LUZ ESPÍRITA
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O PRÓXIMO MINUTO/Ângelo Inácio - Robson Pinheiro

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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 03, 2018 12:08 pm

Recomeçar na mesma vida ou em outra, como você disse pra mim...
Agora ouvia Nestor quase distante, como se este gritasse e seu grito fosse sentido e percebido em meio a uma névoa ou bruma que separasse as dimensões.
- Então se dê essa oportunidade, meu amigo!
Escute o coração e deixe as barreiras de lado.
Permita-se voltar.
Queira ardentemente voltar, ser feliz o quanto puder... - a voz de Nestor parecia ser mais pressentida do que ouvida, propriamente, embora, mesmo assim, gravada na alma, na memória espiritual de Hugo, de modo indelével.
E uma vez mais ele sentiu o choque, como se estivesse recebendo uma descarga eléctrica.
0 coração começou a bater acelerado.
Ouvia vozes, não mais a voz de Nestor, mas vozes de um mundo que conhecia muito bem.
Além de tudo, sentia-se mais materializado.
Hugo vencera as barreiras da própria alma.
Precisou morrer a fim de despertar para o valor de seus sentimentos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 03, 2018 12:08 pm

Os ACONTECIMENTOS pareciam quase simultâneos.
Primeiro foi Paloma, que se revelara e se descobrira, enfrentando traumas e estabelecendo metas para alcançar a felicidade.
Em seguida, Ronie, que não dava mostras de haver se renovado, mesmo diante do choque causado pelo evento que sua mente classificou como a morte.
Mais tarde, Hugo, que, arrependido pelo estilo de vida que levava, conseguiu superar os limites, enfrentando seus hábitos nocivos e suas atitudes, as quais reconheceu como impróprias.
Não se resolveu; aliás, nenhum dos nossos amigos se resolveu ou se transformou em santo, anjo ou pessoa espiritualizada.
Muito longe disso!
Se conseguissem ser apenas humanos, isso já seria bom demais para seu projecto de vida espiritual.
Aqueles que, até então, resolveram enfrentar os conflitos íntimos, mais profundos, alcançaram uma vitória extraordinária.
Os que relutavam ou acreditavam não deter forças para tanto, apenas adiavam indefinidamente o encontro, se não com a felicidade, ao menos com um estado interior mais satisfatório e de maior contentamento.
Não obstante, diante das expectativas no horizonte de cada um, não poderiam evitar as reflexões necessárias à transformação, no momento em que tivessem maturidade.
Cada qual, a sua maneira, enfrentava os desafios internos e despertaria no ritmo próprio, no tempo pessoal, para realidades completamente diversas, em estados de espírito variados.
Entrementes, Samuel acudia Patrícia, que agora repousava nos braços de César.
Este percebeu que Paloma sumira; não tinha explicações para o fenómeno, que parecia se repetir com um e outro dos componentes daquele grupo de pessoas, reunidas por uma força superior e incomum.
Em um momento de reflexão, talvez de oração, pensara em sua amiga Patrícia e sentira-se finalmente atraído pela garota jogada ao chão, ali, o tempo todo.
Deixara-se tocar pelo estado debilitado da companheira e, mesmo não tendo certeza absoluta de que era a mesma pessoa que conhecera em sua cidade natal, resolveu socorrê-la.
Essa atitude definiu seu futuro, sua vida.
Assim que Samuel achegou-se a Patrícia, ambos, Samuel e César, notaram que ela começara a falar.
Se antes se mantinha em seu pesadelo irrequieto, porém silencioso, agora seus lábios pareciam denunciar que um mundo se externava, que ela não conseguia mais relegar ao mundo íntimo o produto de seus pesadelos e experiências.
Se estes eram reais ou fictícios, isso era o que menos importava para Samuel, que soube bem interpretar as palavras de Patrícia.
Para ele, o que assomava e guardava significado eram as reflexões, as emoções expressas naquilo que ela destilava pela boca.
Somente analisando tais emoções poderiam conhecer algo mais a respeito da garota, da mulher que jazia ali, deitada, como morta-viva, entre as fronteiras de dois mundos.
- Patrícia, Patrícia!...
Acorde, minha querida.
Estamos aqui ao seu lado.
Sinta-se amparada.
Somos amigos!
Parecendo falar sem raciocinar, Patrícia balbuciava, como se estivesse embriagada pelas imagens que surgiam em sua mente, prendendo-a ao passado.
Estava congelada no tempo, disso não havia dúvida.
- Amigos?! Não tenho amigos...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 03, 2018 12:08 pm

Me sinto abandonada.
Mas, também, quem precisa deles, os amigos?
César segurou-a juntamente com Samuel, tentando confortá-la ou transmitir-lhe alguma energia benéfica, pois era prisioneira de seus pesadelos, de suas lembranças.
- Talvez não devêssemos acordá-la, César.
Quem sabe ela precise externar suas emoções, como todos nós, quando nos sentimos angustiados?
No caso dela, em particular, tudo indica que é refém do passado, possivelmente de um passado em que foi vítima de si mesma.
Agora, e a própria consciência que atua como um verdugo impiedoso...
Façamos o seguinte.
Vou ministrar-lhe um pouco de magnetismo no centro da memória, assim ela terá certa tranquilidade para reviver aquilo que a própria consciência lhe cobra, seja o que for que a incomoda tanto.
Com esse procedimento, ela ficará mais tranquila, apesar do peso de certas recordações.
- Mas será que a coitadinha aguentará rememorar os factos que a incomodam?
- Se ela está tão aflita com alguma vivência ou emoção pretérita, não há outra saída, a não ser revisitar o trauma e, depois, ressignificar essa experiência...
Calando-se, César apenas acompanhou o trabalho de Samuel.
Ambos presenciavam o que se passava com Patrícia, ouvindo e vendo suas memórias.
A mente perturbada agora externava imagens em torno de si.
E os dois permaneceram, também, como espectadores das emoções, traduzidas nas figuras em movimento e nas palavras balbuciadas.
Patrícia já não tinha sonhos.
Minutos antes, os pesadelos se transformaram apenas em lembranças.
Em meio a cenas e paisagens de um mundo quase delirante, povoado de emoções conturbadas, ela vivia e respirava.
Mergulhada naquele universo particular, ouvia e via além das palavras e imagens.
Em um recanto qualquer de sua memória, parecia encontrar-se um lugar onde somente havia pássaros mortos, cujo canto havia silenciado.
Ela os enterrara nos escaninhos do tempo, da memória espiritual.
Junto a uma multidão de mortos, e em prantos, sentada ao lado de fria sepultura, ela apreciava o próprio cadáver.
De repente, sente-se sangrando, tem as mais variadas sensações horripilantes, nos funestos acontecimentos que sucediam no interior da própria sepultura.
Um torpor profundo envolvia sua alma, devido a uma culpa também profunda, imensa, impenetrável como a neblina de uma noite de inverno rigoroso.
Sentia a alma degenerar-se, renegada e obrigada a remexer no próprio túmulo frio, fétido e húmido.
As recordações das últimas experiências surgiam como névoas de rios escuros e lagos sombrios em noites invernais.
Nas imagens que via e externava, lançava-se às águas profundas e turvas que bem representavam sua memória, seus horrores e pesadelos.
Nada mais havia.
Era como se ela nadasse em águas paradas, águas intranquilas, águas de reminiscências tão gélidas quanto as sensações por elas evocadas.
Quase se afogava ao encontro das emoções cristalizadas, vividas, sorvidas ao máximo, as quais lhe embriagavam o espírito como o vinho perdido lançado fora, que continuava degustando, sem cessar, na taça das próprias amarguras e lembranças.
Quem sabe tais emoções se assemelhassem à maré ébria de um mar bravio, onde marujos de outras águas também se lançassem, embriagados nas miragens de alguma sereia a entoar seu canto sedutor, perigoso, ardiloso e letal.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 03, 2018 12:09 pm

Desfilavam figuras de mulheres, que ela se punha a tocar, apalpar, suada - ou, na verdade, suado, pois naquele transe já não mais se reconhecia no corpo feminino.
Via, sim, primeiro apenas o dorso, a seguir o espécime masculino por inteiro, repleto da volúpia que as mulheres e alguns homens disputavam a ouro, apostas, tapas e facadas.
Os homens? Ela, ou melhor, ele ainda se vê beijando-os.
E se observa junto aos amigos em pleno enredo de manipulação, procurando sexualizar a relação a todo instante, tocar e acariciar veladamente, mas sempre abusando, ousando, insinuando-se.
Foi quando sua alma pareceu recitar uma prece, um pedido de socorro, um arremedo de oração, embora não de arrependimento, mas em busca de tranquilidade, a fim de que pudesse viver sem a libidinosa excitação do sexo fácil, pago, comprado, forçado.
Ou respirar sem a pútrida sensação de asco em relação a si mesmo - ou si mesma?
Já não sabia a que género pertencia ou com o qual se identificava, ou do qual meramente se excluía.
- Deus!... - pensava, quase sem manifestar sentimento.
Respondei-me, por amor ou, simplesmente, movido pela minha dor, íntima, eterna, que pesa como pesa a minha culpa.
Respondei a mim, pecador e pecadora, de quantas culpas e medos são feitos os meus pesadelos mais sombrios que os de todos os humanos?
Em seguida, um silêncio mortal se pronuncia, apontando muito mais respostas internas do que palavras expressas.
Eloquente entre todos os silêncios, Deus se cala, e o pesadelo aprofunda-se ainda mais, gritando um grito silencioso na alma afogada em lembranças difíceis de suportar.
E os mais profundos medos de Patrícia-espirito se arrebentam na alma sem limites, considerada por si mesma como alma pecadora.
Pune-se a si própria com as dores de mil pecados calados, mudos, profundos; com os constrangimentos de mil chibatas, grilhões, condenações e juízos.
Fortificada pela culpa sem remorso, a alma castiga-se, auto-flagela-se nas estâncias forjadas pela própria mente em efervescência condenatória.

1 Mc 9:23.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 03, 2018 12:09 pm

O LOCAL É UM BORDEL, num recanto sombrio do Rio de Janeiro.
Trata-se do bordel de Feliciana Maria dos Prazeres.
Um lugar sujo em todos os sentidos, mas muito concorrido, recebendo uma plateia de quase todos os homens de posse e de alma corrupta da cidade, mesclada a corrupção à vilania e ao erotismo exacerbado.
E ele se vê nesse recinto obscuro, que bem lhe representa o espírito inquieto, malicioso, terrivelmente sarcástico e pornográfico.
Vê-se efectivamente arrombando a virgindade de um mancebo ainda jovem, lá pelos seus 15 anos, uma quase criança na adolescência da vida.
Como cliente do bordel, depois de várias noites comprando e usufruindo do produto comercializado pela vilã das vidas humanas, a própria Feliciana dos Prazeres, a verdade é que ele se sentia no direito.
Direito de experimentar, deflorar, desrespeitar a vida e as vidas de uma criança, um garoto e vários outros garotos, os quais exigia como prémio pela assiduidade rebuscada de prazeres e do vício de sua paixão.
Freguês fiel, sentia-se à vontade, sentia-se como quem está em casa naquele trágico reduto de sensualidade vil, fermentada pela proeza irresponsável de seus habitués.
Ali, garotinhos e garotinhas eram disputados a preço de ouro, mas fora ele próprio quem iniciara a busca frenética por corpos juvenis e até infantis, imaturos para o sexo, naquele covil fétido e sombrio, cuja missão exclusiva era saciar o apetite sexual dos mais abastados e depravados.
Com seu membro em riste, penetra a alma, muito além do corpo, do rapaz submetido à mão poderosa de seu desequilíbrio.
Rasga-lhe os sentimentos, as emoções e marca muitíssimo fundo o psiquismo, a alma jovem, ainda bem mais do que o corpo que se contorcia, desesperançado, em espasmo, gritando e gemendo e uivando de dor.
Vivendo uma dor pungente e ignorada, como a de um animal ferrado a marteladas ou, então, marcado com ferro em brasa, o garoto sofria, tentando esquivar-se inutilmente.
E quanto maior resistência oferecia ao insano homem, mais este demonstrava sentir o prazer dos loucos, ao subjugar os oprimidos e dominar física, emocional e espiritualmente os vencidos.
No vaivém da atitude abjecta, ignominiosa e irresponsável, o cidadão sente-se explodir de prazer.
Seu sémen, como a lava de um vulcão, arrastava consigo a juventude, a esperança, a integridade e o chão daquele que se afogava em lágrimas, saliva e sangue.
A secreção vertia, ainda, o magnetismo reverso e cruel, as anomalias energéticas que se reportavam ao infame vulgar, aquele que exauria as reservas da alma alheia - além dos corpos - por puro gozo.
Ao longo dos anos, o sujeito se aperfeiçoara em desprezar o pranto dilacerante e as agruras causadas, a agonia e os sulcos profundos, as labaredas que arderiam por anos e anos na mente violentada e esquartejada do garoto a seus pés.
E depois deste, outros e mais outros e outras também.
Nas memórias de Patrícia, acentua-se a presença de Feliciana, fingidamente dormindo num canto do amplo aposento, na companhia de sua pupila mais nova, também deflorada pelo insaciável apetite do homem, que agora está ao lado do garoto. Este grita, em pânico, esvaindo-se em sangue e lágrimas, a mente assinalada e impregnada, talvez por séculos, pela inspiração sombria do espírito violentado e do corpo massacrado, graças à inconsequência e à sordidez de um homem cuja masculinidade seria mais bem comparada à de uma besta selvagem.
Enquanto a dona do cortiço arremeda o sono mentiroso que pretende isentá-la ou dissimular-lhe a culpa, ele continuava sua investida animalesca.
Alves de Castro já havia se saciado grotescamente inúmeras vezes ao lado da cafetina Feliciana, como um incubo cheio de desenfreado prazer e sensualidade desmedida, exasperada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 03, 2018 12:09 pm

Divertira-se provocando dor e sentindo a dor alheia, o que lhe aumentava sobremaneira o gozo ao usurpar as energias, o magnetismo e a vitalidade das vítimas quase infantis, dos garotos e garotas de quem auferia seu demoníaco prazer.
Alves de Castro estirava-se sobre a cama, após a invasão perpetrada no corpo adolescente e desesperado.
Repousava nu e asqueroso, ofegante, com as pernas em cima do garoto, aguardando um tempo não determinado, a fim de recomeçar sua infame tarefa de prazer selvagem.
Entre o pranto, as lágrimas vencidas, as dores horrendas dificilmente suportadas e ignoradas, cruamente causadas, o menino gemia, fustigado no cerne da própria alma.
Afinal, fora submetido ao desrespeito mais vil, ao ato mais cruel que alguém poderia praticar, ao crime hediondo que somente o tempo, a reencarnação e as leis impressas na consciência do agressor poderiam um dia reparar, elaborando as experiências dos envolvidos em novas oportunidades.
Gravava-se na memória de ambos a trágica noite do desencanto de uma alma vilipendiada e vendida ao prazer torpe de seu grande vilão.
Ainda aos 29 anos, Alves de Castro aventurou-se em direcção ao Velho Mundo.
Buscava novas formas de prazer, pois aquelas com as quais se habituara já não lhe contentavam os sentidos, tampouco lhe saciavam os instintos.
0 ímpeto do já decadente senhor não mais se satisfazia com o que encontrava nos bordéis da cidade da luxúria, a babilónia do Novo Mundo.
Levou três vítimas de suas taras sexuais, compradas a preço de banana aos pais igualmente inconsequentes; os jovens adolescentes, passando por seus sobrinhos queridos, embarcaram com ele rumo ao mundo velho.
Aportaram em seu destino exauridos, drenados e doentes, com as almas ressequidas, em virtude dos abusos aos quais foram submetidos nos meses de viagem.
Logo foram descartados em praça pública, na cidade de Lisboa, pois Alves de Castro dizia-se enfadado de sua companhia.
Abandonados à própria sorte, os meninos se sentiam mais felizes como pedintes de esmola, realizando pequenos furtos ali e acolá, embora adoecidos pelo abuso a que foram entregues durante os meses que passaram junto do vampiro de corpos e de almas.
Um deles realçava nas imagens da mente de Patrícia, mais do que todos.
Era de Alves de Castro o predilecto, imensamente marcado em seu psiquismo e atormentado, pelo resto da vida, com as lembranças, os sobressaltos e os pesadelos advindos dos abusos que sofrera.
Mas as imagens na mente de Patrícia não paravam por aí...
A memória extrafísica registava os momentos subsequentes de loucura, de vício e dependência sexual, os quais se traduziam nas aventuras pelas cidades do norte de Portugal, da Espanha e da França.
E eis que seu foco mental a localizou numa abadia, onde se viu num festim dos sentidos em meio a monges, padres e freis, além de comerciantes e nobres disfarçados de religiosos.
Ali, durante uma orgia promovida com seus convivas, encontrou seu fim, como resultado dos abusos que infligira a crianças e adolescentes - um dos quais, para seu infortúnio, pertencente à família de um dos convidados da velha abadia.
0 dia era 13 de agosto de 1856.
E a mente de Alves de Castro, a partir de então, congelou-se naquele tempo, reverberando e alimentando as imagens e mensagens que sua vida libertina emitia para as células sensíveis do corpo
espiritual.
Após a morte do corpo num recanto imundo da construção secular - pátio e paisagem das mais horrendas manifestações do instinto e da volúpia, disfarçadas de assembleias religiosas -, passou a vagar de ano a ano, sem conseguir se desenvencilhar das impressões do assassínio violento e torturante, que revivia incessantemente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 03, 2018 12:09 pm

Até que um dia, Feliciana, a mulher dos prazeres, reencarnou na região sul do Brasil, e ele fora levado magneticamente até ela, pelo odor dos fluidos da mulher com quem mantivera cumplicidade frenética e libertina, cometendo os maiores abusos que lhe marcaram a existência.
Sentiu-se atraído, quase amordaçado, intensamente magnetizado pelas energias e orgias do útero de Feliciana, então reencarnada.
A ocorrência se deu numa noite em que ela se entregara a um homem que logo a abandonaria, após momentos de desmesurado prazer.
E foi assim que reencarnou, que renasceu Patrícia, cheia de culpas, de dores emocionais indizíveis, marcada pela melancolia e pela depressão.
Como abusara de homens, mulheres e crianças indefesas, as leis da vida, inscritas na própria consciência, incumbiram-se de forjar o clima de infelicidade sob o qual viveria Patrícia, à procura de afecto, respeito e reconhecimento na nova experiência, bem como na nova identidade sexual e personalidade.
Espírito inconformado com o corpo feminino, que habitava por impositivo da própria consciência, não detinha uma programação reencarnatória prévia e detalhada.
Pôde assistir ao surgimento do desejo por outras mulheres e, algumas vezes, por certos homens, muito embora os próprios traumas que trouxe impressos na memória espiritual a impedissem de externar, mais uma vez, a soma de seus desejos mais secretos.
Em outras palavras, vivia submissa aos medos e culpas que trouxera do período entre vidas, refém dos crimes hediondos que perpetrara.
Tal era a atmosfera mental e emocional de Patrícia, que presenciava, em nítidas, vívidas e recorrentes imagens, experiências que tivera, histórias similares em horror que se repetiram em mais de uma ocasião, em outros tempos, em outras vidas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 03, 2018 12:09 pm

SAMUEL e CÉSAR se entreolharam, respeitosos perante o momento e as experiências vividas por Patrícia na personalidade de Alves de Castro, enquanto César reconhecia, pelo desfecho da história, a amiga tão querida de uma cidade escondida no sul do Brasil, de onde viera, num município da região metropolitana de Curitiba.
Com os olhos em pranto, César ousou se pronunciar:
- Meu Pai! Que dor tamanha se passa em sua alma...
Que sofrimento imenso ela experimenta, nessa agonia em que vive mergulhada.
Agora compreendo as dificuldades que enfrentou com sua mãe e as emoções tão conturbadas.
— Patrícia parece despertar agora, César.
Não podemos fazer muita coisa por ela, a não ser ampará-la no que precisar.
Sem dúvida, ela pode ser considerada uma espécie de suicida emocional.
Matou a própria vida através da culpa e do remorso.
E é prisioneira, ainda, de lembranças que marcam a sua alma com letras de fogo.
Posso afirmar que se encontra num estado que antecede a loucura.
- Mas, como estamos todos mortos, Samuel, será que não há como fazer alguma coisa por ela?
Levá-la para um hospital do lado de cá da vida, por exemplo?
- Mortos? Puxa vida, parece que vocês todos sofrem da síndrome da morte mal resolvida.
Quem disse que você está morto?
- E não estou? Eu me vi saindo do próprio corpo...
- Você foi trazido aqui, meu amigo, para amparar a mulher que, em outra vida, abusou de você.
- Então eu fui...
-0 garoto estuprado por ela na encarnação anterior, quando se encontrava num corpo masculino!
Daí vêm seus dilemas diante do sexo, sua dificuldade em encontrar-se, em viver a vida sexual de maneira mais plena, sem culpas.
- Meu Deus, mas eu gosto tanto de Patrícia...
Como pode isso?
- Graças a Deus!
Senão, nem sei o que seria dela.
Mesmo tendo conhecido o espiritismo em meio a pessoas tão radicais e ortodoxas, você foi abençoado por ele.
0 ambiente em que conheceu a doutrina, mesmo repleto de ideias absurdas e equivocadas a respeito de sexualidade, foi bom para você.
Muito bom mesmo, considerando que seu espírito deparou-se com certo factor educativo.
Embora fosse desnecessário ser da maneira como ocorreu, sinceramente, valeu a pena, pois exerceu sobre você algum limite, evitando que desenvolvesse rancor e impulsos vingativos, dor emocional e comportamentos exacerbados, até mesmo sádicos, todos altamente prováveis, em virtude das reminiscências.
Além disso, a proximidade e a amizade com Patrícia, as conversas sobre a sexualidade de ambos, quem sabe, tenham amenizado as duras recordações gravadas em sua memória espiritual.
- Em alguns casos, parece que o mal se transforma em bem...
No meu caso, principalmente.
Mas confesso, Samuel, que tenho muita coisa por resolver.
Agora, com a revelação do que me ocorreu no passado...
Nem sei dizer com certeza ou me expressar direito, mas, de alguma forma, de alguma maneira que não sei dizer, sinto-me comprometido com Patrícia...
Queria muito ajudá-la... mas não sei como.
- Vamos encontrar um jeito, meu amigo.
De qualquer modo, agora sabemos um pouco a respeito das angústias e da história de vida dela, além de podermos entender por que rejeitava tanto o próprio corpo e apresentava tão grandes conflitos na área da sexualidade.
Isso já nos oferece bastantes recursos para auxiliá-la.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 03, 2018 12:10 pm

- Acho que, do lado de cá da vida, a gente tem mais recursos, até, do que quando encarnados.
- Ai, meu Deus! Mais uma vez...
Lá vêm vocês com essa mania de desencarnar! - reclamou Samuel, teatral.
- Desculpe, desculpe!...
- Bem, vamos ver o que podemos fazer por nossa amiga.
Tomando fôlego, Samuel aplicou um sopro quente sobre a fronte de Patrícia, enquanto ela despertava do pesadelo, um pouco tonta, sem saber ao certo o que ocorria ou onde estava.
César a amparou nos braços, mesmo após descobrir o que se passara em outro tempo, em outra vida.
Apesar de tudo, parecia sobreviver uma amizade intensa entre ambos.
- César? Você aqui?
Então, não ficou em São Paulo?
César olhou para Samuel, sem saber o que dizer ou como se comportar em relação à amiga.
Ainda assim, arriscou:
- Estamos num lugar bom, minha querida, junto com amigos que nos querem bem.
Este é Samuel - falou apontando para aquele que os orientava.
- Olá, Patrícia, seja bem-vinda...
Logo, logo retornará pra casa, refeita.
- Voltar para casa? - questionou César novamente, pensando que Patrícia ou ele, ou ambos, estivessem mortos.
Não conseguia se conformar com o facto de que estava desdobrado, simplesmente fora do corpo.
Mesmo que aceitasse isso, ele acreditava piamente que Patrícia estivesse morta.
-E como disse Jesus - respondeu Samuel, sem dar maiores explicações.
"Na casa de meu Pai há muitas moradas".1
- E minha mãe?
Onde ela está? - tornou Patrícia.
E você, César, como chegou aqui?
Estou no hospital, não estou?
- Calma, donzela! - brincou Samuel, procurando descontrair o ambiente.
Tudo a seu tempo.
Agora vou levá-la a um lugar onde poderá repousar até se sentir mais forte.
César precisa voltar e ficar com sua mãe, levando notícias suas.
Daqui a pouco, quem sabe, vamos ver como ajudar você no retorno ao lar.
- Vou voltar?
- Que é isso, menino?
Deixa de ser agourento!
Claro que vai, não lhe disse? - Samuel falou, voltando-se para César, com o jeito dos que se conhecem há muito tempo.
Você precisa voltar, rapaz!
Há muita coisa não resolvida dentro de si; precisa lidar com elas.
Além do mais, terá um desafio pela frente: visitar a mãe de Patrícia e levar notícias dela...
- Como assim?
Estendendo o braço em direcção à fronte de César, impôs-lhe a mão direita; num só movimento, percorrendo da testa até a altura do pescoço, magnetizou o rapaz.
Enquanto César se desmaterializava daquele ambiente, sendo reconduzido ao corpo, o instrutor acrescentou:
- Você saberá!
Saberá o que fazer e como fazer.
Eu estarei auxiliando-o.
Vá, rapaz, e trate de viver a vida.
E viva bem, desta vez!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 03, 2018 12:10 pm

Sem culpas, sem medos...
César sumia à frente de Patrícia e Samuel.
A moça, ainda meio sonolenta, não sabia explicar a situação; acreditava estar sonhando ou algo assim.
Embora estivesse longe de equacionar os dramas impressos ao longo do tempo em seu psiquismo; ainda que permanecesse psicologicamente marcado pelas experiências de outras vidas, César enfrentara o problema, dele se conscientizando.
Porém, sem o amargor, a angústia e sem cultivar ódio contra seu agressor, agora transformado na sombra de mulher que ajudara, de alguma maneira, a amparar.
A atitude dele foi determinante para seu futuro; abriu-lhe as portas para uma experiência renovada, fértil de valores nobres e salutares.
Patrícia foi conduzida por Samuel a uma instituição de amparo e reeducação no espaço; através da memória espiritual e das marcas psicológicas impressas em sua própria alma, ela revivera cada facto, cada dor causada, cada lance da história pessoal gravada nos registos do tempo.
Os traumas e as dificuldades emocionais, revividos, serviram para despertar o desejo de reavaliar, de recomeçar e de recompor as matrizes do espírito em novas expressões de amor verdadeiro, genuíno, real.
Atada aos compromissos assumidos perante as leis da vida, Patrícia reencarnaria, agora, para uma etapa de reeducação do espírito, na qual poderia redimir-se, quem sabe -a depender de si mesma -, como médium dotada de habilidades na área da cura.
Por meio das energias, dos fluidos que doaria, poderia auxiliar, entre outras pessoas, aqueles que outrora prejudicara. Em paralelo, no campo profissional actuaria na área da psicologia, assim contribuindo para a reconstrução do psiquismo de quantos, no passado, manchara e machucara, com o desrespeito sem limite àquelas almas, invadidas por sua promiscuidade.
Programada, sua reencarnação seria acompanhada de perto por Samuel, que se comovera ante a história daquele espírito e suas necessidades de recomeçar.
Alves de Castro, transfigurado na aparência e na personalidade de Patrícia, agora era conduzido a viver determinadas situações, a fim de que encontrasse novas oportunidades de redenção.
Mais tarde, durante o tratamento e a preparação no hospital, assistida por Samuel, ela escreveria uma mensagem através da mediunidade.
Em uma casa espírita de Curitiba, endereçou-a à sua velha mãe:
Mãezinha querida,
Abençoe o meu espírito necessitado do seu amor e das suas orações.
Venho dizer, mamãe, que a morte não existe e que estou aqui para atestar a continuidade da vida e a imortalidade.
Estou aqui nesta tarde, a sua Patrícia, através da mediunidade, sendo abençoada com a oportunidade de rever minha vida sob o patrocínio de um dedicado amigo espiritual.
Ele me ampara as palavras e os pensamentos, ainda conturbados e necessitados de muito amor.
Não foi você a responsável pelo meu estado emocional.
Entendi tardiamente a causa do que ocorreu comigo.
A não aceitação da minha condição, do corpo que eu habitava, estava directamente relacionada ao estilo de vida que eu levara na existência anterior.
Portanto, minha mãe, não se martirize!
Tudo concorreu para meu despertamento, para a conscientização dos deveres que assumi perante minha própria consciência, os quais devo agora enfrentar como desafio à minha felicidade.
Não encontrei ninguém que me repreendesse pelo que fui ou pelo que sou.
Ao contrário, fui amparada e estimulada a prosseguir na busca pela felicidade.
Do lado de cá, tenho revisto meus valores, enfrentado minhas emoções.
Mediante o amparo a mim oferecido, reavaliei o passado, no qual vi terríveis erros cometidos e, somente então, pude compreender as dificuldades emocionais com as quais convivi ao longo de minha última experiência como sua filha.
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O PRÓXIMO MINUTO/Ângelo Inácio - Robson Pinheiro - Página 5 Empty Re: O PRÓXIMO MINUTO/Ângelo Inácio - Robson Pinheiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 04, 2018 11:05 am

Nosso passado, minha mãe, se entrelaça em cadeias e algemas de comprometimento moral.
Agora, peço-lhe que continue orando por mim, pois, sem o apoio das preces suas e do meu querido César, não conseguirei levar a termo os projectos de recomeço que foram elaborados para a recuperação de minha alma.
Não chore, mãezinha!
Procure aprender a servir e amar, aceitando em seus braços o afago e o carinho de filhos alheios, de outras mães, aprendendo assim a refazer suas emoções e a enfrentar os desafios que emergem de seu próprio passado. Ame os filhos alheios, ampare o quanto puder aqueles que serão conduzidos ao seu regaço, pois assim aprouve à Divina Providência lhe conceder esta oportunidade, minha querida, como acréscimo de misericórdia.
Em breve devo enfrentar novamente o mergulho na carne, e espero sinceramente que a bênção do esquecimento venha me propiciar a tranquilidade necessária ao trabalho que preciso realizar em meu próprio benefício.
Foi-me dada a oportunidade de trabalhar como médium na próxima reencarnação, na doação completa aos deveres assumidos em nome do amor que um dia desenvolverei.
Mais uma vez, voltarei com as emoções reclamando muito trabalho, mas dedicando-me à recuperação das almas por mim prejudicadas.
Espero, minha mãe, que Deus me conceda forças para caminhar com êxito nesse projecto de recomeço.
Espero, ainda, que um dia possamos nos reencontrar, sob a luz das estrelas, com as almas redimidas, e abraçar-nos, minha mãe, sabendo que, por mais que tenhamos errado, Deus nunca nos desampara o desejo de começar de novo.
Deixo aqui meu amor, minha eterna saudade e o beijo de gratidão por haver me recebido como mãe nesta minha última experiência física.
Deixo, através de você, lembranças e a enorme gratidão ao César.
Diga a ele, quando se encontrarem, que peço seu perdão, do qual necessito para acalmar os gritos de socorro que emanam de minha alma.
Tanto quanto possível, farei de tudo para trabalhar através dele por algum tempo, antes de reencarnar, pois foi ele quem me ajudou, me amparou as emoções e abriu as portas de novas oportunidades para meu espírito profundamente endividado.
Com amor, sou sempre a filha que nunca a esquece, sempre necessitada das suas orações, Patrícia.

1 Jó 14:2.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 04, 2018 11:05 am

Assim QUE ADIR se viu sozinho - cada um de seus companheiros parecia haver sumido de sua visão -, a culpa explodiu.
Emergiu com todas as forças, embora ainda tentasse racionalizá-la e esconder-se sob o fundamentalismo, que caracterizava o modo de ser e viver do ex-pastor.
Agora, ele tinha certeza:
estava numa espécie de antecâmara do inferno.
Não acreditava no purgatório, pois, segundo argumentava, a Bíblia, na qual baseara suas interpretações, não mencionava limbo ou purgatório.
Entretanto, diante do pavor causado pelo fato de que suas orações não eram ouvidas - pelo menos não da forma como esperava -, sentia que as barreiras entre a sanidade e a loucura, que mantinham sua mente razoavelmente coerente, pareciam erodidas ou corroídas pouco a pouco.
Quedavam-se ante a força crescente das lembranças, da culpa e da convicção, cada vez mais forte, de que havia cometido um pecado mortal, antes ignorado.
Esse conjunto de factores, acentuado pelo radicalismo que alimentava suas crenças pessoais, irrompeu de maneira avassaladora em seu psiquismo.
Tinha a mente irrequieta, cujas matrizes se forjaram sob o efeito de formas-pensamento intensas, prenhes de emoção.
Com a vida mental elaborada sobre condutas antiéticas, mesmo que o ser não reconheça a natureza doentia de seus hábitos, tais crenças arraigadas e enraizadas são de tal maneira daninhas que acabam levando a uma reacção de autopunição, uma espécie de boicote à felicidade.
Esse era o estado da mente culpada do pastor de vidas, de almas, o pastor Adir.
Imagens religiosas pareciam ir e vir em sua mente.
Igrejas que, de repente, desmoronavam, apodrecidas como por encanto.
Caíam, despedaçavam-se, como se tijolos e paredes inteiras fossem tombar sobre ele e soterrá-lo.
Os sons eram perfeitamente audíveis em sua mente.
Barulho de construções desmoronando; hinos de louvor sobrepujados por ruídos que cresciam até se tornar o ribombar de tremores de terra imaginários.
Em meio a tudo, cruzes e mais cruzes que vinham ao chão e se partiam...
Em seguida, todas elas pareciam erguer-se num monte à sua frente, para o qual desejou ir.
Caminhava sem cessar em direcção à colina mística, mas nunca chegava a lugar nenhum.
Ofegava, ensaiava correr, mas tropeçava ou se exauria em esforços inúteis.
"Senhor, tende piedade de mim, teu servo fiel!"
Súplicas, clamores, protestos e exigências... tudo em vão.
Adir se achava prisioneiro de um circuito fechado de culpa e autopunição.
E as maldições em que acreditava e que proferia do púlpito, nos julgamentos e nas palavras condenatórias em que se especializou, todas se tornavam realidade - sucediam-se uma a uma a atormentá-lo.
Cruzes e mais cruzes agora o perseguiam enquanto ele gritava tresloucado, correndo em disparada, fugindo sabe-se lá para onde, perseguido e perseguindo. Onde estava a vida eterna?
Onde, o céu dos justos, as harpas angelicais, as cascatas e fontes de água pura da nova Jerusalém, que o deveria esperar de portas abertas?
Onde as trombetas, os clarins e os anjos; onde o lado direito do trono do Senhor, que certamente lhe preparara lugar cativo?
As imagens das igrejas que se autodestruíam o perseguiam sem cessar.
E ele corria para a elevação avistada ao longe - o Monte Calvário, segundo acreditava -, sobre o qual divisava um sem-número de cruzes.
A paisagem era emoldurada por um céu plúmbeo.
Embalando o cenário bizarro, fruto de sua mente em ebulição, o som de trovões e tempestades o ensurdecia; enlouquecia à visão de raios e relampejos em cores fortes, cuja aparência se comparava à de tintas e mais tintas que vertiam do céu, subitamente, derramadas ou arremessadas por louco pintor.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 04, 2018 11:06 am

As tonalidades berrantes, os trovões e o vendaval eram puramente o produto de suas culpas.
A mente adoecida não suportara o peso de anos e anos de crenças e atitudes intolerantes, extremadas e fundamentalistas, cuja conta, então, era cobrada pela consciência, que fervia como se chaleira fosse, entre imagens e paisagens para
ele assustadoras.
Assustadoras, atemorizadoras, apavorantes, mais até do que os chifres da própria besta, conforme acreditava, pois que estes saberia como enfrentar.
Habituado a pintar um mundo de pecados, com dramáticas imagens de um possível fim, incluindo a intervenção divina que colocaria ponto final à história da humanidade pecadora, ele próprio se via mergulhar nessa atmosfera, que criou e alimentou durante todo o seu ministério.
As crenças pessoais, admitidas como verdadeiras, mesmo contendo elementos absurdos, conseguem originar imagens, alimentar formas-pensamento e manter paisagens de alegria ou de dor, conforme o conteúdo e mesmo o sentimento inspirado pela própria consciência, onde estão inscritas indelevelmente as leis divinas e das quais ninguém, nenhum ser poderá se furtar ou burlar.
Adir ouviu uma voz, várias vozes, um coro de vozes cavernosas, apocalípticas, infernais, provenientes de onde seu espírito doente de culpa situou a imagem das cruzes bizarras, avistadas há pouco:
- Adir, Adir, por que me crucificastes?
As estranhas palavras, cobrança da própria consciência, eram ouvidas como se fossem a voz do próprio Cristo, de acordo com o que acreditava.
Adir gritava, em prantos.
Lágrimas irrompiam, bem como as emoções, enquanto perseguia as cruzes, porém não lograva chegar ao local onde apareciam, em sua visão interior.
Loucura? Ou o juízo final?
- Senhor, eu nunca faria isso contigo!... clamava, desesperado ante a cobrança de sua mente ensandecida.
- Adir, Adir!
Não confiei meu filho a ti?
Que fizeste comigo?
Me crucificaste duas vezes?
Sem entender a voz da própria consciência afogueando-lhe a alma, ora acreditava que era o Cristo a lhe cobrar algo que não podia compreender, ora suspeitava que era uma peça pregada pelo demónio, o inimigo das almas, conforme dizia para si.
- Adir, olha para mim, a quem crucificaste!...
E novamente relâmpagos e trovões pareciam pipocar na imensidade do céu de sua consciência.
A medida que cores fortes se alternavam no ambiente à volta, a face de Adir se transfigurava, aproximando-se do retrato da destruição.
- Meu Deus! Me perdoa, me perdoa... - falava chorando, gritando, num inferno mental e emocional característico da mente em desequilíbrio.
- Eu falei que aqueles outros eram do demónio, disse que estavam perdidos e, agora, quem se sente perdido sou eu...
E o pranto sofrido corria-lhe em cascatas, sobre a face enrugada.
Quase sem fôlego, em determinado momento pareceu alcançar o monte onde avistava as cruzes - elementos nos quais, segundo sua fé isenta de raciocínio, encontraria todo o poder de Deus revelado.
Para ele, aquela visão era o símbolo de uma força superior, do Calvário.
Tratava-se do lugar exacto, segundo presumia, de modo literal, no qual Jesus havia sido exposto ao vitupério e ao escárnio de assassinos.
As imagens pareciam agora estar em câmara lenta ou, quem sabe, ele próprio se aproximava em câmara lenta.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 04, 2018 11:06 am

Mas os raios e trovões continuavam a envolver a paisagem mental pintada com as cores fortes de emoções conturbadas.
- Adir, Adir, por que me crucificaste?
Onde está o filho que confiei a ti?
Gargalhadas, gargalhadas de deboche, em meio a gritos que remetiam a alguém sendo torturado, pareciam vir do local onde as cruzes estavam.
A visão do pastor, elas estavam mais perto, e ele foi se acercando delas lentamente, vencendo o vendaval que queria lhe impedir a aproximação.
Era um quadro medonho de se ver, produto de uma ideoplastia forjada e mantida pela força da culpa e das crenças alimentadas durante a vida inteira.
Quando enfim conseguiu chegar o mais perto possível do local onde, segundo sua visão interior, estavam mais de dez cruzes imensas, negras, erguendo-se contra o céu também negro, coberto por nuvens colossais, apocalípticas, quase infernais, Adir parou, ainda mais assustado.
Olhos esbugalhados e marejados, boca entreaberta como se visse o Diabo em pessoa, presenciou um movimento que as cruzes descreviam em torno de si mesmas.
Elas se viravam, cada uma movendo-se lentamente, e vinham na direcção de Adir.
Pairando sobre as cruzes, estava a figura de Jesus, segundo ele acreditava.
Mas era um Jesus completamente sujo, deformado, dificilmente assemelhado à noção que faziam dele os religiosos.
A despeito disso, Adir conseguiu ver uma figura que, embora diferente, estranha, quase inumana, era interpretada por seu espírito como sendo Jesus.
Na verdade, eram diversas representações desse Jesus escatológico, que então ria, dava gargalhadas demoníacas, ora apresentando os dentes quebrados, ora descendo da cruz e vindo em sua direcção, cobrando-lhe a culpa pela crucifixão.
Uma a uma as imagens pareciam adquirir vida.
Duas delas desceram da cruz e começaram a pular sobre o solo, como crianças nervosas, gesticulando e gargalhando como loucas.
Outra forçava a própria cruz onde estava pregada a se curvar, como se a madeira tivesse elasticidade. O rosto do Cristo mostrava-
se transfigurado no máximo de horror possível à sua visão interior.
Era a caricatura de um ser tresloucado, que se inclinava na direcção de seu espectador e era posta em evidência por uma luminosidade ora roxa, ora vermelha, algo temível, medonhamente confundido pelo pastor com o Cristo em que ele afirmava acreditar.
De repente, em vez da imagem de Cristo crucificado, estranhamente se comportando e se transfigurando à sua frente, a fisionomia do filho Carlos estava estampada sobre a cruz.
Na memória de Adir, afectada pela loucura que aparentemente lhe dominava o mundo interior; em sua visão escatológica de um mundo que se derretia em figuras horrendas, bizarras, demoníacas - fruto de sua própria culpa -, o seu Cristo, o seu Jesus, agora com o rosto do filho escorraçado, cobrava-lhe, ainda:
- Adir, Adir, por que me crucificaste? Onde está o filho que a ti confiei?
Não havia mais como fugir às imagens, que agora desciam das respectivas cruzes, das mesmas cruzes que se curvavam sobre um Adir atónito, paralisado de pavor, compondo uma cena de terror digna dos mais hábeis escritores do género.
Adir foi ao chão, sentindo-se sufocado pelas cruzes e pelos personagens macabros de sua história de vida, da vida íntima, mental, quase insana, na qual sua mente mergulhava cada vez mais.
No exacto momento em que gritava, pedia perdão e clamava pelo filho Carlos, o qual despedira de sua presença ainda jovem, em razão do fundamentalismo religioso; nesse exacto instante, um vulto é avistado em meio ao ribombar dos trovões.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 04, 2018 11:06 am

É Samuel, que se aproxima lenta porém firmemente, chamando-o:
- Adir, Adir, acorda do pesadelo, Adir!
Samuel foi avistado pelo pastor como se fosse um anjo, um mensageiro de Deus em meio à paisagem do seu inferno particular, que havia sido criado pelo seu próprio magnetismo associado ao poder do pensamento.
Um purgatório, onde sua alma se refugiara, ardendo em sua intimidade como fogo de mil brasas.
Samuel aproximou-se devagar, lentamente demais, segundo acreditava Adir, mas se aproximava, estendendo sua mão para amparar o pastor que estava caído, extenuado, sem força para resistir à cobrança da própria consciência.
Segundo acreditava, as cenas e todo o enredo em que estivera mergulhado duraram uma eternidade.
À sua visão, ficara vagando, fugindo e enfrentando os horrores do seu pesadelo por anos a fio, até que aquele anjo do Senhor o abençoara, aparecendo para resgatá-lo.
E assim que Samuel o tocou, as imagens de Jesus, cada uma em seu instante, gradativamente se dissolveram, derreteram, liquefazendo-se e empoçando no chão, porém adquirindo aspecto viscoso, irreconhecível, indescritível por qualquer vocabulário conhecido.
Dali, aquele líquido estranho emaranhava-se nas entranhas da terra ou do local sob os pés de Adir.
Samuel estendeu-lhe a mão, levantando-o, aconchegando-o ao peito.
Adir chorava.
Então ele chorou não o pranto dos desesperados, como antes, mas o pranto do remorso, que precede o arrependimento.
Deixou-se afundar nos braços de Samuel, que, inspirado pelo momento tão particular, tão especial para a alma resgatada, trazia os próprios olhos marejados e permanecia em silêncio.
0 velho pastor deixou suas emoções romperem todas as barreiras concebíveis ao se permitir ser amparado pelo suposto anjo, o mensageiro divino que o abrigara ao peito.
- Calma, Adir, calma...
Descanse um pouco e deixe fluir a dor.
Libere-se da culpa que o consome - falava pausadamente Samuel, enquanto passava a mão sobre a cabeça do homem que se diluía em pranto convulsivo.
Adir notou que, à medida que ficava próximo de Samuel, as imagens mentais se dissipavam, a angústia delas advinda aliviava, o inferno a que se vira preso parecia esvaecer.
Ao tentar se desenvencilhar de Samuel, tudo voltava com toda a força de suas emoções desalinhadas, descontroladas.
As imagens das cruzes, do seu Cristo demoníaco, às avessas, bem como a face do filho expulso do ambiente familiar - tudo retornava quando tentava se afastar do "anjo bendito do Senhor".
Novamente o tempo passou, segundo o ponto de vista de Adir, como se fora uma eternidade.
A mente do antigo pastor não conseguia mais, devido à carga de culpa, livrar-se do fantasma do filho, cuja imagem vira se transfigurar, substituindo os traços de Jesus, em pose demoníaca.
A mente se impregnara daquelas memórias, das terríveis figuras vivas, da lembrança do filho, de modo aparentemente irremediável.
Fora profundamente afectado, e suas crenças, naquele momento, não se mostraram satisfatórias nem sequer para amenizar, muito menos para livrá-lo do tumulto a que se entregara emocionalmente.
Sentia-se num tribunal, prestes a ouvir a sentença -a sentença emitida pela própria consciência -, em cuja estrutura íntima, imaterial, estivesse escrito, em letras de fogo, o juízo sobre os actos e atitudes, tardiamente reconhecidos como errados.
Soltando-o aos poucos, Samuel mirou a figura do pastor e compadeceu-se.
Aliás, sentiu pena, mesmo.
Nunca pensou que sentiria pena de um ser humano - especialmente de Adir - no nível em que sentia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 04, 2018 11:07 am

0 homem à sua frente pareceu se recuperar, gradualmente, do abalo que o subjugara.
Adir levantou o olhar em direcção a Samuel e lhe disse, quase humilde:
- Você veio me tirar deste lugar?
Veio me livrar do inferno a que me lancei?
Olhando o homem sofrido, deprimido, atormentado, o instrutor respondeu medindo cada palavra, um tanto quanto reticente:
- É, pastor, você conseguiu forjar seu próprio instrumento de tortura. Como você mesmo disse, foi o inferno no qual você se jogou.
Mas, infelizmente, não cabe a mim tirá-lo daqui.
Não mesmo!
E antes que Samuel concluísse seu pensamento, Adir o interrompeu, modificando imediatamente a fisionomia e a atitude íntima, num quase acesso de fúria, tentando agarrar Samuel, sacudindo-o, gritando a plenos pulmões:
- Miserável, desgraçado, filho do inferno e da perdição!
Então você é um anjo de Satanás - falou, enfatizando a palavra - disfarçado em anjo de luz, em anjo de Deus...
Você tem de me tirar daqui.
Eu não aguento mais ficar neste...
- Cala-te, homem! - gritou Samuel em alto volume, inspirando temor em Adir, o qual recuou completamente modificado; como antes do pesadelo a que se entregara, logo assumiu a postura farisaica, orgulhosa e prepotente, esbracejando:
- Você! Aposto que você é um dos perdidos do inferno, um daqueles que vieram com os demais - referia-se a Hugo, Ronie, Paloma e os outros.
-É uma alma arrebatada por Satanás!
- Não, Adir, não sou nem anjo e nem demónio.
Mas me parece que você agora se recuperou, voltou ao seu normal.
Enfim, a mim me parece que não mudou nada, nunca mudou.
- Mudar o quê?
ou um servo de Deus!
Eu vi o inferno e voltei sozinho dele, sem ajuda nenhuma a não ser de minha fé.
Retornei pra testemunhar o poder da salvação.
E não pertenço aos perdidos...
Mas assim que pronunciou a palavra perdidos, Adir retomou o pranto.
Era como se alternasse entre momentos de arrependimento ou de culpa e remorso e, em seguida, momentos em que reassumia a postura autoritária e radical do velho pastor.
- A culpa o consome, não é, pastor?
Mesmo assim quer se dizer melhor e coloca os demais como perdidos?!
E como se sente em relação a Cristo?
Como sua consciência vê a atitude que teve com o próprio filho? - Samuel atiçou-lhe os pensamentos, tentando provocar reflexão.
-0 Senhor me cobra algo para o que ainda não estou preparado...
-0 Senhor ou sua consciência?
Demonstrando uma desorganização mental intensa, pareceu não entender ou ignorar a pergunta de Samuel, trazendo à tona um dos factores de incómodo:
- Mas a Bíblia diz que sexo entre homens é pecado.
Deus destruiu Sodoma e Gomorra pelo pecado do homossexualismo, da pederastia!
Como eu poderia suportar alguém na família depondo contra Deus e sua lei?
Um filho que se entregou a Satanás dentro da minha própria casa...
Isso desmoralizaria meu ministério e destruiria minha igreja.
- Mas pense bem, pastor.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 04, 2018 11:07 am

Se Deus destruiu Sodoma e Gomorra, conforme você interpreta, pelo pecado da homossexualidade, então podemos presumir que Deus mudou o jeito de agir?
Mudou de ideia e se arrependeu ao longo dos tempos?
- De jeito nenhum.
Deus é o mesmo ontem, hoje e eternamente...
- Então, por que ele não destruiu cidades como São Paulo, Nova Iorque, São Francisco, Rio de Janeiro e tantas outras cidades no mundo?
Pois nelas há milhares e milhares de gays, muito mais do que tiveram Sodoma e Gomorra reunidas.
.. Ou ele mudou de ideia e se arrependeu ou não tem mais poder.
Como você explica isso?
- Você é do demónio!
É enviado de Satanás para provocar a ira divina - falou, espumando e vociferando como louco.
- Mas parece que foi você quem provocou a ira dele, segundo acredita.
Ou estou enganado?
Não foi você quem ficou vagando, gritando e em prantos, correndo de si mesmo?
Não era você, Adir, quem estava prisioneiro do próprio inferno?
- Você é um espírito maligno!
É um demónio das profundezas dos infernos!
Sai de mim, Satanás!
0 sangue de Jesus tem poder...
- Será que você não resiste a um simples questionamento, a outras pessoas que pensem e vejam a vida de maneira diferente da sua?
Ao que me parece, Adir, quando qualquer pessoa lhe apresenta um argumento, questionando seu ponto de vista, talvez por falta de conhecimento ou desespero você prontamente classifica essa pessoa como enviado do diabo.
- Eu sou um servo do Senhor, do Deus Altíssimo e, por isso, não posso estar errado.
- Ah! É?...
Mesmo assim, quero lhe propor o seguinte exercício.
Que tal a gente se entender, se respeitar e conversar?
Você apresenta seu ponto de vista e eu apresento o meu, tudo dentro da Bíblia, estritamente de acordo com o que você acredita.
Se você estiver certo e convicto do que ensina, respeitarei sua visão e interpretação e me calarei.
Caso avalie que meus argumentos estão correctos e lhe parecerem mais claros e lógicos, você apenas reflectirá sobre eles; não peço nada mais de você.
Que tal?
Adir ficou um pouco quieto, talvez mais cansado de seus próprios argumentos sem fundamento do que meditando na proposta de Samuel.
- Veja que não lhe peço nada demais - tornou o instrutor.
Apenas conversarmos dentro dos ensinos da Bíblia...
E, para que você não fique pensando que sou um espírito do mal querendo desviar sua atenção, que tal a gente orar?
Pedir a Deus tranquilidade mental e emocional para captarmos a inspiração divina?
Ante a proposta renovada, Adir prestou mais atenção, conseguiu ver um pouco mais além do orgulho, da prepotência e do radicalismo.
- Orar?
- Sim, orar!
Quem sabe você não faz a oração?
- propôs se aproximando ligeiramente do pastor, porém sem tocá-lo.
- Eu não pensei que você orasse.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 04, 2018 11:07 am

- Eu também não pensei que você orasse.
Então, estamos mais ou menos quites...
Adir conseguiu achar graça na situação, mas logo voltou a ficar com a cara tipicamente emburrada, a demonstrar arrogância.
- Então eu oro, pois aqui sou o pastor, o servo de Deus!
- Pois não, servo de Deus.
Ore você, que o acompanho.
E Adir, pela primeira vez desde que chegou naquele local ou dimensão, conseguiu orar de verdade.
Uma oração curta, mas nada decorada ou maquinal.
Embora pedisse em oração apenas que Deus o livrasse da tentação e do espírito do mal, ainda assim sentiu-se bem, ligeiramente mais tranquilo.
As emoções se acalmaram um pouco.
No entanto, não abriu mão de sua postura orgulhosa.
Depois de ouvi-lo, Samuel, demonstrando tranquilidade, começou a falar:
- Acho que o que mais incomoda você é o facto de ter expulsado seu filho porque ele era gay, não é isso?
Parece que você não resolveu direito essa questão dentro de si e a culpa o consome.
Pensativo, o velho pastor baixou a cabeça, meio envergonhado de si mesmo, e comentou:
- Não consigo entender o que se passa dentro de mim.
Nunca tive um dia sequer de tranquilidade desde que o Carlos partiu.
Tenho pesadelos horrendos quase toda noite e acordo suando frio.
E oro. Oro todas as noites o Salmo 91, pois sei que fiz a coisa mais correta, de acordo com a Bíblia.
Ele era um pederasta.
- Meu Deus, Adir!
Que expressão mais arcaica, pejorativa e preconceituosa.
- Não sou preconceituoso.
Eu tenho princípios.
0 homossexualismo é contra a natureza e contra a Bíblia.
E quem não se converte a Deus e ao Evangelho não merece ir pro céu.
- Mas e você?
Em algum momento você me disse que pensava ter morrido - falou para o pastor devagar, colocando ênfase na frase.
Será que está no céu?
Por acaso encontrou o tão falado paraíso?
- Estou a caminho dele.
0 Senhor me salvou.
E a Bíblia sempre tem razão.
Os outros dois filhos que tenho, ambos seguiram o caminho de Deus.
São missionários.
- Será mesmo que seguiram, Adir?
Você tem certeza disso?
- Nunca mais tive notícias deles.
Mas sei que estão no caminho do Senhor. Um deles é missionário na Africa, e o outro...
Bem, o outro saiu pelo mundo pregando.
Samuel aproximou-se ainda mais e, pedindo permissão a Adir, colocou a mão sobre sua fronte, dilatando-lhe ligeiramente o campo de visão por meio de grande carga magnética.
- Veja, Adir!
Veja seus filhos, agora.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 04, 2018 11:07 am

Adir sentiu algo como outro ataque cardíaco.
Viu um de seus filhos numa imagem tridimensional.
Ele estava no Brasil mesmo; ao que tudo indicava, na Região Nordeste.
Porém, ao contrário do que o pastor esperava, o filho ingeria alguma bebida alcoólica; na verdade, estava quase caindo de tão bêbado.
0 homem estava totalmente embriagado e, ao mesmo tempo, revoltado.
Gritava para uma mulher, que o ouvia segurando o filho, um menino, em seus braços:
- Meu pai, aquele miserável!
Eu falei para o Carlos ir embora connosco.
Mas Carlos teimou em ficar em casa.
Ele dizia amar muito nossos pais e não sairia de casa, a menos que fosse expulso.
Queria cuidar do pai quando ficasse velho...
-o homem falava em meio a arrotos e soluços, engasgado com a própria saliva.
A gente não aguentava mais ver a mãe sofrer e se submeter à loucura daquele traste.
A gente inventou que ia trabalhar como missionário para ficar livre dele...
0 pobre sujeito chorava, tossia, resmungava enquanto cambaleava.
Era um dos filhos de Adir.
Durante o tempo em que o pastor observava a imagem do filho mais querido - missionário, segundo acreditava -, ficou muito desolado, pois sabia, na intimidade, que aquilo que presenciava era a mais pura verdade.
Ele via a cena em todas as cores possíveis; era de uma realidade quase palpável, inquestionável.
Então, pôde vislumbrar a dimensão do mal que causara à própria família.
- Está preparado, agora, para ver o outro filho tão querido?
Quer ver seu amado Mateus?
- Não quero acreditar que causei tanto mal assim ao meu filho, que ele não é o missionário que eu sempre acreditei...
Adir se desfazia em prantos, diante da realidade - perante a sua realidade e a do estrago emocional causado na vida do próprio filho.
Mais ainda ao ouvir Israel falar do amor de Carlos pelo pai, e de como se recusou a sair de casa com os demais porque queria cuidar dele.
Adir soluçou de amargor, de remorso.
- Eu quero ver!
Quero ver o meu filho Mateus...
Onde ele está?
Será que ao menos ele se tornou um missionário?
Mas eu tenho certeza, eu mesmo o consagrei, lá na minha igreja!...
- Então, Adir, vou lhe mostrar o seu filho Mateus - falou Samuel, à medida que aplicava nova dose de magnetismo na fronte de Adir, expandindo-lhe a visão extrafísica.
Assim que começou a ver as cenas envolvendo seu filho, teve a certeza de que todos os seus esforços foram em vão.
Que os dois filhos, que presumira serem missionários, na verdade queriam mesmo era se livrar dele, pois não podiam mais tolerar o radicalismo do pai.
As imagens mostravam um homem com cerca de 38 anos.
Era alto, magro; trabalhava, ao que tudo indicava, num porto do Sudeste brasileiro.
Mais precisamente, no porto de Santos.
Ali, junto com companheiros de trabalho, parecia se alegrar, à sua maneira, fumando um baseado, dando baforadas e algumas gargalhadas.
Ao longe, passava uma mulher que Adir interpretou como sendo uma prostituta.
Ele mexia com a mulher, falava palavrões, chamava-a, instigando-a e convidando-a para o sexo fácil.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 04, 2018 11:08 am

Adir não suportou mais e pediu:
- Pare! Pare com isso, filho do demónio!
Você está tentando minha alma...
Você é o responsável pela minha infelicidade.
- Então você se considera infeliz, não é mesmo, pastor Adir?
Consegue reflectir sobre o alcance de suas palavras, sobre o que fez à própria família?
Aos filhos que Deus lhe confiou?
Adir novamente chorava muito.
Desta vez, caiu ao chão e se colocou em posição fetal, derramando lágrimas profundas, embora, no entre-meio, xingasse, dissesse coisas incompreensíveis; parecia delirar.
-E agora, Adir? - indagou Samuel, abaixando-se e passando a mão sobre seus cabelos.
-E o que dizer do seu filho Carlos?
Sabe o que ocorreu com ele?
Você tem notícias dele?
O pastor levantou-se de chofre; pondo-se de pé, fitou Samuel nos olhos, repetindo com raiva os mesmos argumentos de antes:
- Ele era um perdido!
Foi ele, foi ele sim, o responsável por tudo o que ocorreu na minha família.
Ele se entregou ao Diabo, ao inimigo das almas e de Deus.
E influenciou o Mateus e o Israel.
Sei que foi ele.
- Como pode ter tanta certeza assim?
- Ele era sodomita, o danado.
Ele era homossexual.
Respirando fundo, para suportar a ladainha de Adir sem perder a paciência, Samuel perguntou:
- Você não gostaria de rever sua opinião, sua visão a respeito do que a Bíblia diz sobre Sodoma e Gomorra?
Será que esse negócio de homossexualidade é pecado mesmo?
E já que você repete isso com tanta convicção, quem sabe não se importaria de ver o texto bíblico sob uma óptica diferente?
Uma outra opinião...
- Quem é você para me ensinar Bíblia?
Quem imagina que é para querer me dar lições da palavra de Deus?
- Eu, Adir? - Samuel pensou bem antes de falar, fazendo breve silêncio.
Eu não sou ninguém, pastor.
Mas eu conheço alguém que pode lhe falar a respeito.
- Só conheço um homem de Deus que poderia me falar algo que eu não sei sobre a Bíblia.
E ele está morto.
- Mas pense bem:
como você cogitou, em certo momento, que estaria morto, então não será difícil encontrá-lo.
Adir pensou, um pouco surpreendido com a proposta de Samuel, e resolveu averiguar:
- Você conseguiria por acaso localizar ou chamar o pastor que me formou, que me ensinou a pregar?
0 servo de Deus que me ensinou o caminho da salvação?
- Quem sabe?
Pode ser que sim.
Que tal se tentássemos?
- Se você conseguir isso, digo, chamar o pastor Neemias...
Assim que Adir pronunciou o nome do seu antigo professor, do pastor que o baptizou e iniciou no conhecimento das Escrituras, um leve tremeluzir se fez perceber no ar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 05, 2018 10:38 am

Irradiando a mesma luz na qual Samuel se envolvia, sorrindo um sorriso leve e descontraindo o ambiente, surgiu a figura de um homem que aparentava uma certa idade, em torno de 65 anos.
Vestindo um traje elegante, risca de giz, o velho professor se postou à frente de Adir; olhando-o nos olhos arregalados, assustados, falou, enquanto tocava levemente o ombro de Samuel:
- Meu querido amigo!
Como esperei por este momento - abriu os braços e, então, aproximou-se de Adir, envolvendo-o.
Adir dava mostras de perder a respiração, tão emocionado ficara.
Abraçou o velho amigo como se abraça a uma mãe da qual se tem muita saudade, após longa separação.
- Como pode ser isso?
Então você morreu e foi para o paraíso, e eu fiquei aqui, do lado de fora, depois da morte?
- Pois é, Adir.
Cada um fica no local onde sua consciência o localiza.
- Não entendi!
- Não tem problema, velho amigo; não importa agora.
Ao que parece, meu amigo Samuel...
Adir interrompeu o pastor imediatamente:
- Ele é amigo seu?
Por acaso não é um anjo de Satanás que quer desviar minha alma do caminho do Senhor?
- Puxa, velho amigo... - falou Neemias a Adir.
Me parece que você levou às últimas consequências a leitura da Bíblia.
Nem o reconheço!
Adir abaixou a cabeça, envergonhado.
E, em meio a tudo que acontecia, não conseguia tirar da cabeça as imagens dos filhos, as quais acabara de ver.
Era como se agora as cenas se desenrolassem dentro de si.
Não sabia como fazer e o que fazer.
Sentia-se verdadeiramente perdido.
Samuel deixou que os velhos conhecidos conversassem, que se entendessem, afastando-se um pouco, embora tudo acompanhasse.
- E então, Adir, quer dizer que você não conseguiu tirar o espírito da letra?
Interpreta a Bíblia ainda na base do olho por olho, dente por dente?
- Como assim, pastor Neemias?
- Cheguei a ouvir parte de sua conversa com nosso Samuel.
Parece que ainda vê pecado em tudo.
Do lado de cá, pastor, a gente aprende muita coisa.
E desaprende um monte de outras, também.
- Agora é que não consigo entender, mesmo, suas palavras.
- Depois da morte, Adir, o véu da ilusão cai de nossos olhos e aí conseguimos aprofundar nossa visão e enxergar o sentido real dos textos que antes estudamos.
Torna-se possível rever muita coisa que pregamos e que, até aquele momento, fazia parte de nossa convicção.
Aqui, a teoria é outra, a verdade é mais ampla.
E despidos do artificialismo, da roupagem farisaica, somos obrigados a enfrentar a vida da forma como ela é, abrindo mão dos preconceitos e das barreiras que criamos.
Somos obrigados a tirar a trave dos olhos e enxergar além de nossos próprios interesses.
-0 senhor fala a respeito...
- Da visão sobre homossexualidade, à qual você se referiu.
Da sua interpretação do pecado de Sodoma e Gomorra.
Parece que sua crença nesse suposto pecado fez com que cometesse vários enganos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 05, 2018 10:39 am

Entre eles, o pior...
- Expulsei meu filho Carlos de casa!
Agora, não sei o que pensar, se fiz bem ou mal.
Mas fiz tudo segundo a Bíblia mandava.
- Será mesmo, pastor Adir?
Meu amigo!...
- E não falam as Escrituras sobre os sodomitas que tentaram os anjos do Senhor?
- Bem, mas parece que Nosso Senhor Jesus discordava dessa interpretação.
Pelo que podemos entender, ele não via o pecado de Sodoma como sendo a homossexualidade.
- Mas Jesus condena Sodoma e Gomorra!
Está lá, na letra do Evangelho.
- Segundo nosso irmão Paulo, a letra mata; o espírito vivifica...1
- Mas está lá, Pastor Neemias.
Eu li. E foi por isso que expulsei aquele...
- Aquele filho de Deus, que precisava do seu amparo, da sua compreensão e do seu amor.
Dando um tempo para Adir reflectir, percebeu que ele não chegaria a lugar algum por si só.
Neemias resolveu auxiliar na condução das reflexões:
- Posso entender, Adir, meu amigo, que, quando a Bíblia menciona certos comportamentos humanos de ordem sexual, ela o faz de acordo com a visão das pessoas na época em que foram escritos os textos sagrados.
A ciência, tanto quanto a compreensão dos problemas humanos, caminhou a passos largos, mas, naquele tempo em que os textos considerados sagrados surgiram, reinava uma ignorância muito grande a respeito da vida.
E sobre os comportamentos humanos, então, nem se fala.
Neemias nem esperava que Adir aceitasse de imediato o que falava.
Porém, notando a situação íntima do pastor, resolveu ir mais além em suas ponderações:
- A discussão nos dias de hoje, Adir, volta-se muito mais para o comportamento humano e as pessoas que para a função genital.
Na actualidade, o debate é a respeito do afecto entre pessoas do mesmo sexo, ou de sexos diferentes, e não somente de um mero relacionamento carnal, puramente sexual.
Fala-se da possibilidade e da capacidade de pessoas comuns, como nós mesmos, expressarem seus sentimentos e compartilharem seu afecto por outras, que casualmente podem ser do mesmo sexo.
E essa discussão estava longe de existir nos tempos em que se originaram os textos bíblicos.
Portanto, como esperar que a Bíblia nos dê resposta para uma questão que nem sequer ocorrera aos autores dos livros sagrados?
- Mas Deus diz que isso é errado!
A Bíblia condena, e é por isso que agi como agi.
Eu não me considero culpado.
- Será mesmo que não se considera culpado, Adir?
Será mesmo que você esconde seus actos atrás de palavras escritas há 2 mil anos ou bem mais, em alguns casos, para justificar suas atitudes?
Neemias demonstrou certo rigor ao proferir essas palavras.
E diante da sua postura, Adir procurou ser mais comedido, pois respeitava profundamente o velho amigo, pastor e professor que o introduziu no ministério.
- Afirmar que a Bíblia ou Deus disse que isso é pecado, é algo errado, não é uma resposta tão boa assim; não é um argumento convincente e suficientemente inteligente para se emitir um veredicto.
Entre o que está escrito, Adir, e o que se entende e acredita, está a interpretação do texto, ou melhor, está o ponto de vista daquele que lê.
E interpretação é algo completamente pessoal, depende da cultura e da formação de cada um.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 05, 2018 10:39 am

"De toda maneira, se a Bíblia ou Deus diz que determinada coisa é errada, o texto deve pelo menos apresentar um argumento inteligente o bastante, a fim de mostrar a razão pela qual é assim.
Senão, seria arbitrário da parte das Escrituras ou, até mesmo, de Deus.
Sem explicação explícita, não haveria boa intenção e não haveria, também, bom senso da parte de Deus, nosso Pai.
E se não houver, Adir...
Aí, pelo amor de Deus!
Se a moral da Bíblia não resistir à razão, não suportar o raciocínio, é uma coisa ilógica e não passa de imposição.
Equivaleria a dizer que as coisas consideradas certas ou erradas só são assim ou assado por um capricho de Deus ou de Jesus; na pior das hipóteses, dos autores dos livros bíblicos."
- Eu não consigo acompanhar seus argumentos.
Não consigo entender seu raciocínio, pastor Neemias.
- Vejamos apenas um exemplo para você tentar me acompanhar o raciocínio, Adir.
Paulo fala, em 1Timóteo 2:11-14, que a mulher deve aprender em silêncio e, em 1Coríntios 14:34-35, o apóstolo assevera que a mulher deve ficar em silêncio na igreja, pois é vergonhoso para a mulher falar ali; caso tenha dúvidas, que interrogue o marido em casa.
Mas em momento algum ele esclarece o porquê dessas directrizes de forma clara e inteligente.
Por que é vergonhoso para a mulher falar na igreja?
Veja que não podemos atribuir a Deus uma opinião de nosso irmão Paulo.
Não foi Deus quem disse esse absurdo, mas foi uma interpretação, uma crença de Paulo, até compreensível para aquela época.
- Eu não havia pensado nisso!
Eu proibi minha mulher de pregar, de ensinar na escola dominical, para as crianças...
- Pois é, pastor.
Veja bem: onde está o bom senso nesse ensinamento?
E o que dizer, então, da ideia de que o comportamento sexual entre duas pessoas do mesmo sexo é errado?
Baseado em quê?
Qual o motivo?
Qual a razão?
"Veja que em Génesis 19:1-25, a Bíblia fala do que ocorreu em Sodoma.
Na verdade, pastor, mesmo sob a visão de Jesus, expressa muito tempo depois, o pecado atribuído a Sodoma nunca foi o sexo entre homens.
Repare que, de todas as pessoas que estavam naquela cidade, Ló foi o único que teve a honradez e a educação, conforme considerado na época, de convidar os forasteiros, os chamados anjos, a se hospedarem em sua casa.2
"Numa região inóspita como aquela onde se localizavam Sodoma e Gomorra, num local onde a aridez da terra era decerto um complicador para os viajantes, a hospitalidade era um dever, tido como uma forma honrosa de se praticar a caridade, conforme era entendida na época.
A pessoa permanecer exposta, durante a noite, a ataques de hordas de agressores e ao frio do deserto, era realmente um disparate, pois poderia ocasionar até mesmo sua morte, ou pelas mãos de ladrões, ou pelo frio extremo do período nocturno.
Essa é a razão por que a hospitalidade era considerada uma virtude.
E o contrário, ou seja, a recusa em abrigar alguém, era tida como um grande erro, uma grande ofensa, talvez, até, um pecado.
Para os que viviam ali, naquela cultura, para todos que habitavam cidades próximas ao deserto, lugares ermos ou inóspitos, a hospitalidade era regra básica.
E tão estrita que proibia até mesmo o ataque ao inimigo, caso tivesse sido abrigado por alguma família, a fim de passar a noite.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 05, 2018 10:39 am

Ló recusou-se a sujeitar seus convidados, os chamados anjos, ao relento ou ao convívio com os habitantes de Sodoma.
Fazer isso seria violar a lei divina, a regra mais cara à sociedade daqueles tempos."
Adir conseguiu acompanhar o raciocínio do seu amigo Neemias, sempre mantendo vívidas as imagens mentais do filho, aliás, dos filhos, a incomodá-lo.
Não se perdoava, ou melhor, sentia-se frustrado, culpado, com remorso.
E talvez por isso, mesmo entendendo as palavras de Neemias, não conseguia penetrar-lhes profundamente o sentido e sondar-lhes o alcance.
0 velho pastor continuou:
- Num dos livros do Evangelho, em Mateus 10:5-15, até Nosso Senhor considerou o pecado de Sodoma a falta de hospitalidade, isto é, ele demonstra claramente interpretar desse modo o texto do Antigo Testamento.
E não sou eu quem estou forçando a interpretação; são as palavras do próprio Jesus.
Afinal, é após falar sobre a eventual recusa em hospedar os discípulos, que ele sentencia:
"Em verdade vos digo que no dia do juízo haverá menos rigor para Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade".3
"Além disso, existem outras referências na Bíblia, no próprio Antigo Testamento, nas quais os pecados atinentes a Sodoma são enumerados, e nenhuma dessas passagens menciona relações sexuais entre homens ou pessoas do mesmo sexo.
Ao contrário, todos os textos - Isaías 1:10-17; 3:9 Jeremias 23:14 e Sofonias 2:8-11 - fazem uma espécie de listagem dos pecados daquele povo:
injustiça, adultério, mentira, parcialidade e opressão.
E ainda assim, em sã consciência, tem gente que se considera servo de Deus e que força e extrapola a interpretação de trechos como esses, para adequá-los ao partidarismo religioso.
Enchem-se de ira, de cólera, e se inflamam ao falarem sobre gays ou se dirigirem a eles.
Assim, não só admitem a conduta discriminatória e homofóbica como cristã, mas também a recomendam.
E possível aceitar isso?"
Respirando fundo, o pastor Neemias arrematou, para depois deixar Adir sozinho, sob o olhar e a supervisão de Samuel:
- Ainda bem que Jesus pensava de maneira diferente da que pensam tão grande número dos chamados pastores e cristãos da actualidade.
Senão, eu me recusaria a acreditar num cristo homofóbico, num Jesus parcial, num messias preconceituoso...
Logo ele, que andava em meio a "pecadores" e gente de má vida, como o Evangelho registra várias vezes!4
Ele, que curava leprosos e pagãos,5 que conversou com mulheres como a samaritana ou como aquela com fluxo de sangue,6 todos indivíduos discriminados pelo povo judeu e tidos na conta de amaldiçoados...
Como podemos adoptar comportamento segregacionista e nos dizermos seguidores de Cristo, quando agir assim se parece muito mais com a conduta de fariseus e doutores da lei, que foram as figuras mais recriminadas e contestadas pelo Nazareno?7
0 pastor Neemias se afastou, dissolvendo-se em meio aos fluidos ambientes, sem dar a Adir tempo para despedidas.
Este permanecia ali, sentindo-se prisioneiro, talvez num mundo criado por sua própria mente, num mundo interior forjado por culpas e castigos, por preconceitos e repúdio contra tudo e contra todos que viviam de maneira diferente ou simplesmente não viam o mundo como ele mesmo o via.
Samuel aproximou-se, comovido, encarando Adir de modo penetrante.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 05, 2018 10:39 am

Este indagou:
- Que foi que eu fiz com meu filho, meu Deus?
Que fiz com meu Carlos?
Que fiz com minha família?
Olhando Samuel frente a frente, pediu, com vontade e visível remorso estampado no rosto:
- Se você me fez ver meus dois filhos que eu considerava missionários, então, pelo amor de Deus, me mostre o Carlos, me mostre o filho que eu abandonei...
Adir tremia todo; se não estivesse fora do corpo, com certeza morreria uma segunda vez, como viria a dizer mais tarde.
Perante seus olhos marejados, Samuel o surpreende e transfigura-se à sua frente.
Era o próprio filho que ele abandonara.
Era Carlos, o filho gay, que, desencarnado, voltara para buscar o velho pai, consumido pelo sofrimento e pela culpa durante toda a vida.
Samuel abraçou-o longamente, tocando-lhe os cabelos com delicadeza e chorando, naquele momento ímpar do reencontro de duas almas.
Adir não se conteve.
Abraçou-o também:
- Perdão, meu filho, perdão!
Perdoe seu velho pai...
Eu pequei, meu Deus! - gritava, aos prantos.
-0 que fiz com meu filho, Senhor?
0 que fiz com os filhos que a mim confiaste?
Ambos choravam, embora Adir se entregasse a um prato convulsivo e Samuel permanecesse emocionado e agradecido.
Depois de longo tempo abraçados, tendo o pastor sido aconchegado pelos braços do próprio filho, resolveu perguntar:
- Que houve com você, Carlos?
Ou será Samuel?
Para onde você foi, meu filho amado? - pela primeira vez articulou em palavras o amor pelo filho.
Talvez pela primeira vez desde a infância de Carlos.
Enxugando as lágrimas, Samuel tomou coragem, respirou fundo, de forma a haurir forças do Alto, e contou sua história:
- Depois que você me expulsou de casa, meu pai, fui morar com uma família em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro.
Lembra-se daquela família que o senhor pediu para se retirar da igreja?
Aqueles que não concordaram com o senhor quando estava construindo o prédio?
Eles me acolheram.
Eu me correspondi com eles por um ano e lhes contava as dificuldades enfrentadas em casa, tanto por minha mãe quanto por mim.
Foi quando o senhor resolveu me expulsar, após eu lhe contar que era gay e falharem os exorcismos, as correntes de oração e libertação.
Respirando mais, evitando falar do próprio sofrimento após o trágico incidente, Samuel continuou, refeito das emoções:
- Fui para Petrópolis, meu pai, e lá em pouco tempo conheci um rapaz que me ajudou a me encontrar.
A família com a qual convivi me auxiliou muito, e conversamos muitas vezes sobre meus dilemas, sobre o que ocorria comigo.
Eles fizeram de tudo para eu não desenvolver nenhum rancor nem ódio contra o senhor.
Aos poucos compreendi o estado emocional e a postura de pastor, que o movia.
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