ele logo o tornou agradável.

Com muitos afazeres ele e Lenizo passaram a conversar menos e o jovem padre não ficou sabendo do envolvimento do meu filho com o grupo abolicionista.
O padre superior estava sempre atento a todos, mas principalmente ao meu filho, pois este não perdia uma oportunidade de falar sobre suas ideias quanto à igualdade dos seres humanos.

Na festividade da Semana Santa, José Maria, no final de uma das procissões, fez um sermão que desgostou os senhores ricos e também o padre superior, que o castigou.

Deixou-o sem comer por três dias.
José Maria obedeceu, mas seu organismo fraco e magro sentiu a falta de alimentos.
Ele não se queixou, aproveitou para orar e meditar no seu quarto, mas também foi proibido de ir a outras festividades e não falaria mais em público.

- Que castigo injusto! - disse-lhe Lenizo ao visitá-lo, compadecido de ver o amigo preso em seu quarto.
Mas José Maria o consolou:
- Se muitos negros passaram por isso e às vezes até amarrados no tronco, também posso passar.

Era costume ali os senhores levarem seus escravos para serem castigados num tronco, chamado pelourinho, erguido na praça em frente à igreja.
E muitos dos castigados ficavam lá presos durante a noite ou o dia todo.
Não era difícil soltá-los, mas havia um grande problema, onde escondê-los?

Que fazer com eles após serem soltos?
Se os tirassem do tronco, eles seriam novamente capturados e duplamente castigados.
A situação deles ficaria pior.
Era preciso urgentemente arrumar um lugar para escondê-los.

José Maria achou a solução.
Havia, numa fazenda, uma casa ao lado de uma gruta que foi abandonada por ter fama de ser mal-assombrada.
O fazendeiro dono daquelas terras veio conversar com o padre superior, que chamou José Maria para resolver a questão.

- Padre José - disse o superior -, o sr. Silva veio em busca de auxílio, ele mesmo lhe falará sobre o assunto.
- Nas minhas terras há uma casa, onde meu pai morou, que assombra a todos.
Queria pôr para morar lá um empregado para que vigiasse aquele pedaço da propriedade, mas ninguém pára na casa ou fica mais que uma noite.

Eu mesmo já vi e ouvi coisas estranhas.
Faz barulho na casa, vêem-se vultos e são jogados nas pessoas objectos que não se sabe de onde vêm.
O padre superior disse que o senhor poderá ir lá e rezar para que isso não aconteça mais.

E no outro dia, logo cedo, fomos, José Maria e eu, para a casa assombrada.
O lugar era bonito, não longe da cidade, com água perto da casa e um grande pomar.
A casa não era grande, mas de boa construção.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 23, 2015 10:32 pm

José Maria, ao entrar, arrepiou-se todo.
E eu os vi! Lá havia muitos negros desencarnados, ex-escravos que estavam ali a vagar.

Meu filho sentou-se para descansar, viera a pé e estava cansado, e eu conversei com os negros:
- Bom dia! Como estão passando?
Permitem que descansemos um pouco?
- Quem é este padre?
Ele é bom ou mau?

- Bom! - exclamei.
José Maria é um padre que ama muito.
- José Maria? - indagou um deles.
O padre bonzinho que está lutando para libertar os negros?
É um prazer tê-lo aqui!

A hostilidade acabou e José Maria sentiu-se bem e pôs-se a orar.
Os ex-escravos, em espírito, fizeram fila e foram pedir a sua bênção.
Chegavam perto dele, ajoelhavam e como meu filho estava orando, emanações agradáveis iam até eles.

Aproveitei para falar aos moradores desencarnados do local:
- Por que estão aqui?
- Esperamos a volta do coronel, do nosso ex-senhor.
- Para quê?
- Para fazê-lo sofrer como sofremos - falou um deles, e todos concordaram.

- Querem se vingar? - falei com delicadeza, temendo ofendê-los.
A vingança não é boa companhia.
Ninguém é feliz vingando-se.
Veja o padre José, ele é feliz, e como é agradável ser bom.
Perdoem e deixem que eu os ajude.

- Agradecemos sua intenção de ajudar-nos, mas não aceitamos.
Já decidimos, ficaremos aqui, fizemos um pacto de honra e vamos continuar assombrando os brancos que se aproximarem dessa casa.
- Mas a vida continua - disse-lhes -, e estão parados à margem dos acontecimentos.
Preocupados com o ex-senhor esquecem de vocês mesmos, de fazer algo para melhorar suas vidas.

Olharam-me desconfiados, mas continuei:
- Existe a reencarnação, vocês não foram escravos por acaso e poderão nascer novamente escravos se negarem-se a aprender a lição.
Somos donos dos nossos actos, esqueçam o ex-senhor, ele deverá colher de sua própria plantação.
Convido-os a conhecer uma outra forma de viver.

Nada consegui.
José Maria ia embora, não vira nada de assombrado.

Tive uma ideia e falei aos moradores da casa:
- Vocês permitirão que escravos foragidos se escondam aqui?
- Claro! - responderam.
Ajudaremos nossos irmãos de raça.

Então dei a ideia a meu filho:
"Filho, aqui há escravos, negros que desencarnaram e que ainda se sentem escravos e que não querem brancos por aqui.
Se continuar a fama da casa assombrada, os negros foragidos poderão se esconder aqui até poderem ir para longe."
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 23, 2015 10:32 pm

José Maria saiu dali feliz.
Foi conversar com o fazendeiro.

Constrangido, disse ao sr. Silva:
- É melhor deixar a casa vazia.
Lá estão demónios terríveis que não querem sair.
Se expulsá-los poderão ir por toda a fazenda.

- Deus me livre!
Se é assim, deixe-os lá, só na casa.
Ficará abandonada!

Querendo ajudar esses escravos desencarnados, pedi e obtive permissão para tentar auxiliá-los.
Fiquei muito contente com essa tarefa.
Continuei indo lá, tornamo-nos amigos e passamos a conversar muito.

Também levei amigos da colónia para falar com eles.
Soube do ex-senhor deles, havia reencarnado, mas não lhes disse para que não passassem a obsediá-lo.
Aos poucos fui conseguindo elucidá-los e foram querendo ajuda.
Levei-os para o Posto de Socorro da região.

Na próxima reunião do grupo, meu filho falou aos companheiros:
- Temos um lugar seguro tanto para nos reunir como para esconder os escravos que libertarmos.
A casa assombrada!
Fui lá e não há nada, comentei que havia demónios para que todos temam e ninguém vá até lá.

- Acho - disse um deles - que não devemos ter reuniões lá, somos 11 e se formos muito na casa poderão desconfiar, devemos deixá-la só para esconderijo.
- Amanhã vou lá - disse Josias -, deixarei roupas e alguns alimentos na casa para que o fugitivo tenha o que vestir e o que comer.
Creio que é um óptimo esconderijo.
Agora, ao soltar algum escravo, poderemos mandá-lo para lá e quando desistirem de capturá-lo poderei ir até a casa e dar a ele dinheiro para continuar a fuga e ensiná-lo com se vai ao quilombo mais próximo.

Todos gostaram da ideia.
Após conversarem sobre outros assuntos, se despediram.
O grupo se reunia cada vez em um lugar a cada três meses.

Preferiam que fosse ao redor da cidade, em grutas, na floresta ou em cabanas abandonadas.
Josias era o único que dispunha de dinheiro.
Ele dera ao meu filho roupas comuns para que vestisse quando saísse do convento para ir às reuniões.

Acompanhei-o até o convento, depois fui à casa assombrada avisá-los da visita:
- Companheiros, aqui irá ser esconderijo de escravos foragidos.
Amanhã o senhor Josias virá aqui trazer roupas e alimentos para que eles possam alimentar-se e vestir-se enquanto estiverem aqui, até que tenham como fugir.

- Pode ir tranquilo, sr. Lourenço.
Não faremos nada contra o sr. Josias e tudo faremos para proteger os negros que aqui vierem se esconder.

Josias foi no outro dia cedo e eu o acompanhei, os escravos desencarnados ficaram quietos, só observando.

Um mês se passou.
José Maria ia dar uma aula quando ouviu os comentários de alguns alunos no pátio:
- Um negro foi preso no tronco da praça!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 23, 2015 10:33 pm

- Receberá, ao amanhecer, cem chicotadas!
- Cem? - indagou meu filho assustado.
Irá morrer, com certeza.
Que fez para merecer esse castigo?

Um dos alunos respondeu:
- Dizem que ele foi indelicado com sua sinhá...
- Que mexeu com ela... - falou um outro.

José Maria ficou apreensivo.
Deu a aula e foi para seu quarto pensar no que faria para ajudar o escravo prisioneiro.
Quando soube da notícia era de tarde, agora já escurecia e ele queria achar um jeito de libertá-lo.

Ficaria preso a noite toda e só seria castigado pela manhã.
Muitas pessoas iriam ver o flagelo.
Meu filho não tinha como falar com nenhum dos seus companheiros, e Josias estava na fazenda e talvez nem ficaria sabendo.

Resolveu agir sozinho, planeou ir após as duas horas da madrugada, lá daria um jeito de imobilizar o guarda e soltar o escravo.

Não dormiu, estava ansioso demais.
Na hora que marcou, saiu do quarto, cauteloso, e foi para os fundos do convento.
Temi por ele e o acompanhei atento.
Preferia vê-lo dormindo, mas o compreendi, estava agindo certo, ainda mais porque sabia ser imerecido o castigo.

Fui ver o escravo no tronco e li seus pensamentos.
Ele era inocente, por intriga de sua sinhá ia ser duplamente injustiçado, pois, mesmo que estivesse errado, ninguém é modificado com violência.

José Maria vestiu as roupas que Josias lhe deu e levou a corda que havia escondido no quarto.
No pátio, subiu numa árvore e por ela chegou ao muro.

O convento tinha muros altos, mas ele sempre fazia isso para sair sem ser visto.
Amarrou a corda num galho da árvore, jogou-a para o lado de fora e desceu por ela.
Escondeu-a entre os galhos e caminhou para a praça.

Viu que o guarda estava perto do escravo, procurou então algo para desarmar o vigia.
Achou um pedaço de pau e, sempre com cuidado para não ser visto, se aproximou do vigilante por trás e com toda a força golpeou-o na cabeça.
O homem caiu desmaiado.

Rapidamente aproximou-se do escravo preso e, enquanto o soltava, falou:
- Fuja e se esconda na casa assombrada, a do lado da gruta.
Fique quieto lá até que as buscas terminem.
Alguém irá lá para ajudá-lo.
Ele assobiará três vezes, é um amigo que lhe dará instruções para ir embora para longe.

Não tenha medo da casa, ela não é assombrada.
Isso foi invenção para ninguém ir lá.
Vá com Deus! Corra!

O libertado disse com medo e emoção:
- Deus lhe pague!
Correu.
- Corra também! - disse aflito para meu filho.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 23, 2015 10:33 pm

Ele ia correr, mas preocupou-se com o pobre vigia e aproximou-se dele para verificar se estava bem.
O guarda estava acordando.

- Bandido! - exclamou irado.
"Corra, José Maria! Corra!"-gritei.
Ele então correu, o guarda deu tiros e um deles atingiu meu filho na coxa direita.

Mesmo ferido continuou correndo.
Ao chegar perto do convento, percebeu que sangrava muito.
Tirou a camisa e a enrolou na perna estancando o sangue.

Foi até o local onde deixara a corda e cautelosamente foi para seu quarto.
O guarda gritou e com os tiros acordou e alarmou todos os habitantes da cidade.
Os homens levantaram e saíram à procura do bandido que soltara o escravo.

Seguiram o rastro de sangue, e como este acabava no muro concluíram que o bandido devia ter entrado no convento '
José Maria entrou no seu quarto, amarrou bem a perna, trocou de roupa, escondeu a corda, colocou a roupa suja de sangue embaixo do colchão e fingiu dormir.
Muitos homens armados entraram no convento e com ordem do padre superior revistaram tudo.

Chegaram ao quarto de José Maria.

- Que foi? O que aconteceu? - indagou ele fingindo estar acordando.
- Não disse que padre José é um dorminhoco? - falou Lenizo, que acompanhava-os.

Os homens deram uma olhada e saíram.
José Maria suspirou aliviado.
Quando tudo ficou quieto, ele levantou-se, desenrolou a camisa da perna e examinou o ferimento.

A bala entrou por um lado e saiu pelo outro, mas não provocou fracturas.
Eu fui à colónia pedir ajuda e veio comigo um médico desencarnado para auxiliá-lo.

José Maria lavou a ferida, desinfectou-a com aguardente de uma garrafa que ganhara há muito tempo e guardara no armário, e enfaixou novamente a perna.
O médico que me acompanhava deu-me remédios que eu deveria colocar diversas vezes na água que ele tomaria.

- Lourenço - disse o médico -, José Maria ficará bom!
Se precisar de mim, chame que virei.

José Maria sentiu muitas dores, levantou-se como de costume e fez todo seu serviço como se nada tivesse acontecido, não pôde nem mancar ou expressar sua dor.

Pedi a ele que não fosse à escola à noite, atendeu-me e disse a Lenizo:
- Lenizo, não devo ir por uns dias às aulas da noite, me substitua, por favor.
Lenizo preocupou-se com ele, não perguntou nada, mas entendeu ser ele o libertador do escravo.

- Sente algo?
- Não, estou bem, mas devo repousar um pouco.
Não só Lenizo o substituiu como também ajudou-o nas outras tarefas do convento.
José Maria agiu como sempre e ficou atento aos comentários, que foram muitos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 23, 2015 10:33 pm

- O guarda - disse um aluno - falou que quem o atingiu foi um sujeito grande e forte.
- Mas ele ficou ferido - disse um outro.
Quem será? Deve ser alguém de outra cidade.
Aqui não apareceu ninguém ferido.
- O facto é que o sujeito sumiu e o negro também - falou um para o outro rindo.

José Maria alegrou-se, o escravo conseguira fugir.
O escravo, ao ser libertado, correu e foi para a casa assombrada, temeu, mas como os desencarnados que lá vagavam prometeram, nada fizeram contra ele.
Quando as buscas terminaram, Josias foi lá, levou dinheiro e roupas para ele e o ensinou o caminho para ir ao quilombo mais próximo.

O escravo fugiu com sucesso.

Leonor veio visitar José Maria e eu lhe contei todo o acontecido.
Ela aproximou-se dele, que apesar das dores tentava dormir, e com muito carinho lhe deu um passe que o fez adormecer.

Observei-a curioso e indaguei:
- Vocês já estiveram juntos em outras existências?
- Já - respondeu Leonor sorrindo.

Fez uma pausa, pedi com o olhar para que me contasse sua ligação com ele.
Leonor atendeu-me.

- José Maria e eu sempre nos quisemos bem, já estivemos encarnados muitas vezes juntos como amigos, irmãos, há três encarnações fomos marido e mulher.
Vivemos muito felizes, numa harmonia que poucos casais encarnados conseguem ter.

Entretanto ele desencarnou primeiro e eu não consegui viver sem ele.
Triste, angustiada, não quis lutar pela vida e fui definhando, antecipei a morte do meu corpo.
Ele tentou me ajudar mostrando o quanto estava errada, mas não o compreendi.

Novamente voltamos juntos, fui mãe dele na sua última encarnação, naquela em que foi o padre que o ajudou.
Novamente não me conformei com sua desencarnação, ainda mais quando soube o muito que sofreu preso e condenado pela Inquisição.
Minha dor foi muita, e novamente antecipei minha desencarnação com o desânimo, a tristeza e a saudade.

"Nessa fui eu que desencarnei primeiro, sofri no começo com a separação.
Cansada de padecer' por esse motivo, quis mudar, com estudo compreendi tudo.
Tive que voltar três vezes para aprender que o apego e a dor são inseparáveis.

A dimensão da dor tem o exacto tamanho do apego que tivermos.
A maioria de nós tem um problema, nossos conhecimentos teóricos não têm força suficiente para realizar uma mudança verdadeira no nosso estado interior.

Conhecer teoricamente não é suficiente para que haja um saber vivencial.
Talvez por isso é que a vida nos dá a oportunidade de voltarmos várias vezes às mesmas situações, até que assimilamos a lição de que nada nos pertence em particular e, portanto, não há razão para o apego.
Devemos amar a tudo como um todo e a este amor nos dedicar com toda a força de nossa alma, porque somos parte desse todo.

Lourenço, para ultrapassar o apego foi preciso perder o ser amado várias vezes, até que aprendi a amar sem me identificar com o ser amado.
Amar sem tempo nem espaço.
Simplesmente amar."

Leonor calou-se. Compreendi-a.
Cuidamos de José Maria.
Seu ferimento cicatrizou sem problemas e logo estava bem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 23, 2015 10:33 pm

Dois meses depois, quando foi mandado visitar um fazendeiro, conseguiu levar sua roupa suja de sangue, a que usou quando libertou o escravo, e jogá-la no rio.

Todos evitavam de passar perto da casa assombrada e ela se tornou um óptimo esconderijo.
Fizeram algumas modificações no convento, que ainda estava sendo construído.
Lenizo novamente dividiu o quarto com José Maria.

Estavam os dois trabalhando muito, meu filho, preocupado com o grupo e Lenizo, distante.
Percebemos logo seu ar distraído e melancólico.

José Maria indagou preocupado:
- O que está acontecendo com você, meu amigo?
Está distraído. Posso ajudá-lo?
- Não está acontecendo nada de especial, estou saudoso de casa, é só isso.

Lenizo estava há anos longe dos seus familiares.
José Maria fingiu acreditar, não queria ser indiscreto.
Eu soube o que acontecia.
Só de observá-lo vi que pensava com muito amor numa jovem.

Estava apaixonado e era correspondido.
Lenizo ensinava três vezes por semana, à tarde, a filha de um rico fazendeiro da região.
Ele ia à fazenda e dessas visitas os dois jovens se enamoraram.

Era um amor grande e honesto.
O jovem padre não sabia o que fazer e estava vivendo um grande conflito:
amava a jovem Maria, era correspondido, mas amava também o sacerdócio a que se dedicava há anos com tanta devoção.

Todo conflito traz sofrimento, e ele sofria.
Dias depois, Lenizo chegou aflito da fazenda e pediu para conversar com meu filho.

Foram para o quarto e o jovem padre falou preocupado:
- Padre José, estou enamorado!
Sempre tive vocação para o sacerdócio, ou pensava ter.
Deixei meus pais, irmãos, a família, para seguir minha vocação e prometi a mim mesmo que seria um bom padre.

Porém, quando o padre superior me escalou para ensinar a filha de um fazendeiro, fui de boa vontade, só que o cupido nos pregou uma peça.
Estamos apaixonados!
Meu conflito é grande e estou sofrendo muito.

Não devo amá-la como mulher e além disso os pais dela nunca irão concordar, eles têm planos para ela, querem casá-la com um senhor rico.
Hoje a governanta nos surpreendeu abraçados.
Acho que fomos descobertos! Que faço?

- Calma, Lenizo! Deixe-me pensar sobre o assunto.
Acharemos a solução juntos.
Agora tenho que dar uma aula.
À noite conversaremos.

Quando terminou a aula, ao sair da classe, José Maria viu o fazendeiro, o pai de Maria, a enamorada de Lenizo, sair do convento.
Parecia normal, despreocupado.
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Aqueles que amam - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho. - Página 3 Empty Re: Aqueles que amam - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 23, 2015 10:33 pm

Meu filho perguntou ao empregado que estava na frente do convento:
- O que este senhor veio fazer aqui a esta hora?
- Veio ver o padre superior.
Chegou nervoso, irado e está indo embora calmo. não sei o que conversaram...

Meu filho desconfiou que algo aconteceria e foi à procura de Lenizo e, após meia hora, o encontrou no quarto deles.
- Padre José - disse o jovem padre -, estou voltando do gabinete do padre superior, ele me chamou para conversarmos.
O pai de Maria veio aqui reclamar de mim para ele.
A governanta, como previmos, contou-lhe tudo, que nos viu abraçados.

Lenizo calou-se por um instante, sentou-se, desabotoou a batina na altura do pescoço, e depois continuou a falar, passando a não no estômago.

- Padre superior pediu-me para não ver Maria por um tempo, disse-me que vai pedir ao Papa minha dispensa do sacerdócio.
O pai de Maria não quer a filha envolvida com padre.
Mas acho que nem com pobre e...

José Maria escutava de cabeça baixa, achando estranha a atitude do padre superior.
Tinha certeza de que ele ia esbracejar, castigar Lenizo.

Como o jovem padre calou-se novamente, olhamos para ele.
Apavoramo-nos ao vê-lo, estava vermelho, suando, passava mal.

Meu filho indagou:
- Tem mesmo certeza de que o padre superior não lhe tratou mal?
- Tratou-me com carinho - respondeu Lenizo com dificuldade.
Até me ofertou um licor.

José Maria arregalou os olhos.

- Licor? Veneno? Você tomou veneno?
- Não! Nunca iria me suicidar...
Sinto-me mal! Que dor!

José Maria ajudou-o a se livrar da batina, deu-lhe água e o forçou a vomitar.

- Vou buscar ajuda!
Abriu a porta e Lenizo pediu:
- Não me deixe só, quero me confessar.

Um padre ia passando no corredor e meu filho pediu:
'' - Padre Marcos, corra e busque padre Afonso.
Vá à cozinha e traga muito leite.
Padre Lenizo está passando mal!
Corra, por favor!

Padre Marcos saiu apressado.

Lenizo pegou firme na mão de José Maria.
- Absolva-me dos meus pecados!
Amei uma mulher e jurei fidelidade à Igreja.
Mas meu amor foi casto. Eu...
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 24, 2015 10:01 pm

Achando que não deveria escutar uma confissão, fui para o corredor, me concentrei e chamei o médico da colónia que havia me ajudado quando meu filho se feriu.

Ele veio logo e entramos no quarto.
Lenizo segurava a mão de José Maria e falava com dificuldade, o sangue brotava dos seus lábios.

- Padre José, se o senhor conseguir falar com Maria, diga-lhe que a amei muito, mas que é para ela continuar vivendo e aceitar com resignação nossa separação.
Acho, meu amigo, que não nascemos para ficar juntos.

O meu amigo médico examinou-o e concluiu:
- Foi envenenado!

Chegaram padre Marcos e padre Afonso.
Este tinha alguns conhecimentos de medicina e pôs-se a examinar Lenizo, que já agonizava.

- Está morrendo! Não tenho como ajudá-lo! - exclamou padre Afonso.
O médico da colónia confirmou:
_ De facto, Lenizo está desencarnando.
Pedirei para socorristas virem ajuda-lo.
Os socorristas não demorou, dois espíritos vieram, entraram no quarto, deram passes em Lenizo, que foi se acalmando.

Dois ajudantes da cozinha vieram com o leite Padre Afonso indagou:
- Para que isso?
Padre Lenizo está tendo um ataque do coração.
- Foi o padre José que pediu... - respondeu padre Marcos.

Padre Afonso olhou de forma severa para José Maria e eu interferi, pedi mentalmente para meu filho responder o que achei que convinha no momento.

Ele me atendeu.
- É que acho leite bom para tudo...
- De facto é bom, mas não para o padre Lenizo nesse momento.
É melhor lhe dar a extrema-unção.

Padre Marcos deu-a, José Maria ficou olhando-os, orou com fé, pediu a Deus ajuda ao amigo.
Lenizo expirou, seu corpo físico morreu.
Os dois socorristas e o médico adormeceram seu corpo perispiritual, efectuaram o desligamento e o levaram para a colónia.

Providências foram tomadas, padre Marcos limpou o cadáver e o vestiu, levaram-no para a capela para ser velado.

José Maria ficou quieto observando.
Sentiu muito a morte do amigo e mais ainda o acontecimento:
Lenizo foi assassinado, envenenado pelo padre superior, e padre Afonso certamente sabia e se omitiu.

"Deveria também me omitir?
Que atitude devo tomar? - indagava-se.
Que devo fazer?"

O enterro foi no outro dia às doze horas.
O padre superior celebrou a missa e encomendou o corpo.
Estava tranquilo como sempre.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 24, 2015 10:01 pm

E a morte de Lenizo foi dada como um mal súbito, talvez alguma enfermidade do coração.
Se alguém desconfiou, calou-se.
José Maria teve certeza de que foi o padre superior quem o envenenou.
Sabia que ele tinha frascos com venenos.
Ele era alemão e na Europa, em alguns lugares, isso já havia ocorrido.

Meu filho, na sua encarnação anterior, também como padre, presenciara e soubera desses factos e sentia nesta que isso acontecia.
Teve mais dó do padre superior e resolveu ajudá-lo:
iria conversar com ele alertando-o sobre o seu erro.

Mas este não queria conversa e evitava meu filho.
Padre superior estava sempre acompanhado por duas entidades.

Era alemão e o outro, um ex-escravo, e foi com este que conversei:
- Senhor Lourenço - disse ele -, não interfira!
O senhor e o padre José não têm nada que ajudar este monstro.
Faço parte de um grupo, somos muitos que o odiámos e estou aqui para vigiá-lo, anotar tudo que faz, estamos esperando a hora certa para nos vingarmos.

- E o outro? - indaguei.
- É amigo dele, o protege!
Se afinam, são semelhantes.

José Maria aproveitava todas as oportunidades para dizer os ensinamentos de Jesus ao padre superior, que os sabia de cor, porém não os vivenciava.

Procurei saber o que de facto aconteceu.
O pai de Maria veio reclamar de Lenizo, exigiu que ele sumisse dali, que fosse transferido e que não voltasse mais à sua casa, ameaçando não ajudar mais a Igreja se isso não acontecesse.
Padre superior achou que o melhor modo de resolver o problema seria que o jovem padre morresse, assim não iria sujar o bom nome do convento, pois sentiu que Lenizo não ia desistir de Maria e que realmente a amava.

Resolveu eliminar o mal pela raiz.
O espírito do alemão que o acompanhava era tal qual o padre superior:
pensavam da mesma maneira, deliciavam-se juntos comendo e bebendo muito.

Logo após algumas tentativas de José Maria, ele aproximou-se de mim e falou autoritário.

- Impeça o seu protegido de falar bobagens ao meu amigo.
Não o quero por perto!
Se continuar, sobrará para ele!

Ameaçou e ficou me olhando, sorrindo cinicamente.

- Senhores - disse educadamente -, vivem de modo errado e só estamos tentando alertá-los.
- Modo errado? Defendemos nossa Igreja!
Não deve haver lugar para padres infiéis aqui.
Padre Lenizo queria abandonar a Igreja para tentar se casar!

Ficar com uma mulher!
Trocar a Igreja por um ser inferior!
Não poderíamos correr o risco de um escândalo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 24, 2015 10:01 pm

- Violaram um mandamento. não matar! - disse
- Para toda obra nobre há um preço!
Não violamos nada.
Tudo é válido para o bem-estar da Igreja.

Fui padre superior e agora ajudo este a ser responsável.
É um aviso: não se metam!

Durante o jantar, José Maria esbarrou num copo, derrubando-o sobre a mesa.

- Padre José - disse o padre superior -, está desastrado e inquieto.
Vá para seu quarto sem o jantar e fique três dias sem se alimentar para aprender a ser mais atento.

Meu filho levantou-se e retirou-se, o espírito do alemão me olhou desafiadoramente.

O ex-escravo, que vigiava os dois, veio conversar comigo:
- Senhor Lourenço, tente evitar que o padre José se envolva com esses dois. São maus!
- Não merecem eles ajuda?
Não são os enfermos que necessitam de médico?

- Quando nos sentimos doentes, sr. Lourenço, é que queremos médico, mas eles não se sentem necessitados.
Como vão ajudá-los?
Também não queremos a ajuda de vocês, porém os respeitamos e não os queremos envolvidos nesse assunto.

Tudo passa e estes dois terão a parte que lhes cabe.
O senhor tem notícias do padre Lenizo?
Ele também foi vítima deles e poderá querer se vingar.

Não respondi.
Fiquei apreensivo com o castigo do meu filho, ele era magro e fraco, sentiu fome, mas não se queixou.

Fui visitar Lenizo na colónia, ele estava bem.
Apresentei-me explicando quem eu era e ele me recebeu com carinho.
Havia perdoado de coração, só que sentia-se constrangido e envergonhado, não queria ter se apaixonado.

- Padre Lenizo - disse-lhe -, não se sinta assim, não teve culpa!
- Sinto-me responsável por Maria.
Embora não tivéssemos a intenção de conquistar um ao outro, o amor nos uniu.
Devia ter evitado, pedido para não ir mais lá, mas fui adiando, não tive forças, queria só vê-la.
Acabei fazendo-a sofrer!

- Talvez seja reencontro do passado - falei.
- Não, indaguei isso a um dos meus instrutores e ele se certificou.
Maria e eu não somos afectos do passado, nunca reencarnamos juntos.

- Não reencarnamos para aprender a amar?
Fazer afectos? - falei tentando animá-lo.
Vocês dois tiveram muitas coisas em comum.

Maria, oprimida pelos pais, pela sociedade, teve em você a compreensão, não a tratou como um ser inferior.
Você entrou para o sacerdócio muito jovem, talvez não era isso o que realmente queria.
Carentes, com afinidades e com as mesmas ideias, se enamoraram.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 24, 2015 10:01 pm

- Obrigado por suas palavras.
Mas sinto padre José preocupado.
Que se passa com ele?
- Ele sabe que você foi assassinado e não sabe o que fazer em relação a isso.
Não quer ficar omisso.
Por tentar ajudar o padre superior a não errar mais, está de castigo sem se alimentar por três dias.

- Gostaria de conversar com ele.
Ou melhor, agora não sei se isso é possível, mas vê-lo.
Ele gostará de saber que perdoei e que não guardo mágoas.

Um dos seus instrutores que estava presente e ouvia nossa conversa opinou:
- Tem permissão, padre Lenizo, de visitá-lo.
Lourenço poderá levá-lo e trazê-lo. Vá ver seu amigo!

Trouxe Lenizo, era de noite, José Maria estava preparado para dormir, estava cansado.
Com a desencarnação do amigo, ele assumira todo o trabalho da escola dos pobres, à noite.

Ele sentiu a presença de Lenizo.
Os dois conversaram mentalmente, entenderam-se.
A amizade dos dois era pura, desinteressada e um estava preocupado com o outro, com intuito de se ajudar mutuamente, queriam ambos o bem estar do outro e houve um intercâmbio que foi mais sentido que verbal, foi compreendido.

"Padre Lenizo, é você?
Está bem, amigo?"
"Estou bem! Vim só para agradecê-lo e pedir para não se preocupar comigo.
Perdoei, amigo!
O perdão desata os nós da animosidade.
Perdoei! Necessito tanto de perdão!"

"Se perdoou a outros, perdoe a si mesmo! - disse meu filho. - Perdoe-se!"

Lenizo sorriu, o amigo estava sempre o ajudando entendera o que se passava com ele.
Sim, ele necessitava perdoar a si mesmo.
Ia tentar fazer, era preciso.

Respondeu com carinho:
"Padre José, agradeço-lhe! Obrigado!"
"Alegro-me por saber que está bem" - respondeu José Maria.
"Não se envolva com o padre superior - disse Lenizo.
Vamos amá-lo somente. Nossas vibrações o ajudarão.
Ele pensa, tem certeza de que agiu certo".

"Tenho que alertá-lo! - exclamou meu filho.
Já pensei em escrever ao bispo.
Mas não tenho como provar e não tenho boa fama com as autoridades da Igreja.
Sou um revolucionário!"

"Não se exponha, padre José! Cuidado!"
"Obrigado pela visita!
Venha sempre que puder.
Inicie vida nova e, como perdoou a outros, não esqueça de ser benevolente com você.
Vá em paz, amigo, seja útil onde estiver."
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 24, 2015 10:02 pm

Padre Lenizo o abraçou e chorou emocionado.
Voltamos à colónia e, após deixá-lo, voltei para perto do meu filho.

Soubemos que Maria ia casar.
Meu filho queria dar o recado a ela, só que ainda não tivera oportunidade.
Mas esta surgiu: Maria com a mãe e as cunhadas vieram se confessar.

José Maria, desobedecendo as ordens do padre superior, pois estava proibido de atender os ricos, entrou rápido no confessionário para atendê-las, e quando Maria ajoelhou-se, ele lhe deu o recado:
- Maria, padre Lenizo morreu nos meus braços.
Ele pediu que, se houvesse oportunidade, eu lhe falasse que ele a amou muito e por isso a quer feliz.
Você, filha, deve esquecê-lo e tudo fazer para estar bem.

- Obrigado, padre José!
Sei que era amigo de Lenizo, ele me falava sempre com carinho do senhor.
Estou sofrendo sem ele, já pensei até em morrer, me suicidar, mas tenho medo.

Amei-o e amo-o ainda, acho que não vou esquecê-lo.
Quis ir para o convento, mas meu pai não deixou.
Vou casar e não amo meu futuro marido.

- Não pense em morrer, filha!
Suicídio é um pecado grave.
Depois irá morrer à toa, pois não ficará com Lenizo.
- Se fizer isso sei que irei para o inferno.
Lenizo deve estar no Céu!

- É mais ou menos isso - disse José Maria.
Lenizo está bem e quem se suicida passa por períodos difíceis e normalmente longe dos entes queridos.
Esqueça-o, Maria!
Case e tente amar seu esposo.
Quando for mãe sentirá o amor maternal que fará esquecer isso tudo.
Viva, filha! E seja feliz!

Maria ficou mais consolada, mas pela desobediência, José Maria foi proibido de tomar as refeições com os outros padres no refeitório.

Deveria se alimentar na cozinha com os empregados e escravos.
Ele não achou ruim, só que comia menos, porque estava sempre dando parte do alimento a alguém.
E ali na cozinha tinha muitas oportunidades de conversar com os escravos e empregados, ajudando-os com conselhos e sugestões.

Maria casou-se e José Maria foi impedido de ver a cerimónia, mas orou muito para que ela fosse feliz.
Lenizo adaptou-se rápido à vida desencarnada, foi estudar e logo estava sendo útil.

Perdoou a si mesmo.
O difícil não é perdoar a outros, e sim a nós mesmos, mas é importante nos perdoarmos e iniciar com firmeza e esperança a reparação dos nossos erros.

Padre superior passou a evitar José Maria.
Antes se encontravam no refeitório, agora se viam raramente e quando isso acontecia só se cumprimentavam, ele não se dirigiu mais ao meu filho, nem para dar ordens.

Assim José Maria não conseguiu mais orientá-lo, ou melhor, tentar fazê-lo entender que agia errado.
Conversava sempre com o ex-escravo que vigiava o padre superior, fui até o grupo dele para visitá-los.
O grupo era de vingadores e Os mestres vieram da Europa fundaram algumas escolas no umbral.
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