LUZ ESPÍRITA
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Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

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Sinfonia da Alma -  Laya/Ana Cristina Vargas - Página 5 Empty Re: Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2018 8:39 pm

— Está bem, Denise?
Quer falar sobre o que aconteceu?
— Não quero chateá-la...
— Imagina, querida! Fale!
Pôr para fora o que a incomoda faz bem.
Como não posso soprar os sentimentos, colocá-los em palavras ajuda.
Organiza nosso íntimo, conseguimos enxergar com maior clareza alguns factos e dá um enorme alívio.
Notei que você é uma pessoa bastante fechada.
Procure abrir-se mais porque isso torna a vida mais fácil.
Quando nos abrimos, as trocas fluem e até o aprendizado é facilitado.
Somos receptivos.
— Tem razão, Berthe, sou fechada.
Esporadicamente falo sobre mim, e acho que faço pequenos comentários.
ou desconfiada.
— Uma lástima. Confiar é tão bom!
Eu não vejo por que não confiar nas pessoas.
Ah, não me olhe assim.
Não cheguei aos sessenta e três anos, com três casamentos, uma longa e satisfatória carreira profissional, muito envolvimento social, sem perder a ingenuidade.
É igual à virgindade, não faz falta.
Mas entre não ser ingénuo e ser desconfiado há uma enorme diferença.
O desconfiado tem um pré-julgamento, uma expectativa de que será enganado, está sempre alerta esperando o pior dos outros.
E acaba por recebê-lo.
Afinal, Jesus já disse:
"Pedi e obtereis".
Engraçado é que as pessoas não prestam atenção ao que pedem e reclamam do que recebem, e ainda julgam-se injustiçadas.
O desconfiado está pedindo a presença de enganadores, é o que lhe é dado.
A lei se cumpre.
O pensamento, a conduta, os sentimentos, tudo em nós gera atracção.
Então, se você inverter o pensamento, confiando, terá portas abertas ao bem, ao progresso e à calma.
É assim.
Não se espante: desconfiar gera ansiedade e confiança gera calma.
Berthe tomou um gole de café, pousou com delicadeza a xícara no pires, fitou Denise e explicou:
— Quando falei em abrir-se, não estava propondo que saísse contando sua vida particular para qualquer um.
Falei de uma atitude interior de abertura, de dar e receber, de possibilitar trocas de experiências com os outros.
Indivíduos fechado:
têm dificuldade de aprendizagem, de elaborar o que recebem.
Em geral, na hora da avaliação, eles travam, têm um branco, sabotam a si mesmos.
Tive muitos alunos com esse perfil: desconfiados e fechados.
São condutas complementares, ambas dirigidas pelo medo.
— Você tem ideias estranhas.
Minha mãe diria que ansiedade se combate com ansiolítico duas vezes ao dia.
— Ah, sim! Brilhante! — ironizou Berthe.
Medicamentos são necessários, há situações críticas, eu sei.
Mas os problemas da alma humana não se resolvem com drogas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2018 8:40 pm

É preciso ampliar o pensamento, conhecer-se, entender como funcionamos, o que somos e o que estamos fazendo na Terra.
Resumindo, é preciso encontrar sentido para a vida e o viver.
Por favor, me informe quando isso estiver à venda nas prateleiras de farmácia, pois, por enquanto, indico as prateleiras de livrarias.
Não conheço comprimidos que resolvam os problemas da alma humana, sei dos que têm efeito calmante temporário, mas posso lhe indicar muitos textos filosóficos, metafísicos e espiritualistas que ajudam eficientemente.
Pensamentos doentios precisam ser curados com pensamentos sadios.
Viu o que fiz há pouco na loja?
Renovei meu guarda-roupa.
Livros renovam a mente.
Séneca dizia que uma casa sem livros é uma casa sem alma.
Isso é lindo, não acha?
Pensamento é vida.
E a forma como você pensa influencia o seu modo de sentir e agir.
E há uma retroalimentação nesse nosso funcionamento interior.
Mas basta! Fale-me o que houve entre você e aquele belo espécime masculino.
Como ele se chama?
— Max — Denise sorriu.
Berthe conseguia dizer duras verdades com um sorriso no rosto e manter sua ouvinte sentada, atenta e calma.
Ela actuava como uma boa magnetizadora:
impregnava sua paciente de energias renovadoras, sabia que poderiam trazer-lhe desconforto antes da cura, e que elas demorariam algum tempo até penetrarem as camadas da matéria e chegarem à essência imaterial.
As ideias que lançava actuariam do mesmo modo:
rodariam na mente de Denise e, depois de alguns dias, ela pensaria que havia formulado novos propósitos, e talvez creditasse alguma influência à sua conversa.
Mas isso pouco lhe importava, desde que o bem fosse feito, não se importava de quem fosse a autoria.
— Max — repetiu Berthe.
Combina com ele.
E o que aconteceu?
Como se conheceram?
Conte-me desde o início.
Eu não tenho pressa.
Denise pôs-se a relembrar e contou toda a história.
Berthe conhecia alguns factos por meio de Charlotte.
Entretanto, a vida lhe ensinara o valor dos factos.
Eles não significavam nada, importava o sentimento, o pensamento, o propósito com o qual tinham sido produzidos.
Aí estava a chave.
Muitas pessoas reclamam de factos, desejam que sejam punidos ou louvados, mas isso não importa.
O que realmente importa é conhecer a causa que os produziu e sobre ela actuar, corrigindo ou reforçando seu aspecto construtivo.
Por exemplo, um assassinato é uma acção, um facto; sentimentos, crenças e ideias são as origens dessa acção, desse facto.
Enquanto não modificarmos a origem, a causa profunda, os factos e acções continuam se repetindo.
Por outro lado, se as acções reflectem amor e consciência, nada há a corrigir, apenas a reforçar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2018 8:40 pm

Assim, se alguém mata por ira ou por ciúme, por exemplo, é preciso agir para mudar esse modo de lidar com esses sentimentos e não com o facto ocorrido.
Logicamente, havendo ira e ciúme haverá repetição de crimes.
Por isso, a justiça divina não pune, mas corrige e educa, apontando o caminho da renovação interior.
Reencarnamos infinitas vezes para aprender, para progredir, corrigindo-nos e aperfeiçoando-nos.
Tudo por aqui é escola. Ninguém veio a este mundo a passeio.
Todas as posições se constituem em oportunidades de testar nosso espírito.
Quando somos dóceis e inteligentes o bastante para desenvolver humildade, entendemos a vida de uma maneira mais profunda e espiritual, e então descobrimos que temos a opção de sofrer ou trabalhar pelo progresso.
O bom aprendiz é dócil e trabalha.
O revoltado sofre até aprender a mansuetude.
Berthe era uma alma mansa, daquelas que herdarão a Terra.
Ouviu com paciência e interesse.
Analisando, vislumbrando o quanto a jovem à sua frente sofria.
"Ela cozinha, em banho-maria e fogo brando, num inferno íntimo doloroso.
Aliás, deveria dizer: cozinham" pensou.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2018 8:40 pm

Capítulo 25
Berthe ficou dez dias em Paris.
No entanto, após o primeiro dia, não teve outro exclusivamente com Denise e não voltaram a conversar sobre temas mais íntimos.
A amizade estabeleceu-se, a rotina dos dias cobrou seu preço e o tempo foi passando.
Após ter visto Max com outra, Denise percebeu uma dor incómoda, um vazio, um anseio.
Pensando em português, admitiu que sentia saudade dele, sua companhia lhe fazia falta, uma parte de si estava carente.
Quando menos esperava, pegava-se pensando nele, imaginando contar-lhe algo.
Reavaliando os fatos à luz da conversa com Berthe, admitiu que tinha problemas e precisava equacioná-los.
Não fora justa ao atribuir a responsabilidade pelo fim do relacionamento exclusivamente à insensibilidade de Max.
Ela estava exigindo demais:
queria que ele tolerasse e mantivesse o comportamento doentio dela, sem tocar em nada.
Desejava colocá-lo na mesma prisão ou, ao menos, encerrar-se nela quando quisesse.
Reconheceu que, de forma masoquista, sentia-se bem e gostava daquela melancolia de um modo que não sabia explicar.
Em uma palavra:
cultivava aquele modo de ser.
Ele não era um brinquedo.
Sem pensar, ela reproduzia a conduta que os pais haviam tido com ela e seu amor à música no relacionamento com Max:
quando lhe aprazia, deliciava-se no amor dele e participava da sua vida.
Berthe lhe mostrara o quanto estava sendo egoísta e mimada.
Relembrando tópicos daqueles diálogos, Denise se encolhia ao compreender a extensão do que lhe fora revelado e admirava a tia de Charlotte.
"Ela deve ter anestésico na saliva", pensou, e não pôde deixar de sorrir, reconhecendo que não fora ferida, mas ajudada.
— Denise, minha amiga, o seu problema é não reflectir — dissera-lhe Berthe.
Você confessou-me que não sabe o que sente por aquele belo homem.
Mas, ao vê-lo, experimentou emoções fortes e isso levou-a a pensar, não concorda?
Você me perguntou o que pode ter feito em vidas passadas para carregar as dores de agora, e eu respondo:
não sei, só você tem essa resposta.
Esses factos estão na sua memória e, se for necessário e permitido pelos espíritos superiores que você os recorde, isso irá acontecer.
Eles só trabalham para o nosso bem, mas nem sempre o que pedimos é o melhor.
No entanto, nunca duvide do que recebe deles:
sempre será o melhor.
Posso lhe sugerir que se pergunte o que fez agora e por que fez.
Parece-me que você não tem muito claro na sua mente as próprias motivações para agir.
Acredito que você é guiada, sabe, como aqueles brinquedos com controle remoto.
Não se ofenda, mas algo ou alguém, ou ambas as coisas, comandam a sua vida.
Você se recusa a raciocinar, reflectir e questionar-se sobre seus actos.
Simplesmente age.
Pode até parecer determinação e segurança, mas não é.
Literalmente, meu bem, parece, mas não é.
Apenas age instintivamente, obedece a comandos preestabelecidos na sua personalidade, que podem vir da sua educação ou de outras vidas, manifestando-se como tendências.
Você rompeu com esse rapaz e não sabe me dizer o motivo, não sabe por que estava com ele e nem o que sente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2018 8:40 pm

Isso é viver sem reflectir.
Denise respirou fundo:
aquilo era verdade e não tinha percebido.
Nunca tinham lhe perguntado por que fazia alguma coisa.
Sua grande luta havia sido ir à França com o objectivo de se dedicar à música, e a única pessoa a confrontá-la tinha sido a mãe.
Marlene não questionara os seus porquês, tentara impor os dela.
E a resposta de Denise sempre fora:
"Porque amo a música, amo cantar, quero empenhar minha vida a ela".
Mas por que amava música?
Não tinha pensado nisso, apenas sentido.
Berthe a fizera reflectir sobre o assunto.
Sentia paz, a música a aliviava de uma angústia incómoda e desconhecida.
Mas por quê?
Fez o que Berthe sugeriu e conversou mais com seus colegas da escola, viu o quanto era fechada e como eram poucos os seus relacionamentos.
Estabeleceu muitos contactos durante aqueles meses todos.
Mas quem eram seus amigos na escola, com quem compartilhava seu "amor à música"?
Descobriu pessoas interessantes e motivações semelhantes entre elas, porém nenhuma relatou que o grande móvel da sua arte era buscar paz para uma angústia desconhecida.
Naqueles dias, algumas vezes encolhia-se, relembrando tópicos, sentia-se pequena, e outras vezes via um mundo vasto e tentador a sua frente:
a oportunidade de libertar-se do seu inimigo interior.
Uma imagem vinha-lhe à mente:
uma porta aberta para um campo verde, ensolarado e convidativo.
Viu-se em sonho nesse lugar.
Tinha paredes altas, cinzentas, era frio, e uma porta pesada de madeira abria-se para o campo iluminado.
Dependia dela atravessar o limiar, o movimento para a liberdade é pessoal ou não carregaria consigo a responsabilidade.
Alguns dizem que ela pesa, mas questiono:
e a infelicidade do medo, da preguiça e da irreflexão não são maiores?
O mérito não pesa.
Ele torna o espírito mais forte.
É a consequência do exercício da liberdade, assim como os músculos e a força bruta são resultado do exercício físico.
Entre incertezas, Denise decidiu procurar Max.
Isso abriu uma reacção inesperada e um novo capítulo no entendimento sobre si mesma.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2018 8:40 pm

Capítulo 26
Denise subiu as escadas penosamente, estava exausta.
A temporada tinha apenas uma semana e ela estava com a língua para fora.
Abriu a porta, sorriu ao ver Berthe e Charlotte tomando chá e conversando.
Cumprimentou-as e jogou-se na poltrona, deixando a bolsa no chão ao seu lado.
— Alguém aqui precisa de um chá — comentou Berthe, tocando a cabeça de Denise.
Vou apanhar.
— O aroma está delicioso.
É de maçã com canela?
— De maçã com canela é a torta que a tia fez.
Hummm... Está divina! — informou Charlotte.
— Quero um pedaço bem grande!
Se tiver qualquer cobertura ou acompanhamento com bastante açúcar, eu também quero — falou Denise, olhando para Berthe.
A senhora sorriu e balançou a cabeça, colocando ao lado da torta uma generosa porção de creme de nata.
Serviu a xícara, dispôs na bandeja e voltou à sala.
— Pronto! — disse, colocando a bandeja na mesa lateral à poltrona.
Refaça as energias.
Teatro cheio de novo?
A crítica continua favorável, muitos elogios à estreante.
Denise sorriu, pegou o prato, encantada com a caprichosa apresentação.
Quase dois anos na França e ainda se surpreendia com o cuidado com a comida.
Aprendeu que os olhos também se satisfaziam à mesa.
— Digna de uma conceituada boulangerie.
Berthe, sua torta é divina.
Posso comer toda? — elogiou Denise, descontraída.
— Pode — concordou Berthe.
Caminhe bastante depois para a culpa não estragar a sua felicidade.
Denise fez ar de pouco caso, tomou um gole do chá e declarou:
— Preciso urgentemente desse prazer, senão corro o risco de me sentir culpada. Tenho que adoçar a vida.
Charlotte consultou o relógio, fez alguns cálculos mentais e, avaliando as palavras da companheira, deduziu:
"Ele não foi. Que pena!
Agora reconheço a euforia ou a algazarra que encobre a dor.
Essa descontracção é uma máscara".
Berthe encarou a jovem com atenção, depois fitou a sobrinha.
Encontrou-a pensativa e, apenas observando-a, acompanhou e compartilhou seus pensamentos, tanto que fez um gesto de lástima, e Charlotte balançou a cabeça concordando.
Denise, saboreando a torta, nada percebeu.
Berthe e Charlotte silenciaram sobre a óbvia constatação do naufrágio da tentativa de contacto com Max.
Alegando cansaço, Denise recolheu-se pouco depois.
Não estava disposta a conversar.
Havia sido difícil tentar a aproximação e ainda mais difícil receber dele um singelo e formal cartão parabenizando-a pela conquista e agradecendo o convite.
Soube que Max assistiu à apresentação e isso deixou claro que não desejava vê-la.
Foi ao espectáculo como teria ido a qualquer outro, do contrário teria agradecido pessoalmente.
A intenção dela, de reaproximação, fora óbvia.
Berthe e Charlotte ficaram conversando e, bem mais tarde, quando elas arrumavam a improvisada cama de hóspede na sala, Denise surgiu de camisola, abriu a janela, debruçou-se e começou a falar em provençal.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2018 8:41 pm

— Oh, não! — gemeu Charlotte, reconhecendo o transe
Berthe observou Denise à pequena distância.
Conhecia aquele fenómeno e as muitas possibilidades que encerrava.
Era preciso analisar, afinal, em se tratando de espiritualidade, muita coisa ainda é ciência de observação.
Pegou a mão da sobrinha, que estava fria e suada, e sussurrou:
— Calma, querida.
Não há nada a temer, afinal de contas somos todos humanos e tudo nesta vida é fenómeno.
— Tia, ela fica horas desse jeito — alertou Charlotte.
Há momentos em que me sinto muito mal perto dela quando está em transe.
Minha garganta aperta, sinto arder desde a boca até o estômago, e sinto muito, muito frio.
Tem também aquela voz masculina que eu e Maurice já ouvimos.
Sem falar do medo de que lhe aconteça algo.
Por que ela vai para a janela?
— Vamos observá-la.
Tentarei falar com ela e descobrir um pouco mais.
Fique tranquila. Confie.
O medo não ajuda.
Ele é necessário como contrapeso para regular nossas condutas.
Mas quando se trata de agir, o medo é um companheiro dispensável.
E como disse antes, somos todos humanos.
Mesmo o dono dessa voz masculina é um espírito humano desencarnado, porque nós somos espíritos humanos encarnados.
É só isso. Fique em prece e confie.
Quanto às suas sensações de ardência e frio, é provável que você capte as energias dele e, como você sabe, elas vêm saturadas do que ele sente ou pensa.
— Mas sinto isso em relação a Denise — retrucou Charlotte.
— Vale a mesma explicação, querida.
Nós trocamos energia uns com os outros, na verdade com tudo a nossa volta, consciente e inconscientemente.
Nossas energias podem ser carregadas, densas, sofríveis ou, ao contrário, benéficas, leves, agradáveis, conforme o teor da nossa vida interior.
O que pensamos e o que sentimos é o que dá qualidade às nossas energias.
Podem ser da Denise, não há problema.
Não são somente os espíritos desencarnados que transferem energia.
Lembra-se da nossa vizinha em Nancy?
Aquela que bastava olhar para uma lloi bonita que ela amanhecia murcha?
Isso é conhecido como fenómeno de emissão inconsciente de energia.
Era uma óptima pessoa, tão amável!
Só desejava o bem e admirava sinceramente as coisas bonitas, mas ao fazer isso lançava sobre as coisas ou pessoas uma dose excessiva da sua energia e as plantas não aguentavam.
Mas muitas pessoas adoravam estar com ela, saíam saltitantes.
Este é um exemplo, mas existem milhares.
É só observar.
Enquanto falava, Berthe não perdia os movimentos da sonâmbula.
Charlotte calou-se e, mais calma, procurava se concentrar e orar.
— Muito bom! Mantenha-se assim.
Falarei com Denise.
Charlotte pousou os cotovelos sobre o tampo da mesa e a cabeça entre as mãos, entregou-se à meditação e à prece.
Berthe mentalmente fez ligeira oração pedindo assistência de sua mentora espiritual e logo notou a presença bondosa e amiga de Aryana ao seu lado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2018 8:41 pm

— Vá! — disse-lhe a mentora.
Enquanto Denise cantarolava baixinho as antigas músicas folclóricas da Provença, Berthe aproximou-se da janela, identificou as canções sem dificuldade e, como dominava o dialecto, falou:
— Você canta muito bem, menina.
Como se chama?
Denise calou-se, assustada e curiosa ao mesmo tempo.
— Não tema, sou amiga, sou de paz.
Apenas a ouvi cantando e gostei.
Conheço essas músicas.
— E quem é você?
— Eu sou Berthe, nasci na Provença.
Morei muitos anos lá.
E você? Pode me dizer o seu nome?
— Onde você morava?
— Nasci em Aix-de-Provence.
Morei lá e em Marselha. E você?
— Eu cresci em Gordes. Conhece?
— Sim, já visitei Gordes.
É linda. Comprava mel e ervas medicinais lá.
- Deve comprar os óleos de lavanda.
São excelentes.
Curam muitas doenças.
— Já ouvi falar.
Talvez em outra visita eu compre os óleos.
E o seu nome? Pode me dizer qual é?
O que fazia em Gordes?
— Meu nome é Georgette.
Eu vivia nas proximidades da abadia.
Berthe buscou na memória as lembranças do lugarejo.
"Abadia... Abadia...
Como era o nome?"
Não conseguiu recordar e prosseguiu a conversa sondando a sonâmbula.
— Era camponesa?
— Era órfã, fui educada no convento.
— Ah, você é uma religiosa?
— Não — respondeu irritada.
— Desculpe-me, não quis irritá-la.
Georgette, você gosta de cantar na janela.
Eu a vi cantar outras vezes.
— É o sinal. Minha voz o chama.
Quando canto, ele sabe que o espero.
A voz da sonâmbula revelava uma emoção profunda.
Sua expressão era sonhadora, apaixonada.
Berthe notava cada detalhe e pelas respostas deduzia que a personalidade com a qual se comunicava era jovem, provavelmente uma adolescente.
— Um namorado?
Georgette, você chama um namorado?
Ela sorriu encabulada e não respondeu.
Repentinamente mudou a expressão e falou severamente:
— Saia! Não faça perguntas.
Vá embora! Ele não a quer comigo. Vá!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2018 8:41 pm

Berthe afastou-se, voltou à mesa onde Charlotte orava.
Sentou-se e observou a sonâmbula ir para o quarto.
Ouviram os sons dela acomodando-se na cama e o clique de apagar a luz do abajur.
— Vamos aproveitar a presença de Aryana e pedir que nos oriente sobre o fenómeno que presenciamos — falou Berthe.
Por favor, Charlotte, traga-me papel e caneta.
A jovem apressou-se em atender a solicitação da tia.
Estava acostumada às reuniões mediúnicas em casa, crescera sob as orientações do espírito Aryana e agradecia muito às suas instruções, pois com elas construíra seu equilíbrio e força interiores.
A mentora espiritual da tia era uma amiga querida.
Colocou as folhas e a caneta na mesa em frente a Berthe e retornou ao seu lugar, retomando o recolhimento interior e a prece.
Abriu os olhos quando ouviu o ruído da escrita.
Manteve-se serena, ordenando as páginas ditadas por Aryana.
Sentia-se bem, envolvida na vibração do espírito.
Ela irradiava serenidade, força, um alegre bem-estar repleto de paz.
A companhia dela era revigorante como passear em um bosque na primavera.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2018 8:41 pm

Capítulo 27
Como das outras vezes, Denise, na manhã seguinte, não se lembrava de nada que ocorrera quando estava em estado de sonambulismo.
Para ela, a noite fora tranquila e estava surpresa por haver adormecido tão rapidamente.
Recolhera-se mais por desejar ficar sozinha e pensar na atitude de Max, tentar entender e decidir o que fazer do que por cansaço, até, se preparar para uma noite insone.
Eis que adormecera, e felizmente sentia-se fisicamente renovada.
— Bom dia! — saudou Denise ao encontrar as companheiras organizando a refeição matinal.
— Bom dia! Dormiu bem, querida? — indagou Berthe.
— Demais. Acho que sequer me virei na cama.
Como diria meu pai, caí na cama e morri — respondeu Denise, bem-disposta.
— Até me surpreendi, porque achei que teria dificuldade para dormir.
— A vida é uma eterna surpresa nas grandes e nas pequenas coisas — disse Berthe, em uma resposta propositalmente ambígua que atendia tanto à fala de Denise quanto à preocupação no olhar de Charlotte.
Isso é simplesmente divino!
Imaginem que chatice seria se as coisas se comportassem sempre conforme nossos desejos.
Seria insuportável.
Não consigo imaginar a vida sem desafios.
Acordou inspirada, Berthe — comentou Denise, sorrindo.
Sua noite deve ter sido ainda melhor que a minha.
— Quem sabe?!
Quando dormimos, nossos espíritos ou almas recobram uma liberdade maior na vida espiritual.
Enquanto nossos corpos dormem, podemos fazer muitas coisas.
Digamos que temos uma vida paralela que se dá na dimensão extrafísica ou espiritual ou na quarta dimensão, chame como quiser.
O nome não muda os fatos.
Como integro um grupo de trabalho espírita, é natural pensar que durante esse descanso físico o tempo seja aproveitado na outra dimensão em actividades, em aprendizado, no encontro e convivência com os amores de lá.
E como estive em boa companhia, retorno carregada de boas vibrações e ideias, pronta para um novo dia — falou Berthe.
Charlotte acompanhava cada gesto e palavra da tia com atenção, queria aprender aquele modo subtil e directo com que ela abordava e encarava as questões.
Berthe não deixava para amanhã, nem esperava a "melhor oportunidade".
Simplesmente fazia com que acontecesse de modo tão suave e natural que ninguém diria que agia de caso pensado.
Denise ajudou na tarefa, retirando os alimentos da geladeira e dispondo-os na mesa.
Tudo simples: queijo, manteiga, geleia e iogurte.
Colocou as xícaras, pratos e talheres sobre a mesa.
Berthe fazia as torradas e Charlotte servia o café.
Sentadas e saboreando a refeição, Denise sentiu-se confiante e até "impulsionada" a comentar e tirar dúvidas com Berthe sobre aqueles assuntos "do além", como Camila chamava.
— E você se lembra do que viveu nessa outra dimensão, Berthe? — perguntou Denise.
— Nem sempre.
Essas lembranças, com frequência, misturam-se a imagens do cotidiano ou são representadas por uma espécie de código.
Mas se for importante, me lembrarei ao acordar ou no momento em que essa informação for necessária.
É uma das explicações das nossas premonições:
encontros com nossos mentores, os espíritos superiores que nos ajudam — explicou Berthe, notando que aquela linguagem não era familiar para Denise.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 08, 2018 8:33 pm

Eles nos preparam para o teste que virá.
Então, pouco antes ou no exacto instante dos acontecimentos temos essa sensação de "eu sabia, eu estava prevendo".
— Interessante.
Mas não entendi o que seria esse código de que você falou — comentou Denise.
— Esse código é uma imagem que para você corresponde a um significado.
É pessoal. É uma linguagem mental, se assim posso chamá-lo.
— No Brasil são comuns revistas e livros com listas de objectos e seus significados nos sonhos.
Seria a mesma coisa?
— Não, Denise.
É diferente — interveio Charlotte.
O código que tia Berthe fala é pessoal, ou seja, só é válido para você.
Por exemplo: você sonhou com uma floresta.
Essa simbologia da floresta tem a ver com você, com o que está vivendo ou viverá, com as suas emoções.
Somente nesse contexto ela tem significado e você é que precisa se questionar para encontrar a mensagem, o sentido.
— Sei — comentou Denise.
Poderia significar perigo, aventura, beleza, abundância, que são ideias associadas à floresta.
Para escolher a opção adequada, seria preciso uma análise da minha vida naquele momento.
— É, digamos que essa seja a ideia essencial — falou Berthe.
— Esse tema do sono e dos sonhos é fascinante.
Aparentemente experimentamos uma espécie de morte, pois durante o sono nosso corpo é insensível.
As percepções e sensibilidades se afastam, assemelhamo-nos a cadáveres.
Para onde vão percepção e sensibilidade?
Como vão? Nunca se perguntou isso, Denise?
— Berthe, já me perguntei e questionei tantas pessoas sobre coisas que ocorrem enquanto dormimos, mas essas me escaparam, nunca pensei nelas.
Aliás, para dizer a verdade, sequer tinha isso claro na consciência.
Óbvio que muitas vezes já tomei remédio para dormir a fim de não sentir uma dor, mas não tinha associado a falta de dor à insensibilidade causada pelo sono.
Achava que era efeito provocado pelo remédio. Importava não sentir como isso acontecia...
Berthe tomou um gole de café, segurou a xícara entre as mãos, à altura do nariz, fitou Denise e respondeu:
— Elas pertencem ao ser espiritual que somos, e seguem existindo lucidamente em outra dimensão.
— O quê? — Denise teve dificuldade em esconder a incredulidade e que considerava uma resposta de louco.
Berthe, me desculpe, mas não consigo entender.
Berthe sustentou o olhar de Denise, impassível ante a esperada reacção da moça.
Com muita calma e propositalmente para despertar questionamento, respondeu:
— É simples: somos seres espirituais e temos um corpo enquanto vivemos na Terra.
Quando dormimos, somente cessa a actividade do corpo. Durante esse descanso necessário ao corpo, o espírito prossegue em actividade ou vivendo.
Mas o corpo, via de regra, está inactivo com as percepções, sensibilidade, sentidos, pensamentos etc.
— Não é bem assim, eu sou sonâmbula:
caminho, falo, escrevo, enfim já disseram que fiz coisas que até Deus duvida.
Mas estou dormindo e não lembro de nada, nem sinto.
O que me diz sobre isso?
É o oposto da sua explicação — desafiou Denise.
— Ao contrário, é a confirmação plena do que falei.
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Sinfonia da Alma -  Laya/Ana Cristina Vargas - Página 5 Empty Re: Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 08, 2018 8:34 pm

Eu disse que a inactividade era a regra, o sonambulismo é a excepção que a confirma.
É um estado especial, a porta aberta para o estudo da alma humana.
Como você mesma disse:
está dormindo, não recorda o que fez e age fazendo coisas que "até Deus duvida".
Meu bem, Deus não duvida de nada que Ele criou e, acredite, Ele sabe tudo o que nós, suas criaturas, fazemos, quer estejamos dormindo ou acordadas ou, ainda, em sonambulismo.
Esse fenómeno é simples e natural, trata-se de um estado de emancipação da alma.
Ela distancia-se do corpo, facto oportunizado pelo sono físico, mas continua senhora dele e pode usá-lo e expressar-se através dele.
É por isso que um sonâmbulo pode descrever factos ocorridos a distância, enxergar através de objectos, melhor dizendo, de barreiras materiais.
Por exemplo: um sonâmbulo pode enxergar através da madeira, das paredes e mesmo do corpo.
Pode enxergar o meu fígado ou o dele próprio.
Tudo isso porque age usando as percepções da alma ou do espírito, então ele vê com os olhos da alma, não do corpo físico, que podem estar fechados.
— Quer dizer que não sou eu, mas a minha alma que faz o que bem quer quando durmo? — indagou Denise, confusa.
— Você é a sua alma.
É a alma que tem a capacidade de pensar, de sentir, é a senhora das percepções, da sensibilidade, da memória.
O corpo é somente uma espécie de roupa que vestimos para viver na Terra — esclareceu Berthe, enquanto passava manteiga no pão.
Você não é a sua roupa.
Você usa e possui roupas, não é assim?
— É — respondeu Denise, pensativa.
Mas o corpo é tão fantástico, fico fascinada quando vejo explicações de anatomia e fisiologia.
É tão perfeito!
E o que você disse reduz isso a quase nada.
Sei lá, soa estranho para mim.
Parece que rebaixa e desvaloriza a vida, assemelha-se a um certo desprezo.
Berthe riu, levantou-se e serviu-se da segunda xícara de café.
— De manhã preciso de uma dose grande de cafeína para fazer o meu cérebro funcionar — justificou rindo.
Como há detractores e defensores da cafeína, e o mundo científico ainda não bateu o martelo, sigo em paz tomando o meu café.
E sobre o que você disse, Denise, é exactamente o oposto que produz o conhecimento da espiritualidade.
Eleva a vida, valoriza-a e desperta respeito e amor a ela.
— Mas você disse que é simplesmente uma roupa.
Puxa, minha mãe levou nove meses gerando o meu corpo, depois foram mais vinte anos de crescimento, ele é simplesmente perfeito e fantástico, faz coisas vitais nas quais não penso e ainda é programado para o equilíbrio.
Como isso pode ser apenas uma roupa?
E a memória, a inteligência, os grandes génios da humanidade?
Tudo isso é só uma roupa?
— Claro que não.
São espíritos, seres inteligentes e imortais moldando a matéria para usá-la durante determinado tempo necessário à sua evolução.
Diga-me: o que acontece com essas maravilhas todas na morte?
O que ocorre com os génios da humanidade quando morrem?
Não precisa me explicar que morreram porque houve falência dos órgãos vitais naturais ou causadas por algum episódio voluntário ou involuntário que gerou a falência, como um infarto fulminante, um suicídio, uma morte violenta num acidente etc.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 08, 2018 8:34 pm

Isso é o óbvio.
É a roupa que se rasgou.
Mas pelo que me disse, você acredita que essa maravilha que levou tantos anos para ser gerada, e que é você, em segundos acaba e nada mais existe.
Você é materialista? É ateia?
— Não! — protestou Denise, veementemente.
Eu creio que exista um Deus.
— Hum, interessante!
Você crê que Deus existe.
Crê também que Ele criou a vida?
— Sim, Berthe. É claro!
Não sou muito ligada em religião, mas não sou ateia nem materialista.
— Mas pensa como tal.
Questione-se — sugeriu Berthe.
Pense. Leia. Reflicta.
Pelo que me disse, deduzo que você olha a vida apenas pelo viés material.
Ele é triste e limitado.
A vida, sob a óptica espiritual, é muito maior e mais perfeita, rica de oportunidade, abundante, feliz, em uma palavra, é plena.
A visão espiritualista da existência humana não nega a matéria ou suas belezas, mas as transcende, incluindo-as.
Você compreenderá que este mundo material é um reflexo do mundo espiritual.
O mundo espiritual é a matriz geradora.
Como seres espirituais, somos cidadãos do universo.
Há muitos mundos habitados além do nosso.
— Os espíritos são algum tipo de extraterrestres? — perguntou Denise.
Charlotte não conteve a risada e depois desculpou-se.
Então comentou:
— Denise, esse tema é longo, bonito e instigante.
Mas esqueça os filmes norte-americanos de invasão à Terra e guerras estelares.
Eles são uma projecção dos medos e uma exploração do medo e da violência latentes nas pessoas mais desavisadas.
Deus é o Criador, certo? — ante a concordância de Denise, e sob o olhar aprovador de Berthe, prosseguiu:
Pois bem, Ele criou o elemento material e o elemento espiritual.
Em tudo que nós enxergamos na Terra, eles vivem unidos.
Existe um elemento espiritual e outro material na flor, no animal, nos seres humanos, mas esse elemento espiritual já progrediu e, por isso, dizemos que temos um espírito inteligente.
— Mais ou menos como a teoria da evolução das espécies explica o surgimento do homem? — perguntou Denise.
— Sim, a teoria de Darwin foi lançada dois anos depois da teoria espírita de Allan Kardec, que é de 1857.
Gostamos de reeditar a rivalidade entre França e Inglaterra, os fundamentos da teoria de Darwin já tinham sido ensinados pelos espíritos e publicada na França.
Na verdade, o génio inglês leu na natureza uma lei divina, a lei da evolução.
— Vocês estão me deixando zonza — queixou-se Denise.
E tudo isso começou com a história de ir dormir, ser sonâmbula etc.
— Para você ver que a porta que o fenómeno abre dá para o infinito.
É uma possibilidade de investigação e conhecimento imensa e fascinante.
Eu adoro! — declarou Berthe, terminando a segunda xícara de café.
Mas Charlotte tem razão, é muita pretensão minha querer fazê-la compreender em uma conversa um ponto de vista sobre o fenómeno que ocorre com você, mas repousa sobre bases profundas e cujo conhecimento demanda tempo e interesse.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 08, 2018 8:34 pm

Quando quiser, e se quiser, posso emprestar-lhe alguns livros.
— De que tipo?
Eu leio sobre música, fora isso, não sou apaixonada por livros.
Me dão sono, eu mal começo a ler e durmo.
Vocês mencionaram um nome do qual ouvi falar no Brasil: Kardec.
Isso tem a ver com espiritismo, não é?
Meu tio me emprestou alguns livros sobre esse assunto.
Ele lê de tudo; disse que achava que me fariam bem.
Eu tentei, juro que tentei, mas sempre dormia.
Camila leu e estava bem interessada.
Mas, até quando ela falava, me dava sono.
Acreditam que ela me convidou para irmos a um centro espírita e eu dormi assim que o homem começou a falar?
Morri de vergonha!
Nunca mais voltei.
Berthe ergueu as sobrancelhas e meneou a cabeça pensativa.
"Nada de novo sob o sol", pensou, confirmando a ideia de que a jovem brasileira necessitava de ajuda espiritual.
No entanto, Aryana fora enfática na orientação:
"Denise precisa ver e compreender por si que necessita de ajuda.
Era imprescindível ter consciência da existência de um problema e vê-lo como tal".
— Tia, você acha que Seráfita é demais para ela? — indagou Charlotte.
— Não, é uma óptima lembrança.
Você gosta de romances, Denise?
— É muito grande?
— Não, pouco mais de uma centena de páginas — esclareceu Berthe.
— É de algum espírito?
No Brasil tem muitos.
— Não, querida, é de Balzac.
Denise fez uma expressão de espanto, conhecia o nome do escritor, mas nunca o havia associado a questões de espiritualidade.
Aliás, precisava confessar que nunca lera qualquer um dos clássicos da literatura francesa.
— Conheço de nome, não sabia que ele escrevia sobre esse assunto.
Sei que ele é tido como um clássico da literatura francesa.
— Sim, ele, Victor Hugo e outros escritores da época clássica da literatura francesa eram espiritualistas.
Foi um período de investigação e questionamentos, e era natural que esses pensadores tivessem se interessado pelo espiritismo.
Mas, para ser justa, esse tema acaba permeando a obra dos pensadores desde a antiguidade até os tempos contemporâneos.
Seráfita será uma boa leitura para começar.
Você tem o livro aqui, Charlotte?
— Não, mas é fácil conseguir um exemplar — respondeu Charlotte, levantando-se.
Preciso ir. Continuamos a conversa outra hora.
— Também preciso ir — anunciou Denise, aproveitando a oportunidade para fugir da continuidade do assunto.
Vou ler o livro.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 08, 2018 8:34 pm

Capítulo 28
Enquanto desciam as escadas, Charlotte cuidadosamente indagou:
— Denise, você ficou muito chateada com o que Max fez ontem?
— Decepcionada, frustrada, sim.
Depois da apresentação, meu coração batia mais do que um tambor, e a minha expectativa era grande.
Eu tinha certeza absoluta de que ele viria.
Foi um golpe receber o cartão — confessou Denise.
Mas sobreviverei.
— Também fiquei surpresa.
Você sabe que Max é meu amigo e Maurice e eu temos saído com ele.
Aliás, ele está frequentando connosco as palestras e debates do círculo espírita que a tia Berthe promove.
Por isso, sei que não há envolvimento sério dele com outra mulher.
Acredito que Max ainda está apaixonado por você.
Os olhos de Denise brilharam, ela sorriu e disse esperançosa:
— Deus te ouça, amiga.
Eu temo ter descoberto tarde o que sinto por ele e o quanto isso é importante.
Ontem, quando recebi o cartão, fiquei com raiva, magoada, mas a maluquinha da Jeanne me fez lembrar que eu estava recebendo o que já havia dado.
Max devolveu-me a frieza e o distanciamento com que o tratei quando me procurou após o nosso rompimento.
Eu o feri, ele me feriu.
Talvez em outro encontro as coisas sejam diferentes.
— Há uma lógica perversa e mesquinha no que você falou, mas sei o quanto é humana e comum.
Entretanto, Max está acima da média nesse quesito.
Ele é muito sensível e inteligente, preocupado com causas sociais, interessa-se verdadeiramente pelas pessoas, é honesto.
Não posso crer que seja mesquinho em assuntos afectivos.
Parece-me incoerente — argumentou Charlotte.
Se eu encontrá-lo, posso falar a respeito?
— Claro, não fiz segredo.
Denise encarou a rua e notou que as pessoas passavam trajando casacos pesados, botas e mantas.
Instintivamente tocou o blazer de lã xadrez, e parecia insuficiente para o clima.
Não poderia trocar de roupa porque estava atrasada.
— Brrrrrrrr, está gelado.
Eu devia ter prestado atenção à informação da meteorologia antes de me vestir — então observou Charlotte, reparando que a amiga vestia um sobretudo de lã preto, boina e cachecol combinando.
Acho que vivo no mundo da lua. Já é inverno.
— Oficialmente, não.
Mas desde quando a vida obedece aos desejos humanos?
— Amanhecemos filosóficas demais — disse Denise, avançando para a calçada.
Bem, lá vou eu.
Encontramo-nos à noite.
Charlotte aquiesceu e, por alguns instantes, observou Denise afastar-se, recordando os misteriosos fenómenos que a cercavam.
Lembrou-se de Shakespeare:
"Há muito mais coisa entre o céu e a Terra do que pode supor nossa vã filosofia".
Considerou a frase perfeita para ela.
Acordada e consciente, em pleno século XXI, Denise chama por Max e deseja um amor novo.
Dormindo, liberta da matéria, ela é Georgette chamando por Anton, um amor do século XIX.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 08, 2018 8:34 pm

Realmente, Aryana era sábia.
Se Denise não entendesse o mínimo de espiritualidade e vida espiritual, jamais aceitaria ouvir o que tinham a lhe contar.
Pareceria mesmo uma história fantástica e até insana.
Mas quando ela entendesse que reencarnamos muitas vezes e temos milhares de experiências arquivadas na memória espiritual e que carregamos conflitos, vícios, virtudes, paixões, de ontem e de hoje, talvez pudessem explicar-lhe e, quem sabe, ela entenderia que precisava de ajuda e se ajudar também.
No final da manhã, Denise estava agradecida ao maestro por haver dispensado o grupo mais cedo.
Fora difícil concentrar-se nos exercícios, agira mecanicamente e tropeçara em alguns versos.
A arte exige entrega e, naquele momento, ela não estava inteira, e tomava consciência tardiamente de que tinha no peito um coração partido.
Desejava mais do que o amor à música para sua vida.
Vivo per lei é uma música belíssima, mas um amor exclusivo e assim exigente não pode satisfazer a alma.
Os anseios da alma por afecto, troca, intimidade, por compartilhar alegrias, por contar com amparo, só podem ser supridas por quem tenha capacidade de amar.
Denise ainda não compreendia que um artista só recebe essa gratificação da sua arte quando se abre para as pessoas, quando esse amor emana em sua obra e alcança o público, daí estabelece um processo de retroalimentação.
Mas, ainda assim, não suprirá as suas necessidades de ter amor, seja de amigos, de familiares, de amantes, de um animal de estimação.
Ela não tinha nada disso.
Isolara-se de tudo e de todos.
Era uma solitária na multidão de Paris, como fora uma solitária em sua cidade natal no Brasil.
Não percebera, mas construíra uma fortaleza-prisão interior, instalara-se nela para cantar e agora, no alto da torre, se dava conta de que não lembrava o caminho da saída.
Não era Rapunzel.
Não poderia jogar as trancas a Max e trazê-lo para junto de si.
Ele não queria a prisão, isso ficara claro.
Por que será que o feminino tem sempre essa tendência a isolar-se em suas crenças?
Por que, quando se dão conta do vazio e da distância, querem que as salve de si mesmas?
Essas são questões para reflectir e mudar.
Sentada na escadaria da ópera, cercada de pessoas, Denise tomava consciência da própria solidão.
Era uma Rapunzel, sem trancas, presa em sua torre.
Como sair?
Evocava em pensamento sua trajectória:
a relação com a mãe continuava fria, no fundo com um gosto de rancor; mantinha contacto com Vanessa e Miguel, e reconhecia que só falava de si, não sabia como eles estavam, o que era um absurdo, mas era facto; conversava com Camila e com o pai, e também deu-se conta de que só falava de si mesma.
Sabia que a irmã decidira montar o próprio negócio com uma amiga e estava indo bem.
Mas, Deus do céu, desde quando saber do trabalho das pessoas é manter um relacionamento afectivo?
Pode, sim, haver amizades belas e profundas nascidas em relacionamentos de trabalho, mas isso porque as pessoas abriram-se, alargaram fronteiras, conquistaram a confiança umas das outras para além do compromisso profissional.
"Virei uma chata", constatou Denise, apoiando a cabeça entre as mãos.
"Meu mundo resumiu-se à música e é pequeno, quero e preciso de outras experiências.
Um mundo pequeno acaba, se implode.
Não posso fazer isso comigo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 08, 2018 8:35 pm

Sei que tenho um potencial maior como pessoa e, até para ser uma boa artista, preciso estar bem como gente.
Não quero acabar usando entorpecentes como tantos para acalmar anseios de experiências não vividas ou dores de experiências mal vividas."
— Denise — chamou Maurice, tocando-lhe o ombro.
Você está bem?
Concentrada em seus pensamentos e com a cabeça afundada entre as mãos, ela não vira nem ouvira a aproximação do amigo.
Piscou. Deu-lhe um sorriso amarelo, daqueles que não levam brilho ao olhar, e respondeu em tom apático:
— Tudo bem, Maurice.
Estava pensando, só isso.
Ele olhou à volta, as escadarias estavam vazias e o segurança postava-se ao lado do portão, junto às grades, com os olhos fixos no relógio.
Estava óbvio que era hora de fechar o prédio.
— Quer almoçar comigo?
Duas cabeças pensam melhor que uma, sabia?
Denise teve vontade de recusar, de dar uma desculpa, mas reagiu, afinal não era sobre seu isolamento que estivera reflectindo?
Então, por que e para que recusar o convite de um amigo?
Após um instante de guerra mental, entre ficar e ir, ela levantou-se e disse:
— Vamos. Que tal o restaurante indiano de que a Charlotte gosta?
— Boa ideia! — respondeu Maurice.
Comeremos por ela.
— Isso. Afinal, ela está atarefada organizando a viagem para Milão.
Como o tempo passa rápido! Logo estaremos velhinhos.
— Exagerada! — ralhou Maurice, brincando.
O bom do tempo é que ele é infinito.
— Mas a nossa vida não — retrucou Denise.
— Creio na vida imortal.
Conceitos filosóficos à parte, é quase a mesma coisa — falou Maurice, despreocupado, mas atento ao movimento do trânsito para atravessarem a rua.
— Charlotte falou que vocês têm frequentado palestras espíritas.
— Eu já frequentava, e há anos leio e busco me informar.
Esse assunto me atrai, ajudou-me em muitos momentos e ainda ajuda.
Sabe, conquistei uma paz interior, uma compreensão diferente das coisas, que ao mesmo tempo conforta e dá enorme alegria de viver.
Acho que a palavra correta seria redimensionar.
Agora minha visão sobre a vida e sobre mim é mais clara, mais lúcida e mais ampla.
Consigo lidar bem com a ideia de que muitas coisas estão nas minhas mãos e dependem só da minha vontade para acontecerem, tanto boas como más, porém reconheço que existe uma força maior, que a vida tem leis próprias e, portanto, eu não posso tudo.
Digamos que esse estudo me fez compreender o que disse Epicuro em sua famosa prece:
ter a sabedoria de reconhecer o que posso e devo mudar e a aceitação daquilo que não tenho condições de mudar.
E, mais que a compreensão, aponta-me um caminho para isso:
o auto-conhecimento e a auto-educação.
— Eu tive uma colega espírita no Brasil, ela dizia coisas parecidas, mas eu pensava que isso era coisa de religião.
Não sei se por que ela falava a toda hora em prece, em pedir aos espíritos e coisas assim.
Mas vocês falam de outro jeito, parece mais aberto, mais conhecimento do que questão de fé — falou Denise.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 08, 2018 8:35 pm

Charlotte, Berthe e eu conversamos sobre isso de manhã.
Confesso que me deu um nó na cabeça.
Maurice sorriu, tomou-lhe gentilmente o braço, como quem guia uma criança, e declarou:
— Não tenha pressa, tudo vem a seu tempo.
Você entenderá, se quiser.
Não é um bicho de sete cabeças.
Mas não espere promessas mirabolantes de felicidade, fortuna e saúde, sem trabalho.
Aliás, prepare-se para trabalhar muito, primeiro por você mesma, depois passamos a entender que precisamos trabalhar pelo bem geral na área em que somos colocados pela vida.
Portanto, se você fosse professora, o conhecimento da espiritualidade a faria compreender que, militando na educação, você poderia fazer o melhor e o máximo ao seu alcance pelo crescimento intelectual e moral dos seus alunos; se você fosse médica, trabalharia em prol da valorização da vida e da saúde, do respeito pela criação de Deus etc.; se trabalhasse com a lei, lutaria pela paz e justiça social.
Mas nós trabalhamos com arte, nosso rumo é despertar bons sentimentos, enternecer, comunicar o bem, o belo, o sublime. Conduzir conhecimento e cultura envolvidos numa roupagem que fala ao coração.
A arte é louvor em forma de trabalho.
Mas diga-me: o que foi que conversaram?
Denise relatou-lhe a conversa, ou o que entendeu dela.
Ao término da refeição, Maurice incentivou-a:
— Leia Seráfita.
Se quiser, podemos ir até a Maison de Balzac, uma casa-museu na antiga residência do escritor.
Você poderá adquirir o livro e conhecer um lugar legal.
Ficará mais admirada do que ficou com o Museu da Música.
— Agora?
— Sim, eu tenho tempo.
E você? O maestro dispensou até as 16 horas.
Denise meneou a cabeça afirmativamente e completou:
— Vamos. Estou curiosa com esse livro.
Por que esse e não um livro espírita?
— Berthe é professora de literatura, não se esqueça disso.
Mas não são somente os livros espíritas que falam de espiritualidade e mesmo de temas debatidos no espiritismo.
Por ter relação com muitas áreas do conhecimento, você encontrará muitas obras e autores que defendem, explicam e estudam esses temas sem nenhum vínculo com a filosofia espírita, e o bom é que muitos chegam às mesmas conclusões.
Seráfita é uma das obras precursoras, foi publicada em 1834, se não me falha a memória.
Não sou bom com datas.
E fala sobre Deus, reencarnação, é um livro interessantíssimo.
Faz pensar. Mas não é o único.
Muitos autores europeus daquela época interessavam-se por esses temas:
Tolstoi, Victor Hugo, Conan Doyle e Alexandre Dumas.
Eles se envolviam muito com as pesquisas psíquicas da época, especialmente com sonâmbulos e videntes.
A obra deles retracta esse período no qual surgiu o espiritismo e não foi à toa, todo esse trabalho anterior lhe serviu de berço.
Mas o tema da vida após a morte, da comunicação dos espíritos, sua influência em nossas vidas já aparecia na obra de Shakespeare.
O que é Macbeth senão um caso de obsessão, com muitos episódios de mediunidade?
To be or not to be, that’s the question? (6)
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 08, 2018 8:35 pm

É muito famoso e é de mil quinhentos e alguma coisa.
— Como é que eles se envolviam com sonâmbulos?
Não entendo e esse assunto me interessa:
eu sou sonâmbula e, às vezes, esse fenómeno me incomoda.
— Por quê?
— Porque não tenho controle do que faço, e isso é simplesmente horrível.
É como se eu fosse outra pessoa e tivesse outra vida.
Será que eu sou duas?
Isso é impossível e, como já fui a vários psicólogos e psiquiatras e não fui diagnosticada com dupla personalidade, não sei o que é e isso me aflige.
Sinto que me faz mal.
Antes eu não pensava assim, mas de uns tempos para cá eu sinto que me faz mal.
Eu gostaria de entender.
— No museu tem um pequeno jardim, muito calmo.
Esse assunto é vasto, mas dentro dos meus conhecimentos, eu posso lhe explicar.
Será melhor falarmos disso lá.
Aqui na rua não é o lugar mais adequado para conversarmos porque precisamos prestar atenção no trânsito.
Denise encarou-o séria, tomou-lhe o braço e, determinada, caminhou ao seu lado.
Seus amigos sabiam coisas que não queriam ou não podiam revelar, percebia isso pelos adiamentos nas respostas, nas conversas sobre o assunto.
Mas Maurice prometia explicar sem pedir tanto quanto Berthe.
Então, prosseguiram conversando amigavelmente ora falando da ópera, ora dos preparativos de Charlotte para ir a Milão, ora das reformas no apartamento onde os dois pretendiam morar, mas ela continuava pensando no quanto precisava de respostas para a própria vida.
Há poucos passos, um par de olhos azuis irradiava revolta e seguia de perto os passos de Denise.

(6) "Ser ou não ser, eis a questão", Macbeth, de Shakespeare
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 08, 2018 8:35 pm

Capítulo 29
Após a visita ao museu e a aquisição do romance, Denise, com a obra entre as mãos, a olhava com receio.
Maurice a analisava.
Entendera a acção de Berthe, mesmo sem terem conversado a respeito.
Concordavam que Denise tinha faculdades anímicas bem caracterizadas, e que ela precisava conhecê-las, aprender a usá-las, dar-lhes utilidade, só assim controlaria o medo.
No entanto, isso somente seria possível depois que conscientizasse de que sofria também uma acção espiritual.
Era imprescindível trazer esse problema à luz, à consciência, para poder resolvê-lo.
Processos obsessivos, acções espirituais perniciosas são permitidas como provas, exactamente para desatar nós que possam existir em relações do passado que, em realidade, são do presente, pois varam encarnações.
É para solucioná-los que esses conflitos vêm à tona, não para causar sofrimento.
A espiritualidade superior não ama o sofrimento, apenas reconhece-lhe a utilidade.
Maurice conhecia teoricamente esse caminho, lera, mas não tinha presenciado o facto.
A situação de Denise interessava-o duplamente:
era a comprovação de tudo que estudava, e podia e queria ajudá-la por meio dos conhecimentos adquiridos.
Obviamente, a presença e a experiência de Berthe eram imprescindíveis.
Mas ele podia ajudá-la e isso lhe proporcionava bem-estar, alegria de ser útil, de fazer o bem e pedia-lhe apenas para compartilhar o que conquistara com o prazer da leitura.
— Vamos sentar um pouco — convidou Maurice, apontando para um banco num aprazível recanto no jardim.
Delicio-me só de imaginar que Balzac tenha sentado aqui e criado suas obras.
Denise avaliou o banco de concreto e comentou:
— Não quero ser estraga-prazeres, mas este banco não me parece original da época.
Maurice riu, sentou-se e, não se dando por vencido, falou:
— Mas a árvore é.
Veja o caule, é grosso, isso significa que é velha.
Deve ter testemunhado as fugas do escritor.
Ele vivia fugindo de seus credores.
Denise ouviu calada, seu pensamento estava muito confuso, estava dominada pela ansiedade.
Queria ler logo o livro, mas, ao mesmo tempo, tinha vontade de largá-lo, esquecendo-o propositalmente em qualquer canto daquele lugar.
"Outra pessoa, um dos admiradores do autor, quem sabe um frequentador das oficinas literárias o aprecie mais do que eu.
Será que vale a pena mexer com essas coisas de espírito?", pensava a jovem, crendo-se livre em suas ideias.
Porém, bem próximo deles, um vulto masculino, com o rosto oculto em um capuz marrom, acompanhava, incomodado, a conversa dela com Maurice.
Com intimidade de amigo, Maurice tomou o livro das mãos de Denise, virou-o, admirando o trabalho gráfico.
Depois abriu-o, folheou algumas páginas, localizou alguns trechos e, apontando-os com o dedo indicador, pediu a Denise:
— Leia, por favor.
Obediente, ela o atendeu.
Surpresa, gostou do texto:
— "Nada é estável aqui, ele retomou desdenhosamente.
As felicidades passageiras dos amores terrestres são clarões que revelam a certas almas a aurora de felicidades duráveis, da mesma forma que a descoberta de uma lei da natureza faz supor a alguns seres privilegiados o sistema inteiro.
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Sinfonia da Alma -  Laya/Ana Cristina Vargas - Página 5 Empty Re: Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 09, 2018 8:46 pm

Não seria nossa frágil felicidade deste mundo o testemunho de uma outra felicidade completa, assim como a terra, fragmento do mundo, atesta o mundo?
Não podemos medir a órbita imensa do pensamento divino da qual somos uma parcela tão pequena quanto Deus é grande, mas podemos pressentir a extensão, ajoelhar-nos, adorar, esperar.
Os homens sempre se enganam nas suas ciências, não vendo, no globo, que tudo é relativo e coordena-se a uma revolução geral, a uma produção constante que necessariamente traz um progresso e um fim.
O homem não é uma criação acabada; senão Deus não existiria. (7)
Denise concluiu o parágrafo e ficou pensativa.
A leitura tem o dom de organizar o pensamento e acalmar as emoções.
É uma actividade terapêutica, aliviando o stress ao fazer o pensamento viajar para longe do que o consome e trazendo novas ideias capazes de gerar atitudes.
Escolher boas leituras é uma prova de amor a si próprio.
Havia naquelas linhas coisas sobre as quais ela não gastara um segundo de sua existência para reflectir, mas, dispostas daquela forma, a desafiavam a pensar.
Pela beleza, seduziam.
Pela inteligência, exigiam parar e reflectir.
— Que bonito! — exclamou pensativa, baixinho.
Entendo perfeitamente o que seja:
"Nada é estável aqui".
Tem uma maneira de falar de amor bem diferente.
Em um parágrafo ele falou muitas coisas sobre as quais conversamos, em casa, de manhã.
Eu, Charlotte e Berthe, e até nós dois ainda há pouco.
— É, esse romance é parte do que o autor denominou "Estudos Filosóficos" em sua obra.
Pensar faz um bem enorme à vida da gente.
— Você ficou de me explicar o que tudo isso tinha a ver com sonâmbulos, lembra?
Estou esperando e as horas estão passando, daqui a pouco teremos que voltar à ópera.
— Ah, é claro! — falou Maurice, levando a mão à cabeça, como se houvesse esquecido a promessa.
Então explicou:
— Sonambulismo é uma faculdade da alma, Denise.
Para entender, você precisa ter uma visão a respeito da alma ou do espírito, que, grosso modo, são sinónimos.
— Sei. Então foi por isso que Berthe falou a esse respeito pela manhã — concluiu Denise, interessada.
Você disse uma faculdade, isso seria uma espécie de dom ou de sentido?
— Uma capacidade, eu diria.
Creio que lhe dá uma ideia inicial mais adequada.
— Capacidade de quê exactamente?
— Os sonâmbulos recobram as percepções da alma.
Trocando em miúdos, quer dizer:
visão e audição ampliadas, acesso a memórias e conhecimentos de outras vidas, possibilidade de ver através dos corpos, visão a distância.
É um estado de semi-libertação da matéria, o espírito goza de liberdade e recobra suas percepções e capacidades usuais.
— Devo concluir que acordada minha alma sofre limitações, certo?
Maurice balançou a cabeça concordando, esperando a continuidade das conclusões e perguntas da amiga.
— Isso seria por causa do corpo?
— Sim, Denise. Ligados ao corpo sofremos os limites impostos pela matéria, nossas percepções restringem-se a faixas abaixo ou acima das quais nada percebemos.
Em espírito, também temos limites, mas nos são dados pelo nosso nível evolutivo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 09, 2018 8:46 pm

Quanto mais evoluído o espírito, maior sua liberdade, maior seu poder.
— Não entendi muito bem, mas deixe assim.
Já compreendi que esse assunto é extenso e tenho muito a me informar, nem digo aprender...
Então, como sonâmbula, eu posso ter as capacidades que você falou.
— Teoricamente, pode.
Precisaríamos testar suas faculdades para responder-lhe com segurança.
— Testar?
— É, testar.
Os autores de que lhe falei não consultavam sonâmbulos naturais como é o seu caso.
Eles consultavam sonâmbulos magnéticos, ou seja, sujeitos colocados nesse estado por outra pessoa por meio de passes, técnicas de transmissão de energia, que produzem esse sono lúcido.
Então os interrogavam e consultavam.
É uma história muito interessante.
Eles actuavam também de forma terapêutica, funcionavam como aparelhos de ultra-som ou ressonância magnética.
Eles enxergavam os órgãos das pessoas e relatavam aos médicos magnetizadores.
Eles também sofreram muito, serviam como cobaias para estudarem esse estado.
— Minha experiência com passes é das festas de Iemanjá nas praias, e das poucas vezes que fui levada a um centro espírita.
Mas não aconteceu nada disso.
Maurice a olhava e percebia-se que ele não compreendera exactamente do que ela falava, então Denise explicou-lhe o pouco que sabia a respeito.
Sem outra opção, o jovem amigo contentou-se e tornou a falar:
— Mas não é qualquer pessoa que acessa esse estado, e é preciso que o magnetizador ou, como você chamou, o passista saiba as formas de produzir esse transe na pessoa.
Berthe sabe fazer isso.
No círculo espírita a que ela pertence, eles usam essa terapêutica. Leia o livro.
Pense a respeito — sugeriu Maurice.
— E se quiser saber mais ou até tentar uma experiência prática, podemos falar com Berthe e ir a Nancy.
Os olhos de Denise brilharam, mas foi uma luz fugaz como uma estrela cadente.
Logo foi nublada pelo medo e pela dúvida.
Um pensamento chegou-lhe rápido à mente, cortando toda conversa com Maurice:
"Isso é perigoso.
Não se envolva, não mexa com essa coisa de espíritos, deixe os mortos".
— Não sei, Maurice.
Não gosto de lidar com mortos, com morte, esse assunto me angustia — falou Denise, dando voz aos pensamentos.
— Mas quem falou em morte e em mortos, Denise?
Estamos falando de pessoas iguais a mim e a você, aliás, mais iguais a você.
Eu não sou sonâmbulo.
E falamos em vida, sempre em vida, querida.
O objectivo do espiritismo é estudar a vida:
na matéria e fora dela, neste mundo ou em outros, mas sempre a vida.
A morte é estudada apenas como fenómeno biológico, emocional e social.
Não é uma preocupação.
É um facto, uma lei natural:
todo organismo material vivo nasce, cresce e morre.
O espírito é um ser imortal, por isso a vida e o bem viver são objecto de estudo e reflexão.
É essa a nossa procura.
Você recebeu uma overdose de informações por hoje.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 09, 2018 8:46 pm

Luz demais ofusca, som muito alto ensurdece, ideias novas também precisam ser dosadas com parcimónia.
E acho que a sua dose já passou do limite — brincou Maurice, pondo-se de pé.
Denise balançou a cabeça, assentindo que realmente precisava pensar com calma.
Sentia medo, mas também sentia que podia ser aquele o caminho para encontrar as respostas para seus conflitos.
Inconscientemente, abraçou o livro, agarrando-se a ele, como um náufrago se agarraria a uma tábua de salvação, e levantou-se, acompanhando Maurice, em silêncio, à saída da Maison de Balzac.

(7) Honoré de Balzac, Seráfita.
A tradução do trecho apresentado é de Cármen Lúcia C. L. Gerlach e Juliane Bürger, publicada pela Editora da UFSC, em 2006.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 09, 2018 8:46 pm

Capítulo 30
Dias depois, Denise estava deitada na cama e concluía a leitura de Seráfita, quando Charlotte chegou.
Ouviu o barulho de sacolas e lembrou que a amiga dissera que passaria no mercado.
Logo Charlotte apareceu na porta do quarto e saudou-a:
— Olá, como foi seu dia?
Terminou cedo hoje.
— Terminou, sim.
Ando muito cansada, sem energia nos últimos dias.
Precisava descansar, desculpe não ter ido ajudá-la nas compras.
— Tudo bem, era pouca coisa.
Trouxe frutas e mais algumas coisinhas.
Charlotte observou que faltavam poucas páginas para o fim do livro que Denise tinha em mãos e comentou:
— Você leu rápido.
Como disse que não gostava do género, achei que demoraria para lê-lo.
— Nem percebi o género — respondeu Denise.
Na verdade, não dou muita atenção nem ao enredo, embora me fascine pensar nesse lado místico e até fantástico da história.
O cara tinha uma imaginação poderosa!
O que me prende mesmo são as ideias que ele planta no texto, alguns discursos me fizeram pensar muito e li mais de uma vez.
Às vezes, dá sono.
Então eu paro, dou uma cochilada e volto a ler.
Sabe o que ó interessante?
O livro despertou a minha curiosidade sobre as ideias do autor.
Charlotte sorriu.
"Tia Berthe é mesmo sagaz", pensou, lembrando que quem sugerira o livro fora sua tia.
Elas haviam conversado após a manifestação de Aryana, e a tia falara do livro e do quanto seria bom se Denise o lesse, exactamente para despertar a curiosidade que a levaria a buscar conhecimento.
A consciência da necessidade de trabalhar as próprias faculdades e reconhecer influências seria consequência natural.
Além disso, era imprescindível a participação de Denise, e já estava na hora de ela ser protagonista da própria vida e não assistir de camarote o tempo passar.
— O fantástico é uma metáfora, um recurso ficcional sob o qual esconde e, ao mesmo tempo, revela seu pensamento profundo influenciado por pensadores espiritualistas e experiências, digamos, transcendentais, na época.
Balzac era muito influenciado pelo pensamento de Emanuel Swedenborg.
Já ouviu falar?
Denise respondeu balançando a cabeça de um lado para o outro, e Charlotte comentou rapidamente, enquanto colocava o casaco no armário:
— Era um vidente sueco.
Escreveu dezenas de livros falando sobre cidades espirituais, vida depois da morte e temas desse tipo.
Li Seráfita há muito tempo, quando fui morar com tia Berthe.
Era um momento difícil e precisava de um livro-terapia.
Eu era adolescente, precisei de ajuda para compreendê-lo.
Sorte a minha ter uma tia professora de literatura.
Nesse livro, Balzac fala bastante de Swedenborg.
— Ele era mais um esquisito — disse Denise, sorrindo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 09, 2018 8:47 pm

Charlotte meneou a cabeça afirmativamente, sorrindo, e confirmou:
— Muito. Nunca esqueci a história de que perguntou as horas, abençoou todos, agradeceu a Deus e declarou que sua vida tinha enfim terminado, suspirou e morreu.
Imagina! Tinha 87 anos, não é?
Idade muito avançada para a época.
Era um matusalém.
Ele foi mais um sensitivo, entre muitos que viveram e vivem em todos os tempos e locais.
É apenas uma questão de se parar, pensar e ver.
Nada demais, ou de novo, apenas factos nos quais não prestamos atenção ou, quando prestamos não reflectimos sobre o que significam.
Limitamo-nos a crer que é com os outros e que eles são criaturas tão fantásticas quanto a andrógina e misteriosa Seráfita.
Mas não é assim, são faculdades que todos nós temos em diferentes graus e são naturais.
Eles não são favorecidos nem são seres fantásticos, apenas são pessoas comuns, como você e tia Berthe.
Falou de costas para Denise, mexendo e acomodando as roupas no armário.
Não viu o espanto no olhar da companheira.
Saiu do quarto em direcção ao banheiro, falando despreocupada:
— Preciso de um banho quente, meus dedos dos pés estão gelados.
Denise ficou matutando:
estaria ali, no estudo de si mesma, no conhecimento de uma realidade além da matéria, a chave para sair daquele inferno em que vivia?
Reabriu o livro e continuou a leitura até o final.
Então deixou-o sobre o peito e adormeceu.
Ao seu lado, o espírito da avó paterna, Amélia, aguardava para encontrá-la.
Charlotte retornou usando um pijama surrado e grossas meias de algodão.
Sentou-se na cama, tirou da gaveta do criado-mudo vários potes de cremes e algodão e pôs-se a tratar da pele:
limpeza, hidratação etc.
De repente, Denise sentou-se na cama, e Charlotte, assustada, deixou cair um pote e deu um pequeno grito.
— Calma. Fique calma — pediu Denise.
Preciso dar-lhe um recado.
Charlotte, com metade do rosto branco do creme, largou o que fazia e aproximou-se de Denise.
Constatou que se tratava de outra crise sonambúlica.
Suspirou e fez uma prece rápida pedindo ajuda, mas logo notou que não tinha as mesmas sensações das outras vezes.
Não estava arrepiada nem apreensiva.
Apenas se assustara.
Então, respirou fundo, sentou-se na lateral da cama e, lembrando-se das acções da tia, perguntou:
— Com quem estou falando?
Conheceram-me por Amélia Goulart Pereira, fui avó de Denise.
Parti do mundo material quando ela tinha pouco mais
de um ano de idade, portanto ela não se lembra de mim.
Mas, antes de ser avó dela, eu já a conhecia.
Muito antes de Denise nascer, conheci Georgette.
E é em nome dessa antiga amizade que estou aqui.
Estamos trabalhando pelo bem dela e de Anton.
Georgette sempre foi muito meiga, embora temperamental e apaixonada.
Deixava-se levar por suas paixões, mas é tempo de libertar-se, desenvolvendo a inteligência e dominando esses impulsos.
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