LUZ ESPÍRITA
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O PRÓXIMO MINUTO/Ângelo Inácio - Robson Pinheiro

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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 23, 2017 10:58 am

O PRÓXIMO MINUTO
Robson Pinheiro

ÂNGELO INÁCIO

SUMÁRIO
O PRÓXIMO MINUTO pelo espírito ÂNGELO INÁCIO,
Sombras, paisagens e imagens soturnas

9 Saindo do armário, do maia, da ilusão,
10 Despertamento,
11 O filho pródigo,
12 O despertar de duas vidas,
13 Renascido para amar,

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS,

O PRÓXIMO MINUTO
Pelo espírito ÂNGELO INÁCIO

PRÓXIMO MINUTO de sua vida pode ser o resto de sua vida.
Um minuto apenas e muita coisa pode mudar no mundo; muitas decisões tomadas e muitos fenómenos ocorrem no planeta em apenas 60 segundos.
E apenas um minuto, mas esse tempo pode ser longo se você estiver atrasado para pegar um avião, ónibus ou trem.
E é muito importante e delicado, caso você o perca.
Em um minuto, muitos problemas podem ser evitados, e muitos desastres, minimizados.
Para o espírito, para o homem que enfrenta o desafio da morte, o próximo minuto pode representar a salvação, pode significar a total transformação de sua vida, seus conceitos e sua visão do mundo.
Trata-se apenas de um minuto, mas a eternidade é feita de minutos e segundos.
E cada um deles pode ser marcante para o resto de sua vida, de cada vida no mundo.
O tempo não espera ninguém, mas a percepção do tempo depende, e muito, da necessidade ou da eventual urgência que você tem, bem como da importância que você atribui a cada um dos factos que constitui sua vida.
Em um minuto, mais de 12 biliões de litros de água são despejados no oceano apenas pelo Rio Amazonas.
Num único minuto, a atmosfera descarrega cerca de 7 mil relâmpagos sobre o planeta.
Milhões de litros de água descem pelas Cataratas do Iguaçu neste minuto em que lê esta página.
Mas o que pode representar um minuto em sua vida?
Como seria um minuto para você, caso estivesse no último momento de sua existência?
Como você encararia um minuto, caso pudesse evitar a morte de uma pessoa - a sua, por exemplo - ou a de sua mãe, de seu filho; de alguém a quem ama, afinal?
Qual o valor de um minuto?
Em um minuto, pode-se modificar para sempre a rota de urna vida e definir-se o futuro de um ou de muitos; e o destino do mundo, quem sabe, em um minuto poderia ser decidido, apenas com o apertar de um botão.
O valor do minuto ou do próximo minuto depende muito da situação pessoal, da urgência que se tem, da maneira de se viver; enfim, daquilo que é importante para cada um.
No próximo minuto, tudo pode ser diferente para você, para mim, para o mundo.
Então, caro leitor, aproveite bem seu próximo minuto, porque, depois dele, você nunca mais será o mesmo.

ANGELO INÁCIO
Belo Horizonte, 2 de novembro de 2012.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 23, 2017 10:58 am

AVIÃO SOBREVOOU a Cidade Maravilhosa, preparando-se para o pouso.
Embaixo, o Cristo Redentor rapidamente deslizava à esquerda da aeronave enquanto o Pão de Açúcar preenchia a paisagem, emoldurando a Baía de Guanabara, entre tantos outros pontos turísticos que preservavam a beleza da paisagem carioca.
O contraste das favelas podia ser visto logo em seguida, enquanto se realizava a aproximação.
Assim que recebeu a autorização para pousar, o piloto conduziu a aeronave em direcção à pista do Aeroporto Internacional António Carlos Jobim ou, simplesmente, Galeão.
Ralph estava feliz em retornar ao Brasil, esta terra encantada.
O clima tropical era um capítulo à parte, pois ele delirava diante do calor do ambiente e da gente fogosa, que sabia muito bem arrancar samba do pé e fazer carnaval mesmo diante das mais sérias dificuldades sociais e económicas.
Medindo 1,87, magro, elegante e discreto, Ralph era uma figura que impressionava quem o visse.
Sorriso amplo emoldurando a face, estampava na fisionomia um misto de sedução e sensualidade pouco disfarçados por sua alegria contagiante.
Estava com saudades do Brasil, da família e de alguns amigos que fizera nessa terra maravilhosa.
Esperava ficar mais tempo desta vez.
Enquanto o avião taxiava, emoções fortes pareciam aflorar; Ralph, por um momento, pareceu vacilar, sem saber ao certo o que se passava em seu íntimo.
Um sentimento estranho tentava irromper da alma e emergir em meio à alegria de rever amigos e familiares.
Lágrimas quase vinham à tona, mas Ralph se conteve assim que o comissário de bordo anunciou a chegada e deu as boas-vindas aos passageiros.
O tumulto no interior da aeronave começava, quando a maioria dos passageiros se preparava para desembarcar.
Ralph deixou-se envolver pela situação, permitindo que as emoções se suavizassem diante da iminência do desembarque.
Kelly estava radiante na companhia de Hugo, o irmão machista, porém muito amado.
No fundo, ela temia pelo reencontro de Hugo e Ralph, pois da última vez que ele viera ao Brasil, ocorreram discussões e mais discussões entre os dois primos.
Contudo, com a interferência da mãe de Kelly e Hugo, as coisas se acalmaram, transformando-se numa espécie de paz armada.
Kelly amava o primo norte-americano e há muito o aguardava.
Além do parentesco próximo, os dois haviam desenvolvido uma amizade intensa, de tal modo que Kelly se sentia à vontade para conversar com o primo sobre os problemas pessoais e íntimos.
Já Hugo só viera ao aeroporto por insistência de Kelly, que inventou que seu carro apresentava problemas eléctricos e, portanto, precisava da ajuda do irmão para buscar Ralph no Galeão.
O aeroporto estava regurgitando de gente naquele horário.
Kelly gostaria muito de ter trazido o noivo Dany, a fim de que conhecesse o primo logo em sua chegada.
Estava tudo acertado, porém Dany se sentiu indisposto no último momento.
Alegava um mal-estar súbito e inexplicável; algo, talvez, puramente emocional.
Tudo bem. Kelly resolveu que apresentaria o noivo ao primo na festa surpresa que preparara para ele, juntamente com alguns amigos de Ralph.
Seria o momento ideal.
Ainda no aeroporto tentou descontrair Hugo, que se comportava de maneira a deixar clara a sua aversão pelo primo.
Aliás, como ele dizia, não tinha nada contra o primo, o que o incomodava era seu comportamento - segundo Hugo, abominável.
Depois de muito insistir e de algumas brincadeiras, Kelly conseguiu arrancar um sorriso dos lábios do irmão, o que ajudou a tornar o momento do reencontro um pouco menos tenso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 23, 2017 10:59 am

Ela mal podia esperar pelo primo.
Hugo, no fundo, também sentia ciúmes da ligação tão intensa entre Kelly e Ralph.
Muitas vezes, chegava em casa e lá estava a irmã ao telefone, falando com o primo de outro continente.
As conversas, geralmente, duravam longo tempo.
Hugo desejava que a irmã se comportasse com ele da mesma forma como agia com o primo.
Havia dentro de Hugo certa decepção e, ao mesmo tempo, ciúmes da amizade que cultivavam a irmã e Ralph.
Além disso...
Ralph finalmente apareceu em meio às pessoas que desembarcavam, com o carrinho repleto de bagagem.
O sorriso largo, acompanhado da elegância no vestir, chamava a atenção tanto de Kelly quanto de outras pessoas.
Hugo não deixou de notar o charme do primo e desejou secretamente ser um pouco mais elegante.
Ralph chamava a atenção - isso ele não podia negar.
Quando Hugo e Ralph se encontraram, a tensão se estabeleceu.
Kelly, efusiva, abraçou o primo com todo o carinho que poderia expressar em suas atitudes, da forma mais explícita possível.
Hugo, por sua vez, quase se sentiu ofendido com o olhar do primo ou - quem sabe? - com a elegância e o charme que o destacavam em meio à gente ali presente.
- Olá, Hugo! - pronunciou o visitante, visivelmente feliz por chegar ao Brasil e encontrar parte da família.
- Você, como sempre, está chamando muita atenção - Hugo resmungou para o primo, numa forma grosseira que evidenciava certa inveja e ciúme da irmã.
- Puxa, primo, não vai me dar um abraço?
Eu o incomodo tanto assim? - falou Ralph, aproximando-se para abraçar Hugo, que se sentiu aconchegado nos braços do rapaz.
Enquanto os braços do primo o envolviam, Hugo sentiu-se ao mesmo tempo preenchido e muito inquieto.
Decididamente, não queria se expor assim.
Acreditava - ou procurava se convencer - que todos olhavam para o primo por saberem que ele era gay.
Embora Ralph não deixasse transparecer a orientação afectivo-sexual, ao menos não de forma tão nítida e patente, assim mesmo Hugo o via desse modo.
Sabendo Ralph do jeito machista do primo brasileiro e do quanto o incomodava a presença e o jeito tão carismático, decidiu abusar um pouco, olhando para Kelly, que se divertia com o reencontro:
- Puxa, você está um charme, primo!
Olhe que, se não fôssemos parentes tão próximos, de repente...
Hugo corou completamente; sentiu o mundo ruir aos seus pés de vergonha.
Para ele, era como se todos ao redor tivessem ouvido a conversa - que, a bem da verdade, foi absolutamente discreta - e passassem a encará-lo.
Não sabia como se comportar.
Kelly interveio na situação, em meio a um largo sorriso de Ralph, que logo a abraçou.
Enquanto se dirigiam ao estacionamento, Hugo fez de tudo para ficar alguns passos atrás, pois não queria ser visto com o primo de maneira alguma.
Afinal, ele era um boiola, e decididamente não se dava bem com essa gente, conforme pensava e afirmava constantemente à irmã.
Contudo, o sentimento que nutria pelo primo não era exactamente de raiva ou aversão.
Embora tivesse dificuldade em reconhecer, sentia muito mais ciúmes da proximidade de Ralph com a irmã do que realmente horror ao primo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 23, 2017 10:59 am

Aliado a isso, considerava-o secretamente muito bonito para os padrões da sua roda de amigos.
E essa beleza o incomodava, pois Ralph chamava a atenção de moças e rapazes, indistintamente.
Mesmo conservando uma atitude relativamente discreta, a simples presença do primo deixava-o incomodado sobremaneira.
Mas Hugo nem sabia o que realmente o perturbava tanto. Ou sabia?
O facto é que se sentia muito incomodado.
Dirigiam-se a Ipanema, onde Kelly e Hugo moravam, quando Ralph confessou aos primos que não se sentiria à vontade no apartamento de ambos, tendo em vista o incómodo evidente do primo.
Sabendo disso, antes mesmo de embarcar, reservara um aposento num hotel próximo, e ali se sentiria muito mais à vontade.
Kelly olhou meio de lado para Hugo, como a repreendê-lo, mas compreendeu a atitude de Ralph.
No fundo, Hugo sentia-se aliviado com essa atitude do primo, embora procurasse interpretar a situação de outro modo, pensando:
"Aposto que preferiu ficar no hotel para estar mais à vontade com seus machos...
Vergonha para a família!
Não quero nem saber o que meus amigos pensariam se o conhecessem.
Bem, fica melhor assim, pois aí nenhum dos meus amigos precisará conhecer esse boiola!"
- Que está pensando, tão calado assim, meu irmão?
Ficou feliz ao ouvir a notícia de que Ralph não se hospedará connosco?
- Claro que não, Kelly!
Você não me conhece direito - Hugo ficou ainda mais incomodado.
Temia que seus pensamentos estivessem transparecendo, como que sendo devassados pela irmã e, quem sabe, pelo primo.
Com uma gostosa gargalhada, Ralph não perdia a oportunidade de provocar.
No percurso do carro pela Av. Vieira Souto, Ralph comentava elegantemente a respeito dos rapazes que via ao longo do caminho:
- Preciso visitar mais o Brasil...
Parece que o pessoal daqui tem uma saúde incrível!
E, abanando-se com as mãos, como a espantar o calor advindo de uma fonte imaginária, não bastasse o calor da Cidade Maravilhosa, complementou:
- Meu Deus! Que calor!...
Isso aqui inspira a gente a tirar a roupa, não é, Kelly?
Não concebo ficar no Rio com toda esta roupa no corpo.
Kelly riu gostosamente, pois sabia que o comentário tinha por objectivo importunar o irmão.
- Não se preocupe, meu querido primo - acrescentou ela, mordaz.
Em breve você tirará tanto a roupa e tantas vezes que nem se dará conta de que está fazendo todo este calor.
Novas gargalhadas, como se os dois estivessem combinando a participação em alguma balada só para provocar Hugo, que, àquela altura, estava a ponto de gritar de tanta raiva.
Sim, o incómodo evoluiu para a raiva, duramente contida.
Ainda bem que Kelly se assentara à frente no automóvel, que era conduzido pelo irmão, enquanto Ralph se acomodara no banco de trás.
Ele sabia como sua presença era indigesta e, se fosse ao lado de Hugo, talvez a situação se complicasse ainda mais.
Após deixarem o primo no belo hotel em Ipanema, Hugo e Kelly se despediram, prometendo retornar em breve para buscá-lo.
Afinal, ainda naquela noite Kelly promoveria um encontro para comemorar a chegada tão esperada de Ralph.
Convidara alguns familiares e amigos, inclusive alguns amigos de Hugo, sem que este soubesse.
A noite chegou, e a luz da Lua conferia um toque especial à cobertura do apartamento, que fora preparada para a recepção ao visitante.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 23, 2017 10:59 am

Com discrição e extremo bom gosto, Kelly se esmerou na decoração do ambiente.
Não eram muitos os convidados, porém foram escolhidos a dedo.
Com certa vontade de dar uma lição no irmão, que se tornara bastante rude, Kelly fez questão de convidar três amigos dele.
- Você é louca, Kelly!
Convidou o Sebastian e aqueles dois?...
Eu não queria que conhecessem o boiola do meu primo, de jeito nenhum.
E logo o Jean?
Ele não tem travas na língua.
Pelo amor de Deus, o que você fez?
É alguma vingança contra mim?
- Ora, meu irmão - respondeu Kelly, disfarçadamente, enquanto recebia os convidados -, você sabe muito bem que adoro nosso primo.
Aliás, nem sei por que sente tanta raiva dele, assim!
Vocês eram tão amigos há alguns anos, quando ainda adolescentes...
De repente, você se mostra assim, tão inquieto com a presença dele.
- Você está enganada, irmã!
Nunca fomos amigos. Nunca!
Ele vinha a nossa casa duas vezes ao ano e não tinha com quem conversar.
Eu, por outro lado, tinha segundas intenções:
queria aprimorar meu inglês.
Só isso; mas nunca fomos amigos, como pensa.
- Você tem é ciúmes, Hugo! Admita.
Todos os olhares se voltam para Ralph quando ele passa; mulheres e homens.
E isso o incomoda.
Como você dá uma de galã e conquistador, mulherengo convicto, não admite que haja alguém que concorra com você e, mais ainda:
que as mulheres prefiram ficar ao lado de Ralph, que é gay, do que ao lado de quem diz ser hétero...
- Digo, não; eu sou!
- Se é tão bem resolvido assim com sua sexualidade, por que se desconcerta tanto na presença de Ralph?
Se tem tanta convicção sobre sua sexualidade, sobre sua orientação afectiva, por que não se deixa levar pelo humor das brincadeiras do nosso primo?
Por que se incomoda tanto com o sucesso que ele faz aonde chega?
Sem responder ao comentário da irmã, Hugo apontava a roda de pessoas, amigos e familiares em torno do primo, que parecia se divertir.
- Veja como ele está tentando se passar por macho.
Parece até que as mulheres são míopes.
Não enxergam direito?
Está na cara, pra qualquer um, que ele é bichona.
Ou será que elas querem convertê-lo?
- Que é isso, meu irmão?
Ralph chegou hoje mesmo de viagem e, afinal, todos estavam esperando por ele, com excepção do Sebastian, do Jean e do Felipe, que ainda não o conheciam.
Mas, quanto à conversão, você sabia que quase toda mulher morre de vontade de converter um gay e transformá-lo em hétero, né?
É quase uma fantasia nossa.
Então, todo o charme do nosso primo e a forma como lida com todas nós, mulheres, e que adoramos, não deixam de exercer um fascínio sobre nós.
Veja a Bia, por exemplo, está o tempo todo abraçada com ele; não desgruda.
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O PRÓXIMO MINUTO/Ângelo Inácio - Robson Pinheiro Empty Re: O PRÓXIMO MINUTO/Ângelo Inácio - Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 23, 2017 10:59 am

- Ela sabe a respeito dele.
Por que está dando em cima assim, descaradamente?
- Ah! 0 mistério das mulheres, meu irmão... - disse Kelly, suspirando, enquanto preparava um drink.
Ou como vocês, homens, diriam:
tirar uma casquinha não faz mal a ninguém.
Vai que dá certo!
- Que nojo!... Vocês me dão arrepio.
- Que é isso? Olhe como seus amiguinhos estão se divertindo na conversa com nosso primo.
Vá lá também, senão quem vai dar o que falar é você.
Hugo teve de admitir que sua atitude poderia despertar a atenção dos amigos.
Aproximou-se do círculo de pessoas que conversavam com Ralph.
O primo, para zoar com ele, aproveitou o momento e propôs um brinde:
- Quero brindar aos meus primos Hugo e Kelly - todos elevaram as taças de champanhe ao ar, a partir do convite do rapaz.
Aos primos muito queridos, que me receberam com tanto carinho e prepararam esta recepção.
A alegria foi geral.
E, para espanto e indignação de Hugo, e para agravar seu ciúme, um dos seus amigos pessoais, Sebastian, adiantando-se a qualquer um que pretendesse algo parecido, ofereceu-se a Ralph:
- Assim que terminarmos, quero lhe mostrar alguns lugares interessantes.
Em Ipanema abriu uma balada que vale a pena você conhecer.
Serei seu acompanhante nos dias em que estiver aqui.
Kelly olhou discretamente para Hugo, sem se pronunciar.
Um sorriso discreto passou em seus lábios, o que não ficou despercebido por Ralph.
- Claro que aceito de bom grado sua oferta.
Afinal, fiquei tantos anos sem vir ao Brasil que nem sei onde estão os melhores lugares.
- Ah! Se quiser ficar mais à vontade, tenho dois carros.
Deixo um com você, caso queira.
Assim, não precisa alugar nenhum nos dias em que permanecer aqui no Rio.
Hugo ficou boquiaberto com a oferta do amigo.
Todos sabiam quanto ele era apegado a seus carros.
Ele tinha um BMW de luxo e um Lamborghini.
Ambos eram a coisa mais preciosa e de que Sebastian mais tinha ciúmes na vida.
Jamais os emprestava.
Aliás, quem quer que tivesse um daqueles dois carros dificilmente os emprestaria, sobretudo para um recém-conhecido.
Mas Sebastian... Hugo não entendia.
Será que seu amigo também era gay?
De forma alguma! Isso jamais!
Sebastian era um playboy conhecidíssimo na noite de Ipanema e andava com as mulheres mais lindas...
Não poderia em hipótese alguma ser um gay enrustido.
Hugo levantou-se sem saber o que fazer ou dizer, deixando à mostra sua inquietação.
- É claro que você vai aceitar a oferta de Sebastian, não é Ralph? - indagou Kelly, interessada em enturmar o primo para que ficasse mais à vontade.
Um pouco desconcertado, pois não sabia o que o amigo do primo pensava a respeito do tipo de balada que gostaria de conhecer, Ralph consentiu assim mesmo, diante da insistência da prima.
- Claro que sim!
Será muito bom ter companhia, principalmente que tenha bom gosto e conheça a noite carioca...
Algumas das mulheres trocaram olhares, pois acabavam de perder a chance de acompanhar Ralph.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 23, 2017 11:00 am

Ao menos é o que pensavam.
E como uma ou outra conhecia a fama de Sebastian, deduziram que ele levaria o visitante a conhecer as mais belas mulheres cariocas.
Kelly, percebendo o descontentamento das amigas, logo procurou criar uma distracção, chamando todos para a área externa, de onde poderiam observar melhor o movimento na orla.
Sebastian fez questão de ficar conversando com Ralph no mesmo lugar onde estavam.
- Há quanto tempo mesmo você não vem ao Brasil, Ralph?
- Puxa... Creio que há uns sete ou oito anos; talvez, dez.
- Ah! Então tem muito a conhecer por aqui.
Se me permitir, levarei você a um dos lugares mais badalados da zona sul carioca...
- Puxa! - falou Ralph meio sem jeito, tentando disfarçar que estava sem graça e, ao mesmo tempo, querendo sondar o novo amigo.
Será muito bom, pois nem sei mais como andar por aqui.
Com tanta gente bonita nessa cidade maravilhosa, temo ficar desprotegido.
- Nem precisa se preocupar - disse Sebastian, aproximando-se ainda mais de Ralph, quase tocando-o.
Estarei por perto, se permitir, sem querer ser indiscreto.
Garanto que não irá se arrepender, e nossa proximidade poderá ser muito promissora.
Aliás, por acaso não quer esticar um pouco esta noite e ir lá em casa escolher o carro que mais lhe agrada?
Ralph, se estava desconfiado de algo, agora tinha certeza.
Estava levando uma cantada do amigo machão do primo.
Meu Deus - pensou Ralph -, esses caras com fama de garanhões, hoje em dia, andam resistindo tão pouco...
Levantando-se quase que bruscamente, fez menção de ir ao encontro da prima, que estava reunida com as amigas e os demais convidados na área aberta da cobertura.
- Vamos pensar nisso hoje ainda - respondeu ele.
Prometo avaliar sua oferta.
Mas preciso ver como estarei ao final desta festa, pois cheguei hoje mesmo e Kelly nem me deu tempo de descansar da viagem.
Dando um largo sorriso, Ralph saiu em direcção às meninas, que riam de alguma coisa que observavam embaixo, na orla de Ipanema, a qual não estava assim tão distante do prédio onde se encontravam.
Sebastian seguiu Ralph de perto, esboçando colocar o braço sobre seu ombro, como se fossem velhos amigos.
A desculpa dada não bastou para livrar Ralph da companhia do novo amigo.
É claro que o gesto não passou despercebido por Kelly e muito menos por Hugo, que saiu do ambiente quase sem fôlego, descendo um andar e deixando os convidados na cobertura.
- Então espero você decidir - disse Sebastian.
- Qualquer coisa me fale, pois estarei à inteira disposição.
E nem pense em recusar o carro.
Faço questão de que aceite minha oferta.
- Sim, sim, vou pensar seriamente... - aquiesceu Ralph, buscando desconversar e não deixar transparecer para os demais o teor inesperado da conversa com o amigo do primo.
Assim que Hugo desceu para o outro pavimento, impaciente e inquieto por causa da atitude do amigo Sebastian, jogou-se no sofá da sala de estar.
Seus pensamentos estavam em ebulição diante dos sentimentos e emoções que vinham à tona.
Parece que a visita de Ralph desencadeara reacções relacionadas a vários conflitos duramente reprimidos em seu interior.
Que estava acontecendo com ele?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 23, 2017 11:00 am

Que tipo de pensamento emergia de sua mente?
Tinha estado tão seguro de si nos últimos dez anos que jamais imaginaria lidar com emoções tão conflituantes como as que via aparecer.
Fechou os olhos durante um suspiro profundo, e sua mente, em meio a esse turbilhão de eventos marcantes, regressou dez anos.
As lembranças, por mais incómodas que fossem, eclodiam com toda a força, e Hugo não conseguia detê-las.
Ou não queria, apesar de aparentar o contrário.
Sua memória registrou um dia qualquer de verão, em que se divertia com o primo Ralph numa praia do Rio de Janeiro.
Notou que muitos garotos olhavam para o primo de maneira diferente, e Ralph, um garotão de 18 anos, olhar e sorriso sensuais, exercia certo fascínio sobre ele próprio e também sobre muitos meninos e meninas seus conhecidos.
Sempre saíam juntos quando Ralph vinha ao Brasil com os tios ou mesmo sozinho.
Aproveitava para treinar seu inglês nas conversações com o primo.
0 dia chegara ao fim e os dois se dirigiram ao sobrado onde, na época, moravam Hugo e sua família.
Kelly era especialmente achegada ao primo e isso deixava Hugo muito incomodado, pois parecia que os dois disputavam a amizade de Ralph.
Desde os primeiros encontros com o primo, Hugo notara a atenção que as meninas lhe dirigiam.
Então, desculpava-se, usava a presença de Ralph também para tirar partido das meninas.
E Ralph parecia não se importar.
Ou quem sabe jogasse com as emoções do primo, que também tinha 18 anos, como ele.
No fundo, no fundo, quem manipulava quem?
Parecia que Ralph se deliciava com a situação.
Era malicioso.
E, enfim, nem Kelly, naquela época, muito menos Hugo, sabiam qual era o jogo de Ralph.
Ele gostava mesmo de meninas ou meninos?
Quem sabe, dos dois?
Até então, Hugo não se preocupava mais do que qualquer outra pessoa.
Simplesmente ignorava as próprias emoções e sensações. Nada mais.
Pelo menos até ali.
Jogado sobre a cama do quarto, naquele dia distante Hugo esperava Ralph tomar banho enquanto conversavam num volume alto, a fim de sobrepor a voz de ambos ao barulho do chuveiro.
Quando Ralph saiu do banheiro com algumas gotas de água ainda escorrendo pelo corpo quase musculoso - na verdade, um corpo mais para definido do que para malhado -, Hugo estremeceu ao ver o primo trocar de roupa à sua frente.
Os pensamentos foram muito além do habitual.
Ficou paralisado diante da figura do rapaz, que parecia se despir lentamente, talvez querendo provocar algo no primo, que, tinha certeza, o olhava de alguma maneira.
Quando Ralph se virou, já vestido com um calção branco que lhe realçava a cor bronzeada, Hugo tentou esconder o olhar ou desviá-lo.
Mas o sorriso quase libidinoso e malicioso do primo não o deixou disfarçar.
Fora surpreendido pelo olhar pleno de magnetismo.
E, por um instante, Hugo pareceu perder completamente os sentidos.
Atirou-se com toda a força em direcção ao primo e, agarrando-o pela cintura, beijou-o longamente - o que foi imediatamente correspondido por Ralph.
Hugo não saberia dizer quanto tempo se passou durante o beijo a que se entregara, mas, ao se afastar do primo, suado, ofegante, e antes que o apelo sexual fosse algo irrefreável, saiu correndo feito louco.
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O PRÓXIMO MINUTO/Ângelo Inácio - Robson Pinheiro Empty Re: O PRÓXIMO MINUTO/Ângelo Inácio - Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 23, 2017 11:00 am

Dirigiu-se à praia mais próxima e continuou correndo por longo tempo.
Os pensamentos afogueados, as emoções em ebulição.
Era como se quisesse correr da atracção quase irresistível que não conseguira represar, correr do que surgia dentro de si mesmo.
Não saberia como encarar o primo novamente.
Em algum momento, porém, teria de voltar para casa, o mesmo lugar onde ele se hospedava.
Mas, definitivamente, não ficaria no mesmo quarto onde Ralph dormia.
De forma nenhuma.
E como encararia a irmã?
E se Ralph tivesse contado tudo para ela?
Ele não era gay e não poderia ser confundido com um.
Em hipótese alguma!
Apreensivo e com o coração apertado, Hugo finalmente dirigiu-se para o sobrado da família, após uma ou duas horas.
Os pais viajavam na companhia dos pais de Ralph; logo que chegou, encontrou a irmã e o primo juntos, rindo gostosamente, com se nada houvesse acontecido.
Ralph não contara nada a Kelly.
Mas disso Hugo só saberia anos depois.
Por muito tempo, ficou preocupado pensando se a irmã saberia de alguma coisa, do ocorrido entre ele e o primo.
E, para mascarar a situação íntima, decidiu arranjar uma namorada, investir nas baladas mais audaciosas; a partir de então, teve muitas garotas, muitas mulheres, criando fama de machão, de hétero convicto e praticante.
Era o orgulho do pai.
Ralph voltara para a terra natal; como o primo permaneceu o mais silencioso possível, não dando chance a nenhuma conversa, manteve-se tranquilo, sem forçar qualquer situação entre ambos.
Kelly, por sua vez, deduziu que os dois tivessem tido alguma discussão na praia naquele dia.
Como Hugo não escondia seu ciúme em relação à proximidade do primo com a irmã - na verdade, essa atitude ocorria mais devido ao medo do que poderia ser revelado a ela -, ambos se mantiveram afastados.
As recordações de Hugo foram perturbadas quando Ralph desceu as escadas rapidamente e o chamou, interrompendo o fluxo da memória:
- Venha, primo! As meninas estão esperando.
Todas perguntam por você.
- Veado desgraçado! - insultou o primo sem o menor pudor.
Ralph foi pego desprevenido e sentiu-se chocado com as palavras duras do primo.
Sem dizer palavra, Ralph subiu as escadas, atónito com a reacção de Hugo.
Depois de despistar, alegando estar extremamente cansado e com dor de cabeça, despediu-se de todos, deixando Kelly intrigada.
Sebastian o acompanhou, depois de muita insistência, até o hotel.
Dentro do carro, não aguentando mais, Ralph explodiu em pranto.
Chorou copiosamente. Sebastian parou o carro num acostamento qualquer e esperou que o novo amigo se acalmasse.
A situação favoreceu a proximidade de ambos.
Abraçando Ralph, Sebastian acariciou seus cabelos, passou o braço em torno de seus ombros e, sentindo seu perfume, deixou-se inebriar com a sensação de paz que invadiu a ambos naquela madrugada.
Beijaram-se ali mesmo, num misto de carinho, ternura e compaixão inspirados pelo momento que Ralph vivenciava.
Sebastian permaneceu em silêncio; não perguntou nada, respeitando a emotividade do companheiro.
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O PRÓXIMO MINUTO/Ângelo Inácio - Robson Pinheiro Empty Re: O PRÓXIMO MINUTO/Ângelo Inácio - Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 23, 2017 11:00 am

Apenas pronunciou umas palavras:
- Quando você quiser falar alguma coisa, estarei aqui.
Quero que se sinta à vontade.
Acima de tudo, quero ser um amigo com quem possa contar.
Sebastian deixou Ralph no hotel, furtando-se a tentar qualquer aproximação mais íntima, que provavelmente seria inconveniente naquele momento de sensibilidade.
Apenas deixou com ele seu número de telefone.
Alguma coisa mudaria para sempre na vida daquelas pessoas.
De Ralph, Sebastian, Hugo e Kelly.
E de mais algumas pessoas também, em outras cidades, em outros lugares.
Só que, naquele momento, nenhuma delas sabia de nada.
Eram tão-somente folhas levadas pelo vento do destino.

DEPOIS QUE TODOS SE FORAM, Kelly procurou o irmão para conversar.
A situação entre ambos não era lá muito boa.
Kelly intuía que alguma coisa ocorrera entre o irmão e o primo.
- Fale, Hugo, vamos!
Destrave essa língua e me conte o que aconteceu - disse num tom mais firme que o habitual.
- Aconteceu o quê?
Por acaso sou agora responsável por tudo que acontece nesta casa?
0 veadinho saiu cansado, chateado ou choramingando, e agora sou eu o culpado pelo cansaço dele?
- Puxa, meu irmão, nem sei o que pensar de você.
Com tanto rancor assim e um histórico tão complicado como o seu, não sei onde sua vida vai desembocar, como se fosse um rio cheio de detritos de raiva e ódio.
- Você não tem nada a ver comigo e não quero mais saber de Ralph.
Não me chame para nenhum evento em que ele esteja presente.
- Mas ele não fez nada com você!
Não pode ao menos ser mais educado, atencioso ou, talvez, menos intolerante? - as palavras saíam da boca de Kelly com um laivo de rancor contra o irmão, de raiva mesmo, pois que todos os presentes ao evento, pretensamente uma recepção para o primo, perceberam algo diferente entre Hugo e Ralph.
- Mas que droga!
Jogam a culpa em mim por tudo o que acontece nesta família! - protestou Hugo, defendendo-se.
Até então, a família negava admitir que Hugo se entregava às farras, às baladas mais intensas; de determinado tempo para cá, havia se envolvido com algumas drogas mais pesadas.
Isso preocupava seriamente a família.
Porém, ninguém falava disso. Havia uma proibição tácita de tocar no assunto abertamente.
Acreditavam que, não falando no problema, ele deixaria de existir.
0 que todos nem desconfiavam é que o interior de Hugo era um vulcão prestes a entrar em erupção.
Ele estava em permanente conflito com sua identidade sexual, atormentado pelo teatro que se impunha e encenava a fim de ocultar o drama interior que o consumia.
As recordações claras naquela noite, vívidas como nunca, foram a gota d'água.
Dia a dia, Hugo se afundava mais em desculpas e fantasias, alimentando uma ilusão que poderia levá-lo directamente ao fundo do abismo.
O método que escolhera para fugir de si mesmo eram as drogas, o sexo aventureiro com muitas mulheres, usando-as como fuga, como objecto sexual, sem satisfazer-se, sem encontrar-se.
Hugo pedia socorro através de suas atitudes.
Os desregramentos a que se entregava eram o clamor por ajuda, a linguagem não articulada de que lançava mão para dizer que estava infeliz e perdido.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 24, 2017 11:30 am

Kelly, muito sensível à situação do irmão, tomou uma atitude que, para um momento como aquele, era inusitada; algo que não se poderia esperar da parte de seus pais.
Hugo jamais esperaria que, em meio a uma discussão, às lágrimas que começaram a brotar dos olhos da irmã, ela tivesse uma iniciativa dessas.
Gritando e chorando ao mesmo tempo, Kelly agarrou-se ao irmão; abraçando-o fortemente, enquanto ele também chorava, quase em convulsão, ela falou, modificando o tom de voz:
- Hugo, meu irmão, olhe para mim!...
Saiba que eu te amo.
Eu te amo, meu irmão!
Seja o que for que esteja acontecendo, pode contar comigo.
Você sabe disso, não sabe?
0 irmão, em prantos, desenvencilhou-se de seus braços e, olhando firmemente em seus olhos, embora com os seus próprios mareados de lágrimas, esboçou dizer alguma coisa, mas resolveu sair.
Pegou as chaves do carro e saiu para um lugar qualquer.
Correndo feito louco, passou numa balada que viu pelo caminho e tomou algumas bebidas, numa mistura incomum até mesmo para ele.
Em seguida, entrou novamente no veículo e deu partida.
Hugo preferiu fugir, fugir de si mesmo, de sua irmã, de sua realidade.
Não poderia aceitar os sentimentos, os próprios desejos, e escolhera reprimir as emoções da maneira que sabia, chafurdando-se ainda mais na lama de suas escolhas, que poderiam levá-lo a consequências drásticas para si mesmo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 24, 2017 11:30 am

RIO DE JANEIRO
Vermelha e tomou caminho por uma marginal, entrando no fluxo de trânsito de maneira alucinante.
A mente do rapaz condutor do veículo não conseguia coordenar mais, com precisão, os movimentos necessários para evitar acidentes.
Dentro do automóvel, alucinado com os excessos daquele noite, Hugo trazia a alma atormentada por mil ideias que emergiam de si.
As emoções vinham à tona arrebentando a máscara duramente mantida, a qual caía sob o efeito do álcool e de outra substância tóxica ingerida antes, na tentativa de maquiar seu conflito íntimo.
Pensamentos, emoções e desejos contraditórios povoavam o panorama interior de Hugo.
Nas telas da memória, ele via as imagens das mulheres com as quais dormira e que para ele, representavam apenas objectos sexuais destinados a sufocar o torvelinho de emoções e anseios que não tinha coragem de enfrentar.
Aliás, ele não tinha vontade de enfrentar-se.
Entregava-se ao desregramento da sexualidade como fuga da realidade íntima.
No instante seguinte, vinha-lhe à mente a figura de Ralph, o primo que viera de Nova Iorque, o qual Hugo teimava em evitar e rechaçar, devido às avalanches que irrompiam dentro de si à simples lembrança da pessoa de Ralph, que tornava patente sua condição de fragilidade emocional.
O primo deixava-o à mercê de sensações descontroladas, com as quais não sabia lidar e, por isso, recusava enfrentá-las.
Era em meio a esse vaivém de emoções e sentimentos, culpas e castigo interior que o clima mental de Hugo estava forjado.
Revoltado consigo mesmo e com o mundo - o seu mundo -, o rapaz não notou que, à sua frente, o sinal havia se modificado de amarelo para vermelho.
A última coisa que percebeu de forma mais ou menos lúcida foi o poste à sua frente, contra o qual o veículo já se chocava com toda a força, transportando-o do estado alterado de consciência, forçado pelas drogas, à inconsciência mais profunda, a que o acidente o induzia.
Sopros de pensamento, fragmentos de memória e emoções petrificadas ante o susto, o pavor o trauma vivido vinha-lhe à mente vez ou outra.
Hugo parecia se diluir por inteiro naquele estado íntimo tormentoso, ao qual se entregava enquanto toda a cena do acidente boiava nas imagens que se passavam em sua visão interior, entrecortada pelo barulho da sirene da ambulância que o transportava ao hospital mais próximo.
Parecia que o fim havia chegado.
Mesmo as imagens fugidias cessaram por completo, ainda dentro da ambulância.
O corpo desfalecera de vez.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 24, 2017 11:31 am

BAIXA DA FLUMINENSE
DESDE MUITO TEMPO se dedicava à fé evangélica.
Tornara-se pastor de uma vertente do movimento neopentecostal e há alguns anos fundara a própria igreja, tentando transformar a vida sua e dos filhos e esposa num exemplo de dedicação, conforme sua visão da Bíblia.
Mas o convívio familiar não fora exactamente aquilo que imaginara.
0 demónio tentava a todo custo botar sua alma a perder, usando um dos filhos, segundo acreditava, para atingir seu ministério divino.
Justamente o filho ao qual devotava maior amor parece que se rendera aos ardis de Satanás, que arrebatara a sua alma para as fileiras do inimigo.
Já na adolescência, o filho demonstrava traços de um desvio comportamental impossível de ser admitido por um servo de Deus, segundo entendia e defendia a interpretação de sua igreja.
Muitas vezes pregara no púlpito a respeito dos pecados, da interferência maligna, satânica, que deveria ser extirpada do meio do povo de Deus, de sua igreja.
E que os salvos jamais poderiam ser corrompidos pelas artimanhas e pelos dardos inflamados do Maligno.
Até perceber que aquele filho, até então o eleito para prosseguir no ministério, a quem ensinaria o ofício pastoral, mostrara-se mais sensível que os demais. Enfim, o rapaz declarara-se abertamente gay para a família.
Longos períodos de jejum e oração, correntes de descarrego e outros métodos foram empregados com o objectivo de afastar o demónio sodomita do filho, que estava cada vez mais se distanciando dos conselhos cristãos dados pelo pai.
A esposa, silenciosa, acatava cegamente os ditames do marido, pois a Bíblia asseverava que a mulher deveria ser totalmente submissa ao homem.
Mesmo discordando do chefe da família, ela o obedecia, pois, além do mais, era ele o pastor daquele rebanho.
E no seu silêncio e omissão, deixou o filho entregue aos piores momentos e tormentas decorrentes do fundamentalismo do pai e pastor.
Adir havia desenvolvido um sério problema cardíaco.
A angina se instalara, e, no radicalismo de suas convicções, ele não admitia tratamento médico algum.
Jesus haveria de curá-lo a qualquer custo. Não permitia, também, que mulher
e filhos procurassem socorro médico.
Que se entregassem a Jesus, e ele os curaria.
Como algumas enfermidades não se curavam, dizia que não haviam entregado o coração plenamente.
Quanto ao filho gay, bem, a violência doméstica transformou-se em algo comum no quotidiano do rapaz, e talvez a expulsão de casa fosse para ele, entre os males enfrentados, o menor de todos.
Fora acolhido generosamente por uma família de Petrópolis com a qual fizera amizade e encontrara grande afinidade.
Adir expulsou o filho de casa ainda antes que completasse 18 anos de idade.
Não admitiria um filho que depusesse contra sua profissão de fé e que, além disso, fosse a prova viva de que Jesus não "curava" a homossexualidade.
Afinal, os sodomitas, os homossexuais, em sua corrente religiosa, eram considerados perdidos, afastados de Deus, e a prática homo-afectiva, abominável, digna do fogo do inferno.
E ponto final.
A partir daquele momento, tinha somente dois filhos.
0 terceiro fora banido, deserdado, embora perante a comunidade de fiéis declarasse que tinha ido morar no exterior.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 24, 2017 11:31 am

Numa das pregações, acentuara:
-0 mundo está perdido.
Satanás é dono da vida de milhões de pessoas.
Vejam, meus irmãos, o que dizem as Escrituras sobre Sodoma e Gomorra.
0 pecado dessas cidades foi exactamente o pecado do sexo, de homens que gostavam de outros homens; de homens que dormiam com outros homens.
E vejam, meus irmãos muito amados, que Deus varreu aquelas cidades da face da Terra.
Aleluia! Por essa mesma razão, na actualidade, a maioria das cidades mais famosas, mais populosas do mundo, serão devastadas pelo cálice da ira de Deus.
Aleluia! A Bíblia afirma:
terrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo.
Oh! Glórias! Aleluia!
Assim, o pecado dos sodomitas, do sexo praticado com pessoas do mesmo sexo, é a grande e terrível maldição que atrairá a ira de Deus no final dos tempos.
Sem maior fundamento do que a interpretação pessoal do texto bíblico, Adir pregava e condenava com fervor enquanto sua mente se recordava do filho.
Seu coração, reprimindo a culpa e tudo o mais que sentia pelo filho, manifestava as emoções descontroladas e em ebulição na forma de dor física.
0 teor severo da pregação servia a dois propósitos.
Ao tempo que dissimulava a situação que vivia familiarmente, em casa, era também uma maneira de justificar a própria decisão, atribuindo mais à punição divina e menos à esfera pessoal a atitude de banir e deserdar o filho querido.
Os dois outros filhos saíram de casa e foram assumir cada qual seu próprio ministério, em outras cidades.
Eram servos de Deus, conforme o pai acreditava e a eles se referia.
Enfim, nunca mais recebera qualquer notícia do filho expulso; jamais tivera coragem de procurar saber por onde andava, embora secretamente ansiasse por isso.
Em seu coração, tinha saudades; em sua mente e seus pensamentos, sentia vergonha por haver tido um filho gay.
Mas ele, o pastor das ovelhas divinas, nem sequer dera tempo de o filho amadurecer seus sentimentos; não esperara o filho adquirir maturidade e vivenciar sua afectividade.
Era uma abominação.
Expulsara-o como a alguém que não merecesse jamais misericórdia, como quem cometera um crime hediondo.
E tudo em nome de Deus, o Pai que era todo justiça e bondade.
Alguns anos de muita discussão no lar se passaram; a revolta da mãe e mulher com a separação do filho parecia alcançar patamares antes nem sequer imaginados, de tal maneira que ela se distanciava da própria igreja que ajudara a fundar.
0 lar do pastor Adir desmoronava a passos largos, e ele mesmo, enfraquecido e cheio de culpas, forjou o clima propício à própria ruína.
"Meu Deus! - pensava.
Que está acontecendo comigo?
O velho coração parece vacilar.
Me salva desta hora, Senhor!
Ah! Meus filhos, meus dois filhos queridos...
Que vai ser de vocês sem seu pai para cuidar de sua salvação?"
E clamava, alto e bom som:
- Oh! Senhor, eu te imploro, não me chames agora!
Eu preciso ficar por mais tempo na Terra.
Demorei tanto para construir a igreja, converter tantas almas ao Senhor e, agora, na hora de usufruir tudo isso, cá estou, preso ao leito, sentindo-me só, abandonado pelos filhos que o Senhor me deu...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 24, 2017 11:31 am

"Não tem problema! Não importa!
Na verdade, eles não me abandonaram.
Todos estão crescidos, educados e são missionários.
Precisam levar avante a obra que comecei.
Por isso, foram reunidos no Senhor.
Meus filhos! Todos estão no caminho certo, no caminho do Deus vivo.
"Ai! As dores..."
Mas o silêncio já não bastava:
- Socorro! Socorro!
Alguém me ajude!
As imagens da vida do Pastor Adir passavam-lhe diante dos olhos.
Era como num filme no qual ele era o protagonista e, ao mesmo tempo, o espectador de si mesmo.
Os minutos se passavam, transformados em horas, e a aflição dos derradeiros momentos era algo difícil de administrar sem uma fé firme e inteligente.
- 0 sangue de Jesus tem poder!...
Que está acontecendo comigo, Senhor?
A Bíblia não diz que o Senhor salva e cura?
Por que não me curas?
Por que não me curas deste mal?
A mente culpada ouvia vozes; Adir via vultos envolvendo-o, chamando-o, puxando-o para fora do corpo.
Era um misto de culpa e crise psicótica.
Nesse estado de enfermidade da alma, da mente doentia, o velho pastor se apegava cada vez mais às interpretações pessoais das Escrituras.
Não abria mão de suas crenças mais arraigadas, estruturadas no fundamentalismo evangélico.
"Essas vozes que ouço... serão o coro dos anjos?
Será que o Senhor veio me buscar? Ah!
Meus filhos, meus filhos!
Graças a Deus eu os conduzi para a salvação."
0 pranto convulsivo rompeu as barreiras da encenação para si mesmo.
A máscara de salvo e de santidade compulsória não resistiu às dores e tormentas que se avizinhavam; o temor substituiu de imediato a maquiagem que encobria a face interior de sua alma.
"E quanto ao Carlos?
Que será dele?
Como eu gostaria que o Carlos também tivesse se salvado...
Mas ele se recusou a seguir os caminhos do Senhor.
Resolveu se entregar ao inimigo das almas, ao poder do Diabo.
Eu não podia deixar que ele contaminasse a família e maculasse a obra tão abençoada que então começava a se erguer.
Mas os outros filhos, esses sim!
Eles se entregaram completamente ao Senhor e ouviram minha voz."
Aquela altura, dores e falta de ar produziam tormentos maiores.
A taquicardia se estabeleceu, enquanto a pressão arterial demonstrava que o corpo estava no limite de suas resistências.
Era apenas uma questão de tempo.
No íntimo, o pastor enfrentava-se em meio a angústia, apreensão e amargura.
O medo da morte e do inferno somado à incerteza de um céu que pregara durante toda a vida pintavam um quadro desolador, tormentoso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 24, 2017 11:31 am

Tudo isso o consumia, enquanto os pensamentos já não se sucediam de modo racional.
Eram apenas lampejos, pedaços de si, que a memória da mente eterna lançava no restante de consciência e lucidez.
A lembrança do filho Carlos o atormentava especialmente.
Era o bastardo - ou pior, o renegado, aquele que se apartara da fé escolhendo comportamento proibido, diferente.
Por causa dessa escolha maldita, merecia, também, uma resposta diferente.
Fora alijado da convivência familiar.
No entanto, agora que Adir se aproximava inexoravelmente dos momentos finais da existência, a dúvida parecia ser a marca que teimava em romper as barreiras íntimas.
Teria agido correctamente com o filho Carlos? - não tinha coragem de formular a hesitação em voz alta.
E os dois outros filhos, aos quais dedicara a vida, o amor e o conhecimento?
Sumiram todos; não tinha notícias havia algum tempo.
Entre os fragmentos de emoções, pensamentos, inquietações e culpas, o suspiro final.
Estarrecido, desfalecido, trazia imagens congeladas nos olhos, que reflectiam, no momento derradeiro, a aflição íntima.
Pareciam vitrificados, como se trouxessem impressa, nas pupilas, a visão do filho abandonado.
Enfim, a culpa se estabelecera de maneira intensa, quase infernal.
Chegara o término, colocando ponto final à utilidade do corpo.
Entretanto, a continuidade daquela vida era atestada pelas reticências que o morrer parecia grafar nas páginas da existência de Adir...
Muito embora a morte venha para todos em algum momento da linha do tempo, o desencarne, o desligamento da matéria, da carne e das questões terrenas é conquista de bem poucos.
O corpo entrou em convulsão, indicando que a morte veio, mas não o final.
Aquele era apenas o começo de um capítulo novo no livro da vida.
Nada mais, nada menos.
Nas telas da memória, ouvia alguém chorar de longe:
- Pastor Adir... Pastor Adir...
Naquele instante, os olhos se fecharam para o mundo dos chamados vivos.
Agora, abria-se a alma para o enfrentamento de si mesma.
Prisioneiro num lapso de tempo, Adir mergulhava num mundo próprio de culpas e autopunições.
Eram 1:31 da madrugada numa cidade qualquer da Baixada Fluminense.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 24, 2017 11:32 am

SÃO PAULO
A VIATURA CHEGARA sem prévio aviso.
Aqueles que representavam a justiça e se investiam de uma autoridade muitas vezes questionável desceram de revólver em punho, gritando e agredindo todos que encontravam no entroncamento de uma determinada rua com uma avenida de grande movimento.
Não distinguiam os moradores do local, os transeuntes ou aqueles que faziam ponto no esquema perigoso de comércio do corpo e da alma.
Era um ponto de prostituição.
Há muito que aquele local era frequentado por garotos e garotas de programa, os quais aprenderam a sobreviver com a venda de seus corpos.
0 clima psíquico fazia com que o ar parecesse irrespirável, devido ao rebaixamento vibratório.
Estranho odor era percebido no ar, por qualquer um que ali passasse.
Mas nem todos estavam ali devido ao comércio dos sentidos.
Muitos iam e vinham de seu trabalho, em direcção a algum ponto de ônibus, ou buscavam um táxi, a fim de rumarem para casa, já que o metrô não circulava naquele horário.
Por outro lado, muitos homens e mulheres desfilavam por ali como que embriagados pela rede de prazeres ou pela facilidade do comércio incomum.
A vida nocturna era intensa, e as drogas, barganhadas de forma natural, a troco de um punhado de reais ou de ofertas outras, à semelhança de um leilão dos sentidos e dos corpos.
Tão logo a polícia apareceu, cada um dos frequentadores sentiu-se ameaçado e reagiu, cada qual à sua maneira.
Alguns procuraram simplesmente disfarçar, caminhando serenamente até desaparecer num dos cruzamentos ou no escuro de algum abrigo.
Outros agiram mais subitamente, correndo desvairados em meio aos gritos e ao tumulto.
Dois dos patrocinadores do êxtase sensorial, porém, traficantes de drogas, reagiram de conformidade com as emoções descontroladas.
Houve um tiro, vários tiros, que ninguém conseguiu, em meio à batida policial, determinar de onde vinham ou quem foi o autor do primeiro disparo.
A polícia respondeu à altura, no entanto não demonstrou nenhum escrúpulo ao descarregar suas armas.
Por todo lado, desespero e aflição.
Uma guerra interna que povoou as mentes das dezenas de habitantes que perambulavam por ali.
Paloma vinha caminhando lentamente, até então.
Saíra da boate na qual apresentava um show.
Era transformista e aprendera a ganhar a vida dessa maneira.
Durante o dia, trabalhava como estilista de uma grife conhecida na capitai.
A noite, principalmente nos finais de semana, aumentava seus rendimentos realizando apresentações artísticas em casas nocturnas.
Isso garantia o sustento, mas os recursos serviam sobretudo para patrocinar seu hobby predilecto:
ajudar as amigas em dificuldades - mulheres, travestis e transexuais.
Paloma construíra o Palácio de Cristal, nome que dava à instituição ou à mansão que mantinha para abrigar e amparar as meninas da noite, aquelas que eram desprezadas pelos homens bons e por aqueles que estavam preocupados em manter o status familiar.
Suas meninas, muitas vezes enfermas ou visivelmente sob a acção de entorpecentes, eram amparadas e socorridas em sua Casa de Cristal, e dali encaminhadas a médicos e outros profissionais de saúde que Paloma patrocinava no silêncio, sem fazer alarde e sem divulgar seu trabalho.
Tudo isso era mantido com o dinheiro de suas apresentações artísticas e a ajuda de alguém que queria se manter no anonimato.
Entretanto, Paloma não vendia o corpo, não fazia comércio do sexo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 24, 2017 11:32 am

Ela era artista e, como tal, ganhava a vida em meio ao brilho das luzes e ao aplauso daqueles que apreciavam suas apresentações.
Assim que virou a primeira esquina, Paloma - assim gostava de ser chamada quando em apresentação - ouviu o primeiro tiro.
Alguém passou por ela, quase jogando-a no chão.
Momentos antes ainda relembrava, enquanto andava, as cenas de sua adolescência, trazendo na alma a angústia pelo passado que se reflectia em seu comportamento actual.
Contudo, a corrida desenfreada das pessoas fez com que reagisse instintivamente.
Correu também.
Não sabia para onde.
Como estava ainda vestida com os trajes da última apresentação, de pronto foi confundida com um dos travestis que faziam ponto no lugar.
Paloma se mostrou apavorada diante da acção dos policiais.
Era muita violência para sua alma de artista.
Ela não estava habituada com a vida nas ruas; não frequentava os lugares de prostituição.
Apenas gostava de se apresentar vestida de mulher, representando, nos palcos de casas nocturnas.
Paloma era uma pessoa diferente, com um comportamento também diferente.
Sensível de alma e de corpo; uma estrela encastelada num corpo humano.
De repente, recebeu um soco no rosto e cambaleou; um dos policiais a confundira com os prestadores de serviço da noite.
Tentou prosseguir, mas foi violentamente impedida.
Gritou, tentou despertar a atenção do policial, mas em vão.
Recebia pontapés e era arrastada em direcção ao camburão.
Os tiros pareciam, aos poucos diminuir.
Porém, antes que Paloma fosse coagida a entrar na viatura policial, arrastada, agredida e fragilizada, uma bala foi disparada.
Sem alvo certo, o projéctil acertou em cheio a região próxima ao coração do transformista, do homem, da mulher, da artista da noite paulistana.
Ninguém sabia de que revólver a bala partira.
Ninguém ali conhecia o passado ou a intimidade de Paloma.
O sangue jorrava de seu peito.
Nesse momento, o policial que arrastava Paloma percebeu que fora salvo pelo transformista ou travesti, como ele supunha.
A bala do revólver o teria acertado em cheio, caso não encontrasse Paloma em seu percurso.
Ela teria se jogado à frente do guarda para livrá-lo?
Tudo parecia que sim, mas ele não acreditava, não tinha absoluta certeza.
A viatura corria pelas avenidas, na tentativa de chegar ao hospital mais próximo.
Os policiais não vislumbraram que sua acção teria aquele desfecho.
Um dos guardas, atingido no braço, sangrava.
Um artista de alma sensível partia,
deixando o corpo físico imóvel, estendido na viatura policial.
Os guardas iam ao hospital tentando socorrer o colega de trabalho.
Paloma voava.
Pairava mais além, como uma pomba de alma inebriada ante a luz das estrelas.
Abaixo, ficaram as luzes da cidade.
Sua alma parecia divisar as luzes que se tornavam distantes; na mente desfilavam as imagens das pupilas, das pessoas que ajudava, motivando preocupação em meio ao estado alterado da consciência, da alma de Paloma.
Mais e mais tinha a sensação de subir.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 24, 2017 11:32 am

Via agora as estrelas e parecia estar bem próxima delas.
Estava em êxtase, enquanto imagens e sensações se sucediam em sua memória espiritual.
Seu corpo parecia mais diáfano, menos sólido, mais luminoso.
E as estrelas a recebiam como se fossem luzes da ribalta, luzes de um grande palco estruturado em meio ao firmamento.
As estrelas!...
Será que agora ela seria uma estrela também?
Entre lembranças do passado, cobranças íntimas, flashes de luz, vozes e aplausos, Paloma partia temporariamente do palco da Terra.
As cortinas se fecharam, e mais um ato findava na apresentação ou representação de uma vida.
Seria a morte ou era apenas um marco em sua vida, para um breve recomeço?
Naquele momento, ela não saberia dizer.
Apenas sentia, percebia intimamente, por meio de leve intuição, que agora, nos camarins da consciência, deveria limpar a maquiagem, tirar a máscara e mirar o espelho da própria alma.
As luzes de um período da existência física se apagaram.
Agora, Paloma seria tanto o personagem como a plateia e o director da própria vida.
Nesse exacto instante, os relógios marcavam 3h31 da madrugada do mesmo dia, do mesmo ano em que se desenrolaram os demais eventos.
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O PRÓXIMO MINUTO/Ângelo Inácio - Robson Pinheiro Empty Re: O PRÓXIMO MINUTO/Ângelo Inácio - Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 24, 2017 11:32 am

CURITIBA
A DEPRESSÃO INSTALARA-SE por Completo.
Ela havia procurado médicos e psicólogos.
Ingeria medicamentos fortes havia já algum tempo.
Trinta e sete anos de vida física se esvaíam pouco a pouco.
Intensa amargura, revolta pela vida e contra a sociedade:
assim eram as circunstâncias na vida de Patrícia.
Sentimentos diferentes, estranhos, começaram a ser percebidos na adolescência.
Porém, a educação que recebera, rígida, castradora, impedia que pudesse ao menos analisar racionalmente as emoções que trazia como características profundas de seu psiquismo.
Mas... o tempo foi passando.
No afã de viver dentro dos padrões estabelecidos pela sociedade, Patrícia até tomou a iniciativa de namorar alguns rapazes, embora lhe fosse impossível aprofundar os relacionamentos.
Algo mais forte do que ela parecia repelir suas tentativas de aproximação com o sexo oposto.
O preconceito e o pavor de se descobrir, mais ainda de se declarar lésbica geraram dúvidas atrozes.
Durante anos a fio, reprimira sua sexualidade e evitara o prazer diferente que seu corpo lhe poderia proporcionar.
A tradição espírita ortodoxa da mãe e a falta de uma formação cultural mais ampla de ambas limitavam as possibilidades de conversar abertamente sobre o assunto.
Somente depois de muito tempo é que Patrícia chegou à conclusão de que era preciso muita coragem para se admitir gay ou lésbica para a família.
Mas as circunstâncias fizeram com que se calasse.
Era tão grande a dependência emocional; tão avassalador o medo do que viria algum dia a enfrentar, caso se visse sozinha pela vida...
Um dia confessou a um amigo médium e gay que frequentava a mesma comunidade que ela:
-O preconceito é tão grande em nosso meio religioso, que tenho a sensação de que estou condenada a esconder este desejo e me esconder atrás dele para sempre.
- Nem sei o que falar, Patrícia.
Trabalho como médium e, sinceramente, não tenho nenhuma facilidade de comentar ou compartilhar com ninguém sobre mim mesmo.
Permaneço inquieto e, acho que por isso mesmo, minhas habilidades na área da mediunidade parecem não "decolar"; é como se eu estivesse travado.
Não desenvolvo nenhum de meus projectos no campo da espiritualidade.
- Imagino o que você enfrenta por aqui, meu amigo.
Agora que você vai embora, que pretende ir para São Paulo, quem sabe por lá encontre outra mentalidade no meio religioso e na cidade, como um todo?
Aqui, no Paraná, acho que tudo é mais conservador.
Quanto a mim, ficarei comigo mesma.
Sem você por perto, não terei com quem me abrir.
Respirando um pouco, como que a absorver forças para prosseguir em suas lutas, César, o amigo de Patrícia, retomou os pensamentos:
- Muitas vezes me vejo obrigado a me comportar, no centro espírita, de maneira hipócrita.
Confesso que, se não me portar como a maioria, tenho medo de ser taxado de antidoutrinário, desequilibrado ou obsidiado.
Imagine! Ainda hoje tenho imensa dificuldade em admitir o simples ato da masturbação.
O preconceito que gira em torno das questões sexuais é tanto que, em um encontro sobre sexualidade ao qual compareci, o orador, sem o saber, acabou dando força para que meu próprio preconceito se fortalecesse ainda mais.
Saí de lá acreditando piamente que o ato da masturbação atrai obsessores.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 25, 2017 10:06 am

E nem posso dizer que ideia fiz do conceito de homossexualidade...
Saí me sentindo um lixo!
E o agravante é que, como fui representar a instituição nesse tal encontro, acabei adoptando um comportamento e um discurso totalmente diferentes do que penso, na realidade.
E uma hipocrisia da qual não vejo como me livrar...
- Como assim, César?
Mas você é tão mente aberta...
- Não mesmo, Patrícia!
De jeito nenhum.
Agora mesmo estou cheio de dúvidas.
Ao longo dos anos, acabei por adoptar um discurso moralista para me esconder, movido pelo medo de ser rejeitado no ambiente espírita.
Criei uma espécie de protecção em minhas falas e palestras, de modo a não me lembrar dos meus próprios questionamentos.
Então, passei a engrossar a fileira daqueles oradores que acham por bem atacar a conduta homossexual, dizendo-a fruto da acção obsessiva, e reafirmando, ainda, que masturbação atrai obsessores e forma um quadro mental de sensualidade e erotismo, o que facilita o acesso de vampiros espirituais...
- Meu Deus, César!
Não acredito!
- Isso mesmo, minha amiga.
Por isso, não aguento mais essa máscara, que está me fazendo muito mal, e acredito que também a quem me ouve em discursos ou palestras.
Não tenho forças nem coragem de romper com este sistema religioso que pensa assim.
Essa é a razão principal que me fez resolver ir embora para São Paulo.
Deixarei tudo aqui e vou recomeçar a vida em outro lugar, embora cheio de culpas, além de pensamentos e raciocínios que considero inadequados ou errados.
Mas não sei que outro caminho tomar; não aguento mais.
Espero que por lá consiga alguém ou algum grupo espírita que me ajude a renovar meus conceitos e opiniões.
Mas aqui...
Patrícia perdia assim o único amigo com quem podia confidenciar mais abertamente seus desejos e sua maneira de ser.
Embora o amigo alimentasse muitas dúvidas e tivesse adoptado um discurso moralista para os demais, experimentando conflitos abrasadores em decorrência disso, era alguém com quem tinha condições de conversar vez ou outra.
Enquanto César, cheio de tormentas, partia para outro estado, Patrícia não teve coragem de romper com a situação com a qual vivia.
Acabou entregando-se à depressão, que dia a dia ganhava terreno em sua alma.
A dificuldade de questionar a si mesma, de enfrentar a situação castradora e opressiva criada em torno da sexualidade transforma a pessoa em carrasco da própria alma.
Não entender a própria identidade sexual, não abordar a sexualidade de maneira sadia e coerente com os sentimentos, as emoções e a afectividade vivenciados é o mesmo que não conhecer os limites e os desejos pessoais; é tornar-se impotente para fazer a revolução na própria vida, o que tornaria a pessoa vitoriosa e realizada no âmbito afectivo.
Muitos que não tiveram a coragem de romper com o preconceito tornam-se amargos em dado momento de suas vidas, devido a questões de ordem social, religiosa ou familiar; muitas vezes, quando têm filhos, acabam reproduzindo com eles o contexto rígido, intolerante e discriminatório a que foram expostos, o que só faz perpetuar a infelicidade de todos.
De maneira semelhante, em agrupamentos sociais e religiosos, essas pessoas adoptam discurso incentivador da repressão das energias afectivas, a pretexto de incentivar seus seguidores a serem mais santos e bem resolvidos, mais equilibrados e correctos que os cidadãos comuns.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 25, 2017 10:07 am

Na verdade, a maioria dos que defendem essa cartilha reprimem em si mesmos a afectividade e recusam-se a admitir sua sexualidade para si mesmos e perante os outros.
Então, o discurso homofóbico e a atitude castradora, punitiva e escancaradamente preconceituosa constituem máscaras, muitas vezes usadas pelo indivíduo para esconder-se, para maquiar a própria condição sexual, que ele não tem coragem de admitir e viver de maneira nobre e sadia.
A mãe de Patrícia, rígida em seus princípios, por mais que amasse a filha, à sua maneira, não sabia se adaptar às ideias novas e ao progresso.
Por isso, tinha enorme dificuldade em suprir ou mesmo compreender as necessidades emocionais daquela a quem criara de maneira rigorosa, dentro das limitações que tinha, inclusive de ordem cultural.
A mãe a amava e sofria calada, muitas vezes; revoltada, outras, pois não sabia como conduzir a própria filha ante os sentimentos, emoções e desejos diferentes que via brotarem a cada dia - e a cada momento morrerem junto com Patrícia.
Um ou outro olhar de mulher fazia Patrícia estremecer.
Mas não! Não podia se permitir um comportamento dessa espécie.
Precisava se corrigir emocionalmente - pensava muitas vezes -, como se isso fosse possível.
Patrícia digladiava consigo mesma.
A tormenta das lutas íntimas, agravada pela ausência de César, a única pessoa com a qual tinha certa liberdade, foi aos poucos transformando a personalidade de Patrícia.
Lentamente, ela se deixava levar pela amargura.
Uma tristeza pálidamente percebida, de início, parecia se avolumar à medida que o tempo passava.
Idas e vindas a psicólogos, depois psiquiatras e, até mesmo, a gurus, igrejas e pastores apenas acentuavam a disposição íntima daquela alma masculina aprisionada no corpo de mulher.
O psiquismo de Patrícia não combinava de forma nenhuma com a morfologia orgânica.
Isto é, não vivia apenas a atracção por mulheres, duramente contida, mas se identificava com o género masculino, num provável caso de transexualidade.
Determinada a reprimir e solapar os impulsos naturais, ela converteu-se no maior impedimento à procura da felicidade.
Pouco a pouco a depressão se instalava, aprofundando a amargura e a revolta.
De alma atormentada, profundamente mal resolvida com a própria sexualidade - e, por conseguinte, com todos os aspectos da vida -, Patrícia atingira o ápice de sua existência conflituosa.
Era completa a dependência emocional em relação à mãe, que, a esta altura, dispensava cuidados em tempo integral à filha enferma, sobre o leito.
Os médicos não descobriam a causa da doença.
A própria mãe não sabia o porquê de a filha estar definhando, pois tinha severas limitações de conhecimento e cultura para compreender a situação.
A pressão arterial, notadamente alterada, resistia a todas as tentativas medicamentosas com o intuito de regularizá-la.
O coração apresentava crescimento indevido, causando sérios transtornos para o equilíbrio físico.
Os rins, funcionando de modo irregular, já não cumpriam sua função.
Patrícia estava inchando a cada dia,
e a medicina não era capaz de ajudá-la.
Foi nesse estado de abalo físico e psicológico que, naquela noite, o coração resolveu dar a última batida, poucas semanas após Patrícia completar 37 anos de idade.
Ataque cardíaco - dizia a mãe. Finalmente, o corpo físico não aguentou a pressão interna das emoções soterradas a qualquer preço.
Era como se a alma de Patrícia explodisse, ao abandonar o corpo em carácter definitivo.
Tudo o que reprimira durante a vida física vinha à tona de maneira avassaladora, explosiva, descontrolada.
Patrícia parecia pairar, flutuar, enquanto sua consciência tentava de todas as maneiras juntar os pedaços de si mesma, de emoções, sentimentos, angústias e revoltas íntimas.
Agora teria tempo, muito tempo para rever e avaliar sua vida.
Ela vivia, apesar da morte e além da sepultura...
O relógio do tempo marcava exactamente 1;31 da madrugada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 25, 2017 10:07 am

SALVADOR
NA CAPITAL BAIANA, O barulho das sirenes incomodava profundamente.
Sentia-se balançando de um lado para outro, jogado, chacoalhado; estava atormentado.
Ainda repercutia em seus tímpanos, agora ultra-sensíveis, o estampido da arma que alguém disparou.
Estava numa ambulância a caminho do hospital.
Não sabia quem o havia socorrido.
0 estado delirante parecia agora ser a situação normal de sua mente, pois via vultos, ouvia vozes; tudo indicava que chegara ao fim.
Lances de sua vida emergiam do psiquismo, transformando-se em flashes para logo depois formar imagens e cenas ideoplásticas, ou seja, originadas pelo pensamento.
Assistia a si mesmo em cada uma das etapas de sua vida, as quais se sucediam na forma de imagens mentais, enquanto a ambulância o transportava para o pronto-socorro mais próximo.
Jovem, alto, de olhos claros, sempre teve uma aparência que chamava a atenção de moças e rapazes.
A boca carnuda emoldurando um farto sorriso exercera atracção sobre meninos e meninas por onde quer que andasse.
Desde bem cedo aprendera a tirar proveito da bela aparência, beneficiando-se ao exibir o corpo.
As frequentes ofertas de dinheiro e mordomias logo o conquistaram e, de sedução em sedução, foi-se lançando no mercado como executivo do prazer.
Aprendeu a vender o corpo, a vida, a virilidade.
Desde a adolescência descobriu que a vida o dotara de intensa força vital, que canalizou para a realização e a promoção do prazer sexual.
Cedeu ainda mais; após alguns meses se entregando ao comércio do próprio corpo, adentrou o mundo das drogas.
0 montante arrecadado mensalmente com a prostituição já não era o bastante para sustentar os gastos com maconha, cocaína e, depois, a heroína, da qual se fizera escravo.
Veio a necessidade de roubar para manter o vício.
Para a família, sempre afirmou que trabalhava em comércio internacional e, devido às diferenças de fuso horário, a empresa onde prestava serviço operava nos três turnos.
Essa farsa justificava as noites que passava fora e os dias em que chegava, muitas vezes, ao nascer do sol.
Como costumava contribuir regularmente com algum dinheiro, isso acalmava a maioria, embora a mãe desconfiasse de que o filho estivesse envolvido com algo inconfessável.
Procurara o marido para falar a respeito de seus receios e preocupações, mas encontrou uma barreira imensa, um silêncio inquebrantável.
Assim, acomodou-se e, justificando-se perante a consciência por meio da atitude refractária do esposo.
Passou a ignorar as próprias intuições acerca do filho, de que algo estava errado com a conduta dele.
Será que o pai sabia e se calava?
A namorada do rapaz dava mostras nítidas de estar a par de alguma coisa, mas nada comentava, também.
Tudo se passava como se houvesse um acordo tácito em vigor, uma proibição no ar, que ninguém conseguia romper.
0 rapaz vendera não somente o corpo, mas também a alma.
Os poucos valores internos adquiridos no contacto com a família foram diluídos ou ofuscados à medida que se envolvia com as drogas.
0 corpo, sem resistir ao abuso a que foi submetido, logo passou a apresentar sinais de desgaste, tal como uma máquina da qual se exigiu além da capacidade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 25, 2017 10:07 am

Ronie fora chamado por um cliente que desejava satisfazer-se numa noite em que pretendia atingir o máximo da alucinação dos sentidos, inclusive com o uso de entorpecentes.
0 pedido viera na hora exacta em que Ronie precisava de mais dinheiro para comprar drogas e abastecer-se por um período.
Sendo assim, armara um plano para extorquir o precioso metal do cliente o que atenderia naquela madrugada.
As cenas eram vívidas, e parecia que uma força sobre-humana o obrigava a rever cada passo.
Já não sabia se estava de posse do corpo ou fora dele.
Era aquilo tudo uma de suas viagens alucinogénias?
Também não poderia responder à pergunta que emergia de sua consciência.
Praticamente não se dominava mais.
As cenas continuavam a suceder-se uma após a outra.
Via a si mesmo entrando em determinado bar para o tal encontro.
Após algumas rodadas de uísque, do qual pouco bebia ou apenas esboçava experimentar, porém induzindo o cliente a goles intensos, resolveu dar o golpe.
Ou melhor, preparava-se para o golpe final.
Virou-se para o lado dissimuladamente e pôs algo na bebida que daria ao cliente rico.
Porém não percebera, em nenhum momento, que o homem estava acompanhado.
Duas outras pessoas o observavam no instante em que baptizara a bebida.
Pretendia dar o golpe que representaria sua salvação, segundo acreditava.
Tratava-se do crime conhecido como boa noite, Cinderela, célebre e temido entre boémios e frequentadores de casas nocturnas.
Ao erguer o copo preparado na direcção do cliente, foi violentamente abordado por aqueles que o observavam e já lhe conheciam a fama.
O soco foi tão forte que Ronie caiu no chão, rolando de dor.
Mas o preparo físico o fazia resistente, e ele levantou-se imediatamente, já com arma em punho.
O burburinho foi geral, enquanto pontapés e garrafas voavam de um lado para outro.
Do cliente, só via o vulto sendo retirado do local, e, atordoado, parecia ver em câmara lenta uma arma ser apontada em sua direcção.
Por um instante, sentiu-se paralisado.
Outras pessoas que haviam sido suas vítimas também estavam ali, ajudando o cliente a se liberar do boa noite, Cinderela, um golpe no qual o indivíduo, sob o efeito da droga, tem os pertences roubados, quando não é assassinado.
Aqueles que escapam veem-se com a saúde profundamente comprometida, às vezes com lapsos de memória, devido à droga ingerida em altas doses, até porque geralmente acompanhada de grande quantidade de bebida alcoólica.
Além de, evidentemente, experimentarem forte abalo emocional.
Desta vez os planos de Ronie foram por água abaixo.
De nada adiantaria o corpo sarado e fabricado nas academias ou os olhos prenhes de pujante magnetismo animal.
Ainda em câmara lenta, divisou a arma e o disparo fatal. Desmaiou.
Ou, quem sabe, morreu?
Tudo estava muito confuso em sua mente.
Tentava a todo custo movimentar-se sobre a maca da ambulância que atendera ao chamado de emergência, mas o maravilhoso corpo não respondia às ordens mentais.
Apenas o filme, a repetição de cada ato que vivera.
Era constrangido a rever cada detalhe.
Um túnel iluminado, imagens que mais pareciam um pesadelo, e algo diferente que ocorria consigo e em torno de si.
Seria a morte?
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 25, 2017 10:07 am

A bala havia acertado o coração?
De repente, as cenas foram se tornando mais vagarosas, até desaparecerem por completo.
Ronie, agora, percebia um estranho silêncio.
Porém, tudo se passou em questão de minutos ou, talvez, segundos.
Um forte turbilhão parecia arrancá-lo definitivamente do corpo.
Sentia-se sugado por um túnel repleto de luzes que se alternavam entre sombras e escuridão; uma espécie de buraco negro, incrustado de holofotes ou algo assemelhado, o qual fazia a ligação entre o aqui e o mais além.
Não tinha qualquer controle sobre a situação.
0 medo incomum, o pavor e um pranto convulsivo expressavam o desespero ante o inevitável.
Agora tinha certeza de que não era apenas uma viagem causada pelo uso das drogas.
Algo mais sério acontecia.
0 túnel de luzes coloridas absorvia todo o resquício de matéria da qual se impregnava e na qual estava mergulhado.
Parecia que partes minúsculas do seu corpo se soltavam, embora se sentisse ainda inteiro, mas inteiro sob outro ponto de vista.
Segundo pressentia, despregavam-se placas de matéria orgânica do próprio organismo.
Sentia-se livre de algo que não podia definir.
Contudo, a mente, a consciência encontrava-se cada vez mais pesada.
Verdadeiramente pesada.
Então, veio a certeza absoluta, final, a sentença inexorável:
acreditava piamente que estava morto, apesar de continuar pensando.
0 saber-se plenamente fora do corpo sobreveio exactamente às 1:31 da mesma noite de todos os demais acontecimentos em cidades a centenas e milhares de quilómetros dali.
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