LUZ ESPÍRITA
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Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 27, 2018 8:21 pm

Sinfonia da Alma
Ana Cristina Vargas

Pelo espírito Laya

Sinfonia da Alma
Muitos são os segredos da alma humana.
Quando ela começa a dar sinais de que é hora de enfrentar o desconhecido e desvendar esses mistérios, o resultado pode ser um caminho repleto de realizações.
Denise é uma jovem reservada, e às vezes até melancólica, que sonha em dedicar-se à música.
Por causa das constantes crises de sonambulismo, é considerada uma garota de comportamento difícil:
se de dia segue a vida normalmente, durante o sono ela assume a personalidade da francesa Georgette, que vive um caso de amor com Anton.
Quando Denise decide estudar em Paris, esse conflito de personalidade ganha força e ela entende que, para viver um grande amor, é preciso deixar o passado para trás.
Desenvolvera consciência nos conduz à conquista da felicidade.

AOS QUE TÊM CORAGEM
De enfrentar o desconhecido universo da alma Humana e descobrir que é um imenso campo de oportunidades e realização.

ANA CRISTINA VARGAS
Começou a estudar a doutrina espírita aos dezassete anos, movida pela curiosidade de entender como funcionam os fenómenos mediúnicos.
Em 2000, passou a psicografar livros inspirada e instruída pelo espírito José António, em uma parceria que já dura mais de dez anos.
Juntos, produziram romances de sucesso, como A morte é uma farsa, Em busca de uma nova vida, Em tempos de liberdade, Encontrando a paz e O bispo.
Natural da cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, também é fundadora da Sociedade de Estudos Espíritas Vida, localizada na mesma cidade.
Amiga espiritual de Ana Cristina Vargas, Layla foi apresentada para a autora pelo espírito José António, parceiro da escritora há mais de uma década.
Da sua história, além do que a própria Layla contou nos livros Em busca de uma nova vida, Em tempos de liberdade e Encontrando a paz, sabemos que ela também foi escritora e precursora dos direitos femininos e das ideias espiritualistas na Europa do século 19.
Agora, na condição de espírito liberto da matéria, Layla nos fala sobre os muitos caminhos por ela percorridos até atingir um estágio de tranquilidade da alma, sempre buscando o progresso e levando mensagens de paz e alegria aos leitores.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 27, 2018 8:21 pm

Capítulo 01
— Mãe, agora não, tá? — pediu Denise, afastando a cadeira da mesa.
Já tá na minha hora, tchau!
Marlene olhou para o marido, e seu olhar mostrava inconformação e inquietude.
Denise não precisava encarar a mãe para saber o que se passava, o assunto já era batido.
Por isso, apanhou a mochila sobre o sofá e saiu.
O tilintar suave do emissário dos ventos, feito de bambu e preso à porta principal da residência, anunciou a saída da jovem.
— Não sei mais o que fazer, Pereira.
Ela é teimosa, não me ouve — reclamou Marlene.
Puxou à sua mãe.
Você precisa falar com a Denise e tirar essa ideia estúpida da cabeça dela.
— Ih! — Renato sabia que quando a mulher o chamava pelo sobrenome, como era conhecido no trabalho, estava irritada.
— Acalme-se. A Denise sempre foi difícil, mas é uma menina ajuizada.
Apesar da teimosia e das esquisitices dela, nunca nos deu problemas.
Graças a Deus, jamais se envolveu com drogas, nem com más companhias, é estudiosa, trabalhadora.
Tenha calma, Marlene.
É um sonho de juventude.
Vai dizer que você não tinha os seus?
Isso passa!
Ela vai cair na real e esquecer essa história toda.
Espere e verá!
Marlene jogou o guardanapo sobre a mesa.
A paciência do marido a exasperava ainda mais.
Reconhecia que, em parte, ele tinha razão.
Afinal, era ela quem ouvia as confissões angustiadas da filha.
Renato adorava a filha mais velha e, desde bebé, fizera dela a sua companheira.
Com Camila, a caçula, tinha um bom relacionamento, mas ela era mais independente.
Denise acompanhava o pai nas noites de pescaria aos fins de semana, cantava as músicas que ele gostava e o acompanhava nas festas com os amigos e, quando havia uma roda de samba, mesmo não sendo a preferência musical dela, acompanhava o pai e os amigos dele, cantando animada.
Ele conhecia as angústias da filha, mas não encucava com elas.
Deixava-a desabafar e simplesmente abraçava-a, brincava que a estava examinando, beijava-lhe os cabelos cacheados e respondia despreocupado:
— Você não tem febre, não tem dor, está corada e sadia.
Então, esqueça! Está tudo bem.
Vá pegar a bicicleta e vamos passear.
O dia está lindo. Chame a sua mãe.
— Pai, ela não pode pedalar, esqueceu?
O médico disse que faz mal para o joelho dela.
— Ah, é. Tem razão.
Então vamos nós dois.
Ela fica com a sua irmã.
E assim passaram-se os anos da adolescência de Denise, hoje com vinte e dois anos.
Voltando ao momento presente, Marlene acusou o marido:
— Para você tudo é fácil.
Mas eu me preocupo.
Ela não tem condições de ficar sozinha.
Denise é frágil e, por mais que você diga o contrário, não me convence.
Tenho medo de que ela se deprima.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 27, 2018 8:21 pm

Sei lá, às vezes penso que ela vive à beira de uma neurose.
Eu me preocupo.
Renato estendeu a mão sobre a mesa e segurou a da esposa, pressionando-a de leve, no intuito de confortá-la, e disse:
- Marlene, esse é o problema:
você se preocupa demais.
Esquece que tem coisas que são da idade, elas passam.
Denise é uma menina saudável, e, como lhe disse, tudo isso não passa de um sonho.
As chances dela são mínimas.
Por que se desgastar por algo que tem, sei lá, noventa e nove por cento de possibilidade de não acontecer?
Você fica aí se desgastando, criando atritos com a menina, enquanto podia estar calmamente aproveitando o tempo, curtindo o esforço dela.
Ela irá se frustrar, é quase certo, mas se lembrará de que nós, os seus pais, a sua família, a apoiamos, torcemos por ela até o fim, e que continuaremos aqui quando a realidade chegar e o sonho for embora pela janela, meu bem.
— Não sei, Renato.
Meu coração de mãe não sossega, e tenho medo de que as coisas não sejam tão simples como você vê.
Já pensou no que você fará se ela realmente se for?
Renato soltou a mão da esposa e balançou-se na cadeira.
Não gostava de pensar no assunto.
Sabia que sofreria muito com o afastamento da filha.
Reconhecia que era apegado e até possessivo em relação à sua menina.
Por isso, sacudiu a cabeça com força, levantou-se e sorriu:
— Isso não vai acontecer.
Está na hora.
Você vai comigo?
Marlene suspirou e desistiu da conversa.
Consultou o relógio de pulso e levantou-se apressada.
Não teria tempo de recolher as louças, guardou os alimentos na geladeira e correu ao banheiro para terminar a higiene e aplicar uma maquiagem leve.
Seu pensamento voltou-se às questões práticas da rotina.
Renato deixou a esposa em frente à empresa em que trabalhava, deu-lhe um beijo rápido de despedida e disse:
— Estarei aqui no final do expediente.
Hoje temos que ir ao supermercado, não é?
E depois, buscaremos Camila, certo?
— Exactamente. Bom trabalho, amor.
— Pra você também. Até mais!
Ela desceu do carro, e Renato partiu.
O local de trabalho dele ficava a algumas quadras.
Mais um dia se iniciava.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 27, 2018 8:22 pm

Capítulo 02
Equilibrando-se no corredor do ônibus lotado, Denise irritou-se ao ouvir o toque do seu celular.
"Maldita hora que coloquei essa música!"
O som estridente do rock do Black Sabbath tomava conta.
Recebeu alguns olhares de censura, mas o rapaz ao seu lado sorriu e comentou:
— Maneiro! Gostei.
Vou colocar no meu.
Denise sorriu sem graça, procurando o aparelho na mochila.
Aliviada, encontrou-o e viu no visor o nome da professora e amiga.
— Oi, Vanessa!
— Oi, Denise.
Você pode falar comigo?
— Estou no ônibus, está lotado e um pouco difícil. É urgente?
— Um pouco. Será que pode me encontrar na sala do departamento?
— Claro, estarei um pouco atrasada para a primeira aula.
Já estou chegando.
— Ok, aguardo você. Beijo, querida.
Denise desligou e guardou o aparelho.
O rapaz ao seu lado continuava sorridente.
"Cantada de ônibus, não!
Sexta--feira é demais!
Se pelo menos fosse bonitinho", pensou.
Decidida, pediu licença e foi abrindo caminho com dificuldade até a saída.
Desceu em frente aos portões do campus universitário.
Apressou-se para chegar ao local do encontro.
Vanessa a esperava e, ao vê-la, Denise assustou-se:
— Pelo amor de Deus, o que aconteceu?
— Problemas domésticos, querida.
Denise sentiu a desolação tomar conta de seu ser.
Adorava a professora, eram amigas desde a primeira aula.
Vanessa era uma mulher sensível, inteligente, culta, mas mantinha um relacionamento conturbado com o namorado, Dénis.
Denise o encontrara poucas vezes.
Ele era arredio, possessivo e truculento.
Não conseguia entender o que a amiga via nele.
Não tinham absolutamente nada em comum.
E, apesar de batida, obrigava-se a recorrer à velha frase "o coração tem razões que a própria razão desconhece" para explicar por que Vanessa parecia não conseguir se libertar do traste.
Olhando o rosto machucado da amiga, a boca inchada, com alguns cortes, não precisava pedir explicações.
Vanessa tinha os olhos marejados de lágrimas, as faces avermelhadas.
A fragilidade emocional estava literalmente "na cara".
Denise decidiu não abordar a questão espinhosa, não tinha coragem de mexer na ferida.
— Sei, entendo.
— Denise, preciso lhe pedir um grande favor.
Prometi cantar em um casamento amanhã e... — fez um gesto com a mão envolvendo o rosto.
Eu não queria me expor.
São amigos da minha família e...
— Entendi, Vanessa.
Não quer que a incomodem. Tudo bem!
Acho que você tem direito de escolher o que quer e ninguém tem nada a ver com isso.
Odeio lições de moral!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 27, 2018 8:22 pm

— Obrigada, querida.
Só que ficou em cima da hora.
Tentei localizar uma conhecida, antes de recorrer a você, mas ela está com a agenda cheia.
Então, pensei em você.
Amo a sua voz, ela é linda.
Você tem muito talento, tem todas as condições de me substituir.
Será apenas na cerimónia religiosa.
São algumas músicas conhecidas, bem tradicionais.
Você faria isso por mim, Denise?
Denise sentou-se, impactada.
— Vanessa!
Mas eu não sei que músicas são, quem vai fazer o acompanhamento.
Imagina se eu estrago a cerimónia de casamento!
Eles vão me matar, e com razão!
— Não vão, não.
Na verdade, estão apavorados.
Eu já avisei que não poderia comparecer, mas garanti que haveria uma substituta e que tudo sairia perfeito como nos sonhos dela.
— E de quem é o casamento?
Vanessa declinou o nome de uma família conhecida e importante na cidade.
— Jesus! Eles vivem nas colunas sociais e revistas de fofocas.
Você deve estar brincando comigo, Vanessa.
Desesperada, Vanessa pegou as mãos da jovem e pediu, com lágrimas descendo pela face:
— Por favor, Denise.
Eu não posso ir.
Mesmo que fizesse um milagre com a maquiagem.
Dénis e eu brigamos feio ontem.
Eu não quero mais ficar com ele.
Até fui à Delegacia da Mulher e registei a ocorrência.
Procurei uma psicóloga logo cedo e comecei um tratamento.
Cheguei no fundo do poço.
Mas está sendo difícil e juro que assistir a um casamento está além das minhas forças — Vanessa rompeu em choro dolorido.
Imagina que fiasco!
E todas as câmaras das revistas de fofoca para registrar essa bizarrice.
Por favor, Denise! Aceite!
O cachê é óptimo!
Penalizada, Denise abraçou-a.
Nem ouviu os pedidos reiterados.
Estava com dó e feliz ao mesmo tempo, enfim a amiga tomava uma atitude firme para resolver aquele relacionamento.
Não recusaria apoiá-la.
— Está bem, eu irei.
Mas não tenho roupa, acho que não posso ir de jeans, não é?
Nem com os meus vestidos de balada.
E precisamos ensaiar.
Como será o acompanhamento?
— Órgão e cordas.
Miguel e Catarina vão tocar.
— Santo Deus!
No que eu me meti!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 27, 2018 8:22 pm

Olha, tenho uma prova no segundo período.
Depois que eu terminar, será que poderia marcar um ensaio com eles?
Creio que eles também devem estar preocupados.
— Já marquei — declarou Vanessa, sorrindo entre lágrimas, agradecida.
Às 11 horas, lá em casa.
Espero você no estacionamento.
E não se preocupe com a roupa, poderá usar a minha.
Será preciso fazer poucos ajustes.
Vanessa baixava o rosto, escondendo os machucados com os cabelos escuros, lisos, que caíam soltos até os ombros.
Denise sentiu uma profunda piedade.
Admirava a amiga e mestra.
Vê-la tão machucada e frágil tocava-lhe o coração.
"Que bom que ela decidiu tomar uma atitude!
Não importa o que aconteça amanhã, eu quero ajudá-la agora", pensou.
— Ok! — concordou Denise.
Ela consultou o celular e assustou-se, pois estava terminando o primeiro período.
Aquele provavelmente fora o diálogo mais cheio de silêncio do ano.
— Encontro você daqui a pouco — disse Denise.
Vanessa ergueu o rosto, aliviada, procurou sorrir e demonstrar confiança, mas a gratidão e o alívio eram dominantes.
Abraçou Denise com cuidado, seu corpo tinha outros ferimentos que doíam.
A jovem entendeu, esforçou-se por esconder o horror ao ver marcas arroxeadas no pescoço e nos braços da amiga.
Intimamente lutava para conter a revolta e a vontade de xingar Dénis com todos os palavrões e desaforos que conhecia.
Mas a fragilidade de Vanessa não permitia e, com muito esforço, Denise demonstrou respeito a sua vontade, calando-se.
— Obrigada, Denise!
— Hum, acho melhor me agradecer amanhã.
Vanessa sorriu compreendendo o receio da aluna.
— Confio no seu talento, sei que é capaz disso e muito mais.
— Tenho que ir, não posso perder a prova.
— Boa sorte!
Em frente à porta da sala de aula, Denise obrigou-se a expulsar os pensamentos irados contra Dénis e concentrar-se na prova.
Entrou na sala, a turma não era das maiores, cumprimentou os colegas com um "oi, gente!", e sentou-se na última fila.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 27, 2018 8:23 pm

Capítulo 03
— Denise, vamos dar uma caminhada?
A manhã está linda — convidou Renato, batendo na porta do quarto da filha na manhã de sábado.
— Não posso, pai.
Preciso repassar as músicas do casamento.
Além disso, Vanessa marcou hora com o cabeleireiro dela e depois irei provar o vestido.
Ainda bem que a costureira aceitou fazer os ajustes de última hora.
— Que casamento? — indagou Renato, espiando para dentro do quarto.
— Entra pai — chamou Denise, sentada de pijama sobre a cama, com as letras das músicas espalhadas ao redor.
Eu contei, mas você não prestou atenção.
Vou cantar em um casamento hoje à tarde.
Era trabalho da Vanessa, mas ela pegou um resfriado e ficou rouca.
Daí me chamou para substituí-la.
— Hum, lembrei.
Mas precisa estudar tanto?
Casamentos têm sempre as mesmas músicas no repertório — e, afastando os lençóis, acomodou-se aos pés da cama.
Renato apanhou algumas letras e as examinou.
Ficou sério, colocou-as de volta e criticou:
— Nenhuma música em português.
Repertório difícil.
Onde será o casamento?
— Na catedral, às dezoito horas.
Bem clássico. Vanessa me passou isso ontem.
Achei que poderia ser pior, considerando-se que é um casamento tão chique e badalado.
— E a minha pequena vai cantar para a elite da cidade.
O pessoal do samba não pode saber disso — brincou Renato.
Conformado, ele sorriu para a filha, levantou-se e, antes de fechar a porta, perguntou:
— Posso ir ao casamento com você?
Prometo que coloco terno e fico ouvindo num cantinho bem escondido.
— Pai! Estou nervosa, mas adorarei saber que você estará lá.
Só que vou directo da casa da Vanessa.
Faremos o último ensaio com os músicos.
Até parece que foram muitos ensaios...
E depois seguiremos para a igreja.
— Estarei lá. Será lindo!
— Tomara!
Nunca cantei em uma igreja.
Renato sorriu, fez cara de pouco caso, jogou um beijo com a ponta dos dedos para Denise e saiu.
Pouco depois, Denise ouviu o pai chamando a irmã e a porta se fechando.
— Vamos, Camila!
Sua irmã não irá com a gente.
Concentrou-se tanto nas músicas que se esqueceu de que
a mãe estava em casa, até que sentiu o característico cheiro do feijão cozinhando e o inconfundível chiado da panela de pressão.
— Denise! — chamou Marlene da porta da cozinha.
Denise, venha cá!
Preciso de ajuda.
— Que foi, mãe? — perguntou Denise, surgindo no corredor, ainda de pijama.
— Preciso que me alcance os enlatados.
O armário é alto e não quero ficar subindo e descendo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 27, 2018 8:23 pm

— Não é bom, mesmo.
Seus joelhos não iriam gostar.
As duas trabalharam alguns minutos em silêncio e, ao terminar a tarefa, a jovem indagou:
— Eram só essas latas ou tem mais?
— Era só, obrigada pela ajuda.
— Então vou continuar estudando — informou Denise, retornando ao quarto.
— Tem prova na próxima semana, filha?
— Não, estou estudando para a apresentação de hoje à tarde.
O casamento de que falei ontem, mas pelo visto nem você nem papai prestaram atenção.
Marlene sentiu-se culpada com a decepção no rosto da filha.
Sabia da apresentação e estava incomodada, não apreciava a amizade de Denise com Vanessa.
Admitia um quê de ciúme pela influência da outra mulher sobre a jovem.
E, acima de tudo, não gostava do incentivo que ela dava aos sonhos e devaneios de Denise.
— Ah, é verdade. Você falou.
É hoje, não é?
Em cima da hora, sua amiga lhe deu uma bela bola nas costas.
— Não foi nada disso, mãe.
Ela não poderá cumprir o compromisso e me pediu para substituí-la.
Ninguém escolhe quando vai adoecer.
E será bom, o cachê é dos melhores.
Vai engordar o meu poupançudo (1).
— Isso é bom, filha.
Dinheiro não se põe fora.
É difícil ganhar, por isso é preciso saber guardar.
E como está a faculdade?
— Qual delas, mãe?
A minha ou a sua? — indagou Denise, sem esconder o desprazer com o assunto.
— Denise! Não quero discutir.
Já falamos muito sobre isso.
Você é inteligente, esforçada, e eu a admiro por conseguir fazer dois cursos ao mesmo tempo.
Mas sabe que viver de música é delírio.
Insisti para você se matricular no outro curso, e pago com gosto, porque eu sei, filha, que no futuro irá me agradecer.
E você gosta de jornalismo.
O campo de trabalho está se ampliando, as pessoas correm atrás da informação.
Você poderá fazer uma especialização, em economia, por exemplo.
— Mãe, você é economista.
Você trabalha nessa área financeira.
Eu odeio isso.
E, quer saber, vou voltar a estudar.
Não quero brigar hoje.
Não vou me desconcentrar.
Cantar a Ave-Maria, de Gounod, com raiva não dá certo.
Marlene viu a filha afastar-se e sentiu-se impotente e frustrada.
O relacionamento com Denise piorava.
A criança meiga e alegre tornava-se uma mulher teimosa e sonhadora.
E, como mãe, tudo que desejava era o bem da filha, não queria vê-la sofrer desilusões nem perder tempo na vida correndo atrás de uma carreira ilusória.
Nos últimos anos, elas discutiam muito "a suposta vocação artística de Denise", como Marlene se referia à paixão da filha pelas artes e pela música em especial.
Largou o pano de prato usado para tirar o pó da prateleira dos enlatados sobre a mesa e sentou-se.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 27, 2018 8:23 pm

— Maldição! — praguejou.
É teimosa como a dona Clara.
Não sei de onde saiu essa veia artística.
Só pode ser influência da tal Vanessa.
Ela devia era ter filhos primeiro, para depois querer "ajudar" os dos outros.
Música não enche barriga, não paga as contas.
Vai conseguir o quê?
Cantar em algum bar.
Isso não é futuro.
Não foi para isso que me esforcei para dar-lhe uma boa formação.
O timer do fogão avisou o final do tempo de cozimento do feijão, e Marlene dedicou-se ao preparo da refeição procurando esquecer a conversa com Denise e seu desconforto emocional.
"É a adolescência, vai passar."
Pensava Marlene tentando conformar-se e manter a paciência.
No final da tarde, Renato dava o nó na gravata em frente ao espelho no quarto.
Marlene, deitada, assistia a um filme.
— Que tal? Ficou bem? — perguntou Renato, apontando para a gravata.
Marlene olhou com ar de pouco caso e respondeu desinteressada:
— Está passável.
Mas ninguém o conhece mesmo.
Você irá de penetra.
— Eu vou assistir à apresentação da minha filha — retrucou Renato com orgulho.
E, de mais a mais, igreja é um local público e casamento tem que ser realizado com as portas abertas.
Aproximou-se da esposa, beijou-a e informou:
— Trarei pizza para o jantar.
— Óptimo! — respondeu Marlene, sorrindo sem graça.
O desconforto emocional da manhã, após a conversa com Denise, permanecia, e até agravara-se, pois parte dela desejava acompanhar o marido e assistir à apresentação da filha.
Mas outra parte lhe dizia para não vacilar.
Pelo bem do futuro da menina, não podia apoiar aqueles devaneios.
Precisava marcar posição e manter-se firme, mesmo que o preço fosse sofrimento.
Pensava que era seu dever materno.
Renato era despreocupado por natureza.
Para ele, aparentemente não havia nem passado nem futuro, valia apenas o hoje.
Após vinte e três anos de casamento, não conseguia saber se ele estava certo ou errado.
Mas não abriria mão de insistir com Denise, afinal era dela o dever de conduzir a filha.
A adolescência estava sendo um período de dificuldades além do esperado, especialmente esse chegar à idade adulta.
Preparara-se para dar-lhe orientação sexual, apoio afectivo, segurança.
Afligira-se com o crescente problema das drogas.
Pedira a Deus que ela se envolvesse com jovens de boa índole, tivesse namoros saudáveis e inofensivos, típicos da juventude.
Mas jamais pensara que o surgimento de uma "vocação" inesperada seria a sua dor de cabeça.
Renato ignorou o desgosto da esposa.
Afinal, sabia o quanto Marlene era dramática e autoritária com as filhas.
Via os sinais da mágoa nos olhos dela, mas não adiantava conversar.
Ela estava irredutível.
Renato decidira não fazer um cavalo de batalha por causa dos sonhos de Denise.
Afinal, aos quarenta e cinco anos, ele ainda não sabia claramente que motivos levaram-no a abraçar a mesma carreira do pai, sucedendo-o nos negócios imobiliários.
Parecera natural, afinal herdara a imobiliária e trabalhava nela desde jovem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 27, 2018 8:23 pm

Simplesmente, não pensara.
Trabalhar era necessário para ter dinheiro e ponto final.
Quando se sentia agastado demais com a rotina, marcava um samba, uma pescaria, e na semana seguinte aguentava tudo de novo.
Não compreendia intelectualmente a posição da filha, mas de alguma maneira a entendera quando, após a primeira grande discussão em família, Denise, com os olhos marejados, mas com a voz firme, declarara:
— Quero fazer algo que me dê prazer.
Eu amo cantar, amo arte, adoro estudar isso.
É o que farei, com ou sem a aprovação de vocês.
— Não é bem assim, mocinha! — falara Marlene, alterada.
Somos nós que pagamos seus cursos, esqueceu?
E eu não gasto dinheiro inutilmente.
Ele calara-se. Denise, furiosa, deixara a sala e, em seguida, ouvira-se a batida forte da porta.
Marlene bufara, reclamara, chamara de irresponsáveis os professores que incentivavam Denise, reconhecendo seu talento natural.
Isso acontecera havia três anos.
Contemporizara a situação convencendo Denise a cursar jornalismo, prometendo pagar as despesas com o curso de arte.
E a menina dera conta de ambos os cursos até o início daquele semestre, e até participara de uma selecção concorrendo a uma bolsa de estudos na França.
Infelizmente, estudos da arte.
Renato se esqueceu dos conflitos domésticos ao estacionar próximo à catedral.
Havia muita gente elegante conversando em frente à igreja.
Para não chamar a atenção, dirigiu-se à porta lateral, posicionando-se em um local de onde tinha boa visibilidade dos músicos.
Surpreendeu-se, esperava um coral, mas havia apenas dois clarinetes e o trio de músicos.
Conhecia pouco, mas pelas conversas com a filha, sabia que ela faria uma apresentação solo.
A igreja estava lotada.
"Pobrezinha, deve estar nervosa" pensou, enquanto procurava avistá-la.
Denise sentia-se estranhamente "no seu elemento".
Desde que entrara na igreja, parecia-lhe comum cantar com a acústica de um templo, cercada por imagens sacras.
Sorria, segura de si, tranquila e confiante, como se fosse veterana, não a sua primeira apresentação diante de um público desconhecido.
O casal de músicos se entreolhava desconfiado.
Catarina discutira a decisão de Vanessa de fazer-se substituir por uma novata ainda jovem.
Ponderara os riscos e a responsabilidade com o evento e com a sua reputação profissional.
Miguel a apoiara incondicionalmente e, como era psicólogo, alertou para possíveis abalos da moça.
Por isso, a olhava receoso e, a todo instante, perguntava se ela estava bem.
— Tudo bem, Miguel.
Um friozinho na barriga é normal, eu acho — respondia Denise.
Se não se importam, quero me concentrar um pouquinho.
— Claro, eu a chamarei.
Fique à vontade.
— Obrigada, Miguel.
Denise afastou-se, fechou os olhos e sentiu a conhecida sensação de segurança, de protecção, que a acompanhava desde menina.
Mentalmente, ouviu:
"Relaxe e cante, esqueça-se da plateia, eles não vieram aqui para vê-la, coloque seus sentimentos na voz".
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 28, 2018 7:56 pm

Ela adquiriu confiança e serenidade.
Pensou: "eu sou capaz", e agradeceu a ajuda.
Não sabia de onde ela vinha, nunca se preocupara se era o seu inconsciente, um anjo ou um demónio.
Era familiar, lhe fazia bem, isso bastava.
Não questionava nem tecia cogitações, aceitava como algo seu e natural.
Pouco falava a respeito.
Obviamente, os pais sabiam.
Mas não se preocupavam com aquilo.
Não causava problema.
"Cante, rouxinol.
Você nasceu para cantar.
Cante para mim"
— estimulou a voz, com tom carinhoso.
Um sorriso de encantamento surgiu no rosto de Denise.
O brilho inconfundível do prazer iluminou seus olhos.
— Será que ela está rezando, Miguel?
— O local é propício, Catarina — desconversou Miguel, ignorando a preocupação da companheira.
— Eu mato a Vanessa!
Estou uma pilha de nervos, meu pescoço dói de tanta tensão.
O público ouvirá o estalar dos meus nervos, estão mais tensos que a corda do instrumento.
— Ei, não fique assim! Relaxe.
Concentre-se na sua apresentação, está bem?
— Estou tentando, Miguel.
— Fique calma, Catarina.
Dará tudo certo.
— Deus te ouça.
Renato voltou-se para Denise e acenou-lhe, chamando-a.
Denise levantou-se.
Seu tipo mignon não despertava atenção.
O cabelo preso em um coque, deixando escapar alguns cachos que emolduravam seu rosto delicado, o vestido de tafetá cinza, a ausência de jóias e acessórios, usava apenas brincos de pérola, faziam-na parecer elegante e discreta.
Passava despercebida entre os convidados.
Andou calmamente até postar-se ao lado do casal de músicos.
Havia burburinho no ambiente.
As pessoas conversavam e trocavam cumprimentos, aguardando o início da cerimónia.
Acalmaram-se, em um passe de mágica, com a entrada do sacerdote precedido pelos coroinhas.
Miguel olhou de soslaio para Denise e surpreendeu-se com a sua tranquilidade.
A assembleia levantou-se e alguns olhavam para a porta.
Instantes depois iniciava-se o cortejo com a entrada dos padrinhos.
Denise estendeu a mão a Miguel e deu um passo à frente, ficando ao seu lado.
Sorriu e aguardou que ele iniciasse a canção.
Nervoso, entoou as primeiras estrofes de Vivo per lei, em italiano.
A única música que cantariam em dueto.
Executou-a com perfeição técnica, mas estava tenso.
Suas mãos suavam.
Arrepiou-se da cabeça aos pés quando ouviu a voz de Denise.
Não se conteve e a fitou.
Ela tinha o olhar brilhante, posto no infinito, cantava com paixão aquela declaração de amor à música com total domínio de si e do que fazia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 28, 2018 7:56 pm

Um "ah!" percorreu a igreja e foi sucedido por um silêncio reverente e de deleite.
O cortejo dos padrinhos e depois o noivo receberam alguns sorrisos e olhares, mas a maioria das pessoas, discretamente, procurava ver a dona daquela voz.
Renato, sentado ao lado de algumas senhoras, ouviu-as cochichar:
— Que lindo!
Quem é a moça?
— Psiu! Escute, que delícia!
Renato estufou o peito, orgulhoso.
Desejou cutucar as senhoras e dizer-lhes:
"É a minha filha! É Denise."
Mas calou-se.
Quando terminaram a canção e os padrinhos estavam posicionados, a senhora voltou a comentar, ignorando o que se passava no altar:
— Tive vontade de aplaudir.
— Por favor!
Você está velha para me fazer passar vergonha, Clotilde.
— Tomara que a noiva não demore, quero ouvi-la mais.
Margarete lhe disse qual é o repertório?
— Disse, mas esqueci.
Poucos minutos se passaram até o desejo da convidada ser atendido e ela surpreender-se com Can you feel the love tonight, de Elton John, na voz de Denise, como tema de entrada das daminhas, e logo a clarinada da rainha Elizabeth soou anunciando a chegada da noiva.
Todos se ergueram, já esquecidos da canção, voltando os olhares à porta principal.
Miguel e Catarina relaxaram, despreocupando-se da participação de Denise.
Concentraram-se em seu trabalho.
Somente ao final da cerimónia ouviram alguns comentários elogiosos à beleza da apresentação musical.
— Que maravilha a voz dessa moça!
Chorei ouvindo a Ave-Maria, de Gounod. Afinadíssima!
Fiquei arrepiada durante a bênção!
Maravilhosa! — derramava-se em elogios a senhora chamada Clotilde.
Ao seu lado, Renato não se conteve e, intrometendo-se na conversa, informou:
— É minha filha. Chama-se Denise.
— Meus parabéns!
Ela tem um dom, um talento, realmente.
Conversaram alguns instantes e elas se afastaram, deixando a igreja.
Enquanto isso, Miguel, ao violino, executava A miragem.
Depois que a igreja ficou vazia, Renato aproximou-se da filha, sorridente, abraçou-a em silêncio e beijou-a com respeito e admiração.
— Foi lindo, filha. Parabéns!
— Obrigada, pai. Eu estava tão nervosa...
— Não parecia — comentou Catarina.
Eu sim, estava uma pilha.
Graças a Deus, deu tudo certo!
Denise encarou o casal, estendeu-lhes as mãos e agradeceu:
— Obrigada! Vocês foram óptimos!
— Agora posso dizer:
estava morrendo de medo de que você amarelasse, desafinasse ou esquecesse a letra.
Enfim, temia um desastre.
Você me surpreendeu, é muito madura, falta pouco para ser profissional.
Somos nós que devemos agradecer, você nos salvou, depois do que aconteceu com a Vanessa
— confessou Catarina, aliviada.
— Pena que ela não pôde assistir — lamentou Miguel.
— Mas, menina, você foi melhor que a sua mestra.
Parabéns! E quando precisarmos, lembraremos dessa voz encantadora.
Fiquei com seu contacto.
— Eu adoraria.
Pode me chamar — concordou Denise.
Trocaram algumas palavras, desmontaram os pedestais,
guardaram os instrumentos e despediram-se satisfeitos.

(1) Cofres plásticos, coloridos, em formato de pequenos monstros, distribuídos em campanha publicitária.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 28, 2018 7:56 pm

Capítulo 04
Semanas depois...
Denise estudava sozinha na sala de aula, após o término do último período de história da arte.
— Olá! — saudou Vanessa, sorrindo.
Demorei para encontrá-la.
Tem um minuto para conversarmos?
— Oi, claro. Estava apenas lendo.
Combinei de encontrar o pessoal do trabalho em grupo mais tarde.
Resolvi esperar por aqui.
— Óptimo! Vamos tomar um refrigerante na lanchonete.
— Água com gás, é o máximo que posso — respondeu Denise.
— Dieta? Para quê?
Você é magrinha.
Eu, sim, preciso perder uns quilinhos de gostosura — brincou Vanessa.
Vamos, quero lhe falar da selecção para a bolsa.
Tenho boas notícias.
Denise ergueu-se lépida, fechou o livro, apanhou o restante do material enquanto falava ansiosa:
— Conte-me tudo, pelo amor de Deus!
Já sabem quem comporá a banca, quais serão as músicas seleccionadas para o exame?
— O exame é rigoroso e avalia o currículo do candidato.
Entretanto isso não é problema, pois o seu preenche os requisitos e, além do mais, você tem notas excelentes e uma avaliação altamente positiva dos professores.
Mas precisará estudar muito nos próximos dois meses.
— Não brinca!
Vai ser assim tão rápido?
Ai, meu Deus do céu!
Deu um friozinho na barriga.
Dois meses...
Vanessa abraçou a jovem afectuosamente e disse:
— E o início das aulas na França será poucos meses depois da selecção para a bolsa.
Ou seja, você conclui a graduação e, em seguida, parte para lá.
Terá o último semestre lotado de actividades.
Elas conversaram empolgadas a respeito dos preparativos, da intensificação dos ensaios e, de repente, Denise sentiu esvaziar o entusiasmo.
Ficou séria, pensativa, visivelmente apreensiva.
— O que foi, Denise?
— Vou suspender o outro curso.
É o único jeito de ter tempo para dedicar-me como é preciso para essa selecção.
— O semestre será perdido — constatou Vanessa, recordando os problemas familiares da jovem em razão da sua vocação.
Problemas à vista! Conte comigo.
Você sabe que é mais do que uma aluna, é uma amiga querida.
Para o que precisar, no que eu puder auxiliá-la, sabe que basta falar comigo.
— Minha mãe vai virar bicho, vai subir as paredes — disse Denise, desanimada.
Vanessa não soube o que dizer.
Evitava fazer críticas a Marlene, buscando preservar o relacionamento entre mãe e filha.
Intimamente, lamentava a pouca sensibilidade da mãe da jovem em não reconhecer o talento de Denise e, em especial, por ter optado por aquele confronto hostil.
— As pessoas complicam a vida, Denise.
Estou falando por experiência própria.
Deveria haver disciplinas de formação emocional, de relacionamento humano, e outras afins no currículo das escolas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 28, 2018 7:56 pm

Acho que seria uma grande contribuição para construirmos uma sociedade mais fraterna, mais saudável e mais feliz.
Se as pessoas se conhecessem mais, reflectissem mais, questionassem seus valores, desenvolvessem a sensibilidade, viveriam muito melhor e não veríamos infelicidades sem causa real.
Mas existe uma causa para o problema com a minha mãe.
Ela quer que eu seja do jeito que ela deseja, e não como eu sou.
Ela não me aceita — retrucou Denise.
No pensamento dela, trabalho é dinheiro.
Não se considera o item realização.
É supérfluo, entendeu?
Vanessa baixou a cabeça e sacudiu os cubos de gelo no copo de refrigerante.
— Sim, sim.
Querida, isso é simples de entender.
Talvez esse seja o pensamento majoritário.
São poucas as pessoas na nossa sociedade que identificam e procuram no trabalho algo além de dinheiro.
Imagino que até buscam o conhecimento, a formação académica, como caminho para o dinheiro e o status, seja para construí-lo, seja para mantê-lo.
São peças raras as pessoas que identificam uma vocação ou que procuram simplesmente ampliar o conhecimento por amor ao saber, o que, aliás, pode perfeitamente ser feito por conta própria.
Mas quantos autodidactas você conhece?
— Eu? Sei lá, acho que nenhum.
Entre os amigos do meu pai que gostam de música, a maioria aprendeu na roda de samba.
Um foi ensinando para o outro, mas isso é uma diversão para eles.
E, claro, se eu tivesse vocação para uma profissão que fosse socialmente valorizada e me desse possibilidade de bons ganhos futuros, certamente as possibilidades de encrenca com a minha mãe se reduziriam em cinquenta por cento ou mais.
Talvez até ela me apoiasse.
— É, talvez.
Resta saber se, não tendo vocação para exercer a profissão que sua mãe aprova, no futuro, ela arcaria com a responsabilidade pela sua desilusão, pela tristeza, pelo vazio de significado em uma parte importante do seu dia.
Ou se tudo acabaria com a festa de formatura e a satisfação de vê-la empregada.
Para ela não sobraria nenhuma responsabilidade por você tornar-se uma profissional daquelas que aspira desesperadamente ver chegar o fim do expediente e o fim de semana, e que nem sempre se sente bem no dia de receber o salário.
Vanessa calou-se.
Percebeu que estava fugindo do seu propósito de não criticar.
Então, mudou o tom.
— Denise, crescer não é completar a maioridade.
Isso você já tem.
Crescer é construir a própria individualidade.
É assumir a sua própria vida, arcar com as decisões, pensar e escolher.
Sei que você está fazendo isso, não desista.
Acredite, dedicar-se à música é dedicar-se a uma ciência e a uma arte.
Ela entra no sangue da gente, pensando melhor, nasce connosco, e exige muito, muito mesmo.
Você tem uma voz linda, afinada, domina o canto, mas se quer, de verdade, investir na música, tenha em mente que é um compromisso para toda a sua vida, de corpo e alma.
Poucas pessoas entendem o esforço que essa arte cobra.
As musas são implacáveis e não é fácil viver no reino dos deuses.
Uma palavra irá persegui-la como sombra: disciplina.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 28, 2018 7:57 pm

Mas ela nunca pesou a quem venceu, ao contrário, parece que essa palavra se abastece com a paixão que a arte desperta.
E a disciplina, querida, não é em nada diferente da de um cientista em busca de uma descoberta.
É dominante, é paixão.
E é nisso que eu vejo a diferença entre um profissional que trabalha por vocação e outro que atua por dinheiro.
O primeiro se inflama, arde, vibra, está inteiro no que faz; o segundo trabalha com parte do cérebro e o bolso.
— Sei, é exactamente assim que me sinto como estudante.
Aqui, no mundo da arte e da música, estou inteira, penso, sinto, vivo.
No jornalismo, apenas vai o meu intelecto.
Sou capaz de aprender.
Meu currículo não tem nada de notável, sou uma aluna de regular para baixo.
Tenho colegas, não amigos, entre meus companheiros de turma.
Cordialidade resume meu relacionamento com os professores.
E tortura é estudar por obrigação para as provas e trabalhos — desabafou Denise, tomando mais um gole de água.
E como não sou muito ligada em dinheiro, posição social e blá-blá-blá, é possível que o jornalismo também não encha a minha barriga.
— Não deixe sua vida profissional tornar-se o que é a sua vida académica, Denise.
— Não deixarei, Vanessa.
Cantar é uma paixão maior do que eu mesma.
Transcende, sabe?
Eu sei que se não lutar agora, se não agarrar essa oportunidade fantástica, serei uma criatura frustrada, forte candidata a comprometer meus futuros salários em terapias para suportar a vida.
Talvez eu não satisfaça os anseios da minha mãe e talvez ela tenha razão:
viverei financeiramente mal como amante da música, mas pelo menos serei pobre e saudável.
Realizada por ter feito o que eu queria.
Vanessa sorriu e reafirmou:
— Conte comigo!
— Talvez eu precise me mudar...
— Sua mãe não seria tão louca.
Não exagere!
— Estou falando sério, Vanessa.
— Bem, posso dizer que vai ser bom ter companhia em casa.
Estou vivendo uma fase difícil, você sabe.
Irá me ajudar, mas pena que será por pouco tempo.
Denise riu, mas continuou tensa.
Aquele estado emocional somente se resolveria no confronto com a família.
— Você tem certeza de que serei aprovada, Vanessa?
Por acaso conhece os outros candidatos?
São de vários estados, não é?
— Não, eu não os conheço.
É intuição. E a minha é infalível!
Vanessa encarou-a seriamente e declarou:
— Eu a vejo cantando na Europa tão claramente quanto a vejo sentada na minha frente.
Basta eu fechar os olhos e pensar nessa bolsa.
Eu sei que dará certo.
Denise sustentou o olhar da amiga e não pôde deixar de considerar como aquela mulher culta, inteligente, sensível e segura podia ter toda aquela fragilidade emocional no que dizia respeito a Dénis.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 28, 2018 7:57 pm

— E como está a sua "fase difícil", Vanessa?
— Aos trambolhões.
— Não me diga que ele procurou você depois daquilo tudo!
— Nossa relação é um ioiô, Denise.
A voz de Vanessa denunciava tristeza, insegurança e vergonha.
— Hum, toda a cidade sabe disso, amiga.
Mas vocês...
— Não, Denise.
Não voltamos, mas ele tem me assediado, insistido.
Ele é persuasivo, sedutor e... acho que posso cantar, como se a poesia fosse escrita para mim, a música do Chico Roque e do Carlos Colla.
Denise enrugou a testa, não atinava a qual música dos compositores ela estava se referindo.
Mas não gostava do que ouvia.
Sua experiência com relacionamentos afectivos era pouca, seus namorados não se fixavam.
Mas como eram relacionamentos rápidos, sem tempo de criar raízes, e nunca fora "acometida" (pensava que era um quadro doentio) por uma paixão fulminante, tinha dificuldade em compreender Vanessa.
— Qual delas?
— Meu vício é você — respondeu Vanessa.
Lembrou?
Denise cocou a cabeça e recordou os versos:
"Meu vício é você/ meu cigarro é você/ Eu te bebo, eu te fumo/ Meu erro maior/ Eu aceito, eu assumo/ Por mais que eu não queira/ Eu só quero você\ (...) ".
— Ah, não! Vanessa!
Esse cara te explora.
Você é boa demais pra ele.
Muda a música, por favor.
Acho a poesia legal até o ponto em que assume o sentimento de dependência, de reconhecer um vício e comparar com cigarro e bebida.
Coisas que parecem inofensivas e que todo mundo aceita, mas elas têm o potencial de matar, causam doenças, liquidam com a vida.
Será que não tem um serviço tipo o Alcoólicos Anónimos para você frequentar? — Denise tentou suavizar a reacção à declaração da amiga fazendo uma brincadeira.
Vamos cortar alguns versos, Ok?
Ou, melhor ainda, que tal pensarmos em outra música e você põe ela para tocar na sua cabeça?
Vanessa sorriu.
Aquela brincadeira de colocar a música para tocar na cabeça, de trocar o disco, ela usava em aula.
Denise estava lhe dando a própria lição.
— É, você tem razão.
Preciso trocar o disco, ou o CD, ou a faixa do MP, em qual número está mesmo?
Quatro, cinco?
— O meu ainda é o três — respondeu Denise.
— É difícil, Denise.
Mas estou lutando.
A psicóloga tem me ajudado.
Mas ela acha que estou depressiva demais, estamos analisando a conveniência de procurar um psiquiatra e tomar alguma medicação "emergencial" para ajudar a sair da crise.
— Sei.
Denise ouviu a explicação.
Conhecia aquele caminho.
Marlene a levara, alguns anos atrás, para tratamento.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 28, 2018 7:57 pm

Fora bom até determinado ponto, mas seus motivos de procurar ajuda eram diferentes dos de Vanessa.
"Quem sabe pra ela funcione melhor, seja mais completo, pensou.
— Vanessa, tá na minha hora.
Preciso ir.
Amiga, muda a faixa.
Põe pra tocar aquela música antiguinha do Erasmo Carlos, Sentado à beira do caminho, e fica repetindo:
"Preciso acabar logo com isso/ preciso lembrar que eu existo/ que eu existo, que eu existo".
Tá bom? Promete?
— Boa! Ela combina com meu humor meio deprê, não vai brigar com a minha tristeza, com as minhas mágoas, mas vai botar outra mensagem para rodar na minha cabeça — ponderou Vanessa, considerando seriamente a sugestão.
— A música tem esse poder, você sabe — cobrou Denise, referindo-se às oficinas de musicoterapia que Vanessa promovera como actividade extra-classe no ano anterior.
Vanessa balançou a cabeça e ergueu as duas mãos, sinalizando que se rendia.
Sorriu e afirmou:
— Vou sair dessa. Tchau, querida.
Bom trabalho!
Denise acenou e afastou-se cantarolando os versos de Erasmo Carlos, assim evitava pensar quais versos e de qual música se adaptavam à sua situação quando anunciasse em casa que trancaria o curso de jornalismo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 28, 2018 7:57 pm

Capítulo 05
Denise estava agitada.
Inquieta, tamborilava os dedos sobre o livro.
Em vão tentava entregar-se à leitura.
O exercício exigia concentração e calma, duas coisas, naquele instante, bem difíceis para ela.
A briga com a mãe ainda lhe ocupava a mente.
As emoções continuavam em desalinho.
Havia ferido e sido ferida.
A situação fugira ao controle, e nesses casos diz-se e ouvem-se palavras que machucam, algumas abrem feridas que demoram muito a cicatrizar e demandam longo tratamento.
Nesse estado era impossível ler qualquer texto, menos ainda estudar arte.
Como enfronhar-se nas belezas do pensamento renascentista, em toda sua afirmação da beleza da humanidade e em sua filosofia de harmonia da vida?
Impossível. Não havia beleza em seus olhos naquele momento.
Seu universo interior era o caos, não o cosmos.
Era desordem, desarmonia.
As batidas de seu coração não seguiam uma melodia serena, eram cheias de altos e baixos, agudos e graves, com notas dissonantes, sem ritmo.
Afinal, elas respondiam aos seus pensamentos e sentimentos.
Já passava da meia-noite, a casa mergulhara num silêncio pesado e na penumbra.
A tensão estalava no ar como se fosse uma entidade física emitindo faíscas eléctricas.
Por isso, Denise sobressaltou-se ao ouvir o suave ranger da porta de seu quarto abrindo-se.
Camila esgueirou-se como um fantasma até sua cama, sentou-se na beirada e perguntou baixinho:
— Como você está, mana?
— Chateada, irritada, triste, furiosa, magoada, arrependida de algumas coisas que disse e por não ter dito outras.
— Pensei que vocês duas fossem se agarrar no tapa.
Nunca vi a mãe daquele jeito.
Parecia possuída.
O que você vai fazer?
— Ainda não sei.
Não consigo pensar.
Estou indignada.
Eu não sou mais criança!
É a minha vida, ela não tem o direito de se meter tanto assim.
Só porque é minha mãe não precisa me respeitar?
O que é isso? Não é assim.
Mesmo sendo minha mãe ela não tem esse direito.
Aliás, nem é direito... respeito é um dever.
Mas na cabeça dela só existem números, operações financeiras, movimentos dos mercados e coisas desse tipo.
Acho que esqueceu que é gente e, principalmente, que eu sou filha dela e sou gente.
Denise bufava ao desabafar seus sentimentos.
Camila a compreendia e apoiava.
— Calma, mana. Ela é geniosa, sempre foi.
Mas o pai vai dar um jeito e tudo ficará bem.
— Eu não sei, não tenho essa esperança, Camila.
Acho que fomos longe demais e quebramos muitos pratos, entende?
Eu não esperava ouvir cobrança de resultado por dinheiro empregado em mim.
Senti-me como se fosse um lote de acções da bolsa...
— Em queda — brincou Camila, interrompendo a irmã, tentando fazê-la descontrair e rir da situação.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 28, 2018 7:57 pm

— É. Sou um investimento de longo prazo que naufragou na recta final.
Deus me livre, se um dia tiver filhos, de pensar assim. Fui vacinada!
Dose única, válida para toda a vida.
É o jeito dela, precisa ter paciência.
Lembra-se de quando começou o curso de artes?
Denise balançou a cabeça afirmativamente.
— E quando fez habilitação em canto?
Outra vez a jovem confirmou, e Camila concluiu:
— Sempre teve esse fiasco, esse estresse, depois tudo se acalmava.
E você conseguiu fazer o curso que queria.
— Sim, pagando o preço de fazer outra faculdade que ela aprova e eu detesto.
Ela sempre pensou que a música era um capricho meu.
Nunca viu que quero mesmo dedicar a minha vida à arte, não consigo me imaginar fazendo outra coisa.
Você entende o que sinto?
— Eu tento — confessou Camila sinceramente.
— Eu não sou assim.
Acho que não tenho vocação, nem ao menos sei o que quero fazer.
Invejo essa paixão nos seus olhos.
Não consigo me decidir e, quando me falam em mercado de trabalho, vantagens e desvantagens dessa ou daquela profissão, fico pensando.
Você não, parece surda a essa conversa toda.
E agora surge essa oportunidade fantástica de ir estudar na França...
Parece tão certo, tão fácil!
Deve ser mesmo o seu destino, mana.
Denise se comoveu com as palavras da irmã.
Largou o livro e abraçou Camila.
— Valeu, maninha! Valeu mesmo!
Eu precisava ouvir isso, sabia?
— Olha, não me meti na briga de vocês, mas estou do seu lado.
Fiquei chocada com aquela gritaria toda.
Não reconheci nem você nem a mãe.
Pareciam loucas, berrando uma com a outra.
Achei que, se abrisse a boca, a coisa toda ia piorar e fiquei na minha.
Denise suspirou, afastou-se e encarou Camila.
— Tá certo. Isso é entre mim e a mãe.
Não precisa aumentar a confusão.
— Pensei que ela fosse expulsar você de casa.
Fiquei com medo.
Se ela tivesse feito isso, daí sim eu teria me metido.
Não teria cabimento.
É... e a extensão da decepção de Denise se patenteou nesse monossílabo.
Não tinha como expressar a dor causada pela incompreensão materna.
Lembrou-se do instante em que ocorreu o facto mencionado pela irmã.
Também tinha esperado a expulsão e sabia que teria saído pela porta sem pensar, e isso aumentaria o abismo entre elas.
— Eu não entendo a mãe, Denise.
Não consigo ver problema na sua escolha de vida.
Sei lá, se você se envolvesse com tráfico, com prostituição, se fosse viciada ou desmiolada... mas não é nada disso.
Aquele temporal todo foi porque quer estudar para concorrer a uma bolsa de estudo.
Não faz sentido!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 28, 2018 7:57 pm

No final do corredor, na suíte do casal, Renato tentava acalmar Marlene e dialogar.
Irredutível, ela virou-se dando as costas ao marido, afofou o travesseiro e apagou a luz do abajur.
— Amanhã precisamos trabalhar.
É melhor dormir — foi a resposta seca e evasiva de Marlene.
Pensativo, Renato resmungou:
— Não é assim, mulher.
Isso está indo longe demais.
Mas ela manteve-se calada, com os olhos firmemente fechados.
Não suportava pensar no desatino da filha.
Estava magoada e furiosa.
Não admitia má-criação da filha.
A moça rebelde que a enfrentara na sala de jantar havia poucas horas, com firmeza e determinação, não se parecia com a criança que trouxera ao mundo ou com a menina meiga que crescera à sua volta.
Só podia ser a companhia daqueles artistas e professores subversivos! Má companhia.
Fora ingénua em preocupar-se com más companhias adolescentes.
O problema eram as más companhias adultas.
Estava lutando, e lutaria até o fim, pelo melhor para Denise.
Assim pensava.
— Marlene, amanhã conversaremos sobre isso.
Vou apanhá-la no final do expediente e iremos à praia, vamos sentar num barzinho, relaxar e conversar com tranquilidade a respeito disso.
Renato não fez um convite, a proposta não estava em discussão, ele afirmara e marcara a conversa.
Sabia ser firme quando queria, embora seu maior trunfo fosse a capacidade de persuasão, a persistência e a paciência.
Às vezes, era, de facto, indiferente ao problema e às emoções envolvidas e aquilo se tornava uma qualidade e fazia dele um hábil negociador.
A razão fria também contribui para a paz, pois não anula a compaixão, mas tira o drama de cena e reduz a intensidade do problema.
Em geral a razão simplifica os problemas do coração.
E é uma boa aliada.
Renato não era apenas uma "cabeça fresca", era menos emotivo que a mulher, era um pacificador nato.
No dia seguinte, Denise saiu muito cedo de casa.
A noite fora insone e ao ver surgir o novo dia correu para a liberdade.
Sentira-se presa e oprimida.
Não conseguira retornar ao equilíbrio perdido após a discussão com a mãe.
Sabia quem precisava encontrar: seu padrinho Joaquim.
Renato surpreendeu-se por encontrar apenas Camila sentada à mesa do café da manhã.
Sorriu, passou a mão sobre os cabelos escuros da filha e disse:
— Bom dia, filha.
Cadê sua mãe e Denise?
Camila olhou séria para o pai e respondeu:
— Não sei.
— Foi você que fez o café?
— Foi.
— Que beleza!
— Pai, o que vai acontecer?
Renato serviu-se na cafeteira e, com calma, mas sem esconder a preocupação, sentou-se de frente para a filha.
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Sinfonia da Alma -  Laya/Ana Cristina Vargas Empty Re: Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 29, 2018 8:56 pm

— Não sei, Camila.
Espero que tudo fique bem.
Mas Denise e sua mãe não estão cooperando muito.
Tentei conversar ontem, mas foi impossível.
Sua mãe estava alterada demais.
E aprenda comigo, filha, nunca tente argumentar com uma pessoa irada.
A raiva, por vezes, tira a razão e a gente não pensa.
Nos transformamos em um Hulk, uma força imensa, sem controle e burra.
Só queremos destruir o que consideramos ameaça.
Se eu tivesse tentado conversar com elas ontem, teria apenas colocado mais lenha na fogueira.
Você me entende?
Camila ouvia com atenção, fingindo interesse nos cereais com iogurte que comia sem sentir o sabor.
— Entendo. Fiquei com medo da briga delas e me calei, mas enquanto elas discutiam, perdendo o controle e se agredindo, pensei exactamente o que está me dizendo, pai.
Eu só teria posto lenha na fogueira e me queimado junto.
Acho que não resolveria nada.
Mas gostaria de fazer alguma coisa para melhorar esse clima.
Não quero nem pensar em como serão os próximos meses.
O que vamos fazer?
Você acha que a mãe está certa em se meter desse jeito na decisão da Denise?
Renato admirava a inteligência e a sensibilidade da filha mais nova.
Era mais difícil conviver com ela do que com Denise.
Camila era quieta, reservada, bem mais séria do que a irmã, mas nascera independente.
Fora uma menina que crescera sem que eles percebessem, não se lembrava de ele e Marlene terem algum dia dividido preocupações sobre Camila.
— Daremos um jeito, Camila.
Sua avó sempre dizia que na Terra tudo passa.
Então essa fase também passará.
— É, tudo passa, não tem como dizer o contrário.
Mas, como passa?
Quais as marcas que ficarão?
Vai passar, mas as coisas nunca mais serão iguais, pai.
Não tem como voltar e engolir o que se disse ou apagar o que se fez.
Conversei com a mana ontem à noite.
Ela não vai desistir da música.
E, sinceramente, o que há de errado nisso?
Vocês adoravam quando ela cantava para as visitas.
Desde pequena, viviam exibindo a mana.
Nunca perceberam que ela adora arte, que isso é vital para ela e que ela era diferente de uma caixinha de música?
Renato enrugou a testa.
Camila falava com calma, sem irritação, e fazia-o pensar e recordar o passado.
Ela tinha razão, como pais eles haviam brincado com o talento de Denise.
Não fora proposital, nem tinha como, pois nunca haviam pensando naquele talento.
Era uma diversão, um encanto, algo que se orgulhavam de mostrar aos outros:
como a menininha deles cantava bem, como aprendia rápido e era afinada.
Bebericou o café e encarou Camila.
Um meio sorriso ergueu-Ihe o canto esquerdo da boca ao reconhecer:
— Deveria agradecer a Deus mais seguidamente: tenho uma filha talentosa e outra muito inteligente e sensata.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 29, 2018 8:56 pm

Por incrível que pareça, você é mais madura que Denise.
É possível que se fosse você que desejasse estudar na Europa, não houvesse a metade da confusão que estamos vivendo.
E não pense que a amamos menos, não é isso.
Mas você sempre foi mais segura e independente.
Tanto que acaba de me mostrar um erro sério:
nós tratamos Denise como uma caixinha de música, você está certa.
Doeu ouvir, mas... eu admito.
Camila ouviu calada, pensativa.
Tivera ciúme da irmã, julgara-se preterida, mas quando começaram as brigas constantes, tinha entendido que os pais não eram infalíveis ou santos, eram humanos e erravam.
Percebeu o que eles não viram:
tinham tratado o talento de Denise como um brinquedo.
E agora as desavenças punham a nu o desejo de controlar e dirigir.
Não respeitavam a individualidade dela, não respeitavam a arte nem o mundo que não conheciam e sobre o qual tinham preconceitos.
Pensou em dizer ao pai que ainda não sabia muito do seu futuro, mas que tinha certeza de que não era uma caixinha de música.
Pensou, mas não falou.
— Denise, desde bem pequena, é frágil.
Até a saúde dela é delicada, qualquer coisinha a deixa doente.
Você é mais forte em todos os sentidos.
E sua mãe se preocupa com as esquisitices da sua irmã.
Eu acho bobagem, mas você conhece a sua mãe.
Ela tem medo de que Denise vá se deprimir seriamente longe de casa — prosseguiu Renato.
Camila continuou pensativa.
As famosas crises da irmã...
— Dizem que os artistas são temperamentais, pai.
E vocês não podem mais negar que a mana é uma artista.
É o destino dela.
E faz muito tempo que ela não tem nenhuma crise.
Ela está bem, saudável, e não é mais uma menininha.
Pai, a mana é uma mulher adulta.
Já tem vinte e dois anos.
Se ela não decidir a vida dela agora, quando vai ser?
Aos trinta? Aos quarenta?
Será que não vai ser tarde demais?
E quem disse que com a idade se escolhe melhor?
Se ela nunca puder tomar decisões sozinha, se ficarem sempre aflitos com o que poderá acontecer, acho que nem aos cinquenta ela saberá decidir.
— Não é tão simples, filha.
Quando você tiver filhos irá nos entender — revidou Renato, percebendo que seria difícil manter a conversa com Camila.
Ela o desarmava, questionava e desestruturava ao mesmo tempo.
Deixou-o confuso e o fez recuar ao argumento da autoridade da idade e da experiência.
— Você já foi filho, já teve a idade da Denise e pode nos entender.
Nunca desejou algo diferente da vontade do vô e da vó?
Pai, o que você disse é um desperdício de vida.
Não existe defesa para esse argumento.
É um absurdo!
Camila consultou o relógio de pulso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 29, 2018 8:57 pm

Tomou o suco em um gole, levantou-se e disse:
— Pense, pai.
Se tiver algo que eu possa fazer para melhorar o clima aqui em casa, me avise.
Vou procurar uma saída também, tá certo?
Renato balançou a cabeça concordando.
Ouviu a porta se fechando, seguido do som suave do emissário dos ventos.
"Deus! Quem são minhas filhas?", pensava, ruminando a conversa com Camila.
"Desde quando Camila está tão madura?
Por que não vi essas transformações?"
No meio da manhã, ouviu o alerta de que tinha uma postagem nova em seu Facebook, mas não tinha tempo para vê-la.
Somente após o fim do expediente leu a mensagem de Camila:
"Não se pode perder muito de um líquido que cai gota a gota (= a vida) " Séneca.
— De onde ela tirou isso? — falou consigo mesmo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 29, 2018 8:57 pm

Capítulo 06
Passaram-se os dias.
Algumas horas correram céleres e outras se arrastaram, pesadas, exaustivas, como caminhar em um pântano.
Denise e Marlene pouco conversavam, uma barreira de gelo se estabeleceu entre elas, atrás da qual cada uma guardava no íntimo o fogo da ira e da mágoa.
No entanto, mantinham as aparências em um relacionamento superficial.
Marlene suspendera toda ajuda financeira a Denise depois que a matrícula do curso de jornalismo fora trancada.
Não fazia uma única pergunta a respeito do projecto da filha de estudar na Europa, ao contrário, exigia colaboração em actividades banais apenas com o intuito de roubar-lhe o tempo de estudo.
Picuinhas domésticas, um boicote por ter sua "autoridade" afrontada.
Denise, após a conversa com Joaquim, sentia-se fortalecida.
Seu tio riponga, com seu estilo alternativo e sua filosofia muito pessoal de vida, a apoiara.
Ouvira-a com atenção.
Ele não carregava celular no bolso, com acesso a internet e mil parafernálias electrónicas.
Não era um bip ambulante e nem se parecia com um vaga-lume, com uma luz piscando em algum bolso.
Joaquim sentou-se sobre o tapete de algodão rústico, cruzou as pernas, apoiou o cotovelo no joelho e olhou a sobrinha enquanto a ouvia, em silêncio.
Ficou pensativo por longos minutos depois que Denise, cansada, calou-se.
— Tua língua está em chamas, menina — comentou Joaquim, sorrindo candidamente.
Nossa! Você despejou tanta coisa nos meus ouvidos que nem sei o que dizer.
Denise encarou o padrinho desanimada, desiludida com suas palavras.
— Calma, meu bem.
Eu preciso pensar.
Não posso ouvi-la e me contaminar com seus sentimentos e suas ideias, senão seremos dois ardendo nesse fogo.
Não é isso que eu quero, nem você.
Tenho certeza de que não veio aqui roubar a minha paz, pelo contrário, necessita compartilhar um bocado dela.
Venha cá. Deite-se aqui no tapete e coloque sua cabecinha aqui — e apontou os pés cruzados.
Você está cansada, precisa relaxar.
Pensaremos melhor se vibrarmos na mesma sintonia.
Do contrário, não tenho como lhe dar o que veio procurar comigo.
Denise obedeceu. Amava o padrinho e seu jeito tão diferente do restante da família.
Seu pai dizia que o irmão era esquisito, desligado, alienado, por isso pouco conversavam.
Mas ela descobrira durante a adolescência que não era essa a melhor definição para a personalidade de Joaquim.
Ele era autêntico, pacífico e respeitoso, não impunha a ninguém seu modo de viver: a cabana na praia, a escola de surfe, as reuniões com seus amigos naturalistas, as estantes repletas de livros e CDs, uma namorada, ou melhor, um casamento, mas cada um residindo na própria casa, preferir uma bicicleta a um carro, cabelos na altura dos ombros, embora as entradas na fronte avançassem para a calvície, fazer churrasco assando batatas, cebolas e abóboras em vez de carne.
Enquanto se deitava sobre os pés do padrinho, Denise rememorava num lance o que o distinguia da família.
Ah, ele não ia a igrejas, nem a cemitérios, afastava-se de qualquer ambiente que lembrasse culto organizado.
Não tinha carteira de trabalho assinada, nem contribuía para a previdência social.
Ela se lembrou das muitas reprovações que Marlene fazia ao cunhado.
— Isso. Relaxe.
Inspire e expire bem devagar.
Esqueça tudo, agora.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 29, 2018 8:57 pm

Concentre-se na sua respiração — orientou Joaquim, enquanto, com os polegares, fazia movimentos circulares, lentos, massageando as têmporas da sobrinha.
Preste atenção.
Ouça o mar, o som das gaivotas.
Respire profundamente, encha os pulmões várias vezes.
Denise entregou-se aos cuidados do tio e relaxou.
Ele sorriu e continuou orientando-a, com voz pausada e serena:
— Muito bom! De novo. Óptimo.
Respire bem fundo e segure o ar.
Conte até três, devagar, e solte lentamente o ar.
Repita algumas vezes.
Sentindo-a calma, Joaquim abandonou a massagem e displicentemente acariciou lhe os cabelos, fazendo cafuné na nuca.
Ela riu descontraída e espreguiçou-se.
— Coisa boa! — declarou a jovem.
Estou novinha em folha.
— Hum, óptimo.
Tenho um suco de maracujá divino, e ainda não comi hoje.
Vamos sentar lá fora?
Denise levantou-se tagarelando:
— Eu pego. Estou mesmo com fome.
Tem sanduíche?
— Cenoura, beterraba e pepino, com ricota.
— Parece gostoso.
Carregaram o lanche até a varanda.
Denise colocou a jarra e o prato de sanduíches sobre uma mesa baixa, na verdade um tronco de árvore que Joaquim esculpira transformando em mesa.
Depois, acomodaram-se nas redes.
A casa ficava no alto do morro, cercada de vegetação, com vista para a praia.
Àquela hora, apenas alguns alunos aventuravam-se no mar.
— Você está reivindicando a si mesma, Denise, a propriedade do seu ser.
Não desista!
Vá em frente, viva de acordo com os seus desejos, com a sua vontade, com o que você pensa e acredita.
Não há nada errado em ser quem você é, ou como é.
Batalhe pelo que quer.
A sua mãe ou já fez isso um dia ou não é feliz.
É simples assim!
Não precisam brigar, devem se respeitar.
Sabe, um dia os homens precisaram colocar cercas, muros, divisas e declarar aos outros que aquele pedaço de terra era sua propriedade.
Dono era quem estava dentro das divisas.
Quem estava fora, tinha que respeitar o limite, não podia invadir.
Se invadisse estava feita a guerra.
Prosperamos e criamos uma papelada para apresentar aos outros a nossa propriedade e, se você não tem um papel escrito, já não adianta berrar.
Mas, se você tiver, pode berrar, gritar e fazer tudo que for preciso para defender o que é seu e evitar o desrespeito, o abuso.
O engraçado é que quando se trata do espaço interior, nada disso existe.
Só uma coisa funciona:
a força da tua vontade.
É com ela que você erguerá as divisas.
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