LUZ ESPÍRITA
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A ESCADA DE JACÓ - Inácio Ferreira / Carlos A. Baccelli

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A ESCADA DE JACÓ  - Inácio Ferreira / Carlos A. Baccelli - Página 5 Empty Re: A ESCADA DE JACÓ - Inácio Ferreira / Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 02, 2014 9:07 pm

CAPÍTULO 33

O que se passava no interior daquela caverna era inimaginável e, aos poucos, a indignação foi tomando conta de mim.

Cobrávamos tanta acção dos policiais e das autoridades na Terra e ali estávamos, praticamente sem nada fazer.
Como, afinal de contas, combater aquela situação?
Justificar-se-ia agirmos com tanta ética, ante o mal que víamos se expandindo?

Aquele local era um antro de perdição e as entidades que o controlavam tinham consciência – pelo menos parcial – do que estavam fazendo...
Núcleos semelhantes deveriam existir às centenas nas regiões da Crosta.

Como se não nos bastassem o conflito na área do pensamento, o comprometimento moral e as consequências de atitudes invigilantes, estávamos expostos a um terrível e tenebroso plano das Trevas, que, pela disseminação das drogas, pretendiam levar a Humanidade á mais completa degradação.

Com extrema rapidez, desfilaram em meu cérebro cenas que ficaram gravadas, mormente nos meus últimos lustros de actuação à frente das actividades do Sanatório, em Uberaba.

Quantas famílias desmanteladas pelo alcoolismo?
Quantos jovens, que poderiam ser meus filhos ou netos, com o futuro comprometido pelo uso sistemático de drogas?

O vício destruía a personalidade, conduzia à apatia, à prostração física e mental, induzindo as suas vítimas ao desregramento e à perversão sexual, á mais completa inanição em termos de esforço próprio.

Eu, Manoel Roberto e nossos demais auxiliares, desdobrávamo-nos dia e noite para coibir a circulação de alucinógenos nos pavilhões do Sanatório, que, não raro, eram oferecidos aos pacientes pelos próprios visitantes...

Por esse motivo, na condição de espírita e médico, eu sempre fui contra a prescrição excessiva de medicamentos, vivíamos quebrando cabeça a fim de arranjar uma ocupação para aqueles rapazes e moças, na expectativa de que se descongestionassem.

Lembrei-me, num átimo, de um interno chamado José Carlos, um rapaz de Goiânia, que a família entregara aos meus cuidados – 21 anos, drogado e homossexual...

Penalizava-me vê-lo naquela situação, vampirizado por entidades horripilantes que se comunicavam em nossas sessões mediúnicas e zombavam de mim:
- “Não adianta, Doutor! – ironizavam-me ao tentar doutriná-las.
Ele é nosso, inteiramente nosso...

Ocupávamos-lhe o corpo e a mente, antes, ele ainda lutava, mas, agora, entregou-se completamente...
Ele não pensa em mais nada, a não ser em droga e sexo!

Desista, depois é um caso perdido.
Os pais dele, ricos fazendeiros em Goiás, são orgulhosos e mandaram o filho para longe, com vergonha de um homossexual na família...
Pagar-nos-ão o que nos devem e será assim!...

De facto, Zezinho – como tratávamos - de compleição franzina, um jovem de olhos verdes e cabelos oxigenados, tinha que passar a maior parte do tempo trancado – lamentavelmente isolado de todos os demais internos do sexo masculino, e, mesmo trancado, ele tirava toda a roupa e exibia o seu corpo nu aos enfermeiros...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 02, 2014 9:07 pm

Com ele, não tivemos alternativa, senão, repito, mantê-lo trancafiado em um aposento transformado em cela, pois, certa vez – não sei como – surrupiou-nos um litro de álcool da farmácia e o ingeriu, permanecendo quase dois dias em estado semi-comatoso.

Todos os dias, eu entrava sozinho em sua cela, com o Manoel Roberto vigilante do lado de fora, e, com um cobertor nas mãos o envolvia, a fim de que pudéssemos conversar.

- Meu filho, não faça isso – pedia-lhe em tom paternal...
A sua mãe e o seu pai me telefonam todos os dias para saberem de você: eles o amam!
Você precisa nos ajudar a ajudá-lo. Reage, meu filho!

Lute contra os espíritos que querem prejudicá-lo...
Desta maneira, você acabará desencarnando antes de chegar aos 30...
Não recuse o alimento e comporte-se como um rapaz de boa família. Se você não cooperar, o que poderemos fazer?
Em quantos hospitais você já esteve?

- Em vários, Doutor – respondia-me, trémulo - eu já estive internado em vários hospitais e sempre fiz deles o que quis...
O senhor trancou-me aqui:
eu não sou um criminoso! Solte-me...

Deixe-me andar pelos pavilhões.
O senhor sabe desde quando eu faço uso de drogas?
Desde os doze anos de idade, comecei cheirando os vidros de esmaltes da minha mãe e bebendo acetona; estou nesta vida de homossexual desde menino, quando fui estuprado por um primo meu...

Não adianta, eu não consigo fazer mais nada!
Eu quero que o senhor me dê alta e fale com os meus pais para me buscarem...

- Existem muitos espíritos obsessores que estão se servindo de você – argumentava, tentando esclarecê-lo.

- Acredito, mas que me importa, se não tenho forças?
Eles estão em minhas veias, Doutor!...
Sinto que eles percorrem as minhas veias eu lhes pertenço...
Eu sou um caso perdido!

- Meu filho – insista -, confia em Deus, ore, não se entregue tanto assim!...
O que há de ser de você no Outro Lado da Vida?
Se deixar o corpo nesta situação, cairá nas garras dos espíritos que têm ódio a você e à sua família... ?

Do jeito que se encontra, nem a morte o libertará!...
Perdi a conta de quantas vezes eu dera a Zezinho a chance de conviver com os demais internos, fora da cela!

Ele ficou connosco por cerca de dez meses e, digo-lhes, pouco ou quase nada conseguimos.
A sua presença no sanatório provocava uma reacção em cadeia, ou um “efeito dominó”:
todos os pacientes, principalmente os homens, ficavam agitados e tivemos, o tempo todo, seríssimos problemas.

Tentamos de tudo:
Passes, preces, sessões de desobsessão, terapia ocupacional, diálogos amistosos...

Ardiloso, enganou-nos diversas vezes e nos fazia acreditar em seus novos propósitos de vida, para, em seguida, aprontar uma cada vez pior do que a outra: rasgava os livros que eu lhe emprestava para ler, atirava fezes por entre as grades da porta, tentava cortar os pulsos, proferia palavras obscenas e encenava actos libidinosos...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 02, 2014 9:08 pm

Confesso-lhe que, com ele, fracassei, e não tive alternativa, senão, ao fim de quase um ano – em que os progenitores não vieram buscá-lo uma única vez!

– Entregá-lo de volta à família...
Eu me afeiçoara àquele menino!

Quando os pais, a contragosto, vieram buscá-lo, confesso-lhes que chorei, ao dele me despedir, antevendo o que o aguardava. Infelizmente, não deu outra: depois de, aproximadamente, um ano e meio, a mãe de José Carlos me telefonou de Goiânia, comunicando que o filho desencarnara assassinado – a polícia o encontrara nu, em meio a uma matagal, com várias perfurações a faca pelo corpo...

Os Espíritos Amigos que, habitualmente, entravam em contacto connosco me haviam alertado com anos de antecedência, pela mediunidade de Modesta, que os espíritos das trevas passariam a contar com poderoso aliado; no entanto, eu estava longe de supor que esse aliado fossem as drogas que, à época, ainda não estavam tão disseminadas.

Quanto a Zezinho, depois de quase um ano de seu desenlace em circunstâncias trágicas, incorporado em um dos nossos médiuns (D. Maria Modesto Cravo já havia desencarnado em Belo Horizonte, em 1964, vítima de um câncer que se espalhou com rapidez), gritava por socorro:
- Dr. Inácio! Não me deixe nas mãos desta gente...
Socorro! Tranque-me, de novo, naquela cela...

Ai, como me dói o corpo!
Que foi que fizeram comigo?
Eu era um jovem e belo!...
Vejam a que fui reduzido...

Dr. Inácio, socorro! Eles me injectam droga nas veias todos os dias...
Eles estão aqui... Afasta-me deles, por caridade!
Prefiro passar o resto dos meus dias trancado naquela cela...

Eles me obrigam a tudo, Doutor!...
Então, o que não havíamos conseguido, quando ele se encontrava encarnado, parcialmente logramos quando Zezinho se transferiu para o Outro Lado da Vida.

Rogando a intercessão de nossos Maiores, solicitei a Falange de Eurípedes Barsanufo que se encarregasse do caso do nosso rapaz; os seus inimigos do pretérito tiveram o que quiseram e levaram às últimas consequências os seus planos de vingança, contra ele e contra a família abastada...

Agora, era o momento do basta!
O mal não poderia se perpetuar.

Segurando a mão do médium, com a convicção de que era a mão de Zezinho que eu retinha sobre a minha, orei compungidamente:
- Senhor, que a Tua Misericórdia nos favoreça e que a Tua luz resplandeça, desfazendo as sombras de nossos erros e ilusões!
Sem o Teu amparo, nada somos e nada podemos...

Conceda-nos, Senhor, a liberdade, para que possamos reencertar a jornada, no esforço de seguir-Te os passos, mais uma vez...
Não nos relegues à nossa própria sorte a às consequências dos nossos desatinos.
Estamos cansados de sofrer e ansiamos pelo Teu regaço!

Defende-nos do guante da tentação e que tenhamos forças para resistirmos ao assédio das inclinações infelizes, que nos constrangem e nos escravizam...
Espíritos doentes, cura-nos, Senhor!...
Pousa a Tua abençoada destra sobre a nossa fronte e equilibra-nos a mente conturbada!

Todas as nossas dores decorrem do nosso distanciamento voluntário de Ti!
Compadece-te, pois, de nossa fragilidade e não nos deixe à mercê de nossas imperfeições!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 02, 2014 9:08 pm

CAPÍTULO 34

Quando terminei de orar, o espírito do jovem, que se asserenara, disse, com voz algo sonolenta:
- Estou vendo uma senhora se aproximar...
Tenho a impressão de que a conheço daqui mesmo, do Sanatório.
Estou com muito sono...

Ela sorriu para mim e a luz que brilhava à sua volta afugentou aquela gente...
Bondosamente, ela me protege o corpo com um cobertor; o frio que eu sentia, foi embora...
Quero dormir e sonhar...
Chega de pesadelos! Obrigado, Doutor!...

Após o espírito se retirar, sendo, certamente, conduzido aos hospitais da Vida Maior, onde o seu tratamento teria sequência, nossa Modesta, em espírito, incorporou-se ao mesmo médium e falou comigo:
- Inácio, a Bondade De Deus sempre se faz presente e nunca chega tarde em nossas vidas!
O nosso rapaz será devidamente encaminhado e esperamos que, esgotada a taça de fel que sorveu à derradeira gota, dê início, pelo próprio esforço, ao seu processo de reajuste espiritual.

A família consanguínea deveria conviver, como está convivendo, com a sensação de culpa e de remorso...
Não questionemos os recursos pedagógicos com que a Lei Divina nos educa para a Vida Eterna!
Alguns são escolhidos, ou se escolhem, a si mesmos, como instrumentos, para que não nos esqueçamos de nossas deficiências.

Sem a Vontade de Deus, nada podemos:
os nossos parcos conhecimentos pouco valem...
Não nos vangloriaremos, pois, sequer das luzes espirituais que nos favorecem pelo que a Doutrina Espírita nos enseja.

Carecemos, sim, de quando em quando, experimentar certa sensação de fracasso, com a finalidade de tudo esperarmos Daquele de quem tudo procede e não nós mesmos, que nada de bom possuímos para oferecermos aos nossos semelhantes.

O nosso afecto ainda é egoísmo e o nosso amor se confunde com injustificável sentimento de posse!

Quando, de facto, amaremos?
Se triunfássemos em tudo, seríamos maiores vítimas da própria prepotência.
O Senhor nos corrige sempre e as mazelas dos semelhantes são as nossas próprias que se materializam, diante dos nossos olhos, a fim de que não venhamos pretextar qualquer desconhecimento delas.

Vemo-nos uns nos outros e exibimos, de público, as chagas que tentamos ocultar no espírito.
O mal que praticamos, por menor que seja, é suficiente para fazer com que sentimento de culpa renovador se instale na consciência de todos os que se sentem, directa ou indirectamente, responsáveis por ele.

Todos os dias, a Vida nos reserva novas e indispensáveis lições...
À medida que Modesta dissertava, lágrimas silenciosas me deslizavam pelas faces sulcadas e, sinceramente, não tive forças para nada dizer: a saudade da inesquecível companheira de tantas lides doutrinárias sufocavam-me o coração!

- Inácio, meu irmão – continuou, finalizando - o mundo, antes que se volte definitivamente para o Senhor, experimentara múltiplos abalos, e a situação do nosso Zezinho não é um caso isolado...
Infelizmente, pela receptividade mental que vem encontrando, os espíritos obsessores prosseguirão agindo, e a droga, como, aliás, de há muito vimos sendo alertados pelos nossos Maiores, disseminar-se-á, fazendo milhares e milhares de vítimas...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 02, 2014 9:08 pm

A vacina preventiva seria a do Evangelho, todavia raros os que querem alguma espécie de comprometimento espiritual com a Vida!
Enquanto não se precipitar mais fundo no abismo do materialismo, o homem não se decidirá por outros caminhos...

Não nos iludamos: sejamos, sim, optimistas quanto ao futuro, mas não olvidemos a realidade...
A fé não pode e não deve ser mera formalidade das criaturas!

De modo geral, as religiões se contextualizaram do ponto de vista social e poucos são os adeptos dispostos a vivenciar-lhes os fundamentos, as religiões, na actualidade, mormente as que solicitam os seus seguidores maior engajamento, tem sido objecto de escárnio...

As Trevas possuem inúmeras tácticas para influenciarem e arrefecerem o ânimo de quantos procuram acender diminuta réstia de luz ao redor de seus passos, servindo como ponto d referência para quantos vagueiam sem rumo...

Todavia não esmoreçamos e não receemos os rótulos de “fanáticos” ou de “alienados”...
Prossigamos cumprindo com o dever, convictos de que a realidade nos espera deste Outro Lado transcendem à nossa compreensão da Verdade.

Persevere! Fiz o que pude, mas não o que devia...
Diante da grandeza de tudo que nos espera, nunca fazemos o que compete e, dificilmente, ao deixarmos o corpo evitaremos a frustração que nos possui o espírito, constatando que desperdiçamos a preciosidade dos minutos com querelas sem importância.

Então, arrependidos e envergonhados, tentaremos recuar; no entanto será tarde demais!...
Deixo-lhes o meu abraço de companheira de ideal e os meus votos de paz em Jesus!”

- Inácio – tirara-me Odilon dos devaneios a que me entregara -, onde é que você está?...
- Por instantes – respondi - de volta ao Sanatório...

- Permaneça atento, pois não podemos nos desconcentrar...
Mas alguns minutos de observação e sairemos.

Fixando com maior atenção a estranha identidade que manipulava elementos químicos, interessada em descobrir a fórmula de uma droga que pudesse negociar com traficantes do mundo espiritual, notei que era auxiliada no tentame por três anões que, sob as suas ordens, iam acrescentando ingredientes extraídos de minerais e vegetais encontrados nas regiões pantanosas e sombrias do Além.

- Guida – disse um deles, com voz de criança malvada - veja este cogumelo cor-de-rosa...
Após triturá-lo, misturei-o à papoila e, experimentalmente ofereci a poção a uma das meninas que frequentam “Sodoma e Gomorra”.
Venha vê-la dançar...

Arrastando-se com dificuldade, o químico, com as pernas extremamente inchadas, como se sofresse de elefantíase crónica, passou rente a nós e ficou espiando os movimentos de uma jovem que, em convulsão, dançava no meio do salão, completamente alheia e... descerebrada.

Os demais se afastaram e ela rodopiava sozinha, em movimentos epileptóides e, de repente, começou a vomitar, qual um drogado nos estertores de uma dose letal.
Os outros aplaudiam e pulavam, naquela imagem que, para mim, superava toda a visão de inferno que eu jamais pudera conceber, extrapolava, em muito, tudo que eu seria capaz de aceitar racionalmente...

Sinceramente, não tenho – e melhor que não tenha mesmo – palavras para descrever o que eu via.
O que acontecera àquela jovem?
Desfalecera? Porventura, morrera uma segunda vez?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 02, 2014 9:08 pm

O certo é que seguranças se aproximaram e a retiraram, pálida e aparentemente sem respirar...
Fitei Odilon, que nada disse, e Elpídio considerou que o momento era de sair.
Adroaldo e o Dr. Wilson estavam tão estupefactos quanto eu, todavia, naquelas circunstâncias, que poderia ser feito?

Súbito, uma ideia, cuja procedência desconheço, me passou pela cabeça e, evidentemente, guardei-a somente comigo.
Desculpem-me os caros leitores e os companheiros espíritas relevem as limitações do meu espírito.

Valendo-nos do tumulto que se estabeleceu no salão da boate, começamos a nos afastar, todavia, vendo um toco de cigarro aceso no chão, apanhei-o e, pedindo a Deus que me perdoasse, sendo o último da fila, retrocedi sem que os amigos percebessem e, confesso, não resisti à tentação: adentrei o recinto do laboratório instalado no interior da caverna e, com um bastão, derrubei todos os líquidos de natureza inflamável de sobre a mesa, que escorreram em direcção a diversas caixas ali depositadas, soprei, para avivar a brasa do guimba de cigarro que recolhera e, sem pensar duas vezes, lancei-o sobre aquela mistura diabólica e, em fracção de segundo, o fogaréu se fez, espalhando-se com rapidez.

- Com Sodoma e Gomorra aconteceu o mesmo!
Procurei me justificar, enquanto voltava, apressado, para junto dos companheiros que se retiravam.
– Aqui, na falta de fogo que caía do céu, um toco de cigarro serve!...

- Onde é que o senhor estava? – Perguntou-me Odilon, lendo-me os pensamentos.
- Perdoe-me, mas não resisti...
- Doutor!...
- Perdoe-me, perdoe-me...
Ninguém morrerá ou sequer se ferirá! Perdoe-me!...

Enquanto as chamas se alastravam, reduzindo o interior da caverna a um monte de cinzas, e todos debandavam, sentindo-se sufocados pela fumaça negra que inalavam, escutei Guida e os seus três anões lamentando:
- tudo perdido!...
Quem terá sido o criminoso?
Como montaremos agora outro laboratório?...

E, já um tanto distantes, sem receio de virar uma estátua de sal, como a mulher de Lot, fiz questão de olhar para trás e observar!
Sodoma e Gomorra” sendo consumida pelo fogo!...

Não sei se por respeito a mim, ou por humildade, Odilon nada me disse em repreensão, no entanto, efectuamos o resto do percurso em completo silêncio.

Aquilo fora por Zezinho e por milhares de rapazes e moças semelhantes a ele!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 02, 2014 9:09 pm

CAPÍTULO 35

Eu ficara deveras indignado com o que presenciara na região espiritual, próxima à crosta, que visitáramos.

Por mais fecunda a minha imaginação, jamais poderia supor que sob certos aspectos, a situação com que nos deparávamos no Além fosse pior e mais complexa do que a vigente na Terra.

Passados dois dias de nossa volta daquele antro de perdição, onde a droga corria livremente e incalculável número de espíritos permanecia em constante estado de alienação, Odilon veio me ver.

- Como é – perguntei ao Instrutor -, menos aborrecido comigo?
Deixando a formalidade de lado, ele me respondeu:

- Inácio, aquele tipo de acção não é de nossa alçada.
Elpídio e seus companheiros estão efectuando diligências e, ao contrário do que parece, os espíritos responsáveis por semelhante tarefa não estão alheios.
Não é assim que as coisas funcionam por aqui...

- Reconheço que me precipitei e fui imprudente, mas não resisti...
Vieram-me à mente tristes recordações.
Você sabe, Odilon:
lidei com muita gente drogada no Sanatório e raramente, conseguíamos obter êxito em seu tratamento.

Quantos jovens perdemos?
Quantos não cometeram suicídio?
E, agora, as drogas têm sido veículo de propagação do vírus HIV...

Milhões, no mundo, estão contaminados e, nos próximos anos, deverão deixar o corpo em lastimáveis condições.
É um processo obsessivo em larga escala, uma calamidade atingindo os Dois Lados da Vida, que, com urgência, precisamos interromper.
Sei que isso não justifica o que fiz e admito que extrapolei, mas...

- Compreendo, Inácio, todavia não podemos combater o Mal institucionalizando o próprio Mal.
O Bem não é passivo quanto parece ser.
A violência que se opõe à violência é sombra mais espessa se sobrepondo à sombra já existente...

Carecemos de agir na raiz do problema, que é de ordem transcendente.
Ninguém consegue empreender a menor mudança em si mesmo, sem que altere convicções.

Vejamos o Cristo na cruz: você acha que o Senhor não teria poderes para mobilizar exércitos de anjos, com a finalidade de libertar-se e reduzir a nada as intenções e propósitos daqueles que lhe desafiaram a autoridade de filho de Deus? “...zombavam e diziam:
Salvou os outros, a si mesmo se salve, se é de facto o Cristo de Deus, o escolhido”

Conta-nos Lucas em suas anotações.
Ora, o Senhor, que enviara um anjo para libertar Pedro da prisão, segundo narrativa de “Actos dos Apóstolos”, cap. 12, VV. 9 A 11, não poderia, Ele mesmo, se o quisesse, subtrair-se àquela inesquecível ignomínia no Calvário?
Na construção do Reino de Deus entre os homens, carecemos de abdicar de todo tipo de acção que nos seja inspirada pela força.

Apenas o Bem é para sempre!
O que se estabelece através da coerção não conta com o aval das Leis Divinas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 02, 2014 9:09 pm

- Concordo, Odilon, e repito: reconheço que, muitas vezes, meu lado humano ainda fala mais alto...
Sei que precisamos transformar penitenciárias em escolas e que não há nenhum método pedagógico que supere o do Amor, que, obviamente, inclui o Perdão e todas as demais virtudes nas quais, pessoalmente, necessito me exercitar, mas, não raro, a vitória dos ideais que defendemos me parece tão distante!...

- Se o Senhor tem nos esperado há séculos, por que não podemos esperar uns pelos outros, um tanto mais? – inquiriu-me o companheiro, com sabedoria.
Concedendo-me diminuto intervalo para reflexão, o Mentor continuou:

- Imaginemos que, para coibir o crime, a pena de morte fosse institucionalizada contra o criminoso...
O que lograríamos, a não ser adiar, indefinidamente, a solução do problema que diz respeito à educação do espírito?
Equivocam-se os que pensam que a pena de morte possa sanear a sociedade dos seus elementos de perversão...

Deste Outro Lado, os espíritos inclinados à marginalidade não se emendam, pelo simples facto de terem deixado o corpo: o problema apenas se transfere de plano existencial e os homens confessam sua incapacidade de gerir as questões sociais que lhes estão afectas. Sem que as criaturas humanas se eduquem, não teremos espíritos educados sobre a Terra.

O trabalho não pode ser unilateral...
Nós, os companheiros desencarnados compromissados com a obra de educação do Evangelho, não podemos tudo.
Não detemos o controle da reencarnação das entidade que, na maioria das vezes, retornam ao Orbe na mesma condição em que dele se sentiram constrangidas a se ausentar.

Seria óptimo, como já o admitimos em outras oportunidades, que o simples fato de morrer nos equacionasse dificuldades de ordem íntima, isentando-nos do esforço de renovação, pois, assim, tudo estaria resolvido.
A realidade, porém, é bem outra...

- Você está certo, Odilon – aparteei, no anseio de melhor explicar-me ao amigo -, e, uma vez mais, peço-lhe desculpas se agi impensadamente.
Não voltará a acontecer – pelo menos, sinceramente, é o que espero.
Sempre fui avesso a excessos de burocracia e tinha esperança de que a Polícia de além-túmulo fosse mais determinada, no combate ao crime.

- E o é, Inácio!
Não tenha qualquer dúvida a respeito.
Evidentemente que ainda não estamos de todo livres da corrupção, que só desaparece |à medida que ascendemos.

No entanto em diversas Colónias Espirituais – falando em termos de Brasil -, os nossos policiais passam por um rigoroso processo de triagem e, nesse sentido, o currículo que trazem do mundo elevado em consideração.

Temos, igualmente por aqui, diversas penitenciárias de segurança máxima, onde centenas de espíritos se encontram retidos, a fim de que não reencarnem levando maiores complicações para a Terra, todavia nem tudo está sob controle: muitos bandos se organizam nas regiões das Trevas, onde se aquartelam e continuam a manter com os encarnados estreito vínculo psíquico, reencarnando à revelia...

É um verdadeiro círculo vicioso, o qual apenas com a conscientização dos nossos irmãos na carne conseguiremos quebrar.
Fala-se muito no chamado “expurgo planetário”, que, gradativamente vem ocorrendo, mas, a rigor, se fossem expurgados da Terra e de suas imediações todos os espíritos recalcitrantes, teríamos também que pegar a nossa mochila e partir, você não acha?

A população do Planeta decresceria vertiginosamente e, uma vez mais, o problema tão-somente se transferiria de domicílio...
Por esse motivo e outros mais, nós, os espíritas, devemos nos empenhar na tarefa de esclarecimento do povo, a começar por nós mesmos.
Na verdade, o delinquente, seja qual for o crime que tenha cometido, deve ser sentenciado a estudar e a trabalhar!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 02, 2014 9:09 pm

- As leis do Judiciário carecem de ser revistas...
- As leis e os fazedores de leis, Inácio! – Falou Odilon com firmeza.
É difícil tal confissão, mas precisamos dizer aos nossos irmãos encarnados, que todos se habituaram a esperar de nós, que, sozinhos não daremos conta da tarefa.

Os espíritos das Trevas andam insinuando por aí – e muitos companheiros lhe têm assimilado o pensamento – que a obra de assistência é pertinente ao governo...

Os grupos espíritas não podem se acomodar e os nossos confrades necessitam de retomar o idealismo dos pioneiros da Doutrina:
precisamos, sim, de mais escola, mais creches, mais cursos profissionalizantes, mais orientação espiritual, mais solidariedade, enfim, de mais aplicação do Evangelho.

Os centros espíritas não podem se intimidar diante dos obstáculos.
O exercício legítimo da mediunidade é o da prática do bem aos semelhantes.

Sem dúvida, que é de grande relevância a preocupação com a desobsessão relacionada aos desencarnados, mas não se pode olvidar o auxílio espiritual imediato aos que mourejam no corpo físico.

Quando todos se sentirem responsáveis e se engajarem, o panorama sócio-espiritual começará efectivamente a ser mudado.

- De certa forma, lidar com os desencarnados é cómodo: os médiuns pouco transpiram...
- E pode não deixar de ser uma espécie de alienação...
As ditas sessões de desobsessão são de fundamental importância, para os médiuns quanto para os espíritos, mas os encarnados necessitam se preocupar mais com os encarnados do que com os desencarnados...

Como sempre, o diálogo com Odilon me descerrara nova perspectivas.
A sábia palavra do Instrutor, além de me advertir, me re-orientava o esforço em meus novos caminhos.

- Então, você não está aborrecido comigo? – Tornei a perguntar.
- Ora, Inácio – respondeu-me com intimidade -, eu jamais me aborreceria com você.
Afinal, o seu coração não tem tamanho!...
Sei que você sempre age levado pelo impulso de ajudar.

- No meu caso, Odilon, a emoção vem primeiro e a razão depois...
Por esse motivo, não hesitei em incendiar aquele lugar e...
- Já sei: às vezes, se arrepende, às vezes, não...

- É!... Senti desapontá-los e interferir nos planos de Elpídio; quanto ao resto...
“Sodoma e Gomorra”!

– Não tem cabimento!
Você viu a situação daqueles jovens?...
- Vi, Inácio, e, sinceramente, desejei que aquelas cenas não fossem reais...

- Pelo menos, agora, levarão um bom tempo para reconstruir tudo aquilo!
Os jovens se dispersaram, e quem sabe alguns deles tomem um rumo diferente.
- Pode ser, pode ser!...
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A ESCADA DE JACÓ  - Inácio Ferreira / Carlos A. Baccelli - Página 5 Empty Re: A ESCADA DE JACÓ - Inácio Ferreira / Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 02, 2014 9:09 pm

CAPÍTULO 36

Precisávamos cuidar do caso de Flávio, o serial-killer que permanecia sob os nossos cuidados, no hospital para que fora transferido por intercessão de companheiros que se interessavam pelo seu destino.

Desde que se internara connosco, submetia-se a intensivo tratamento, alternando, porém, estados de pequena melhora com terríveis crises de identidade.

Coisa curiosa:
entidades que não víamos e vozes que não ouvíamos o atormentavam com frequência, qual se fizessem parte de uma “dimensão espiritual” paralela, inacessível às nossas percepções.

O caso de Flávio era, sim, um caso de obsessão, agravado por uma patologia mental, oriunda de traumas e agressões que sofrera desde a infância.

Um espírito com problemas tão complexos não se reergueria sem o concurso da Intervenção Divina.

- Com sua permissão – disse-me Odilon, que prometera auxiliar-me -, creio que seja chegado o momento de dedicarmos maior atenção a nosso irmão, que necessita ser encaminhado à bênção do esquecimento...

Fora do corpo, Flávio não conseguirá o desligamento psíquico indispensável ao seu processo de reajuste.
Teremos que decidir por ele, de vez que não se encontra em condições de discernir.

- E se o deixássemos por mais tempo connosco?
- Infelizmente, a patologia de que padece se cronificou e, ainda que se demorasse no tratamento que lhe vem sendo dispensado no hospital, o seu estado íntimo pouco se alteraria.

Em determinadas circunstâncias, Inácio, a reencarnação funciona como uma espécie de “unidade de tratamento intensivo” – de UTI especializada para o espírito doente. Mesmo que quiséssemos, Flávio não teria condições de renascer num corpo saudável: o seu desequilíbrio, afectando os centros cerebrais de comando, comunicasse ao organismo espiritual, que, conforme sabemos, é a matriz do corpo físico...

Precisamos estudar o assunto, de vez que não nos compete impor semelhante provação a quem quer que seja.
Por esse motivo, devemos ir à Terra, sem levá-lo connosco, analisando possibilidades in loco...

- Escolhendo os seus futuros progenitores? – Perguntei.
- Seria mais acertado dizer: aqueles que lhe fornecerão material genético “adequado”, pois, ao verem o filho que geraram, muito provavelmente irão abandoná-lo nascituro...

- E se, porventura, um casal harmonizado se dispusesse a recebê-lo?
Não teria ele a chance de reencarnar em situação física e mental mais favorável?...

- Não, e, convenhamos, seria o mesmo que colocar uma arma nas mãos de quem revela tendência para o crime.
A matéria, Inácio, conforme estamos esclarecidos, não organiza: é organizada!

O estado mental de Flávio, que, neste sentido, é dono de relativo poder, desenvolvido às custas das tramas que urdia contra as suas vítimas e não para deixar pistas à polícia, acabaria prevalecendo e, inevitavelmente, reflectiria o próprio desequilíbrio.

E, depois, a fim de que comece a despertar sentimentos de fraternidade, adormecidos, há tanto tempo, Flávio necessita de experimentar o amor desinteressado, através das mãos caridosas que haverão de recolhê-lo na sarjeta...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 03, 2014 9:00 pm

- Viverá longo tempo entre os homens? – Indaguei, almejando mais amplos esclarecimentos.
- Faremos o possível para que sim, todavia não nos esqueçamos de que, para o seu espírito, o futuro renascimento se tratará do primeiro estágio de uma série de outras tantas.
Feridas profundas não cicatrizam de improviso:
os tecidos lesados se reconstituem com lentidão...

A duração de sua permanência no corpo dependerá dos cuidados que receba, de vez que, com o sistema imunológico afectado, será uma criança de saúde débil.
Haveremos de nos esforçar para que, pelo menos, atinja uma faixa etária que lhe enseje reflexões, sementes de novas ideias que germinarão mais tarde!

- E quanto às sua inúmeras vítimas?
- A pergunta é interessante.
As que se revelarem capazes de esquecer e perdoar não estacionarão no tempo e, do ponto de vista cármico, não se vincularão a ele, seguindo adiante.

Quando nos liberamos dos credores insolventes, transferimos as dívidas contraídas para connosco à Economia da Vida, que se encarregará de recebê-las com os acréscimos de praxe.

Muitas vezes, a insistência em receber dos outros o que nos é devido se nos transforma em obsessão, ocasionando-nos prejuízo moral de considerável monta.

Por essa razão, devedores que somos uns dos outros, deveríamos aprender a ser mais condescendentes, de vez, repito, que, excessivamente preocupados no que fomos lesados por este ou por aquele, deixamos de efectuar transacções que nos proporcionariam dividendos espirituais que compensassem todo e qualquer suposto prejuízo.

E prosseguiu, explicando com admirável lucidez:
- Aqueles credores, no entanto, que não forem capazes de abrir mão do que, por direito, lhes cabe, terão de esperar, correndo risco de, intolerantes, se complicarem, como, por exemplo, acontece a quem agride quem não lhe pode pagar de imediato.

O nosso Flávio tão cedo não estará em condições de ressarcir os débitos cármicos contraídos, para que isso fique bem claro – o mal que sofremos em consequência do mau praticado não vale pelo bem que nos compete fazer!

A dor é o resultado de uma acção desencadeada, e uma coisa é sofrê-la pelo que fizemos de negativo e outra, pela oposição ao que deliberamos fazer de positivo:
em alguns – na maioria – a dor é consequência do que se é; em outros, do que se pretende ser...

Existe enorme diferença entre o que sofre rolando abismo abaixo e o que sofre escalando a montanha!
Um verte lágrimas na direcção das sombras e outro transpira almejando a luz!...

- Mas, por que - interroguei ao Mentor – certos credores terão que esperar?...
- Porque o nosso irmão, em menos de 100, 200 anos ou mais, não estará em condições de lhes restituir o que deve, e não adianta pressioná-lo.
- 100, 200 anos ou mais?! – Exclamei.
Melhor, então, que esqueçamos...

- Melhor seria, Inácio, que sequer tivéssemos relacionado em alguma lista um nome de quem algo nos deve...
A Vida sempre nos repassa o que nos pertence.

Desculpe-me, não sou economista e, portanto, não disponho de terminologia adequada para ilustrar o assunto, mas, além dos nossos débitos individuais, temos os de natureza colectiva.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 03, 2014 9:00 pm

Em geral, pensamos no que devemos a este ou àquele e nos supomos quites quando nos é dado saldar o compromisso, olvidando as consequências do débito para os que, indirectamente, foram prejudicados por nós!

- Raciocinando assim, pela Lei do Carma, qualquer dívida é quase impagável!...
- Depois de acertarmos as contas uns com os outros, ainda estaremos devendo a Deus!
Inácio, o ódio de quem se supõe credor supera a acção negativa de quem se lhe tornou devedor...

- E, então, de credores, passamos...
- ...A devedores! O perdão é uma questão de inteligência.
Quem não perdoa perde tempo e oportunidade.

O mal de que alguém se nos faça instrumento pode nos causar maior mal do que era a intenção de quem no-lo fez.
Quando o mal de fora estimula o mal de dentro, torna-se difícil avaliá-lo em todas as suas implicações: um simples graveto pode reacender a fogueira...

Às vezes, o que aguardamos é apenas ensejo de nos mostrarmos como realmente somos.
Independente, pois, do tamanho e da gravidade da ofensa, quem não perdoa é porque não possui compreensão suficiente para fazê-lo.

É diante do revés que nos expomos em nossa intimidade.

- Jesus nos recomendou oferecer a outra face...
- O revide jamais se justifica, pois revidar, tomando a justiça nas mãos, é também se comprometer.

- O mal, no entanto, não pode correr solto pelo mundo...
- É evidente que não e, por esse motivo, enquanto o mal não desaparecer da face da Terra, os maus se encarregarão de punirem-se mutuamente.
Para coibir o avanço do mal, bastar-se-ia incentivar o bem.

Prefere-se, no entanto, mediadas de força, ao invés de providências pedagógicas.
O mal existente no mundo é resultado a indiferença social; na maioria das pessoas, o idealismo é apenas aparente...

Com raríssimas excepções e louvado seja Deus, porque elas existem!
Quase ninguém está verdadeiramente preocupado com o bem-estar dos semelhantes.
Por mais dialogássemos, não esgotaríamos, em rápidas palavras, a assunto tão transcendente.

As considerações do Mentor eram simples convites à meditação, evidentemente comportando outras e, talvez, mais profundas abordagens.

No entanto, eu me dera por satisfeito, compreendendo que, de facto, sob o aspecto espiritual, não vale a pena considerar credor de ninguém, antes, embora nos sentindo prejudicados neste ou aquele ponto, que adoptássemos sempre a postura de quem se sente mais necessitado de perdoar do que de ser perdoado.

E eu que, no arquivo vivo da memória, tinha uma pequena lista de nomes e factos relacionados, à espera de apresentá-los a fim de ser ressarcido por quem de direito, no que me sentira lesado, de repente me vi completamente desprovido de razão e o que, para mim, era saldo positivo passou a ser negativo, ou seja, eu estava operando “no vermelho”!...

Era no que dava conversar muito com um espírito da estatura de Odilon!

A minha conta cármica pessoal a favor estava zerada:
ninguém nada mais me devia e eu passara a dever a todos!

E, assim, sem nenhuma “reserva” ou “esperança”, não me sobrava alternativa, a não ser trabalhar para que, pelo menos, não me faltasse o pão de cada dia...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 03, 2014 9:00 pm

CAPÍTULO 37

Acompanhando Odilon, fui até a periferia de uma grande cidade e, juntos, estudamos a possibilidade de que Flávio renascesse filho de um casal que se dispusesse a colaborar em seu reerguimento espiritual.

Confesso-lhes que, em quase todas as casas visitadas por nós, nos deparamos com espíritos “de plantão”, entidades que, de uma forma ou de outra, se encontravam ligadas carmicamente aos moradores, à espera da oportunidade que preiteávamos para o companheiro doente que havíamos tomado sob a nossa tutela.

De alguns casebres, chegamos mesmo quase a ser expulsos, quando seus “habitantes” desencarnados desconfiavam do propósito que nos levara às favelas que percorríamos, vários espíritos já se encontravam a postos, aguardando ocasião para a retomada do corpo físico, sendo que muitos – com certeza, a maioria -, comportavam-se de maneira inconsciente, como se, estranhamente, fossem conduzidos pelo hábito de renascer, sem atinar com o real significado do ato em si.

Rotulados de “intrusos” – repetimos - muitos se mostravam hostis à nossa presença, aquelas entidades, estreitamente ligadas ao psiquismo dos irmãos que residiam nos lares que visitávamos, assemelhavam-se a “posseiros” que reclamavam, digamos, por direito adquirido, a propriedade ocupada.

– “Fora daqui! – gritavam, a nos enxotar”.
– A região nos pertence e nada conseguirão...
Tentem lá embaixo, nos prédios...”

Creio, sinceramente, que elas supunham que eu e Odilon é que estávamos à procura de alguém que nos oferecesse a almejada chance de reencarnar.

Pasmem comigo os prezados leitores, mas o facto é que, em determinado local, fomos abordados por um homem alto, de chapéu na cabeça e surrado sobretudo, que, aproximando-se, puxou conversa e quis negociar – isto é mesmo que vocês estão lendo – quis negociar a nossa reencarnação, dizendo-nos:
- Posso conseguir para vocês o que pretendem...
Conheço toda gente que mora nas imediações e, talvez, se fizerem questão os dois poderão ir juntos...

O meu preço é razoável:
se puderem pagar e não for exigentes em demasia...
Hoje, com a disseminação do hábito de beber e do uso de drogas por parte dos jovens, coisas assim ficaram mais fáceis de se obter.

O que vocês têm para me dar em troca?
Deixarão para trás algum bem que lhes pertença?

Como se aquilo para ele fosse um acontecimento natural, Odilon desconversou:
- Não, meu amigo, agradeço, mas não é o que estamos necessitando no momento...

Todavia o desconhecido insistiu:
- Não se preocupem; o negócio é sigiloso...
Quem sabe, estejam fugindo de credores implacáveis...
Se fecharmos acordo, eu nunca os vi e nada sei do paradeiro de vocês.

Tudo vai depender do que tenham para me oferecer.
Conheço um casal de adolescentes que está praticamente pronto:
ambos são saudáveis e de boa família...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 03, 2014 9:00 pm

Eu sei como precipitar as coisas...
É pegar ou largar, antes que outros se adiantem!

Vocês têm alguma preferência?
Sexo e cor, por exemplo?
Se não tiverem, melhor ainda, se tiverem, custará mais caro, pois, no que se refere a sexo, terei que repassar o serviço...

Meu Deus, aquilo era um absurdo!
Eu não queria crer no que estava ouvindo e, mais uma vez, pus-me a pensar no que os nossos irmãos encarnados pensariam a respeito.

- Não, meu amigo – respondeu o Mentor pela segunda vez - agora não é esta a nossa intenção; mais tarde, se for o caso, já sabemos a quem procurar...
- Vocês não sabem o que estão perdendo – tornou a entidade, que não desistia com facilidade.
Do jeito que tudo anda por aqui, a Terra ainda é o melhor lugar...

Proposta como a minha, vocês não encontrarão...
Podem confiar.
Se desejarem, posso levá-los aos três últimos com os quais negociei:
estão três crianças lindas, com saúde e bem cuidadas...

Breve, breve, estarão desfrutando das delícias da vida!
Sem intermediário, vocês não conseguirão o que pretendem, pois todo mundo está ocupado e lá embaixo é pior ainda.

Talvez seja mais fácil encontrar melhores pais aqui do que lá!...
Vocês me parecem saber o que eu estou dizendo...

- Meu amigo – disse-lhe com o intuito de que nos deixasse em paz - você já ouviu “não” duas vezes...
Por favor, não insista.
Você não me parece um sujeito assim tão esperto...
Porventura, sabe quem somos?
E se nós o denunciarmos?...

- Não, Não, por favor...
Eu só queria ajudar.
Se me denunciarem, eu nego...

- Então, por favor, se afaste, pois, caso contrário, o tiro pode sair pela culatra...
- Como assim?
- Nós também temos meios – blefei – de fazer você retornar ao corpo rapidinho, sem chance de escolher...

Com certeza, me supondo um louco ou, no mínimo, alguém com ligações perigosas, o homem, mesmo assim, nos afrontando, tirou o chapéu da cabeça, cumprimentou-nos e saiu.

- Meu caro, eu estou bestificado! – Exclamei, recorrendo às ponderações do amigo.
Negociar reencarnação!

- Inácio, qual é o motivo de tanta surpresa?...
Na Terra negocia-se de tudo: órgãos, crianças, cadáveres...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 03, 2014 9:00 pm

Enquanto falávamos, escutamos tiros e vimos policiais se movimentando em patrulha.
Entrincheirados num barraco, seis homens resistiam, respondendo a bala ao cerco policial.

- Está escurecendo...
Se conseguirmos mantê-los afastados até que anoiteça de todo, fugiremos; amanhã, eles nos pagam: desceremos o morro e aprontaremos...

Antes, vamos acabar com o “Oncinha”:
foi ele quem nos denunciou – comentou um deles, com um projéctil cravado no ombro...

- Incendiaremos ónibus, carros e dispararemos sobre o campus universitário: morra quem tiver que morrer...
Safados! Com certeza, estão querendo mais dinheiro...
O “Oncinha” quer reinar sozinho e ouvi dizer que ele está entrosado com gente graduada...
Eles sentirão na pele a nossa força.

Acho que acertei um deles na cabeça: escutei quando o cara gritou e caiu no meio de umas bananeiras – falava um outro que, na minha opinião, não teria mais que vinte anos de idade.

Devagar, os tiros foram cessando e, com o cair da noite, os policiais deliberaram retroceder, pois, em verdade, seria suicídio avançar, o bando em perseguição conhecia o terreno como a palma da mão e seriam acobertados pelos comparsas...

Não muito distante dali, vimos um barraco mal-iluminado, que, no entanto, irradiava uma atmosfera de paz.
Com discreto aceno, Odilon convidou-me para que nos aproximasse.

Lá dentro, de joelhos diante da imagem de uma santa – quero crer que de Nossa Senhora Aparecida – uma mulher orava de mãos postas, intercedendo por duas crianças que ressonavam num berço:
- Abençoada Mãe do Céu, protegei os meus netinhos...
Livrai-os do mal que, a cada dia, nos espreita!

Que eles posam crescer e ser honestos; que consigam estudar e ter uma vida diferente do pai deles, meu filho, que não sei dizer se está vivo ou se está morto...

Eles foram, Senhora, abandonados pela mãe, que fugiu com uma outra pessoa...
Coitadinhos! Tão pequeninos e já tão sofredores!...

Que, pelo menos, eu tenha vida para encaminhá-los...
Sou viúva, pobre e luto com muita dificuldade.
Concedei-me, ó Mãe do Céu, as forças de que necessito para continuar lavando essas malas de roupa que nos garantem o arroz e o feijão...

Daí juízo, Senhora, a tantos jovens que são motivo de tristeza para os seus pais!
Ainda ontem, morreu o filho de Dona Augusta, que é nossa vizinha:
eu vi aquele menino nascer!...

Catorze anos de idade apenas e recebeu quatro tiros no peito...
Na semana passada, foi o Joaquim, filho de D. Mair...

Era ele que cuidava da mãe, paralítica na cama, por causa de um derrame cerebral, os traficantes suspeitaram dele e o mataram a pauladas...
Como há de ser agora, ó Bondosa Mãe?!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 03, 2014 9:01 pm

Aquela senhora sofrida de quase setenta anos de idade, embora aparentando mais, continuava pedindo com um terço entre as mãos, que ia desfiando entre lágrimas que lhe vertiam dos olhos:
- Mãe do Céu, Nossa Senhora, Mãe de Jesus Cristo e de todos nós, valei-nos!
Ponde um fim à violência que se espalha no mundo...

Tocai o coração de todos os governantes...
Misericórdia e amor! Perdão e caridade!...

O homem, Senhora, está perdendo o temor de Deus!
Auxiliai-nos!... Que as drogas jamais cheguem perto dos meus netinhos...
Se for para que seja assim, que Deus me leve antes!...

Eu estava consternado.
Olhei para dentro daquela casa e constatei a pobreza de seus dois únicos cómodos, um banheiro e uma varanda.
Nunca, como naquela hora, eu senti falta de dinheiro no bolso, para, de algum modo, fazer com que ele chegasse às mãos daquela piedosa irmã.

- A caridade nunca sobrecarrega ninguém!... – Disse Odilon, como se estivesse conversando sozinho.
- Como?! – Perguntei, na tentativa de entender o que me parecia sem nexo.
- Nada, Inácio, nada!
Pensei em voz alta, como você mesmo o faz tantas vezes!...

Não! Eu conhecia Odilon o suficiente para saber que algo, que ele não quis me comunicar de imediato, estava se passando em sua cabeça.

Respeitando-lhe o silêncio, deixamos aquele humilde casebre e não caminhamos mais que vinte metros...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 03, 2014 9:01 pm

CAPÍTULO 38

Deparamo-nos, em um barraco, com um casal de jovens que, embora estivessem alcoolizados, trocavam juras de amor, ao lado de uma garrafa de água ardente, percebemos dois improvisados cachimbos no chão e uma substância branca, em forma de pequenas pedras, que Odilon esclareceu-me tratar-se de crack.

- Amanhã, Lucinha – dizia o rapaz -, planearemos o assalto a uma agência bancária...
Para fazer parte do bando, necessito apenas de conseguir uma arma.
O “Fuleiro” prometeu me emprestar o seu “38”...

Teremos muito dinheiro e sairemos daqui, quero, na sua companhia, ser pai de muitos filhos...
Eu não entendo por que você ainda não engravidou de mim, estamos juntos há mais de um ano!...

- Ora, Veloz – respondia a moça com dificuldade - você sabe que o médico falou que eu tenho aquele problema...
Como é que se chama mesmo? Cisto...
- Cisto no ovário!...

- É, e por esse motivo eu não engravidaria fácil...
Tenha paciência. Continuaremos tentando...
E, depois, eu tenho medo que você morra ou seja preso.

O que eu faria sozinha com um filho seu?
O “fuleiro” é malandro, fala em lhe emprestar a arma, mas não vai deixar isso barato...

- Mas o nosso barraco está caindo:
se tornar a chover forte, era uma vez...
Aquele cara que morava aqui não cuidava de nada.

Você se lembra dele – o “Baixinho”?
Morreu numa briga com o cara de confiança do “Oncinha”; dizem que foi executado sem a menor chance...

E, estendendo o copo vazio, solicitou:
- Ponha mais um pouco de pinga e acende o cachimbo, minha “gata”...
Trate bem o seu marido!

- Veloz, antes de sair amanhã, veja se você consegue algo para comer...
Desde ontem, estou com fome e me sinto muito fraca...

- Está bem, está bem, você está com olheiras mesmo...
Irei à mercearia e tentarei comprar alguma coisa na lábia, se o assalto der certo, sairemos da miséria...

Mais alguns dias e tudo se ajeitará, nunca mais fumaremos crack:
poderemos comprar coca da melhor qualidade...

Deitados no chão, forrado com folha de jornal e alguns trapos, os dois terminaram por adormecer, completamente embriagados.

- Precisamos nos apressar – disse Odilon, olhando-me significativamente.

Compreendo o que, sem palavras, ele sumariava, retruquei:
- Mas aqui?!... Não existe a menor condição...
Ambos estão subnutridos e as possibilidades são mínimas.
A jovem ainda alega ser portadora de um cisto ovariano, o que, sem dúvida, dificultará a gravidez.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 03, 2014 9:01 pm

- Temos meios de contornar o problema, Inácio.
Não se preocupe.
O cenário é ideal para que Flávio retome o corpo com discrição, os seus inimigos não o encontrarão com facilidade e, caso possam identificá-lo, o tempo já terá passado...

Voltemos ao hospital e tragamo-lo connosco.
Se tudo correr como penso, de manhã poderemos dar início ao seu processo reencarnatório.

Sem maiores delongas, empreendemos a viagem de volta e, assim que chegamos, fomos directo ao quarto onde ao serial killer permanecia isolado no hospital.

- Como está ele? – Perguntou Odilon a Manoel Roberto.
- Em sono profundo, entrecortado de pesadelos...

Todavia ainda apresenta algumas deformações no corpo espiritual:
as pernas e os braços não voltaram ao tamanho normal, o rosto com vários edemas e os sentidos da visão e da audição se encontram parcialmente obstruídos...

- Prepare-o, Manoel – pediu o Instrutor -; partiremos dentro de instantes...
Se nos atrasarmos, talvez percamos a oportunidade.

São muitos os espíritos que se encontram vagando na superfície da Crosta, à espera de um corpo...
Enquanto preparativos eram ultimados, entrei a dialogar com o amigo que me parecia determinado.

- Odilon – desculpe-me interpelá-lo -, mas as chances de que aquela moça aborte são enormes...
Não seria prudente que pesquisássemos um pouco mais?

- Será uma gravidez de risco, Inácio, mas ela não abortará; providenciaremos para que, pelo menos, não lhe falte o mínimo necessário no período da gestação...

- Flávio, porém, se encontra com o corpo espiritual em lastimável estado.
Sinceramente, temo pelo sucesso do que está sendo planejado.
Ao que me parece, ele não passará de uma massa disforme à guisa de corpo humano...

- Não demos excessiva importância à forma, que por mais primorosa, é sempre transitória.
Ele terá o corpo de que precisa para que se reumanize, do ponto de vista mental.
Os seus pensamentos é que necessitam se reordenar e os seus sentimentos se reequilibrarem.

- Pronto, Dr. Odilon!! – Informara Manoel Roberto.
- Como ele reagiu?
- Não abre os olhos e não se mexe, mas está tentando falar, como quem deseja se defender de um perigo iminente.
- De uma bênção iminente!

Flávio, semi-enfaixado, parece uma criança no braço, que houvera sido vítima de muitas queimaduras.
Apenas o rosto, apesar dos edemas, conservava certas características de adulto.

- Tome-o, Inácio, em seus braços – disse-me Odilon. – Caberá a você transportá-lo e acomodá-lo no claustro materno...
- A mim?...
- Sim, a você, meu amigo, que, em nome do amor que nos devemos uns aos outros, se dispôs a tutelá-lo nesta casa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 03, 2014 9:01 pm

Todavia, quando o tomei nos braços e pude senti-lo leve como uma pluma, Flávio começou a se debater e, qual se adivinhasse o que o aguardava, rogava com dificuldade:

- Não, Não, por piedade...
Deixem-me! Socorro!... Deixe-me ficar!
Eu não quero... Eu não consigo sentir o meu corpo...
Onde estão as minhas pernas e os meus braços?... Socorro!

Estou prestes a cair... Não, não, eu não quero esquecer!...
Tenho medo... Não me enganem assim!
Para onde estou sendo conduzido!...

Pousando-lhe a destra na fronte, o Benfeitor procurou tranquilizá-lo:
- Tenha confiança, meu filho!
A Misericórdia Divina não nos desampara...

Você não será abandonado.
Mantenha-se calmo e entregue-se nas Mãos de Deus.
O tempo todo, haverá que cuide de você...

Duas grossas lágrimas rolaram sobre aquele rosto macilento e, de minha parte, sem saber o que fazer para melhor colaborar, depositei em sua fronte suarenta o meu ósculo paternal.

De imediato, Flávio foi se asserenando e pude perceber que o que restara do seu corpo se relaxava em meus braços...

- Vamos, Inácio! – Concitou-me Odilon.
Não temos tempo a perder...
Dentro em pouco, o dia estará clareando e, ao despertar com o sol a pino, antes de se encontrar com os demais integrantes do bando, para planejar o assalto em perspectiva, Veloz se despedirá de Lucinha...

O momento então, nos será propício.
Não tivemos que esperar muito.

Curtindo tremenda ressaca, o casal se despiu dos trajes mais íntimos e, com certeza, o resto dos nossos irmãos nos dispensarão de relatar.

Digo-lhes somente que fiquei sem entender quando, após terem atingido o orgasmo, Flávio foi praticamente sugado dos meus braços e, como se o perispírito ainda mais se lhe restringisse, atravessando a barreira das dimensões diferentes, encolheu-se feito um filhote de pássaro no ninho...

Deixando Lucinha dormindo ao lado de Flávio, que, praticamente, se lhe colara ao corpo a semelhança de parasita frágil ao tronco de uma árvore igualmente debilitada, Veloz, ainda algo cambaleante, se dirigiu à próxima mercearia na favela e convenceu o dono a lhe vender pequena caixa com mantimentos, prometendo pagamento para a semana seguinte.

Quando o relógio assinalava mais de meio-dia, a humilde lavadeira que havíamos assistido orar, pedindo intercessão pelas duas crianças sob os seus cuidados de avó, adentrou o casebre em ruínas e tentou despertar a jovem, que não conseguia se levantar.

- Lucinha, minha filha, acorde, acorde! – Chamou ela, pesarosa de ver a moça naquela situação.
Você não pode continuar assim...
Levante-se, tome um banho e venha à minha casa comer alguma coisa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 03, 2014 9:02 pm

Isso é suicídio, minha filha!
Para onde foi o Veloz?...

Com a cabeça rodopiando de tanto álcool e droga, a jovem, que sequer suspeitara que estava grávida, respondeu:
- Dona Maria das Dores!...
Desculpe-me recebê-la assim...

Por favor, ajude-me a vestir-me...
Ai, como me dói a cabeça!
Estou com enjoo e creio que vou vomitar...

- Vomitar o quê, minha filha, se você não pôs nada no estômago...
Vocês dois esvaziaram um litro de pinga...
Não é possível!
Quantas pedras de crack consumiram?

- Duas ou três, não sei – respondeu Lucinha, que vomitou um líquido amarelo e teve súbita queda de pressão, quase chegando a desfalecer.

- Inácio, depressa! – Solicitou-me Odilon.
Concentremo-nos na região dos plexos esplénico e solar, na indispensável doação de energia...

Enquanto D. Maria das Dores providenciava um copo d’água para a jovem, que se prostrara, Odilon e eu nos desdobramos, impondo-lhe as mãos sobre o tórax e o ventre, no intuito de proteger o óvulo já fecundado e o espírito reencarnante, que experimentava os seus primeiros abalos em contacto com a matéria.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 04, 2014 8:23 pm

CAPÍTULO 39

Com dificuldade, Lucinha recuperou-se e amparada pela devotada senhora que a assistia, caminhou até ao humilde casebre de D. Maria das Dores, acomodando-se em seu leito, enquanto reconfortante caldo lhe era preparado.

- Minha filha – aconselhava a bondosa vizinha, preocupada -, você e o Veloz devem abandonar a vida que estão levando:
Não há organismo que aguente...
Vocês são ainda tão jovens!

Desculpe-me, mas eu os considero como se fossem meus filhos...
A mãe de Veloz era minha comadre, eu sei que ele anda envolvido com gente ligada ao tráfico de drogas...

E profetizou:
- A qualquer hora, receberemos uma notícia triste...
Por que vocês dois não se mudam daqui?

Não pensam em ter filhos?
Como haverão de criá-los desse jeito?...
A jovem ainda em estado de semiconsciência, mal conseguia responder às ponderações ouvidas...

- A senhora tem razão, mas, primeiro, o Veloz quer arrumar algum dinheiro...
Estou me sentindo estranha e não sei o que é; tive a impressão de que uma sombra dentro de mim...
Se, pelo menos, eu engravidasse!

Trazendo-lhe o prato fumegante e auxiliando Lucinha a tomar as primeiras colheradas do escaldado, a robusta anciã prosseguia:
- Quantas crianças, minha filha, que nasceram aqui no morro pelas minhas mãos já foram mortas!

Ainda ontem, na oração da noite, eu estava me lembrando de alguns deles...
Estou com um pressentimento ruim... Na minha opinião, vocês devem sair daqui.

Não conseguindo esvaziar todo o prato, a moça se explicava:
- Estou completamente sem apetite e, hoje, mais que nos outros dias, com uma ressaca muito maior...
Esses enjoos que não passam!

Odilon e eu permanecíamos de prontidão para qualquer eventualidade.
Estirada na cama, Lucinha por várias vezes, havia tentado se colocar de pé, sem lograr êxito.

Apenas, quando já era noite, tomou um banho rápido e voltou a se deitar, dividindo o leito com D. Maria das Dores.

- Estou preocupada – Dizia - nem notícia do Veloz...
O que será que houve?
- Ele deve ter se metido em alguma encrenca...

- O “Fuleiro” ia lhe emprestar um “38”...
- Um “38”?!... Para quê?...
- Estavam planeando um assalto...
- Lucinha!

- O que eu posso fazer?
A vida da gente é essa...
- A gente tem a vida que escolhe ter, minha filha!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 04, 2014 8:23 pm

Vencidas, respectivamente, pelo cansaço oriundo do trabalho honesto e pela debilidade física, ambas adormeceram lado a lado e, de certa forma, sob as emanações do corpo de D. Maria das Dores, o espírito Flávio se sentia como alguém que, padecendo frio intenso, de repente encontrasse aconchegante abrigo.

Foi de madrugada, o dia quase amanhecendo, quando um rapaz, aparentando não mais que 16, 17 anos de idade, bateu com insistência à porta do barraco e informou sem rodeios:
- O “Fuleiro” e o Veloz foram mortos...

Confrontaram-se com o bando do “Oncinha” e não tiveram escapatória.
Eu mesmo vi os dois sendo metralhados, a polícia foi avisada e ninguém teve coragem de dizer que os conhecia...

A morte daquele jornalista da “Globo” alvoroçou todo o mundo:
muita gente que nada tem a haver está sendo presa e interrogada...

Enquanto Lucinha prorrompia em soluços, ante os olhares assustados dos dois Dona Maria, que os abraçava, Odilon comentou pesaroso:
- "O calvário” de Flávio teve início:
no seu primeiro dia de contacto com o novo corpo em formação já está órfão de pai!...

- Os corpos devem ter sido levados para o IML - comentou a senhora, tentando consolar a jovem.
- A senhora irá comigo, a fim de retirarmos o do Veloz?...

- Lucinha, se não houvesse risco para você, eu iria sem nenhum problema, no entanto, minha filha, veja o seu estado: com os braços picados, assim, eles irão retê-la como suspeita...
E se ambas formos presas, quem cuidará dos meninos?
Deixemos nas Mãos de Deus...

- E agora, o que há de ser de mim?
Pergunta a jovem, levando as mãos na cabeça.
Fiquei sem ninguém...

- Se você me prometer que não mais usará droga alguma, poderá ficar em minha companhia:
eu preciso mesmo de alguém que me auxilie na lavação de roupas...

Fome a gente não vai passar!
Quem sabe, quando estiver mais forte, poderá arranjar uma colocação de doméstica, não é?
Quase dois meses se passaram do acontecido e, como a menstruação de Lucinha não tinha vindo, orientada por D. Maria das Dores, a jovem deliberou consultar um ginecologista num posto de saúde instalado na favela.

- Um quadro de cisto ovariano pode atrasar mesmo a menstruação – disse o médico - porém vamos confirmar com o exame de urina, pois, na minha opinião, você está grávida...

- Grávida eu?!
- Tudo indica que sim: o útero se apresenta inchado e não creio que seja cisto; você não está se queixando de nenhuma dor e, depois, esses enjoos...

Entre apreensiva e esperançosa, sem saber o que pensar daquela situação inesperada, a jovem que enviuvara, retornando à consulta, entregou, trémula, o resultado do teste de gravidez ao especialista que, então, confirmou o fato:

- A senhora está esperando bebé... Parabéns!
Eu vou lhe dar algumas amostras de vitamina, mas eu estou sentindo cheiro de nicotina em seu hálito...
Se a senhora continuar fumando e ainda anémica, para complicar, além de correr o risco de aborto, a criança poderá nascer com malformação..
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 04, 2014 8:23 pm

De nada, porém, lhe valeu a advertência médica.
Abstendo-se do uso de “crack” e de outras drogas injectáveis, a moça não conseguia deixar o hábito de fumar e, em consequência não se alimentava de maneira conveniente.

- Creio, Inácio – disse-me Odilon, em uma das visitas periódicas que lhes fazíamos -, que essa gravidez não irá além do sétimo mês...
O que você acha?
- As condições são completamente anómalas – respondi - se essa gravidez chegar a termo, possibilitando a sobrevivência...

E acrescentei:
- A futura mãe, ao que me parece, já pressentiu que existe algo de errado com o filho que carrega no ventre...

- Você tem razão – concordou o Mentor – e, sem consciência disso, começa a rejeitá-lo...
Não fosse o carinho que Dona Maria das Dores lhe dispensa, dizendo, inclusive, que será avó pela terceira vez, creio que não evitaríamos o aborto espontâneo.

- Espontâneo ou provocado? – Indaguei.
- Inconscientemente provocado...
O abdómen da gestante não se distenderá muito e ela quase não adquirira peso, o feto mal se mexia e, ao exame de ultra-sonografia, o médico considerara a hipótese de a criança estar com problemas.

O certo é que Lucinha não via a hora de alijar de si aquele fardo.
No sexto e no sétimo meses de gestação, Odilon e eu, com o auxílio de outros companheiros, nós revezávamos na indispensável assistência à gestante, que começava a esboçar ideias de fuga.

- Se a criança nascer com qualquer deficiência física ou mental – surpreendemo-la pensando, em diversas ocasiões -, eu não a quero!...
- Um filho é sempre uma bênção de Deus! – falava-lhe Dona Maria, procurando subtraí-la àqueles estados depressivos de que se via acometido.

Devemos receber com alegria tudo que for da vontade de nosso Pai...
Nada mais triste do que um filho rejeitado pelos próprios pais!

Durante aqueles sete meses, a jovem sequer fora capaz de organizar o enxoval do seu futuro bebé, deixando tudo por conta de Dona Maria, que se desdobrava para que nenhuma peça de roupa lhe faltasse na hora aprazada.

Naquele início da tarde calorenta, as contracções de Lucinha começaram de súbito e não houve tempo de encaminhá-la ao hospital.

Difícil descrever o que passou naquela casinha singela, quando a venerável parteira acolheu em seus braços aquele menino completamente deformado!...

Ao perceber o que lhe saíra do ventre, a jovem mãe se recusou a olhá-lo e entrou numa espécie de delírio, como se estivesse enlouquecido.

- Minha Nossa Senhora! – exclamou a piedosa velhinha, pondo-se a limpar o recém-nascido, que ao invés de chorar, emitia um estranho grunhido.
Mãe do Céu, dai-nos força e coragem!...

Lucinha, definitivamente não conseguia amamentar a criança e, embora extenuada, tentava se levantar da cama, pronunciando palavras desconexas.

Envolvendo num cobertor o ex-serial-killer, de regresso ao mundo em condições tão adversas, D. Maria das Dores, com sua longa prática de lidar com recém-nascidos que mães não podiam e não queriam amamentar, acomodou-o dentro de uma caixa de papelão e tratou de providenciar para ele, ao redor do fogão, indispensável alimento em mamadeira.

Na madrugada seguinte, enquanto todos dormiam, Lucinha levantou-se cambaleante e, desde então, desapareceu.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 04, 2014 8:24 pm

CAPÍTULO 40

Adoptando o filho de Lucinha e Veloz como seu, Dona Maria das Dores, penalizada da situação do menino, desdobrava-se em cuidados, tudo fazendo para que nada lhe faltasse, atenta ao rumor dos seus gemidos.

A nossa tarefa, com relação a Flávio, estava, assim, parcialmente cumprida.
Por quanto tempo permaneceria no corpo, sinceramente não podíamos prever.

O certo é que fora dado, com êxito, o primeiro e decisivo passo para que, finalmente, se redimisse, expiando as faltas que se habituara a cometer ao longo de muitas existências.

Expiar faltas é força de expressão, pois, em verdade, a reencarnação é um processo de despertar, ou seja, uma viagem de retorno às próprias origens que, gradualmente, o espírito empreende.

“A caridade nunca sobrecarrega ninguém” – dissera Odilon, e, tocados pelo devotamento da humilde lavadeira de roupas da favela, vários moradores começaram a se mobilizar com intuito de auxiliá-la.

O caso de “Joãozinho do Caixote” – como Flávio passara a ser conhecido em sua nova existência -, começava a fazer, inclusive, com que muitos companheiros dedicados à prática do bem, residentes em bairros distantes, subissem o morro e passassem a se interessar pelos problemas da comunidade carente.

O que, talvez, muitos pudessem interpretar como uma grande desventura estava sendo uma bênção!
Indirectamente, o ex-serial-killer passara a ser responsável por inúmeros benefícios que, em particular, as crianças carentes do local recebiam de mãos generosas.

Os netos de D. Maria, a princípio receosos apegaram-se ao garoto e o tratavam como irmão caçula, preservando-se, assim, de envolverem-se com meninos da sua idade que, infelizmente, já se ligavam ao tráfico, utilizados como “aviõezinhos” pelos que viviam do comércio de drogas.

No máximo, “Joãozinho do Caixote”, às vezes conseguia esboçar um sorriso ingénuo e estender os braços retorcidos a quem se aproximava para lhe fazer um carinho ou presenteá-lo com um mimo barato.

Quem o visse naquela condição, não imaginaria que o seu corpo disforme abrigasse um espírito de alta periculosidade, que se ensandecera no crime.

Em algumas oportunidades, estivemos com ele, quando, raramente lhe era possível ausentar-se com relativa consciência, durante o sono, da forma física que o retinha, então, Joãozinho voltava a ser Flávio e, reconhecendo-me, pedia:
- Liberta-me, Doutor, da prisão a que fui sentenciado...
Ai, como sofro!

Quase todo o tempo, permaneço atordoado...
Sequer consigo pensar e saber quem sou! Liberta-me daquela monstruosa “camisa de força”, o que me tolhe os movimentos...
Que vida miserável é a minha!...

- Tenha paciência, meu filho – dizia, respondendo-lhe as reivindicações - o tempo passa depressa...
Todos, de certa maneira, estamos presos a compromissos expiatórios, que nos regeneram.
O essencial não está lhe faltando...

Não reclame.
Antes, sejamos infinitamente gratos à Misericórdia de Deus!...
Principalmente nos fins de semana, o lar de Dona Maria das Dores se repletava de visitas, que proferiam orações e repartiam lanche com a criançada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 04, 2014 8:24 pm

Os próprios traficantes como que estabeleceram, sem perceber, uma espécie de cordão de isolamento na região, deixando de molestar os que para lá se dirigiam.

- Que será de Joãozinho quando a sua mãe adoptiva vier a desencarnar? – Perguntei a Odilon.
- Deus proverá - respondeu-me convicto.
Digo-lhe Inácio que nossa irmã, sendo portadora de problemas cardíacos, como, aliás na condição de médico, você não ignora, ganhou novo ânimo com a presença do menino em sua casa...

Vejamos como as coisas funcionam:
Dona Maria, apesar de sua aparência robusta, talvez não tivesse mais que dois ou três anos de vida no corpo e, ao desencarnar, deixaria os netos sem arrimo...
Creio que, agora, ela beirará os oitenta anos de idade, se não os ultrapassar!

- Pelo menos, com as doações que vem recebendo, ela tem se poupado mais e diminuído o seu pesado ritmo de trabalho na lavação de roupas.
- Um simples gesto de bondade pode influenciar a vida de muita gente!

- Que pena, a nossa Lucinha! – Exclamei.
- Ela teve a sua oportunidade e, mais tarde, lamentará não tê-la aproveitado: o seu filho poderia ter mudado o seu destino!...
Provavelmente, andará por aí, entre a revolta e o sentimento de culpa...

- É, quem sabe – lamentei - para entorpecer em si mesmo a voz da consciência, afogando-se no vício...
- É provável e, caso não se cuide, poderá vir a desencarnar antes de Dona Maria e do filho que desprezou.

Por esse motivo, Inácio, existem espíritos que praticamente estacionam no tempo, qual se lhes fosse possível fazê-lo voltar, quando alcançam certa lucidez, seja na Terra ou no Mundo Espiritual, recriminam-se pelos seus erros e, enquanto não se quitam o passado, não conseguem avançar na direcção do futuro...

Chegam então, a implorar aos que naturalmente se lhes fizeram credores uma nova chance de aproximação e convivência, que ficará na dependência de um sem número de circunstâncias e da compreensão daqueles que foram menosprezados.

- Preocupo-me – tornei a insistir – com o amanhã de Joãozinho...
Quem cuidará dele no mundo?

- “Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem fazem provimentos nos celeiros e, contudo, vosso Pai Celestial as sustenta.
Porventura, não sois muito mais do que eles?
E qual de vós, discorrendo, pode acrescentar um côvado à sua estatura?

E por que andais vós solícitos pelo vestido?
Considerai como crescem os lírios do campo, eles não trabalham e nem fiam, digo-vos mais, que nem Salomão em toa a sua glória, se cobriu jamais como um destes.
Pois se ao feno do campo, que hoje é, e amanhã é lançado ao forno, Deus veste assim, quanto mais a nós, homens de pouca fé?”

A resposta me deixara ruborizado e sem argumento.
- Inácio – prosseguiu Odilon esclarecendo - se, porventura, amanhã ou depois, por esse ou aquele motivo, nossa irmã não mais puder tutelar o menino doente ora sobre seus cuidados, veremos quem tomará a iniciativa de se candidatar a semelhante privilégio!

O silêncio apelo da vida à consciência da Humanidade!...?
Todos somos chamados à tarefa do amparo; poucos no entanto, os que logramos decifrar a mensagem que a Lei Divina nos transmite em código em favor de nós mesmos.
A caridade se faz maior para quem a pratica.
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