LUZ ESPÍRITA
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Página 1 de 5 1, 2, 3, 4, 5  Seguinte

Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 11, 2014 11:04 pm

Cidade dos Espíritos
Robson Pinheiro

Pelo espírito Ângelo Inácio

Este livro é o resultado de uma inspiração, de uma transpiração, de uma parceria entre dois mundos.
O mundo do médium e a mão do editor.
Muitos autores dedicam seus livros a familiares, amigos ou pessoas ilustres que os inspiraram de alguma maneira.
Quero dedicar este a alguém que por vezes é esquecido pelos autores e pelos leitores. Dedico-o a quem me inspira e me faz transpirar, a quem me impulsiona de perto, junto com o mentor e, algumas vezes, vestindo a máscara do obsessor.

A LEONARD O MÕLLER, MEU EDITOR.

Não sei se eu conseguiria dar uma roupagem tão digna e valorosa ao trabalho que os espíritos fazem através de mim sem sua participação, sem que fizesse seu papel.
A você, editor, amigo e companheiro, meu muito obrigado, meu reconhecimento público e verdadeiro por tudo que representa em relação ao livro, ao livro espírita em particular.

INTRODUÇÃO pelo espírito Ângelo Inácio,

CAPÍTULO 1 - O lado avesso da vida
CAPÍTULO 2 - Uma nova civilização
CAPÍTULO 3 - Levantando o véu
CAPÍTULO 4 - Os Imortais
CAPÍTULO 5 - A soma das diferenças
CAPÍTULO 6 - Zonas de impacto
CAPÍTULO 7 - A festa de Oxum
CAPÍTULO 8 - Senhores do caos
CAPÍTULO 9 - Cidade dos guardiões

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SOBRE O AUTOR
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 11, 2014 11:04 pm

INTRODUÇÃO pelo espírito ÂNGELO INÁCIO

A VIDA NA erraticidade. Sem vagar entre nuvens de incertezas, todos nós vivemos e viveremos apesar da morte, da dor e do sofrimento.
Sem nos perder no nada incompreensível ou diluir a consciência, fundindo-a ao todo inexplicável pelo vocabulário humano, seja religioso ou científico, sobrevivemos e sobreviveremos entre as estrelas.
O homem é produto das estrelas e para as estrelas retornará um dia, quando puder alçar voo rumo ao país da eternidade.
Lá é onde moram os sonhos, onde vivem os Imortais, onde as luzes se fazem gente e onde os seres são feitos de pura luz.
É onde fica a cidade habitada pelas consciências que despertaram para a vida além dos limites demarcados por fronteiras, estandartes ou bandeiras; onde cessam os partidarismos políticos, ideológicos ou religiosos.
Esse é o mundo onde não há medo, nem culpa, nem cobrança.
Essa é a Amanda de todos os povos, de todas as gentes, a cidade dos espíritos.
O país das estrelas pode ser cantado em prosa, em verso, ao som de atabaques ou entre melodias refinadas de instrumentos mil.
A cidade dos espíritos ou, simplesmente, Aruanda é o céu, o orum, o paraíso, para muitos.
Pode ser também o fulgor das estrelas, o cantar dos pássaros ou, então, a habitação de pais-velhos, a terra de caboclos, de brancos e negros, asiáticos, índios, de peles vermelhas, pretas ou amarelas; afinal, essa metrópole é a pátria daqueles que não se sujeitam mais aos acanhados comportamentos exclusivistas e sectários das sociedades humanas.
Ali, entre as estrelas, é onde o espírito se retempera, onde é capaz de haurir forças para as tarefas de redenção, auxílio ou intervenção no mundo dos homens.
Cidade dos agentes da justiça divina — essa é a realidade da Aruanda.
Onde a justiça e a equidade se aliam para estabelecer o Reino nos corações humanos e na Terra, em todas as dimensões.
Dela partem guardiões, caravanas que interferem no mundo em nome da divina justiça.
É onde me encontrei, aonde fui conduzido pela espada flamejante de um guerreiro que descortinou, ante minha visão estreita, as luzes e os caminhos de Aruanda, também conhecida por alguns como Ilha Sagrada, por outros, como Shamballa; para mim, somente Aruanda, a cidade dos Imortais.
Um estilo de vida, um conceito de paz, uma filosofia, uma política divina — tudo isso faz da cidade dos espíritos um lugar mítico, uma escola onde se preparam espíritos, forjam-se heróis anónimos, que lutam pelo progresso da humanidade.
Onde residem encantos e encantados, onde lendas encontram sua explicação e onde o tipo encontra o antítipo.
Da Amanda, onde me encontrei depois de abertos os portais da morte e onde até hoje me inspiro e respiro, quando posso, a fim de retornar à Terra dos meus encantos e dos meus antigos amores, é de onde trago, na bagagem da alma, a poesia da imensidade.

ÂNGELO INÁCIO

São Paulo, 3 de março de 2013.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 11, 2014 11:05 pm

CAPÍTULO 1 - O lado avesso da vida

O PRINCÍPIO ME deslumbrei com a possibilidade de estar fora do corpo, embora somente aos poucos me desse conta de que a situação era irreversível.
Os pensamentos das pessoas no velório, familiares pensando em como ficariam os direitos intelectuais de minhas obras e outras situações que considerei insólitas naquele momento; tudo contribuiu para formar um quadro muito diferente daquilo que eu vira até então.
Nunca havia pensado em como seria cómico, até, poder penetrar nas emoções das pessoas ou quanto seus pensamentos eram permeáveis.
Mas aquilo tudo não era brincadeira.
Aos poucos surgia um sentimento de saudade, um quê de gratidão pelo corpo que repousava no caixão.
Enquanto isso, outra parte do meu cérebro, se é que eu ainda tivesse um cérebro depois de morto, parecia se divertir com a situação ou, se não isso, ao menos observava com certa curiosidade as pessoas, seus sentimentos e emoções, e a realidade por detrás da fantasia de sofrimento habilmente demonstrada por muitos ali presentes.
Mas as emoções... essas eu não conseguiria disfarçar por muito tempo.
Na verdade, disfarçava também por saber, no fundo, que não havia retorno.
Deveria reaprender a viver como morto vivo e, quem sabe, até mesmo começar tudo de novo, soletrar o bê-á-bá outra vez, pois o mundo para o qual fora transferido de maneira definitiva era algo completamente distinto de tudo quanto conhecia ou a que me acostumara.
Comecei a pensar em como me comunicar com os possíveis habitantes deste lugar, deste universo onde agora me encontrava.
E havia outros habitantes. Disso eu não poderia duvidar, pois a lógica do raciocínio me demonstrava isso.
Se eu estava ali vivo, pensando, raciocinando, apesar do corpo estendido sobre o leito, naturalmente outros também haviam sobrevivido à morte.
Aliás, se acontecia comigo, então toda a humanidade sobreviveria; não era eu nenhum privilegiado, nesse sentido.
Não sofri por estar morto.
Senti, sim, uma espécie de nostalgia ao concluir que tudo o que construíra, todas as pessoas com quem convivera e a realidade com a qual me relacionava tinham ficado para trás — para sempre. Puxa!
Para sempre é muito tempo.
Muito mesmo! Porém, foi assim que pensei naquele momento, e esse pensamento foi suficiente para produzir certa melancolia em minha alma.
Logo, logo me peguei pensando em escrever sobre o assunto... mas escrever para quem?
Por quê? Quem leria minhas crónicas e poesias, minha produção literária de morto vivo?
Poderia eu continuar sendo um jornalista depois de morto?
Enquanto a multidão visitava o corpo cujo coração resolvera entrar em colapso, parar de vez, tive de enfrentar o avesso das coisas.
O outro lado da realidade a que todos os humanos estavam habituados.
E tive de me enfrentar.
Mas Deus me livre de sofrer por isso.
Escolhi jamais sofrer, mesmo depois de morto.
Como? Não dei importância aos pensamentos de dor, tormento, revolta ou culpa.
De modo algum poderia me permitir esse tipo de situação íntima quando a minha curiosidade por essa vida do Além superava qualquer possível tendência ao masoquismo.
Que sofresse quem quisesse.
Eu, decididamente, não tinha tempo para isso.
E olhe que tempo, a partir de então, é o que não me faltava.
Mas não queria nem poderia desperdiçá-lo com sofrimentos e lamúrias que a nada me conduziriam.
Notei certo quê de saudade ou de vontade de rever minha filha, que, quem sabe, estivesse em condições de vir me ver, já que eu chegava a este outro lado como morador definitivo.
Mas... pensei:
"Apesar da saudade dela, a mesma saudade que te levou à depressão há alguns dias, deixe-a seguir seu caminho".
Outra hora eu voltaria ao assunto.
Agora queria explorar tudo ao meu redor, a começar pelos pensamentos das pessoas ali presentes.
E curtir a pantomima a que se entregavam, representando uns para os outros.
Acreditavam piamente que o morto em nenhuma hipótese poderia conhecer o que pensavam.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 11, 2014 11:05 pm

A maioria nem sequer cogitava que o morto não estivesse tão morto assim.
E a saudade de minha filha parecia competir infinitamente com minha curiosidade, sobremaneira exacerbada naqueles primeiros momentos de vida de morto.
Senti vontade de tomar um vinho.
Hummm! Como seria o meu predilecto vinho madeira?
Como seria o original dele neste outro lado do véu de Ísis?
Mas tive de deixar para depois os martínis, os vinhos, fossem da Madeira, do Porto ou qualquer outro, entre tantas coisinhas preciosas, sem falar no reencontro com minha filha.
Afinal, ela também era recém-chegada a esta vidona de meu Deus e, como viria a confirmar mais tarde, suspeitei que talvez estivesse se recuperando, digamos, do cansaço da grande viagem.
Logo, logo me acostumei com a ideia de que as coisas aqui não seriam exactamente o prosseguimento das que deixara — ao contrário, pareciam-me bem melhores!
Nossos amores e afectos, embora continuassem amores e afectos, passavam a ser tão-somente outras almas, marujos no mesmo mar, a singrar o oceano desconhecido da imortalidade.
Nossas emoções, caso nos entregássemos a elas, constituiriam o passaporte perfeito para a infelicidade e o inferno, que trazemos todos dentro de nós.
Por isso, ao me ver de pé ao lado do antigo corpo, tomei a decisão acertada, segundo avalio até hoje.
Nada de sentimentalismo.
Se na clínica, quando dos últimos momentos, hora ou outra a tristeza havia me visitado, aqui a curiosidade substituíra por completo a tristeza.
Havia a saudade, mas já que dispunha da eternidade pela frente e já que o nada inexistia, então, que esperassem os reencontros, que aguardassem as saudades, pois eu ainda teria muita coisa a fazer pelo resto de minha vida eterna.
Não escolhi sofrer.
E, ao pensar assim, descobri que neste lado da existência pensava de maneira absolutamente diferente do que nos derradeiros minutos da antiga existência.
A consciência da morte e, paradoxalmente, do facto de que continuávamos vivos parecia modificar por completo a realidade interna, íntima.
O pensamento voava; não encontrava apenas pedras no caminho.
Havia muito mais do que simples pedras no caminho...
Havia construções, muito mais do que areia; havia uma civilização invisível, em tudo presente, viva, activa, pululante de vida.
E eu agora era parte desta civilização extra cerebral, extra física, extra corpórea.
Isso era incrível e merecia ser celebrado.
Mas eu ainda não tinha acesso a meu saboroso vinho madeira, nem tampouco ao martíni.
Assim, eu comemorava internamente, com mil pensamentos, com sentimentos novos, com uma euforia na alma, que dificilmente eu poderia expressar em palavras.
Celebrava o fato de ser um vivo imortal.
Não um imortal vivo, como aqueles da velha Academia de Letras.
Não. Era um vivo imortal.
E sem precisar, para tanto, ter sorvido algum elixir milagroso que prolongasse a vidinha no corpo físico.
Não; não dependia mais do limitado corpo envelhecido.
E foi então que resolvi testar os poderes ocultos da minha imortalidade.
Concentrei-me por longo tempo.
Na verdade, uns dez a quinze minutos — tempo demais para quem é imortal.
Concentrei-me de tal maneira que revi o corpo que tivera mais de 20 anos antes.
Pensei tão fortemente nele e com tal intensidade e riqueza de detalhes que, ao abrir os olhos, surpreendi-me ao constatar que meu corpo se tornara exactamente igual àquele que visualizei.
E tamanha era a alegria ao descobrir o poder fantástico de minha condição de imortal que gritei:
- Viva!
Cerrei o punho direito e, como um adolescente, gritei a plenos pulmões e saí correndo em torno do caixão, zombando do povo que se contorcia para dar o último adeus ao morto que não estava tão morto como aparentava.
— Ah!! — pulei novamente de alegria...
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 11, 2014 11:05 pm

— Que venham a morte e seus desafios!
Sentia-me resoluto, agora.
Desrespeitei meu próprio velório e gritei e pulei como nunca.
A morte até que não é lá grande coisa, não.
Ou melhor: a morte, ao menos para mim, era o elixir da vida eterna!
Decidi naquele momento mesmo, diante do velho corpo que repousava frio no caixão:
a partir dali não sofreria jamais.
Resolvi que aproveitaria todo o tempo disponível para ser feliz à minha maneira, isto é, estudando, trabalhando, matando a curiosidade e escrevendo.
Escreveria quanto pudesse para falar da vida nova da imortalidade, das descobertas e da realidade da vida além, sem fantasias, sem romantismos, mas da realidade da vida assim como ela é.
Algum momento, pensaria em como mandar minha produção para a imprensa do mundo antigo, dos que se consideram vivos.
Mas, por ora, descobrira o poder do pensamento, da vontade, da imortalidade.
E exploraria ao máximo a ocasião, aquele novo momento de minha vida, da existência.
Perante o aparente milagre do rejuvenescimento da alma, esqueci-me inclusive das saudades da filha.
E gritei novamente, como um jovem alegre, inebriado com a vida nova e com as possibilidades que se abriam diante de meu espírito ávido por novidades, por novos conhecimentos e, acima de tudo, por trabalho.
-Viva! !
— Alegre assim, Ângelo?
Virei-me rápido para o local de onde eu julgara ter vindo a voz.
Ainda não vira nenhum defunto vivo, além de mim mesmo, nem ouvira nenhum pensamento, além daqueles provenientes das pessoas que se achavam vivas entre os chamados vivos.
Mas ouvir a voz de outro imortal, era a primeira vez.
Virei-me no mesmo instante e vi um homem diferente.
Sorria, mas de alguma maneira ele era diferente.
— Seja bem-vindo ao novo mundo! — falou, sorrindo um sorriso disfarçado, discreto. Mirei bem aquele ser estranho.
Um habitante do novo mundo, da nova vida e da nova civilização onde eu aportara.
Era alto, cabelos cortados de tal maneira que me remetia aos militares.
Roupas que eram estranhas para mim.
As calças, semelhantes a bombachas, lembravam soldados do III Reich.
Apenas lembravam, pois havia uma diferença marcante, que não consegui descobrir de imediato.
A camisa, algo imponente, parecia um traje de gala ou algo assim: gola de padre, mangas longas, um distintivo ou símbolo no lado esquerdo do peito.
Era diferente de tudo e de todos os militares que conhecera na Terra.
Mas com certeza era alguém que ocupava um cargo importante neste mundão novo que eu começava a descobrir.
Parecia alguém de uns 30 a 35 anos, no máximo.
Eu analisava cada detalhe. E ele soube disso.
Sorriu agora um sorriso largo, magnético, enigmático.
— Eu sou Jamar! Muito prazer.
— E eu me chamo Ângelo, Ângelo Inácio.
Muito prazer, também.
Medindo-me, como a penetrar meus pensamentos, e eu incomodado com esse fato, acentuou bem as palavras:
— Ora, ora! Já que você conseguiu chegar aqui sem o peso da culpa que muitos forjam em suas mentes, parece claro que se liberou conscientemente de uma carga muito pesada.
Não percamos tempo; você não pode mais continuar aqui.
Vamos embora!
— Continuar aqui? Ir embora?
— Ou você pensa que continuará velando o próprio corpo como esse povo todo aí, ainda mais agora que já descobriu a inutilidade dessa despedida que fazem?
E como já sabe dos pensamentos que passam pela cabeça daqueles que o homenageiam, então, por que ficar aqui?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 11, 2014 11:05 pm

Perdendo tempo?
Temos muita coisa pela frente!
Há muito trabalho por fazer e você precisa começar logo.
Tem de se preparar para voltar.
— Voltar para onde?
— Na hora certa, você saberá.
Por hora, temos de sair daqui.
Outros espíritos já estão a caminho para fazer o que tem de ser feito.
Hesitei por alguns momentos, até que o vi envolvido por uma luz quase mística.
Ao redor, irradiações magnéticas desenhavam o que me pareciam asas, como se fossem de anjo ou algo do género.
A visão foi muito rápida, porém o suficiente para saber que lidava com alguém especial ou, no mínimo, diferente de tudo e todos que conhecia.
Desembainhou em seguida uma espada, até então não percebida, e brandiu-a no ar.
A medida que intensificava aquelas energias em torno de si, na forma de asas, conforme interpretei na ocasião, suas roupas pareciam se diluir numa frequência diferente, numa luz também distinta, mas que lhe conferia a aparência de um anjo guerreiro, talvez meu anjo, o anjo de guarda.
E minha mente de imediato fez as conexões necessárias, a fim de que eu não me demorasse mais ali.
Não poderia recusar o convite de um ser desses.
Eu era convidado para ir ao lado dele para sei lá onde, e soube que não havia como recusar.
— Vamos, Ângelo! -— falou, com o sorriso enigmático.
Enquanto falava, com uma mão estendida para mim e a outra segurando a espada, instrumento que naquele momento não tive condições de analisar, ele simplesmente abriu um rasgo no espaço à sua frente.
Uma porta no espaço ou entre dimensões?
Não saberia definir, ainda.
Mas a espada de fato abriu uma brecha no universo, quem sabe, e pude vislumbrar, através daquela fenda, um mundo diferente, talvez uma cidade, muito distante.
Estrelas que pareciam de outro mundo, estrelas que pareciam me fitar... e o homem, Jamar, estendia-me a mão, embora o convite se fizesse mesmo pelo pensamento, que também rasgava o meu, e penetrava-me internamente como se fosse o fio de sua espada.
Eu olhava fascinado pela abertura dimensional instaurada pela espada do guerreiro, do guardião, como ficaria sabendo mais tarde.
E aquele mundo diferente, iridescente, cheio de estrelas; aquela cidade, cujo esboço eu via entre os sóis da amplidão, rebrilhando entre nuvens ou poeira de estrelas, parecia me magnetizar.
E o fenómeno todo daquele instante parecia diluir minha alma, de tal modo que, ao tocar a mão estendida de Jamar, senti como se minha alma toda se abrandasse e engrandecesse; acalmavam-se meus pensamentos, tranquilizavam-se minhas emoções.
A curiosidade inata repousou por um instante, pois me senti adormecer como num sono agradável, sereno e povoado de sonhos.
Sonhei com um país diferente, sem ditadura nem ditadores, sem limites fixados por bandeiras ou fronteiras hostis.
Um país para o qual eu era levado pelas mãos de Jamar, o anjo que me acompanhava em direcção ao início de uma vida nova, uma aventura espiritual que jamais teria fim.
Quando abri os olhos, fui tomado de surpresa.
Encontrava-me deitado numa espécie de barco, que deslizava suavemente sobre águas calmas.
Seria um mar?
Não saberia precisar, embora, para onde quer que olhasse, percebesse somente águas e mais águas.
Esforcei-me e me pus de pé, devagar, sentando-me logo após.
E Jamar estava lá, de pé, erecto, na proa da embarcação, ainda rebrilhando, porém discretamente, como se quisesse disfarçar sua aparência.
De um lado e outro, dois outros homens remavam com notável tranquilidade, ambos em pé, e somente eu sentado.
Brisa suave parecia vir de algum lugar; ao longe, à frente do barco, avistava-se um brilho, um tremeluzir de uma luz que, a mim, pareciam-me as luzes de uma cidade.
Seria a cidade que eu percebera quando Jamar rasgara o espaço com sua espada?
Seria a cidade das estrelas?
Não saberia dizer.
Aliás, eu não sabia sequer como adormecera e nem como fora parar ali.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 11, 2014 11:05 pm

— Este é o Mar da Serenidade! -— falou Jamar, sem olhar para mim.
Deliciava-me ao contemplar a paisagem marítima, e agora tinha a confirmação de que estava diante de um mar.
Águas extremamente claras e de tal maneira translúcidas que podia divisar golfinhos nos seguindo, pulando ora aqui, ora ali, ao lado da embarcação, além de diversos outros habitantes das águas.
Ainda sem olhar para mim, mas fixando longe aquilo que devia ser uma cidade, mas cujos detalhes me escapavam, Jamar continuou:
— Estes são guardiões, que estão nos remos.
São servidores como eu e meus outros irmãos.
Olhei para os dois homens que estavam de pé remando, cada qual de um lado do barco, e os vi sorrir.
Um sorriso largo, aconchegante, espontâneo.
Foi o suficiente para me sentir em casa; era como se conhecesse essa gente de longa data.
Até mesmo Jamar, o anjo que nos conduzia.
De repente, fui surpreendido por um enxame de seres que pareciam borboletas.
Não são borboletas.
Olhe bem, Ângelo!... - falou Jamar, sem se voltar para mim, ainda fitando ao longe.
Novamente observei e notei que o panapaná ou seja lá como se classificasse essa comunidade de seres parecia brincar sobre as águas, arrastando-se em grande velocidade.
Eram fosforescentes, a meu ver, e irradiavam uma tonalidade azulada, quase como néon.
Mas pareciam quase humanos, muito embora o tamanho menor que uma mão humana.
Brincavam, sorriam e dançavam sobre as águas em bandos, enquanto alguns cavalgavam um ou outro golfinho, que pelo jeito se deliciavam com a presença daqueles seres pequeninos.
Pensei que estava sonhando, ainda.
— Não está sonhando, Ângelo.
São seres reais, são habitantes das águas e vêm nos recepcionar. Para onde iremos, você se acostumará com a presença deles.
São os chamados elementais.1
Minha mente pareceu um turbilhão.
Minhas emoções arrebentavam de dentro de mim ao perceber a vida abundante naquele novo ambiente.
E minha reacção foi a mais humana possível: comecei a chorar.
Só então Jamar voltou-se para mim.
— Não há como não se emocionar com a riqueza da vida ao nosso redor. Sinta-se à vontade, amigo.
Também choro muitas vezes diante da manifestação da natureza sideral.
Olhei ao redor e vi os golfinhos levando vários seres na garupa, os quais se divertiam visivelmente.
Eram habitantes daquele mundo diferente, novo, estuante de vida.
E eu exultava ao presenciar tudo aquilo.
Estamos chegando — informou um dos guardiões que remavam.
Deixaram os remos de lado, e o barco deslizava sozinho, pelo menos deduzi assim.
Mas não! Eram os golfinhos e os seres pequeninos que conduziam a embarcação no trecho próximo à hora de atracar.
Chegamos deslizando, lentamente, sobre as águas calmas daquele mar sereno, em tudo diferente do que eu conhecia.
Mais e mais seres das águas se mostravam às dezenas, às centenas.
E o mar parecia ganhar vida, uma vida nunca antes percebida por mim ou, quem sabe, ainda desconhecida de todos na face da Terra.
Desembarcamos devagar e meus pés se molharam naquela água ligeiramente fresca, agradável.
Comovia-me com cada detalhe do mundo novo.
Foi quando notei que havia gente nos recepcionando.
Logo ao pisarmos o solo, um grupo de crianças, adolescentes e outros personagens diferentes, exibindo trajes de diversas épocas e estilos, vinham em nossa direcção.
Alguns correndo, brincando, soltando gritos de felicidade.
No meio deles, para minha surpresa, Maria, a minha Maria vinha me receber.
Além, um pouco mais vagaroso, como dando tempo para os demais se apresentarem, notei um homem elegante, um senhor já de idade, terno branco, alvíssimo, de linho puro.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 11, 2014 11:06 pm

Sorriso largo nos lábios, olhava-nos, enquanto eu recebia das mãos de uma criança um colar semelhante a um colar havaiano, porém feito de flores reais, naturais, perfumosas.
Chorei ao rever Maria, minha adorada filha.
E a saudade arrebentou dentro de mim, disputando espaço com emoções novas.
Sem sofrimento, porém.
Senti-me renovado ao abraçá-la.
— Estou aqui apenas esperando a sua chegada, meu pai.
Apenas por um pouco de tempo, para que saiba que estou bem e viva — disse ela.
Abraçamo-nos ali mesmo, e me senti aconchegado em seus braços por um tempo muito longo.
Ou seria impressão minha?
Sei que, quando nos soltamos um dos braços do outro, sentia-me ainda mais jovem do que quando mentalizei o corpo de alguns anos antes.
E Maria olhava-me, e falava mais com o olhar do que com palavras.
Logo veio o ancião vestido de terno branco, enquanto algumas crianças me conduziam pelas mãos.
Maria ficou a certa distância, olhando-me e sorrindo:
— Não se preocupe, meu pai. Você está em casa.
Estaremos juntos, a partir de agora — e senti que isso era verdade.
— Seja bem-vindo ao lar, Ângelo Inácio! -— saudou-me com largo sorriso o ancião que me recebera, acompanhado por Jamar, que curvava levemente a cabeça, como se o reverenciasse.
— Obrigado pela acolhida generosa!
Mas sabe o meu nome, e eu não o conheço ainda...
— Chame-me de João! Apenas João.
Isso é o bastante por enquanto, meu filho.
— Este é um dos anciãos que compõem o colegiado de nossa cidade explicou Jamar.
— Colegiado?
— Mais tarde será devidamente informado.
Olhei ao redor e vi campos, florestas, montanhas.
Ao longe, talvez a alguns quilómetros, ainda, a cidade que se erguia majestosa, entre bosques, trepadeiras, jardins e rios, que pareciam escorrer de montanhas; havia também prédios e outras construções.
Era uma paisagem diferente, exótica, maravilhosa, deslumbrante, em tudo diferente das cidades que eu conhecera e da própria cidade maravilhosa de onde viera.
Tudo parecia repleto de vida, de cor e de aromas únicos e inebriantes.
O ancião negro à minha frente segurava uma espécie de cajado ou bengala, embora não precisasse de nada para apoiar-se, afigurando-se mais como acessório a compor-lhe o visual do que auxílio à locomoção, de modo a torná-lo ainda mais elegante.
Entre as crianças e adolescentes que me recepcionaram, pude notar algo curioso: a grande variedade de etnias ali representadas, num amálgama bonito de se ver.
Negros, mulatos, brancos e ruivos dos traços os mais diversos, além de indígenas de toda parte, dos peles-vermelhas aos aborígenes e outros mais, sem falar nos representantes de povos asiáticos, em toda sua riqueza; enfim, um mosaico de etnias, povos e culturas que me impressionou.
Ao que me parecia, conviviam todos de maneira harmoniosa.
Seria ali o Céu? A antecâmara do paraíso?
Sorrindo sempre de modo sincero e generoso, João olhou para mim e, colocando a mão sobre meu ombro direito, apontou para a cidade ao longe.
— Não é o Céu ainda, Ângelo.
Ainda, não! -— disse rindo com um sorriso farto, espontâneo.
Aqui não tem anjos nem santos — falava pausadamente, apenas seres humanos como você, eu e Jamar ou como os biliões na superfície do planeta.
Aqui também estudamos, aprendemos, erramos muito, mas muito mesmo, e tentamos acertar ao máximo.
Aqui é simplesmente a Aruanda de todos os povos, de todas as gentes.
Apenas a Aruanda.
Não saberia dizer o porquê, mas esse nome me tocou profundamente o coração desde o instante em que o ouvi ser pronunciado pela primeira vez.
Seu eco em minha mente parecia mexer fundo com meus sentimentos e emoções, e ainda não havia penetrado os limites da cidade, em si.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 11, 2014 11:06 pm

Estava na periferia, digamos assim.
Enquanto mirava a cidade, que para mim se afigurava deveras distante, fui insistentemente chamado por um jovem adolescente, que apontava em determinada direcção, tentando me mostrar ao longe, do lado oposto àquele onde se via o mar por onde chegáramos.
Apontava as montanhas no horizonte.
E me encantei com o que vi.
Choupanas, bangalôs de traçado incrivelmente elegante, contrastando com a simplicidade de sua estrutura.
Eram casas que, a meus olhos, pareciam feitas de madeira, mas conviviam tão harmoniosamente com a paisagem natural que formavam um quadro encantador, em meio a riachos, cachoeiras e vegetação de tons variados, além de pássaros e outros animais que jamais imaginava poder encontrar após a morte, ou após a vida, em outra vida, em qualquer lugar do universo.
Havia também outras construções, que pareciam feitas de concreto ou alguma substância similar, mas na ocasião desconhecia pormenores para descrevê-las melhor.
Do mesmo modo, exibiam beleza e conviviam pacificamente com a natureza, denotando que o paisagismo fora detalhadamente planejado, de forma a preservar tanto a elegância das construções quanto o relevo e a vegetação exuberante no entorno de cada uma delas.
E me encantei, e chorei novamente de emoção, de alegria por me sentir vivo e por saber que faria parte de tudo aquilo, daquela paisagem extraordinária, diante da qual as belezas naturais da cidade de onde vinha eram apenas uma amostra, um esboço, talvez.
Nada se comparava àquilo que meus olhos enxergavam.
Nada. Enfim, aquela era a Aruanda da qual João me falava e que as crianças e jovens me mostravam.
Eu respirava fundo o ar fresco e o frescor que parecia me trazer, impregnado do aroma de flores de laranjeira.
— As construções que lembram algumas que você já viu na Terra, Ângelo, feitas de concreto, são museus, onde os artistas da nossa cidade e de outras expõem suas obras, produto de criações mentais.
No total, são 1,2 mil museus dispostos em meio às montanhas, vales e planícies.
As choupanas, casas simples e bangalôs são habitações de espíritos, daqueles que preferem viver em meio à natureza, de maneira mais directa e intensa, e que não apreciam tanto a vida urbana, isto é, na cidade, propriamente.
Adiante — continuou Jamar, aproximando-se de mim e de João, que ainda repousava o braço sobre meus ombros - há outras habitações, laboratórios de experimentos com a natureza, entre outros departamentos, que você terá bastante tempo para explorar.
Tudo aquilo era muito novo para mim.
Embora me sentisse à vontade diante das pessoas que me recebiam, àquela altura percebi-me ainda um pouco fraco.
Não sei se devido ao fato de ter morrido para o mundo, ou desencarnado, conforme algumas correntes espiritualistas diziam, certo é que a transição parecia ter afectado de alguma maneira minha vitalidade.
Não era um cansaço profundo ou pesado, como quando se está esgotado, após uma jornada de trabalho intensa.
Não! Era algo mais ameno, mas que me deixava claro ser necessário repousar.
Repousar? Ali mesmo veio à tona o questionamento cruel: onde poderia eu descansar?
De que forma encontrar um local para me hospedar ou morar?
Acabara de chegar a este mundo espiritual, conforme chamavam a vastidão daquele universo de almas e homens.
Não me senti confortável para falar a respeito e logo pensei em minha filha.
Ela chegara poucos dias antes de mim, portanto talvez pudesse ficar com ela; assim, teríamos tempo para conversar.
Mal formulei o problema e João dava mostras de conhecer profundamente meus pensamentos e questionamentos:
— Não se preocupe, Ângelo.
Você será encaminhado a um dos nossos hotéis na cidade.
Lá se sentirá tão à vontade que talvez seja difícil convencê-lo a sair de lá, depois.
Mas tudo a seu tempo.
Maria o acompanhará, junto com Jamar.
— Hotel? Como assim?
Há hotéis por aqui?
— E como não? -— falou Maria ao aproximar-se de mim, tomando o lugar de João e abraçando-me.
Aprenda de vez, meu pai: o mundo aqui é o mundo original, primordial; lá, na Terra que eu e você deixamos há pouco, está apenas a cópia.
Lembrei-me de alguns hotéis onde havia me hospedado, em cidades do Brasil e do mundo.
E vários deles foram bons hotéis.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 11, 2014 11:06 pm

— Então, se na Terra muita coisa é de boa qualidade, imagino o original, do lado de cá...
— Pois é, meu querido — retornou Maria, dando-me maior atenção ainda.
Em pouco tempo me surpreendi com muita coisa, mas creio que para você, com sua curiosidade inata, o campo de pesquisa seja muito mais vasto.
— Por acaso posso continuar escrevendo aqui?
Posso ser jornalista, também?
Antes que Maria me respondesse, Jamar assumiu a dianteira e falou:
— Claro, Ângelo.
Você verá em breve que terá muito trabalho a fazer nessa sua área.
Terá muitos elementos a pesquisar e um campo bem amplo a ser explorado e comentado num outro tipo de jornalismo.
Poderá, inclusive, conhecer a redacção do nosso jornal e, quem sabe, queira ser um dos escritores do Correio dos Imortais.
— Então terei como fazer o que mais gosto, escrever...
— Sim! Para os vivos do nosso lado e para os que continuam na carne — completou ele.
— Não entendi. Quer dizer que não se fecharam para sempre as portas de comunicação com o mundo dos vivos? -— impressionei-me.
— E você, eu e sua filha, por exemplo, não estamos vivos, também?
— Eu sei, eu sei, mas falo dos que vivem no mundo, no mundo que deixei...
— Ah! Sei do que está falando -— Jamar se fazia de bobo de propósito.
Basta por ora saber que você poderá voltar, sim.
E muito mais breve do que poderia imaginar!...
Mas vamos ao hotel.
Fiquei duplamente intrigado, curioso ao extremo. Ir a um hotel numa cidade feita por espíritos e para espíritos.
De outro lado, a possibilidade de retornar ao mundo, de trabalhar como repórter, escritor, jornalista.
Como poderia ser isso?
Minha mente estava febril; antes mesmo das outras surpresas que viria a ter, parece que meu cansaço havia passado.
Não conseguia pensar em nada mais, a não ser o que eu escreveria sobre o mundo novo que começava a conhecer.
Mas aquilo era apenas a ponta do iceberg; jamais imaginaria quais experiências me aguardavam.
Mesmo assim, fui descobrindo pouco a pouco que este mundo novo talvez fosse mais desafiador, ao menos no que tange a ideias e descobertas, do que o mundo antigo, que deixei junto com o corpo físico.
Um veículo aproximou-se rapidamente de nós.
E esse foi mais um desafio para o tipo de ideia que eu ameaçava fazer da vida de espírito.
Era um veículo pequeno, bem ao estilo dos automóveis que desfilavam nas ruas da Cidade Maravilhosa e de outras tantas cidades do mundo...
Não fosse o fato de que não precisava de rodas!
Deslizava a alguns centímetros do chão daquele novo lar.
Olhei para Jamar, que sorria discretamente — aliás, dificilmente o vi sorrir de maneira mais aberta, explícita, gargalhando, como se vê entre os chamados vivos.
Abriu-se a porta do veículo e entramos, Maria, o próprio Jamar e eu.
Não explicou, apenas acompanhou meus pensamentos.
Naquele ponto, era claro para mim que ele conhecia os caminhos intricados que trilhavam meus pensamentos.
— São aeronaves, meu pai — socorreu-me Maria. —
Aqui também existe muita tecnologia.
Já vi muita coisa, em poucos dias.
— Mas não somos todos espíritos?
Por que não saímos voando por aí?
— Não é simples assim.
Você aprenderá logo, logo.
Fique quieto que terá outras surpresas por aqui.
O veículo partiu numa velocidade altíssima para os padrões terrenos.
Deslizava com tal facilidade que não percebi nenhum sinal de movimento semelhante ao que ocorre com os carros convencionais ao frear ou acelerar.
Depois de algum tempo, elevou-se ao alto e saiu voando, embora parecesse planar enquanto adentrava a metrópole, propriamente dita.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 12, 2014 10:45 pm

E fiquei deslumbrado.
Seria Niemayer o arquitecto mágico de tudo isso?
Mas não; ele permanecia encarnado quando abandonei o corpo físico.
Ou teria ele estudado aqui antes de nascer no mundo?
Quem sabe algum artista, esteta ou escultor entalhara ou projectara aquela maravilha da arquitectura, como se fosse uma obra-prima engastada na própria natureza desse mundo imponderável, invisível aos olhos humanos?
Meu Deus!... - Fui tomado de deslumbre ao pensar no autor de tudo o que via.
Edifícios que pareciam esculpidos em cristal ou substância similar; outros, em uma matéria tão subtil, etérea, quem sabe de determinada constituição nunca antes detectada, descoberta ou conhecida entre os mortais.
Tudo brilhava, cintilava entre formas e cores que em nenhuma hipótese havia percebido ou vislumbrado.
No meio da natureza preservada, cultivada, eis que trafegavam os veículos, uns imensos, outros menores e alguns outros, vistos ao longe, rompendo o horizonte, pareciam sair da atmosfera.
Nunca me senti tão pequenino como naquele momento.
E, na Terra, como a gente se gabava de ter construído uma civilização...
Descerrava-se ali a verdadeira civilização do planeta Terra.
Meu coração encheu-se de terna gratidão à vida, enquanto lágrimas desciam à minha face.
O veículo se dirigiu a determinado ponto da grande metrópole, que se assemelhava a bairros residenciais da paisagem urbana, de certa maneira.
Pairamos no andar baixo de um edifício de linhas modernas, em local que parecia estar reservado ao veículo que nos conduzia.
Jamar desceu primeiro, abrindo a porta para nós.
Encontramos uma mulher elegante, trajando uma roupa que lembrava a belle époque e os anos 1920 da antiga Paris, com um chapéu igualmente elegante emoldurando os cabelos.
Maquilhagem discreta, traços fisionómicos que inspiravam confiança e segurança, ao mesmo tempo.
— Seja bem-vindo, guardião da noite.
Sejam todos bem-vindos.
Já estamos esperando por vocês.
Olhei para Jamar como a pedir alguma explicação.
Ele ignorou minha curiosidade.
— Fique quieto, meu pai -— falou Maria.
— Em breve você saberá quem é Jamar e por que está abonando nossa estadia aqui.
Adentramos o ambiente, que à primeira vista não se diferenciava de um dos óptimos hotéis, diria quase de luxo, de uma capital europeia.
Porém, distinguia-se pela sobriedade, elegância e beleza incomuns, sem nada que remetesse a fausto e opulência.
Havia uma recepção e um balcão, onde eram registados os hóspedes, como de costume.
Para lá nos dirigimos, na companhia da mulher que nos conduzia.
— Já o aguardávamos aqui, Sr. Ângelo!
Meu nome é Dayane e pode ficar à vontade para perguntar o que lhe convier.
Contudo, preciso que preste atenção a algumas informações que devo lhe passar.
Olhei para Maria e também para Jamar, mas eles pareciam mancomunados.
Deixaram-me a sós com minha curiosidade quase mórbida, que aflorava a todo vapor.
— Não é necessário preencher qualquer ficha por aqui.
Preciso apenas que o senhor seja submetido ao sensor de emoções.
Mas não demora o procedimento; é algo simples, cujo funcionamento poderei lhe explicar, mais tarde.
Conduziu-me ao balcão e lá me orientou a colocar a mão espalmada sobre um aparelho, que tinha a superfície feita, ainda, de uma variação de um cristal cintilante.
Assim que pus a mão ali, à minha frente se ergueu uma espécie de tela holográfica, com várias informações sobre minha vida, e algumas outras que não pude entender naquele momento.
"Altíssima tecnologia", pensei.
— Com certeza — afirmou Jamar, rompendo o silêncio.
— Pois bem, senhor -— falou Dayane - a dama que nos recebera, enquanto outras pessoas ou espíritos também eram atendidos por seres que ali trabalhavam.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 12, 2014 10:45 pm

— Temos aqui uma espécie de hotel.
Na verdade, assim o chamamos para melhor facilitar o entendimento das pessoas que chegam à nossa cidade diariamente, tanto advindos da Terra quanto de outras cidades do espaço.
Existem apenas duas regras:
convivência pacífica com a natureza e respeito aos limites.
Não se paga nada; sua estadia é abonada por seres mais experientes que patrocinam sua vinda à nossa Aruanda.
Ficará aqui temporariamente; mesmo assim, estruturamos um tipo de apartamento de acordo com suas necessidades particulares e alguns de seus hábitos na Terra, de tal maneira que não sofrerá grande impacto no novo ambiente.
Fique à vontade para pedir qualquer coisa através do aparelho de comunicação que encontrará em seus aposentos.
A mulher saiu para logo começar o atendimento a outra pessoa que chegava ao local.
Não imaginei que fosse simples assim o atendimento e tão rápido como se deu.
— Voltarei mais tarde, Ângelo.
Devo comunicar a alguns amigos sua chegada.
Daremos um tempo para que se recupere; porém, fique atento, pois daqui a exactamente 4 horas chegará um médico para ver seu estado energético e emocional.
É alguém muito humano, como você e eu; não se preocupe.
Aconselho que descanse, durma um pouco e deixe a curiosidade para depois.
Terá muita coisa com que se ocupar breve, breve.
Aproveite, pois espero que não fique tempo demais por aqui —- Jamar saiu, despedindo-se de Maria e de mim e fazendo um aceno discreto para a mulher que nos recebeu naquele ambiente tão acolhedor.
Olhei mais detidamente em volta e comecei, então, a notar diferenças mais marcantes em relação às construções terrenas.
Mas eram tantas, tanta tecnologia que eu nunca vira na Terra, que pensei estar inserido nu m sonho tridimensional de ficção.
No entanto, a presença de minha filha me fez crer que aquilo tudo era realidade — era a nova realidade com a qual eu teria de conviver a partir dali.
Respirei fundo.
Abraçado com Maria, deixei-me conduzir por ela e por outro espírito que logo se apresentou, no novo ambiente onde eu repousaria por certo tempo.
Iniciava-se ali minha descoberta daquela cidade espantosa, maravilhosa e sobretudo diferente de todas que conheci durante a existência física.
Eis que agora eu morava na Amanda; ao menos por enquanto era hóspede em uma metrópole espiritual que os humanos encarnados nem sonhavam existir.
Era a cidade dos espíritos, a cidade das estrelas.

1 - Para maiores esclarecimentos sobre os elementais naturais, agrupados sob a denominação espíritos da natureza na codificação espírita.(cf. KARDEC. O livro dos espíritos. Ia ed. esp. Rio de Janeiro: FEB, 2005. p. 337-340, itens 536-540), consulte o volume 2 da série Segredos de Amanda (PINHEIRO. Pelo espírito Ângelo Inácio. Amanda. 13ª ed. rev. ampl. Contagem: Casa dos Espíritos, 2011. p. 86-98, cap. 7).
Há esclarecimentos importantes nesse trecho, inclusive sobre a opção por adoptar a nomenclatura do esoterismo clássico, elementais.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 12, 2014 10:46 pm

CAPÍTULO 2 - Uma nova civilização

DESPERTEI EXACTAMENTE QUATRO horas depois, ou melhor, dormi três horas apenas, pois durante uma das horas a mim concedidas fiquei bisbilhotando o hotel e tentando obter informações sobre seu funcionamento.
Era tudo muito inusitado e extraordinário para mim, embora estivesse satisfeito com o fato de estar vivo, apesar da morte.
Não obstante, encontrar uma estrutura tão complexa e ainda incompreensível para mim era algo que definitivamente me intrigava e me instigava o espírito aventureiro e a curiosidade inata, que fazia despertar em mim o interesse por tantas coisas.
Acordei me sentindo satisfeito, inspirado, quase em plena saúde.
Assim que me levantei, descobri que o médico já me aguardava na antessala.
Alto, claro, magro e vestido de maneira sóbria, impecável, parecia haver chagado ali há apenas um minuto.
Mas esperava por mim.
Mal havia me colocado de pé e ouvi tocar um instrumento, que soou para mim como uma campainha, emitindo um som suave.
Apressei-me até a porta e vi o médico em pé diante de mim.
Não demonstrou hesitação: entrou imediatamente no amplo quarto onde me encontrava e começou a conversa, quase sem se apresentar:
- Boa tarde, Ângelo!
Não temos muito tempo, meu irmão.
Sou um dos servidores da cidade e estou aqui para avaliar sua condição energética ou saúde espiritual.
Sente-se, meu caro.
Fiquei um pouco perdido, confesso, mas obedeci quase cegamente, pois sentia uma ascendência moral naquele homem, como se fosse um carisma irradiante.
Ia esboçar uma pergunta quando ele continuou por si mesmo:
— Durante o tempo em que dormia, dois de nossos magnetizadores ficaram a postos no quarto ao lado, manipulando suas energias, magnetizando-o, de maneira que pudesse se sentir melhor quando acordasse.
Espero que tenha sentido os resultados.
Enquanto discorria, tirava de uma maleta alguns instrumentos e os colocava numa mesinha ao lado.
Aliás, devo acrescentar, uma mesinha sem pés, que de alguma forma eu não havia reparado, flutuava no ambiente como um balão, a apenas alguns centímetros do chão.
Colocou ali dois aparelhos muito pequenos, menores que uma mão humana, e, ao tocar-lhes a superfície, sem botões aparentes, foram accionados e começaram a funcionar.
Enquanto isso, retirou uma espécie de tubo de uns 20cm do mesmo lugar de onde extraíra os instrumentos anteriores.
Tocava em mim levemente, em alguns pontos que para mim não significavam grande coisa, ao menos naquele momento.
Provavelmente, notando minha curiosidade sobre a forma como praticava sua medicina, achou por bem esclarecer:
— Nossa medicina aqui é bem mais avançada que a medicina terrena, isto é, dos encarnados.
Do lado de cá da vida, contamos com especialistas na tecnologia sideral que desenvolvem instrumentos apropriados para devassar o corpo espiritual de meus irmãos.
Estes dois instrumentos são usinas de energia que emitem radiação e electricidade que seriam suficientes, comparativamente, para abastecer duas das grandes metrópoles da Terra por mais de 20 anos.
Guardam um potencial que não pode ser mensurado apenas pelo seu tamanho.
Quanto à nossa medicina, ela é energética, psicossomática.
Avaliamos com instrumentos ultras sensíveis os campos de força, as correntes de energia e a condição das emoções de nossos pacientes.
Não utilizamos em nossa cidade métodos tradicionais como cirurgias invasivas, injecções ou outros recursos usados na Terra e também em muitas cidades espirituais.
Aqui nosso tratamento usa técnicas avançadas de magnetismo e alguns procedimentos mais intensos, em caso de necessidade, porém não invasivos.
Isso também é possível porque nos hospitais da cidade não temos espíritos dementados ou em condições de significativo desajuste.
Mais tarde, poderá visitar-nos as instalações médicas, caso queira.
O homem falava enquanto me analisava.
Sentia que o aparelho produzia em mim uma sensação de formigamento, que até me parecia uma leve anestesia.
Porém, o médico não entrava em detalhes.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 12, 2014 10:46 pm

Mal eu esboçava uma pergunta ou pensava em falar e logo ele prosseguia:
— Como eu imaginava, algumas sessões de magnetismo e um acompanhamento detalhado de seu estado emocional serão suficientes para você se sentir mais pleno e em condições de trabalhar.
Tenho lhe acompanhado desde algum tempo antes de realizar a grande viagem.
O descarte biológico foi programado detalhadamente por nossa equipe e tivemos o cuidado de acompanhá-lo nos primeiros momentos pós-morte, dispersando os fluidos que poderiam ser mal utilizados por inteligências da oposição.
Afinal, você era alvo dos opositores do Cordeiro.
Tínhamos que cuidar bem de você devido ao potencial para o trabalho e também ao passado ligado a nós, de certa maneira.
— Posso perguntar alguma coisa?
— Mas você está perguntando, meu amigo, só que me adianto aos seus pensamentos apenas porque não disponho de muito tempo.
Mas pode perguntar, sim.
Sinta-se à vontade, ou melhor, nem tão à vontade assim, pois tenho compromissos urgentes em outro departamento.
— Qual... — comecei a seleccionar bem as palavras, demorando um pouco a formular a frase.
Mas parece que o espírito à minha frente era mais ágil ou não tinha tanta paciência assim.
— Joseph Gleber, à sua disposição, meu querido.
E voltando-se em direcção à saída, caminhou, detendo-se mais um pouco somente para acrescentar:
— Existe um gravador ao lado de sua cama.
Fique à vontade para formular perguntas no seu tempo e no seu ritmo.
Quando terminar, basta encaminhar uma solicitação a Jamar e eu responderei com os devidos esclarecimentos.
Estarei sempre ao seu dispor, mas não posso me deter por muito tempo.
Espero que compreenda que nosso trabalho aqui é intenso e daqui a cinco minutos tenho de realizar uma conferência em outra cidade, o que requer minha dedicação imediata.
Deus seja contigo, amigo.
E simplesmente saiu! E sumiu.
E eu ali, boquiaberto, sozinho, me sentindo um lixo espiritual... nem tanto lixo assim — tudo bem, seria um exagero —, mas quem sabe solitário ou, ainda, melindrado com a situação.
"E esse cara entra aqui assim, apressado, sem me fazer nenhuma pergunta, com esse sotaque rude que me faz lembrar sei lá o quê...
Parece um Sr. Spock do Além, cheio de parafernálias tecnológicas, quase mágicas, e nem me mandou respirar fundo, não mediu minha pressão.
Afinal, morto também deve ter pressão arterial e, tendo ou não, a minha deve estar nas alturas, neste momento."
Me senti desprezado.
Não era somente na Terra que as consultas médicas duravam tão pouco.
Parece que aqui, no tal mundo original e primitivo, as coisas também eram rápidas, muito rápidas.
"Quero protestar.
Aqui também deve existir um órgão de reclamações.
Quem esse tal Dr. Joseph Gleber pensa que é para me tratar assim?
Nem me deu chance de perguntar nada..."
— Eu lhe dei chance sim, meu irmão — ressoou uma voz em meus pensamentos, deixando-me arrepiado.
Arrepiado mesmo!
Descobri ali que espírito também arrepia de medo, de pavor.
O homem já havia saído e demonstrava saber o que eu pensava.
— Peço-lhe desculpas, amigo, mas passei apenas para uma visita rápida, uma vez que você será atendido por outro amigo de minha equipe.
Quis apenas me certificar de que não precisaria ficar internado no hospital.
Mas estou atento a você em todo momento.
— Então por que não retorna para conversarmos?...
— Sinto muito, já não me encontro na mesma cidade espiritual que você.
Estou a mais de 5 mil quilómetros daí, se assim posso dizer.
Levei as mãos à cabeça e gritei:
— Meu Deus, que horrível é conviver com gente assim!
Esse homem está falando dentro de mim, e está em outra cidade, a mais de 5 mil quilómetros!...
Não posso entender.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 12, 2014 10:46 pm

— Deixe de dramas, meu irmão!
Você não leva jeito para isso.
Tem muito o que aprender e desaprender ainda.
E muito desafio pela frente.
Ah! O tal doutor não é nada mais do que um simples servidor.
Não me chame de doutor, por favor. Fique bem!
E a voz silenciou por completo.
Comecei a apalpar minha cabeça desencarnada, como tentando identificar se havia um implante de algum microfone ali, mas não identifiquei nada.
Era somente eu, mesmo.
"Desisto, vou esperar Jamar chegar, pelo menos ele parece ter algum tempinho para mim..."
Um som de campainha se fez ouvir no quarto.
"Também, parece que por aqui ninguém dá tempo de a gente descansar!"
Atendi a porta, e era alguém ligado à recepção do chamado hotel.
— Desculpe, meu senhor, mas haverá uma reunião no salão de conferências, logo após sua primeira alimentação, que poderá ser servida aqui mesmo em seu quarto ou, se preferir, junto aos demais que chegaram da Terra, em nosso refeitório principal.
Onde prefere, senhor?
— E espírito come também?
— Por acaso não sente vontade de se alimentar? -— redarguiu o homem à minha frente.
— Talvez um pouquinho...
Sorrindo largamente ele se apresentou, desculpando-se:
— Queira me perdoar, Sr. Ângelo. Não me apresentei.
Sou Bernardo e estagio aqui há bem pouco tempo, por isso a inexperiência.
Desculpe-me a indelicadeza, senhor.
— Mas você não foi indelicado...
— Bem, senhor, notará que trouxe muita coisa de sua humanidade consigo.
E alimentar-se é algo muitíssimo natural e prazeroso em nossa cidade.
Que prefere: que sirvamos no quarto ou no refeitório?
Pensei um pouco, mas não tanto, com medo de o rapaz à minha frente ler meus pensamentos, igual ao médico apressadinho, e logo comuniquei minha decisão:
— Creio que prefiro ir ao refeitório.
Quero conhecer outras pessoas.
— Pois não, senhor, assim será feito.
Se precisar de algo mais, eu mesmo estou à disposição neste andar, com meus amigos estagiários, para servir no que for necessário.
— E em qual andar estamos?
Onde fica o refeitório?
— Estamos no trigésimo sétimo andar, senhor.
E o refeitório fica no quinquagésimo, o andar rotativo.
Temos 10 refeitórios e mais 5 de apoio, caso seja necessário.
Assim que entrar no elevador será informado como chegar lá.
Eu mesmo esperarei pelo senhor.
— Chame-me de você, meu rapaz!
— Pois não, senhor!
Quer dizer, você. Ou melhor...
— Vá, vá, meu caro! Eu entendi.
E ele se foi, deixando um ar de descontracção, embora tenha ficado sem graça.
E eu me esforcei muito para não corrigir o rapaz ali mesmo, no primeiro encontro.
Parecia boa pessoa.
Talvez eu pudesse falar com ele e sugerir que fizesse um curso de português, de comunicação e expressão...
Quem sabe por aqui também encontre escolas, universidades ou coisas do género?
Entrei no quarto e respirei fundo.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 12, 2014 10:47 pm

Quinquagésimo andar...
Bom, para um mundo de mortos vivos, até que as coisas aqui eram bem marcantes.
Quando me dirigia à janela, pois ainda não tivera oportunidade de observar a paisagem no entorno, notei que havia algo pendurado num cabide, à minha frente.

Um bilhete dizia:
"Meu pai, deixo este traje para que possa usá-lo nos próximos encontros.
Parece que está ainda com um tipo de roupa igual a que usaram para abrigar o corpo que foi enterrado.
Sei que aprecia algo mais elegante.
Use-o, se gostar.
Depois nos levarão às lojas para comprarmos trajes novos."

Assinava Maria.

Minha filha fora cuidadosa, mas como ela deixou o traje ali?
Teria sido levado pelo médico ou pelo Bernardo?
Ou se materializara diante de mim e eu não percebera?
E esse negócio de ir às lojas?
Como assim?
Naquela cidade havia lojas, comércio, o mesmo sistema de compra e venda, como na Terra?
Em todo lugar do mundo espiritual as coisas eram semelhantes a esta cidade?
Eram muitas perguntas e algumas delas não faziam sentido nem para mim.
Mas... eu teria de aprender a esperar.
Com certeza, as respostas viriam.
E eu teria de me preparar para elas.
Mas espíritos fazerem compras em lojas?
Não soava fantasioso demais?
Minha filha não estaria delirando?
Era uma espécie de transe provocado pela morte?
Preferi nem pensar, pois até meus pensamentos ainda pareciam os dos vivos incorporados, encorpados, encarnados ou sei lá o quê.
E então? Teria eu que aprender uma nova linguagem?
Haveria aqui também uma gramática diferente?
Acordos gramaticais, sentidos diferentes para as palavras?
Não, eu tinha de parar imediatamente, senão ficaria louco. Um morto vivo louco.
Preferi desligar esses pensamentos e fui trocar de roupa.
Estava longe de ser o terno mais perfeito que já vestira, mas Maria nunca foi lá tão boa assim ao escolher roupas para mim; sempre era preciso fazer ajustes.
Pelo jeito, aqui também deveriam ser feitos os devidos reajustes, mas por ora era o bastante.
Esqueci-me de olhar pela janela mais uma vez.
Virei-me e fui em direcção à porta.
O corredor do hotel era extenso, largo e iluminado.
Um tapete de extremo bom gosto cobria o pavimento, e os detalhes na decoração pelo menos fugiam à mesmice tão frequente nos hotéis em geral, mesmo os mais requintados.
Bem, eu não conhecia os piores, os medianos.
Mas ao menos ali havia, sem dúvida, um toque de arquitecto, uma estética delicada, sem exageros e luxo, de bom gosto.
Em seguida, toquei num lugar mais sensível, apenas iluminado, próximo ao elevador.
Na verdade, havia oito elevadores no corredor onde me encontrava, de modo que não esperei muito tempo.
Logo que a porta se abriu notei a presença de Maria, que me recebeu com um abraço.
— Que bom que você está bem, papai!
Havia mais de 20 pessoas no elevador... Muita gente.
"Mas, como espírito não deve pesar muito, acredito que não cairemos."
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 12, 2014 10:47 pm

— Verá como a cidade é bonita e aconchegante.
Logo após a reunião no salão de conferências, teremos a oportunidade de sair um pouco por aí.
— Pelo jeito, então, nem mesmo aqui a gente está livre de reuniões...
— É, mas aqui as coisas são um pouco diferentes da forma como ocorrem na Terra.
Verá por si mesmo.
Ainda não me acostumei, muito embora esteja meio eufórica, apesar da saudade de casa.
Notei um leve tom de melancolia nas palavras de Maria.
Entrementes, o elevador chegou ao andar sem qualquer ruído, sem nem mesmo percebermos que se movera. Será mesmo que se movera?
A porta se abriu e fomos recebidos por uma mulher que aparentava ser mais idosa, porém com uma vivacidade de dar inveja.
Nobre, sobriamente vestida, trajava um uniforme que lembrava o usado por Bernardo, que, aliás, estava mais ao longe e fez um gesto com a cabeça em minha direcção.
Uma música irritante era ouvida no ambiente.
O volume estava baixo, mas não me agradei da trilha sonora logo que a escutei.
Mas tudo bem, pois ali ninguém era perfeito.
Aliás, eram humanos demais para o meu gosto.
Podia até aparecer alguém assim, mais perfeito, mais superpoderoso, mais...
— Pai, acorde! Vamos! Vamos para a mesa.
Está na hora do desjejum.
"Essa menina me irrita!" — pensei, sabendo que ela não tinha super poderes mentais ainda... ainda!
Quase formal demais para a ocasião com meu costume, dirigi-me à mesa que apresentava uma placa com nosso nome.
E dei aquela olhada pelo salão.
Vi uma mesa de frutas e sucos e outra com petiscos; havia até mesmo frios fatiados, jamón e presunto de Parma, ao lado de queijos variados, mas não me pareceram bons como os de Minas.
— Que bom saber que há presuntos nobres por aqui!
Então encontrarei também carnes, peixes e coisas comuns assim aos mortais... mesmo que agora sejam imortais.
E sabe de uma coisa?
Sabe o que mais gostei?
— De poder comer, diga logo, meu pai! -— falou Maria, sorrindo.
— Não é nada disso.
O que mais gostei é o facto dos espíritos que até agora conheci não se assemelharem nada com santos, nem religiosos extremistas, nem serem dados a crise de santidade.
Ser humano e continuar sendo como eu era na Terra é a melhor coisa para mim...
E quando vejo tudo isso a meu redor, os alimentos todos iguaizinhos aos que conheci, vejo que poderei ter o mesmo tipo de gosto e as preferências, o mesmo estilo de vida, sem precisar forçar para ser santo ou anjo.
Ah! Como detesto anjos.
Já lhe falei sobre isso?
— Sim, Seu Ângelo!
Já me falou diversas vezes, mas ainda quando estávamos na Terra.
Agora, veja se alimenta esse seu corpinho de espírito. Vá se servir, vá...
Surpreendi-me com o sabor dos alimentos.
Os sucos, então, sabiam muito mais intensos ao paladar do que aqueles que experimentei quando no corpo físico.
Indescritíveis eram os sabores.
Ai, como eu queria experimentar meu vinho do Porto.
Só para saber se era tão bom quanto... só para conferir!
Após o primeiro desjejum de desencarnado, sentia-me bem mais refeito.
Foi quando a recepcionista do hotel pediu-nos, os recém-vindos da Terra, que nos reuníssemos no salão de conferências.
Desta vez fui sem Maria, pois ela já havia passado pelo procedimento.
Alguns esclarecimentos deveriam ser feitos, a fim de que soubéssemos sobre a cidade dos espíritos, a maneira de nos portarmos e, também, as condições sob as quais poderíamos ser admitidos como moradores do local.
Para lá nos dirigimos, um grupo aproximadamente de 140 espíritos.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 12, 2014 10:47 pm

Era um anfiteatro que acomodava confortavelmente mais de 300 pessoas, embora naquele momento estivéssemos em menor número.
À nossa frente, um palco com todos os recursos de iluminação comuns a um teatro moderno, além de aparelhos que irradiavam imagens tridimensionais, como numa projecção holográfica.
Definitivamente, não era uma tecnologia trivial, nem mesmo para os países desenvolvidos da época.
Observava tudo nos mínimos detalhes.
Dayane, a mesma senhorita elegante que nos recepcionara ao chegarmos ao hotel, foi quem primeiro subiu ao palco para dar as boas-vindas oficiais ao grupo de seres recém-chegados da experiência física.
— Quero dar as boas-vindas a todos vocês, que chegam à nossa cidade, e dizer que todos estamos aqui como estagiários a serviço da comunidade de espíritos.
Por certo não ignoram que não mais pertencem ao chamado mundo dos vivos.
De uma ou outra maneira, sabem que a morte visitou cada um, rompendo definitivamente os laços que os ligavam ao antigo corpo.
Chegaram hoje à nossa cidade; dependerá de vocês se continuarão connosco ou partirão para outras estâncias, outras cidades ou mesmo postos de apoio nesta ou em outras dimensões, mais próximas à Crosta.
Quero lhes apresentar alguém que dará as informações necessárias para entrarem em contacto com o quotidiano de nossa metrópole espiritual.
Apontando a mão direita em determinada direcção, percebemos um emissário de aspecto africano, um homem negro, sorridente, vestido em trajes típicos de algumas nações daquele continente.
Dayane fez um gesto com a cabeça, reverenciando o homem que assumiu seu lugar, saindo por outro lado, naturalmente para se dedicar às atribuições comuns à vida de espírito desencarnado, vocábulo com o qual eu haveria de me acostumar, quem sabe.
— Pois bem, meus amigos!
Sou conhecido como Nassor, o seu servidor, e venho apenas esclarecer.
Não sou nenhum espírito iluminado, superior ou habitante de regiões sublimes; somente um companheiro que chegou aqui muito antes de vocês.
Também estou aprendendo a viver na Amanda, em harmonia com a natureza espiritual deste lugar.
Como disse nossa amiga Dayane, sejam todos muito bem-vindos à nossa metrópole, à nossa querida Amanda.
Alguns que aqui se encontram tiveram uma formação cultural espiritualista, outros talvez nunca, durante a vida terrena, estabeleceram contacto directo com alguma religião; outros, ainda, talvez nem entendam por que estão aqui.
"De qualquer forma, é bom começarmos a esclarecer que nossa metrópole não é a única em nossa dimensão; existem diversas outras cidades, redutos, comunidades de espíritos, colónias ou como queiram denominar a comunhão de seres com objectivos semelhantes, os quais se reúnem em colectividades como a nossa.
Cada uma das cidades espirituais têm objectivos bem claros e definidos, por isso a característica predominante e o tipo espiritual que nelas habita divergem bastante.
Em nosso caso, aqui, na Amanda, temos uma especialidade.
Recebemos aqueles que têm gosto e potencial para estudar e ajudar a humanidade, cuja mentalidade já tenha se elevado sobre as preferências e os debates, as disputas e os apadrinhamentos denominacionais, religiosos ou de cunho nacionalista.
Ou seja, aqueles espíritos que, em suas vidas e reencarnações, aprenderam, de alguma maneira, a viver em comunidade, numa comunidade universal, sem fronteiras, sem barreiras, e não alimentam a necessidade de brigar por pontos de vista, tampouco intentam impor sua óptica sobre as demais, ignorando as verdades alheias.
Nesse sentido, não somos uma comunidade de seres evoluídos, no sentido literal do termo.
Somos humanos a serviço da humanidade; somente isso.
Mas humanos cujas mentes estão, em alguma medida, mais abertas à procura da verdade no universo.
Estamos conscientes de que não temos aqui verdades absolutas, inamovíveis ou inquestionáveis.
"A fim de que o espírito seja admitido aqui, obrigatoriamente terá sido avalizado pela confiança de alguém ou apontado como tendo forte potencial para ser um servidor da humanidade.
Durante dois anos, cada um de vocês terá acesso a todas as dependências de nossa comunidade.
Serão avaliados segundo os mesmos critérios usados com todos nós.
Entretanto, somente permanecem como habitantes da Amanda aqueles espíritos que observam três normas ou aspectos principais, a fim de serem admitidos em carácter permanente.
"A primeira delas é que se matriculem em nossas universidades e se dediquem ao aprimorando contínuo, estudando sempre.
Sem estudar, sem se aprimorar, não há como o espírito permanecer aqui connosco, devido à vocação ou especialidade da nossa Amanda.
Evidentemente, não ficam desamparados aqueles que não se adaptam ou não se sentem à vontade com uma das exigências de nossa comunidade.
Temos vasta relação de cidades espirituais cujos métodos diferem dos nossos e podem muito bem abrigar qualquer um daqueles que não se sentirem à vontade em nosso meio."
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 12, 2014 10:47 pm

Enquanto Nassor falava, mostravam-se em projecção holográfica as universidades e escolas da metrópole.
Imenso parque escolar, como eu jamais vira.
Espíritos indo e vindo em diversas direcções e veículos que desciam e subiam na atmosfera, transportando pessoas para aquilo que nos parecia ser um diversificado conjunto educacional.
Nassor apontava para a projecção enquanto se dirigia à plateia.
É lógico que adorei tanto a forma como falava quanto a possibilidade de estudar, de dar continuidade a muitos projectos e, quem sabe, aprender muito sobre a vida espiritual e as implicações de ser, dali em diante, um espírito.
Temos, aqui na Aruanda, três universidades.
Cada uma delas abrange muitos departamentos espalhados por toda a comunidade, a fim de que seja oferecida oportunidade tanto aos espíritos que aqui habitam quanto àqueles que nos visitam apenas para ensinar e aprender.
Todos os estudos desenvolvidos no planeta podem ter sequência aqui, nos vários departamentos dessas universidades, sendo possível escolher entre ramos diversos, tais como: ciências do espírito, estudo informativo e comparado das religiões e sua influência no psiquismo e na cultura dos povos, conhecimento da vida no universo e a evolução entre mundos, no âmbito dos planetas.
Aquele que se interessar pode estudar sobre as inúmeras possibilidades da reencarnação e especializar-se, a fim de desenvolver futuros trabalhos e projectos em sua próxima vida, começando desde já a estagiar, nos diversos sectores da metrópole, na mesma profissão que desempenhará quando voltar à Terra, em novo corpo.
Para aqueles que preferem aspectos ligados à saúde, temos amplos laboratórios que oferecem especialização tanto na medicina convencional, quanto na naturalista e na homeopática, entre outros segmentos, que poderão ser escolhidos conforme a área de interesse individual.
Ainda há cursos ligados à natureza, às ervas, à fitoterapia e à botânica, assim como os que se dedicam a questões psíquicas, como mediunidade, paranormalidade, magnetismo, psicobioenergética.
Essas são algumas entre tantas possibilidades oferecidas por nossas escolas, que, para atender ao número de habitantes permanentes e aos alunos itinerantes, funcionam 24 horas por dia.
Aliás, todos os serviços de nossa Amanda, devido à grande demanda e à diversidade imensa de seres e culturas, funcionam dia e noite, em tempo integral.
As cenas se sucediam à medida que Nassor discursava, e muitos pareciam encantados com a ideia de viver numa comunidade desse porte e com tais características.
Após ligeira pausa para que pudéssemos absorver melhor e observar o as imagens dinâmicas que eram exibidas, o espírito continuou:
— A segunda condição para que qualquer espírito continue vivendo connosco no período entre vidas é que ele contribua com a comunidade por meio do trabalho.
Não usamos moeda de troca para conceder benefícios que qualquer espírito possa usufruir em nosso meio.
Isto é, aqui não adoptamos o sistema praticado, por exemplo, em colónias ou cidades como Nosso Lar, Vitória Régia ou Halo de Luz, as quais utilizam o chamado bônus-hora.2
Na Amanda, é preciso que todo espírito trabalhe pela comunidade em alguma actividade. Porém, não impomos como regra que deva trabalhar 8 horas ininterruptas, ou qualquer outro número de horas.
Como todas as nossas actividades transcorrem 24 horas por dia, o espírito pode chegar ao seu ambiente de trabalho à hora que lhe for mais conveniente ou favorável, segundo o perfil individual, observando a necessidade de conciliar o tempo com os estudos e o lazer.
Assim, poderá trabalhar 1 hora, 10 horas ou dosar sua dedicação conforme o grau de responsabilidade assumido na tarefa abraçada.
O próprio espírito pode determinar o tempo que empregará no trabalho.
Mas, durante o período estipulado, ele deve estar 100% disponível para desempenhar a tarefa que lhe cabe e é intransferível.
"Se pudéssemos classificar nossa metodologia, de maneira a facilitar o entendimento, nos aventuraríamos a dizer que somos uma comunidade baseada em um ecumenismo respeitoso e um método de convivência similar ao que talvez denominássemos socialismo cristão.
Claro, espero que me compreendam que são apenas termos de referência, mais a título de comparação; nossa metodologia nada tem a ver com correntes políticas defendidas na Terra."
Nassor respirou fundo, pois com certeza sabia que nem todos ali lhe compreenderiam a forma de expor ou o significado das palavras.
Ele prosseguiu, sem esperar nossa aprovação:
— Por último, a terceira exigência para que qualquer espírito continue habitando entre nós, na Aruanda, durante a vida na erraticidade, é o convívio pacífico com a natureza, respeitando o ambiente onde vive e trabalhando para que tudo e todos continuem usufruindo de todas as possibilidades que nossa metrópole oferece, com o máximo de qualidade.
À medida que falava, as imagens mostravam a vida urbana da cidade, as pessoas indo e vindo e a natureza exuberante:
árvores, parques, bosques e campos em meio a uma arquitectura cuidadosamente planeada em cada detalhe, de modo que as construções formassem uma só composição com a natureza.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 12, 2014 10:48 pm

— Temos à disposição dos cidadãos, operando em horário integral, exactos 128 teatros ou casas de espectáculo, que exibem uma programação artística bastante diversificada, dando mostras da pluralidade de culturas aqui representadas.
Tais espaços oferecem uma variada e rica oferta cultural, revelando talentos de nossa cidade tanto quanto de outras mais, cujos artistas vêm apresentar repertórios de alta qualidade para todos os gostos.
"Há música típica dos estilos conhecidos na Terra, visando atender diversos gostos e afinidades, que vão desde rock, blues e jazz até os ritmos brasileiros, como samba de raiz, bossa nova, maracatu, baião e frevo, passando pela música latina mambo, guajira, rumba, tango etc., isso para ficar apenas no continente americano.
Há ainda muitas outras tradições, acompanhadas de espectáculos típicos de dança, como flamenco, os diversos ritmos africanos, sem falar na música oriental, indiana...
Todos têm livre acesso a essa ampla oferta artística e cultural, desde que estejam inseridos no contexto da vida em comunidade e de acordo com a política vigente aqui, conforme apresentei a vocês.
"Além de tudo isso que falei, antes de liberá-los é preciso esclarecer sobre o método de direcção ou a coordenação da nossa Aruanda."
E as imagens foram então direccionadas a um imponente pavilhão, à primeira vista situado na periferia da cidade, que não devia em nada em beleza e elegância às regiões que pareciam centrais na projecção holográfica.
— Nosso governo é formado por um colegiado, com representantes de diversos povos e culturas, que aqui convivem pacificamente.
Como poderão observar mais tarde, se ainda não o fizeram, a maioria dos habitantes da Aruanda é composta por espíritos procedentes de etnias africanas ou daquelas derivadas ou influenciadas pela cultura negra ou afro.
O colegiado reflecte essa realidade, mas é composto tanto de seres advindos de culturas africanas, como antigos pais-velhos, quanto de chefes indígenas, monges budistas e alguns mestres do antigo Oriente.
Dando uma pausa, Nassor fez com que a projecção parasse e nos surpreendeu, apresentando-nos seres que não fazíamos ideia estivessem ali ou fossem também nos receber no nosso primeiro encontro na metrópole espiritual.
— Quero apresentar-lhes alguns espíritos representantes do nosso conselho, que vêm lhes dar as boas-vindas.
Fiquei surpreso.
Em que lugar do universo os próprios dirigentes de uma cidade como esta, deste porte, viriam pessoalmente receber novos candidatos a habitantes do local?
Eu nem sabia como avaliar uma atitude assim tão delicada quanto inusitada.
Mas a minha maior surpresa, e creio que da maioria de nós ali presentes, foi perceber a singularidade da aproximação desses seres que compunham o colegiado.
Quando vieram, quase levitando, inicialmente se mostraram a nós na forma espiritual que tiveram em suas culturas, muitos com feição oriental ou de antigos sacerdotes de culturas e civilizações que, decerto, haviam se perdido na noite dos tempos.
Outros vestiam-se de maneira mais exótica ou chamativa, mas igualmente representavam seus povos ou culturas originais.
Entretanto, à medida que se aproximavam de nós, assumiam a aparência de pais-velhos, pais-velhos, caboclos e, ainda, houve dois que tomaram forma de criança, além de outros espíritos que vi, também se transformando diante de nós, que adquiriam o aspecto e os trajes típicos de monges tibetanos.
A presença do colegiado ali nos recepcionando marcou profundamente nossos espíritos.
Arrancou da boca de todos um "Ohhh!" de admiração, espanto e até euforia, devido à forma como se revelavam a nossos olhos de espíritos recém-chegados.
Eu não sabia o que dizer.
Todos se colocaram de pé quase ao mesmo tempo, ante os seres à nossa frente.
No meio deles reconheci o homem que encontrei antes; depois da transformação, voltou a se apresentar como o ancião que me recebera junto a Jamar.
Era o senhor que conheci com o nome de João que estava entre os demais do colegiado...
No entanto, ao contrário do que era de esperar, que algum deles fizesse um pronunciamento à plateia, eles outra vez nos surpreenderam.
Desceram do palco e se dirigiram a cada um de nós, abraçando-nos e dando as boas-vindas individualmente, deixando-nos ainda mais boquiabertos com a atitude inusitada, sobretudo porque vinha de dirigentes de uma cidade espiritual.
Era um gesto diametralmente oposto à atitude dos políticos da Terra, de qualquer cidade ou nação terrena; não havia comparação.
Ali mesmo, entre seres com aparência de crianças, índios, negros africanos, mestres orientais e representantes de outras culturas, a reunião transformou-se numa espécie de confraternização.
Ainda no palco, observando sorridente, encostado numa pilastra, o homem de aspecto africano que nos falara no início, Nassor, parecia se divertir com nossa estupefacção, rindo gostosamente da situação.
Todos envolveram pouco a pouco os representantes do colegiado, que nos receberam de maneira tão incomum, mas nos deixaram completamente à vontade.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Nov 13, 2014 10:33 pm

Por fim, eles permaneceram no meio da turma de recém-vindos da Crosta, enquanto alguns de nós se atreveram a formular perguntas sobre aquela cidade, que mais parecia feita de estrelas, as quais foram respondidas com grande solicitude e generosidade.
João me fitava, como a esperar algum questionamento.
Sorriu para mim, um largo sorriso emoldurado pela barba branca cuidadosamente talhada e os cabelos também brancos, aparados de maneira exemplar.
O terno que vestia parecia ser feito do mais puro linho, alvíssimo, o que realçava a sua cor negra de maneira tão bela, tornando a composição muito harmoniosa.
Fomos nos aproximando um do outro, e naquele momento entendi que ele era alguém especial naquela comunidade, e que estaríamos de alguma maneira ligados por laços que, embora invisíveis, já poderiam ser percebidos naquele encontro, que marcou profundamente meu ser.
Não saberia dizer por quê, naquela ocasião, mas sinceramente eu soube que havia sido conquistado por aquele espírito.
Meu ser dizia isso, embora não pudesse explicar, não tivesse palavras.
E assim mesmo, sem palavras, João foi saindo do meio do grupo de espíritos, sem pronunciar nenhuma frase.
Naquele momento mágico, senti seu magnetismo vigoroso e fui atraído pela força do seu olhar, olhos negros, grandes, e pelo sorriso estampado em seu rosto.
Segui-o, por ora abstendo-me de qualquer pergunta.
Apenas o segui, ávido por novos aprendizados, sedento de sabedoria, mas não mais a sabedoria das universidades, dos homens da Terra; poderia ser apenas a sabedoria daquele preto-velho.
Meu coração, ah!...
Como ele parecia arrebentar de emoção, batendo forte, como se tambores houvesse dentro dele, tocando, rufando, fazendo o barulho característico dos filhos da África ou como o toque cadenciado dos tambores de Angola.
O coração apenas acelerava, e pude me sentir muito mais vivo do que vivo estava antes, enquanto João me conduzia, sem palavras e sem perguntas, para ver, para conhecer a Aruanda, a morada dos espíritos.

2 A célebre e pioneira descrição da realidade extra física que toma por base a colónia Nosso Lar, em livro homónimo, apresenta a moeda usada ali (cf. "Bónus-hora". XAVIER, Francisco Cândido. Pelo espírito André Luíz. Nosso lar. 3ª ed. esp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. p. 131-136. A vida no mundo espiritual, v. 1. (ed. inaugural de 1944).
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Nov 13, 2014 10:33 pm

CAPÍTULO 3 - Levantando o véu

MESMO ANTES DE sairmos pelas ruas da Amanda e enquanto os demais espíritos permaneceram no salão conversando com os dirigentes da cidade, João e eu nos retiramos devagar, como se estivéssemos passeando, ainda dentro do hotel que nos acolhera.
Foi somente então que observei mais detidamente os pormenores da decoração.
Lustres deslumbrantes pendiam do teto; arranjos florais de incrível bom gosto e harmonia coloriam o local.
No entanto, foram as obras de arte que mais me chamaram a atenção.
Belíssimos quadros pelas paredes, assinados por artistas renomados, emprestavam charme e singularidade ao ambiente.
Um dos quadros em particular me marcou profundamente.
Era assinado por Debret, Jean-Baptiste Debret.3
A tela retratava cenas da colonização do Brasil, embora nunca a tivesse visto em nenhum museu da Terra.
No Rio de Janeiro e em outras cidades importantes havia visitado museus com alguma frequência, porém esta tela diferia das demais que eu vira, do mesmo autor, as quais fizera quando encarnado.
Pois aquela apresentava cores tão marcantes, e os personagens ali retratados pareciam tão vivos que me dava a impressão de que a qualquer momento saltariam da tela, movimentando-se.
O céu tinha aspecto igualmente vivo; ao olhar atento, suas nuvens deslizavam lentamente, mas deslizavam.
Seria ilusão de óptica?
Enquanto eu estava ali parado admirando a pintura que me prendera a atenção, João tocou-me levemente o ombro, como a chamar-me de volta à realidade, e pronunciou algumas poucas palavras:
— Esta tela, Debret a pintou enquanto encarnado, nos momentos de desdobramento, em que visitava nossa cidade, recém-fundada, à época.
Você terá a oportunidade de conhecer alguns museus e apreciar de perto a obra de diversos artistas — as originais, como esta.
Sem entender muito bem as palavras do ancião, continuei seguindo-o pelo hall do hotel.
Foi aí que me dei conta de que poderia lhe perguntar algo que estava de certa forma incomodando minha dilecta curiosidade:
— Não entendo como numa cidade de espíritos exista até mesmo hotel.
E também estes funcionários...
Como entender a existência de funcionários em um local como este, se aqui, pelo que nos foi explicado, não há moeda, dinheiro ou outra forma de pagamento?
— Nossa cidade, meu filho — iniciou João, respondendo-me com a boa vontade que eu descobriria ser-lhe característica, ao passo que nos sentávamos em poltronas confortáveis, olhando o movimento da rua —, é uma cidade que actualmente abriga 10 milhões de espíritos de forma permanente, ou seja, durante seu período na erraticidade, antes de mergulharem na carne novamente.
Mas recebemos também uma população itinerante de aproximadamente 5 milhões de seres, diariamente, advindos de outras cidades da imensidão, com as quais mantemos intercâmbio.
Essa população itinerante vem visitar museus, parques, centros de treinamento, mas principalmente as escolas ligadas às nossas universidades, as quais funcionam em tempo integral, conforme foi explicado, como toda a vida urbana da nossa Aruanda.
Os hotéis foram criados há séculos para receber essa população, mas também aqueles que chegam da experiência reencarnatória, como você, no período de adaptação ao novo mundo que encontram aqui.
Pausando um pouco e dando relativa atenção a alguns espíritos que passavam próximos de nós e olhavam para ele, João prosseguiu, sem se apressar:
— Mas os tais funcionários que você vê neste ambiente não são funcionários no sentido que se dá ao termo na Terra.
Na verdade, são estagiários, alunos que estudam em nossa universidade visando à reencarnação futura.
Aqui desenvolvem habilidades interpessoais, pois, ao reencarnar, lidarão com o público na área de actuação que elegeram.
Afinal, lá na Crosta, existem inúmeras oportunidades de trabalho profissional em que é requerida a habilidade com pessoas, com seres humanos.
Esse estágio em algumas instituições do lado de cá ajuda a despertar aptidões adormecidas ou a desenvolvê-las para, mais tarde, esses espíritos exercitarem funções como essas.
Muitos aqui estudam matérias ligadas à hotelaria e se preparam para funções que desempenharão; trata-se de treinamento constante na área escolhida conforme a preferência pessoal.
Quando for a hora de trabalhar, na nova experiência reencarnatória, já terão impresso na memória espiritual o que aprenderam aqui.
Lá embaixo apenas praticarão e aprimorarão o conhecimento adquirido.
— Então não são mesmo funcionários, mas estagiários, como me falou um dos espíritos que me auxiliou...
— Exactamente.
Sob esse aspecto, aqui somos todos estagiários, aprendizes.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Nov 13, 2014 10:33 pm

Isso ocorre em todo o ambiente da metrópole.
Há lugar para desenvolver as mais variadas habilidades que têm probabilidade de eclodir nas futuras reencarnações.
Aqueles que trabalham em nossas lojas de roupa, por exemplo, o fazem por pura afinidade, seja aperfeiçoando a forma de atender o público, seja aprendendo alguma faceta do ofício da moda, desde a produção — desenho, modelagem, estilismo — até o negócio, mesmo — gestão, administração, atendimento, entre tantos outros aspectos.
Todos na Amanda estão em processo de experimentação, pois na universidade escolheram cursos e especialidades de acordo com seus gostos.
Enfim, trabalham aqui para se preparar para as futuras experiências no corpo físico.
— Mas você falou em lojas.
Existe comércio por aqui também?
Insisto: não falaram que não existe moeda ou qualquer sistema de troca?
— Creio que você precisa visitar urgentemente o bairro onde se localizam as lojas de roupa.
Assim terá uma ideia melhor.
Vamos, meu filho!
Eu o acompanho — falou João, meu instrutor, ao levantar-se.
Antes de cruzarmos a porta, dois espíritos reverenciaram o ancião, e um deles o interpelou:
— Já vai, Pai João?
Nos sentimos muito honrados com sua presença aqui.
— Breve retornarei, meus filhos.
Vim receber este nosso amigo que retorna da Terra.
Mas breve voltarei para falar com vocês.
Fiquei meio sem entender a forma como se dirigiram ao meu amigo João.
E não hesitei em perguntar:
— Por que ele o chamou de Pai João?
E a forma como normalmente se tratam por aqui?
— Nada disso, Ângelo.
Pode me chamar como quiser; fique à vontade, filho.
Cada um deve se sentir livre para comportar-se ou falar como melhor lhe convém...
— E não tocou mais no assunto.
Saímos. Na rua à frente do edifício havia intensa movimentação.
Grande número de jovens conversava e caminhava pelas calçadas muito largas, e nenhum carro na rua, embora houvesse demarcação para veículos que, no mínimo, eram daquele tipo voador no qual fui transportado.
De um e outro lado da rua, cafetarias muito semelhantes a algumas europeias.
Não consegui apreender de imediato a finalidade e especialidade de alguns tipos de loja.
Notei um edifício de arquitectura requintada, que denotava forte influência da cultura árabe, entre tantos outros prédios onde espíritos entravam e saíam.
Em meio a tudo isso, trepadeiras pendiam dos prédios de maneira que jamais vira, enquanto árvores frondosas erguiam-se de ambos os lados da rua.
Frequentemente, os ramos e galhos se entrelaçavam no alto, iluminados por um sol que mais parecia de inverno, não muito quente, projectando uma claridade nada excessiva e resultando numa temperatura ambiente extremamente agradável, eu diria balanceada, sem excesso de calor e sem o incómodo do frio intenso.
Vi animais: cachorros, gatos, pássaros e outros que, na Terra, decididamente não vi nem em zoológicos.
Todos passeavam guiados por algum espírito.
"Se isso não é o paraíso, é algo muito próximo", pensei.
A população que se via nas ruas era extremamente heterogénea.
Havia africanos ou ao menos espíritos de pele negra, além de outros com traços fisionómicos indígenas.
Os dois grupos reuniam belos exemplares dos dois povos, de etnias variadas, e eram maioria.
Certos índios lembravam os peles-vermelhas do continente norte-americano; outros eram tipicamente brasileiros.
Aqueles não envergavam indumentárias típicas com plumas e peles de animal, mas ambos se apresentavam muito bem vestidos.
Os trajes remetiam de alguma maneira à origem de cada um e exibiam notável elegância — aliás, como tudo na Aruanda, ao menos até onde conhecera.
Vi jovens e adultos vestidos como monges, ainda que para mim mais se assemelhassem a adeptos do movimento Hare Krishna.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Nov 13, 2014 10:33 pm

Um grupo desses espíritos passava ao longe na mesma avenida por onde agora transitávamos, um grupo de mais de 50 deles, cantando músicas de forma alegre e contagiante.
O espírito Pai João não falava nada, apenas dirigia-se para o bairro das lojas ou do comércio, como eu denominara o local.
Quanto a mim, limitava-me a apreciar a população de seres exóticos, tão diferentes entre si, porém usufruindo de uma convivência pacífica.
Avistei um grupo uniformizado, que mais parecia de soldados.
Altos, imponentes, como se rumassem a uma parada militar, porém sem portar armas.
Na cabeça, um quepe de estilo antigo, mais precisamente um bibico, que trazia alguma insígnia como decoração.
Passaram por nós e menearam a cabeça para João.
Desta vez não aguentei e perguntei:
— Por aqui também há soldados, policiamento?
— Claro que sim, Ângelo.
Lembre que aqui é o mundo original, primitivo.4
Lá embaixo é cópia.
Estes que você observa são os guardiões superiores.
Temos poucos deles aqui na Aruanda; apenas um contingente pequeno, que vem dar aulas a aspirantes a guardiões, na universidade.
A tarefa dos aspirantes se restringe a uma área específica... com o tempo ficará sabendo os detalhes.
Mas temos diversos contingentes de guardiões.
Entre outros, há aqueles que chamamos de sentinelas, e há também as guardiãs, uma espécie de polícia
feminina especializada nos entrechoques vibratórios que envolvem emoções e sentimentos mais densos.
Depois o levarei até o quartel dos guardiões e poderá ver de perto a diversidade de categorias existentes e a especialidade de cada uma delas.
Enquanto prestava atenção na explicação de Pai João mentalmente acabei me acostumando a chamá-lo assim —, interessei-me pela população de jovens espíritos que se reunia no que me pareceu ser um pub bastante movimentado.
Mais uma vez minha curiosidade foi aguçada... e Pai João não esperou que a manifestasse verbalmente.
Está assustado, meu caro? Por aqui a vida social é movimentadíssima.
Não passamos nosso tempo rezando, recitando ladainhas ou cultivando o fanatismo religioso situacionista, querendo ir ao umbral o tempo todo resgatar almas sofredoras.
A Amanda reúne os espíritos afins com a proposta da justiça divina.
Temos uma vida social muito mais intensa, interessante e envolvente do que muitas cidades e metrópoles da Terra.
Os pubs e bares são locais frequentadíssimos.
Neles se reúne tanto a população itinerante quanto muitos dos habitantes da metrópole.
Conversam sobre temas os mais variados, desde as manifestações artísticas e culturais até os projectos reencarnatórios e familiares, planejando seu regresso à Terra.
Neste pub, especialmente, é hora de encontro dos jovens alunos de ciências.
Discutem inventos e descobertas, e o debate é acalorado.
Este pub é mais frequentado por estudantes dedicados às descobertas e invenções tecnológicas.
Se entrar lá, com certeza ficará electrizado com as discussões.
Servem-se bebidas cujos sabores e aromas lembram muito de perto os da Terra.
E olhe que temos até a velha cerveja, conhecida sua, e o vinho da mais pura procedência.
— E os espíritos daqui bebem também, como os humanos reencarnados?
— Somos humanos também, Ângelo!
Tanto quanto os que habitam a Crosta.
A diferença é que nossas bebidas não têm teor alcoólico.
Mas afirmo que o sabor é maravilhoso, e as bebidas, cotadíssimas entre os cidadãos, embora toda a experiência esteja cercada de profundo senso de limite, mesmo não havendo graduação alcoólica.
Entre elas, há algumas desconhecidas dos homens, mas bastante apreciadas aqui.
Como não há compra e venda, todas são servidas pelos espíritos que estagiam nesses lugares a quem queira experimentar, porém uma cota racionada para cada espírito; nada de abusos por aqui.
— Então há racionamento, controle, uma espécie de controlo de quantidade? - perguntei sorrindo.
— Não há controle no sentido tradicional, que requer fiscalização, mas sim um sistema ou método de regulação que foi adoptado pelos fundadores de nossa cidade e que funciona naturalmente.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Nov 13, 2014 10:33 pm

O princípio é o seguinte: tudo o que for de uso comum da população não pode estar sujeito a consumo em excesso, até porque, se há excesso de um lado, provavelmente haverá escassez de outro.
Assim, como tudo na Aruanda é formado a partir dos fluidos da atmosfera, dos fluidos dispersos no espaço, caso alguém queira utilizar uma cota maior do que seu corpo energético tenha necessidade ou capacidade de processar adequadamente, aquele mecanismo entra em acção.
No caso da bebida, por exemplo, na hipótese de consumo excessivo, o copo e o líquido na mão do indivíduo se diluem na atmosfera de modo natural, como que se desmaterializando em suas próprias mãos.
De modo que não há desperdício nem excesso por aqui.
E isso vale rigorosamente para tudo: alimentação, vestuário e os demais recursos.
Todo excesso, por mínimo que seja, é reintegrado ao manancial da natureza na forma de fluido, no momento de sua concretização.
Isso contribui para que cada habitante, cada pessoa aqui possa respeitar os próprios limites.
Para nós, esse sistema serve como factor reeducativo importantíssimo; afinal, todos cometemos excessos e precisamos desse mecanismo para usufruir das bênçãos que a vida oferece, com moderação.
— Então a bebida aqui não teria a mesma finalidade das bebidas alcoólicas da Terra, ou seja, talvez alegrar, despertar o paladar para novas sensações, ainda que, em alguns casos, criando dependência.
— Nem sei se essa é uma característica das bebidas na Crosta ou se os homens, com os excessos que lhes são peculiares, fizeram do prazer de beber isso que se vê hoje em dia lá no mundo dos chamados vivos.
Seja como for, aqui o objectivo é experimentar sabores novos, ricos, que despeitem o prazer sensorial no que ele tem de melhor, assim como a satisfação em conviver e socializar-se.
O consumo na medida certa também faz com que cada um aprenda que não é o uso da bebida que faz mal, mas o excesso, o que extrapola o equilíbrio.
De todo modo, como eu disse, nossas bebidas não contêm teor alcoólico, ou seja, não temos espíritos bêbados por aqui — falou Pai João, sorrindo.
Nem alimentamos o vício de nenhum espírito.
Você ouviu no hotel as condições para se viver aqui.
Não recebemos em nossa cidade espíritos com esse tipo de comportamento; aí está uma regra universal na Aruanda.
— É... Também não vi ninguém fumando por aqui — comentei.
— Em hipótese alguma é permitido o uso do cigarro em nossa cidade, Ângelo.
Já tivemos inúmeros problemas no passado e fizemos uma espécie de plebiscito há mais de 150 anos, ocasião em que conseguimos abolir o consumo do tabaco sob qualquer forma.
Espíritos que ainda cultivam esse hábito são encaminhados a outras cidades do espaço, onde são admitidos temporariamente, até se livrarem dele.
Quando estiverem livres podem até ser admitidos na Aruanda.
"Mas voltando aos nossos costumes aqui, você precisa conhecer os hábitos nocturnos de nossa população. Precisa vir aqui à noite!"
Olhando para mim, para ver a minha reacção, continuou:
— Aqui temos também a noite.
E como são lindas as noites da Amanda...
Como a Lua aqui é muito mais brilhante, parece muito maior e mais vívida do que vista do mundo dos encarnados.
A vida nocturna é muitíssimo mais fervilhante.
As trocas de experiência, os encontros de namorados, futuros parceiros na jornada reencarnatória — tudo isso encanta na Amanda.
Espere até conhecer os lugares especialmente destinados ao encontro de diferentes culturas, ao intercâmbio de ideias e experiências que ali se dá, entre espíritos de etnias e procedências distintas.
É algo que encanta, envolve, apaixona.
Não tem ideia de quanto são concorridos esses momentos por aqui.
A noite, aqueles que gostam podem, ainda, ir a festas, ouvir boa música ou a música que lhes apetece.
Dançar, cantar, expressar sua veia artística ou simplesmente participar das celebrações em meio a espíritos ou pessoas, como queira dizer, nesses lugares que de alguma forma lembram as danceterias do plano físico, embora dotados de uma tecnologia que você nem imagina.
Antes que Pai João prosseguisse contando as novidades da Amanda, chegamos ao local para onde nos dirigíamos.
Ruas largas, espaços naturais e amplos jardins entre as lojas ou, melhor, lojas em meio a praças ou jardins, com cafés movimentadíssimos, frequentados por gente bonita dos mais variados estilos.
Seres trajados de modo às vezes inusitado, charmoso ou apenas diferente do que me era habitual.
Graças a Deus não vi espíritos vestindo mantos brancos e esvoaçantes!
Antes de adentrarmos alguma das lojas, Pai João deu algumas explicações:
— Aqui funciona assim, Ângelo: nem todo espírito tem a capacidade mental de elaborar sua vestimenta simplesmente a partir da força do pensamento; muito pelo contrário, isso ocorre apenas com a minoria.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122535
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro Empty Re: Cidade dos Espíritos - Ângelo Inácio / Robson Pinheiro

Mensagem  Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 1 de 5 1, 2, 3, 4, 5  Seguinte

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos