LUZ ESPÍRITA
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Série André Luiz - LIBERTAÇÃO

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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 13, 2012 10:02 pm

Então...
— Os inimigos ser-lhe-ão filhos? — indaguei, ansioso, quebrando-lhe as reticências.

— Como não? Certamente, o caso já se encontra sob a jurisdição superior.
Esta mulher retornará à carne, seguida pelas mentes dos adversários que aguardarão, junto dela, o tempo de imersão nos fluidos terrestres.

— Oh! — exclamei, profundamente espantado — não se separará dos perseguidores, nem mesmo para o regresso?
Tenho acompanhado reencarnações que invariavelmente se fazem seguidas de cautelas especiais...

— Sim, André — concordou o Instrutor —, reparaste nos processos em que funcionaram elementos intercessores de vulto, atendendo-se à nobilitante missão dos interessados no futuro e, com o auxílio divino, semelhantes casos contam-se por milhões.

Contudo, existem, ainda, nos sectores da luta humana, milhões de renascimentos de almas criminosas que tornam ao mergulho da carne premidas pela compulsória do Plano Superior, de modo a expiarem delitos graves.

Em ocorrências dessa ordem, a individualidade responsável pela desarmonia reinante converte-se em centro de gravitação das consciências desequilibradas por sua culpa e assume o comando dos trabalhos de reajustamento, sempre longos e complicados, de acordo com os ditames da Lei.

Compreendendo meu assombro, Gúbio considerou:
— Porquê a estranheza?
Os princípios de atracção governam o Universo inteiro.

Nos sistemas planetários e nos sistemas atómicos vemos o núcleo e os satélites.
Na vida espiritual, os ascendentes essenciais não diferem.

Se os bons representam centros de atenção dos Espíritos que se lhes afinam pelos ideais e tendências, os grandes delinquentes se transformam em núcleos magnéticos das mentes que se extraviaram da senda recta, em obediência a eles.

Elevamo-nos com aqueles que amamos e redimimos ou rebaixamo-nos com aqueles que perseguimos e odiamos.

As afirmativas inspiravam-me profundos pensamentos, quanto à grandeza das leis que regem a vida e, atento à meditação daquele instante, evitei novas perguntas.

O Instrutor acariciou a fronte da criatura desventurada, envolvendo-a, intencionalmente, numa bênção de fluidos divinos e acrescentou:
— Pobre irmã! que o Céu a fortaleça na jornada por empreender!

Seguida de perto pela influência dos seres que com ela se projectaram no abismo mental do ódio, terá infância dolorosa e sombria pelos pesares desconhecidos que se lhe acumularão, incompreensivelmente, na alma opressa.

Conhecerá enfermidades de diagnose impossível, por enquanto, no quadro dos conhecimentos humanos, por se originarem da persistente e invisível actuação dos inimigos de outra época...

Terá mocidade torturada por sonhos de maternidade e não repousará, intimamente, enquanto não oscular, no próprio colo, os três adversários convertidos, então, em filhinhos tenros de sua ternura sedenta de paz...

Transportará consigo três centros vitais desarmónicos e, até que os reajuste na forja do sacrifício, recambiando-os à estrada certa, será, na condição de mãe, um ímã atormentado ou a sede obscura e triste de uma constelação de dor.

O estudo era, sem dúvida, absorvente e fascinante, mas a hora controlava-nos o serviço e era imperioso regressar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 14, 2012 10:49 pm

8 - Inesperada intercessão

A sala em que fomos recebidos pelo sacerdote Gregório semelhava-se a estranho santuário, cuja luz interior se alimentava de tochas ardentes.

Sentado em pequeno trono que lhe singularizava a figura no desagradável ambiente, a exótica personagem rodeava-se de mais de cem entidades em atitude adorativa.

Dois áulicos, extravagantemente vestidos, manejavam grandes turíbulos, em cujo bojo se consumiam substâncias perfumadas, de violentas emanações.

Trajava ele uma túnica escarlate e nimbava-se de halo pardo-escuro, cujos raios, inquietantes e contundentes, nos feriam a retina.

Fixou em nós o olhar percuciente e inquiridor e estendeu-nos a destra, dando-nos a entender que podíamos aproximar.

Fortemente empolgado, acompanhei Gúbio.
Quem seria Gregório naquele recinto?
Um chefe tirânico ou um ídolo vivo, saturado de misterioso poder?

Doze criaturas, ladeando-lhe o dourado assento, ajoelhavam-se, humildes, atentas às ordens que lhe emanassem da boca.

Com um simples gesto determinou regime sigiloso para a conversação que entabularia connosco, porque, em alguns segundos, o recinto se esvaziou de quantos dentro dele se achavam, estranhos à nossa presença.

Compreendi que cogitaríamos de grave assunto e fitei nosso orientador para copiar-lhe os movimentos.

Gúbio, seguido por Elói e por mim, a reduzida distância, acercou-se do anfitrião que o contemplava de fisionomia rude, passando, de minha parte, a espreitar o esforço de nosso Instrutor para contornar os obstáculos do momento, de modo a não classificar-se por mentiroso, à face da própria consciência.

Cumprimentou-o Gregório, exibindo fingida complacência, e falou:
— Lembra-te de que sou juiz, mandatário do governo forte aqui estabelecido.
Não deves, pois, faltar à verdade.

Decorrida pequena pausa, acrescentou:
— Em nosso primeiro encontro, enunciaste um nome...
— Sim — respondeu Gúbio, sereno —, o de uma benfeitora.

— Repete-o! — ordenou o sacerdote, imperativo.
— Matilde.

O semblante de Gregório fez-se sombrio e angustiado.
Dir-se-ia recebera naquele instante tremenda punhalada invisível.

Dissimulou, no entanto, dura impassibilidade e, com a firmeza de um administrador orgulhoso e torturado, inquiriu:
— Que tem de comum comigo semelhante criatura?

Nosso orientador redarguiu, sem afectação:
— Asseverou-nos querer-te com desvelado amor materno.
— Evidente engano! — aduziu Gregório, ferino — minha mãe separou-se de mim, há alguns séculos.

Ao demais, ainda que me interessasse tal reencontro, estamos fundamentalmente divorciados um do outro.
Ela serve ao Cordeiro, eu sirvo aos Dragões (1).
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 14, 2012 10:49 pm

Aquela particularidade da palestra bastava para que minha curiosidade explodisse, indómita.

Quem seriam os dragões a que se reportava?
Génios satânicos da lenda de todos os tempos?

Espíritos caídos no caminho evolucionário, de inteligência voltada contra os princípios salutares e redentores do Cristo, que todos veneramos na condição do Cordeiro de Deus?

Sem dúvida, não me equivocava;
no entanto, Gúbio lançou-me significativo olhar, certamente depois de sondar-me, em silêncio, a perquirição Intima, convidando-me, sem palavras, a selar os lábios entreabertos de assombro.

Indiscutivelmente, aquele instante não comportava a conversação dum aprendiz e devia destinar-se às manifestações conscientes e seguras de um mestre.

— Respeitável sacerdote — obtemperou o nosso orientador, com grande surpresa para mim —, não te posso discutir os motivos pessoais.
Sei que há uma ordem absoluta na Criação e não ignoro que cada Espírito é um mundo diferente e que cada consciência tem a sua rota.

— Criticas, porventura, os Dragões, que se incumbem da Justiça? — perguntou Gregório, duramente.
— Quem sou para julgar? — comentou Gúbio, com simplicidade — não passo dum servidor na escola da vida.

— Sem eles — prosseguiu o hierofanta, algo colérico —, que seria da conservação da Terra?
Como poderia operar o amor que salva, sem a justiça que corrige?

Os Grandes Juízes são temidos e condenados;
entretanto, suportam os resíduos humanos, convivem com as nojentas chagas do Planeta, lidam com os crimes do mundo, convertem-se em carcereiros dos perversos e dos vis.

E à maneira da pessoa culpada, que estima longas justificações, continuou, irritadiço:
— Os filhos do Cordeiro poderão ajudar e resgatar a muitos.
No entanto, milhões de criaturas (2), como sucede a mim mesmo, não pedem auxílio nem liberação.

Afirma-se que não passamos de transviados morais - Seja - Seremos, então, criminosos, vigiando-nos uns aos outros.
A Terra pertence-nos, porque, dentro dela, a animalidade domina, oferecendo-nos clima ideal.

Não tenho, por minha vez, qualquer noção de Céu.
Acredito seja uma corte de eleitos, mas o mundo visível para nós constitui extenso reino de condenados

- No corpo físico, caímos na rede de circunstâncias fatais;
contudo, a teia que os planos inferiores nos prepararam servirá a milhões - Se é nosso destino joeirar o trigo do mundo, nossa peneira não se fará complacente.

Experimentados que somos na queda, provaremos todos os que nos surgirem no caminho.
Ordenam os Grandes Juízes que guardemos as portas
- Temos, por isso, servidores, em todas as direcções.

Subordinam-se-nos todos os homens e mulheres afastados da evolução regular, e é forçoso reconhecer que semelhantes individualidades se contam por milhões.
- Além disso, os tribunais terrestres são insuficientes para a identificação de todos os delitos que se processam entre as criaturas.
Nós, sim, é que somos os olhos da sombra, para os quais os menores dramas ocultos não passam despercebidos.

Ante o intervalo que se fizera, contemplei o rosto de Gúbio, que não apresentava qualquer alteração.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 14, 2012 10:50 pm

Fitando Gregório, com humildade, considerou:
— Grande sacerdote, eu sei que o Senhor Supremo nos aproveita em sua obra divina, segundo as nossas tendências e possibilidades de satisfazer-lhe os desígnios.

Os fagócitos no corpo humano são utilizados na eliminação da impureza, do mesmo modo que a faísca eléctrica irrompe, insofreável, a fim de sanar os desequilíbrios atmosféricos.

Respeito, assim, o teu poder, porque se a Sabedoria Celeste conhece a existência das folhas tenras das árvores, sabe também a razão de teu extenso domínio;
entretanto, não concordas em que a nossa interferência prevalece sobre a fatalidade, círculo fechado de circunstâncias que nós mesmos criamos?

Não estou habilitado a apreciar o trabalho dos Juízes que administram estes pousos de sofrimento reparador...
Conheço, contudo, os quadros pavorosos que se desdobram ao teu olhar.

Observo, de perto, os criminosos que se imanam uns aos outros;
sondo, de quando em vez, os dramas sombrios daqueles que jazem nas furnas de dor, magnetizados ao mal que praticaram, e não ignoro que a Justiça deve reinar, consoante as determinações soberanas.

Todavia, respeitável Gregório, não admites que o amor, instalado nos corações, redimiria todos os pecados?
Não aceitas, porventura, a vitória final da bondade, através do serviço fraterno que nos eleva e conduz ao Pai Supremo?

Se gastássemos nos cometimentos divinos do Cordeiro as mesmas energias que se despendem a serviço dos Dragões, não alcançaríamos, mais apressadamente. os objectivos do supremo triunfo?

O sacerdote ouviu, contrariado, e clamou com desagradável inflexão de voz:
— Como pude escutar-te, calado, tanto tempo?
Somos aqui julgadores na morte de todos aqueles que malbarataram os tesouros da vida.

Como inocular amor em corações enregelados?
Não disse o Cordeiro, certa vez, que não se deve lançar pérolas aos porcos?
Para cada pastor de rebanho na Terra, há mil porcos ostentando as insígnias da carne.

E se o teu Mestre reclama pegureiros ao seu apostolado, que fazer, de nossa parte, senão constituir equipes de inteligências vigorosas, especializadas em corrigir as criaturas delinquentes que se colocam sob nossa vara directiva?

Os Dragões são os génios conservadores do mundo físico e se esmeram em preservar a aglutinação dos elementos planetários.

Coerentes com a lógica, não entendem o paraíso de imposição.

Se o amor conquistasse a Terra, de um dia para outro, desintegrando-lhe os abismos escuros a fim de que a luz sublime aí brilhasse para sempre, fácil e instantânea, como acomodar nesse clima celestial as consciências de lobos e leões, panteras e tigres (pela extrema analogia que ainda guardam com essas feras), almas essas que habitam formas humanas aos milhares de milhares?

Que seria dos Céus se não vigiássemos os infernos?
Gargalhada sarcástica e estrepitosa seguiu-lhe as palavras.
Gúbio, porém, não se perturbou.

Com simplicidade, tornou a considerar:
— Ouso lembrar, todavia, que, se nos lançássemos todos a socorrer os miseráveis, a miséria se extinguiria;
se educássemos os ignorantes, a treva não teria razão de ser;
se amparássemos os delinquentes, oferecendo-lhes estímulos à luta regenerativa, o crime seria varrido da face da Terra.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 14, 2012 10:50 pm

O sacerdote fez vibrar uma campainha, que me pareceu destinada a expandir-lhe as expressões de ira e gritou, rouquenho:
— Cala-te! insolente! Sabes que te posso punir!...

— Sim — concordou o nosso orientador, imperturbável —, suponho conhecer a extensão de tuas possibilidades.
Eu e meus companheiros, à leve ordem de tua boca, podemos receber prisão e tortura e, se esta representa a vontade de teu coração, estamos prontos a recebê-las.

Conhecíamos, de antemão, as probabilidades contra nós, nesta aventura;
entretanto, o amor nos inspira e confiamos no mesmo Poder Soberano que te permite aplicar a justiça.

Gregório fitou Gúbio, assombrado, à vista de tamanha coragem e, decerto, aproveitando este a transformação psicológica do momento, enunciou com firmeza serena:
— Declarou-nos Matilde, a nossa benfeitora, que a tua nobreza não se esvaiu e que as tuas elevadas qualidades de carácter permanecem invioladas, não obstante a direcção diferente que imprimiste aos passos;
por isto mesmo, identificando-te o valor pessoal, chamo-te de “respeitável” nos apelos que te dirijo.

A cólera do sacerdote pareceu amainar-se.
— Não acredito em tuas informações — acentuou, contrariado —, mas sê claro nas rogativas.
Não disponho de tempo para falas inúteis.

— Venerável Gregório — pediu nosso Instrutor, humilde —, serei breve.
Ouve-me com tolerância e bondade.
Não ignoras que tua mãe espiritual jamais se esqueceria de Margarida, ameaçada actualmente de loucura e morte, sem razão de ser...

Escutando o informe, o hierofante modificou-se visivelmente, expressando na fisionomia inquietação indisfarçável.
A estranha auréola que lhe revestia a fronte revelou tonalidades mais escuras.

Dureza singular transpareceu-lhe nos olhos felinos e os lábios se lhe contraíram num neto de infinita amargura.
Tive a ideia de que ele nos fulminaria se pudesse, mas conteve-se, imóvel, apesar da expressão agressiva e rude.

— Não desconheces que Matilde possui na tua companheira de outras eras uma pupila muito amada ao coração.
As preces dessa torturada filha espiritual atingem-lhe a alma abnegada e luminosa.

Gregório: Margarida empenha-se em viver no corpo, faminta de redenção.

Aspirações renovadoras banharam-lhe a meninice e, agora, que o casamento, em plena juventude, lhe revigoriza as esperanças, deseja demorar-se no campo de luta benéfica, de modo a ressarcir o passado culposo.

Certamente, fortes razões te obrigam a constrangê-la ao retorno, porque lhe armaste caprichoso caminho de morte.
Não te reprovo, nem te acuso, pois nada sou.

E ainda que o Senhor me conferisse algum alto encargo representativo, não me competiria julgar-te, senão depois de haver vivido a tua própria tragédia, experimentando as tuas próprias dores.

Sei, porém, que pelo amor e pelo ódio do pretérito ela permanece intensamente ligada aos raios de tua mente e todos sabemos que os credores e os devedores se encontrarão, uns com os outros, tarde ou cedo, face a face...

Entretanto, a actual existência dela envolve largo serviço salvador.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 14, 2012 10:50 pm

Desposou antigo associado de luta evolutiva que te não é estranho ao coração e reinará, maternalmente, num lar em que devotados benfeitores organizarão formoso ministério de trabalho iluminativo.

Espíritos amigos da verdade e do bem se preparam a receber-lhe a ternura materna, quais flores abençoadas pelo orvalho celeste, em caminho de preciosa frutificação.

Venho rogar-te, pois, seja suavizada a vindita cruel.
Nossa alma, por mais impassível, modifica-se com as horas, O tempo tudo devasta e nos subtrai todos os patrimónios da inferioridade para que a obra de aperfeiçoamento permaneça.

A matéria que nos serve às manifestações modifica-se com os dias.
E, por mais invencíveis que fossem os poderosos Juízes aos quais obedeces, não ultrapassariam eles, de nenhum modo, a autoridade soberana do Todo-Misericordioso que lhes permite agir em nome da corrigenda, afeiçoando-lhes a tarefa ao bem comum.

Pesados minutos de expectação e silêncio caíram sobre nós.

Nosso Instrutor, no entanto, longe de desanimar, retomou a palavra, em voz súplice:
— Se ainda não consegues ouvir os recursos interpostos pela Lei do Cordeiro Divino que nos recomenda o amor recíproco e santificante, não te ensurdeças aos apelos do coração materno.

Ajuda-nos a liberar Margarida, salvando-a da destrutiva perseguição.
Não se faz imperioso o teu concurso pessoal.
Bastar-nos-á tua indiferença, a fim de que nos orientemos com a precisa liberdade.

O hierofante riu-se, contrafeito, e acrescentou:
— Observo que conheces a justiça.
— Sim — concordou Gúbio, melancólico.

O anfitrião, contudo, falou sem rebuços:
— Quem lavra sentenças, despreza a renúncia.
Entre os que defendem a ordem, o perdão é desconhecido.

Determinavam os legisladores da Bíblia que os arestos se baseassem no princípio da troca:
“olho por olho e dente por dente”.

E já que te mostras tão bem informado acerca de Margarida, poderás, em sã consciência, suprimir as razões que me compelem a decretar-lhe a morte?

— Não discuto os motivos que te conduzem — exclamou nosso orientador, entre aflito e entristecido —, todavia, ouso insistir na súplica fraterna.

Auxilia-nos a conservar aquela existência valiosa e frutífera.
Ajudando-nos, quem sabe?

Talvez, pelos braços carinhosos da vítima de hoje poderias, tu mesmo, voltar ao banho lustral da experiência humana, renovando caminhos para glorioso futuro.

— Qualquer ideia de volta à carne me é intolerável! — gritou Gregório, contrafeito.

— Sabemos, grande sacerdote — continuou Gúbio, muito calmo —, que sem a tua permissão, em vista dos laços que Margarida criou com a tua mente, poderosa e activa, ser-nos-ia difícil qualquer actividade libertadora.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 14, 2012 10:50 pm

Promete-nos independência de acção!
Não te pedimos sustar a sentença, nem pretendemos inocentar Margarida.
Quem assume compromissos diante das Leis Eternas é obrigado a encará-los, de frente, agora ou mais tarde, para resgate justo.

Rogar-te-íamos, contudo, adiamento na execução de teus propósitos.
Concede à tua devedora um intervalo benéfico, em homenagem aos desvelos de tua mãe e, possivelmente, os dias se encarregarão de modificar este processo doloroso.

Demonstrando expressão de surpresa, em face da imprevista solicitação de adiamento, quando, nós mesmos, esperávamos que o orientador se impusesse, reclamando revogação definitiva, Gregório considerou, menos contundente:
— Tenho necessidade do alimento psíquico que só a mente de Margarida me pode proporcionar.

Perguntou Gúbio, mais encorajado:
— E se reencontrasses o doce reconforto da ternura materna, sustentando-te a alma, até que Margarida te pudesse fornecer, redimida e feliz, o sublimado pão do espírito?

O sacerdote levantou-se pela primeira vez e clamou:
— Não creio...
— E se propuséssemos semelhante bênção em troca de tua neutralidade ante o nosso esforço de salvação?

Permitir-nos-ias agir concomitantemente com os servidores que te obedecem às ordens?
Não os inclinarias contra nós e deixar-nos-ias ombrear com eles, tentando a restauração?
O tempo, dessa forma, daria o último retoque em tuas decisões...

Gregório reflectiu alguns instantes e redarguiu:
— É muito tarde.
— Porquê? — indagou nosso Instrutor, inquieto.

— O caso de Margarida — esclareceu o hierofante em tom significativo — está definitivamente entregue a uma falange de sessenta servidores de meu serviço, sob a chefia de duro perseguidor que lhe odeia a família.

A solução cabal poderia ter sido alcançada em poucas horas, mas não desejo que ela me volte às mãos, com a revolta de vítima, em cuja fonte interior só me fosse possível recolher as águas turvas do desespero e do fel.

Será torturada como me torturou em outra época;
padecerá humilhações sem nome e desejará a morte como valioso bem.

Atingida a rendição pelo sofrimento dilacerante, a mente dela me receberá por benfeitor, amoroso e providencial, envolvendo-me nas emissões de carinho que, há muitos anos, venho esperando...

Seria infrutífera qualquer tentativa liberatória.
Os raciocínios dela vão sendo conturbados, pouco a pouco, e o trabalho de emanação para a morte estão quase terminados.

O nosso dirigente, no entanto, não se deu por vencido e insistiu:
— E se nos confundíssemos com a tua falange, tentando o serviço a que nos propomos?

Compareceríamos, junto à enferma, como amigos teus e, sem te desrespeitarmos a autoridade, procuraríamos a execução do programa que nos trouxe até aqui, testemunhando a humildade e o amor que o Cordeiro nos ensina.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 14, 2012 10:51 pm

Gregório pensava, maduramente, em silêncio, mas Gúbio prosseguia com simplicidade e firmeza:
— Concede!... concede!...
Dá-nos tua palavra de sacerdote! lembra-te de que, um dia, ainda que não creias, enfrentarás, de novo, o olhar de tua mãe!

O interpelado, após longos minutos de reflexão, ergueu os braços e asseverou:
— Não creio nas possibilidades do tentame;
todavia, concordo com a providência a que recorres.
Não interferirei.

Em seguida, tilintando a campainha de modo particular, determinou que os auxiliares se reaproximassem.

Como que semi-vencido na batalha em que se empenhara com a própria consciência, invocou a presença de um certo Timão, que nos surgiu pela frente surpreendendo-nos com seu semblante de carrasco.

Dirigiu-lhe a palavra, indagando pelo andamento do “caso-Margarida”, ao que o proposto informou estar o processo de alienação mental quase pronto.

Questão de poucos dias para a segregação em casa de saúde.
Indicando-nos, algo constrangido, determinou Gregório que o auxiliar de sinistro aspecto nos situasse junto da falange que operava, activa, na execução gradual do seu decreto de morte.

(1) Espíritos caídos no mal, desde eras primevas da Criação Planetária, e que operam em zonas inferiores da vida, personificando líderes de rebelião, ódio, vaidade e egoísmo;
não são, todavia, demónios eternos, porque individualmente se transformam para o bem, no curso dos séculos, qual acontece aos próprios homens. — Nota do autor espiritual.

(2) Não devemos esquecer que a argumentação procede de um Espírito poderoso nos raciocínios e que ainda não aceitou a iluminação do Cristo, idêntico, pois, a muitos homens representativos do mundo, obcecados pelos desvarios da inteligência. — Nota do autor espiritual.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 14, 2012 10:51 pm

9 - Perseguidores invisíveis

No dia imediato, pela manhã, em companhia de entidades ignorantes e transviadas, dirigimo-nos para confortável residência, onde espectáculo inesperado nos surpreenderia.

O edifício de enormes dimensões denunciava a condição aristocrática dos moradores, não só pela grandeza das linhas, mas também pelos admiráveis jardins que o rodeavam.

Paramos junto à ala esquerda, notando-a ocupada por muitas personalidades espirituais de aspecto deprimente.

Rostos patibulares, carantonhas sinistras.
Indiscutivelmente, aquela construção residencial permanecia vigiada por carcereiros frios e impassíveis, a julgar pelas sombras que os cercavam.

Transpus o limiar, de alma opressa.
O ar jazia saturado de elementos intoxicantes.
Dissimulei, a custo, o mal-estar, recolhendo impressões aflitivas e dolorosas.

Entidades inferiores, em grande cópia, afluíram à sala de entrada, sondando-nos as intenções.
De posse, porém, das instruções do nosso orientador, tudo fazíamos para nos assemelharmos a delinquentes vulgares.

Reparei que o próprio Gúbio se fizera tão escuro, tão opaco na organização perispirítica, que de modo algum se faria reconhecível, à excepção de nós que o seguíamos, atentos, desde a primeira hora.

Instado por Sérgio, um gaiato rapaz que nos Introduziu com maneiras menos dignas, Saldanha, o director da falange operante, veio receber-nos.

Pôs-se a fazer gestos hostis, mas, ante a senha com que Gregório nos favorecera, admitiu-nos na condição de companheiros importantes.

— O chefe deliberou apertar o cerco? — perguntou ao nosso Instrutor, confidencialmente.
— Sim — informou Gúbio, de modo vago —, desejaríamos examinar as condições gerais do assunto e auscultar a doente.

— A jovem senhora vai cedendo, devagarinho — esclareceu a singular personagem, indicando-nos vasto corredor atulhado de substâncias fluídicas detestáveis.

Acompanhou-nos, um tanto solícito, mas desconfiado, e, em seguida a breve pausa, deixou-nos livre a entrada da grande câmara de casal.

A manhã resplandecia, lá fora, e o sol visitava o quarto, através da vidraça cristalina.
Mulher ainda moça, mostrando extrema palidez nas linhas nobres do semblante digno, entregava-se a tormentosa meditação.

Compreendi que atingíramos a intimidade de Margarida, a obsidiada que o nosso orientador se propunha socorrer.

Dois desencarnados, de horrível aspecto fisionómico, inclinavam-se, confiantes e dominadores, sobre o busto da enferma, submetendo-a a complicada operação magnética.

Essa particularidade do quadro ambiente dava para espantar.
No entanto, meu assombro foi muito mais longe, quando concentrei todo o meu potencial de atenção na cabeça da jovem singularmente abatida.

Interpenetrando a matéria espessa da cabeceira em que descansava, surgiam algumas dezenas de “corpos ovóides”, de vários tamanhos e de cor plúmbea, assemelhando-se a grandes sementes vivas, atadas ao cérebro da paciente através de fios subtilíssimos, cuidadosamente dispostos na medula alongada.

A obra dos perseguidores desencarnados era meticulosa, cruel.
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Margarida, pelo corpo perispirítico, jazia absolutamente presa, não só aos truculentos perturbadores que a assediavam, mas também à vasta falange de entidades inconscientes, que se caracterizavam pelo veículo mental, a se lhe apropriarem das forças, vampirizando-a em processo intensivo.

Em verdade, já observara, por mim, grande quantidade de casos violentos de obsessão, mas sempre dirigidos por paixões fulminatórias.

Entretanto, ali verificava o cerco tecnicamente organizado.
Evidentemente, as “formas ovóides” haviam sido trazidas pelos hipnotizadores que assenhoreavam o quadro.

Com a devida permissão, analisei a zona física hostilizada.
Reparei que todos os centros metabólicos da doente apareciam controlados.
A própria pressão sanguínea demorava-se sob o comando dos perseguidores.

A região torácica apresentava apreciáveis feridas na pele e, examinando-as, cuidadoso, vi que a enferma inalava substâncias escuras que não somente lhe pesavam nos pulmões, mas se reflectiam, sobremodo, nas células e fibras conjuntivas, formando ulcerações na epiderme.

A vampirização era incessante.
As energias usuais do corpo pareciam transportadas às “formas ovóides”, que se alimentavam delas, automaticamente, num movimento indefinível de sucção.

Lastimei a impossibilidade de consulta imediata ao Instrutor, porquanto Gúbio, naturalmente, se estivesse livre, nos forneceria esclarecimentos amplos, mas concluí que a infortunada senhora devia ter sido colhida através do sistema nervoso central, de vez que os propósitos sinistros dos perseguidores se faziam patentes quanto à vagarosa destruição das fibras e células nervosas.

Margarida demonstrava-se exausta e amargurada.

Dominadas as vias do equilíbrio no cerebelo e envolvidos os nervos ópticos pela influência dos hipnotizadores, seus olhos espantados davam ideia dos fenómenos alucinatórios que lhe acometiam a mente, deixando perceber o baixo teor das visões e audições interiores a que se via submetida.

Interrompi, no entanto, as observações acuradas, a fim de verificar a atitude psicológica do nosso orientador, que se arriscara à aventura para socorrer aquela senhora doente a quem amava por filha muito querida ao coração.

Esforçava-se Gúbio por não trair a imensa piedade que o assenhoreava, diante da enferma conduzida para a morte.
Dentro de minha condição de humanidade, reconheci que, se a doente me fosse assim tão cara, não teria vacilado um momento.

Movimentaria passes de libertação, ao longo do bulbo, retirar-lhe-ia aquela carga pesada e inútil de mentes enfermiças e, em seguida, lutaria contra os perseguidores, um a um.

Nosso Instrutor, porém, assim não procedeu.
Fixou a paisagem aflitiva com inequívoca tristeza, mas, logo após, demorou o olhar bondoso em Saldanha, como a pedir-lhe impressões mais profundas.

Secretamente tocado pelo impulso positivo do nosso dirigente, o chefe da tortura se sentiu na obrigação de prestar-lhe informações espontâneas.

— Estamos em serviço mais activo, há dez dias precisamente — elucidou, resoluto.
— A presa foi colhida em cheio e, felizmente, não contamos com qualquer resistência.

Se vieram colaborar connosco, saibam que, segundo acredito, não temos maior trabalho a fazer.
Mais alguns dias e a solução não se fará esperar.

A meu ver, Gúbio conhecia todas as particularidades do assunto, mas, no propósito evidente de captar simpatia, Interrogou:
— E o marido?
— Ora — esclareceu Saldanha com escarninho sorriso —, o infeliz não tem a menor noção de vida moral.
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Série André Luiz - LIBERTAÇÃO - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - LIBERTAÇÃO

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 14, 2012 10:51 pm

Não é mau homem;
todavia, no casamento foi apenas transferido de “gozador da vida” a “homem sério”.

A paternidade constituir-lhe-ia um trambolho e filhinhos, se os recebesse, não passariam para ele de curiosos brinquedos.

Hoje, conduzirá a esposa à igreja.
E, reforçando a inflexão sarcástica, acentuou:
— Vão à missa, na esperança de melhoras.

Mal acabara a informação, tristonho e simpático cavalheiro, em cuja expressão carinhosa identifiquei, de pronto, o esposo da vítima, entrou no aposento, com ela permutando palavras amorosas e confortantes.

Amparou-a, prestimoso, e ajudou-a a vestir-se com esmero.
Decorridos alguns minutos, notei, apalermado, que os cônjuges, acompanhados por extensa súcia de perseguidores, tomavam um táxi na direcção dum templo católico.

Seguimo-nos sem detença.
O veículo, a meu ver, transformara-se como que num carro de festa carnavalesca.
Entidades diversas aboletavam-se dentro e em torno dele, desde os pára-lamas até o teto luzente.

Minha curiosidade era enorme.
Descendo à porta de elegante santuário, observei estranho espectáculo.
A turba de desencarnados, em posição de desequilíbrio, era talvez cinco vezes maior que a assembleia de crentes em carne e osso.

Compreendi, logo, que em maior parte ali se achavam com o propósito deliberado de perturbar e iludir.
Saldanha encontrava-se excessivamente preocupado com as vítimas, para dispensar-nos maior atenção e, intencionalmente, Gúbio afastou-se um tanto, em nossa companhia, a fim de confiar-nos alguns esclarecimentos.

Penetramos o templo onde se comprimiam nada menos de sete a oito centenas de pessoas.
A algazarra dos desencarnados ignorantes e perturbadores era de ensurdecer.

A atmosfera pesava.
A respiração fizera-se-me difícil pela condensação dos fluidos semi-carnais ali reinantes;
todavia, ao fixar os altares, confortante surpresa aliviou-me o coração.

Dos adornos e objectos do culto emanava doce luz que se espraiava pelos cimos da nave visitada de sol;
fazia-se perceptível a nítida linha divisória entre as energias da parte inferior do recinto e as do plano superior.

Dividiam-se os fluidos, à maneira de água cristalina e azeite impuro, num grande recipiente.

Contemplando a formosa claridade dos nichos, perguntei ao nosso Instrutor:
— Que vemos?
Não reza o segundo mandamento, trazido por Moisés, que o homem não deve fazer imagens de escultura para representar a Paternidade Celeste?

— Sim — concordou o orientador —, e determina o Testamento que ninguém se deve curvar diante delas.
Efectivamente, pois, André, é um erro criar ídolos de barro ou de pedra para simbolizar a grandeza do Senhor, quando nossa obrigação primordial é a de render-lhe culto na própria consciência;
entretanto, a Bondade Divina é infinita e aqui nos achamos perante apreciável quantidade de mentes infantis.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 15, 2012 10:46 pm

E sorrindo, acrescentou:
— Quantas vezes, meu amigo, a criança acalenta bibelôs, a fim de preparar-se convenientemente para as responsabilidades da vida madura.

Ainda existem na Terra tribos primitivas que adoram o Pai na voz do trovão e colectividades vizinhas da taba que fazem de vários animais objecto de idolatria.

Nem por isso o Senhor as abandona.
Vale-se dos impulsos elevados que elas lhe oferecem e socorre-lhes as necessidades educativas.

Nesta casa de oração, os altares recebem as projecções de matéria mental sublimada dos crentes.
Há quase um século, as preces fervorosas de milhares deles aqui envolvem os nichos e apetrechos do culto.

É natural que resplandeçam.
Através de semelhante material, os mensageiros celestes distribuem dádivas espirituais com todos quantos sintonizem com o plano superior.

A luz que oferecemos ao Céu serve sempre de base às manifestações do Céu para a Terra.
Ante ligeira pausa, alonguei o olhar pela multidão bem vestida.

Quase todas as pessoas, ainda aquelas que ostentavam nas mãos delicados objectos de culto, revelavam-se mentalmente muito distantes da verdadeira adoração à Divindade, O halo vital de que se cercavam definia pelas cores o baixo padrão vibratório a que se acolhiam.

Em grande parte, dominavam o pardo-escuro e o cinzento-carregado.
Em algumas, os raios rubro-negros denunciavam cólera vingativa que, a nossos olhos, não conseguiriam disfarçar.

Entidades desencarnadas, em deplorável situação, espalhavam-se em todos os recantos, nas mesmas características.
Reconheci que os crentes elegantes, ainda mesmo que desejassem orar com sinceridade, precisariam despender imenso esforço.

A liturgia anunciou o início da cerimónia, mas, com grande assombro para mim, o sacerdote e os acólitos, não obstante se dirigirem para o campo de luz do altar-mor, envergando soberba vestimenta, jaziam em sombras, sucedendo o mesmo aos assistentes.

Entretanto, procedendo de mais alto, três entidades de sublime posição hierárquica se fizeram visíveis à santa mesa, com o evidente propósito de ali semearem os benefícios divinos.

Magnetizaram as águas expostas, saturando-as de princípios salutares e vitalizantes, como acontece nas sessões de Espiritismo Cristão, e, em seguida, passaram a fluidificar as hóstias, transmitindo-lhes energias sagradas à fina contextura.

Admirado, voltei a observar a plateia religiosa, mas os irmãos ignorantes que operavam no templo, sem corpo físico, tanto quanto ocorria aos encarnados, nem de longe registavam a presença dos nobres emissários espirituais que agiam em nome do Infinito Bem.

Reparei, através do halo de muita gente, que determinado número de frequentadores se esforçava por melhorar a atitude mental na oração.

Reflexos arroxeados, tendendo a vacilante brilho, apareciam aqui e acolá;
contudo, os malfeitores desencarnados propositadamente se postavam ao pé dos que se candidatavam à fé renovadora e reverente, buscando conturbá-los.

Não longe, fixei a atenção numa senhora que acompanhava o sacerdote com o manifesto desejo de receber a bênção celestial;
os olhos húmidos e os ténues raios de luz, que se lhe projectavam da mente, diziam da sincera aspiração à vida superior que, naquele instante, lhe banhava o pensamento devoto;

entretanto, dois transviados da esfera inferior, percebendo-lhe a esperança construtiva, tentavam anular-lhe a atenção e, segundo o que me foi permitido verificar, lhe sugeriam reminiscências de baixo teor, inutilizando-lhe a tentativa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 15, 2012 10:47 pm

Voltei-me para o orientador, que prestimosamente explicou:
— A história de génios satânicos, atacando os devotos de variados matizes, é, no fundo, absolutamente verdadeira.

As inteligências pervertidas, incapazes de receber as vantagens celestes, transformam-se em instrumentos passivos das inteligências rebeladas, que se interessam pela ignorância das massas, com lastimável menosprezo pela espiritualidade superior que nos governa os destinos.

A aquisição de fé, por isto mesmo, demanda trabalho individual dos mais persistentes.
A confiança no bem e o entusiasmo de viver que a luz religiosa nos infunde modificam-nos a tonalidade vibratória.

Lucramos infinitamente com a imersão das forças interiores no sublimado idealismo da crença santificante, a que nos afeiçoamos;
todavia, o serviço real que nos cabe não se resume só a palavras.

A profissão de fé não é tudo.
A experiência da alma no corpo denso destina-se, de maneira fundamental, ao aprimoramento do indivíduo.

É nos atritos da marcha que o ser se desenvolve, se apura e ilumina.
Não obstante, a tendência dos crentes, em geral, é a de fugir aos conflitos da senda.

Pessoas existem que depois de servirem ao ideal religioso, durante dois anos, pretendem o repouso de vinte séculos.

Em todas as casas de fé, os mensageiros do Senhor distribuem favores e bênçãos compatíveis com as necessidades de cada um;
entretanto, é imprescindível que se prepare o coração nas linhas do mérito, a fim de recolhê-los.

Entre emissão e recepção, prevalece o imperativo da sintonia.
Sem esforço preparatório, é impossível ambientar o benefício.
Embalde imporíamos, de imediato, ao homem selvagem a vida num palácio erguido pela cultura moderna.

Aos acordes de nossa música, preferiria ele os ruídos da ventania, e um cabaz de flechas lhe pareceria mais valioso que um dos nossos mais perfeitos parques industriais.

Portanto, para que alguém se coloque a caminho das eminências sociais, é indispensável seja educado, de boa vontade, aceitando as sugestões de melhoria e serviço.

Gúbio espraiou o olhar através da multidão que presenciava a cerimónia, aparentemente contrita, e acentuou:
— Em verdade, a missa é um acto religioso tão venerável quanto qualquer outro em que os corações procuram identificar-se com a Protecção Divina;
no entanto, raros são aqueles que trazem até aqui o espírito efectivamente inclinado à assimilação do auxílio celestial.

E para a formação de semelhante clima interior, cada crente, além do serviço de purificação dos sentimentos, necessitará também combater a influência dispersiva e perturbadora que procede dos companheiros desencarnados que lhe buscam arrefecer o fervor.

Continuou Gúbio a prestar-nos valiosos esclarecimentos alusivos à solenidade, enquanto a missa se encaminhava para a fase final.

As vozes do coro como que projectavam vibrações harmoniosas e lúcidas ao longo da nave radiosa, e vi, num deslumbramento, que muitos Espíritos sublimes penetraram o recinto, de semblante glorificado, rumando para o altar, onde o celebrante elevava o cálice, depois de abençoar a sagrada partícula.

Intensa luminosidade fluía do sacrário, envolvendo todo o material do culto, mas, surpreendido, reparei que o sacerdote, ao erguer a oferta sublime, apagou a luz que a revestia com os raios cinzento-escuros que ele próprio expedia em todas as direcções.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 15, 2012 10:47 pm

Logo após, quando se preparou a distribuir o alimento eucarístico entre os onze comungantes que se prosternavam, humildes, à mesa adornada de alvo linho, notei que as hóstias, no prateado recipiente que as custodiava, eram autênticas flores de farinha, coroadas de doce esplendor.

Irradiavam luz com tanta força que o magnetismo obscuro das mãos do ministro não conseguia inutilizá-las.
Todavia, à frente da boca que se dispunha a receber o pão simbólico, enegreciam como por encanto.

Somente uma senhora, ainda jovem, cuja contrição era irrepreensível, recolheu a flor divina com a pureza desejável.
Vi a hóstia, qual foco de fluidos luminescentes, atravessar a faringe, alojando-se-lhe a claridade em pleno coração.

Intrigado, procurei ouvir o Instrutor que, muito ponderado, elucidou sem delonga:
— Apreendeste a lição?
O celebrante, apesar de consagrado para o culto, é ateu e gozador dos sentidos, sem esforço interior de sublimação própria.

A mente dele paira longe do altar.
Acha-se sumamente interessado em terminar a cerimónia com brevidade, de modo a não perder uma alegre excursão em perspectiva.

Quanto aos que compartilharam à mesa da eucaristia, cheios de sentimentos rasteiros e sombrios, eles mesmos se incumbem de anular as dádivas celestes, antes que lhes tragam benefícios imerecidos.

Temos aqui grande quantidade de crentes titulares, mas muito poucos amigos do Cristo e servidores do bem.
O “ite, missa est” dispersou os fiéis que, ao fim da reunião, mais se assemelhavam a barulhento bando de passarinhos de bela plumagem.

Absorto em fundas reflexões, ante o que me fora dado observar, acompanhei o nosso orientador e Elói, para junto da enferma e do esposo, que se retiraram, de regresso ao lar, cercados pelo mesmo séquito de entidades infelizes, sem a menor alteração.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 15, 2012 10:47 pm

10 - Em aprendizado

De retorno a casa, com indisfarçável estranheza reparei que o nosso Instrutor não empreendia qualquer ataque em defesa da doente querida.

A jovem senhora, novamente metida no leito, semi-aniquilada, punha os olhos no ar vazio, absorvida de indefinível pavor.

Um dos insensíveis magnetizadores presentes, à Insinuação de Saldanha, começou a aplicar energias perturbadoras, ao longo dos olhos, torturando as fibras de sustentação.

Não somente o cristalino, em ambos os órgãos visuais, denunciava fenómenos alucinatórios, mas também as artérias oculares revelavam-se sob fortes modificações.

Percebi a facilidade com que os seres perversos das sombras hipnotizam as suas vítimas, impondo-lhes os tormentos psíquicos que desejam.

Grossas lágrimas banhavam o rosto da enferma, traduzindo-lhe as agitações interiores.
Dilacerada, a mente aflita e sofredora tiranizava o coração que batia, precipite, imprimindo graves alterações em todo o cosmos orgânico.

Das complicadas operações sobre os olhos, o magnetizador passou a interessar-se pelas vias do equilíbrio e pelas células auditivas, carregando-as de substância escura, qual se estivesse doando combustível a um motor.

Margarida, ainda que o desejasse, agora não conseguiria erguer-se.
Compacta emissão de fluidos tóxicos misturava-se à linfa dos canais semicirculares.

Terminada a esquisita intervenção, Saldanha dispensou os terríveis colaboradores, à excepção da dupla que se incumbia do hipnotismo, alegando que havia serviço em outra parte da cidade.

Outros casos aguardavam a legião de Gregório, e Margarida, no parecer do chefe de tortura, já recebera suficiente material de prostração para trinta horas consecutivas.

Pouco a pouco, esvaziou-se a casa, semelhante agora a desprezada colmeia de maribondos vorazes.

Contudo, aí permaneciam Saldanha, os dois magnetizadores, nós três e a colecção de mentes, em “formas ovóides», ligadas ao cérebro da senhora flagelada.

A sós com o temível obsessor, Gúbío procurou sondar-lhe o íntimo, discretamente.
— Sem dúvida que a sua fidelidade aos compromissos assumidos — declarou o nosso orientador, atencioso — é bastante significativa.

E enquanto Saldanha sorria, envaidecidamente, continuou, de olhar penetrante e doce:
— Que razões teriam conduzido Gregório a conferir-lhe tão delicada missão?
— O ódio, meu amigo, o ódio! — explicou o interpelado decidido.

— À senhora? — aduziu Gúbio, indicando a doente.
— Não propriamente a ela, mas ao pai, juiz sem alma que me devastou o lar.
Faz onze anos, precisamente, que a sentença cruel de um magistrado caiu sobre os meus descendentes, exterminando-os...

E, diante da expressão de real interesse que o nosso Instrutor deixava perceber, o infeliz continuou:
— Tão logo abandonei o corpo físico, premido por uma tuberculose galopante, revoltado com a pobreza que me lançara à extrema penúria, não pude afastar-me do ambiente doméstico.

Minha infortunada Iracema herdou-me um filho querido, a quem não pude legar qualquer recurso apreciável.
Jorge e sua progenitora passaram, desse modo, a enfrentar dificuldades e aflições que não posso relembrar sem imensa angústia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 15, 2012 10:47 pm

Operário em rude serviço braçal, meu filho não conseguia sustentar dignamente a casa, definhando-se-lhe a mãezinha em padecimentos continuados e sofridos em silêncio.

Ainda assim, Jorge contraiu núpcias, muito cedo, com uma colega de trabalho, que, a seu turno, lhe deu uma filhinha atormentada e sofredora.

A vida corria desesperadamente para o lar subalimentado e desprotegido, quando certo crime, constituído de roubo e assassínio, sobreveio na organização em que meu desventurado rapaz trabalhava, e toda a culpa, em face de circunstâncias inextricáveis, recaiu sobre ele.

Acompanhei-lhe a prisão imerecida e, sem qualquer recurso para ampará-lo, segui os interrogatórios infernais a que foi submetido, como se fora homicida vulgar.

Ora, eu que me anexara aos parentes, desde o instante horrível, para mim, da transição corporal, jamais me senti disposto à submissão.

A experiência humana não me proporcionou tempo a estudos religiosos ou filosóficos.

Habituei-me muito cedo à rebelião contra aqueles que gozam os benefícios do mundo em detrimento dos desfavorecidos da sorte e, reconhecendo que o túmulo não me revelara qualquer milagroso domínio, preferi a continuidade da vida em meu escuro pardieiro, onde a convivência de Iracema, através de profundos laços magnéticos, de algum modo me reconfortava...

Assisti, por isto, com indescritível terror, aos detestáveis acontecimentos.
Humilhado, na minha condição de homem invisível para os encarnados, visitei chefias e repartições, autoridades e guardas, tentando encontrar alguém que me auxiliasse a salvar Jorge, inocente.

Identifiquei o verdadeiro criminoso que, ainda agora, desfruta posição social invejável e tudo fiz, sem resultado, por clarear o processo oprobrioso.

Meu filho sofreu todo o género de atrocidades morais e físicas, castigado por um delito que não cometeu.

Desanimado, por minha vez, de algo recolher de útil, junto aos carrascos policiais que chegaram a improvisar fantásticas confissões da vítima, procurei o juiz da causa, na esperança de interferir beneficamente.

O magistrado, porém, longe de aceitar-me a inspiração, que o convidava à justiça e à piedade, preferiu ouvir pareceres de amigos influentes na política dominante, que vivamente se interessavam pela indébita condenação, na ânsia de exculpar o verdadeiro criminoso.

Saldanha fez pequeno intervalo, acentuando a expressão de profundo rancor, e prosseguiu:
— Descrever-lhe o que foi minha dor é alguma coisa de impraticável à capacidade verbal.

Jorge recebeu dolorosa pena, quando seu corpo vacilava sob maus tratos, e Irene, minha nora, conturbada pela necessidade e pelo infortúnio, esqueceu as obrigações de mãe, suicidando-se para imantar-se ao espírito de meu pobre filho, já de si mesmo tão infeliz.

Torturada pelos sucessos aflitivos, minha esposa desencarnou num catre de indigência, reunindo-se, por sua vez, ao angustiado casal.

Minha neta, hoje menina e moça, mas ameaçada por incerto porvir, atende a serviço doméstico, aqui mesmo nesta casa, onde tresloucado irmão de Margarida procura arrastá-la subtilmente a grave desvio moral.

O juiz, que aqui preside à assembleia familiar, recebendo-me em sonho as promessas de vingança, buscou colocá-la junto aos próprios parentes, empenhado em reparar de algum modo o seu crime;
no entanto, apesar disso, meu desforço não se fará menos enérgico.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 15, 2012 10:48 pm

Surpreendido, notei que o nosso orientador não ensaiava qualquer doutrinação.

Pousando olhos cheios de simpatia no interlocutor, murmurou apenas:
— Realmente, a sementeira de dor é das que mais nos afligem...

Encorajado pelo tom amigo daquela frase, Saldanha prosseguiu:
— Muita gente convida-me à transformação espiritual, concitando-me ao perdão estéril.
Não aceito, porem, qualquer alvitre desse jaez.

Meu desventurado Jorge, sob a pressão mental de Irene, dilacerada, e de Iracema, oprimida, não resistiu e perturbou-se.

Enlouquecendo no cárcere, foi transferido da cela húmida para misérrimo hospício, onde mais se assemelha a um animal encurralado.

Acredita possa meu cérebro dispor de recursos para meditar em compaixão que não recebi de pessoa alguma?
Enquanto esses quadros permanecerem sob meus olhos, não abrirei minhalma às sugestões religiosas.

Estou simplesmente diante da vida.
A sepultura apenas derruba o muro da carne, porquanto nossas dores continuam tão vivas e tão contundentes quanto em outra época, quando suportávamos a caixa dos ossos.

Foi nesse estado que o sacerdote Gregório me encontrou e agradou-se de minhas disposições Intimas.

Necessitava de alguém, de alma suficientemente endurecida, para presidir à retirada técnica desta moça que ele deseja arrebatar, devagarinho, à existência terrestre, e louvou-me o ânimo firme.

Quase sempre dispomos de servidores em massa para os cometimentos rectificadores.
Mas não é fácil encontrar um companheiro decidido a perseverar na vingança até ao fim, com o mesmo ódio do princípio.

Observou que eu lhe atendia a exigência e confiou-me a tarefa.
Passeando colérico olhar pelos ângulos da câmara de repouso, acentuou:
— Todos aqui pagarão. Todos...

Admirado, fitei Gúbio que se mantinha Imperturbável, silencioso.

Fora eu e talvez me desbordasse em comentários extensos e tirânicos, com referência à lei do amor que nos governa os destinos;
reclamaria, com ênfase, a atenção do perseguidor para os ensinamentos de Jesus e, se possível, dobrar-lhe-ia a língua indisciplinada e insolente.

O Instrutor, contudo, assim não procedeu.
Sorriu, mudo, buscando disfarçar a própria tristeza.
Dois ou três minutos rolaram, longos, entre nós.

Mostrava o relógio um quarto para meio-dia, quando alguns passos se fizeram ouvidos.

— É o médico — elucidou Saldanha, com manifesta expressão de sarcasmo —; debalde, porém, procurará lesões e micróbios...

Quase no mesmo instante, um cavalheiro de idade madura penetrou o recinto, em companhia de Gabriel, o esposo da vítima.
Abeirou-se da enferma, afagou-a gentil e pronunciou algumas palavras de encorajamento.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 15, 2012 10:48 pm

Margarida, em vão, buscou sorrir.
Faltavam-lhe forças para tanto.
A conversação ia a meio, quando uma entidade, evidentemente bem intencionada, compareceu.

Viu-nos e demonstrou compreender-nos a posição, porque fixou em nós cauteloso olhar sem dizer palavra, acercando-se do médico, solicitamente, qual se lhe fora dedicado enfermeiro.

O especialista não parecia profundamente interessado no caso, mas, ao auscultar Margarida, entregue a torpor inquietante, conversou com o marido da vítima de maneira superficial.

Declarou que a jovem senhora, em sua opinião, certamente se mantinha sob o império da epilepsia secundária e que, em última análise, se socorreria da colaboração de colegas eminentes para submetê-la a exame particularizado da lesão cérebro-meníngea, seguido, possivelmente, de intervenção cirúrgica aconselhável.

Em seguida, porém, observei que a entidade espiritual recém-chegada e que o assistia, com desvelo, pousou a destra em sua fronte, como se desejasse transmitir-lhe algum alvitre providencial.

O médico relutou bastante, mas ao cabo de alguns minutos, constrangido por sugestão exterior que não saberia compreender exactamente, convidou Gabriel a um dos ângulos do quarto e lembrou:
— Porque não tenta o Espiritismo?
Conheço ultimamente alguns casos intrincados que vão sendo resolvidos, com êxito, pela psicoterapia...

E para não dar ideia de uma capitulação científica, ante o idealismo religioso, acrescentava:
— Segundo sabemos hoje, à saciedade, a sugestão é uma força misteriosa, quase desconhecida.

O esposo da enferma recebeu o conselho, com simpatia, e perguntou:
— Poderá orientar-me suficientemente?

O psiquiatra recuou, de algum modo, e obtemperou:
— Bem, não disponho de maior trato com os expoentes do assunto, todavia, segundo acredito, não terá dificuldades para experimentar.

Logo após, deixou ali algumas indicações escritas, relacionando drogas e injecções, e dispôs-se a sair, sob o riso escarninho de Saldanha, que dominava amplamente a situação.

Gúbio conversou qualquer coisa com o inquisidor desencarnado e, em seguida, dirigiu-se a mim, esclarecendo:
— André, combinamos que, para observações, deves seguir o médico.
Dentro de algumas horas, porém, volta ao nosso posto.

Compreendi que o nosso orientador me proporcionava a recolha de novos ensinamentos e acompanhei o especialista em moléstias nervosas, cauteloso e contente.

Distanciado agora do lugar em que nosso instrutor travava batalha singular, acerquei-me da personalidade que assistia o médico de perto e entabulamos amistoso diálogo.

O novo amigo atendia pelo nome de Maurício, fora enfermeiro do esculápio que protegia e recebera, com satisfação, a tarefa de ampará-lo nos empreendimentos profissionais.

— Todos os médicos — asseverou-me, convicto —, ainda mesmo quando materialistas de mente impermeável à fé religiosa, contam com amigos espirituais que os auxiliam.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 15, 2012 10:48 pm

A saúde humana é dos mais preciosos dons divinos.
Quando a criatura, por relaxamento ou indisciplina, delibera menosprezá-la, faz-se difícil o socorro aos seus centros de equilíbrio, porque, em todos os lugares, o pior surdo é aquele que não quer ouvir.

Todavia, por parte de quantos ajudam a marcha humana, da esfera espiritual, há sempre medidas de protecção à harmonia orgânica, para que a saúde das criaturas não seja prejudicada.

Claro que há erros tremendos em medicina e que não podemos evitar.
Nossa colaboração não pode ultrapassar o campo receptivo daquele que se interessa pela cura alheia ou pelo próprio reajustamento.

Entretanto, realizamos sempre em favor da saúde geral quanto nos é possível.

E, numa expressão profundamente significativa, acentuou:
— Ah! se os médicos orassem!

Nesse instante, alcançamos o ponto de destino, antecipando-nos, de algum modo, ao amigo encarnado sob minha observação.
A residência, confortável, não obstante o formoso jardim que a circundava, permanecia transbordante de fluidos desagradáveis.
O clima doméstico era perturbador.

Maurício elucidou, sem preâmbulos:
— Estamos sumamente interessados em que o nosso amigo se enfronhe no trato com as magnas questões da alma, a fim de aperfeiçoar-se na tarefa junto à mente enferma, por isso encaminhamos até aqui, por vias indirectas, livros e publicações acerca do assunto;
entretanto, contra o nosso desejo, não somente preponderam os preconceitos da classe médica, mas também a influência perniciosa que a segunda esposa exerce sobre ele.

Homem inteligente, mas muitíssimo arraigado à remuneração dos sentidos, o nosso amigo não suportou a viuvez e desposou, há cinco anos, uma jovem que lhe exige pesado tributo à maturidade respeitável.

Acontece, também, que a esse problema acresce questão muito grave:
a primeira esposa desencarnada deixou dois rapazes e permanece ligada à organização doméstica, que considera sua propriedade exclusiva.

Por mais que o nosso trabalho se acentue, ainda não conseguimos retirá-la, com proveito, da casa, porque o pensamento dos filhos, em conflito com o pai e com a madrasta, lhe invoca a actuação, de minuto a minuto.

O duelo mental nesta casa é enorme.
Ninguém cede, ninguém desculpa e o combate espiritual permanente transforma o recinto numa arena de trevas.

Calou-se o informante, enquanto entravamos, e pude notar que, efectivamente, a ex-dona da casa, sem o corpo físico, em singular posição de revolta ali se achava, abraçada a um dos filhos, moço de seus dezoito anos presumíveis, que fumava nervosamente numa espreguiçadeira.

Via-se-lhe perfeitamente a condição de vaso receptivo da sublevada mente materna.
Ideias inquietantes e delituosas povoavam-lhe a cabeça.
Fios tenuíssimos de força magnética ligavam-no à mãezinha infeliz.

Tinha as mãos crispadas e o olhar absorto, maquinando planos diabólicos e, por mais que o envolvesse o socorro de Maurício, nem ele, nem aquela que lhe fora ciumenta progenitora, se mostravam susceptíveis de receber-nos a influenciação restauradora.

— Tenho trabalhado tanto quanto me é possível — explicou o novo companheiro — a fim de ambientar aqui o espiritualismo de ordem superior.
Achamo-nos, entretanto, num campo imensamente refractário.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 15, 2012 10:48 pm

Nesse instante, o médico transpôs o limiar e Maurício colocou sobre a fronte dele a destra generosa, buscando fornecer-lhe intuições exactas, referentes ao caso de Margarida.

O especialista, num átimo, começou a articular o aparelhamento mental para exame do assunto que lhe era sugerido, lembrando certa publicação técnica, única maneira através da qual conseguia registar os pensamentos do companheiro espiritual.

Mesmo assim, o esforço não logrou êxito.
O filho atacou o progenitor com recriminações acerbas, em vista de se haver demorado excessivamente para o almoço.
O esculápio depressa desligou a mente de nossos fios invisíveis, precipitando-a no torvelinho das vibrações antagónicas.

A esposa desencarnada veio igualmente sobre ele, furiosamente.
Reparei que o dono da casa não lhe assinalou os punhos activos no rosto, mas o sangue concentrou-se-lhe na região das têmporas, tingindo-se-lhe a máscara fisionómica de cólera indisfarçável.

Resmungou algumas palavras, saturadas de indignação, e perdeu, de todo, o contacto espiritual connosco.

Maurício indicou-o com insofreável tristeza e acentuou:
— É sempre assim.
Muito difícil aproximarmo-nos, na esfera física, daqueles a quem nos propomos auxiliar.

Surgem ensejos valiosos de realização espiritual, como presentemente nos ocorre, diante do problema de Margarida.

No entanto, nossas tentativas redundam em rematada frustração.
Um homem, intelectualizado pela responsabilidade académica, por si mesmo deveria sentir santa curiosidade perante a vida, abstendo-se de certo comércio mais intenso com a satisfação egoística da experiência no corpo.

Porém, a criatura costuma persegui-la até o desgaste completo da forma carnal de que se serve.
Por mais que a convoquemos à preciosa viagem da periferia para o centro, a fim de que ela se amolde aos imperativos da vida que a espera, além do sepulcro, nosso esforço é quase sempre considerado adiável e inútil.

Sorriu, enigmático, e. ajuntou:
— E observemos que nos achamos à frente de um homem chamado pelo campo social ao ministério da cura.

Nesse ínterim, a pequena família se reuniu, ao redor da mesa posta, e a segunda esposa do médico me impressionou pelo apuro da apresentação.

A pintura do rosto, sem dúvida, era admirável.
O traje elegante e sóbrio, as jóias discretas e o penteado harmonioso realçavam-lhe a profundez do olhar, mas rodeava-se ela de substância fluídica deprimente.

Halo plúmbeo denunciava-lhe a posição de inferioridade.
Socialmente, aquela dama devia ser das de mais fino trato;
contudo, terminado o repasto, deixou positivamente evidenciada sua deplorável condição psíquica.

Depois de uma discussão menos feliz com o marido, a jovem mulher buscou o sono da sesta, num divã largo e macio.

Intencionalmente, Maurício convidou-me a espreitar-lhe o repouso e, com enorme surpresa, aturdido mesmo, não lhe vi os mesmos traços fisionómicos na organização perispiritual que abandonava a estrutura carnal, entregue ao descanso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 15, 2012 10:49 pm

Alguma semelhança era de notar-se, mas, afinal de contas, a senhora tornara-se irreconhecível.

Estampava no semblante os sinais das bruxas dos velhos contos infantis.
A boca, os olhos, o nariz e os ouvidos revelavam algo de monstruoso.

A própria esposa desencarnada, ali presente em clamorosa revolta, não se animou a enfrentá-la.
Recuou semi-espavorida, tentando ocultar-se junto do filho.

Lembrei-me, então, do livro em que Óscar Wilde nos conta a história do retrato de Dorian Gray, que adquiria horrenda expressão à medida que o dono se alterava, intimamente, na prática do mal e, endereçando a Maurício olhar indagador, dele recebi sensata elucidação:
— Sim, meu amigo — disse, tolerante —, a imaginação de Wilde não fantasiou, O homem e a mulher, com os seus pensamentos, atitudes, palavras e actos criam, no íntimo, a verdadeira forma espiritual a que se acolhem.

Cada crime, cada queda, deixam aleijões e sulcos horrendos no campo da alma, tanto quanto cada acção generosa e cada pensamento superior acrescentam beleza e perfeição à forma perispirítica, dentro da qual a individualidade real se manifesta, mormente depois da morte do corpo denso.

Há criaturas belas e admiráveis na carne e que, no fundo, são verdadeiros monstros mentais, do mesmo modo que há corpos torturados e detestados, no mundo, escondendo Espíritos angélicos, de celestial formosura.

E designando a infeliz que se ausentava de casa, semi-liberta do veículo material, acentuou:
— Esta irmã desventurada permanece sob o império de Espíritos gozadores e animalizados que, por muito tempo, a reterão em lastimáveis desequilíbrios.

Acreditamos que ela, sem fé renovadora, sem ideais santificantes e sem conduta digna, não se precatará tão cedo dos perigos que corre e somente se lembrará de chorar, aprender e transformar-se para o bem, quando se afastar, em definitivo, do vaso de carne, na condição de autêntica bruxa.

O assunto era realmente fascinante e a lição era imensa.

Entretanto, meu tempo disponível esgotara.
O minuto exigia pronto regresso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 16, 2012 9:46 pm

11 - Valiosa experiência

Atento à sugestão do médico amigo, no dia imediato pela manhã dispôs-se Gabriel a conduzir a esposa ao exame de afamado professor em ciências psíquicas, no intuito de conseguir-lhe cooperação benfazeja.

Pude reparar, então, que a liberdade dos homens, no terreno da consulta, é quase irrestrita, porquanto, de nosso lado, Gúbio demonstrou profundo desagrado, asseverando-me, discreto, que tudo faria por impedir a providência que somente seria profícua e aconselhável, a seu parecer, através de autoridade diferente no assunto.

O professor indicado era, segundo a opinião do nosso desvelado orientador, admirável expoente de fenómenos, portador de dons medianímicos notáveis, mas não oferecia proveito substancial aos que se acercassem dele, por guardar a mente muito presa aos interesses vulgares da experiência terrestre.

— Fazer psiquismo — falou-me o Instrutor, em voz quase imperceptível — é actividade comum, tão comum quanto qualquer outra, O essencial é desenvolver trabalho santificante.

Visitar medianeiros de reconhecida competência no trato entre os dois mundos, senhores de faculdades magníficas no sector informativo, é o mesmo que entrar em contacto com os donos de soberba fortuna.

Se o detentor de tão grandes bens não se acha interessado em gastar os recursos de que dispõe, a favor da felicidade dos semelhantes, o conhecimento e o dinheiro apenas lhe agravarão os compromissos no egoísmo praticado, na distracção inoperante ou na perda lamentável de tempo.

Apesar da oportuna observação, notamos que o esposo da obsidiada não oferecia receptividade mental que nos favorecesse a modificação desejável.

Todo o nosso esforço subtil para colocá-lo noutro caminho redundou em fracasso.
Gabriel não sabia cultivar a meditação.

Embora visivelmente preocupado, comentou o orientador:
— De qualquer modo, aqui nos achamos para ajudar e servir.
Acompanharemos o casal nessa nova aventura.

Em breve tempo, entraríamos em contacto com o psiquista lembrado.
Com muito interesse, como quem sabia, de antemão, os sucessos que se desdobrariam, Saldanha acompanhou as mínimas providências, sem desgarrar-se da jovem senhora.

Alguns minutos antes das onze do dia, encontrávamo-nos todos em vasto salão de espera, aguardando a chamada.
Mais três grupos de pessoas ali se congregavam em ansiosa espera.

Demorava-se o professor em gabinete isolado, atendendo a enfermo mental que se revelava, de longe, pelas frases desconexas que proferia em alta voz.

Reparei que os presentes se faziam seguidos de grande número de desencarnados.
Para definir correctamente, a casa inteira mais se assemelhava a larga colmeia de trabalhadores sem corpo físico.

Entidades de reduzida expressão evolutiva iam e vinham, prestando pouca atenção à nossa presença.

Em vista da férrea disposição de Saldanha, no sentido de manter Margarida sob severa custódia pessoal, o nosso Instrutor, alegando interesse na sondagem do ambiente, afastou-se um tanto, em nossa companhia, detendo-se no exame acurado dos consulentes.

Acercamo-nos de acolhedora poltrona, em que um cavalheiro de idade madura, dando mostras de evidente moléstia nervosa, permanecia ladeado por dois rapazes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 16, 2012 9:46 pm

Suor frio lhe banhava a fronte e extrema palidez, com traços de terror, lhe exteriorizava a lipotimia.
Revelava-se torturado por visões pavorosas no campo íntimo, somente acessíveis a ele mesmo.

Registei-lhe as perturbações cerebrais e vi, sob forte assombro, as várias formas ovóides, escuras e diferençadas entre si, aderindo-lhe à organização perispirítica.

Achava-me interessado em que o nosso Instrutor se pronunciasse.
Gúbio observava-o meticulosamente, decerto nos preparando valiosos ensinamentos.

Transcorridos alguns instantes, falou-nos em voz sumida:
— Vejamos a que calamidades fisiológicas podem os distúrbios da mente conduzir um homem.

Temos sob nosso olhar um investigador da polícia em graves perturbações.
Não soube deter o bastão da responsabilidade.

Dele abusou para humilhar e ferir.
Durante alguns anos, conseguiu manter o remorso a distância;
todavia, cada pensamento de Indignação das vítimas passou a circular-lhe na atmosfera psíquica, esperando ensejo de fazer-se sentir.

Com a maneira cruel de proceder atraiu, não só a ira de muita gente, mas também a convivência constante de entidades de péssimo comportamento que mais lhe arruinaram o teor de vida mental.

Chegado o tempo de meditar sobre os caminhos percorridos, na intimidade dos primeiros sintomas de senectude corporal, o remorso abriu-lhe grande brecha na fortaleza em que se entrincheirava.

As forças acumuladas dos pensamentos destrutivos que provocou para si mesmo, através da conduta irreflectida a que se entregou levianamente, libertadas de súbito pela aflição e pelo medo, quebraram-lhe a fantasiosa resistência orgânica, quais tempestades que se sucedem furiosas, esbarrondando a represa frágil com que se acredita conter o impulso crescente das águas.

Sobrevindo a crise, energias desequilibradas da mente em desvario vergastaram-lhe os delicados órgãos do corpo físico.

Os mais vulneráveis sofreram consequências terríveis.
Não apenas o sistema nervoso padece tortura incrível:
o fígado traumatizado inclina-se para a cirrose fatal.

Sentindo-nos as interrogações silenciosas do olhar, quanto à solução possível naquele enigma doloroso, o orientador acentuou:
— Este amigo, no fundo, está perseguido por si mesmo, atormentado pelo que fez e pelo que tem sido.

Só a extrema modificação mental para o bem poderá conservá-lo no vaso físico;
uma fé renovadora, com esforço de reforma persistente e digna da vida moral mais nobre, conferir-lhe-á directrizes superiores, dotando-o de forças imprescindíveis à auto-restauração.

Permanece dominado pelos quadros malignos que improvisou em gabinetes isolados e escuros, pelo simples gosto de espancar infelizes, a pretexto de salvaguardar a harmonia social.

A memória é um disco vivo e milagroso.
Fotografa as imagens de nossas acções e recolhe o som de quanto falamos e ouvimos...
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Por intermédio dela, somos condenados ou absolvidos, dentro de nós mesmos.

O assunto era sedutor, mas, talvez para não acordar demasiada atenção em Saldanha e em outros Espíritos menos educados que nos contemplavam curiosamente, Gúbio passou a reparar connosco outro caso.

Abeiramo-nos de um divã, em que respeitável senhora se sentava ao lado de jovem clorótica, parecendo-me avó e neta.

Dois Espíritos de aspecto sinistro rodeavam a menina, qual se devesse estar custodiada por guardas tirânicos.

A matrona aflitivamente aguardava o instante da consulta.
A jovem, que proferia disparates, não falava por si.
Fios ténues de energia magnética ligavam-lhe o cérebro à cabeça do irmão infeliz que se lhe mantinha à esquerda.

Achava-se absolutamente controlada pelos pensamentos dele, à maneira de magnetizado e magnetizador.

A doente ria sem propósito e conversava a esmo, reportando-se a projectos de vingança, com todas as características de idiotia e inconsciência.

Gúbio examinou-a com a atenção habitual e informou:
— Encontramos aqui doloroso drama do passado.
A vida não pode ser considerada na conta estreita de uma existência carnal.

Abrange a eternidade.
É infinita nos séculos infinitos.
Esta menina comprometeu-se gravemente no pretérito.

Desposou um homem e desviou-lhe o irmão para vicioso caminho.
O primeiro suicidou-se e o segundo asilou-se no fundo vale da loucura.
Ei-los, presentemente, ao lado dela para deplorável vinda.

Na actualidade, a avozinha preparou-lhe um casamento nobre, receando deixá-la no mundo entregue a si própria;
entretanto, em vésperas de concretização do plano benéfico, ambas as vítimas de outro tempo, mentalmente cristalizadas no propósito de desforra, buscam impedir-lhe a união esponsalícia.

O ex-marido ultrajado, em fase primária de evolução, ainda não conseguiu esquecer-lhe a falta e ocupa-lhe os centros da fala e do equilíbrio.

Enche-lhe a mente de ideias dele, subjuga-a e requisita-lhe a presença na esfera em que se encontra.

Permanece a pobrezinha saturada de fluidos que lhe não pertencem.
Certamente já peregrinou por diversos consultórios de psiquiatria, sem resultado, e vem até aqui procurando socorro.

— Encontrará remédio adequado? — interrogou Elói, sob forte impressão.
— Não me parece muito bem encaminhada — elucidou o nosso dirigente, sem presunção.
Exige renovação interior e, ao que acredito, não obterá nesta casa senão ligeiro paliativo.

Em casos de obsessão como este, em que a paciente ainda pode reagir com segurança, faz-se indispensável o curso pessoal de resistência.

Não adianta retirar a sucata que perturba um imã, quando o próprio ímã continua atraindo a sucata.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 16, 2012 9:46 pm

Efectivamente, seríamos singularmente favorecidos por ensinamentos novos se persistíssemos no estudo em foco;
todavia, Saldanha, de longe, nos endereçava olhar indagador e era preciso seguir adiante.

Buscamos o recanto mais escuro do salão, onde dois homens, em idade madura, se mantinham em silêncio.
De imediato, reconhecemos que um deles guardava indiscutível desequilíbrio orgânico.

Muito pálido e abatido, demonstrava sinais de profunda inquietação.
Junto deles se encontrava uma entidade desencarnada, de humilde aspecto.

Tomei-a por parte integrante da vasta colecção de Espíritos perturbados que ali funcionava;
entretanto, com agradável surpresa para mim, dirigiu-se a Gúbio, exclamando de maneira discreta:
— Já lhes identifiquei, pelo tom vibratório, a posição de amigos do bem.

Indicando o enfermo, acentuou:
— Venho aqui na defesa deste amigo. Segundo estarão informados, dispomos no recinto de vigoroso operador mediúnico, sem iluminação interior de maior vulto.

Assalariou ele algumas dezenas de Espíritos desencarnados, de educação incipiente, que lhe absorvem as emanações e trabalham cegamente sob suas ordens, tanto para o bem quanto para o mal.

Sorrindo, acrescentou:
— Nesta casa, o enfermo não é amparado pelo socorrista de que se vem valer e, sim, pela assistência espiritual edificante de que possa desfrutar.

E porque eu indagasse, com respeito ao doente, explicou, gentil:
- Este companheiro é austero administrador de serviços públicos.

Na condição de mordomo e disciplinador, incapaz de usar o algodão da ternura em feridas alheias, adquiriu ódios gratuitos e silenciosas perseguições que lhe vergastam a mente, sem cessar, desde muitos anos, com perigosos reflexos no sistema circulatório, zona menos resistente do seu cosmos físico.

Lutando, desassombrado, por reajustar a concepção de funcionários relapsos, mas sem armas de amor na própria defensiva, apresenta consideráveis prejuízos nas veias coronárias.

Semelhantes ataques de forças imponderáveis visaram-lhe igualmente o fígado e o baço, que se revelam em lamentáveis condições.

Acontece, porém, que a grande corrente de perseguidores, despertados por sua acção enérgica e educativa, conseguiu insinuar nos médicos, que o assistem, a necessidade de uma intervenção na vesícula biliar, preparando-se-lhe, com isso, um choque operatório, que lhe imporá a morte inesperada do corpo.

O plano foi admiravelmente bem delineado.

Entretanto, pelo bem que existe no fundo da severidade com que o nosso companheiro tem agido, buscaremos socorrê-lo através do médium que deliberou visitar.
Recebi instruções, no sentido de obstar a operação cirúrgica e confio na vitória de minha tarefa.

Francamente, eu gostaria de levar a efeito um exame no paciente, para verificar até que ponto havia sofrido os golpes mentais em serviço, mas o olhar de Gúbio se fizera imperativo.

Cabia-nos a execução de deveres importantes e precisávamos retornar ao Saldanha. O problema de Margarida era complexo e competia-nos enfrentar-lhe a solução, de ânimo firme.

O obsessor da infortunada senhora, sentindo-nos o concurso espontâneo, acolheu-nos sem desconfiança.
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