LUZ ESPÍRITA
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Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

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Sinfonia da Alma -  Laya/Ana Cristina Vargas - Página 2 Empty Re: Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 29, 2018 8:57 pm

É com ela que conquistará todos os títulos que quiser.
É com ela que você terá força de berrar e gritar "Chega! Dane-se! Saia daqui!" para quem não respeitar os seus limites interiores, para quem não respeitar o direito que você tem de ser dona de si mesma.
Denise ouviu atenta a colocação de Joaquim.
Ele afastou o olhar e contemplou o mar, mordendo com vontade o sanduíche.
Comeram em silêncio, relaxados.
E não voltaram a tocar no assunto.
Mais tarde, foram à praia e, ao meio-dia, quando Denise cruzou os portões da faculdade, estava segura e tranquila.
Estava em paz consigo mesma, feliz com a decisão de investir sua vida no que a realizava.
Confrontara-se com o facto de que a mãe não era perfeita e que mesmo o dito mais puro amor pode machucar, porque não é tão puro assim.
Estava ferida e decepcionada, por um lado, e mais forte e madura, por outro.
Um mês havia transcorrido.
Ficava o máximo de tempo na faculdade ou com Vanessa.
Era a forma de conseguir concentrar-se.
Longe dos olhos, longe do coração.
A distância é uma amiga em muitas situações.
A crise aproximara Renato e Camila.
Pai e filha descobriram-se.
Camila era introvertida, embora não fosse tímida.
Talvez reflexiva definisse melhor a conduta da jovem.
Facto incomum em sua idade.
Tal como o pai, ela tinha pendores à pacificação. Formaram uma frente unida tentando transformar o clima pesado no lar.
Marlene mantinha-se irredutível e, de certa maneira, estendera sua inconformação ao marido e à filha caçula.
Culpava-os por apoiarem Denise.
Sentindo-se isolada e ciente de que a família enfrentava uma crise, esforçava-se para moderar a agressividade.
Adoptara uma conduta calada, respostas secas, curtas e grossas.
— Vamos tomar um sorvete, mãe? — convidou Camila em um fim de tarde particularmente quente.
0 pai vai demorar, ligou mais cedo dizendo que estava negociando um apartamento muito caro.
— Hum! Boa notícia!
Tomara que ele feche o negócio — respondeu Marlene, largando a revista que folheava deitada no sofá da sala de som e vídeo.
Você trouxe sorvete?
— Não, mãe.
Pensei em irmos até a sorveteria — respondeu Camila, encostada no batente da porta.
Está tão quente.
Acho que será bom sair um pouco.
Uma salada de frutas com sorvete, num copo bem grande, e dispenso o jantar.
Marlene pensou.
Denise não parava em casa e o marido não tinha hora para voltar.
— Vamos. Também não tenho fome e a sugestão da salada de frutas com sorvete me convenceu.
Apanhou a bolsa e as chaves do carro e acompanhou a filha.
Conversaram amenidades no caminho e enquanto aguardavam que o pedido fosse atendido.
Camila observava a mãe, esperando o momento ideal.
Ela e o pai haviam amadurecido a ideia, mas planejar fora mais fácil do que executar.
Por fim, cedendo à ansiedade, e assumindo sua característica típica, perguntou sem rodeios:
— Mãe, você está feliz com essa situação que estamos vivendo em casa?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 29, 2018 8:57 pm

Marlene, distraída, admirava o movimento da calçada.
Piscou. Sentiu-se insegura com a pergunta feita à queima-roupa.
Camila estava quebrando o código do faz de conta que imperava nos últimos dias.
Isso incomodou-a e considerou ignorar a questão.
— Mãe! — insistiu a jovem.
Estou cansando dessa brincadeira.
Por que não falam abertamente?
Por que não assumem uma posição?
Sabia que o tempo da Guerra Fria acabou faz tempo?
É, o meu professor de história disse que acabou nos anos oitenta.
Saiu de moda, sabe?
Marlene ouviu, sem afastar os olhos da calçada.
E, permanecendo nessa posição, respondeu à filha:
— Eu sei Camila.
Mas um dia você aprenderá que engolir sapos é muito difícil, tolerar erros, ainda mais.
E, acima de tudo, quando for mãe, você irá entender o dever de lutar pela felicidade da sua filha e o quanto se faz e pensa de bobagem na juventude.
É por isso que a "Guerra Fria" volta à moda.
— Mãe, olhe pra mim.
Eu acredito que você quer o bem da mana, assim como todos queremos.
Mas, me responda, sinceramente, como você sabe que a sua decisão a fará feliz e a dela não?
Marlene sorriu, julgando pueril a argumentação, e retrucou com uma palavra:
— Experiência.
— Sim, experiência. Tudo bem.
Mas experiência de quem? A sua, é lógico.
Mãe, como foi que você escolheu ser economista e fazer o que faz hoje?
— Eu queria e seu avô me apoiou.
Formei-me, conheci seu pai, casamos, tive outros empregos até chegar aonde estou agora.
É o caminho normal, Camila.
Precisamos trabalhar para viver.
— Não seria viver para trabalhar, mãe? — propôs Camila.
Desconcertada com a clara reprimenda em forma de correcção, Marlene deu de ombros e comentou:
— É graças a isso que você e sua irmã frequentaram as melhores escolas, estão vestidas, vivemos numa boa casa.
Filha, isso é a vida.
Não tenha ilusões fantásticas de que Denise vai se dar bem e manter o padrão de vida a que está acostumada cantando em bares e restaurantes em troca de couvert artístico.
Sinceramente, fico deprimida só de pensar em um futuro assim para sua irmã.
Não é o sonho de nenhuma mãe.
Pode ter certeza disso.
— É essa a questão, mãe.
É o seu sonho para a vida dela.
E isso precisa mudar.
A mana não tem essa preocupação com grana e coisas materiais como você e o pai.
Tudo o que me disse se resume em trabalhar para ganhar dinheiro.
E dinheiro para quê? Para comprar, para ter...
Bom, mãe, se isso a realiza, legal, tudo bem.
Mas a mana pensa e sente diferente.
Ela não conseguirá trabalhar somente por dinheiro.
Se tiver que fazer isso, vai adoecer.
Marlene riu nervosamente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 29, 2018 8:58 pm

O assunto a incomodava e não queria discutir com a filha, mas Camila insistia e a estava irritando.
— Camila, a necessidade obriga a trabalhar por dinheiro.
É fácil você dizer isso agora.
Está alimentada, limpa, vestida, tem uma boa vida...
Para isso, é preciso dinheiro e é sim por essa razão que se trabalha.
Para pagar as contas no fim do mês, a prestação da casa, o cartão de crédito, as mensalidades escolares, o cinema do fim de semana, e até aquele churrasquinho no quintal não acontece sem dinheiro.
E quando você for adulta, terá essas coisas para considerar.
Então a solução será trabalhar e, de preferência, em algo com um bom retorno financeiro, estável.
E para realizar todas essas coisas, filha, é preciso estudar, ter uma boa formação.
É o que estou tentando dar a vocês.
Denise está disposta a jogar pela janela.
Espero que você pense melhor no sacrifício que estamos fazendo por vocês.
— Eu não sei como você pode ter certeza de que a decisão dela não permitirá que ela trabalhe no que gosta e isso lhe dê grana suficiente para viver.
Não devia considerar nessa boa vida futura as despesas médicas?
Um tratamento psiquiátrico é uma fortuna!
Eu li a respeito das doenças causadas pelo vazio profissional e pela insatisfação.
Isso não a preocupa?
— Bobagens — retorquiu a mãe.
Marlene menosprezou o argumento da filha, recusando-se a seguir sua linha de raciocínio.
A garçonete interrompeu a conversa, entregando os pedidos e dispondo as taças na mesa.
— Vamos deixar esse assunto de lado, Camila.
Não quero ter uma indigestão e muito menos discutir com você em público.
— Não quero discutir nem ser desagradável, mãe.
Queria apenas que a gente pudesse pensar, conversar e tentar encontrar uma saída para essa situação pastosa lá em casa.
Sei lá, talvez uma reunião familiar para conversarmos como adultos sobre a questão. Só isso.
Marlene apanhou a colher e atacou a salada de frutas, descarregando um pouco da frustração nela.
E também era uma forma de não falar.
Camila analisou a mãe.
Marlene estava enraivecida, ultrajada, colocava-se na condição de vítima de uma injustiça e não hesitava em cometê-la.
"Parece com aquelas rainhas e reis de filmes, bastava não fazer-lhes a vontade e a ira os dominava, puniam e castigavam as pretensas ofensas à sua realeza e autoridade divina" pensou.
Desapontou-se com a mãe, ainda não a tinha enxergado daquela forma.
Sentiu-se intimamente mal, e até culpada, pelo teor de seus pensamentos.
No entanto, a visão de Marlene emburrada tornava difícil ignorar a ideia e os sentimentos despertados.
Ataques de raiva e birra são condutas infantis, adultos devem ser capazes de ter autocontrole e lucidez.
A inteligência diz que raiva e birra não resolvem nem o "problema gerador" nem os sentimentos desalinhados.
O caminho é em outra direcção, é preciso usar a razão e a lógica, pôr freios ao desalinho e conduzir as forças emocionais.
Triste, Camila consumiu a salada de frutas.
Sabia que era doce e cítrica, mas não sentiu os sabores.
Por fim, Marlene voltou a falar, comentando as roupas de um grupo grunge reunido em um canto da sorveteria.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 29, 2018 8:58 pm

A jovem respondeu com monossílabos, sem prestar a menor atenção.
Em casa, Renato aguardava mulher e filha deitado no sofá da sala de vídeo e som.
Cumprimentou-as alegremente e fixou o olhar na filha.
Estabeleceram uma comunicação muda, baseada em troca de olhares e leitura das expressões corporais.
— Pai, estou cansada.
Vou deitar, tá?
Amanhã conversamos.
Boa noite — falou Camila, beijando o pai e seguindo para o quarto.
— Ok. Durma bem, minha filha — respondeu Renato, entendendo a falência da estratégia traçada.
Camila também não conseguira demover Marlene da concha fria e dura das ideias em torno das quais se fechara.
Renato desanimou, ficou triste e sem nenhuma vontade de ficar ao lado da esposa.
— Estou cansado também.
Vou tomar um banho e dormir — comunicou à esposa.
Renato deixou-a na sala, sentada no sofá, com o olhar fixo na televisão, como se estivesse absorvida pelo programa.
E foram longos e arrastados os meses até a publicação dos contemplados com a bolsa de estudos.
Denise passou o mínimo de tempo possível em casa.
Sofreu o distanciamento antecipado da família, estudou e trabalhou muito.
Miguel e Catarina chamaram-na muitas vezes para trabalhar com eles em casamentos, eventos e apresentações.
Assim, seus finais de semana e algumas noites foram totalmente ocupados.
Enquanto amealhava fundos para a viagem, conquistava desenvoltura e confiança nas apresentações, estudava, divertia-se, fazia o que lhe dava prazer e esquecia o difícil relacionamento com a mãe.
Acompanhada de Vanessa e Miguel, Denise recebeu a notícia da aprovação.
Emudeceu com a carta nas mãos, já com as instruções de como proceder na escola francesa.
A jovem literalmente desabou na poltrona da sala da professora.
— Você está bem, Denise?
Não ficou feliz?
Você conseguiu! — falou Vanessa, preocupada com a reacção da jovem.
Miguel a olhava.
Denise o surpreendia, a seu ver ela tinha uma forma ímpar de expressar os sentimentos.
Isso ficava claro na forma como interpretava as músicas.
Por isso, aguardou.
Ela lhe parecia sufocada por emoções fortes, intensas e contraditórias.
Vanessa o encarava aflita.
Então, Miguel lembrou-se da primeira vez em que haviam cantado juntos.
Tomou a mão de Denise e apertou-a subtilmente, com expressão zombeteira, encarou-a e cantou a estrofe de Verdi de La donna è mobile.
Depois, abaixou-se e abraçou-a, dizendo:
— Parabéns, amiga! Você mereceu.
Foi uma disputa difícil e justa.
Vamos comemorar!
Dénis rompeu em lágrimas e risos.
Miguel acertara, ela estava sufocando em emoções.
— Agora é hora de comemorar — murmurou ele, abraçando fortemente Denise.
Comemorar muito!
É uma chance de ouro.
Esqueça o resto, não pertence a este momento.
Foi o preço pago, é assunto encerrado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 29, 2018 8:58 pm

Agora, é curtir, e muito, esta vitória. Vamos!
— É isso mesmo! — apoiou Vanessa.
Vamos juntar a turma e comemorar.
Denise deu um estalado beijo no rosto de Miguel e desenvencilhou-se do abraço.
— Obrigada! — disse sorrindo e estendendo as mãos aos amigos.
Por tudo! Eu não teria conseguido sem vocês.
Encarando Miguel, carinhosamente, completou:
— Você tem razão.
Vamos comemorar hoje.
Vou chamar minha irmã e avisar meu pai.
Eles também me ajudaram.
Meu pai me ajudou ao modo dele.
Não sei se acreditava mesmo em mim.
Mas a mana me deu muita força.
Quero que ela venha.
Vanessa e Miguel concordaram e empurraram-na para fora da sala.
Amigos e funcionários da faculdade aplaudiram quando Vanessa anunciou que Denise conquistara a vaga para estudar na França.
Comemorar o presente.
Denise fez do conselho de Miguel um lema e um norte para sua conduta.
Descobriu, naquele dia, um acesso a uma fonte interior de força e alegria, e que bastava a si mesma.
Dirigir o olhar para valorizar o que se tem e não o que falta trará sempre motivos para comemorar e alegrar-se.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 30, 2018 9:41 pm

Capítulo 07
Mais céleres correram os meses até a partida de Denise.
Como em um sonho, ela viu passar os dias cheios de preparativos e carregados de sentimentos presos na garganta.
Alternavam--se como em uma gangorra a alegria e a tristeza, uma fazendo sombra quando a outra aparecia.
Foi assim, cansada, exaurida, mas sempre lutando, que Denise acomodou-se na poltrona do avião e afivelou o cinto.
Estava sentada na fileira do meio da aeronave.
Não conseguia ver o pai, a irmã, Vanessa e Miguel com os rostos colados na grande parede de vidro com vista para a pista de decolagem.
Renato e Camila, abraçados, continham as lágrimas dizendo a si mesmos que a separação era temporária.
No entanto, já sentiam o vazio da saudade e o bom e velho egoísmo soprava-lhes ideias de temor quanto ao futuro de Denise.
Deixou-os inseguros, fazia-os questionar se, de facto, fora bom tê-la apoiado.
Velho terrível!
Ele se camufla de mil maneiras, sob mil palavras zelosas, para esconder que não queria sofrer, que era preferível a dor no outro do que em si.
Camila foi a primeira a reagir, policiando o pensamento e impondo-lhe novo rumo.
Calou o velho firmando o pensamento no sucesso da irmã.
E sorriu.
Renato ainda não decidira se era sonho ou pesadelo a experiência dos últimos meses.
Repetia que era inesperado, pois recusara-se a encará-la antes e adaptar-se.
Estava orgulhoso e, ao mesmo tempo, sofrido.
Vanessa e Miguel eram pura alegria.
Sentiam-se parte da construção da vitória de Denise e comemoravam.
Ansiavam pelas notícias do futuro e falavam como se pudessem estar com ela na aventura do aprendizado em que embarcava.
E Denise?
Bem, ela apoiou a cabeça no encosto da poltrona do avião e reviu, como se fosse um filme, as principais cenas até aquele minuto.
Conscientizou-se de que era como uma seta lançada ao ar.
Tivera afectos apoiando-a, como as mãos do arqueiro manejando a lança; vivera momentos de grande tensão, em especial, com a mãe, e ansiedade para saber se daria conta de tudo...
A equipe de bordo iniciou os procedimentos para decolagem e, mesmo sendo sua primeira viagem intercontinental, ignorou-os, entregue aos próprios pensamentos.
O avião começou a correr na pista e logo Denise deixava o solo e subia.
A seta arremessada ao ar, sozinha, em busca do desconhecido.
Lágrimas silenciosas rolaram de seus olhos.
Em seu estado de espírito, podia-se dizer que o olho direito chorava de tristeza e o esquerdo, de alegria.
No entanto, em meio a essa confusão, percebeu, ou melhor, ouviu em sua mente, permeando o caos, a conhecida voz que a acompanhava:
— Meu rouxinol, estou contigo.
Não temas.
Aquilo foi confortador.
Secou as lágrimas, e, sobrevoando o Atlântico, adormeceu, apesar das turbinas ruidosas.
Renato e Camila despediram-se de Vanessa e Miguel e saíram abraçados, logo se misturando à multidão que ia e vinha arrastando malas pelos corredores do aeroporto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 30, 2018 9:42 pm

Miguel e Vanessa decidiram beber algo em um dos bares do aeroporto, ainda que fosse bem mais caro, e apreciar a vista dos aviões subindo e descendo do céu.
Marlene despedira-se da filha com um abraço e um beijo pela manhã, exactamente igual ao que fazia quando Denise era criança e participava dos passeios organizados pela escola.
No entanto, passou o dia nervosa e agitada.
E os colegas de trabalho murmuravam entre si:
— É a história da filha.
A garota viaja hoje. Coitada!
Apenas Dora, sua chefe directa, observava-a em silêncio.
A piedade em seu olhar tinha justificativas diferentes dos demais.
Notando o tremor nas mãos de Marlene, pensava:
"Há tempo para tudo nesta vida.
Tempo de falar e tempo de calar.
De nada adianta destruir se não puder reconstruir, pôr algo no lugar vago com melhores bases.
Mas chegará o dia."
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 30, 2018 9:42 pm

Capítulo 08
Uma pequena mesa redonda de madeira, com quatro lugares, enfeitada com um vaso de flores naturais azuis, servia a Denise de bancada.
A sala era conjugada a uma cozinha minúscula.
O mobiliário era escasso, além de mesa e cadeiras, apenas um sofá de dois lugares, uma poltrona e um armário que a fazia recordar do velho guarda-louça da sala de sua casa, herdado da avó paterna.
Colocara o notebook sobre a mesa e, seguindo as instruções de uma folha atrás da porta de entrada, conectava-se à internet.
A página principal logo surgiu na tela e ela acessou seu e-mail.
Denise começou a escrever para sua irmã Camila:
Mana, a viagem foi super-cansativa, mas tranquila.
Até agora está dando tudo certo.
Ainda não completei um dia aqui.
O estúdio em que espero viver durante os próximos anos é bem legal.
Fica em um prédio antigo, deve ter uns quatrocentos anos ou mais, e é todinho ocupado por estudantes.
O interior é moderno, foi remodelado, é espaçoso e muito bonito.
Preserva elementos antigos misturados aos atuais, muito bacana!
É funcional, simples e confortável.
Minha colega está viajando, deixou-me um bilhete de boas-vindas.
Acho que não teremos problemas uma com a outra.
Ela se chama Charlotte, é do sul da França, da Provença, e estuda moda.
Tem tudo para dar certo.
Disse que foi passar alguns dias com uma tia-avó.
Deixou-me um vaso com umas florzinhas azuis, bem delicadinhas.
Acho que é lavanda.
O perfume é muito parecido.
E um pacote de madelaines, uma delícia!
Ainda não saí nem me aventurei, mas estou adorando o que já vi.
Tenho vontade de me beliscar para ter certeza de que não estou sonhando.
O fuso horário me deixou meio zonza, estou com sono e não consigo acertar o horário.
O rapaz que me buscou no aeroporto disse que eu devia me esforçar para ficar acordada e dormir quando anoitecesse, mas não consegui e agora estou olhando a madrugada e comendo madelaines.
Como estão aí em casa?
Vou sentir falta.
Depois escrevo mais, senão vou começar a dizer bobagens e a pensar bobagens.
Não é hora. Te cuida, maninha.
Denise Clicou no enviar e ficou observando o ícone rodar até surgir a mensagem:
"enviado com sucesso".
Em seguida, afastou o olhar para a janela aberta, contemplando as luzes e ouvindo os sons da noite, o movimento dos carros, distinguindo à distância os ruídos de um bar nocturno, o som de vozes...
O idioma soava como se tivesse mergulhado em um disco antigo, a sonoridade da língua francesa a encantava.
Havia uma poltrona próxima à janela, e Denise acomodou-se, deliciando-se com a brisa fresca e os sons da cidade.
A ansiedade pelo contacto com o local, com o povo, com os seus vizinhos e principalmente com o curso lhe aceleravam o pensamento e, com espantosa rapidez, suas ideias vagavam entre uns e outros.
Permeava-os a incerteza de como se comunicaria.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 30, 2018 9:42 pm

Tinha um francês rudimentar e não era muito fluente em inglês.
Iria se virar.
Estava convencida de que não era possível aprender sem errar, então expor-se era fundamental.
Ela sabia que os franceses cultuam o idioma, e isso significava que para ser aceita ela teria que se esforçar.
Maurice, o rapaz que a recepcionara, trabalhava na academia de música e aconselhara-a a esforçar-se para se comunicar em francês, confirmando que 1880 facilitaria sua vida e o aproveitamento no curso.
Indicara-lhe um cursinho intensivo de aperfeiçoamento oferecido aos alunos estrangeiros.
Denise esticou-se e apanhou na mesa o panfleto que ele lhe dera.
"Quanto mais ocupada melhor", pensou ela.
"Comunicação é prioridade agora.
É a chave para tudo.
Depois de ir conhecer a escola de música, irei me matricular nesse curso.
Terceiro passo, daqui um mês ou dois, procurarei trabalho.
Tenho um turno livre e não pedirei dinheiro a minha mãe, de jeito nenhum.
A bolsa e mais alguma grana terá que ser suficiente".
Sem perceber, Denise adormeceu.
Despertou com o toque do celular avisando a hora.
Logo ouviu o movimento dos apartamentos vizinhos.
Chuveiros, apito de chaleiras, batidas de porta, corre-corre nos corredores e na escada.
Espreguiçou-se e sentiu a nuca e o ombro doloridos pela má postura durante o sono.
— Hum... — resmungou.
Mas notando o sol e a actividade frenética na rua, alegrou-se e desejou a si mesma:
"Bom dia!"
Mas logo corrigiu-se:
"Bonjour!”
Em minutos, estava pronta e misturava-se aos transeuntes.
A escola ficava há poucas quadras do prédio onde morava.
Denise sorriu ao ouvir vários idiomas enquanto caminhava.
Recordou um livro que ganhara na infância com histórias do Velho Testamento para crianças e considerou Paris uma Babel moderna e excitante.
Tinha milhares de lugares para conhecer!
Extasiada, parou em frente à escola de música.
Arquitectura clássica não era sua paixão, preferia construções modernas.
Sentia-se mal nos prédios antigos.
Mas a sumptuosa e elegante fachada da Ópera de Paris, com suas escadarias em mármore, as grades trabalhadas, as estatuetas das musas e os instrumentos deixaram-na muda.
Havia um movimento intenso de pessoas.
Antes de subir o primeiro degrau, Denise parou e teve vontade de se beliscar para certificar-se de que não estava sonhando.
Seu coração bateu forte e ansiou por estar lá dentro.
Decidida, avançou.
Apresentou-se na portaria e pediu informações, localizando-se no prédio.
— Bonjour! — disse alguém.
O timbre da voz era vagamente familiar Denise olhou para trás e deparou-se com Maurice.
— Bonjour! — respondeu.
— Sei o que está procurando, venha comigo.
Levarei você à sala do professor Michel. Venha!
Grata, Denise sorriu e acompanhou Maurice.
Enquanto percorriam escadarias e corredores, ela não conseguia conter a surpresa e o encantamento com o local.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 30, 2018 9:42 pm

— Nossa! Isso aqui é lindo demais!
Eu não gosto de coisas antigas, mas...
— Compreendo.
O prédio é uma obra de arte.
E beleza não tem idade nem época, os ditos padrões é que têm — comentou Maurice e, em seguida, brincou:
— Às vezes, penso que nossas roupas destoam completamente daqui.
Deveríamos usar as casacas antigas, e as mulheres, aqueles vestidos de quinze quilos.
— Nem pensar! — protestou Denise, pensando no esforço que seria preciso para subir as escadarias.
Mas, ao passar por um dos palcos onde ensaiavam Aida, notou que o figurino de época harmonizava-se perfeitamente com o ambiente.
E rindo concedeu:
— Nos espectáculos é o bastante.
Se ver um ensaio me remete àquela época, imagina a emoção de ver a apresentação oficial.
— Será amanhã à noite.
Quer vir?
— Se é um convite, é claro que eu quero!
Maurice riu e balançou a cabeça, fazendo algumas mechas do cabelo cair sobre a testa.
"Charmoso!", avaliou Denise, feliz e relaxada.
— A que horas será o espectáculo?
— Às vinte e uma horas.
Chegamos! — anunciou Maurice, parando em frente a um gabinete fechado com altas portas de folhas duplas, em madeira entalhada.
Posso buscá-la amanhã às vinte horas?
— Claro, estarei esperando.
Feliz e cheia de expectativa com a entrevista com o regente, professor Michel, Denise colocou-se na ponta dos pés e estalou um beijo na face de Maurice.
— Obrigada! — disse baixinho.
— Merde, petit! — sussurrou o jovem em seu ouvido, enquanto sorria e afagava-lhe o ombro.
Ela riu, pois sabia que a palavra era uma expressão utilizada para desejar sucesso antes das apresentações.
O breve encontro deu-lhe confiança e a sensação de poder abrir todas as portas e vencer as dificuldades.
Lembrou-se da irmã e das frases que vivia copiando em seus cadernos e postando nas redes sociais.
Recordou uma que Camila repetia quando temia algo no futuro próximo ou distante.
Quase podia ver a irmã dizendo:
"Hoje está tudo bem.
Concentre-se nisso".
Segura, bateu na porta e aguardou a permissão de entrar.
Surpreendeu-se quando ela foi aberta de supetão.
Um homem alto, magro, com cabelos castanhos e alguns fios brancos, rosto fino e olhos claros a fez erguer o rosto para encará-lo.
Aparentava estar próximo dos cinquenta anos.
Calmo, falando pausadamente, ele indagou:
— Senhorita Denise Pereira?
— Sim, senhor.
— Bom dia, por favor, entre.
Nossa conversa será breve.
Denise entrou e parou em frente a uma belíssima mesa de madeira clara, com muitos detalhes esculpidos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 30, 2018 9:43 pm

Atrás da mesa havia uma confortável cadeira e, na frente, dois pequenos sofás compunham um conjunto acolhedor.
De relance, notou várias pinturas expostas nas altas paredes e um tapete oriental que cobria grande extensão do piso.
— Sente-se, por favor.
A conversa foi realmente breve.
Denise temia um interrogatório, mas Michel logo a fez sentir-se à vontade e conduziu a entrevista de forma eficiente, agradável e produtiva.
Denise saiu da entrevista com a sugestão dada por Michel de andar pelo prédio livremente e sem pressa para conhecê-lo.
E foi o que fez. Passava do meio-dia quando encerrou sua visita.
Entendeu o objectivo da sugestão do professor:
agora tinha noção do que esperar e já sabia o que a atraía mais, isso facilitaria o seu aprendizado sobre o prédio:
as várias escolas existentes ali e a sua rica história com mais de três séculos.
Naquele momento, não havia conhecimento a ser menosprezado.
Caminhando pela calçada, sentia-se excitada demais, ansiosa para armazenar uma infinidade de informações.
Andou até chegar a um dos muitos jardins da cidade e, ao ouvir o estômago roncar, reconheceu a fome.
Pôs-se a procurar onde comer, o que não era difícil de localizar, mas chamou-lhe a atenção muitas pessoas fazendo a refeição ao ar livre, nos bancos do jardim.
Observou o movimento até localizar, ao lado da porta de um restaurante, um balcão onde vendiam baguetes e bebidas.
Havia uma pequena fila.
"É isso", decidiu Denise, sorridente.
Lera sobre esse hábito, mas não o imaginara tão agradável e apreciado.
Comprou seu lanche e acomodou-se no jardim, encantada, observando o movimento, o vaivém de uma multidão permeada pelo voo das pombas sempre à cata de migalhas de pão.
Fez várias fotos pensando em enviá-las aos amigos no Brasil.
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Sinfonia da Alma -  Laya/Ana Cristina Vargas - Página 2 Empty Re: Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 30, 2018 9:43 pm

Capítulo 09
Entre Denise e Charlotte houve amizade à primeira vista.
Simpatia instantânea, imediata.
Denise encantou-se com a alegria contagiante da companheira.
Não se tratava de euforia, mas de uma personalidade vivaz, cativante.
Charlotte possuía aquele brilho no olhar que ilumina todo o ser e isso a fazia sorrir serenamente.
Era uma moça de aparência comum.
Nenhum de seus traços se sobressaía ou chamava atenção.
Cabelos e olhos castanhos, pele clara, altura mediana, com peso saudável, não usava o manequim das passarelas.
No entanto, ela era extremamente atraente e popular.
Namorados e amigos tinha em abundância e com facilidade, consequência directa do seu magnetismo pessoal, reflexo de seu modo de ser.
Simplesmente atraía, e as pessoas tinham prazer em estar ao seu lado.
— Problemas, dificuldades, empecilhos, achaques, decepções, tristezas, fraquezas?
Quem não enfrenta isso? É humano.
Quando me provarem que se supera essas coisas ficando encerrada pensando, choramingando ou reclamando a cada instante, bem, então eu mudarei.
Por enquanto, acredito que a alegria suaviza todos os pesares e me dá força.
Seja o que for, irá passar.
E se for uma dor muito forte, essa mesmo que termina ligeiro, nem que seja pela morte — filosofava a jovem, rindo, sempre ocupada com algo, com seus projectos, desenhos etc.
Eu penso melhor em movimento e sem permitir que uma única coisa ocupe a minha vida.
Seria muita pobreza! — dizia ela, rindo, justificando uma gama de interesses variados, quase tão variados quanto a faixa etária de seus amigos que, literalmente, ia dos oito aos oitenta anos.
Charlotte simpatizou com a simplicidade de Denise, com sua abertura ao aprendizado, a coragem de aventurar-se na conquista do que desejava longe de casa, fora do seu país.
Gostava dessa força interior em franco e visível desenvolvimento.
Enxergava nela uma flor se abrindo, e a beleza desse momento a envolveu.
Charlotte estava em Paris havia um ano.
Vivera os últimos dez anos em Nancy, na companhia de sua única familiar, a tia Berthe, irmã adoptiva de sua avó.
Seus pais e seu irmão mais novo haviam morrido em um acidente de carro quando ela tinha treze anos.
Um pouco mais de uma década se passara, e tia Berthe fora e era uma presença fundamental em sua vida.
Essa amizade deu a Denise o equilíbrio para enfrentar as barreiras culturais e de comunicação.
E ambas divertiam-se com as dificuldades.
O companheirismo de Charlotte ajudou Denise a superar os momentos de saudade de casa, da família.
Afinal, a amiga francesa era uma exímia sobrevivente dessas dores.
Ao fim do segundo mês vivendo na França, começaram a surgir problemas maiores.
A euforia das novidades, do mundo novo a descobrir, da liberdade, não encobria mais o que jazia no fundo do ser de Denise.
Em uma terça-feira, Charlotte encontrou-a no fim da tarde jogada sobre a cama da mesma forma que a deixara ao sair logo após o almoço.
Estranhando a inactividade da companheira, aproximou-se do batente da porta e observou Denise, que fitava o tecto com o olhar perdido no vazio.
— Olá! — cumprimentou Charlotte.
— Olá respondeu Denise, apática.
— Cansada?
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Sinfonia da Alma -  Laya/Ana Cristina Vargas - Página 2 Empty Re: Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 30, 2018 9:43 pm

— Um pouco.
— Não quer caminhar comigo?
O entardecer está lindo.
É preciso aproveitar, logo chegará o frio.
Podemos comer crepes mais tarde.
Denise olhou a amiga.
Não estava com nenhuma vontade de sair, sentia as pernas pesadas, estava sem energia, mas Charlotte parecia ignorar seu estado de ânimo.
— Vamos, Denise! — insistiu a francesa.
O ar da rua e o movimento lhe farão bem. Vamos!
Movendo-se com esforço para sair da cama, Denise concordou.
Charlotte era sua melhor amiga, sua família na França, acolhera-a e ajudava-a tanto que merecia seu empenho em vencer a melancolia vinda do nada que a abatera naquela tarde.
"Fazia tempo que essa uruca não descia", pensou. "Droga!"
Achava que tinha se libertado dela, afinal conseguira realizar seu sonho e estava tudo tão bem! Mas...
— Você tem razão, Charlotte.
Sei lá o que me deu.
Vamos, sim. Quero crepes de champignon e vou tomar vinho.
— É claro, um bom vinho branco, queijo e champignon e você estará revigorada — apoiou Charlotte, rindo.
Vamos pegar o metrô e ir até Notre Dame?
Tem um crepe delicioso por lá.
— Metrô? A essa hora é muito agitado.
Não podemos ir a algum local mais perto?
Crepes de champignon são fáceis de encontrar na rua.
Não é melhor ficarmos pelas proximidades?
Estou indisposta e, de repente, encarar o metrô...
— Está bem! Mas vamos logo.
Aqui dentro, na penumbra e no silêncio, essa indisposição não passará.
Eu sei, nem pense em retrucar.
Conheço cara de melancolia.
Denise, acredite em mim.
Cultivar melancolia só piora a situação.
É preciso espairecer, evite mergulhar nessa onda.
É como se jogar no abismo, e quanto mais tempo ficar jogada na cama, olhando o vazio, menos força terá.
— Falou a voz da sabedoria — escarneceu Denise.
Parece minha mãe.
Ela também acha que sabe o que é melhor para mim.
— Não, não mesmo.
Eu não digo o que deve fazer da sua vida, estou apenas alertando-a sobre a escolha que está fazendo com seus sentimentos.
Entregar-se e não pensar é mais fácil, mas é muito caro pagar por essa atitude.
Isso é bem diferente de me meter na sua vida.
Mas se quiser ficar jogada na cama e deixar-se afundar numa melancolia sem causa, bem, nada posso fazer.
Afogue-se. É isso que quer?
— Desculpe-me, Charlotte.
Estou azeda hoje.
Charlotte suspirou e fez um gesto com a mão, querendo dizer "deixa pra lá, não tem importância".
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 30, 2018 9:43 pm

Denise calçou os sapatos, apanhou uma jaqueta jeans, enrolou um lenço colorido em volta do pescoço, pegou a bolsa e já saía do quarto quando a amiga parou-a, estendendo-lhe um estojo com maquiagem.
— Um pouco de cor, querida.
Esses monstrinhos não toleram beleza, cuidado, perfume e alegria. Espante-os!
Denise sorriu.
"Talvez essa maluca da Charlotte tenha razão", considerou.
E, lembrando-se dos períodos no passado quando esse sentimento pesado de vazio, solidão, tristeza e da angustiante falta de alguém indefinido a fizera mergulhar em estados mórbidos, comentou com um sorriso forçado:
— É poderoso assim?
Charlotte respondeu com um forte aceno positivo de cabeça, encarou Denise e entregou-lhe o estojo.
Minutos depois saíram e, após longa caminhada, saborearam uma refeição deliciosa, uma pequena garrafa de vinho e jogaram conversa fora em um encontro casual com alguns conhecidos.
Depois, retornaram cansadas e leves para o apartamento.
Nos dias seguintes, a rotina restabeleceu-se.
O curso de aperfeiçoamento de francês chegava ao fim e isso preenchia um dos requisitos para procurar emprego.
Denise lutava contra a angústia que a rondava, sentia-se como se houvesse dentro de si um buraco negro, semelhante ao descrito pelos astrónomos, engolindo seu mundo íntimo.
A realidade exterior e presente estava na beira desse buraco e ela agarrava-se desesperadamente para não submergir nessas emoções densas e sem causa que a assombravam.
Com frequência, sozinha, parava em frente ao espelho e monologava, encarando a face da jovem reflectida, que, absurdamente, parecia não lhe pertencer.
Fitava a si mesma como se fosse uma desconhecida:
— Você é louca, Denise.
Convença-se disso e vá se tratar.
Como você pode se sentir assim?
É um absurdo! Eu nunca ouvi nada parecido.
Como é que alguém pode se sentir como se houvesse outra pessoa dentro de si, espreitando a sua vida e brigando com tudo, carregando uma angústia sufocante, uma saudade desesperadora de sei lá o quê ou quem?
Só a música nos pacífica.
Quando eu canto, quando trabalho música, estou inteira.
Acho que ela se cala ou talvez também ame a música.
Não sei. Mas é um inferno viver assim, sentir isso é horrível!
Não tem lógica!
Mas eu não sou doida.
Deus, me ajuda!
Desde a adolescência que essa maldição me acompanha, fui a dúzias de psiquiatras e psicólogos e não chegaram a nenhuma conclusão.
Até remédio me deram, e pra quê?
Se para calar esse sentimento eu preciso apagar, isso não é solução.
Em alguns momentos, a medicação até me fez bem, e creio que pelo menos me garante o benefício da dúvida de ser ou não ser louca — Denise falava consigo mesma.
Ela riu, relembrando algumas sessões com os vários terapeutas para quem contou seus sentimentos.
Em geral, a olhavam com expressão preocupada quando ainda contava que uma voz amiga a acompanhava desde a infância e indagavam:
— Você ouve vozes?
Uma voz estranha, de alguém desconhecido, que fala com você.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 30, 2018 9:43 pm

É sempre a mesma voz?
O que ela lhe diz?
Quando isso acontece?
É mais frequente quando está estressada, sob pressão?
Alucinada. Depressiva. Ansiosa.
Conteúdos distorcidos da realidade.
Tudo parecia apontar para isso, porém, afora esses momentos de crise, Denise era uma jovem com força de vontade, inteligente, aplicada, sensata, e com pensamentos coerentes, calma interior e extraordinário senso crítico para analisar a situação e dizer lucidamente que não encontrava razões para aqueles sentimentos e lutava ferozmente contra eles.
Dupla personalidade e outras mil hipóteses foram levantadas e descartadas na sucessão de consultórios percorridos.
Por fim, aos dezanove anos, cursando duas faculdades, ela decidiu abandoná-los e agarrar-se à música.
Amava a arte, os sons, as composições.
Aquele mundo era familiar, seguro, pacífico e prazeroso.
Nele estava em paz consigo mesma.
As crises haviam cessado, mas agora retornavam, aflorando com intensidade.
A campainha soou e Denise afastou-se do espelho devagar.
Até chegar à porta, já haviam apertado três vezes o botão.
— Calma! — pediu Denise, falando em português.
Estou indo.
Espiou pelo olho mágico e reconheceu Maurice no corredor.
Destrancou a porta, abrindo-a e saudando o rapaz com um amplo sorriso, escondendo que se esquecera de mais um encontro marcado, relembrado naquele instante.
Ele sorriu, beijou-lhe a face e perguntou:
— Pronta?
— Entre, Maurice.
Preciso de alguns segundos, prometo que serei rápida.
Mergulhei na leitura e esqueci as horas.
São tantos livros para estudar! Desculpe-me.
— Você esqueceu o nosso encontro? — lamuriou Maurice, brincando.
Mas que feio!
Ainda bem que estava em casa.
— Não, meu querido, eu não esqueci — mentiu Denise.
Apenas me distraí, é diferente.
Não prestei atenção nas horas.
Ele riu, como se lesse a verdade na face da jovem e não se importasse.
Com charme, acenou, dando a entender seu pensamento, e sentou-se na poltrona perto da janela.
— Vá, pequena.
Eu espero, mas não demore.
Ninguém gosta de esperar.
Denise foi para o quarto, trocou a blusa, os sapatos e apanhou um casaquinho que combinava com a saia.
Perfumou-se, e ia sair, quando viu o estojo de maquiagem.
Lembrou-se de Charlotte e da observação feita nas ruas:
cara lavada, nem pensar.
Aplicou uma maquiagem básica e rápida e, em menos de dez minutos, retornou à sala.
Maurice estava em silêncio, concentrado.
Tinha os cotovelos sobre os joelhos e o rosto apoiado na palma das mãos. Denise surpreendeu-se:
— Maurice, você está bem? Está cansado?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2018 7:44 pm

— Oh! Você foi rápida. Que bom!
Não, estou bem.
Estava apenas meditando um pouquinho.
— Não sabia que praticava meditação.
Meu tio também pratica, aliás, ele adora esse movimento da Nova Era, principalmente porque ele já foi hippie...
— Ele é coerente — disse Maurice, empurrando-a suavemente para fora do estúdio.
— Claro que é — protestou Denise, interpretando mal o comentário de Maurice.
Ele é muito bom e humano.
No Brasil, eu dizia que ele é gente fina.
Maurice riu com gosto.
Adorava conversar com estrangeiros e descobrir hábitos e expressões.
Divertia-se e aprendia com os problemas comuns do contacto com as diferenças, nunca se estressava com elas.
— Sei o que é. Adorei!
É como dizer que alguém é elegante, é chique, pertence a uma classe superior.
Mas o sentido é de que é uma pessoa humana com comportamento exemplar.
— É, é por aí, mas é menos formal.
Ser gente fina é ser do bem. É ser simples.
Ser leal, alegre, amigo, aberto, simpático, não precisa ser perfeito.
Aliás, seria difícil ter o tio Joaquim como exemplo.
— Mas ele é gente fina? — indagou Maurice.
— Sim, claro.
— Bem, então não deve mesmo ser fácil copiar-lhe o modelo. Você citou muitas virtudes, pequena. Não são comportamentos sobre os quais se pense.
Infelizmente, poucos pensam no que é ser gente fina ou como seria bom para a sociedade cultivar esse modo "gente fina" de ser. Não acha que o mundo se tornaria um local mais prazeroso?
Denise pensou.
Imediatamente lhe veio à mente a imagem da mãe e considerou como seria bom se ela adoptasse um comportamento semelhante ao do tio.
Um sorriso estampou-se em seu rosto ao imaginar Marlene longe de seus trajes formais e insípidos de trabalho, morando em uma praia, vestindo um jeans transformado em short, regatas e chinelos.
Seria como ver um extraterrestre.
Por um instante, contestou seus próprios pensamentos, alegando que, se a mãe fosse assim, era provável que ela, Denise, não estivesse na França.
Depois, lembrou-se de que o primo, Davi, filho de Joaquim, estava na Austrália havia três anos.
Balançou a cabeça e, convencida, disse:
— Você tem razão, Maurice.
Viveríamos bem mais e melhor, estaríamos todos em boa companhia e talvez os conflitos diminuíssem.
— Sim, é provável.
Como disse: seu tio é coerente.
O movimento hippie foi uma reacção à Guerra Fria e ao pós-guerra.
Foi a geração que herdou e conviveu com as feridas da guerra, do preconceito racial, do orgulho, das ditaduras, da violência, aqui na Europa e nos Estados Unidos.
Eles disseram "não" a tudo aquilo.
Desejavam mudar e fizeram a mudança.
"Faça amor, não faça guerra" era o lema desse movimento.
Liberdade e igualdade sexual, paz, amor, são temas profundos e com implicações individuais e sociais.
Gosto muito desse período, dessa revolução de costumes.
Devemos muito aos hippies.
Estou falando dos que semearam, cultivaram e propagaram essas mudanças.
Não de quem só adoptou um estereótipo porque estava na moda.
Foram renovadores sociais, revolucionários pacifistas.
Criaturas assim são importantes para a evolução da sociedade em qualquer época.
Conversando animadamente sobre movimentos sociais e mudanças de comportamento, Denise e Maurice percorreram automaticamente as estações de metrô e saltaram em Porte de Pantim.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2018 7:44 pm

Capítulo 10
Estranhando a fachada, Denise tinha no rosto uma expressão de dúvida.
E Maurice riu e apressou-a para entrar no prédio.
— Há 400 anos de história da música ocidental lá dentro.
Há muito para ver e aprender — incentivou Maurice.
— Depois desse tempo que estou aqui, não deveria me surpreender com alguns lugares, mas me surpreendo — comentou Denise.
— Você ainda é uma turista, querida.
Pensa que todos os museus da cidade estão em prédios clássicos.
Esse local é diferente, aliás, não é muito visitado por turistas, o que eu adoro.
Há mostras e apresentações de músicos de diversos países e estilos. Vamos!
Já nas primeiras impressões, a impressão de Denise modificou-se.
O local era encantador e o seu acervo de instrumentos musicais, fascinante.
Maurice era profundo conhecedor da história da música, especialmente da ópera, e isso tornou o passeio ainda melhor.
Caminhavam, paravam, trocavam ideias, ele lhe mostrava instrumentos raros, falava de seus fabricantes e dos detalhes que os tornavam peças de exposição, e algumas pertenciam ao acervo governamental.
Mas foi diante de um cravo antigo que Denise estacou.
Repentinamente empalideceu, gotículas de suor frio molharam sua fronte e sentiu leve tremor nos lábios.
Teve dificuldade para respirar e sentia como se houvesse sido pregada ao piso.
— Você está bem, Denise?
Ela se abanou apressada.
Tentou falar, mas as palavras não saíam.
— Venha comigo.
Vamos respirar ar puro — falou Maurice, forçando-a a se mover.
Denise caminhou enrijecida, mas, assim que se afastaram do cravo, recobrou devagar a fluidez dos movimentos e sua respiração normalizou.
Denise piscou, percebeu a saída próxima e protestou:
— Não, Maurice.
Eu quero ver o restante.
— Você tem certeza?
Parecia feita de cera ainda há pouco.
Denise riu nervosa e passou a mão pela testa.
— Não foi nada.
Eu tenho esses chiliques de vez em quando.
Não é nada grave.
Os médicos nunca acharam nada errado com minha saúde.
Não se assuste. Estou bem.
Podemos voltar?
Adorei esses instrumentos antigos, mas, sei lá, acho que me passaram alguma sensação.
Vamos seguir para outra sala.
Maurice olhou-a desconfiado.
A crise de Denise fora intensa, embora rápida.
Mas não se parecia com uma crise epiléptica ou de medo, das quais tinha algum conhecimento.
— Tudo bem, mesmo? — insistiu ele, tomando-lhe a mão.
Sua mão ainda está fria e trémula.
— Sim, eu sei, mas passará logo.
Estou bem, de verdade.
Não sei explicar o que me acontece, mas confesso que me assusta.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2018 7:44 pm

E que tal deixar essa conversa para depois, quando estivermos dando uma volta no Pare de Ia Villette?
Aqui eu quero aproveitar o máximo possível.
— Ora, ora, pensamento de turista de novo.
Tenha calma.
Vamos dar uma olhada geral, depois você estuda, se informa, e voltaremos outras vezes para estudos pontuais.
O que acha?
Acho que você é um amigo formidável! — declarou Denise, agradecida pela generosidade intelectual de Maurice.
Enfiou o braço no dele e retornaram à visita, evitando deliberadamente o cravo antigo.
Discretamente, Maurice analisava o comportamento da acompanhante.
A nota de tristeza presente no olhar não o enganava:
ela não estava totalmente bem.
No entanto, evitou comentários ou indagações.
Mais tarde, quando descansavam sob a sombra das árvores, no parque, Denise falou do episódio no museu.
— Desculpe-me pelo vexame.
Eu não sei o que acontece comigo.
Eu odeio isso, mas está fora do meu controle.
— Você está se referindo ao que aconteceu em frente ao cravo antigo?
Envergonhada, Denise baixou a cabeça, fitou o gramado e respondeu:
— É. Aquilo acontece de vez em quando comigo.
— Notei que você não estava bem.
Parecia estar sob forte emoção, desequilibrada.
Isso lhe acontece com frequência?
— Mais ou menos.
É inesperado e sem lógica.
Você descreveu bem o que acontece, é uma emoção muito forte que vem do nada.
Às vezes, eu choro copiosamente, outras, meu coração acelera como se eu estivesse em expectativa, dá uma angústia...
Mas o comum é uma... ausência, uma... — e Denise em vão procurou por uma expressão em francês para descrever saudade.
Uma falta de coisas que eu não sei o que são, eu não tenho lembranças, mas eu sinto.
É tão difícil de explicar!
— Melancolia? — arriscou Maurice, ouvindo-a pensativo.
Nostalgia? Tristeza?
— É uma mistura disso tudo — admitiu Denise.
— Querida, é normal sentir isso.
Afinal, você está muito longe de casa, do seu país.
Nosso coração é grande porque cresce com cada pessoa que colocamos nele.
Você fez novos amigos, mas ninguém ocupa o espaço de outrem.
Você é uma heroína.
Adaptou-se tão bem e tão rápido ao nosso país e à nossa cultura.
Até parece que tudo por aqui lhe é familiar, como se voltasse depois de algum tempo distante.
Obviamente, seu coração fica feliz com isso, mas sente falta do que deixou no Brasil.
— Obrigada, Maurice.
É claro que sinto falta e tenho dificuldades, pequenas até, é verdade, mas... não é só isso.
Eu converso com a minha irmã e com meu pai quase todos os dias pela internet.
Não é como estar lá, mas ajuda muito.
E, sinceramente, quando vim para cá, comprei uma briga enorme com a minha mãe, e o clima em casa estava péssimo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2018 7:45 pm

Estou super feliz aqui. Eu amo música.
Estou apaixonada pela França, pela escola, enfim...
Charlotte é fabulosa!
Vivemos muito bem juntas.
Você é um encanto comigo desde que cheguei.
Nem tenho como agradecer...
E talvez por haver muitos estrangeiros, consegui fazer amigos rapidamente.
Todos temos essa necessidade e anseio, então ficamos abertos e receptivos, acho que é por aí.
— Bem, se não é essa a causa, então qual é?
— Eu não sei.
Comecei a sentir isso entre doze e treze anos de idade.
Foi também quando comecei a me interessar pela música e por arte em geral.
Como disse, são emoções muito fortes, fortes mesmo, que vêm do nada.
Ou pelo menos assim me parece.
Não tem lógica.
Já fiz terapia, mas pouco ajudou.
Um dos terapeutas analisava todos os detalhes de quando ocorriam essas crises.
Eu escrevia tudo e, por fim, descobrimos que não havia nenhum padrão, não achamos o "gatilho emocional" de algum trauma de infância ou coisa assim.
Então, parei a terapia.
Nessa época, eu já tinha dezassete anos e assumi que cantar era o meu paraíso.
Não era por aplauso, nem para ser vista, não tenho essa coisa de estrela, o palco é acessório para mim.
Era e é porque me dá paz, prazer, é algo que eu amo.
E não sou muito apegada, entende?
Maurice a ouvia com atenção, sério.
Encarou-a alguns instantes, sorriu e respondeu:
— Hum, entendo. Está anoitecendo, vamos embora?
— Claro! — concordou Denise, apressando-se.
Desculpe--me, por favor, acho que falei demais e chateei você.
— Oh, não. Não diga isso.
Sua história é triste, e eu lamento, mas é muito interessante.
O ser humano é algo grandioso.
Cada um de nós é um universo em si mesmo e isso é incrível.
E, tal qual o universo, somos um mistério para nós mesmos. Isso é fantástico!
A vida é fantástica!
Denise riu da animação de Maurice.
Começaram a andar de volta à estação do metrô e, após uma breve pausa, ela comentou:
— Ainda bem que você vê as coisas desse modo.
Não queria chateá-lo.
— Não, de modo algum.
Você me deu muito no que pensar, querida.
A mente e as emoções me fascinam.
Deve ser a minha veia de compositor desabrochando, enfim!
— Quem sabe um dia haverá um cartaz enorme convidando para a estreia da grande ópera Denise, de Maurice Chardel. — brincou a jovem, apoiando-se no braço do amigo.
— Não ria. Para mim, tudo é possível.
Não reconheço força maior do que a vontade humana.
— Legal! Diz o povo: querer é poder.
Nunca pensei seriamente sobre a frase, Maurice, mas acho que você está certo.
— Hum, não é bem isso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2018 7:45 pm

O querer é uma força, uma disposição interior.
É irracional.
Eu preciso ser lúcido para empregá--la e tornar possível tudo o que é logicamente possível.
Se não pensar assim, esbarro em querer servir um peru em pires ou colocar Paris em uma das ilhas do Sena.
Se empregar minha vontade em coisas desse tipo, o fracasso será meu companheiro.
No entanto, compor Denise é algo viável para mim.
— Quando recebi a notícia de que a vaga para estudar na escola de música era minha, eu não sabia se ria ou chorava.
Fiquei extremamente dividida, feliz e triste ao mesmo tempo.
Miguel, um amigo de quem já lhe falei, cantou para mim a estrofe de La donna è mobile.
— A natureza feminina é profunda, complexa e misteriosa, por isso inspira tanto as artes.
Veja, é assim desde a Antiguidade.
Os artistas representaram as musas das artes como mulheres.
As grandes obras da pintura, como La Gioconda, de Leonardo da Vinci; na música, Aida, La Traviata; na literatura, é um banho de personalidades femininas.
Na escultura, não temos o esplendor de um Davi feminino, mas temos as estátuas da Grécia antiga, como a Vénus de Milo, e todo sentimento no rosto da Pietá não caberia em feições masculinas.
As inexplicáveis emoções de Denise poderão abalar muitas sensibilidades.
Quem de nós sabe o dia de amanhã?
Maurice brincou e prosseguiu:
— Há possibilidade!
Descobri uma musa.
Agora é preciso fazer desabrochar o talento.
— Boa sorte!
— Nada disso! Eu mereço.
Sabia que o talento é obra do trabalho?
— E como explicar os jovens talentos sem tempo para terem trabalhado? — desafiou Denise, sorrindo.
— Os mistérios do tempo e da vida — falou Maurice, rindo.
— Mesmo esses talentos natos, creio que em algum momento trabalharam.
O conhecimento não é gratuito, não vem do vento, minha amiga.
Olhe, é o nosso trem — comentou, apontando o veículo que se aproximava da estação com a indicação do destino deles. — Vamos!
Surpreendentemente, havia poucos passageiros na plataforma e puderam embarcar com calma em um metrô lotado.
Denise ainda estranhava o silêncio, as pessoas lendo e o facto de que não se olhavam.
Estranhava aquela atitude comedida e distante dos franceses.
Aprendera a não olhar directamente para as pessoas e mudara o toque do celular para não incomodar ninguém.
Black Sabbath não tocava mais em seu aparelho.
Fenómeno de aculturação, talvez.
Mudanças interiores, com certeza.
Começava a entender diferentes formas de expressar respeito pelo outro e pela própria privacidade.
Não estava sozinha no mundo nem era o centro dele.
O discreto som da campainha do telefone denunciava a mudança de valores em curso.
E é interessante que isso se processava inconscientemente.
Antes não percebia a razão da conduta inconveniente, agora a modificava e os valores que dirigiam a mudança ainda não estavam à luz da consciência, mas floresciam à sombra de uma cultura estrangeira.
Retomaram a conversa quando desceram do metro, andando pelas calçadas.
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Sinfonia da Alma -  Laya/Ana Cristina Vargas - Página 2 Empty Re: Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2018 7:45 pm

Pararam em frente ao prédio onde Denise morava Apontando para a porta, ela indagou:
— Quer subir e tomar um chá?
— Não, obrigado, Denise.
Está tarde.
— Certo! Outro dia, então.
E, Maurice, me desculpe pelo que houve no museu.
— Esqueça, pequena! Não foi nada.
Nossas dores têm o tamanho que lhes damos.
Viver se queixando ou remoendo problemas só os faz aumentar.
Até a natureza nos dá tréguas no sofrimento.
Não há padecimento ininterrupto, e, se a dor é muito forte, perdemos a consciência.
Bênçãos de Deus nem sempre as reconhecemos, não é?
Você é valente, e eu gosto disso.
Dê força à sua coragem, às suas conquistas, e algum dia, no futuro, se lembrará desses achaques com prazer.
Denise sorriu, ficou na ponta dos pés e deu um beijo estalado na face de Maurice.
— Amigos como você tornam a vida mais fácil.
Boa noite!
Ele riu, passou-lhe a mão na cabeça e sussurrou:
— Vá! É tarde. Até amanhã.
Durma bem, isso faz bem à voz.
É horrível uma voz cavernosa, insone e cansada.
Denise concordou, sorrindo.
Subiu os degraus e entrou no prédio.
Maurice, pensativo, seguiu até a sua residência.
Havia um mistério, quiçá uma história profunda, latente na personalidade de Denise.
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Sinfonia da Alma -  Laya/Ana Cristina Vargas - Página 2 Empty Re: Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2018 7:45 pm

Capítulo 11
Denise mergulhou em uma fase de intensa actividade.
Conseguiu trabalho de meio expediente no comércio, envolveu-se com outras pessoas, esqueceu a melancolia e a crise do museu.
Na escola de música, a exigência tornava-se maior a cada dia, obrigando-a a dedicar todas as horas livres a estudos e ensaios.
Charlotte, satisfeita com os progressos de Denise, não dera mais importância às súbitas mudanças de humor e atribuiu-as à distância de casa.
Algo muito natural e até esperado.
Maurice ainda lembrava do ocorrido no museu e guardava precaução.
Percebera o quanto Denise era frágil e, a fim de não estimular dependência ou dar a impressão de um interesse romântico que não tinha, afastou-se e acompanhava discretamente o comportamento dela.
Passaram-se os meses e o fim do primeiro semestre na França se aproximava.
Exausta e feliz com as vitórias do dia, Denise jogou-se de costas na cama.
Sorria, fitando o tecto.
— Boas notícias? — indagou Charlotte, interrompendo o desenho de um vestido.
Vá contando. Adoro boas notícias.
São inspiradoras.
— Recebi elogios do maestro e talvez ele me inclua no coro da próxima temporada.
Ai, é um sonho!
Tenho vontade de me beliscar.
Não! Tenho vontade de me morder para ter certeza de que é real.
— Ei, ei, menina! Calma!
Você disse talvez — lembrou Charlotte.
Não se morda à toa. Isso dói.
— Quando o maestro diz "talvez", é certo — rebateu Denise.
Ele é temperamental e exigente, mas meus colegas disseram que estou nas apresentações da próxima temporada.
Isso é divino!
— Está tão feliz que até parece que será a solista — falou Charlotte, sorrindo.
Parabéns! Acho que sentirei isso quando vir meus vestidos nos desfiles.
— É tão bom!
Dá vontade de gritar!
— Exagerada!
Charlotte voltou a desenhar e Denise entregou-se à felicidade.
Imaginou-se em cena, cantando.
Sonhava acordada, porém o cansaço das actividades e a tensão com os estudos cobraram o preço e ela adormeceu.
Terminado o desenho, Charlotte voltou-se e balançou a cabeça ao deparar-se com a companheira dormindo, vestida e calçada, jogada sobre a cama.
Silenciosamente, levantou-se e, ao sair do quarto, apagou a luz.
Foi à cozinha preparar um lanche e depois decidiu relaxar lendo um romance emprestado pela tia.
Acomodou-se na poltrona e, deliciada com a obra, não viu o passar das horas.
Surpreendeu-se quando Denise surgiu na sala.
Estava estranha.
Atravessou a sala, ignorando-a, como se não a enxergasse.
Aproximou-se da janela e sentou-se no parapeito, para horror de Charlotte.
Uma perna pendia para o lado de fora e a outra balançava ao ritmo de uma música antiga do folclore francês que Denise cantava.
Era uma canção popular nas comunidades rurais da Provença, pouco conhecida em Paris.
Intrigada, Charlotte aproximou-se devagar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2018 7:45 pm

Observou Denise atentamente.
— Deus! Ela está dormindo... — constatou, falando baixinho.
O que eu faço?
Lembrou-se da recomendação popular de não se acordar um sonâmbulo, mas afligiu-se com a situação.
O estúdio ficava no quinto andar e, se ela caísse da janela, os danos poderiam ser grandes e fatais.
Resolveu monitorá-la.
Se percebesse maior perigo, seguraria a amiga e até gritaria, mas, por enquanto, acompanharia a crise.
Denise terminou a canção e, por alguns segundos, ficou enrolando os cachos dos cabelos com os dedos.
Tinha uma expressão sonhadora, romântica, apesar dos olhos fechados.
Reclinou-se e, para alívio de Charlotte, recolheu a perna que pendia, dobrando-a sobre o parapeito, e abraçou o joelho.
— Anton! — chamou Denise.
Venha! Estudei todas as partituras para a missa.
Quer ouvir?
Charlotte surpreendeu-se.
O sotaque tipicamente latino-americano havia desaparecido e ela falava o provençal (2), dialecto da sua região.
Não sabia que Denise o conhecia.
Aliás, fora da Provença, especialmente da zona rural, esse dialecto actualmente era pouco falado.
— O que é isso? — indagou-se Charlotte, atenta à amiga.
— Anton, Anton, meu amor, venha me ouvir.
Qual prefere?
E, como se ouvisse uma resposta, a sonâmbula balançou a cabeça concordando.
Pareceu concentrar-se alguns segundos, moveu a cabeça como se buscasse apurar a audição, como se ouvisse a melodia da música.
Charlotte sentiu um arrepio correr por seu corpo e gelou.
Os pelos da nuca eriçaram e respirou com esforço quando ouviu Denise interpretando cantos gregorianos.
Esqueceu que a amiga corria perigo no parapeito da janela no quinto andar e sentou-se, apavorada.
Percebeu por alguns instantes, uma voz masculina.
Olhou à volta para certificar-se de que estavam sozinhas.
Assustada, virou a cabeça em direcção ao quarto e, pela porta aberta, viu o mostrador do relógio digital sobre o criado-mudo.
Em grandes números verdes ele informava que faltavam quinze minutos para as três horas.
Era madrugada.
Gelada e trémula, Charlotte testemunhou Denise, adormecida, entretendo-se e cantando com alguém chamado Anton.
Ela cantou outra música e disse mais algumas palavras que Charlotte não conseguiu registar, pareciam murmúrios apaixonados.
Depois, ela moveu-se, saiu da janela e caminhou de volta para o quarto.
Deitou-se e, por seus gestos, percebia-se que agia como se ajeitasse uma longa saia.
Charlotte demorou a recuperar-se.
Aliviada, acompanhou com o olhar o retorno da sonâmbula ao quarto.
Faltava-lhe coragem para erguer-se e observar Denise outra vez.
— O que foi isso? — perguntou para si mesma.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2018 7:46 pm

Respirou fundo, o tremor e o frio cederam.
Lentamente voltava ao normal.
A sala estava silenciosa.
— Preciso de um chá.
Ao abrir o armário, deparou-se com uma garrafa de cherry e não titubeou, apanhou um copo e serviu-se.
— Pensando melhor, isso é mais apropriado para superar um evento fantasmagórico.
Eu não precisava passar por essa!
Bebendo goles generosos, voltou à poltrona onde antes lia tão prazerosamente.
O livro não lhe interessou mais.
Estava dividida entre a razão e a emoção.
Racionalmente queria ir ao quarto e acordar Denise, perguntar-lhe se lembrava do que acontecera.
Mas uma sensação irracional de medo a paralisava e a empurrava para longe daquele episódio e sugeria a ideia de esquecê-lo.
Mas como?

(2) Dialecto antigo falado no sul da França, região da Provença.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2018 7:46 pm

Capítulo 12
Denise acordou alguns segundos antes de soar a música do despertador.
Espreguiçou-se e se sentiu desconfortável, apertada.
Apalpou os braços e sentiu o tecido da camisa, desceu mais e descobriu que estava completamente vestida.
Ainda trajava as roupas do dia anterior.
— Mãe do céu! Eu devia estar muito cansada — murmurou sonolenta.
Recordando a agenda cheia do dia, com aulas durante a manhã toda, trabalho à tarde e ensaio à noite, desistiu de questionamentos inúteis.
Sentou-se na cama e, surpresa, constatou a ausência de Charlotte.
— Estranho! — falou baixinho e se esforçou para rememorar a noite anterior.
Olhou a mesa de desenho com os esboços dos vestidos e lembrou.
O cansaço a vencera.
— Charlotte deve ter saído mais cedo.
Também está com mil coisas para fazer.
Levantou-se, despiu-se, colocou o roupão, escolheu o que vestiria e deixou sobre a cama.
Um banho morno e perfumado era óptimo para começar o dia.
Pronta, foi até a sala e deparou-se com Charlotte dormindo na poltrona.
O copo na mesinha chamou-lhe a atenção.
Reconheceu o resto da bebida avermelhada.
"Pobre Charlotte, estava tensa.
Mas torta desse jeito vai ficar com muitas dores", pensou e decidiu acordá-la.
Ajoelhou-se ao lado da poltrona e, com delicadeza, chamou:
— Charlotte! Charlotte!
Acorde! Já amanheceu.
— Hã?
— Acorda, amiga.
É dia! — repetiu Denise, sorrindo.
— Hã? Dia? — abriu os olhos, e a luminosidade que entrava pela janela a fez cobrir o rosto com as mãos.
Piscando, encarou Denise.
Imediatamente lembrou-se do episódio de horror da madrugada.
Fitou a preocupada colega e indagou:
— Está tudo bem contigo?
— Sim, é claro — respondeu Denise, achando graça da perturbação na face de Charlotte.
Por que não estaria?
— Ontem...?
— Não aconteceu nada de diferente ontem.
Foi um dia normal, Charlotte.
— À noite... não se lembra do que aconteceu?
— Ah! Eu apaguei.
Estava muito cansada, mais até do que imaginava.
Dormi com roupa e tudo.
Mas não fui a única.
Olhe para você!
Charlotte pôs as mãos na cabeça e a sacudiu com força, depois encarou Denise e perguntou:
— Quase morri de susto ontem.
Por que não me disse que era sonâmbula?
Fiquei assustada, Denise.
Não sabia o que fazer.
Denise empalideceu, abriu os braços e deixou-os cair, revelando impotência.
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