LUZ ESPÍRITA
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Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

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Sinfonia da Alma -  Laya/Ana Cristina Vargas - Página 3 Empty Re: Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2018 8:43 pm

— Desculpe-me, Charlotte.
Há anos isso não acontecia.
Pensei que tivesse passado.
Espero não ter feito nada constrangedor.
— Você sentou no parapeito da janela e cantou trovas em provençal.
Quando esteve na Provença?
— Nunca.
Charlotte piscou e demorou a processar a informação de que a amiga não conhecia a Provença.
"Como podia ter cantado músicas folclóricas?
E aquela voz masculina?", questionava-se.
Mas, percebendo o aborrecimento nas feições de Denise, desistiu de perguntar.
— Ah! Mas você interpretou muito bem as canções.
Parecia uma nativa cantando.
Denise enrugou a testa.
Nitidamente duvidava da informação dada pela amiga.
— É verdade!
Você cantou com perfeição e sem sotaque músicas antigas.
Jurei que as conhecia bem.
— Não, eu não conheço.
Aliás, nem me lembro do que acontece enquanto durmo.
Sei que sou sonâmbula, pois já acordei fora da cama muitas vezes.
— E não se lembra de nada?
— Não. Camila me contava o que eu fazia.
Dizia que conversava comigo e que eu era outra pessoa no sonho.
Ela se divertia.
— E o que posso fazer?
Como devo agir se isso acontecer outra vez?
— Não há perigo, Charlotte.
— Como não?!
Fiquei apavorada com você sentada na janela, com a perna dependurada para fora.
Já viu a altura?
Se você caísse, se machucaria muito.
Posso acordá-la?
Como impedir que se coloque em perigo?
— Isso nunca aconteceu — protestou Denise.
Eu caminho, converso, sei que é estranho, mas tem muita gente que passa por isso.
É comum! Mas ninguém sabe explicar.
Não é uma doença.
— Eu sei. Mas nunca tinha presenciado isso.
É muito estranho.
Era você e não era ao mesmo tempo.
Sinceramente, amiga, foi assustador.
— Você conversou comigo?
— Não. Você chamava por um homem.
Eu não soube o que fazer, então fiquei apenas controlando para que não caísse da janela.
Denise recordou que a irmã lhe contara que ela chamava nos sonhos por um homem.
"Será que depois desses anos ainda é o mesmo homem?", pensou.
— Anton? — arriscou Denise.
— É. Quem é?
— Eu não sei.
Mas Camila me contou que eu chamava e falava muito nesse tal de Anton.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2018 8:43 pm

As informações eram desconexas.
Criamos várias novelas na nossa imaginação.
Bem, se estou perdoada, que tal você se arrumar enquanto preparo o café?
Charlotte olhou o visor do relógio distante e ergueu-se rapidamente.
Enquanto se dirigia ao banheiro, respondeu:
— E tem outro jeito?
Temos um dia cheio pela frente.
Denise carregou ao longo do dia, no íntimo, a inquietação pelo episódio de sonambulismo.
Não era mais uma adolescente curiosa e romântica fantasiando com a irmã a respeito de sonhos.
Era desagradável saber que não tinha o controle de si mesma em determinados momentos da vida.
"Viver factos e não me lembrar deles é desconcertante.
E, pelo relato de Charlotte, parece que eu tinha assumido outra personalidade.
Por que esse Anton surge em meus sonhos?
Nunca conheci ninguém com esse nome.
O que é isso?
Será que tenho uma personalidade inconsciente e outra consciente?
De onde ela vem?
Qual é a causa disso tudo?
Como pude estar dormindo e, ao mesmo tempo, sentada em uma janela, arriscando-me a um acidente grave, cantando?
Será que um espírito se apossa de mim?
Já ouvi falar disso.
Dizem que pode acontecer, mas será que é verdade?
E por que comigo?
Por que tenho que passar por isso?
Por que não sou uma garota 'normal' como as outras?", questionava-se Denise.
A mente é um domínio imenso e infinito.
Fascina e apavora.
Podemos fazer muitas coisas, coordenar actividades e recalcar pensamentos recorrentes que ficam rodando como se fossem música ambiente, bem baixinho, mas que causam cansaço e irritação após algum tempo e nem sempre reconhecemos que a causa é esse ruído mental constante.
Isso acontecia com Denise.
Havia anos carregava inquietações com esses fenómenos estranhos e inexplicáveis, mas não os associava e nem os identificava como causa de seu estado emocional.
Stressava-se como quem tem um jogo de quebra-cabeça faltando peças e não consegue formar a imagem.
Nesses dias, entregava-se com desespero real à música, usando-a para esquecer seus problemas.
Convicta de que teria o apoio da "voz", chamava-a em pensamento, implorando ajuda.
Aquele não foi um dia de excepção. Foi a regra.
A única diferença era o local onde se desenrolava o drama, prova de que a mudança de endereço, por mais distante que fosse, não resolvia problemas.
Eles viviam nela e com ela.
Onde quer que fosse, estariam juntos.
A construção do paraíso começa na libertação interior e, por isso, quando o conquistamos, podemos estar em meio ao fogo cruzado e estaremos bem, usufruindo o paraíso e entendendo a circunstância ao redor como passageira.
Aliás, como tudo o que é material.
Mas com a mente cheia de ruído, rodando sem parar em torno de pensamentos aflitivos e sem resposta, Denise vivia num inferno íntimo, daqueles de fogo brando, que maltrata e nunca mata, mas tortura.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2018 8:43 pm

Capítulo 13
Denise e Maurice sentaram-se nas últimas filas.
Apesar de ser um desfile de moda, produzido pelos alunos do curso, colegas de Charlotte, o salão estava lotado.
— Nossa! Quanta gente! — comentou Denise.
Não esperava essa produção toda.
Maurice sorriu, divertia-o a ingenuidade da amiga.
— Querida, você está em Paris.
O que esperava?
Essa cidade tem uma tradição cultural a zelar, e exactamente em moda.
— Sim, mas são estudantes — protestou Denise.
— Diga-me: quem estuda medicina pratica onde?
— Em hospitais — respondeu Denise, rindo.
— E quem estuda música pratica onde?
— Em concertos e apresentações.
— Quem estuda moda...
— Certo, Maurice, quem estuda moda pratica em desfiles chiques.
Eu entendi. Mas pensei em um evento estudantil.
Foi essa a minha surpresa.
— Ora, eles são estudantes, mas querem ser profissionais, não é?
Quanto antes começarem a agir como tal, mais sucesso obterão.
Ou você pensa que dentre esse público não há caça-talentos das maiores maisons e da indústria?
É claro que sim.
— Você tem razão, ainda não me libertei de uma ideia muito ingénua.
Penso em escolas apenas como local de relação entre alunos e professores.
Estou errada, pois é preciso ampliar a visão e incluir noções de mercado de trabalho.
Maurice balançou a cabeça concordando.
E calaram-se, pois a mudança no som e nas luzes do ambiente anunciava o início do desfile.
Eles pouco prestaram atenção nos modelos.
Maurice chamava a atenção de Denise para o papel da música coadjuvando o evento.
— Imagine isso sem esse som maravilhoso?
Percebe como a produção musical trabalhou para acertar a trilha sonora com a proposta da colecção, com cada peça apresentada?
Como atrai a atenção do público sem que percebam?
Isso é incrível!
É essa generosidade que a música tem que me apaixona, ela pode ser a prima-dona ou uma coadjuvante e não se ofende.
Entende que é necessária e simplesmente serve.
— Penso que todas as formas de arte possuem essa generosidade — contestou Denise.
Elas trabalham juntas sem se importar com a prima-dona da vez.
As pessoas deveriam aprender a agir assim.
— Sem dúvida, embora a arte e o artista sejam coisas distintas.
A arte não tem ego nem orgulho e vaidade.
É a beleza, a busca da perfeição, pura e simples.
O desejo de comunicar uma ideia.
O artista tem ego, orgulho e vaidade, coisas que, às vezes, perturbam o processo criativo e o relacionamento com os outros.
Fique atenta, minha querida.
Um dia essa sua voz de anjo poderá levá-la longe e você poderá se perder de si mesma.
— Eu amo a música, Maurice, não a minha voz.
Poderei um dia perder a minha voz, não conseguir cantar e, é claro, vou sofrer muito, mas a música continuará em mim, e então acho que farei outras coisas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2018 8:44 pm

O que não posso é sair desse mundo.
— Belos sonhos! — murmurou Maurice.
O encerramento do desfile trouxe à passarela uma Charlotte radiante e emocionada.
— Aquela é a sua amiga? — indagou Maurice, referindo--se à jovem que caminhava com a cabeça erguida e com firmeza na passarela.
— Sim — respondeu Denise, aplaudindo-a entusiasticamente.
Ela é muito talentosa e dedicada.
— Eu diria que ela tem vivacidade.
A luz nos olhos dela é linda.
Está feliz — ele riu baixinho.
Lembra uma criança sapeca que quer correr e saltitar.
— Charlotte trabalhou muito para este desfile — justificou Denise.
E eu ainda a preocupei.
— Por quê?
— Tenho algumas esquisitices, você sabe.
— Crises, como a do museu, você quer dizer.
— É, mas de outro tipo.
— Como assim? — indagou Maurice.
— Sou sonâmbula.
— E daí? Meu avô também era.
— É uma longa história.
Depois te conto.
Olhe! Charlotte nos viu!
Denise acenou alegremente para a amiga que passava de regresso em frente a eles.
Maurice ergueu as mãos e aplaudiu Charlotte.
Foi recompensado com um leve menear de cabeça da moça.
— Muito atraente a sua amiga — comentou Maurice, acompanhando a saída de Charlotte com o olhar.
Denise estranhou o comentário, mas nada respondeu.
"Ele não descobriu a América", pensou.
"Qualquer um vê que Charlotte é atraente."
— Haverá um diferencial entre esse desfile e um profissional: a fila de congratulações e o assédio da imprensa — falou Maurice.
Isso é bom porque significa que poderemos sair para jantar mais cedo.
Será que ela vai demorar?
— Nem um pouco. Veja! — respondeu Denise apontando a saída.
Lá está Charlotte.
Ela troca de roupa mais rápido que uma modelo.
— Magnífico! Vamos sair daqui, já cansei — falou Maurice, empurrando Denise suavemente entre o público.
Denise abraçou Charlotte, felicitando-a pelo sucesso do desfile e pelo belo resultado do trabalho.
— A colecção é linda!
Suas peças são as que mais chamam a atenção, são as mais bonitas.
Eu usaria todas.
— Obrigada!
É bom ouvir isso, pois trabalhei muito.
— O talento, o trabalho e a disciplina são os ingredientes do sucesso — disse Maurice, estendendo-lhe as mãos.
Parabéns! Você reúne as três qualidades, isso é visível nas peças que assinou.
— Muito gentil. Obrigada!
— Charlotte, este é o meu amigo Maurice, já lhe falei muito dele — apresentou Denise, intervindo na conversa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2018 8:44 pm

Maurice, esta é Charlotte.
Você também já me ouviu falar muito a respeito dela.
Os dois trocaram um sorriso educado e Maurice tomou a iniciativa de convidá-la:
— Seu sucesso merece uma comemoração.
Proponho um jantar e um bom vinho.
O que acham?
Charlotte observou Denise e Maurice e, depois de alguns segundos, respondeu:
— Aceito, mas somente se eu puder convidar um amigo para nos acompanhar.
— Perfeito! — concordou Denise.
Chame-o logo. Maurice concordou com um aceno de cabeça.
Instantes depois, ela voltava de braço dado com um rapaz vestindo jeans e camiseta preta com o nome do Black Sabbath.
Chamavam a atenção sua pele clara, a cabeleira louro escuro encaracolada e os olhos verdes brilhantes.
— Denise, Maurice, este é o meu amigo Max, o DJ do desfile.
Trocaram cumprimentos.
Max era do tipo expansivo, de fácil
entrosamento e muito falante. Um sorriso brincava em seus lábios, intensificando o brilho de seu olhar.
Logo decidiram ir ao restaurante que ele sugeriu.
Denise se identificou prontamente com aquele modo de ser leve e solto.
A camiseta da banda de rock dizia que havia mais afinidade entre eles, e a curiosidade atraiu-a para perto do rapaz.
Estimulada pela espontaneidade dele, recobrou a típica informalidade latino-americana e conversaram animadamente sobre a música da banda.
Maurice observava com aprovação a transformação de Denise.
— Parece que fomos excluídos e esquecidos — comentou Charlotte, acompanhando a direcção do astuto olhar de Maurice.
— É o que parece.
Mas confesso que não tenho como participar da conversa deles:
não gosto de rock e muito menos desses shows e festivais com multidões.
— Eu até gosto, mas não dessa banda.
O movimento heavy metal é demais para mim.
Tenho um gosto mais ameno.
— A julgar pelo trabalho apresentado hoje, você tem muito bom gosto.
Diria que um clássico moderno, básico e elegante.
— Obrigada! Você gosta de moda, Maurice?
— Gosto. A moda é como a música:
todos conhecem, se envolvem, sofrem as influências, mas nem sempre têm consciência disso.
Ela permeia e perpassa nossas vidas.
Creio que seja necessário estudar tendências, pessoas, épocas e culturas para acompanhar a dinâmica da sociedade.
— É isso que me fascina — declarou Charlotte.
Fico imaginando como irei me sentir quando, daqui a alguns anos, eu andar pelas ruas e encontrar pessoas vestindo o que criei. Acho que vou amar!
— Você pensa em criar moda para o povo?
Não está sonhando com revistas internacionais e grandes maisons?
— Não! Não tenho perfil para esse trabalho, nem gosto.
Quero desenhar para pessoas comuns, anónimas.
Quero pensar em uma mulher que trabalha fora, que tem filhos e que, como tantas vezes já vi, empurra o carrinho pelas calçadas de Paris de salto alto e maquiada, pronta para o trabalho de manhã.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2018 8:44 pm

Reparou como elas são bonitas?
Invejo aquela classe tipicamente parisiense.
Definitivamente meus pendores são para a indústria, não para o ateliê.
Maurice sorriu.
Caminhavam alguns passos atrás de Denise e Max, conversando e descobrindo que compartilhavam visões semelhantes a respeito da arte e das paixões de cada um.
No restaurante, sentados ao redor de uma mesa circular, a dinâmica modificou-se, embora naturalmente as afinidades atraíssem uns mais que outros e determinassem atenção e interesse.
Envolvidos na agradável comemoração, não percebiam a presença de alguém observando-os, e essa pessoa estava contrariada especialmente com Max.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2018 8:44 pm

Capítulo 14
— Denise, você deu o número do meu telefone ao Maurice? — perguntou Charlotte, quando se preparava para dormir, dois dias após o desfile.
Denise largou o caderno de música ao lado da cama e virou-se para encarar a amiga.
— Sim. Fiz mal?
— Não. Imagina.
Simpatizei muito com ele.
É que eu pensava que vocês estavam namorando, e ele me convidou para jantar na sexta-feira.
— Mesmo?!
— Sim, por que o espanto?
— Bem, é que eu estava achando que o Maurice era gay.
Eu o conheço há meses, saímos juntos várias vezes e... não houve nada, nem um beijo.
Aceitei que ele queria ser meu amigo e como nunca o vi interessado em outra mulher...
— Você deduziu que ele era gay.
São apenas amigos.
Bem, não sei como namoram no seu país, mas aqui é diferente, Denise.
Se um homem convidá-la para sair, ele vai querer conhecê-la.
Se beijá-la e você aceitar, significa que aceita sexo.
Se Maurice nunca a tocou, é porque quer ser apenas seu amigo.
— Hum... Estranho!
Então passam a noite conversando e se rolar um beijo há interesse de namoro e sexo.
No Brasil, beijar é algo tão comum.
Se beija qualquer um.
Mas, para dizer a verdade, não sou muito boa em matéria de namoro.
Meus relacionamentos foram muito rápidos.
Acho que não sou uma mulher interessante — lamentou-se Denise.
Não sou atraente.
Sou chata e esquisita.
Não sei em quê, mas eu decepciono em algum ponto.
Meus namoros, quando chegavam a um mês, era muito.
Eles desapareciam no vento, sem dar explicação ou, quando eu insistia, davam desculpas esfarrapadas para não me encontrar.
E assim terminaram todos os meus namoros.
Antes de vir para cá, já tinha desistido de envolvimentos.
Só me magoei, então resolvi que a música era o grande amor da minha vida.
Foi melhor assim.
Charlotte fitou-a séria e constrangida com a súbita confissão que revelava insegurança e baixa auto-estima.
Não sabia o que responder, não estava habituada a revelações da vida privada dos outros.
— Você é bonita, talentosa, agradável, tenho certeza de que ainda encontrará um grande amor em forma de gente e não apenas um som — afirmou Charlotte.
O homem certo para você ainda não apareceu.
É muito jovem para desistir de amar.
Charlotte sorriu como se lembrasse de algo prazeroso e completou:
— Minha tia Berthe ficaria horrorizada se a ouvisse falar.
Denise fixou o olhar no tecto. Havia apenas amizade entre
ela e Maurice, não estava apaixonada, mas sentiu uma pontada de tristeza, de ciúme, como se estivesse sendo preterida.
Era um sentimento absurdo, ela sabia, mas como mandar no coração?
Notou que a alegria de Charlotte se escondera.
Ela aprontara-se em silêncio, acomodando-se na cama, virará para a parede como se estivesse muito cansada e fosse adormecer em seguida.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2018 8:44 pm

Culpou-se por estragar o prazer da amiga.
Remoeu sentimentos e lembranças de seus relacionamentos infrutíferos e adolescentes.
Demorou a dormir e teve sonhos aflitivos nos quais fugia de antigos namorados para encontrar alguém cujo rosto e nome não conseguia lembrar-se com clareza.
Amanheceu com a cama revirada, a camisola banhada em suor o incrivelmente cansada e sem disposição.
— Meu Deus! A Terceira Guerra Mundial estourou na sua cama esta noite? — questionou Charlotte quando saiu do banho e deparou-se com Denise sentada no leito.
Seu cabelo está um caos.
— Bom dia para você também — respondeu Denise, levemente mal-humorada.
— Sua pele está vermelha — retrucou Charlotte, rindo.
Esfregar o rosto no travesseiro é um novo método de esfoliação?
— Não debocha!
Tive uma noite péssima — declarou Denise, caindo de costas na cama.
Nem parece que dormi. Estou exausta.
Como pode acontecer isso?
— Pergunte a tia Berthe quando conhecê-la.
Ela tem algumas teorias sobre gasto de energia e coisas do género.
Para ela, dormir é um estado misterioso e complexo.
— Sei. Tão misterioso e complexo que até os loucos dormem.
— Não ironize. Você não conhece.
Há sentido nas teorias dela.
É realmente um estado misterioso.
Sabia que o inventor da máquina de costura encontrou a solução do dilema da laçada da linha em um sonho?
— Não, mas sei da história do anel de benzeno.
Meu professor de química do segundo grau contou essa história várias vezes.
Ele descobriu o desenho ou a fórmula, não lembro exactamente qual, em um sonho.
— Artistas frequentemente relatam receber inspiração em sonho — comentou Charlotte, enquanto colocava os brincos.
— Se essa foi uma noite premonitória, é melhor eu tentar falar com o secretário de defesa norte-americano e avisá-lo da Terceira Guerra iminente — brincou Denise, sorrindo.
— Oh! É uma boa medida.
Mas, antes, penteie bem os cabelos...
— Boa amiga! Meus cabelos são crespos.
Sabe o que isso significa?
— Você diz que tem um "pé na África".
- É, mas o que eu queria dizer era:
trabalho, muito trabalho.
Deixá-los bonitos não é simples, uma escova não resolve.
— Prenda-os, então. Mas dê um jeito.
Você não tem o direito de assustar as crianças, por pior que tenha sido a sua noite — lembrou Charlotte.
E a preguiça e o desleixo não deviam ter lugar no mundo.
Denise riu.
Aparentemente nada tirava o bom humor de Charlotte.
E era inegável que ela tinha vocação para moda, porque gostava de ver as pessoas bonitas.
Saltou da cama e, reunindo a energia restante, tratou de preparar-se para o dia.
Quando terminavam a rápida refeição matinal, Denise voltou ao tema que a incomodava.
— Charlotte, sobre ontem à noite, eu queria me desculpar.
Confesso que de um jeito muito pobre de espírito senti ciúme e inveja de você.
Desculpe as bobagens que falei.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2018 8:45 pm

Maurice é um encanto, espero que dê tudo certo entre vocês.
Na verdade, foi visível a atracção entre vocês na noite do desfile.
Essa inveja tem a ver com a minha solidão e com o facto de eu não ser muito boa em relacionamentos.
A sinceridade de Denise tocou a amiga, que estendeu a mão sobre a mesa num gesto de aceitação.
Ao corresponder, Denise sorriu e baixou o olhar, envergonhada.
Sentia-se tola e imatura.
— Entendo. Mais tarde conversaremos, certo?
Preciso ir, estou atrasada.
— Ok. Conversaremos depois.
Obrigada por me compreender.
— Somos humanas, sabia?
Há diferenças, mas temos muitas semelhanças.
Apressada, Charlotte levantou-se, apanhou a bolsa e acenou da porta.
Na sexta-feira à noite, após o encontro com Maurice, Charlotte retornou ao estúdio feliz, encantada com o novo namorado.
Recordava as cenas recentes e sorria, enquanto subia as escadas.
Abriu a porta e estranhou encontrar todas as luzes acesas.
"Será que Denise esqueceu?
Quanto desperdício!
Vou lembrá-la da importância de cuidar da energia.
O planeta agradece pequenos carinhos", pensou.
Entrou em silêncio e apagou a luz da sala.
No quarto, Denise escrevia rapidamente e não deu sinais de haver notado a chegada da amiga.
Usava pijama e meias, estava acomodada na pequena bancada, cercada por folhas de papel escritas.
Charlotte recolheu algumas folhas que estavam no chão, evitando pisoteá-las ao entrar no quarto.
— Olá, Denise, ainda está acordada?
Denise não se moveu, nem deu qualquer sinal de ter notado a presença de Charlotte.
Intrigada, a francesa insistiu e cumprimentou a amiga de novo.
Indiferente, Denise seguia escrevendo muito rápido.
— Que concentração! — murmurou Charlotte, observando-a.
E então estranhou o movimento quase convulsivo de Denise.
Era impossível pensar e escrever naquela velocidade.
— Oh, não! — exclamou, levando a mão ao peito.
Outra crise!
Abatida, mas curiosa, sentou-se na cama, testemunhando o peculiar fenómeno da moça adormecida que escrevia freneticamente.
Baixou os olhos para as páginas que segurava e notou que Denise escrevera em francês.
Lamentou o desperdício de papel, pois as letras eram graúdas e entre as frases havia grandes espaços.
"Realmente, ela não tem consciência ecológica, não faz ideia do valor de uma árvore.
Ela só entende de economia para dinheiro, não para preservar a vida", pensou.
Porém, assim que leu as primeiras linhas, arrepiou-se e esqueceu as advertências.
Recolheu as páginas escritas, ordenou-as e, apesar de assustada, não conseguia parar de lê-las.
— Ai, meu Deus! — sussurrava, de vez em quando, com a voz embargada e os olhos molhados.
As luzes do amanhecer surpreenderam Charlotte envolvida na tarefa de recolher e ler as folhas escritas pela sonâmbula.
Entre lágrimas, arrepios e medo, ela não vira o passar das horas.
Denise subitamente parou de escrever.
Movia o rosto como alguém que se delicia com suaves carícias.
Ela sorria e suas mãos pareciam tocar em alguém, retribuindo os carinhos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2018 8:45 pm

Charlotte, apavorada, encolheu-se na cama, abraçando os joelhos e contemplando a cena inusitada com os olhos arregalados.
Como se alguém a colocasse gentilmente na cama, como se faz com uma criança ou um enfermo, Denise deitou-se, ajeitou a cabeça no travesseiro e apagou a luz.
Em instantes, ressonava tranquila.
No escuro, na outra cama, Charlotte tremia.
A sensação de alguém desconhecido no ambiente era forte.
Não se sentia ameaçada.
Fora uma testemunha ignorada.
Vestida, exausta e pensativa, deitou-se e puxou o cobertor.
Não conseguia esquecer o que lera, a história rodava em sua mente com a pergunta:
"O que faço?
Preciso da tia Berthe...".
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jul 03, 2018 8:47 pm

Capítulo 15
Charlotte cochilou e despertou assustada com o movimento de Denise no quarto.
Mal abriu os olhos e recordou a madrugada.
Olhou a mesa e suspirou ao ver as folhas empilhadas, tal qual as deixara.
Denise evitava fazer barulho ao escolher a roupa.
Cuidadosa, espiou Charlotte para ver se ainda dormia.
Sorriu ao vê-la acordada.
— Bom dia! — saudou-a alegre.
Que noitada, hein?!
Não conseguiu sequer tirar as botas.
Vamos lá, conte-me tudo, quero detalhes.
Com a cabeça latejando, Charlotte, completamente aparvalhada, encarava Denise.
— O que foi? — perguntou Denise, rindo.
— Está de ressaca?
Nossa, que festa! Estou surpresa.
Vocês, franceses, são tão contidos, tão educados.
Agora entendi a história do "sem beijo livre"...
— Não é o que você está pensando — defendeu-se Charlotte, colocando a mão na cabeça.
— Que dor! Preciso tomar um comprimido.
Você pega um pra mim, por favor?
Estão no armário do banheiro.
— Todo mundo guarda comprimidos no armário do banheiro, excepto eu, que tenho sempre uma carteia na bolsa — comentou Denise.
Pegou o medicamento e entregou-o a Charlotte com um copo d'água.
— Vinho ruim não pode ter sido o causador desse mal-estar.
Você está péssima, amiga.
Parece até que não dormiu.
— É? E você parece ter tido uma noite muito boa! — respondeu Charlotte.
— Dormi como um anjo.
Logo que você saiu, deitei.
Pretendia ler, mas o sono me venceu.
Caí nos braços de Morfeu.
Estava precisando de uma noite de sono tranquilo e pesado. Estou óptima!
— Sei... Estou vendo.
— Farei o café bem forte hoje.
Você está precisando de cafeína — declarou Denise ao deixar o quarto.
"Ela não se lembra de nada", constatou Charlotte, ainda deitada.
"Isso é estranho, muito estranho.
Parece que Denise tem vida dupla."
Após um rápido banho e uma sessão de maquiagem, apenas os olhos avermelhados e sem brilho denunciavam a noite mal dormida de Charlotte.
— Uau! Admiro você — confessou Denise, notando a boa apresentação da amiga.
Não parece a mesma mulher que vi há pouco.
— Bobagem! Milagres da indústria de cosméticos e um pouco de cuidado ao escolher as roupas.
Tudo se disfarça.
Mas você realmente acordou muito bem, animada. Que bom!
— E?
— E o quê?
— É namoro ou amizade? — perguntou Denise, rindo, imitando um programa da televisão brasileira, o que deixou Charlotte confusa.
— Para que essa cara? — indagou Charlotte.
— Que cara?
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Sinfonia da Alma -  Laya/Ana Cristina Vargas - Página 3 Empty Re: Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jul 03, 2018 8:47 pm

— De boba. A pergunta já é invasiva por si só.
Ainda precisa fazer essa cena? — censurou Charlotte.
Denise riu e explicou que se tratava de uma pergunta feita em um programa de auditório, e que, no Brasil, seus colegas na adolescência imitavam, debochando, quando queriam saber a respeito de um namoro novo na turma.
— Hum... programa de auditório...
Odeio! — comentou Charlotte.
Mas vou responder: estamos namorando.
Adorei sair com Maurice, descobrimos muitas afinidades.
Ele é um homem maduro, inteligente, jovial, charmoso e bem bonito.
E satisfaça sua curiosidade com essa declaração.
Paro aqui. Mudando de assunto, o que você estava lendo ontem?
— Tentei ler ficção científica, mas dormi.
Estava muito cansada.
Você chegou muito tarde?
— Hã? Não. Perdi o sono, acho que é TPM.
Denise levantou-se, colocou a xícara na pia e disse:
— Estamos atrasadas. Deixe a louça aí, eu lavarei quando voltar do ensaio. Melhoras!
Charlotte concordou com um aceno de cabeça e sorriu em despedida.
Ouviu a porta abrir e fechar-se. Estava preocupada.
"Ela não se lembra de nada.
Deus, como isso é possível?
Preciso falar com tia Berthe urgentemente."
Decidida a se atrasar alguns minutos para resolver a questão, Charlotte pegou o telefone e ligou para a tia.
A mensagem da secretária electrónica respondeu a seu chamado, deixando-a frustrada.
Decidiu seguir sua rotina, e as actividades do dia fizeram-na esquecer do problema.
Tornou a pensar no assunto quando encontrou Maurice esperando-a em frente ao seu local de trabalho.
Sorriu ao vê-lo, e ele lhe estendeu a mão, puxando-a ao seu encontro e beijando-a rapidamente.
— Como foi o seu dia? — perguntou Maurice.
— Bom. E o seu?
— Também correu tudo bem.
Há épocas estressantes na escola, quando há estreias e apresentações.
Todos ficam com os nervos à flor da pele.
Mas nosso actual regente é um homem extremamente calmo e organizado.
A música dele transmite harmonia, e penso que ele vive um sistema de retroalimentação:
o trabalho o harmoniza e ele harmoniza o trabalho que faz, entendeu? — concluiu Maurice, rindo.
— Acho que sim.
A busca da perfeição é uma via perigosa, mas bonita.
Alguns encontram esse equilíbrio, outros derrapam nas curvas do perfeccionismo e da insatisfação.
Não a buscam como inquietação para fazer melhor ou como estímulo de crescimento.
Eles estressam o ambiente com chiliques.
Há pessoas assim por toda parte.
É maravilhoso quando encontramos pessoas harmónicas.
— Vamos a um café? — convidou Maurice.
— Vamos. Vai ser óptimo relaxar um pouco.
Meu dia foi bom, mas a noite, ou melhor, a madrugada foi péssima! — confessou Charlotte.
Enquanto caminhavam até o café, ela contou a Maurice a experiência da noite anterior com Denise e lhe disse que não era a primeira ocorrência.
Acomodaram-se em uma mesa na calçada, fizeram os pedidos e retornaram ao assunto.
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Sinfonia da Alma -  Laya/Ana Cristina Vargas - Página 3 Empty Re: Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jul 03, 2018 8:48 pm

— Em geral, o sonambulismo não apresenta riscos — ponderou Maurice.
É um fenómeno natural, não li muito a respeito, mas até onde sei não é patológico.
— É, mas sempre ouvi dizer que eram crises rápidas e inofensivas, quer dizer, atitudes triviais:
caminhar, falar, ligar um aparelho, procurar objectos...
Sei de um senhor que até fazia pão. Ele era padeiro.
Levantava à noite e ia para sua padaria trabalhar, voltava para casa e continuava dormindo.
Mas não é isso que estou vendo.
Denise faz coisas inusitadas, muda completamente de comportamento.
E o que mais me apavora é que ela não está sozinha.
Não sei o que você pensa, Maurice, mas acredito na existência dos espíritos e nas suas manifestações.
Conheço pouco, mas sinto que alguém a acompanha.
— É mesmo? — perguntou Maurice, sorrindo com simpatia.
Gosto muito de estudar sobre o assunto.
Frequento palestras e debates promovidos por grupos espíritas.
Tem me ajudado muito.
Admiro a filosofia deles.
Têm outra visão a respeito do sonambulismo.
Você acha que é isso o que acontece com Denise?
Pode ser.
Minha tia é espírita, frequenta um grupo em nossa cidade o conhece muito da teoria e da prática.
Pretendo conversar com ela.
Preciso saber como agir, pois fiquei apavorada.
Talvez vá visitá-la no fim de semana.
— Posso ir com você?
Tenho bons motivos: não estou a fim de ficar sozinho no final de semana, quero ficar com você e o assunto me interessa.
Aceite a minha companhia.
Não imagina o bem que me fará — brincou Maurice, fazendo trejeitos de carência afectiva.
Charlotte riu, rendida ao charme masculino, e concordou em leva-lo à casa da tia.
— Eu não sabia de tantos detalhes da personalidade de Denise.
Lógico, você convive com ela há meses, compartilham intimidades, e se vêem muito mais, por isso tem mais informações.
Mas algo nela me intrigava desde o início.
Eu gosto dela.
É uma garota que tem garra, determinação e um raro talento.
No entanto, é exactamente esse raro talento que me intriga.
Ela se transforma em um palco, sabia?
É impressionante.
É uma diva, pronta e acabada.
Não lembra em nada a moça frágil e um pouco melancólica que conhecemos.
Denise é um instrumento musical, o sonho de qualquer director.
Ela precisa ser lapidada, ter estrutura para enfrentar o mundo dos espectáculos.
É por isso que começará como corista.
Mas nossa amiga tem muito talento e sua permanência no coro será curta.
É uma solista nata — opinou Maurice.
— Da escola sei apenas o que ela me conta.
Conheço pouquíssimo a respeito de música erudita para opinar, mas a voz dela é uma carícia aos ouvidos.
Poucas vezes a ouvi cantando, mas gostei.
Eleva a alma. Denise nos transporta na onda de emoção que descarrega na voz.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jul 03, 2018 8:48 pm

Mas se você a ouvisse cantando música folclórica provençal dependurada na janela e, de brinde, ainda ouvisse uma voz masculina acompanhando-a, faria como eu:
esqueceria tudo, desejando que ela se calasse e, assim, aquela estranha voz masculina sumisse.
Maurice, eu não sei em qual desses episódios apavorei-me mais.
— E o que me diria se eu revelasse que já ouvi isso?
E mais: que ouvi essa voz dando instruções precisas a respeito da execução de uma peça?
— Sério?
— Como você, eu também não tinha com quem falar sobre esses factos e me calei.
Mas eu vi e ouvi.
Já aconteceu três vezes.
A última foi a semana passada.
Denise estudava La Traviata, e eu estava próximo e percebi essa voz estranha.
Não sei quem é, mas garanto que conhece música e orientou-a com perfeição.
Depois, houve um episódio inexplicável: a moça que deveria fazer Violetta foi acometida por uma rinite alérgica que a deixou fanhosa e com a garganta irritada.
O regente chamou Denise e ela foi simplesmente brilhante.
Eu me emocionei ouvindo-a cantar o primeiro acto, falando do anseio por um amor que ela (Violetta) desconhecia.
Desculpe-me, acho que me empolguei — disse Maurice.
— Por quê? — indagou Charlotte.
Não sou apaixonada por ópera, mas conheço o mínimo.
Sei que La Traviata é uma ópera dedicada a uma cortesã.
Li que foi inspirada em A dama das camélias, de Alexandre Dumas.
E Denise chegou eufórica nesse dia, contou-me todos os detalhes e deu-me uma aula gratuita — explicou Charlotte, rindo.
Eu li o romance. Contei a você que tia Berthe é professora de literatura francesa?
Charlotte fez uma pequena pausa, enquanto o garçom servia o prato de queijos e azeitonas e enchia-lhe a taça com vinho.
Quando ele concluiu a tarefa, depois de bebericar o vinho, ela encarou Maurice e prosseguiu:
— Aquele dia, eu exercitei a paciência.
Denise não parava de falar e cantar.
Ainda bem que a voz dela realmente é linda.
Mas ela não me falou de nenhuma "voz" orientando-a.
— Mas eu ouvi — insistiu Maurice.
E a cena final com a morte da cortesã após se reconciliar com o amado Alfredo foi tocante.
Denise não se limita a cantar e fazer gestos em cena.
Ela interpreta, e isso a torna uma cantora lírica completa.
E, falando sobre sua tia, acho que vamos nos dar muito bem.
O flerte da literatura com a ópera é antigo.
Já temos dois temas apaixonantes para conversar: arte e espiritualidade.
Mais uma razão para informar-me sobre como agir e sobre o que acontece com a nossa amiga.
Não devemos desperdiçar talentos.
O mundo sem a arte seria árido demais.
Maurice sorriu e, tocando-lhe a mão, acariciou-lhe os dedos com calma:
— Não existe o menor risco de isso acontecer.
Um mundo sem arte não é humano.
O homem se comunica e usa a arte desde a pré-história.
Desenhos rupestres, instrumentos musicais, roupas especiais para dançar foram encontrados pelos arqueólogos e demonstram que o ser humano tem na expressão artística um canal de comunicação e de compreensão com o mundo que o cerca.
Particularmente, creio que os homens primitivos imitavam os pássaros cantando antes de aprenderem a falar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jul 03, 2018 8:48 pm

— É possível, embora eu não tenha ouvido falar dessa teoria antes — ponderou Charlotte.
— Mesmo as pessoas consideradas "portadoras de necessidades especiais intelectuais" ou "portadoras de sofrimento psíquico"...
— Quanta correcção política! — atalhou Charlotte, ironizando.
— Ah, eu faço o possível.
São palavras de domingo — brincou Maurice.
Mas, falando sério, mesmo essas pessoas encontram um canal de expressão na arte e são muito beneficiadas com arte terapia.
Eu gostaria de trabalhar arte nesse contexto.
É uma experiência que não tenho e imagino que seja muito rica.
— Conheço alguém com quem pode trocar ideias e saber mais a respeito: o Max.
Lembra-se dele? O DJ do desfile.
— Claro. Mas ele faz algo nesse sentido? — perguntou Maurice, cujo interesse fazia seus olhos brilharem.
— Sim, trabalha com populações de imigração africana e caribenha residentes nos arredores de Paris.
Obviamente, a música é o canal.
— Interessante.
Quero conhecer o trabalho dele.
Nesse momento, entrou no recinto um grupo de pessoas debatendo acaloradamente a manchete do jornal que rodava de mão em mão.
Chamaram a atenção de Charlotte.
Maurice também os observou e, após a passagem deles, comentou:
— Como as pessoas gostam de desperdiçar o tempo com discussões sem cabimento. O que eles ganham opondo--se ao casamento gay?
— Não faço a menor ideia — retrucou Charlotte, com naturalidade.
Não tem cabimento impor regras ao direito de amar.
Totalmente sem sentido.
Treze países (3) já reconheceram o direito das pessoas de amarem e viverem com quem desejarem.
Nós, franceses, que já fizemos história na construção dos direitos, que nos orgulhamos de um lema revolucionário como "igualdade, liberdade e fraternidade", agora temos que conviver com protestos que afrontam esses três princípios.
Até parece que a falta de uma lei impede uniões homo afectivas.
Pura hipocrisia! — indignou-se Charlotte.
— Eles não entendem isso.
São ingénuos o bastante para crerem que os textos legais encerram todas as possibilidades de vida em sociedade.
Não compreendem o significado das expressões "injustiça" e "à margem da sociedade".
Pela sua indignação, Charlotte, vejo que pensamos de maneira parecida:
não adianta ignorar o que é um fato social, é preciso acolhê-lo e integrá-lo.
Do contrário, há injustiça e questões postas de lado.
Isso sim desorganiza a sociedade.
— Exacto. É tão simples: existe, regulamenta.
Não acredito em incentivo à homossexualidade.
Essa é uma questão mais complexa do que o poder da propaganda.
A alçada para tanto é da natureza, não da lei.
Ninguém tem o poder de mudar a orientação sexual do outro, e isso não nos torna diferentes.
Por que eu, sendo heterossexual, tenho direito a assinar um contrato de casamento que, no final das contas, tem finalidade de garantir direitos patrimoniais, e um homossexual não tem?
Ele não é cidadão como eu?
Não paga impostos?
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jul 03, 2018 8:48 pm

Não está sujeito aos mesmos deveres legais?
Por que ser excluído de direitos, do reconhecimento legal de um facto?
— É, não há resposta além da questão de Adão e Eva, do "crescei e multiplicai-vos", do casamento para gerar filhos — completou Maurice, que, em seguida, debochou.
Eles deviam pensar em anular o casamento de todos os heterossexuais que não têm filhos.
E hoje em dia muitos casais não têm filhos, não só por impedimentos biológicos.
Grande parte faz isso conscientemente, por opção.
— E quem tem filhos não poderá se divorciar nessa ordem jurídica e social construída com essa lógica.
E mulheres após a menopausa são inúteis como esposas?
E os casais que têm filhos e não se casam?
Que não vivem sob o mesmo tecto?
Esses protestos são pura loucura! — arrematou Charlotte.
— Ao fim e ao cabo, como diria meu avô, mais uma vez sou obrigado a reconhecer a sabedoria da filosofia espírita: o amor une e essa é a lei — concluiu Maurice, bebendo um gole de vinho.
Todo resto é invenção humana, que complica em vez de simplificar a vida com conceitos absurdos e irreais.
A maioria das pessoas que erguem bandeiras nem sequer sabe das origens do que "supostamente" defende.
Esse ranço todo tem pitaco da religião por detrás.
Essas pessoas deveriam estudar mais história "sagrada", talvez assim saíssem da Idade Média.
— Talvez eles pensem que a questão crucial seja o sacramento e a cerimónia — argumentou Charlotte.
Não são capazes de notar o desrespeito aos direitos civis e humanos.
— A situação piora com o desconhecimento.
Pensam que "sempre foi assim".
E sabe-se que não é verdade.
— Eu que o diga!
Detesto fazer vestidos de noiva, mas na escola sou obrigada.
É ridículo fantasiar uma mulher de princesas (4), isso foi útil lá no início do século XX, quando o povo precisava recuperar um pouco do romantismo depois dos horrores das guerras.
Mas agora?! É ilusão.
Para que ter um traje que você não poderá nunca mais usar em qualquer outro local ou situação?
Por que manter isso só para as mulheres?
O homem se casa e, se precisar ir a uma reunião de trabalho, sai da cerimónia e chega bem-vestido.
Se a noiva fizer o mesmo, será considerada doida e alguém chamará uma ambulância para a maluca, e depois ainda poderá fazer uma comédia com base na situação.
Jamais ganhei qualquer distinção pelos meus vestidos.
Minha proposta é confeccionar uma roupa feminina bonita e que os acessórios façam referência a esse "hábito" cultural.
Retirados os acessórios, a roupa sobrevive para ser usada num evento que exija traje de passeio.
— Isso é exagero, Charlotte — advertiu Maurice, rindo.
O que me diz dos vestidos alugados?
Não são equiparáveis aos amores que simbolizam?
Totalmente descartáveis.
Uma fantasia, no sentido literal.
Mas gostei da sua proposta de roupa.
Me mostre suas criações um dia desses.
É uma inovação interessante.
Realista.— reforçou Charlotte.
E, de facto, você tem razão.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jul 03, 2018 8:48 pm

Os amores são fugazes demais actualmente.
Aluga-se tudo, vive-se uma fantasia que depois o cotidiano destrói.
Algo de consumo. Muito triste!
— Ah, eis a romântica! — provocou Maurice.
Ele sorria, mas o olhar sobre Charlotte era observador e serio.
— Não. Eu sou realista, por isso creio no amor.
É a maior força da natureza, presente em tudo.
Mas vivê-lo exige coragem e entrega, é um sentir profundo além da paixão, da atracção sexual.
E essa é uma fronteira que muitos temem ou até ignoram.
Você acredita que outro dia perguntei para a amiga o que ela havia sentido em um encontro do qual ela falava com muita empolgação do companheiro e ela me respondeu que não tinha tido tempo de pensar nisso?
Olha que loucura!
Não se deu tempo de conhecer o que sentia.
— Navegou nas sensações — resumiu Maurice.
— É Sem pensar.
Tarde da noite, Charlotte chegou ao estúdio temerosa das condições em que encontraria Denise.
Abriu a porta, acendeu a luz.
O local estava às escuras e silencioso.
Pé ante pé, entrou no quarto.
Estava vazio.
Sobre a cama um pequeno pedaço de papel tinha um recado rabiscado:
Charlotte, chegarei tarde. Denise.
— Hum! Melhor que esteja acordada e ocupada do que dormindo e ocupada.
Eu entendo com mais facilidade — comentou Charlotte para si mesma.
Os dias passaram céleres e o final de semana chegou prometendo tempo frio, seco e ensolarado, óptimo para uma viagem de carro.
Em um impulso, na sexta-feira, Charlotte convidou Denise para acompanhá-los na visita à casa da tia, em Nancy.
— É lindo! Você vai gostar — enfatizou.
Denise, que arrumava nas gavetas as roupas que trouxera da lavandaria, parou a tarefa, encarou a amiga tranquilamente e respondeu:
— Obrigada, Charlotte, mas eu não irei.
Aproveite o passeio.
Você e Maurice estão muito felizes e terão um excelente fim de semana.
Prefiro ficar aqui.
Tenho muito o que ler e combinei de acompanhar Max no trabalho que ele faz com as comunidades imigrantes.
— O quê? — indagou Charlotte, sorrindo maliciosa.
E quando foi isso?
Por que não me contou que encontrou Max?
— Simplesmente porque esta semana é a primeira vez que eu e você nos encontramos por mais de dez minutos — justificou Denise, declarando, em seguida, com um sorriso maroto:
— Por enquanto, eu e Max somos amigos, espero.
— Então se encantou com ele.
E quer saber?
Você tem bom gosto.
Quando irá conhecer a comunidade?
— Amanhã.
— Eu já fui lá e amei.
São pessoas simples, calorosas e tão coloridas!
Admiro a alegria do povo africano.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jul 03, 2018 8:49 pm

Eles são guerreiros e fortes, enfrentam tantas adversidades e continuam sorrindo, cantando e dançando.
Além disso, trabalham muito.
É preciso ver como batalham para sobreviver aqui.
Aprendem rápido.
Alguns vêm de antigas colónias francesas na África e dominam o idioma, mas Zinédine Zidane foi um só, a maioria encontra trabalho árduo e nenhuma glória na França.
Mas estão aí, felizes com o que conseguem — comentou Charlotte, com sincera admiração.
— No Brasil, há uma população de descendência africana muito grande.
E recentemente tem havido imigração africana, mas não se compara com o que vejo aqui.
Dizem que somos multirraciais, e somos mesmo.
Mas já foi para o nosso DNA.
É algo como: está no Brasil é brasileiro!
Aqui é diferente, tem gente de diversos lugares — indianos, asiáticos, africanos, árabes.
São imigrantes e essas culturas não se misturam.
Eu ainda estranho quando vejo os muçulmanos orando nas ruas e nos cantos das estações de metrô com seus tapetinhos, quando vejo as mulheres com véus ou quando passa um judeu com solidéu, por exemplo.
— Denise, aqui é assim há centenas de anos.
E, embora cada um deles dê a sua contribuição, Paris já existia.
Talvez porque seu país seja jovem, o imigrante e o nativo trabalham juntos para construir a nação, e isso faz toda a diferença.
Mas tem acontecido muitos problemas com imigrantes e a influência cultural que trazem.
Recentemente, houvera polémica dos símbolos religiosos, exactamente por causa do crescimento do islamismo.
— Eu me lembro disso.
Foi notícia mundial.
Levantou polémica.
— E como! Mas necessária.
As discussões burilam as ideias.
Não há progresso sem polémica neste mundo.
A apregoada igualdade precisa ser avaliada e debatida sempre, senão escorregamos em tratar com igualdade somente os que pensam como nós.
Particularmente, não acho justo exigir que as alunas muçulmanas deixem de usar o véu e manter os crucifixos nas paredes das escolas e órgãos públicos.
— Charlotte! Eu não esperava isso de você.
Aqueles véus são um ultraje às mulheres.
— Não vejo assim.
Elas usam porque crêem ser um dever religioso.
Não é o véu que as faz submissas, é a mentalidade.
O crucifixo também pode ser visto como uma lembrança constante de culpa para os cristãos, nem por isso havia campanha para tirá-los de circulação ou proibir as pessoas de usarem esse símbolo.
Onde estava a igualdade?
E quer coisa pior para a psicologia humana do que a culpa?
E se o estado é laico, por que ostentar símbolos de uma religião?
Religião é questão de foro íntimo, cada um com a sua liberdade de crer no que lhe faz bem.
Já era tempo de não se misturar mais política e religião.
Acho que somente quando conseguirmos essa compreensão veremos na Terra a primazia dos direitos humanos.
Enquanto isso, eles precisam de defensores.
— Olhando desse jeito, você tem razão.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jul 03, 2018 8:49 pm

Religiões separam e fomentam preconceitos.
Mas as pessoas misturam tanto...
— Hum, a história é testemunha, embora ela tenha mentido de vez em quando, mas exemplos não faltam de que isso não dá bons resultados.
Basta ver o pátio do Louvre onde ocorreu o assassinato dos protestantes na famosa noite de São Bartolomeu.
É vazio, frio, tem uma aura negativa até hoje.
É ir lá e sentir — reforçou Charlotte.
Bem, fico mais tranquila sabendo que não ficará sozinha todo o fim de semana.
Denise sorriu e voltou à tarefa de arrumar as roupas.

(3) Na época da narrativa do romance, a sociedade francesa discutia a legalização da união homo afectiva, que viria a ser aprovada pela Assembleia Legislativa em 23 de abril de 2013, tornando a França o décimo quarto país no mundo a regulamentar a questão.
(4) Em 1840, a rainha Vitória escolheu um vestido branco para o seu casamento com o príncipe Albert, em Londres, e isso inspirou as noivas a usarem branco e manterem esse costume até hoje.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jul 03, 2018 8:49 pm

Capítulo 16
— Pronta? — indagou Max, beijando levemente os lábios de Denise ao encontrá-la no sábado, no final da manhã, em frente à loja em que ela trabalhava.
— Claro! Estou muito curiosa — respondeu Denise.
— Curiosidade? Entendo, você é uma estrangeira que veio para a França estudar e procurar qualifica- se num mercado restrito e exigente: música erudita e ópera.
Obviamente, a sua realidade e experiência é muito diferente da que irá conhecer.
— Max! Eu não sou insensível — protestou Denise.
Expressei-me mal, talvez curiosidade não seja o termo adequado.
Venho de um país com grande percentagem de população negra e nós somos miscigenados.
Olhe o meu cabelo: meu professor de biologia do ensino médio garantia que examinando meus genes, apareceria um ascendente africano.
Há uma música antiga que eu cantava muito com os amigos do meu pai e que fala dessa questão do negro.
Enquanto dirigiam-se à estação de metrô mais próxima, Denise cantarolou baixinho, em português, uma antiga marchinha de carnaval:
O teu cabelo não nega, mulata,
Porque és mulata na cor,
Mas como a cor não pega, mulata,
Mulata eu quero o teu amor.
Tens um sabor bem do Brasil,
Tens a alma cor de anil.
Mulata, mulatinha, meu amor,
Fui nomeado teu tenente interventor.
Quem te inventou, meu pancadão,
Teve uma consagração.
A lua te invejando faz careta,
Porque, mulata, tu não és deste planeta.
Quando, meu bem, vieste à Terra,
Portugal declarou guerra.
A concorrência então foi colossal:
Vasco da Gama contra o batalhão naval.
Depois, explicou em francês o enredo da música.
Max sorriu, condescendente, e perguntou:
— Você disse que é uma música antiga.
Quantos anos ela tem?
— Não tenho certeza, mas a maioria dessas marchinhas de carnaval é das primeiras décadas do século XX.
— Tem mais de um século.
Quando foi abolida a escravidão no seu país, Denise?
— Oficialmente, em 1888, mas, como muita coisa na história do Brasil, a realidade parece não ter sido bem assim.
E a data foi somente uma questão de reconhecimento.
— Então a música correspondia à nova realidade do homem negro livre — resumiu Max.
Compreende-se que seja preconceituosa e racista.
Ele quer amar a mulher negra porque cor não pega.
Acho que esse amor é fazer sexo.
E depois diz que ela tem a alma cor de anil.
Aqui essa realidade é mais dura e pungente.
Fomos o primeiro país a libertar os escravos, em 1794, e ainda temos preconceito racial e muitos problemas para integrar a população africana.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jul 04, 2018 8:34 pm

E não são somente os imigrantes, os "sans papiers" (5), os negros franceses ainda são olhados com essa ideia de "a tua cor não pega".
Desceram os degraus e logo embarcavam no metrô.
Minutos depois, surpresa, Denise identificava a estação:
— Montmartre!
Eu queria muito vir aqui.
— Ver o Moulin Rouge? — provocou Max, conduzindo-a pelas ruas íngremes de calçadas estreitas.
— Também. É famoso!
Não é pecado querer ir lá... ou é?
Mas não me atrevi a vir sozinha.
— A má fama do bairro é sua conhecida?
Denise ergueu as mãos à altura da cabeça e declarou:
— Confesso: tudo o que sei li em livros de turismo.
— Ah, é claro.
Então, deixe-me apresentá-la ao mais boémio de todos os bairros parisienses — falou Max, rindo da espontaneidade de Denise.
Max tomou a mão de Denise e pediu:
— Descreva o que vê.
Denise calou-se.
Escolhia as palavras com cuidado por causa da susceptibilidade de Max.
Não queria feri-lo.
— É diferente do restante que conheço.
— Como? Em quê? — insistiu Max.
— É mais pobre — começou Denise, com cuidado.
É boémio, já vi casas de prostituição, sex shops, bares decadentes.
Acho que o termo seria esse: é decadente.
— E sujo. Um gueto seria uma definição aceitável.
— Não sei, estou pisando aqui hoje pela primeira vez.
Dei a primeira impressão, mas está muito longe de ser uma favela, um local miserável.
— Esse é o melhor bairro para os negros viverem em Paris — declarou Max.
É onde conseguem trabalho, moradia e acesso a serviços públicos.
Há tolerância.
Em bairros mais afastados, na periferia da cidade, o preconceito, o racismo e a violência são maiores.
— Olhando as pessoas nas ruas é difícil perceber.
Há lojas, salões de beleza, restaurantes especializados em produtos africanos.
Acho lindas as roupas coloridas e os penteados das mulheres negras.
São coloridos e exuberantes.
Tudo isso contrasta com franceses, que são contidos.
— Sem dúvida! Também admiro essa emoção latente do homem negro, admiro a arte, a música, a religiosidade e a força dos líderes africanos.
— Assisti à cine biografia de Nelson Mandela.
O cara é um exemplo.
Especialmente para o meu país, carente de lideranças, de exemplos de força moral e luta pelo progresso social — comentou Denise.
— Chegamos — falou Max, parando em frente a uma pequena padaria.
Resolvi trazê-la para conhecer um dos meus melhores amigos.
Adentraram o pequeno estabelecimento, que combinava com o bairro.
O prédio tinha exteriormente uma aparência decadente, porém o interior era simples e limpo, com poucos móveis.
Um balcão de madeira separava o local de trabalho, com dois fornos e uma grande mesa com alguns utensílios, da parte de atendimento ao público.
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Sinfonia da Alma -  Laya/Ana Cristina Vargas - Página 3 Empty Re: Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jul 04, 2018 8:34 pm

Nas paredes, algumas gravuras a nanquim retractavam africanos fazendo pães.
— Que lindas! — exclamou Denise, aproximando-se para observá-las.
Parecem antigas.
— E são.
— Lindas! Muito expressivas.
São carregadas de emoção em cada traço.
Max balançou a cabeça, concordando.
Como o estabelecimento estava vazio, ele chamou:
— Noru!
Quase imediatamente surgiu um homem jovem, negro, que aparentava não ter quarenta anos, era alto e magro, usava um avental branco e um gorro de lã multi-colorido na cabeça.
Simpático, abriu um amplo sorriso ao vê-los.
Levantou uma parte do tampo do balcão e aproximou-se, estendendo-lhe as mãos calorosamente.
Denise sentiu-se, pela primeira vez desde que chegara à França, como se estivesse em seu próprio país.
Retribuiu o sorriso e a efusiva saudação.
— Denise, este é meu amigo Noru Obasi.
O melhor padeiro de Paris — apresentou Max.
E, voltando-se para Noru, disse:
— Esta é Denise, ela é brasileira e está estudando música e canto.
Trouxe-a para conhecer um pouquinho da França negra.
— Claro! Entrem!
Max sabe o caminho.
Atravessaram a pequena padaria e, nos fundos, havia um salão maior com alguns bancos de madeira, instrumentos musicais, decoração com arte africana e sacos de farinha empilhados com outros ingredientes de panificação em uma prateleira.
Ao lado, uma geladeira comercial antiga.
Sem dúvida, o local tinha dupla finalidade.
Acomodaram-se nos bancos e Noru apressou--se em buscar uma garrafa térmica com chá e alguns biscoitos.
Conversaram por muito tempo, até serem interrompidos pelos clientes que batiam no balcão chamando Noru.
Eram mais de dezassete horas quando saíram de Montmartre.
Àquela hora o bairro começava a movimentar-se, os estabelecimentos abriam as portas, funcionários limpavam as mesas e varriam calçadas e havia um maior número de pessoas circulando.
— Realmente, o bairro vive da boémia.
Quando chegamos, havia pouquíssimo movimento.
Éramos nós e o vento nas ruas — brincou Denise.
— Sim, aqui se vive à noite.
E nem tudo é decadente.
Há lugares óptimos.
Vou lhe mostrar.
Abraçados, seguiram percorrendo as ruas do bairro e conversando sobre a impressão de Denise a respeito de Noru Obasi e do movimento cultural negro que realizava anonimamente em sua casa, simplesmente assistindo, acolhendo e orientando imigrantes e descendentes africanos.
— A ilegalidade é um peso.
É preciso uma política de integração dessas comunidades, mas a tramitação das leis é tão emperrada!
Discussões infindáveis que não deveriam ter mais cabimento, mas... — falou Max quando estavam acomodados em um pequeno bistrô —...assim caminha a humanidade!
— Filme antigo...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jul 04, 2018 8:34 pm

— É, mas a ganância, o orgulho, a vaidade e a ignorância permeiam povos e épocas e causam estragos.
Ficamos batendo pé, marcando passo, quando já podíamos ter avançado muito mais.
— Adorei os provérbios que Noru falou, são muito simples e verdadeiros.
"O mundo não lhe fez promessas."
Nem mesmo de evolução social e moral rápida.
Já lhe falei do meu tio?
Ele vai adorar saber da existência e da história de Noru.
Vou contar-lhe mais tarde, quando chegar em casa.
Eles se dariam muito bem, caso se conhecessem.
Max sorriu malicioso e, fazendo ares de desolação, perguntou:
— É isso que pretende fazer mais tarde?
Que decepção!
Não quer deixar para falar com o titio amanhã e ficar comigo?
Aproveite, estou aqui e nós já nos conhecemos.
Denise sorriu, deliciada, aproximou-se, aconchegando-se nos braços de Max, e ofereceu-lhe os lábios em resposta.
— Isso é uma promessa? — indagou Max, baixinho, passando, com suavidade, os lábios próximos à orelha de Denise.
Ela riu e balançou a cabeça afirmativamente.

(5) Sans papiers: literalmente, sem papéis, sem documentos.
Expressão utilizada para referir-se aos imigrantes ilegais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jul 04, 2018 8:35 pm

Capítulo 17
A Denise que Charlotte encontrou no retorno de Nancy era uma jovem vibrante, cheia de confiança, alegre e com novos interesses na França.
Até sua voz tornara-se ainda mais bela e cativante.
— Ula lá, enfim aterrissou! — exclamou Charlotte sorrindo após a saída de Denise na segunda-feira.
Que diferença promove o amor na vida de uma criatura!
Tomara que aprenda a viver com vontade e cem por cento no presente.
Recordou-se das conversas com a tia.
"É preciso enterrar o passado", opinara Berthe após ler as malditas folhas daquela fatídica madrugada insone e preocupante.
"Quem sabe Max não seja o coveiro ideal?", indagou-se Charlotte, sorrindo.
Convencida de que a vida tinha muitos caminhos para conduzir tudo ao melhor resultado, seguiu à risca o conselho da tia:
"Não se aflija com a vida alheia.
Ajude, mas não permita que isso atrapalhe o seu próprio caminho.
Você não é Deus e sua vontade morre na força da vontade do real envolvido, então se convença de que você não tem poder algum na vida dos outros.
Cuide da sua!
É esse o seu primeiro dever espiritual.
Lembre-se da espiritualidade das regras de trânsito:
mantenha-se à direita e siga em frente, na sua velocidade".
Charlotte apanhou a bolsa e saiu.
Por alguns meses, viveram em total harmonia.
A alegria, o amor e o trabalho davam-lhes vigor e saúde.
Tudo ia bem.
Denise ingressou no coro das apresentações da escola e com isso foi ganhando maior confiança.
Apaixonou-se pela rotina dos espectáculos.
A correria, o frisson, a expectativa e a explosão de contentamento ao final de cada apresentação enchiam-na de energia.
O relacionamento com Max dava-lhe equilíbrio.
Cessaram as crises de sonambulismo, os ataques de ansiedade inexplicáveis e a melancolia.
Até mesmo mostrava-se mais tolerante e compreensiva com a mãe, embora o relacionamento se ressentisse da rachadura produzida pelo grito de independência de Denise.
Charlotte, eventualmente, nos contactos com a tia, reportava-lhe o estado da companheira.
"Isso é bom.
Vamos confiar que crie profundas raízes", estimulava Berthe, e logo mudavam de assunto.
Aquele primeiro ano em Paris chegou ao fim.
O saldo era positivo.
A vida fluía aparentemente calma.
Denise focara em situações reais, concretas e presentes e, com isso, sua mente e seus sentimentos equilibraram-se.
Estava esperançosa e cheia de planos para o futuro.
A paixão pela música unia Max e Denise, embora os estilos e envolvimentos de cada um fossem absolutamente diferentes.
De certa forma, complementavam-se.
Em julho, Denise aproveitou as primeiras férias e a oportunidade de explorar um pouco mais a Europa e o relacionamento com Max.
Destino perfeito: festival de verão de Marselha, na Provença.
Música, teatro, cinema, amor e a melhor gastronomia do Mediterrâneo.
Perfeito?
Se estivessem sozinhos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jul 04, 2018 8:35 pm

Capítulo 18
A ensolarada Marselha encantou Denise.
A atmosfera da cidade, um misto de antigo e moderno, aliada à simplicidade acolhedora do povo da Provença estabeleceu um vivo contraste com a vida em Paris.
A viagem lhe trouxera surpresas.
Os campos lilases e perfumados das lavandas e alfazemas fizeram os olhos de Denise brilhar e despertaram nela a vontade de correr entre eles e brincar como se fosse criança.
Correr livre, confiante e sob o olhar vigilante e amoroso de um cuidador atento.
Era como se enxergasse uma menina loura, com longas trancas, pele claríssima e grandes olhos cinzentos, brilhantes, cheios de vida, um vestido simples e um pequeno cesto.
Ela cantarolava e ria, muito levada e segura.
"Só falta ela", pensou ao dar-se conta de que era um devaneio imaginário.
No trem, ao ver as primeiras plantações, sentiu o coração acelerar e foi tomada por uma emoção profunda e intensa.
Aconchegou-se a Max, pedindo um abraço, mas a mente estava distante.
Foi quase instintivo, um desejo de ancorar o corpo, de se sentir presa para "não voar naquela emoção".
Lindo, não é mesmo? — perguntou Max, apertando-Ihe suavemente os ombros.
Quer fotografar?
Não, quero curtir a paisagem.
É incrível! Nunca vi nada tão bonito.
Esse panorama me emociona.
— Esta região é muito bonita. Você vai gostar da cidade.
O clima do Mediterrâneo é mais quente, alegre, há mais sol, isso predispõe as pessoas ao bom humor.
Além disso, é uma cidade portuária, tem aquele charme de amores decadentes, de idas e vindas, de boémia.
Eu acho Marselha muito romântica.
Não é à toa sua tradição na música.
E... prepare-se para escalar a cidade.
— É? Muitos morros?
— Morros?! Bem, não vou estragar a surpresa.
Você verá. Tem vistas belíssimas! — comentou Max, sorrindo.
Denise sorriu, olhando o namorado, depois apoiou a cabeça no ombro dele e ficou observando a paisagem.
Sem perceber que se isolava, entregou-se, como que hipnotizada, à contemplação.
A mente vazia, porém tomada por uma emoção indescritível e confusa.
Os dias transcorriam tranquilos, repletos de passeios para conhecer a cidade e os arredores.
As praias mediterrâneas causaram espanto em Denise.
— O que aconteceu com a areia? — indagou Denise, ao chegar à praia, depois de uma boa descida, mas sem deixar de fotografar as formações rochosas conhecidas como calanques.
— Bonita, não é?
É grossa e dourada, e algumas praias dessa região, em vez de areia, têm pequenas pedras na orla.
Poderemos conhecer, se quiser.
— E essas praias ficam muito longe?
— Não.
— Não quero ficar cansada para assistir aos espectáculos.
Essa ópera moderna está mexendo com meus nervos.
Parece que sou eu que estarei cantando a história das heroínas do Egipto actual — comentou Denise.
— Acho maravilhoso você se interessar por ópera pop, isso nos torna ainda mais próximos — confessou Max, abraçando-a pela cintura, enquanto contemplavam o mar quebrando contra os calanques.
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