LUZ ESPÍRITA
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O PRÓXIMO MINUTO/Ângelo Inácio - Robson Pinheiro

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O PRÓXIMO MINUTO/Ângelo Inácio - Robson Pinheiro - Página 3 Empty Re: O PRÓXIMO MINUTO/Ângelo Inácio - Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 28, 2017 11:33 am

Devido a essas e outras razões, muitos indivíduos tornam-se definitivamente prisioneiros da dimensão mental, adquirindo aspecto de loucura.
É que o cérebro, incapaz de expressar os conceitos e ideias em que o ser está mergulhado, perde-se em meio a um mundo indefinível para muitos, em meio à dimensão puramente mental, porém recheada de emoções mais subtis, embora profundamente marcantes.
Outros, ainda, vivem temporariamente nesse outro universo, vivo, de vida latente, e de lá extraem inspiração, absorvem conceitos, ideias renovadoras, de modo que, ao regressarem, atuam conforme o que aprenderam; em outras palavras, transitam entre os planos mental e físico - o tangível, o aparentemente real.
Há, também, aqueles que para lá viajam em carácter provisório, mas sentem-se prisioneiros, como se prisioneiros fossem, de um universo paralelo, nem físico nem espiritual, algo entre o concebível e o inimaginável.
E nesse mundo, quase indescritível pelo vocabulário e conhecimento humanos, movimentam-se por algum tempo, ao menos enquanto não esgotarem as possibilidades de reflexão sobre aspectos subjectivos da alma, tais como culpa, medo e castigo, que impingiram a si mesmos.
Nesta última situação, o plano mental poderá se assemelhar a uma prisão sem grades; um mundo-prisão onde o tempo pode pregar uma peça, fazendo eclodir uma eternidade num único minuto.
Ou num único minuto o drama de toda uma vida ou de várias vidas pode se reflectir, num átimo, num écran de tempo; enfim, uma impressão ligeira, ocasionada por um abalo estrutural na realidade individual, o qual denominamos morte, ou quase-morte, ou impacto pré-desencarne.
Essa prisão consciencial com frequência pode atrair outras mentes em igual estado, que porventura guardem sintonia com o mesmo género de conflito e culpa, formando-se, assim, uma comunidade baseada em situações mal resolvidas, em problemas a serem solucionados ou obstáculos a serem vencidos.
Aí está a circunstância em que se reuniram seres de diferentes procedências; pessoas definitiva ou temporariamente alijadas do corpo físico, nos processos conhecidos respectivamente como morte e desdobramento ante final, sendo este muitas vezes induzido por situações impactantes, por acidentes ou incidentes na vida de cada ser.
Sem contar, ainda, a possibilidade da projecção consciencial lúcida, necessária para reflexões mais profundas ou para o enfrentamento dos desafios íntimos e mentais prementes.
A dimensão mental nem sempre apresenta paisagens.2
Muitas vezes, tais paisagens não passam de projecção ou fruto da imaginação, alimentada pelos medos e pela culpa; isto é, associam-se ao clima psíquico mais ou menos pesado.
Para alguns, a dimensão mental é um palco cheio de luzes; para outros, uma prisão sem grades; segundo outros, ainda, um limbo, o umbral, um simples pesadelo ou um inferno particular.
Embora esses indivíduos estejam aparentemente juntos, num mesmo espaço dimensional, vivenciam cada qual sua própria realidade íntima, necessária de ser desbravada, e ela não obedece exactamente a uma programação anterior, promovida por alguma entidade.
Tal é a situação vivenciada por personagens de uma história real, que ocorreu na linha do tempo; transcrita, apresenta-se de forma a suscitar reflexões sobre os temas e desafios que eles enfrentaram.
Em meio às observações que faziam é que Samuel ouviu as indagações de Nestor serem externadas de maneira que pudessem, talvez, exprimir as mesmas dúvidas de outros companheiros do Invisível:
- Segundo percebo, surgem dúvidas no dia a dia que, embora não formuladas explicitamente, afligem grande quantidade de seres encarnados.
Diante disso, queria fazer uma pergunta, Samuel.
- Fique à vontade, Nestor!
Enquanto observamos, intuímos e auxiliamos nossos amigos em suas reflexões, respeitando o jeito que cada um tem de manifestá-las, podemos ir conversando, com certeza.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 28, 2017 11:34 am

Os pensamentos de Nestor fervilhavam, e seus questionamentos giravam em torno dos mesmos problemas apresentados pelos companheiros encarnados, os quais eram observados e auxiliados de perto.
Das tantas interrogações que notava entre estudiosos e pesquisadores da vida do espírito ainda habitantes do plano físico, Nestor foi directo ao assunto que abriria a discussão:
- Como encarar o problema da sexualidade, considerando a vida do espírito fora do corpo, após a morte física, isto é, na erraticidade ou período entre vidas?
Ao desencarnar, o espírito pode continuar sentindo desejos ligados à vida sexual e afectiva, como antes, quando habitava a Terra?
Com um sorriso de profunda compreensão, Samuel sabia que a pergunta reflectia a dúvida de bastante gente, encarnada e desencarnada.
E sabia mais:
que boa parte das pessoas não admitia nem sequer analisar a possibilidade ventilada por Nestor, embora sentissem em si mesmas algo do género.
- Claro que sim! - respondeu o instrutor.
- Nenhum de nós deixou de ser humano pelo simples facto de ter desencarnado ou morrido.
Considerando que ainda habitamos uma dimensão ou um plano muito próximo à Terra, na sua esfera física, e também sabendo que impulsos, tendências e vontades nascem primeiramente na mente,3 podemos compreender melhor que desejo e libido fazem parte da vida dos espíritos, tanto de desencarnados quanto dos homens.
Ao desencarnar, a maioria esmagadora dos espíritos estagia numa dimensão tão próxima à realidade física que tudo ali reflecte o mundo material, porém melhorado e mais intenso em tudo.
Ou o contrário, se preferir: o mundo material reflecte a dimensão astral, mas de maneira menos vívida e elaborada.
A civilização e seus atributos - construções, desafios, descobertas, avanços, saber, ciência e modo de vida - constituem tão somente mero reflexo do que se vê do lado de cá da vida.
Assim também as tendências, os desejos e os impulsos humanos; todos estão latentes no espírito imortal.
Entretanto, a forma como se manifestam e são satisfeitos é que muda de acordo com a dimensão em que se encontra o espírito após o desencarne.
Em matéria de sexo, nada é diferente.
Mesmo sabendo a resposta, mas considerando que suas palavras seriam transcritas para o mundo dos chamados e considerados vivos, Nestor resolveu formular mais uma pergunta:
- Então quer dizer que o espírito faz sexo do lado de cá da vida também?
- E por que não?
Já se sabe que ele pode se alimentar, tomar água, aproveitar todas as sensações comuns ao corpo físico; portanto, como seria diferente no tocante a sexo e sexualidade?
Ocorre que nem todos manifestam desejos e lhes dão vazão de igual maneira ou com situação mental e emocional equivalente.
Depois de dar um tempo, e notando o sorriso discreto na face de cada interlocutor, Samuel continuou:
- Na dimensão em que nos encontramos, o plano astral, são comuns os mesmos sentidos e emoções; tudo é análogo ao que ocorre na Terra, inclusive as sensações dos corpos espirituais que nele habitam.
E no mundo astral é comum encontrarmos seres que se satisfazem por meio de trocas energéticas semelhantes às que ocorrem no mundo das formas.
E nesse local ou situação que está a maioria absoluta dos habitantes do orbe, a experimentar sensações de dor, frio, prazer ou quaisquer outras, as quais perduram ou se mostram ainda mais intensas do que no mundo físico.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 28, 2017 11:34 am

"Sendo assim, não é de se esperar que nossos corpos espirituais, nesta dimensão próxima demais ao plano físico, apresentem morfologia e uso tão distantes assim do que se dá no mundo físico.
A título de exemplo, do lado de cá da vida também nos alimentamos, bebemos água e estamos sujeitos à mesma lei de gravidade, pelo menos dentro dos limites dessa dimensão além-física.
"Sabemos que tudo obedece aos clichés mentais, ao mundo mental, às crenças introjectadas em nossas matrizes de pensamento.
Ora, se considerarmos que temos impregnado nossa memória espiritual com experiências vividas ao longo das encarnações, é coerente inferir que o corpo espiritual reproduzirá sensações como essas, aprendidas por séculos e séculos, desde fome e sede até frio e calor, passando por atracção, libido e as demais reacções de ordem sexual, inclusive aquilo que, na Terra, chamamos de tesão ou excitação sexual.
Neste plano intermediário no qual nos encontramos, tudo acontece, porém, de modo mais intenso ainda, em relação ao que ocorre no corpo físico.
Pelo menos aqui, onde vivemos, é assim."5
Nestor parecia satisfeito com o que Samuel expôs, pois sabia que muita gente no mundo físico tinha suspeitas e até convicções de que ocorria tudo isso, mas quase ninguém tinha coragem de declarar isso abertamente e discutir o assunto.
No entanto, Samuel não havia terminado suas explicações:
- Acontece que temos diversas dimensões no planeta, nas quais os aspectos que envolvem a sexualidade podem ser bastante diferentes do que se vê entre nós, na região espiritual que habitamos.
De todo modo, ainda fixando a atenção nas manifestações de sexualidade entre os desencarnados, é interessante notar factos como o seguinte, a título de exemplo.
Um ente querido, do lado de cá da vida, ao escrever uma mensagem para os parentes próximos, através da psicografia, faz ligeira referência ao fenómeno sexual, que continua ocorrendo com ele, a despeito do que supunha sobre a condição de "morto".
Frequentemente, denota não ter muitas explicações ou entendimento, mas observe o conteúdo das chamadas cartas consoladoras, isto é, as mensagens psicografadas por parentes, em particular dos recém-desencarnados.
Trata-se de espíritos humanos, cuja grande maioria está bem próxima da realidade física, numa dimensão quase material.
Em muitas das cartas, lemos frases do tipo:
"Ainda sinto as mesmas necessidades do antigo corpo físico".
Ou, então, de modo um pouco mais explícito:
"Minha mãezinha querida, meu paizinho amado, sinto em meu corpo espiritual a repercussão de antigos desejos e sensações que eu julgava próprios do corpo físico".
Em palavras assim, cheias de significado e ditas à maneira de cada um, o espírito recém-desencarnado revela a perplexidade ante as reacções de natureza sexual, por vezes questionando o fato de senti-las como antes, no corpo físico.
Comumente, isso se deve à orientação espiritual recebida, que ensinava que se transformar em espírito implicaria perder por completo a humanidade e deixar de ter sensações e prazeres que, segundo pensava, eram comuns apenas aos encarnados.
Então, o facto de o sujeito encontrar-se do lado de cá com o corpo espiritual totalmente funcional, capaz de sentir desejo e ter reacções como erecção, no caso dos que mantêm a aparência masculina, faz com que ele fique em dúvida, até, de que já desencarnou.
Dando um pequeno intervalo, sabendo que suas palavras teriam repercussão principalmente entre os encarnados, Samuel continuou mais um pouco:
- Diante de inúmeras evidências e de nossa realidade do lado de cá, podemos afirmar que a maioria de nós, incluindo os mais bem intencionados e os mais espiritualizados entre os ditos desencarnados, pura e simplesmente morremos; ou seja:
deixamos o corpo físico na sepultura ou convertido em cinzas pela cremação, mas ainda não aprendemos verdadeiramente a desencarnar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 28, 2017 11:34 am

Não nos libertamos, de modo algum, das impressões dos sentidos materiais.
Pois quando consideramos os séculos e milénios em que vivenciamos experiências em incontáveis corpos, ao longo de mil e uma vidas, entendemos por que nossa mente permanece impregnada das sensações da matéria, das impressões oriundas dos sentidos que desenvolvemos no contacto com o mundo material, por meio do processo já denominado intelectualização da matéria.6
esse vaivém entre o mundo extrafísico e o material, não podemos considerar tais sensações ruins ou desnecessárias; pelo contrário, são muitíssimo necessárias para desenvolvermos a sensibilidade, o respeito ao semelhante, ao que é diferente e plural.
"É como se a reencarnação ou o mergulho na matéria pudesse ser visto como uma espécie de experimentação dos sentidos, visando ao aprimoramento do espírito.7
Em meio à captação e ao desenvolvimento de sensações é que impregnamos fortemente nosso ser de impressões relacionadas à vida material, física, as quais repercutem, mesmo depois da morte, em nossos corpos espirituais, energéticos e mentais.
E observe que tais sensações não são somente de ordem material, mas ainda extra-sensorial, energética e espiritual - inclusive no sexo, que proporciona a permuta de energias também de carácter espiritual.
Esse processo é tão crucial para o espírito quanto foi, para o princípio inteligente ou mónada divina, a imersão na matéria densa, a fim de despertar os sentidos espirituais ao longo das eras e, assim, adentrar o reino humano.
"A recusa em vivenciar a vida sexual e afectiva, seja de que forma for que se manifeste, equivale a colocar barreiras à evolução e é uma prova viva de egoísmo.8
Agora, se considerarmos a existência de outros departamentos da vida universal, outros mundos e dimensões superiores, que somente nos séculos vindouros conheceremos a fundo e serão nosso habitat aí poderemos entender que, nesses locais, o sexo deve se manifestar de maneira singular.
Entretanto, isso só se dará após o espírito esgotar todas as possibilidades da vida no sentido mais humano possível, viver todas as experiências humanas de modo pacífico.
Assim, quem sabe um dia experimentaremos sensações e emoções análogas, porém em ritmo e forma diferentes do que estamos habituados?
"Isto é, isso ocorrerá quando desencarnarmos, no sentido mais amplo do termo; quando deixarmos o mundo da carne e as impressões dos sentidos físicos, que ainda repercutem e, quiçá, norteiam as percepções de nosso perispírito ou corpo emocional; enfim, quando habitarmos mundos e dimensões imateriais ou puramente mentais - e outros superiores, ainda.
Até lá, nos milénios que nos esperam antes de alcançar a angelitude, seremos somente humanos.
E enquanto não convivermos em paz com nossa condição humana, sem os preconceitos, tabus e culpas que carregamos, estaremos fadados a nos sentir incompletos em nossa busca pela felicidade."
A fala de Samuel foi muito esclarecedora para os espíritos que estavam ali, de plantão, para ajudar os amigos encarnados:
Hugo, Ronie, Adir, Patrícia e os demais, que permaneciam carentes de auxílio e inspiração.
Mas Arthur, não satisfeito com a explicação, resolveu tocar num assunto que era, por assim dizer, um tabu ou um tema mal abordado e mal resolvido entre os espiritualistas encarnados, tanto quanto entre muitos desencarnados:
- E o que dizer da masturbação?
Muitos espíritas dizem que masturbar-se atrai obsessores e que é uma prática não somente desnecessária, mas completamente desaconselhável.
Mas entre certos evangélicos também existe uma quase proibição com relação ao tema, desde a prática até a mera discussão a respeito, malvista mesmo quando no contexto da educação de jovens e adolescentes.
- Meu Deus, como os homens complicam as coisas!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 28, 2017 11:34 am

Como os religiosos, com o passado espiritual e a vida afectiva e sexual notadamente carentes de resolução, parecem fazer de tudo para complicar as coisas e tornar os outros tão infelizes quanto eles mesmos.
E dando um tempo para reunir seus pensamentos e argumentos de modo que ferissem o mínimo possível os interlocutores - os espíritos, mas sobretudo aqueles que leriam suas palavras, mais tarde transcritas pela mediunidade -, Samuel falou pausada, porém enfaticamente:
- A masturbação foi considerada um pecado por muitos séculos, ante a ignorância espiritual de diversos povos e em diversas épocas da humanidade.
Praticado por homens e mulheres, o ato solitário da masturbação sempre foi associado a algo abominável e ofensivo pela sociedade religiosa, que ligou essa prática a factores morais e religiosos, e sua repressão, a factores autopunitivos inconscientes.
A lógica é:
toda forma de prazer sensorial é profana e pecaminosa e, consequentemente, deve ser banida.
"Tal atitude decorre, em grande medida, da tradição judaico-cristã, que influenciou a humanidade de maneira espantosa, e ainda a influência.
Como disse, tudo ou quase tudo que leva ao prazer e desperta o prazer no ser humano foi e é classificado como pecaminoso ou impuro, portanto tem de ser evitado e combatido.
Como contraponto a essa ideia assustadora, mas poderosa, ao longo dos milénios a religião tem defendido que aquilo que implica sofrimento e privação, por outro lado, é considerado bom, desejável e meritório.
Dessa forma é que jejuns, autoflagelações, penitências, sacrifícios e alguns comportamentos ou práticas que impõem dor, miséria e sofrimento são valorizados e, ainda hoje, tidos como algo positivo, benéfico e admirável - se não declarada, ao menos veladamente.
"Mesmo entre os adeptos das religiões pretensamente mais espiritualizadas ou que incentivam a compreensão e o raciocínio acerca da realidade, há inúmeras pessoas e expoentes que abraçam ou apregoam uma cartilha de sofrimento, de carácter pessoal ou social, como o grande método de redenção espiritual, como se sofrer fosse, em si mesmo, 'agradável a Deus'.
Por vezes, chego a me perguntar se não é esse o pensamento predominante.
Quando divulgam tais princípios como receita para se manter na rota do controle espiritual ou do conhecimento superior, esses porta-vozes da culpa são vistos quase como sagrados, e frequentemente citados como exemplo de renúncia e abnegação, modelos admiráveis, mais pela privação auto-infligida do que por aquilo que efectivamente fizeram pelo bem da humanidade.
Temos de estudar mais profundamente esse tipo de comportamento, tão difundido entre religiosos.
"Por exemplo, se algum adepto comenta que passará férias noutro país ou que curtiu uma noite maravilhosa com o companheiro num final de semana cheio de aventuras, que, para ambos, foi motivo de alegria e contentamento, não raro tais atitudes são condenadas, e se diz que a pessoa em questão está esbanjando dinheiro.
Pior:
há quem argumente que está vivendo as coisas do mundo e que, por isso, tal estado de felicidade e tal conquista não merecem ser divulgados nem sequer lembrados, pois podem incentivar os demais a abandonar a fé e viver 'no mundo'.
"Fico a me perguntar por que são tão enaltecidos os sofrimentos, as agruras, as privações, a escassez de recursos - pobreza e miséria chegam ao cúmulo de serem apontadas como virtude e sinónimo de autêntica espiritualidade!
Como se não bastasse, em diversas culturas religiosas, quando se quer agradar a divindade, a pessoa promete abster-se de coisas boas da vida, desde sexo até determinados alimentos, impondo-se jejuns de natureza variada.
Será que, no fundo, não está aí a imagem de um deus sádico, que se regozija com o flagelo de seus filhos?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 28, 2017 11:35 am

Por que afirmar e reafirmar que o prazer causa ou atrai o processo obsessivo, alimentando antigas crenças e reforçando ideias medievalescas, se a própria história humana mostra que tudo quanto fizeram foi afastar ainda mais a criatura do Criador, soterrando-a na sombra da ignorância, da infelicidade, da falta de tolerância e solidariedade?
"Levanto essas questões mais para provocar reflexões do que dar respostas.
Afinal, eu mesmo ainda não compreendo a razão pela qual tão grande número de religiosos, sobretudo aqueles cujas crenças apresentam forte componente místico e pouco raciocínio, a se empenhar tanto para convencer os outros de que o lado bom da vida pode ser traduzido como aquilo que o homem faz visando abandonar o prazer, seja do corpo ou da alma. Sim, porque há prazeres da alma, também.
"Seja como for, voltemos ao assunto da sexualidade e da masturbação.
Dizer que o ato da masturbação atrai obsessores é o mesmo que dizer que qualquer ato que conduz a vícios atrai espíritos afins com esse mesmo ato.
"Se quisermos detalhar, podemos entender a obsessão, conforme conceituada pelo codificador do espiritismo,9 como a acção consciente com o fim de prejudicar a vítima ou o alvo mental.
Então, consideremos a população de desencarnados do planeta Terra, que é pelo menos cinco vezes maior que a de encarnados.
No mínimo. De posse apenas desse dado, é razoável deduzir que não existe local onde não haja espíritos ignorantes, turbas dos chamados obsessores ou outros espíritos, simplesmente afins aos instintos, desejos e costumes humanos.
Portanto, ficar imune à influência desses seres, ao menos no âmbito terreno, dos encarnados, torna-se algo impossível.
Sobretudo porque, na grande maioria dos casos, entre o obsessor propriamente dito e a pretensa vítima, permanecemos incapazes de aferir com precisão quem é o obsessor de quem.
"Sob essa óptica, podemos entender que toda prática, seja de ordem sexual ou não, quando levada ao excesso e transformada em compulsão ou vício, certamente prejudicará quem a adopta.
"Mas confundir a obsessão com o fenómeno da indução espiritual"10 seria ignorar por completo as nuances das trocas energéticas de natureza extrafísica.
Analisando o processo obsessivo, a fim de divisar quando o vício se transforma em obsessão, podemos observar que a indução espiritual ocorre de maneira espontânea, casual e sem ideia predeterminada de prejudicar nenhuma das partes envolvidas.
Ou seja, trata-se apenas de atracção magnética baseada em afinidade de pensamento e emoção, mas não constitui obsessão, exatamente.11
"Sob esse aspecto, qualquer acção humana ou hábitos de qualquer natureza tenderão a provocar a atracção de espíritos afins, mas isso não significa, necessariamente, que esteja ocorrendo um processo obsessivo.
O codificador do espiritismo afirma:
A obsessão é a acção persistente que um Espírito mau exerce sobre um indivíduo.
Apresenta caracteres muito diversos, desde a simples influência moral, sem perceptíveis sinais exteriores, até a perturbação completa do organismo e das faculdades mentais.12
"Isso posto, concluímos que o ato de masturbar-se, em si, não causa obsessão, de forma alguma; não atrai obsessores.
No entanto, qualquer ato que leve a uma dependência doentia ou ao vício das faculdades poderá abrir as portas para um processo mais complexo do psiquismo humano, inclusive para auto-obsessão, paranóia, compulsão e dependência química, o que exigiria tratamento com bons profissionais de áreas como medicina, psiquiatria e psicologia, entre outras, dependendo do caso."
Samuel mostrava-se inspirado de tal forma e dava respostas tão abrangentes, que, por um instante, seus interlocutores quase se distraíram dos rumores advindos do pequeno grupo de encarnados ao qual dedicavam seu olhar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 28, 2017 11:35 am

Ele prosseguia, retomando o assunto:
- Ao falar de masturbação, energia e acto sexual, seja este de carácter homossexual, heterossexual ou bissexual, é preciso lembrar que todo intercâmbio sexual está associado ao erotismo, à sensualidade e às fantasias sexuais, elementos que fazem parte, naturalmente, do comportamento psíquico humano.
De minha parte, acredito firmemente - enfatizou Samuel, convicto que é impossível realizar o ato sexual sem esses componentes, tão intrinsecamente ligados à experiência humana, ao menos do que conhecemos da realidade da vida na Terra.
"E antes que alguém diga que estou fazendo apologia do desequilíbrio, seria muito bom distinguir erotismo, sensualidade e pornografia; esta última é algo muitíssimo diferente dos dois anteriores e, geralmente, acarreta sérias consequências.
"De todo modo, tendo em vista os componentes eróticos que envolvem o ato sexual, afirmar que masturbação atrai obsessor implica dizer que qualquer ato sexual igualmente os atrai!
Reitero: não importa se a relação é de carácter heterossexual ou homossexual.
Não há como negar que todas têm como componentes o erotismo e os apelos sexuais, sejam de natureza emocional ou física, os pensamentos sensuais e as fantasias, sem os quais não se realiza uma actividade sexual sadia tanto quanto satisfatória.
"Não consigo imaginar, por exemplo, que alguém possa ler o Evangelho ou rezar uma Ave-Maria enquanto permanece ao lado do companheiro ou parceiro sexual, entre os encantos e preliminares do acto.
Ou que faça uma prece na iminência de se relacionar intimamente, crendo atrair, com isso, espíritos superiores para protegê-lo ou, quem sabe, ficarem atentos ao que o casal está fazendo.
Pelo amor de Deus!...
0 que caberá a um espírito superior ou minimamente sério, no que se refere a parceiros íntimos, é ficar de prontidão na ocasião da aproximação de ambos, seja esse um momento de encontro afectivo, genital ou outro qualquer."
Respirando quase fortemente, demonstrando certa ironia na expressão facial, Samuel prosseguiu, deixando seus ouvintes a chorar de rir:
- Pensando sobre tudo isso, é forçoso chegar à conclusão de que a caricatura de santidade, o excesso de cuidados religiosos e a superestimação do poder de acção e actuação do obsessor parecem ter tomado conta da mente de inúmeras pessoas mal resolvidas, em cuja vida passada ou actual se desenvolveu uma relação conflituosa com a sexualidade, originando uma profusão de culpas e medos.
Toda culpa gera auto-punição; mas nesse caso, não contente em punir-se, e evitando ao máximo esta ou aquela forma de sentir prazer, que é uma busca tão natural ao ser humano, a pessoa quer tornar outros tão infelizes como ela; por isso, divulga ideias tortas e confusas, recorrendo ao "achismo".
"Uma coisa é certa: os espíritos superiores não se ocupam desta e de outras questões do modo como espíritas e religiosos se ocupam.
É como disse um sábio, certa vez:
nem os espíritos superiores nem Deus se preocupam com o que o homem faz do umbigo para baixo; eles estão preocupados com o que o homem realiza do umbigo para cima.
E o que está acima do umbigo?
0 coração!
Ou seja, a quantidade de amor que se coloca naquilo que se faz.
Talvez, esses espíritos queiram dar a entender a nós, os aprendizes comuns da caminhada humana, que determinadas coisas são tão naturais quanto comer, beber, respirar e caminhar.
"Acima do umbigo está também a sede da razão, que instiga o homem a reflectir sobre as posturas que abraça, empregando o raciocínio para iluminar o porão de seus medos, culpas e dramas psicológicos e atávicos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 28, 2017 11:35 am

Muitos tomaram um caminho complexo por demais, assumindo posturas castradoras e tabus típicos da Idade Média.
Como se não bastasse, ressuscitam o cadáver de seus traumas numa roupagem espiritualizada ou espiritualista.
Utilizam palavras, dogmas e sofismas próprios, a fim de enquadrar e embotar, no maior grau possível, mentes desprevenidas e inexperientes, ao invés de educá-las adequadamente, como reza a missão primordial de qualquer filosofia espiritualizante."
Voltando-se agora para Nestor, falou:
-É claro, reafirmamos, que tudo que leva o vício pode, em alguma medida, ser prejudicial, além de gerar um componente espiritual favorável ao processo obsessivo.
Mas pergunto: o que dizer da fofoca, do melindre, da maledicência, dos abusos de poder dentro e fora das comunidades religiosas?
Como avaliar a disputa dissimulada para ser o melhor e, sem deixar o tema da conversa, os assédios sexuais e afectivos que ocorrem em todo trabalho, até nos de ordem espiritual, dentro do próprio centro espírita ou templo religioso?
"A autocrítica minimamente sincera mostra que nós, encarnados e desencarnados ainda apegados a conceitos arcaicos de um religiosismo exacerbado, repleto de pecado e culpa, carecemos alargar nossos pensamentos e acompanhar o progresso das ideias e da ciência, a fim de não nos iludirmos com opiniões de pessoas mal-intencionadas ou, tão somente, mal-informadas.
Em tudo, o bom senso é o melhor caminho.
Aventurar-se a propalar que isso ou aquilo atrai obsessores...
Talvez seja a hora de estudarmos melhor e mais detalhadamente os processos obsessivos para depois avaliarmos se não somos nós mesmos e as ideias que cultivamos os verdadeiros obsessores - e não o contrário."
Uma vez mais, deu um pouco de tempo para as palavras surtirem o efeito necessário, promovendo reflexões mais profundas.
Após alguns momentos de silêncio, continuou, arrematando a conversa:
- Reportando-nos ao tema principal de nossa conversa, o mundo ou dimensão mental, podemos acrescentar que cada criatura se encontra, vivendo livremente ou agrilhoada, na dimensão mental que elaborou e elegeu para si.
Em matéria de sexo, não poderia ser diferente: cada qual criou seu próprio mundo mental.
A partir da história e da experiência particulares, estabeleceu posturas diante de proibições, opiniões e ideias, sejam concebidas a partir do estudo, da análise e da pesquisa, ou, ao contrário, associadas a preconceitos, atitudes arcaicas e pensamentos engessados.
E, no presente caso, meus caros, os amigos diante de nós, com os quais estamos ligados através de laços por vezes ignorados, precisam de nosso concurso imediato.
Ao terminar o assunto, tão interessante quanto polémico, Samuel voltou-se para os espíritos assistidos pelo grupo, os quais vivenciavam uma experiência incomum no minuto mais precioso de sua actual existência.
O grupo de amigos do Invisível teria muito em que pensar a partir das palavras de Samuel.
Evidentemente, a abordagem dava margem a diversas outras indagações, porém o momento exigia de todos especial atenção àqueles que reclamavam cuidados especiais.

1 Na dimensão mental, atua o corpo homónimo, tão somente mencionado pelo consagrado espírito André Luiz (cf. XAVIER, Francisco Cândido e VIEIRA, Waldo. Evolução em dois mundos. 20a ed. Rio de Janeiro:
FEB, 2002. p. 27, cap. 2).
Em livro anterior, no entanto, ele ilustra um desdobramento a que se submete, após o desencarne, a fim de visitar a mãe, também desencarnada, porém localizada numa dimensão superior, que se depreende tratar-se da dimensão mental
(cf. "O sonho".
In: XAVIER, F. C. Pelo espírito André Luiz. Nosso lar. 3a ed. esp. Rio de Janeiro: FEB, 2009. p. 215-220, cap. 36).
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 28, 2017 11:36 am

2 Para saber mais sobre a dimensão mental, vale consultar a obra indicada a seguir, que, na literatura espírita, é pioneira no que se refere aos pormenores que traz sobre o assunto (cf. PINHEIRO, Robson. Pelo espírito Joseph Gleber. Além da matéria. 2° ed. rev. Contagem: Casa dos Espíritos, 2011. p. 69-81. 115-123, 226-228, caps. 6-7,12, Entrevista: itens 10-11).
Mais detalhes sobre o corpo mental, como desdobramento, patologias e tratamentos desse veículo, aparecem noutro livro do mesmo autor espiritual (cf. PINHEIRO, Robson. Consciência. 2ª ed. rev. Contagem: Casa dos Espíritos. 2010. p. 24-37. 51-61, 202-208).

3 "A mente é a usina directora que transmite as ordens do espírito e dirige a comunidade orgânica"
(PINHEIRO. Além da matéria. Op. cit. p. 71).
4 "0 corpo é o instrumento da dor.
Se não é a causa primária desta, é pelo menos, a causa imediata.
A alma tem a percepção da dor: essa percepção é o efeito.
A lembrança que da dor a alma conserva pode ser muito penosa, mas não pode ter acção física.
De facto, nem o frio, nem o calor são capazes de desorganizar os tecidos da alma, que não é susceptível de congelar-se, nem de queimar-se.
[Porém,] Não vemos todos os dias a recordação ou a apreensão de um mal físico produzirem o efeito desse mal, como se real fora?
(...) Toda gente sabe que aqueles a quem se amputou um membro costumam sentir dor no membro que lhes falta.
(...) O que há, apenas, é que o cérebro guardou desta [da dor] a impressão. Lícito, portanto, será admitir-se que coisa análoga ocorra nos sofrimentos do Espírito após a morte"
"("Ensaio teórico da sensação nos espíritos". In: KAHDEC. 0 Livro dos espíritos. Op. cit. p. 209, item 257. Grifo nosso)
5 "Liberto do corpo, o Espírito pode sofrer, mas esse sofrimento não é corporal, embora não seja exclusivamente moral, como o remorso, pois que ele se queixa de frio e calor.
Também não sofre mais no inverno do que no verão:
temo-los visto atravessar chamas, sem experimentarem qualquer dor.
(...) A dor que sentem não é, pois, uma dor física propriamente dita:
é um vago sentimento íntimo, que o próprio Espírito nem sempre compreende bem, precisamente porque a dor não se acha localizada é porque não a produzem agentes exteriores.
(...) Durante a vida, o corpo recebe impressões exteriores e as transmite ao Espírito por intermédio do perispírito [ou corpo astral] (...).
Uma vez morto, o corpo nada mais sente, por já não haver nele Espírito, nem perispírito.
Este, desprendido do corpo, experimenta a sensação, porém, como já não lhe chega por um conduto limitado, ela se lhe torna geral"
(ibidem, p. 2IO-211, item 257. Grifos nossos).
6 "Que seria o nosso corpo, se não tivesse alma?
'Simples massa de carne sem inteligência, tudo o que quiserdes, excepto um homem."
(ibidem, p. 139, item 136b).
7 "Todos são criados simples e ignorantes e se instruem nas lutas e tribulações da vida corporal"
(ibidem, p. 137, item 133. Grifo nosso).
8 "0 celibato voluntário representa um estado de perfeição meritório aos olhos de Deus?
'Não, e os que assim vivem, por egoísmo, desagradam a Deus e enganam o mundo'."
(ibidem, p. 413, item 698).
Embora a resposta taxativa, no item seguinte os espíritos superiores admitem uma forma de celibato como meritória, porém apenas quando se traduz em proveito para a humanidade.
9 "A obsessão é a acção quase permanente de um Espírito estranho, que faz com que a vítima seja induzida, por uma necessidade incessante, a agir nesse ou naquele sentido, a fazer tal ou qual coisa"
(KARDEC, Allan. Revista espírita. Rio de Janeiro: FEB, 2004. p. 406, v. 1, out 1858. Grifo nosso).
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 28, 2017 11:36 am

10 A origem do termo indução espiritual remonta aos primeiros textos do Codificador:
"Estamos incessantemente cercados por uma multidão de Espíritos que, por serem invisíveis aos nossos olhos materiais, nem por isso deixam de estar no espaço, ao redor de nós, ao nosso lado, espiando nossas acções, lendo os nossos pensamentos, uns para nos fazerem o bem, outros para nos induzirem ao mal, conforme sejam bons ou maus""
(ibidem, p. 405. Grifos nossos).
11 "Ninguém está obsidiado pelo simples facto de ser enganado por um Espírito mentiroso.
(...) A obsessão consiste na tenacidade de um Espírito, do qual não consegue desembaraçar-se a pessoa sobre quem ele actua"
(KARDEC, Allan. 0 livro dos médiuns. IA ed. esp. Rio de Janeiro: FEB, 2005. p. 355, item 238. Grifo nosso).
12 KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o espiritismo. IA ed. esp. Rio de Janeiro: FEB, 2004. p. 556, cap. 28, item 81. Grifo nosso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 29, 2017 10:42 am

ACTIVA DE SUAS VIVÊNCIAS internas, Patrícia permanecia mergulhada na própria amargura.
Entre visões, sonhos e pesadelos, sua mente perdera o controle por completo.
Intimamente, até lutava para sair daquela situação, mas sentia que uma força oposta a puxava em direcção ao mergulho cada vez mais profundo dentro de si mesma.
Um misto de tristeza, mágoa e desespero era o que irradiava de seu íntimo.
As vezes, sentia uma mão tocar-lhe ora a face, ora os cabelos; notava ligeiramente que era aconchegada por alguém invisível.
Novamente, as imagens de sua tormenta íntima venciam a resistência e ela regressava às camadas mais profundas dos arquivos mentais.
0 inconsciente é o grande porão da mente humana.
Nessa dimensão mental do psiquismo profundo, vivem perpetuadas imagens robustas de conteúdo emocional traumático, aguardando a hora certa de emergir.
Em algum momento, o ser terá de enfrentar-se, e essas imagens vivas do passado virão à tona de maneira mais ou menos tormentosa, de modo que sejam elaboradas, trabalhadas.
Muitas vezes, a pessoa não se sente forte o suficiente para enfrentar as angústias e tormentas íntimas, preferindo refugiar-se em situações complexas, que a levam ao isolamento ou a fugas e máscaras, que se revelam como uma tentativa de encobrir-se, de maquiar a realidade interna.
Nem sempre o ser sai ileso dessa tentativa.
Patrícia vivia essa realidade agora.
Estava presa no coliseu mental, numa dimensão além-física, na qual se fizera expectadora de si mesma; entre emoções fortes, descontroladas, oscilantes e imagens vívidas de cores pulsantes, pintadas segundo a força de suas próprias sensações.
Eram imagens que surgiam aqui e ali, no panorama íntimo, e deixavam marcas fundas em suas recordações, tornando as emoções cada vez mais desalinhadas, num círculo vicioso.
Enquanto assistia intimamente ao desfilar das personagens, descobria que cada um daqueles seres fantasmagóricos se revelava como máscara de si mesma.
Ela era a actriz e a expectadora daquele drama que se projectara, vivo, em sua tela mental.
Facetas de sua própria personalidade ou de dramas vivenciados em algum momento da existência - ou, quem sabe, daquela existência que julgava ter terminado.
Mas sempre algo ou alguém, um personagem da história que ela mesma forjara e vivenciara.
Enfim, sua vida era um grande teatro, e as imagens que via e vivia em seu íntimo eram o reflexo de um auto-retrato, um desfilar de seus personagens ou subpersonalidades.
Um filme de sua própria vida?
Patrícia não tinha condições de saber, responder, tampouco raciocinar a respeito.
Ela apenas via e vivia, condenada à angústia e à melancolia.
Por um prodígio que não podia explicar, fora levada a rever cada detalhe daqueles 37 anos que vivera.
Mergulhada num transe subtil e, ao mesmo tempo, profundo, ela não conseguia interferir no processo que ocorria nela e com ela.
As recordações a dominavam por completo.
As emoções definiam seu estado a partir de então; era expectadora da própria existência.
Paloma havia deixado Ronie de lado; buscava outro canto, chateada, magoada com o palavreado dele, com o modo como se dirigia a ela, numa forma de intimidá-la por algum motivo que não podia sequer imaginar.
Ou podia, mas não se atrevia a formular o pensamento, o raciocínio, evitando-o dali em diante.
Foi quando encontrou Patrícia deitada, gemendo baixinho, ao passo que Ronie gritava ainda, mas agora em pleno desespero.
Paloma amparava Patrícia o quanto podia; ao aproximar-se da garota, pôde perceber a intensidade da angústia íntima que a afligia.
Enquanto se envolvia com as necessidades de Patrícia, Paloma pensava em voz alta, raciocinando sobre a situação em que se encontravam:
- Já estamos a caminho de descobrir o que está acontecendo connosco?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 29, 2017 10:42 am

Temos alguns elementos, mas faltam-nos mais detalhes, que no momento nos escapam por completo.
Precisamos de ajuda externa.
- E não é isso mesmo que estamos tentando o tempo todo?
Encontrar ajuda? - respondeu Hugo, alterado, demonstrando inquietação, raiva direccionada a não se sabe quem - talvez a si mesmo -, além de mais alguma coisa íntima que não se poderia definir.
Sem se deixar influenciar pelas emoções descontroladas do companheiro de infortúnio, Paloma continuou expressando o que pensava.
Quase ignorando o rapaz alterado, disse:
- Falo assim porque vejo que estamos todos em situação semelhante.
Estamos muito chocados e emocionados, cada um a seu modo.
Que tal tentarmos acalmar os pensamentos e emoções e pensarmos em como conseguir ajuda?
- Parece fácil para você, não é?
Arranque essa máscara de vez, se você pode, sua traveca mal resolvida!
- respondeu Ronie, regressando de seu transe particular, mas em notório estado de perturbação.
Parecia drogado, em visível desespero, mostrando desrespeito e revolta declarada.
Respirando fundo e modificando por completo a fisionomia, Paloma expressou veemência e fortaleza antes não percebidas.
Num tom de voz mais potente que o de Ronie, mais masculina que anteriormente, pronunciou:
- Pois bem, eu tenho coragem para isso!
E vocês? Para viver a vida que eu vivo, é preciso coragem e sangue quente nas veias.
Paloma gesticulava, na tentativa de mostrar a garra da qual era detentora.
No entanto, Ronie, em franco desequilíbrio, prosseguiu nas ofensas:
- Ah! Sim!
Quer dizer que é corajosa?
Ou será corajoso?
Está tentando enganar a quem?
Pensa que pode dar uma de homem aí e se esconder por trás da maquiagem?
Ou será que sua coragem toda foi para ficar por aí se prostituindo com outros homens?
Hugo e os demais jamais pensaram que Paloma pudesse ter uma reacção tão forte aos comentários do rapaz.
Levantando-se num átimo, apontou o dedo em riste em direcção a Ronie; falando forte, firme e com imenso magnetismo nas palavras, externou sua indignação com o comentário infeliz que ouvira:
- Parado aí, rapaz! - gritou a própria Paloma, interrompendo Ronie.
Você nem faz ideia do que é minha vida.
Eu não sou prostituta.
Nunca vendi meu corpo a ninguém.
Não vendi meu corpo nem a minha alma.
Seu imbecil!
Veja seu estado!...
Sua aparência está se modificando cada vez mais; sabe-se lá se esta não é sua verdadeira aparência?
Um vampiro de almas, de corpos, um ser esquálido, de tanto sugar energias, forças e a própria alma de seus clientes.
Parece estar com medo da própria sombra!
Sem saber o que acontece com você ou connosco, não quer enfrentar a realidade e, por isso, se volta contra qualquer um que queira.
Respirando profundamente, demonstrando um vigor não manifestado até ali, tirou a peruca, limpou um pouco da maquiagem do rosto e apresentou-se como o sujeito determinado e firme que seus companheiros ainda não conheciam.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 29, 2017 10:42 am

- Eu, pelo menos, tenho a coragem de pensar e raciocinar.
E onde estão os seus valores de macho neste momento?
Hein? Diga onde escondeu a coragem de enfrentar a vida!
Será que esse machismo todo não é suficiente para enfrentar a situação?
Ou pensa que sou indefesa diante da arrogância e da agressividade, que parece ser tudo quanto há em seu repertório?
Voltando-se para os demais, enquanto Ronie se sentia diminuído diante do absurdo que cometera, continuou:
- Não somente você, mas todos aqui.
Ficam pensando em situações mirabolantes para explicar algo que rejeitam sem nem sequer pensar no assunto.
É isso que é coragem? - indagou, ao final mirando Hugo forte e magneticamente, o qual se mostrava hipnotizado pela fala vigorosa de Paloma.
O tempo parecia haver parado.
Paloma movia-se numa realidade mental diferente.
Algo a mantinha ligada à mesma frequência mental de Hugo, que também sabia que era cativo de uma situação da qual não tinha forças para escapar.
A vida no Além seria isso?
Ambos viam os demais companheiros se moverem quase em câmara lenta, talvez em sua própria realidade íntima.
Que fenómeno seria esse?
0 que estaria ocorrendo com eles?
Agora era Paloma quem chorava, pondo as emoções para fora, cuspindo sua revolta e expurgando de seu interior os traumas reprimidos.
Hugo, sem saber ainda o porquê, estava se sentindo prisioneiro do campo mental de Paloma.
Ele sentia e vivia cada emoção expressa por aquela alma feminina aprisionada no casulo de uma aparência masculina.
Eles se viam, se sentiam.
Em pé, frente a frente com Hugo, Paloma derramou-se, abrindo as comportas da alma.
As palavras fluíam como líquido ora morno, ora quente e outra vez frio.
Eram emoções que precisavam ser enfrentadas.
Era uma realidade que Hugo necessitava confrontar.
Não se sabia ao certo se os pensamentos se transformavam em palavras ou se, nessa dimensão temporal, as palavras eram apenas pensamentos, que irradiavam e se cruzavam, numa mistura de emoções e sentimentos.
Hugo, por sua vez, vivia intensamente tudo aquilo, deixando-se arrebatar pelo olhar de Paloma, que o fixava.
Uma força descomunal irradiava dos olhos dela.
Ou seria dele? Pouco importava.
Hugo apenas não conseguia se furtar àquele momento, tanto quanto não podia deter a avalanche de emoções que irrompiam de seu interior.
Durante muitos anos, tentou reprimir esse tormento íntimo disfarçado, contido através de suas atitudes estudadas.
Mas agora, morto ou não, sentia-se impotente.
As lágrimas que via rolar dos olhos de Paloma feriam-lhe a alma, na qual descobria estranha sensibilidade, a aflorar, submetendo-lhe a força aparente e a máscara do macho.
- Não sou o que você pensa de mim! - começou a se expressar Paloma, com palavras e pensamentos intensos, conforme as emoções que emergiam de sua alma.
Sou mais forte do que você imagina, mais macho do que todos aqui! - encarou Hugo, virando-se em seguida para Ronie, como a endereçar-lhe o conteúdo de suas palavras.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 29, 2017 10:42 am

Hugo, ele próprio, parecia retrucar mentalmente as vibrações e palavras de Paloma, que lhe fixava o olhar de tal modo que não podia escapar.
Tampouco Ronie podia, quem até então se dirigira a ela de maneira desrespeitosa e agressiva.
O diálogo prosseguiu, enquanto os personagens se moviam num estado mental diferente dos demais.
Era a dimensão mental, alcançada naquele momento devido à força das emoções, que, antes contidas, explodiam como foguetes, elevando a frequência do pensamento daquelas almas.
- Sou uma alma feminina sim, sou e sempre fui o retrato da saudade.
Saudade, sonho, fantasia, sensibilidade, emoção, gente.
Sempre fui gay.
Mas ser gay não é o que vocês, machões, pensam.
Não! Vocês não sabem o que é ter uma alma cor-de-rosa.
Imaginam que ser gay é fazer sexo com alguém parecido com você, do mesmo sexo.
Sabe por que pensam assim?
É que vocês generalizam as relações, erotizam o amor e ainda asseguram que o gay não pode ser feliz...
Ser macho? Até animal é macho.
Eu sou gay e sou homem.
Muito mais homem do que vocês.
Sou um homem feminino, sensível.
Isso desperta em vocês o preconceito contra aquilo que é diferente.
Vocês não suportam o diferente.
Mas o mundo é feito de diferenças.
A humanidade é plural.
Sou gay, sim, e sou feliz.
Ser gay está na alma das pessoas e não na genitália. Sinto-me feliz porque aprendi a amar.
Depois de respirar fundo e notando que os interlocutores estavam dominados por suas palavras, pela força de seu magnetismo, além das verdades que pronunciava, Paloma avançou ainda mais:
- Muitos generalizam a ideia de ser gay.
Pensam que a homo-afectividade está necessariamente ligada à genitália, ao ato sexual puro e simples.
Podemos ser homo-afectivos, homossexuais, homo-eróticos ou homo-espirituais...
Será que vocês que perseguem, caluniam e rejeitam os gays já pensaram nisso?
Que o universo humano é plural?
E sem dar tempo para respostas, prosseguiu, emocionada:
- Vocês não sabem - Paloma mirava ora um, ora outro -, vocês talvez nem suspeitem a força que é necessária para alguém sobreviver, na vida que eu levei, sem se prostituir intimamente.
- Tudo na vida tem seu preço - ousou Hugo, interferindo na fala de Paloma e demonstrando grande insegurança na própria inflexão verbal, além de um incómodo profundo, que diluía sua alma.
Mais calma agora, observando o dilema na alma do outro, Paloma retrucou:
-É verdade!
Tudo tem seu preço, ou melhor, todos têm seu valor e seus valores.
Muitos se vendem como produto de um mercado humano ou sub-humano.
Mas eu não me vendo, pois aprendi, por meio do sofrimento, que meu valor é muito maior do que o preço de mercado.
Talvez - falou quase serena, voltando-se para Ronie -, você tenha confundido, em sua caminhada, o que é preço e o que é valor.
E, sendo mais suave na forma de falar, quase delicada demais, subtil, concluiu o pensamento olhando na direcção de Ronie:
- É preciso um pouco de delicadeza e sentidos aguçados e mais sensíveis para não se perder entre uma e outra coisa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 29, 2017 10:43 am

A conversa tocara intimamente Ronie, que se acuara em algum lugar, envergonhado.
Baixando a cabeça, Paloma tirava o resto da maquiagem com as próprias lágrimas, esfregando o que restara, removendo os excessos.
Passava as mãos sobre o rosto, deixando transparecer as feições masculinas, que, aos poucos, se revelavam, mostrando os traços que a maquiagem encobrira.
Era um homem bonito.
Rasgou o vestido com o qual se cobria, mostrando-se por inteiro para Hugo.
- Veja, sou como você.
Posso, se quiser, ter uma vida sexual como a sua.
Tenho toda a virilidade de um homem.
Mas não quero ser como você.
Aliás, não sou como muitos por aí.
Muitos homens que se comportam como machões transformam as mulheres em objectos sexuais.
Transam com uma, outra e mais outra, e depois se reúnem para contar vantagens e disputar conquistas, desrespeitando aquelas que lhes abriram as almas, menosprezando as emoções, os sentimentos e as dores das mulheres com as quais estiveram ou que usaram.
"Eu aprendi a amar.
Sou homem e, sinceramente, não me esforço nem um pouco para ser macho, pelo menos não na concepção popular.
Sou gay sim, e me orgulho de ser.
Não me prostituo.
Não vendo meu corpo nem minha alma a ninguém.
Trabalho honestamente e, da arte, ganho minha vida, construo a minha dignidade a cada dia, a cada lágrima, em cada coração que auxilio ou em cada menina que eu consigo arrancar da prostituição e mostrar um caminho melhor e mais digno de viver.
"Muitas vezes, quando passo em determinado lugar, alguns machões falam entre si:
'Lá vai a bichinha, o boiola'.
E logo pensam, sem ter coragem de falar:
'Uau! Como é bonito o danado!
Se eu pudesse...'
É assim com a maioria dos machões.
Gostam de esconder a sensibilidade por detrás da máscara do macho.
Têm medo de expressar seu lado feminino, ou, quem sabe, os desejos mais secretos, os instintos mais duramente reprimidos.
Preferem sustentar uma feição de macho, mantendo um teatro perante os colegas, e chamar a atenção para algo que, na intimidade, não são.
Pelo menos, eu creio, não são assim tão fanáticos quanto divulgam.
"Ser gay é algo que está na alma.
E não me venha com essa de que é uma opção sexual! - exclamou meio alterado, porém sem perder a elegância.
Eu não optei em momento algum.
Eu simplesmente sou o que sou.
Amo, assim como todos.
Deus me fez assim."
Olhando cada um directamente nos olhos, dando uma pausa para pensarem, prosseguiu logo depois:
- Muitos que se comportam como machões não suportam o diferente, aquilo que desafia seu estilo de vida.
Usam máscaras, mas, em algum momento, a máscara cai.
Nós também usamos máscaras...
Sim, usamos mesmo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 29, 2017 10:43 am

Mas nossas máscaras são a alegria, as cores, a fantasia, a espontaneidade e tudo aquilo que incomoda quem está trancafiado em um casulo de ideias.
Modificando a entonação da voz, a forma de expressar, Paloma continuou, falando quase devagar demais:
- Estamos conquistando um lugar no mundo.
É o progresso, e isso vocês não podem deter.
Vocês não podem nos impedir de amar, de sermos o que somos. Não, mesmo!
Olhando para Adir, o pastor evangélico ortodoxo, acentuou sua opinião sobre o fundamentalismo religioso:
- A religião, não podendo conter nossas emoções e sentimentos, de uma maneira irracional tachou-nos de pecadores, desequilibrados, obsidiados.
E faz isso indistintamente, não interessando o que cada um de nós é ou faz.
Fomos reduzidos à prática sexual:
o sexo daquele com quem se deita define o destino espiritual.
Meu Deus, quanto contra-senso!
Como se bastasse ser heterossexual para ser feliz e abençoado. Sonho com o dia em que poderei entrar no templo e adorar a Deus publicamente, da maneira como sou.
Novamente encarando Hugo, que, ao longo da vida adoptara um comportamento machista e cheio de preconceitos, embora fossem máscaras para encobrir sua realidade emocional, prosseguiu mais um pouco:
- Veja, Hugo, que sou homem.
Você se esforça para ser ou parecer um macho aos olhos da própria família, dos amigos e das mulheres...
Paloma agora parecia não sentir mais forças para continuar, ou não achava que Hugo e os demais merecessem o esforço que fazia.
De qualquer forma, desabou em lágrimas, profundas, sentidas, como se expurgasse da alma alguma nódoa oculta, que se liquefazia em pranto.
As lágrimas comoveram profundamente Hugo, que também se abria lentamente para encarar a própria realidade.
César tomou a atitude inesperada de amparar Hugo, colocando o braço direito em seus ombros, sustentando-o diante da fragilidade emocional, que agora se revelava patente.
Adir, ainda envolto no orgulho, na prepotência e na arrogância que demonstrara desde o início, parecia não se comover com os dramas alheios.
Observava os companheiros com nítido olhar de desdém e superioridade, com a intenção de eliminá-los de sua realidade mental.
- Eu tenho certeza de que nós não morremos; pelo menos eu não.
Isso é muito claro para mim... - suas palavras pareciam desconexas, fora de contexto.
Estava com a ideia fixa, em circuito fechado de pensamentos.
Talvez devido à culpa, reprimida e de modo algum admitida.
A interrupção que causara, a intromissão no assunto abordado por Paloma parece ter exposto perante os colegas o grau de desequilíbrio dos pensamentos dele.
- Isso é impossível! - falava sem nexo, desconsiderando o tema da conversa ou do pronunciamento de Paloma, envolvendo-se ao máximo com suas crenças pessoais, seu fanatismo e extremismo religioso.
A Bíblia diz que os mortos não sabem coisa alguma.
E os salvos estão dormindo no paraíso.
Como eu fui salvo por Jesus e, assim mesmo, estou aqui com vocês?...
Antes que pudesse concluir seu discurso, foi interrompido em suas pretensões teológicas.
Vindo não se sabe de onde, parecendo materializar-se em meio às angústias expressas e emoções conflituantes, ele veio.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 29, 2017 10:43 am

Como se caminhasse entre vapores, nuvens ou tempestades de sentimentos, ele apareceu de maneira simples, mas de modo a impressionar:
- Isso quer dizer que todos estão fora da salvação, menos você, Adir, é claro.
E não podem ter morrido, de acordo com o seu raciocínio...
A voz ressoou firme na intimidade de cada um.
0 novo personagem aparecera andando devagar, vindo de algum lugar que ninguém ali poderia explicar, nem sequer adivinhar, para espanto de todos.
- Quem é você?
De onde vem? — gritaram todos ao mesmo tempo.
Queriam respostas, e o estranho parecia interferir exactamente no momento do ápice do desconforto e da sensibilidade das almas aprisionadas entre si.
- Isso mesmo!
Fala, cara! - Hugo avançou em direcção ao desconhecido, em grande desespero.
Diga como e de onde você veio.
Hugo foi barrado, misteriosamente, por um campo invisível para todos, uma barreira que não saberia explicar.
Caiu ao chão, como se uma força sobre-humana o houvesse bloqueado.
Paloma adiantou-se; vinha do local onde Patrícia permanecia, desacordada.
Elegantemente se dirigiu ao estranho:
- Acho que você traz alguma explicação para o que está ocorrendo.
Ou melhor, da forma como apareceu, você deve ter uma explicação...
O estranho suspirou, fazendo com que todos relembrassem o som que ouviram anteriormente.
- Então, era você! - exclamou Ronie.
Esse suspiro que ouvimos várias vezes e nos apavorava era você!
Estava aí nos espionando o tempo inteiro...
- Não espionando, mas participando, observando, ouvindo - falou o estranho, deixando transparecer em sua voz certa ironia refinada.
- Meu nome é Samuel; podem me chamar assim.
Estou aqui, como todos vocês, em busca de conhecer, de saber.
Procuro respostas, também.
- Você não chegou agora?
Estava aí o tempo todo, escondido?
Onde? - indagou Paloma.
- No momento em que vocês chegaram, já me encontrava aqui.
- Como não o vimos antes?
- Ver ou não ver é uma questão de atenção, de interesse.
Cada um percebe apenas aquilo sobre o que deposita atenção.
Vocês estavam tão assustados e preocupados consigo mesmos que não perceberam o que havia ou há à sua volta.
- Mas não vimos você! - falou Adir, nervoso.
- Estamos aqui eu, Hugo, a tal da Paloma, César e... - balbuciou - Ronie, e com certeza nenhum de nós o vimos antes.
- Vejam como não registram tudo ao redor.
Você, Adir, não citou Patrícia, que está dormindo ali - observou Samuel, apontando para o lado.
- Enxergaram-se e perceberam-se de acordo com os medos de cada um; até agora, não notaram que existe mais um membro no grupo e que talvez esteja em situação semelhante.
Com excepção de Paloma, nenhum de vocês está interessado em ver nada além da possível fuga dessa realidade ou da sua realidade.
- Acho que estamos mortos - tornou a falar Paloma.
Eu me lembro de alguma coisa que me aconteceu...
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O PRÓXIMO MINUTO/Ângelo Inácio - Robson Pinheiro - Página 3 Empty Re: O PRÓXIMO MINUTO/Ângelo Inácio - Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 29, 2017 10:43 am

- Você está ficando louca com tudo isso... falou Ronie, alterando o rumo da conversa.
Isso tudo está deixando a gente desequilibrado.
Samuel apresentava-se com uma aparência claramente distinta da dos demais.
Alto, claro, olhos vibrantes de vida, transmitia certa segurança e sugeria saber bem mais do que demonstrava.
Suas palavras eram enigmáticas, e a presença irradiava uma espécie de magnetismo, que cada qual interpretava de maneira peculiar.
Observando o jeito diferente e enigmático na postura de Samuel, Ronie procurou usar seu poder sedutor, tentando, ao mesmo tempo, agir com discrição, para que os outros não percebessem.
- Você deve saber muito mais do que fala — disse Ronie, esboçando um sorriso estudado, que mais parecia uma careta.
Ronie esqueceu, por um instante, que sua aparência, sua fisionomia passava por uma sensível transformação.
- Quem sabe podemos conversar à parte e nos entendermos melhor.
Se você se abrir comigo, talvez possa ser recompensado...
Novamente Samuel deu um longo suspiro.
Desta vez apenas Ronie o percebeu arrepiando-se e enchendo-se pavor de si mesmo, enquanto reconhecia que já não detinha o magnetismo de antes e que sua aparência repugnava até a si próprio.
Estava esquálido, esquelético.
- Repare bem, rapaz - falou Samuel, de tal forma que somente Ronie o ouvisse.
Cada um de nós sabe muito mais do que dá a entender.
As respostas para o que você procura estão dentro de você mesmo, assim como as respostas para minhas indagações estão dentro de mim.
Samuel deixou claro para Ronie que sua tentativa de seduzi-lo era ineficaz.
Dirigiu-se a Patrícia, que estava inquieta, apesar das tentativas de Paloma de acalmá-la.
Tocou-lhe os cabelos e, aos poucos, seu sono agitado se tranquilizou.
Observadora, Paloma aproximou-se, deixando os outros perdidos em indagações e suposições.
- Parece que você conseguiu, finalmente, acalmá-la...
César aproximou-se também, mas, por algum motivo que não saberia explicar, não reconheceu a amiga.
Pelo menos não na aparência, embora seus sentimentos dissessem ser ela, de facto.
- Ela precisa de muito carinho.
Tem necessidade de se sentir amada - respondeu Samuel.
- Acredito que ela está morta também, como todos nós...
- Morta? - perguntou Samuel, falando um pouco mais alto, para que os demais o ouvissem...
-É isso mesmo!
Estou convencido de que morremos todos.
Ou pelos menos eu morri!
- Mas, se você morreu, e os outros?
Quem somos nós e o que ocorre com cada um?
Olhando para os outros membros do grupo, que ouviam a conversa sem interferir, Paloma continuou:
- Veja, eu me lembro de algumas situações, apenas.
Mas são imagens bem nítidas.
Eu saía do trabalho e me dirigia a determinado lugar, que não está bem definido em minha mente.
Ouvi tiros e, na tentativa de fuga, de repente me vi no meio de policiais.
Senti perfeitamente quando fui atingida por uma bala disparada não se sabe de onde.
Só isso; no entanto as imagens são muito fortes.
Depois de tudo isso, estou aqui, num lugar que fica em lugar algum, com pessoas cheias de mágoa e dúvida.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 29, 2017 10:43 am

Elas também não sabem de onde vieram exactamente ou como vieram parar aqui e agora.
Aí, você parece que se materializa, ou melhor, surge em meio a isso tudo.
Com certeza morremos todos. Com certeza!
- Se estamos mortos, como podemos estar conversando, nos entendendo?
Já pensou nisso?
- Ah! Mas o que morreu foi somente o corpo...
Paloma falou, olhando para César, que devia entender mais dessas coisas do que ela.
- Já procurei em mim as marcas do projéctil que me acertou e não encontrei.
Estou me sentindo mais leve, apesar de não ter respostas para algumas coisas.
- Quem sabe - prosseguiu Samuel - você, eu e os demais não estamos aqui para resolver essas questões aparentemente sem resposta?
Pode ser que todos estejam vivenciando uma oportunidade de solucionar questões pendentes de seu passado.
Você mesma já disse isso em outras palavras...
- Não entendi - respondeu Paloma.
- Veja bem! Você disse que tem certeza de que morreu; parece estar conformada com a condição da morte.
Mas alguma coisa a incomoda.
Você deixa transparecer em suas palavras que existe algo em seu passado que procura esconder.
Uma aparente insatisfação...
Paloma levantou-se da posição em que se encontrava, ao lado de Patrícia, pensando muito nas palavras do estranho.
Todos, ainda em silêncio, pareciam interessados no que ouviam, magnetizados, por assim dizer, pelas palavras de Samuel.
Depois de muito pensar, Paloma falou com certa pausa na voz, agora num tom mais masculino:
- Acho que é isso mesmo!
Estando morta, pensei que certas questões vividas por mim também estivessem. Enganei-me.
Trago mais vívidas ainda tais lembranças ou impressões.
Quem sabe eu esteja...
- Escondendo-se atrás da possibilidade de estar morta para ocultar ou mascarar algo mais profundo do que a morte - completou Samuel.
- Será? Pelo jeito você entende bastante de psicologia...
- Não é essa a questão, Paloma.
Em geral, todas as pessoas trazem problemas não resolvidos dentro de si.
Independentemente de estarmos mortos, desencarnados ou vivos no corpo físico, é comum que tenhamos nossos medos e culpas e procuremos nos esconder atrás de máscaras criadas ao longo do tempo.
- Acho que o próprio facto de eu ser transformista, viver atrás de máscaras, maquiagens, plumas e luzes do palco...
- Você é uma artista, uma alma sensível. Somente isso!
- Eu sei, eu sei, Samuel!
Mas não posso negar que também uso minha arte para disfarçar determinadas coisas que ainda me incomodam profundamente.
- Talvez eu possa ajudá-la, de alguma forma.
-E aí, cara?... - Hugo interferiu brusca e desrespeitosamente.
Agora vai dar uma de psicólogo?
Entra em nossas vidas e vai se metendo assim, sem mais nem menos?
- Cale-se! - Samuel falou com tal veemência que Hugo estremeceu e se colocou numa posição mais afastada.
Parecia que irradiava de Samuel uma força tão marcante, que ninguém teve coragem de interrompê-lo novamente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 29, 2017 10:44 am

Samuel dirigiu-se a um local onde, mais uma vez, ninguém poderia vê-lo. Observava.
Plantara a semente no coração de Paloma.
Esta, por sua vez, percebendo que o sétimo integrante havia desaparecido tão subitamente quanto viera, aproximou-se de Patrícia, que agora parecia dormir mais tranquila.
Quando Paloma levantou os olhos, percebeu uma porta.
Sim, uma porta, que parecia ter sido desenhada em cada detalhe.
Levantou-se intrigada, aproximando-se do local onde estava a abertura, da qual parecia irradiar uma luz subtil.
Mas não podia deixar Patrícia para trás.
Voltou-se novamente, devagar, porém firme, e tomou Patrícia nos braços.
De início, César demonstrou ligeiro interesse, mas em seguida sentiu-se intimidado, ao ver Paloma tão decidida, levando-a nos braços.
Paloma demonstrou força e agilidade que os demais nem suspeitavam.
De todo modo, ficaram intrigados com sua atitude, pois não viam a abertura, a porta que Paloma enxergava.
Também não souberam interpretar, explicar como ela sumira de um momento para outro.
Para eles, Paloma, carregando Patrícia nos braços, apenas sumira, desvanecera-se em meio a algum fenómeno inexplicável; somente isso.
Entretanto, seu desaparecimento deixara, em cada um, um dilema ainda maior, um medo que se agigantava.
Agora, sozinhos diante daquele novo facto, teriam de lidar com os próprios receios e frustrações.
Querendo admitir ou não, tinham de concordar que, entre todos eles, Paloma fora a mais corajosa.
E apenas a ela, ao que tudo indicava, a tal aparição chamada Samuel se dirigira de maneira mais pronunciada.
Enfim, tudo estava ainda mais intrigante, complexo, difícil de explicar.
Sem que o soubessem, Paloma permanecia no mesmo ambiente, porém isolada vibratoriamente, pois Samuel precisava auxiliá-la de modo mais directo.
Ela estava preparada para as reflexões.
Vendo Samuel, percebendo-lhe a presença além da abertura, que, talvez, fosse apenas uma abertura mental, consciencial, Paloma depositou o corpo de Patrícia num local que lhe parecia confortável; a seguir, levantou-se, encarando Samuel com desejo sincero de entender a situação.
Emocionada ao extremo, Paloma iniciou um relato, sentindo-se à vontade na presença daquele que, agora, já considerava mais próximo, quase um amigo.
Encorajada, quem sabe, pelo olhar de Samuel, algumas lágrimas esboçando verter dos olhos, ela começou:
- Desde cedo me senti diferente.
Sabia que algo dentro de mim pulsava com intensa sensibilidade, o que me fazia sentir e saber ser diferente dos outros meninos.
Mas não fazia ideia de como exprimir minhas impressões.
Talvez fosse algo intuitivo.
Paloma parava para respirar mais intensamente, pois as lembranças pareciam sufocá-la.
- Fui crescendo, e meu corpo parecia reflectir a minha alma.
Eu não fiz uma opção para ser o que sou.
Nasci com a alma mais sensível, tão somente, como é até hoje.
Inspirando o ar mais profundamente, ela reuniu forças e prosseguiu:
- Aos 13 anos de idade, meu corpo era algo gracioso.
Nem totalmente masculino, nem feminino.
Creio que era uma mistura equilibrada dos dois.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 30, 2017 12:09 pm

Eu me deliciava ao olhar no espelho. Tanto as meninas como os meninos tinham um olhar diferente e especial em relação a mim.
Mas eu não entendia direito o que ocorria; apenas curtia aquilo tudo como algo inusitado. Só isso!
"Meu pai havia abandonado minha mãe assim que nasci; mais tarde, mamãe se uniu a outro homem, que a amparava emocionalmente.
Mas ela não sabia dos olhares indiscretos que ele me lançava.
Naquela época, eu me sentia envergonhado, mas ainda não havia despertado plenamente para as questões ligadas à sexualidade.
O sexo só foi fazer sentido para mim muito mais tarde.
Me envergonhava porque meu padrasto me tocava de forma diferente.
Tentei várias vezes fugir; evitava, instintivamente, ficar a sós com ele.
Por essa época, mudou-se para a vizinhança uma família.
Havia um garoto uns dois anos mais velho do que eu.
Trocávamos olhares, às vezes conversávamos.
"Despertava minha sensibilidade feminina e, hoje eu sei, minha afectividade.
Um toque, um beijo na face foram o suficiente para afoguear minha alma, e foi então que me vi apaixonado pela primeira vez.
"Mas meu padrasto, já desconfiado, certo dia pediu minha mãe para fazer algo no centro da cidade.
Não houve como escapar da investida dele."
As lágrimas rolavam mais intensamente, e a história de Paloma acabou por comover Samuel.
- Fui violentado em minha própria casa e obrigado a sufocar minha revolta, tendo em vista as ameaças que meu padrasto me fez.
Ele me dominou pelo medo.
Fez de tudo para que me calasse; passei a evitar minha mãe por puro medo do que poderia ocorrer comigo ou com ela, devido às ameaças do meu padrasto.
"Durante dois anos fui obrigado a me submeter a seus caprichos.
"Nesse tempo, brotava em mim certa repulsa pelo meu corpo.
Queria me esconder, a todo custo; fazer qualquer coisa para disfarçar a vergonha e o asco que meu padrasto produziu em mim.
"Quando completei 16 anos, experimentei a maconha pela primeira vez.
Ela me serviu como fuga da situação insuportável que eu me vi obrigado a viver.
Meu corpo, já mais formado, causava inveja em certos rapazes, tanto quanto desejo.
Mas ninguém sabia do tormento em que eu vivia.
Não podia contar nada à minha mãe, pois ela estava loucamente apaixonada por meu padrasto.
Não sei como ela receberia a verdade dura.
"Saí de casa. Resolvi colocar fim à situação.
Não vi outra maneira.
"Fui abrigado por alguém que conhecera no colégio. Era uma das pessoas que traficava a maconha, mas foi a oportunidade que encontrei.
Logo mudei de cidade. Não foi fácil.
Hoje me pergunto:
caso meu padrasto não tivesse feito o que fez, eu seria como sou?
Teria experimentado o sexo com outro homem?'1
- Reflicta bem, Paloma - interrompeu Samuel.
-0 que a atormenta é o facto de ter feito sexo com homens ou a forma como conheceu a experiência sexual?
Pensando mais detidamente, Paloma respondeu, meio vagarosa:
- Sem sombra de dúvida, minha maior tormenta foi a violência com a qual fui tratada pelo meu padrasto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 30, 2017 12:09 pm

- Pois é, minha querida.
Você mesma me disse, em seu relato, que aos 13 anos já emergia do seu interior toda a sensibilidade de uma alma feminina.
Apaixonou-se por outro garoto antes mesmo de qualquer acontecimento traumático.
Contudo, parece-me que nada houve entre vocês.
- Não! Foi somente um beijo na face, alguns olhares, sorrisos.
Guardo essa lembrança carinhosa, terna, dentro de mim.
-E quanto a seu padrasto?
Já lhe ocorreu perdoá-lo?
Parece-me que ainda agora você carrega uma mágoa profunda dentro de si...
- Como posso perdoar?
A dor, que persiste dentro de mim até hoje, não diminuiu.
A investida dele sobre mim, o abuso sexual por dois anos seguidos, tudo isso repercute ainda hoje em minha vida.
Não consigo me relacionar mais intensamente com ninguém, mesmo que, para os outros, eu pareça bem resolvida.
Tenho medo de me entregar, muito medo; verdadeiro pavor...
- E por isso se vê atormentada dessa forma.
- Acho que a experiência com meu padrasto me afectou profundamente a vida.
Antes de morrer...
- Antes de morrer?
- Bem, vou reformular minha fala.
Antes de vir parar aqui, eu tinha um parceiro, um namorado.
Alguém que eu amo muito e, tenho certeza, sente o mesmo por mim, também.
Mas fico imaginando quanto ele sofre comigo.
- Não entendi!
Se vocês se amam, como ele pode sofrer com você?
- Namoramos já há alguns anos.
Porém, depois da experiência com meu padrasto, nunca consegui me entregar plenamente a ninguém.
Vivemos um amor quase platónico.
Meu menino - é como nos chamamos - me aceitou assim mesmo, quase sem contacto sexual, íntimo.
Em silêncio, ele sabe compreender.
No entanto, sei que não deve ser fácil para ele.
- Mas também não deve ser fácil para você.
- E não é mesmo!
Quando nos abraçamos, nos beijamos, vêm à mente as imagens do trauma que vivi.
Isso me inibe e me traz imenso sofrimento.
E, assim, percebo que transfiro para toda e qualquer figura masculina o trauma vivido com meu padrasto.
E, para as mulheres, ofereço o silêncio negligente de minha mãe.
- Que tal você contar isso a seu namorado?
Já pensou na possibilidade?
Talvez ele pudesse auxiliá-la...
- Mas não compreende que não tem mais jeito?
Eu morri com aquela bala perdida...
- Morreu?... Interessante! - respondeu Samuel.
- Para quem morreu, até que sua memória e suas emoções estão funcionando direitinho...
- Está bem! - falou Paloma.
Seja lá o que for que nos aconteceu, acho improvável e muito difícil que eu tenha oportunidade de falar com ele.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 30, 2017 12:09 pm

- E se, até que ocorra essa oportunidade, você aprender a trabalhar essas emoções?
- Agora sou eu que não entendo.
- Você confiou em mim se abrindo, colocando a descoberto sua vida íntima, as dores e os traumas que experimentou.
E se tentássemos algo que fizesse você se liberar dessas emoções?
- Você me ajudaria?
- Podemos tentar juntos! - sorriu Samuel, encorajando-a ainda mais a confiar nele.
Depois de algum tempo em silêncio, Paloma resolveu aceitar a ajuda de Samuel.
Enquanto isso, Patrícia parecia menos agitada; entregara-se a um sono suave.
Samuel a afagava enquanto conversava com Paloma.
Parecia que sua interlocutora estava preparada para um mergulho no passado e era capaz de enfrentar os traumas mais profundos e significativos de sua alma.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 30, 2017 12:09 pm

FECHE os OLHOS, mergulhe dentro de si mesma... - falava Samuel, de forma que somente Paloma o escutasse.
Estavam recuados, deixando que os demais se pusessem a imaginar o que se passava.
Sinta as emoções, deixe-as emergir de seu espírito.
Permita-se sentir as dores morais.
Não fuja das próprias dores. Enfrente-as."
Algo ocorria no interior de Paloma.
Parecia que uma tempestade emocional se esboçava em seu âmago.
Algumas lembranças, flashes de memória, sons, aromas; algo incomum para ela, até aquele momento.
- Tente agora identificar a emoção mais forte, que a incomoda mais profundamente.
Uma lágrima desceu à face de Paloma.
- Vamos, Paloma! Não recue.
Não se fixe nas imagens.
Quero que perceba as emoções.
O que a incomoda mais intensamente?
Que tipo de emoção vêm à tona neste instante?
- Revolta! - chorava baixinho.
Revolta e rejeição... - respondeu Paloma, com voz quase inaudível.
- Hummm... Revolta e rejeição - repetia Samuel, tranquilo, interessado em auxiliar.
- Tente identificar essas emoções e perceber a ocasião em que elas se manifestam mais nitidamente...
Procure notar em que momento de sua vida elas apareceram de forma mais marcante do que nunca.
Paloma respirou mais devagar, tentando mergulhar na memória das emoções, deixando as imagens mentais de lado e procurando cada gota de emoção que emergia:
- Quando eu morri - respondeu Paloma.
- Quando você morreu... - repetiu Samuel.
- Não, não!
Quando o policial me pegou; e logo depois, quando senti a bala...
- Detenha-se aí, neste ponto.
A rejeição, quando o policial a maltratou.
A bala que abriu seu peito e a revolta.
Samuel deixou Paloma reflectir, fixar sua atenção nas emoções, explorar cada sensação e sentimento advindos daquela experiência.
- Por que a revolta?
Por que a rejeição?
Consegue responder essas perguntas?
- Revolta porque fui tratada como um animal.
Me confundiram com alguém que estava ali para se prostituir.
- E?
-E me senti rejeitada pela sociedade, pelo mundo, pela vida.
Silêncio da parte de Samuel.
Ele procurava dar um tempo a Paloma, a fim de que ela mesma reflectisse acerca do que falava, das emoções fortes que vinham à memória e do significado de cada uma.
Só depois de algum tempo é que prosseguiu:
- Pense bem, Paloma.
Aprofunde-se nessas emoções, busque-as dentro de você...
As lágrimas começaram a descer mais intensas.
- Em que outro momento você identifica essas emoções em sua vida?
Tente rever o passado; veja e sinta quando essas emoções se manifestaram, em outras ocasiões.
Mais uma vez ela se via regressando ao passado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 30, 2017 12:09 pm

A memória passeava por eventos, traumas, alegrias e dores.
Alguns instantes depois, Paloma foi capaz de identificar, sob influência e amparo de Samuel, o momento exacto que ela precisava ressignificar; o acontecimento primordial, que desencadeava as sensações que passaram a acompanhá-la nas horas graves da vida.
- Quando fugi de casa!...
Nova pausa, nova oportunidade de reviver a emoção e o abandono, de revisitar a experiência.
-0 que você sentiu?
- Não me vejo fugindo.
Vejo-me sendo abortada emocionalmente:
sinto-me expatriada, expelida em direcção ao mundo.
É como se fosse expulsa do ventre de minha própria mãe.
Guardo profunda revolta em relação ao que me ocorreu; principalmente, devido à forma como ocorreu.
Sinto como se eu fosse uma infecção na família, um câncer que se extirpasse:
alguém que, sem saber por que, não foi compreendido...
- Mas você se aceitava?
Você se compreendia, afinal?
Pense um pouco sobre isso.
Paloma nem precisou pensar muito.
A resposta estava na ponta da língua:
- Não! Na verdade, não sinto que eu me aceitasse.
Eu vivia uma ilusão, eu tentava viver, idealizando um futuro feliz, mas não me permiti viver a minha realidade naquele momento.
Tive enorme dificuldade comigo mesmo.
- Volte mais ainda, Paloma.
Um pouco mais.
Tente identificar, antes desse momento, as emoções que a incomodam...
- Não posso!
É demais para mim.
- Tente! Não desista!
Você chegou até aqui, e para isso foi necessário coragem.
Você é capaz de prosseguir, sim.
Deixe as emoções brotar sem máscaras.
Mediante o incentivo de Samuel, ela foi avante:
- Vejo André.
- Quem é André?
-0 garoto por quem me apaixonei...
-E as emoções?
Quero saber de suas emoções.
0 que André lhe inspira?
- Não tive coragem de me aventurar, de assumir.
Senti medo de ser rejeitada.
- Quem porventura a rejeitaria?
Sabe identificar de quem você temia receber rejeição?
- Dele... André.
- Ele? Seria ele mesmo?
- Não, não sei exactamente.
Não tenho certeza.
Eu acho...
- Você acha? - Samuel não deu tempo para a dúvida se aprofundar.
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