LUZ ESPÍRITA
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 30, 2022 10:44 am

Infinitas Moradas
Carlos A. Baccelli

Pelo espírito Inácio Ferreira

Infinitas Moradas
"Não se turbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim. — Há muitas moradas na casa de meu pai.
Se assim não fosse, eu vo-lo teria dito, pois vou preparar-vos o lugar. E depois que eu me for, e vos aparelhar o lugar, virei outra vez e tomar-vos-ei para mim, para que lá onde estiver, estejais vós também. "
(João, XIV: 1-3)

São infinitas as moradas do Pai, no Universo, Dimensões físicas e extra-físicas, que povoamos. Aprofundando, no entanto, no significado das palavras do Mestre, anotadas pelo evangelista, constatamos que, igualmente, são infinitos os planos de morada que, em nossos espíritos, oferecemos ao Senhor da Vida.
Descendo da Incomensurável Altura, Jesus não pregou a Boa Nova apenas para os habitantes do orbe terrestre... Em todas as Dimensões que o circundam, encarnados e desencarnados escutaram-lhe a Voz compassiva e mansa.
Tanto aos que se domiciliavam nas chamadas regiões subcrostais, quanto aos que se situavam para além da Crosta, o Verbo Divino, inflamado de Amor, ecoou em todas as latitudes siderais, exortando-nos ao conhecimento da Verdade que liberta.
O que o Senhor nos quis dizer, quando afirmou: "...pois vou preparar-vos o lugar"? Ousamos entender que o trabalho de implantação do Reino de Deus não se limita à evangelização do ser encarnado, mas, sim, em essência, a todos os espíritos que se vinculam à evolução planetária.
Assim, nesta obra despretensiosa de nossa lavra, tencionamos mostrar que, de fato, são também infinitas as moradas psicológicas que concedemos a Ele, moradas que, infelizmente, ainda não estão convenientemente preparadas, para que Ele venha habitar em definitivo connosco.
Colonizador Espiritual da Terra e das Esferas extra-fisicas que com ela interagem psiquicamente, de maneira incessante, desde as suas entranhas obscuras à Cúpula Transcendente, Jesus Cristo é, sobretudo, o Excelso Colonizador de nossas almas; porém, "Ele estava no mundo; e o mundo foi feito por meio dele; e o mundo não o conheceu."
(João, I: 10)

Até quando a Humanidade continuará a ignorá-lo, e o homem prosseguirá opondo-lhe sistemática resistência, sem compreender que é suave o seu jugo, e leve o seu fardo?
Quando, verdadeiramente, haveremos de aceitá-lo na condição de Senhor e Mestre, que nos ama e conhece, muito antes mesmo que possamos amá-lo e conhecê-lo?!...

Inácio Ferreira
Uberaba-MG, 29 de agosto de 2003
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 30, 2022 10:44 am

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
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Capítulo 1
Quebrando a rotina cotidiana nas actividades do Hospital sob a nossa responsabilidade na Vida Maior, do qual já tivemos oportunidade de dar notícias aos irmãos que ainda mourejam na carne, o amigo Odilon Fernandes aparecera para mais um dos nossos agradáveis e proveitosos diálogos.
Com o seu sorriso característico, após abraçar-me, perguntou, acomodando-se numa poltrona como se fôssemos ainda dois mortais:
— Então, Inácio?...como é que você vem sentindo a repercussão do seu novo trabalho literário entre os companheiros da Terra?
— Não estou por lá para receber as críticas directamente...
Por este motivo, de certa forma, a minha posição é cómoda. Lamento apenas pelo instrumento mediúnico, que fica exposto a tantas opiniões desencontradas...
— Não tem experimentado um certo desânimo?
— Você sabe, mesmo para nós, os que agora enxergamos a Verdade por outro ângulo, não é fácil; às vezes, sinto-me, sim, de espírito abatido, mas logo passa...
E uma oportunidade para que também exercitemos humildade, não é?
— Sem dúvida - respondeu, procurando encorajar-me. — O que importa é que prossigamos cumprindo o dever, não contando com outra aprovação que não seja a da própria consciência. Sempre nos depararemos com opositores de nossas ideias...
— A este respeito, Odilon, estou calejado; aliás, nós, os espíritas, estamos calejados... A nossa luta pela Doutrina, dos Dois Lados da Vida, tem sido intensa. Não basta morrer, para que as ilusões nos abandonem; se assim fosse, as coisas seriam bem menos complicadas...
Indo, no entanto, ao âmago da questão, como se o psiquiatra fosse ele e não eu, o abnegado companheiro comentou:
— Mas a crítica dos confrades é a que mais nos incomoda, concorda?
— Plenamente, pois, em maioria, não são fraternas e escondem outros interesses... Perdoe-me, Odilon, mas você me conhece bem: estarrece-me a estreiteza de raciocínio de tanta gente... O que eu lhes tenho dito, em minhas obras, não são nem dez por cento do que gostaria.
Eu não me intimido, mas a pressão sobre o médium, que, diga-se de passagem, frequentava a minha casa desde a juventude, chega a ser impiedosa...
— Ele terá que aprender a lidar com isso e... continuar produzindo. A Verdade, se se apresentasse de chofre para a Humanidade, seria repudiada de imediato.
Os que a ela resistem, voluntária ou involuntariamente, dosam-lhe a revelação, dando tempo para que os cérebros melhor se ajustem... Não nos adianta semear sobre a gleba que ainda não sofreu a acção do arado. Por esse motivo, Inácio, Jesus nos falou por parábolas, que até hoje estudamos em seu significado...
— Embora dê margem a diferentes interpretações, a Verdade, em sua essência, é sempre a mesma.
— Poucos, porém, entendem assim - elucidou o Mentor.
— Os próprios Espíritos Superiores, em "O Livro dos Espíritos", não deixaram de ser reticentes em muitas questões...
— Correto e, por esse motivo, alguns vivem falando em actualizar Allan Kardec.
— O que, na minha modesta opinião, é uma blasfémia!
— "O Livro dos Espíritos", simbolizando toda a Codificação, representou e representa um avanço extraordinário. Mas, para a época, seria excesso de luz para os olhos...
— Os homens clamam por novidade, todavia, quando ela surge... Os espíritas me parecem herdeiros da ortodoxia dos católicos! Espero que ninguém interprete por ferinas as minhas palavras... Afinal, Odilon, estamos simplesmente conversando - dois mortos que têm se atrevido a continuar dando sinal de vida aos vivos da Terra!...
— E não se esqueça de acrescentar, Inácio, que nem tampouco é sua intenção fazer a própria defesa - a sua ou a do médium, do qual ambos temos nos prevalecido em nossos contactos...
— Bem lembrado, pois, caso contrário, esta nossa conversa despretensiosa também irá render-nos críticas...
Ante o silêncio do companheiro, voltei a falar:
— Sinceramente, eu não entendo como a existência dos seres dementais possa continuar gerando tantas polémicas...
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— Você tem razão, pois, diante da evolução de Jesus Cristo, nós não passamos de uns deles - observou Odilon com sabedoria. — O nosso presente está mais próximo do nosso passado que do nosso futuro! Mal saímos das cavernas e já nos achamos os "donos" das estrelas...
— Eu sempre me achei muito parecido, inclusive no físico, com um elemental...
Rindo gostosamente, o amigo ponderou:
— Ora, não exagere!
— Estou falando sério... De tanto conviver com os meus gatos, fui adquirindo uma expressão felina; às vezes, eu me olhava no espelho e não me reconhecia em minha estranha metamorfose: meio gente, meio bicho!...
Em muitas ocasiões, os meus bichanos me pareciam mais sinceros, apesar do egoísmo que caracteriza a espécie, do que os seres humanos que me rodeavam.
— Inácio, não resta dúvida de que, entre um elemental e um anjo, estamos mais perto do primeiro que do segundo... A jornada evolutiva que temos pela frente está apenas começando.
— Os elementais são seres de transição, indispensáveis ao princípio inteligente a caminho da racionalidade.
— Se os homens soubessem a metade da metade dos mistérios que os envolvem...
— Enlouqueceriam! - emendei com convicção. — Mesmo os que se consideram mais lúcidos, enlouqueceriam!...
Se, em confronto com a realidade que deixamos no mundo, andamos meio aparvalhados por aqui, no piso que nos é imediatamente superior, imaginemos nas infinitas dimensões em que a Vida se desdobra?! O homem faz pouco da Inteligência Divina...
— A Imaginação do Criador não tem limites!... E natural que a criatura encarnada coloque determinadas informações sob quarentena, mas que não as negue a priori.
— Os elementais - continuei - contam-se aos milhares... Na Antiguidade, submissos aos espíritos de maior evolução que eram adorados na condição de deuses, executavam-lhes a vontade, promovendo os mais variados fenómenos de natureza física; assumiam, com facilidade, a forma de animais e de plantas e se tornavam visíveis aos olhos humanos, dando origem à crença oriunda dos poderes da magia...
— E sempre foram bons ou maus, de acordo com a índole de cada um.
— Conforme igualmente acontece connosco, que somos seres humanizados em luta contra tendências e inclinações de ordem inferior.
— Temos os dementais do fogo, os da água, os da terra e os do ar...
— Os quatro principais elementos constitutivos da Natureza!... - exclamei. — Eu não consigo entender, Odilon, como a presença deles, ao redor dos homens, não seja detectada pelos médiuns videntes... A que você atribui semelhante causa?
— Não podemos generalizar, pois alguns poucos clarividentes conseguem, sim, detectá-los. O problema do que se vê e do que se ouve mediunicamente vai além da simples percepção.
— Como assim?...
— Também está afecto a certa predisposição íntima, ou seja: ao que se crê, ao que se compreende e ao que se aceita... Toda a Verdade está aí, ao alcance de quem com ela consiga sintonizar-se.
— Integral ou parcialmente, não é?
— No nosso caso, Inácio, sempre mais parcialmente...
— Incrível! Quer dizer que mediunidade...
— Depende da formação do médium. Os médiuns católicos enxergam anjos e demónios; os espíritas vislumbram criaturas iluminadas ou trevosas, que simplesmente perderam o corpo... Em mediunidade, não podemos desconsiderar a questão da interpretação, mais ligada ao médium que ao espírito comunicante.
— Com você, a gente sempre aprende algo novo sobre mediunidade, Odilon.
— Ora, Inácio, voltemos a falar sério.
— Por este mesmo princípio, então, é que os nossos médiuns não registram a presença de animais desencarnados? - indaguei, curioso.
— Perfeitamente.
— Caso contrário...
— Caso contrário, os perceberiam psiquicamente com a mesma naturalidade com que podem nos perceber.
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— Poderiam ver, por exemplo, o espírito de um pássaro?
— O princípio inteligente de um pássaro, você quer dizer... É claro! Por que não?
— De um cão ou de um gato, no exacto momento em que estivesse deixando o corpo?...
— Em que o estivesse deixando ou retomando e mesmo ainda na Erraticidade...
— Na Erraticidade?...
— O mundo natural de todos nós, os que nos liberamos da forma física que nos revestia.
— Há quem não aceite a tese de sobrevivência dos animais...
— Há gente para todo tipo de crença e crença para todo tipo de gente, Inácio! - respondeu Odilon com bom humor.
— Dentro do Espiritismo? - insisti.
— Eu não vejo em que o espírita que não estuda e não se entrega à reflexão seja diferente dos outros; ele não pode se esquecer de que, em termos de fé e de razão, a sua capacidade de crer não extrapola a sua capacidade de racionar, e vice-versa.
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Capítulo 2
— E vice-versa?! - questionei, revelando a minha dificuldade de compreensão.
— Sempre haverá lugar para a transcendência no Universo - respondeu Odilon. — O espírito, por mais elevado, jamais abdicará da fé...
— Quer dizer que a razão não logrará se opor à fé completamente?
— Pelo menos, na actual consciência que possuo das coisas, é o que consigo deduzir... Sempre restará à criatura um ponto de interrogação, na solução de todos os enigmas da Criação. Observe, Inácio, o que acontece connosco: quanto mais sabemos da Vida, mais há para sabermos...
— A desencarnação descerrou-me perspectivas extraordinárias...
— Por este motivo, às vezes carecemos de nos conter em nossos relatos aos irmãos encarnados que, efectivamente, não estejam preparados para o conhecimento maior que nos favorece fora do corpo.
— Quase tudo, para eles, funciona matematicamente, inclusive as leis espirituais que regem a existência...
— E não é bem assim, pois, se a Doutrina nos elucidou a respeito de algumas delas, nada sabemos das inúmeras particularidades em que se estruturam; eis que quase todo artigo de lei é composto de diversos parágrafos concisos...
— A Reencarnação, por exemplo! - falei, desejoso de ouvir o Mentor sobre um tema específico. — Em maioria, os que a admitem imaginam que toda volta do espírito ao corpo obedeça a certa preparação...
— Infelizmente, ainda não estamos organizados para tanto-...
— E não contamos com mérito suficiente.
— Também, Inácio. Como você não ignora, raros são os espíritos que retornam à liça na carne, depois de proveitoso estágio em Regiões Superiores...
— Raros os que podem escolher, não é?
— Não convém que desanimemos os que pensam de maneira contrária...
— Os que pensam que, após a morte, serão recepcionados por uma equipe espiritual e transformados de improviso naquilo que nunca se esforçaram para ser...
— Não contamos com gente especializada em número suficiente. Como haveríamos de dar cobertura a todos?...
— Em todo o mundo?...
— Aqueles que não nos aceitam os préstimos e alimentam outras aspirações...
— Oriundos de outras concepções religiosas e filosóficas e que não querem nem ouvir falar em Reencarnação...
— Exactamente! Deixaram o corpo, mas levarão um bom tempo para melhor se situarem deste Outro Lado...
Mesmo que quiséssemos, Inácio, não conseguiríamos mobilizá-los. A Lei Divina não violenta consciências...
— Tudo obedece a notável espírito de sequência.
— Além-túmulo, somos esperados, principalmente, por nossas próprias obras!
— Por aquilo que fazemos de nós, no espaço e no tempo!
— A maior população de desencarnados - acentuou Odilon - vive presa à psicosfera do planeta...
— E reencarna à revelia...
— Pela força das circunstâncias!
— Deixe-me tentar compreender melhor...
— Um espírito deixa o corpo inconsciente do fenómeno. Sem ascendentes espirituais que movimentem recursos em seu benefício, não consegue se ausentar dos interesses que lhe são imediatos.
— E não poderíamos
— Teoricamente, sim, mas, na prática, nem sempre funciona.
— Por quê?
— Pela condição mental em que esse homem que "morreu" se coloca... Resgatá-lo sem o mínimo esforço, para tanto, de sua parte equivaleria tratar de um doente que não deseja melhorar. Você, como médico, conseguiria fazê-lo?
— Muito dificilmente...
— Prossigamos, então. O espírito a que estamos nos referindo não concebe a realidade da Vida Espiritual e teme seguir caminho... Ainda, em contacto com os familiares e amigos encarnados, ele não se sente de todo desamparado, continuando, por assim dizer, a lhes receber as emanações aconchegantes da natureza física e moral: é lembrado por eles, que não se lhe mostram hostis e, na maioria das vezes, não reagem, tendo-o por um comensal desencarnado...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 30, 2022 10:45 am

— Para mim, foi mais fácil deixar o corpo do que deixar a minha casa...
— É que nós não deixamos o corpo, Inácio: é ele que nos deixa!...
— E por quanto tempo o espírito referido pode permanecer assim?
— Por um tempo indefinido; às vezes, até a próxima encarnação, que, de fato, não costuma estar longe para ele...
— Quer dizer que ele pode reencarnar...
— Quando consegue fazê-lo no seio da mesma família, é uma dádiva, pois pode acontecer que ele se desgarre...
— E vá para onde? - indaguei, interessado na trajectória do espírito fictício que Odilon tomara para exemplo.
— Para a casa vizinha ou...
— Para uma outra cidade ou país?
— Sim, por que não?! Todos somos de Deus e integramos a mesma família humana.
— Em resumo...
— ...em resumo, quando o espírito não se conduz ou não é conduzido a colónias espirituais, onde lhe será possível relativo despertar, as Leis cuidam para que o seu processo evolutivo não se interrompa.
— Tudo se lhe constitui em aprendizado?
— Maturação psíquica, Inácio!
— E os vínculos afectivos com a família consanguínea?...
— O verdadeiro vínculo afectivo não se desfaz, mas entre a vontade e a necessidade, prevalece a necessidade.
— A necessidade de?...
— De crescer, de evoluir. Se fôssemos agir tão-somente pela própria vontade...
— Por este motivo?...
— O livre-arbítrio do homem é relativo, mas a Vontade de Deus é absoluta!
— É o cajado nas mãos do pastor, que tange as ovelhas para o redil...
— Muito bem colocado!
— E esse espírito, que supostamente reencarnará por força das circunstâncias, será homem ou mulher?
— Não importa.
— A ele, talvez importe...
— O espírito de mediana evolução não consegue se impor às leis da genética, mormente aquele cuja inconsciência não lhe permite influenciar, pelo poder da mente, a formação do novo corpo.
— Funcionará a Lei do Carma?...
— Como produto final de seus méritos e carências.
— Acontecerá o que acontece no campo da reprodução animal?
— Mais ou menos, pois no caso em pauta ainda precisamos de levar em consideração a condição cármica dos futuros genitores... Os animais não têm carma.
— Por que, então, sofreriam? - perguntei.
— A dor física que experimentam serve-lhes de estímulo ao psiquismo em expansão.
— Já no homem, a dor física é consequência de dor moral?...
— Quase sempre.
— Meu Deus, quanta coisa! - exclamei, pensativo.
— Pois é, Inácio, e nós nada sabemos.
— Vivemos pela Misericórdia de Deus!
— Não fosse por ela que, primeiro, nos deu Jesus e, depois, Allan Kardec, tactearíamos completamente às escuras.
— Agente fica com medo... Como nos prevenirmos das consequências de nossa ignorância, se tão longe nos encontramos da luz da Verdade? Estaríamos irremediavelmente expostos ao turbilhão que nos arrasta?...
— Esta resposta é relativamente simples, meu amigo - ponderou Odilon, aliviando os meus anseios.
— Tratemos de amar os nossos semelhantes e, assim, geraremos apenas efeitos que nos sejam positivos. O lavrador que menos conhece a respeito de semeadura e colheita, sabe que a qualidade da semente lançada à terra é factor determinante na hora da ceifa.
— Jesus Cristo resumiu todo o conhecimento da Lei e dos profetas no Amor!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 30, 2022 10:46 am

— Para amar, ninguém carece de ser erudito. O Amor a Deus e ao próximo é a síntese de todas as virtudes e o alicerce seguro de todas as conquistas do espírito.
— O Amor nos defende...
— E nos advoga a causa perante as Leis do Universo!
— Supre o nosso desconhecimento da Verdade?
— É evidente que não, mas nos preserva de longos equívocos no erro; antecipa-nos, intuitivamente, o que a Verdade, em última análise, tem para nos dizer...
— Quem ama faz o essencial?
— Não fosse pela nossa capacidade de amar, com certeza jamais nos ergueríamos do chão de nossas próprias mazelas! Antes de aprendermos a amar, não saberíamos o que fazer com a Verdade.
— Por esse motivo, Jesus veio ensinar o Amor à Humanidade antes que quase nada soubéssemos...
— E prometeu-nos, para o tempo oportuno, a vinda do Paracleto!
— O Espiritismo!...
— Cujas primeiras letras, que lhe constituem o divino alfabeto de infinitas revelações, mal ainda aprendemos a soletrar!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 30, 2022 10:46 am

Capítulo 3
A conversa com Odilon sempre se faz repleta de preciosos ensinamentos. No intuito de aprender, eu continuava a motivá-lo a falar sobre os assuntos que mais de perto me interessavam.
— Eu não supunha - comentei com o Instrutor, que me privilegiava com a sua visita - que os nossos contactos com o mundo, através dos instrumentos mediúnicos à nossa disposição, fossem eivados de tantas dificuldades...
Em nossas sessões no Sanatório, as coisas, neste sentido, me pareciam bem mais simples. Se os companheiros encarnados soubessem quanto temos que nos esforçar, mormente quando planejamos desenvolver um trabalho que exige maior empenho e devotamento do médium!...
— E tempo, Inácio - elucidou, sentindo-se à vontade para discorrer a respeito do tema em que se especializara. — Hoje em dia, com as exigências da vida moderna, os homens, de maneira geral, estão cada vez mais se absorvendo nas ocupações de natureza material...
Falta aos médiuns aquele necessário recolhimento, para que a sintonia se facilite.
— E a verdade é que igualmente não temos tempo para nos postarmos junto a eles, esperando que se nos façam mais receptivos ao pensamento...
— Sem disciplina de ambas as partes, nós, os espíritos e os médiuns, não lograremos levar avante qualquer tarefa de maior significado espiritual; se eles carecem de se nos adequar, necessitamos de nos adequarmos a eles, submetendo-nos à disponibilidade de uns e de outros... Por esse motivo, falamos tanto em parceria mediúnica. Raramente, porém, nos deparamos com um medianeiro disposto a colaborar, sacrificando, inclusive, a sua participação na vida social, e não exigindo de nós outros, para si mesmo, provas cabais de sobrevivência.
— Você tocou num ponto fundamental... É assim mesmo: via de regra, muitos de nossos cooperadores encarnados, no campo da mediunidade, condicionam a sua perseverança no exercício de suas funções à certeza que tenham de nossa presença junto a eles...
— Este é um dos mais pesados obstáculos a serem removidos, no serviço do intercâmbio. Por esse motivo, com a maioria deles não podemos contar senão esporadicamente, ou seja, quando se vêem numa fase melhor de crença, sem se anularem com tantos questionamentos.
— Os nossos irmãos médiuns precisavam de ser mais compromissados connosco...
— Não connosco, Inácio - esclareceu Odilon, corrigindo-me -, mas com a Causa! Na verdade, poucos são os que colocam a Causa acima de suas próprias exigências.
— Muitos irmãos do nosso Plano, com os quais tenho dialogado, aqui, nas actividades do hospital, mostram-se frustrados... Alegam que, por vezes, se cansam de esperar pelo concurso espontâneo dos medianeiros com os quais poderiam mais facilmente se afinizar...
— Isto já aconteceu comigo, mais de uma vez. Em determinada oportunidade, compareci a cinco reuniões consecutivas, aguardando a presença de certo médium que vivia na expectativa de que pudesse contactar-me...
— E ele não foi?... - perguntei.
— Não!
— Que pena! Perdeu uma oportunidade de ouro...
— E claro que não estamos a censurá-los, mas os médiuns inconstantes jamais nos transmitirão a confiança de que necessitamos para que planejemos algo de proveitoso por seu intermédio. E, de nossa parte, não podemos fazer-lhes qualquer exigência...
— Você está certo. Há pouco tempo atrás, em visita à uma casa espírita, aproximei-me de dois companheiros que se entregavam a animada conversação. Um deles, como se estivesse se justificando para mim, dizia ao outro: — "Os espíritos não têm mais as nossas preocupações; não têm contas a pagar, filhos para criar... É diferente! O mundo actual nos cumula de exigências. Por exemplo, eu queria ver um médium como Chico Xavier produzir o que ele produziu se começasse nas suas actividades agora..." O segundo, endossando as palavras do primeiro, completava: — "É verdade. Em 1927, na cidade de Pedro Leopoldo, que então não passava de pequena vila, não se tinha nada para fazer... Nós estamos na época do computador, da televisão, do automóvel; como iremos fazer face às nossas despesas, se não nos desdobrarmos? Os espíritos carecem de nos compreender, pois, afinal, estamos fazendo o máximo..."
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Odilon sorriu e observou:
— Eu já ouvi isto da parte de muitos de nossos irmãos, que se não o disseram de maneira explícita, pelo menos pensaram, esquecidos de que toda época é assinalada pelas dificuldades que lhe são próprias. E, depois, longe de nós a pretensão de contar com um Chico Xavier em nossas humílimas tarefas.
— As artimanhas dos espíritos obsessores que concorrem connosco são inimagináveis... O que eles não fazem para obstruir a capacidade de trabalho do médium!
Os sofismas que articulam...
— E, não raro, acabam conseguindo o que querem, induzindo os médiuns a cruzarem os braços.
— E um médium de braços cruzados é pior do que uma estátua de bronze!...
— Inamovível!...
— A continuar assim - perguntei -, é de se temer pelo futuro da mediunidade, não? Como é que faremos?
Por outro lado, noto que a maioria dos médiuns que perseveram, principalmente no campo da produção literária, é incentivada por escusos interesses...
— Sempre, no entanto, Inácio, o Cristo contará com o idealismo de alguns poucos. Colectivamente, a Humanidade, da qual evidentemente fazemos parte, ainda não merece um número maior de missionários despojados.
Em conjunto com os nossos irmãos que mourejam no corpo de carne, estamos trabalhando no sentido de atrair para a Terra espíritos de mais alta envergadura.
— Criando ambiente propício que lhes favoreça a reencarnação...
— A semelhança do homem que não se cansa de lavrar a gleba, na expectativa da colheita ideal. E, como você não desconhece, para que esses espíritos reencarnem, inclusive, é necessário se contar com uma melhor organização genética do corpo que lhes constituirá a transitória veste que envergarão...
— Notadamente, na estrutura do cérebro...
— Sem um veículo físico à altura, o corpo lhes será uma dupla prisão.
— Como é complexo todo esse mecanismo!
Meditando por instantes, voltei a indagar:
— E os ascendentes espirituais, não falariam mais alto?
- É evidente que sim, no entanto, como se tirar algo de onde nada se dispõe? Em termos de hereditariedade, o aperfeiçoamento espiritual se reflecte no corpo. Para que o Cristo se corporificasse no Planeta, o património genético da raça de que descende teve que se depurar...
— Seria correto deduzir-se que, por esta causa, um espírito que seja músico, por exemplo, procure, ao renascer, uma família de músicos?
— Na maioria das vezes, porém toda regra tem excepções. Existem casos que, aparentemente, contrariam as Leis conhecidas por nós... A descendência de Sócrates, o notável filósofo grego, nada tinha a ver com a sua grandeza de espírito; o pai de Mozart era um artista considerado medíocre...
— Quanta coisa ainda não sabemos, não é?! Quando encarnado, apesar de toda a minha formação académica e espírita, dificilmente eu teria cabeça para o que você está expondo com tanta simplicidade, Odilon!...
— Eu também nunca pude me aprofundar muito em determinadas questões de nossa Doutrina - redarguiu, com modéstia, aquele que consideramos por nosso Instrutor na Vida Maior.
— Se a maioria ainda não entende o mecanismo da Reencarnação...
— Nicodemos, Inácio, o doutor da lei, é um exemplo clássico; o Cristo lhe disse: "Se quando eu vos tenho falado das coisas terrenas, ainda assim não me credes, como creríeis, se eu vos falasse das celestiais?"
Deus faz as coisas de maneira correta. Os nossos irmãos encarnados solicitam da Espiritualidade novas revelações; imaginemos, no entanto, se pudéssemos lhes contar, em detalhes, tudo o que já sabemos e que, em relação ao que sabem, não é tanto assim...
— Seríamos rotulados de embusteiros.
— Veja a discussão que se criou em torno do seu "Na Próxima Dimensão"...
— Simplesmente porque fiz afirmativas que fogem ao habitual; a minha intenção foi a de exortar os nossos companheiros a deixarem o lugar-comum...
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli Empty Re: Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 30, 2022 10:47 am

— Existem alimentos que o estômago pede mais tempo a fim de ser digerido.
— Ao que escrevi na referida obra, você sabe que muito faltou acrescentar, pois o cérebro mediúnico não se me mostrou totalmente receptivo.
— Você tocou num ponto fundamental: até a mediunidade tem as suas restrições, ou seja, limites que não podem ser ultrapassados; a Sabedoria Divina programou o cérebro humano para não receber além do que possa assimilar... A luz, quando excessiva, ao invés de coadjuvar-nos a visão, induz-nos à cegueira!
— Noto que, quando me é possível o contacto com este ou aquele medianeiro, na maioria das vezes, eu me sinto de enxada nas mãos tentando cavar sobre a pedra...
— O mesmo acontece com os Espíritos Superiores em relação a nós, na Dimensão Espiritual que povoamos.
Tudo o que se nos situa para além da compreensão imediata nos parece absurdo!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 30, 2022 10:47 am

Capítulo 4
— Quando Galileu Galilei teve a ousadia de afirmar, contrariando a erronia então admitida pela Igreja, que é a Terra que gira em torno do Sol...
— Foi ameaçado com a fogueira e, se não se retractasse, teria sido queimado vivo.
— Ainda bem que Allan Kardec viveu na França!...
— A Inquisição o teria alcançado, caso, por exemplo, ele tivesse vivido na Espanha ou em Portugal...
— Em Barcelona, os seus livros foram incinerados em praça pública.
— Até poucos anos atrás - lembrei -, o Clero nos combatia abertamente; nós, os espíritas, éramos adeptos de uma seita satânica...
— Você não se esquece, não é, Inácio? - inquiriu Odilon, pousando-me a destra sobre o ombro.
— É certo que não me levaram à fogueira da execração pública, mas quase... Chamuscaram-me o espírito!
Neste ponto de nosso proveitoso diálogo, vieram se juntar a nós Manoel Roberto e Paulino Garcia, que se encontravam nas dependências do hospital.
— Olá, Dr. Inácio! - saudou-me o jovem Paulino, estendendo-me a mão. — Como é que o senhor tem passado?
— O senhor tem passado muito bem - respondi, descontraindo.
— Estávamos aqui falando de Reencarnação, Mediunidade e outros assuntos - observou Odilon.
— Viemos interrompê-los? - perguntou Manoel Roberto, preocupado.
— Que nada! - acentuei. — Vocês deveriam é ter chegado um pouco antes e aproveitado o que estou aproveitando.
— Estávamos, Doutor, Paulino e eu, visitando aquele paciente que chegou por último...
— O A., não é?
— O A. está internado aqui? - indagou Odilon, surpreso. — Eu soube que ele havia desencarnado, mas imaginei...
— ...que ele tivesse sido amparado pelos seus amigos... É o que seria natural que acontecesse, no entanto ele parece mesmo ser um dos meus carmas.
— Como foi que o fato se deu?
— A sua própria mãe, uma senhora muito distinta e sua antiga colaboradora, é que o trouxe. Ele deixou o corpo quase em estado de completa demência...
— E ele, Inácio, que o combatia tanto!...
— Que me distinguiu com o título de "Inimigo n.º 1" da Igreja, em Uberaba... Creia, Odilon, que a sua surpresa não é maior do que a minha. Estou verdadeiramente estarrecido, pois essa é a última coisa que eu poderia esperar...
— Ele está consciente?
— Não, não está; ele pensa que está efectuando um retiro espiritual. Por diversas vezes, já me perguntou que seminário é este...
— E não o reconhece? - indagou Odilon.
— Disse apenas que a minha fisionomia não lhe é muito estranha e, em nome da caridade, eu não me identifiquei. Ele está muito trémulo e cansado; ao vê-lo naquela situação, conduzido como se fosse uma criança pela mãe, eu me comovi profundamente... Não sei que ligação existe entre nós!
— O que eu não entendo, Dr. Inácio - aparteou Manoel, que acompanhara toda a nossa luta com ele -, é como pode ser abandonado assim, depois de servir à Igreja por tantos anos...
— Dos Dois Lados da Vida, a Igreja vem perdendo espaço - comentei. — A crise que vem acometendo essa instituição milenar é sem precedentes na História; o domínio, que antes dela se estendia do nosso Plano para a Terra, e vice-versa, tem se fragilizado quase em todo o mundo. Os apóstolos que a mantinham de pé estão desaparecendo e aos novos sacerdotes falta o indispensável idealismo; escândalos de ordem moral parecem estar precipitando os acontecimentos...
— Deste Outro Lado - observou Odilon -, por motivos que agora não nos compete enumerar, muitos religiosos têm debandado...
— Não encontraram o Céu que a sua fé lhes prometia! Creio que este seja o principal motivo. Alguns, no entanto, ainda resistem, na tentativa de estender a sua hegemonia nas regiões de além-túmulo...
— É inútil, pois, para aqueles que constatam por si mesmos as realidades da Vida Imperecível, a doutrina católica é retrógrada... O esvaziamento de seus templos é inevitável, o que, de certa forma, não podemos deixar de lamentar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 30, 2022 10:47 am

— Por quê? - foi a vez de Paulino perguntar.
— Porque a verdade é que o mundo ainda não está espiritualmente preparado para viver sem a tutela da Igreja... Se a ciência materialista lhe ocupasse o vácuo seria um desastre para a Humanidade.
— E o Espiritismo? - tornou o inteligente jovem a indagar ao Instrutor.
— O Espiritismo, na revivescência do Evangelho de Jesus, é uma doutrina que tão-somente agora começa a vicejar, e igualmente não estaríamos preparados para uma responsabilidade de tamanha envergadura. Se o nosso Movimento no Brasil tem se caracterizado por tantas disputas internas, não podemos prever o que aconteceria, se, de um momento para outro, a Doutrina Espírita fosse aclamada pelos homens como Verdade absoluta; a luta pelo poder nos enlouqueceria e haveríamos, em tempo bem mais curto, de repetir os erros das religiões tradicionais...
Ante as justas ponderações de Odilon, pesado silêncio se fez na sala em que conversávamos, mas, retomando a palavra, ele continuou:
— O Espiritismo, em sua feição religiosa, jamais se imporá sobre as demais crenças, que simplesmente se lhe adaptarão aos fundamentos de carácter filosófico e científico. A Verdade transcende quaisquer rótulos, sejam eles quais forem. O Espiritismo sempre existiu e sempre existirá, sem que necessariamente tenha que se formalizar e disputar qualquer espécie de supremacia.
— Isto significa que não devemos nos empenhar em sua propagação? - interroguei.
— "Ninguém, pois, acende uma luzerna e a cobre com alguma vasilha ou a põe debaixo da cama; põe-na, sim, sobre um candeeiro, para que vejam a luz os que entram. Porque não há coisa encoberta que não haja de ser manifestada; nem escondida que não haja de saber-se e fazer-se pública" - ensinou-nos o Mestre. Difundir o que é bom e verdadeiro é dever que nos compete, todavia, a pretexto disso, não podemos violentar consciências, impondo aos outros o nosso modo de crer. Semeemos, na convicção de que a semente da melhor espécie, a fim de florescer e produzir frutos, se subordina às condições da gleba que Deus oferece ao pomicultor.
Após ligeira pausa, querendo saber um pouco mais sobre A., Odilon perguntou-me:
— Mas o espírito de nosso irmão não foi reclamado por nenhum representante da Igreja? Estou, deveras, estranhando...
— A princípio, antigos companheiros desencarnados intentaram fazê-lo, mas a senhora sua mãe, que se sente responsável pela vocação religiosa dele e sempre o assistiu, defendeu-o, pois, caso contrário, não sabemos em que situação ele deveria estar agora. Tendo deixado o corpo muitos anos antes do filho sacerdote, em que pese as suas respeitáveis ligações com a Igreja, ela tomou consciência de si mesma e vem lutando para trilhar um novo caminho...
— Raros são os espíritos capazes de reconsiderar a sua crença religiosa no Além-Túmulo; a maioria persiste em suas convicções e, assim, não se predispõe mentalmente a nenhuma mudança...
— Temos aqui, no Hospital, uma mostra disso:
católicos, evangélicos e mesmo materialistas internados connosco relutam em aceitar as evidências; talvez, apenas neste aspecto, os espíritas despojados da vestimenta física, principalmente aqueles que não se esforçaram o suficiente para serem coerentes, levem vantagem sobre os adeptos das demais religiões...
— Os espíritas desencarnam de olhos abertos, não é? - questionou Manoel Roberto, aparteando.
— Para a realidade externa, sim, mas para a realidade íntima, nem tanto! - respondi.
— Os materialistas também relutam?... - indagou-me Paulino.
Tomando a palavra, foi Odilon que respondeu:
— Na Terra quanto na Vida Espiritual, poucos são os que se revelam dispostos a assumir as consequências dos próprios equívocos. Muitos se sustentam no erro, com o único propósito de não admitirem a culpa, e, consequentemente, não se predispõem à necessária corrigenda.
— Mas, no que se refere aos que foram materialistas, eu não entendo, pois, afinal de contas...
— Paulino - redarguiu o Mentor -, você ainda não viu nada, meu filho! Espíritos existem que se arraigam em seus pontos de vista por séculos e séculos; entram e saem do corpo incontáveis vezes, sem experimentarem a menor transformação... Deste Outro Lado, formam extensas comunidades, organizam-se e impedem-nos qualquer acção esclarecedora, barrando-nos a entrada às portas de suas cidades. Um exemplo típico acontece com a comunidade islâmica dos países do Oriente, sem falar no Norte da África: os muçulmanos constituem maioria esmagadora. O espaço espiritual que ocupam chega a ser impenetrável para nós outros, em nossos anseios de levar até eles qualquer esclarecimento que não se coadune com as palavras do Corão.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 30, 2022 10:48 am

Capítulo 5
— É impressionante! - exclamou o jovem ao qual eu tanto já, igualmente, me afeiçoara.
— Se assim não fosse, Paulino, bastaria a desencarnação para que todas as nossas ilusões se desfizessem e, então, a chamada morte faria instantaneamente por nós o que a Vida não o tem logrado, senão muito devagar... Conforme estamos informados, o despertar espiritual da Humanidade se dará indivíduo a indivíduo - nada de conversões colectivas à Verdade. A porta de ascensão à Luz aos que emergem das sombras, é por demais estreita! Aliás, o Cristo já nos advertira a respeito.
Neste momento, fazendo-se anunciar, uma das enfermeiras que cooperam connosco no Hospital, veio chamar-me:
— Dr. Inácio, o Sr. A. despertou. Está acometido de nova crise nervosa e deseja vê-lo. Diz que aqui não é um seminário e que foi enganado...
— Odilon, Paulino e Manoel, venham comigo convidei.
— Estávamos falando nele, que nos deve ter "ouvido"... A sensibilidade mediúnica não é privilégio dos espíritas!
Caminhando por extenso corredor, chegamos aos aposentos do ilustre paciente, que se mostrava agitado.
— Ainda bem que você veio - foi logo dizendo, ao me avistar. — Exijo uma explicação. Você sabe quem eu sou?! Se isto aqui for um hospital, quero que me dêem alta... Eu já estou me sentindo melhor; aquilo foi um mal-estar passageiro... Basta de medicamentos! Onde é que está aquela mulher que insiste em se dizer minha mãe?...
Ora, a minha santa mãezinha está no Céu! Ela jamais faria uma coisa desta comigo!... Isto aqui não é um seminário e está me parecendo muito mais um hospício.
Por acaso, vocês me internaram à revelia? Saibam que eu sou um clérigo muito influente...
— Acalme-se, meu irmão - respondi, tentando fazer com que ele se sentasse na cama. — Não há motivo algum para que você se exalte... Assim que se recuperar, nós o liberaremos. Realmente, aqui não se trata de nenhum seminário...
— Eu sabia! Eu sabia! Fui, então, mesmo enganado!...
Mas que hospital é este, em que não vejo sequer um crucifixo na parede?! Aonde foi aquela mulher que me trouxe?! Por que tramaram assim contra mim?!...
Estou velho, mas não perdi a lucidez. De onde será que eu o conheço? Desde que aqui cheguei, venho tentando me lembrar... Os seus traços fisionómicos não me são estranhos.
— O que importa agora é que estamos cuidando de você - esclareci, sensibilizado. — Não se preocupe com quem eu seja ou com que eu tenha sido... A senhora que o confiou aos nossos cuidados voltará em breve.
— Você não me parece um padre e nem tampouco um médico...
— De fato, eu nunca tive a menor vocação para o sacerdócio; a minha convicção religiosa é outra...
— Não me diga que é espírita!...
— E, se eu o for, meu irmão, que diferença fará?
— Toda a diferença que você seja capaz de imaginar... Eu sempre os combati e, para mim, seria o pior castigo, já no fim da vida, ter que suportá-los. O Espiritismo é uma seita herética, que se opõe aos princípios da Santa Madre Igreja!... O seu fundador, Allan Kardec, foi um agente de Satanás sob o disfarce de homem de bem. Compulsei toda a sua obra e posso afirmar, de cátedra, que se trata de um plano das Trevas para desestabilizar a Igreja. Nós, os católicos, não podemos sertão tolerantes assim; se necessário for, que, em defesa de nossa fé, reavivemos as fogueiras da Inquisição!...
— Mantenha-se tranquilo - voltei a pedir, notando que o arcebispo desencarnado, lívido, começava a se transfigurar. Não vamos polemizar... Agora, o que deve nos interessar é a sua saúde.
— Não vamos polemizar?! - retrucou, cambaleante. — Quer dizer, então, que você admite ser seguidor do Espiritismo? Que absurdo, meu Deus! Como é que se atrevem a colocar as mãos sobre mim? Eu bem que desconfiava: nenhuma reverência à minha autoridade, nenhum respeito à minha posição... Você sabe há quantos anos eu sirvo a Igreja? Há mais de 70!... Onde é que estão os meus auxiliares? O P. é muito amigo; por favor, providenciem para que eu possa vê-lo... Ah, eu os processarei! Que casa é esta a que fui conduzido contra a minha vontade?...
— Temos por você a consideração que, na condição de cristãos, nos cabe ter por todos os nossos irmãos em Humanidade - respondi, auxiliando-o a escorar-se na cama.
— Não coloque as mãos em mim! - respondeu, encolhendo-se. — Os espíritas não são cristãos, nunca o foram e nunca hão de ser!... Nem são filhos de Deus!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 30, 2022 10:48 am

Trata-se de um sequestro, não é? Pois bem, estipulem o preço da minha liberdade e... tenho certeza... de que os meus amigos...
A. não conseguiu concluir a resposta. Extremamente exausto, começou a experimentar leve convulsão e a transpirar de maneira abundante. Manoel Roberto, sempre atento, aproximou-se e cooperou para que eu o acomodasse devidamente.
Olhando-me de modo significativo, Odilon considerou:
— Com certeza, a sua recuperação exigirá um tratamento prolongado; afinal de contas, vem concebendo a Vida da mesma forma por mais de sete décadas!...
— Sem dúvida - concordei, enxugando-lhe o suor do rosto. — Um homem tão culto e inteligente... Que situação! De que natureza hão de ser os seus sonhos?...
— Dr. Odilon - indagou Paulino, ante o silêncio que se fizera no quarto o nosso irmão em pauta porventura sofria o assédio de algum espírito obsessor?
— O que o leva a formular tal questionamento? contra perguntou o Instrutor.
— O fato de nosso companheiro, embora a sua formação religiosa, não me parecer pessoa imbuída de bons sentimentos; ele fala com certo ressentimento no coração... Necessitado como se encontra, não me parece nem um pouco humilde; ao contrário, as suas limitações não o fizeram perder a arrogância... Ele, em pleno século 21, ainda se refere à Inquisição!...
— Paulino - explicou Odilon -, os espíritos ditos obsessores sempre se prevalecem de nossos próprios desequilíbrios, sentindo-se atraídos pelos nossos mais secretos desejos; a obsessão, como já tivemos oportunidade de estudar, não dispensa o consentimento do obsidiado, que, na maioria das vezes, se compraz, consciente ou inconscientemente, com a presença do obsessor... É possível, sim, que o nosso irmão, que, infelizmente, não logrou entender o espírito do Evangelho que pregou a vida inteira, tenha oferecido campo mental para a actuação de diversas entidades infelizes.
— E por que não permaneceram com ele, após o seu desenlace do corpo? Não seria natural que continuassem a vampirizá-lo?...
— Seria, mas, neste sentido, cada caso tem as suas implicações e não se pode generalizar. Alguns espíritos obsessores, logo conseguido o que pretendem, deixam o obsidiado entregue às consequências de sua invigilância:
a obsessão persiste com ele, mas os obsessores, não...
Assemelham-se à célula doente que dá origem ao processo tumoral que, uma vez desencadeado, lhe dispensa o estímulo inicial, ou, ainda, ao agente transmissor de determinada enfermidade que, picando a vítima, a deixa à mercê da secreção venenosa inoculada.
— E para onde vão?...
— Retiram-se com o seu carma, acumulando débitos que haverão de ressarcir a preço de muitas lágrimas, porquanto a Lei Divina em nada se omite. Não lhes valerá fugir à responsabilidade de suas atitudes que, mesmo a pretexto de vingança, reclamarão corrigenda.
— Quer dizer que quem cobra um débito...
— ...arrisca-se a contrair outro e, não raro, é o que acontece, quando tomamos a justiça em nossas próprias mãos. A vítima do mal não necessita, por si mesma, reivindicar que lhe sejam reparados os supostos prejuízos, pois, no momento aprazado, a Vida se encarregará de fazê-lo, inclusive com os juros que lhe são devidos.
— Paulino - aparteei -, o que o nosso Odilon está dizendo eu pude constatar inúmeras vezes no Sanatório.
Muitos dos pacientes que nos eram encaminhados padeciam mais das sequelas que a obsessão lhes tinha deixado do que propriamente da acção directa dos obsessores, que já era inexistente. De quando em quando, manifestavam-se entidades arrependidas do estrago que haviam feito à vida de suas vítimas, perguntando-nos o que fazer para voltar atrás e, de algozes ferrenhos que haviam sido, ofereciam-se para auxiliá-las a se recomporem mentalmente. Um minuto de insanidade pode engendrar um carma para toda a existência! Esses espíritos choravam, alegando que não se sentiam com liberdade para seguir adiante... O drama do obsessor que reconhece o seu erro e se arrepende é tão comovente quanto o daquele que ele atirou à sarjeta! Por este motivo, não nos cabe julgar a quem quer que seja. Onde não possamos auxiliar de imediato, façamos silêncio e aguardemos pela Misericórdia Divina, que sempre concede a todos oportunidade de tomar consciência de seus equívocos.
— O criminoso, quando volta ao local do crime...
— ...volta, sem que o saiba, na esperança de voltar no tempo - completei, sem dar a Paulino oportunidade de concluir a frase. — Por esse motivo, reencarnamos para trás e nunca para adiante... A reencarnação é sempre uma volta ao exacto ponto em que tomamos o caminho errado, na jornada que empreendemos!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 30, 2022 8:38 pm

Capítulo 6
— Interessante a tese da reencarnação para trás, não é, Dr. Odilon? - interrogou o jovem amigo, desejoso de ouvir a palavra do Mentor.
— O nosso Inácio colocou bem a questão, pois, sem dúvida, estamos sempre à procura de nós mesmos...
Onde foi que nos desviamos da senda e nos perdemos no escuro labirinto das próprias mazelas!... Imitamos, por exemplo, o escritor que, ao revisar os capítulos da obra que escreveu, alija do seu contexto determinada página, substituindo-a por outra ou dando-lhe uma nova redacção. Vislumbramos o futuro e voltamos ao passado...
Para o homem na Terra, o futuro é o nosso presente, ou seja, o Plano Espiritual; o nosso passado, em consequência, é o presente dos nossos irmãos encarnados...
Vejamos como o Tempo, em sendo absoluto, pode se tornar relativo. Em verdade, o Presente é a menor fracção de tempo à nossa disposição, um simples "traço de Eternidade" a ligar o que fomos ao que devemos ser...
Não somos ainda! Estamos em permanente mudança.
Apenas o Futuro, que é Deus, é Imutável; quando, porém, o alcançarmos, ele se nos constituirá em Eterno Presente...
Após ligeiro interregno, continuou:
— Mas estas são considerações de ordem filosófica, sem, digamos, um sentido prático imediato à nossa compreensão das coisas. O certo é que, sem quitar-se com o passado, valendo-se dos minutos à sua disposição no instante que passa, ninguém verdadeiramente avançará. Haveremos de prosseguir regressando às dimensões de tempo das quais procedemos com o intuito de, um dia, atingirmos a dimensão de onde o Cristo veio para nos ensinar o rumo...
— Odilon - indaguei na sua abalizada opinião, quantos anos, aproximadamente, estaríamos à frente dos nossos irmãos encarnados? Sim, porque a esfera espiritual que habitamos é a matriz do orbe planetário... Fazemos parte do "mundo das ideias", ao qual Platão sabiamente se referia; em outras palavras, a Terra, dos Planos Espirituais existentes, a cujo sistema evolutivo os nossos espíritos ainda se prendem, é o mais grosseiro e materializado...
— Muito difícil precisar, Inácio, mas, num cálculo aproximado, creio que estamos 50 anos à frente...
— Meio século em nossa dimensão?...
— Exactamente, embora, conforme você não ignora e até teve oportunidade de tratar do assunto em uma de suas obras mais recentes, existam espíritos despojados do corpo que vivem há 100, 200 anos atrás, de acordo com a cronologia terrestre... Estão mentalmente tão presos ao ontem, que o plasmam, nos mínimos detalhes, à vida em sua volta. E não exageraremos, se dissermos que encontraremos gente vivendo no que deveria lhes ser o futuro, estacionados, por exemplo, no passado da Idade Média!... Vejamos o caso de nosso A., arcebispo emérito desencarnado, falando na Santa Inquisição; ele foi nosso contemporâneo, no entanto...
— E os que povoam as dimensões que nos são superiores?
— Estão há 100, 200, 500, 1.000 anos e mais à nossa frente...
— Nas diversas Dimensões Espirituais, gente vivendo como o homem vivia primitivamente, e gente vivendo como o homem viverá...
— Jesus Cristo veio do Futuro, Inácio!...
— Então, os que dizem que Ele era um ET não estão muito enganados...
— Estão com a conotação que se empresta ao termo, porém, no aspecto espiritual da questão, atinam intuitivamente com a verdade; Ele próprio o disse, quando afirmou: — "O meu reino não é deste mundo..."
— Por favor, Dr. Odilon - solicitou Paulino -, esmiuce mais a questão de estarmos 50 anos à frente de nossos irmãos encarnados... Que exemplo prático o senhor poderia nos dar neste sentido?
— A tecnologia ligada à computação... Se os nossos irmãos estudarem detidamente o assunto, concluirão pela realidade da Reencarnação.
— Como assim?...
— É simples - esclareceu o Instrutor -: veja-se a facilidade com que as crianças aprendem a lidar com toda espécie de engenho electrónico, principalmente com o computador... Ora, a memória não é genética e, portanto, não é hereditária. Os filhos não poderiam ter herdado de seus pais nenhuma habilidade neste sentido. Onde foi, então, que adquiriram cérebro para tanto? Nas vidas pretéritas? É evidente que não, pois o computador é conquista recente no mundo.
— O desembaraço das crianças e notável!... exclamou Paulino.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 30, 2022 8:38 pm

— E o dos adultos é deplorável!... - emendei, fazendo-se sorrir. — Lembro-me da dificuldade que eu tinha com um simples controlo remoto!... É como fala o ditado: "Sabão não espuma em cabeça de burro velho"...
— Os meninos, parece que já "nascem" sabendo...
— Por que, Paulino? Porque o computador surgiu primeiro por aqui e os meninos que estão reencarnando agora já tiveram acesso a ele antes, ou seja, não se lhes constitui em novidade nenhuma espécie de engenho electrónico. Por assim dizer, quase todos são autodidactas, de vez que o que ainda é de poucos sobre a Terra, na dimensão que povoamos é de quase todos...
— De quase todos, sim, mas não de todos, porque meu ainda não é... - ponderei com um muxoxo.
— Ora, Inácio, não é, porque você chegou por aqui e ainda não quis aprender - brincou, Odilon.
— Dizem que até certos médiuns psicógrafos aderiram ao computador... Como psicografar assim? O método convencional da escrita mediúnica será aposentado?
— Em mediunidade - esclareceu o Instrutor -, o que importa é o pensamento, não importando tanto o meio de transmissão que pode variar de médium para médium, segundo ele se nos coloque à disposição. Não nos esqueçamos de que, nos primórdios do intercâmbio mediúnico, nos albores da Codificação, o lápis era adaptado a uma prancheta. O fenómeno psicográfico acontecia, então, através da escrita quase directa, com o médium apenas pousando levemente a mão sobre a referida prancheta, que copiava as mesas que se movimentavam nos salões aristocráticos de Paris; foi preciso um certo tempo de experiência para que, a partir da sugestão das Entidades Espirituais comunicantes, o médium empunhasse o lápis por si mesmo e começasse a escrever... Se, porém, Inácio, o computador se aplica ao caso da psicografia, em termos de mediunidade, a sua aplicação pára por aí, excepção ainda feita ao esforço de alguns espíritos que têm se dedicado à chamada TCI, a Transcomunicação Instrumental.
— As suas considerações são interessantíssimas, Odilon; eu nunca havia pensado no fato de o que se conhece sobre a Terra ter a sua origem no que se sabe na Vida Espiritual...
— São as reminiscências com as quais reencarnamos.
Citando novamente Platão, o fiel discípulo de Sócrates afirmava que "aprender é recordar"... Sob este prisma, as invenções e descobertas, em maioria, efectuadas pelos considerados homens de génio, nada mais são que revelações da mediunidade; o estudioso que persevera em suas pesquisas e reflexões termina por aprender a ideia, logrando materializá-la em benefício das criaturas...
— Einstein, então, antes de ser um génio da Física, era um médium?
— E evidente, Inácio. A formulação matemática de sua Teoria da Relatividade significou o resultado do seu empenho para se lembrar do que já estava arquivado em sua memória; em determinado momento de sua vida, quando certas circunstâncias se conjugaram, ele conseguiu transpor para o papel a ideia que há mais de 10 anos vinha sendo elaborada em seu cérebro... E lógico, no entanto, que não podemos generalizar, pois existem sobre a Terra criações meramente humanas; todavia as que influenciam mais directamente o progresso procedem do Mais Alto... Vejamos bem, por outro lado, que, se Einstein não tivesse se debruçado exaustivamente sobre as equações que esboçava, ele nunca haveria de chegar ao resultado que vem mudando no homem a sua concepção do Universo.
— E bom mesmo que se faça esta ressalva, Odilon - concordei -, pois, do jeito que os nossos irmãos encarnados são afeitos à lei do menor esforço... daqui a pouco vão querer que os desencarnados lhes revelem tudo, sem que se disponham a transpirar o mínimo necessário!
— Mesmo que distorçam o que afirmamos, Inácio, acabarão constatando que mediunidade é sintonia em sua concepção mais ampla. Sem que o médium algo de si nos ofereça, quase nada poderemos lhe oferecer. O "...ao que tem, se lhe dará, e terá em abundância...'' do ensinamento de Jesus, é um princípio que igualmente se aplica à mediunidade. Quanto mais o medianeiro aumentar o leque de seus conhecimentos, mais facilidade encontraremos na tarefa do intercâmbio.
— Os espíritos poderiam suprir, no todo ou em parte, a falta de conhecimento dos médiuns? - indaguei.
— Em parte, sim; no todo, não. Todavia, mesmo em parte, o obstáculo material e intelectual a vencer seria muito grande, impedindo a realização de obras de fôlego.
O médium é escolhido como um facilitador e não como um dificultador, pois, se assim fosse, os espíritos o dispensariam de vez.
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli Empty Re: Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 30, 2022 8:39 pm

Capítulo 7
Com Odilon, a conversa sempre se tornava proveitosa, porém eu não desejava retê-lo por mais tempo.
Saindo dos aposentos de A., caminhando por extenso corredor, sempre acompanhados de perto por Paulino e Manoel Roberto, continuamos a tecer comentários, referindo-nos agora às lutas que o homem bem intencionado enfrenta no mundo, para não se acomodar e não ceder à tentação do desânimo.
— Sinceramente - disse-lhe, escutando os gritos dos internos que chamavam por mim, enquanto seguíamos adiante -, eu não sei que força nos sustentou na Terra para que não fugíssemos às obrigações de ordem espiritual... Quase tudo no mundo é convite ao desalento e à descrença, você não concorda? E verificar que a luta não cessa com a morte... Por vezes, tenho a impressão de que tão-somente saí do corpo; quanto ao mais...
— Inácio, a força que nos sustentava e nos sustenta é a Força Divina... Compreendo o que você diz. O problema é que esperávamos um Mundo Espiritual menos humanizado, não é? Estamos equivocados, pois não é o corpo físico que nos humaniza: nós é que o humanizamos... A verdade é que a nossa única possibilidade de fazer com que milagres aconteçam à nossa volta é promovendo o milagre da nossa transformação; enquanto não mudarmos em nós, as coisas não mudarão em torno de nós...
— Vou lhe fazer uma confissão, Odilon: havia dias em que eu me sentia profundamente deprimido, um fracassado... Só não desistia de tudo, por causa dos meus inimigos; eu não queria lhes dar essa alegria e, depois, além de ser espírita, eu não encontraria nada melhor para fazer... Eram crises passageiras, mas que, periodicamente, me assolavam.
— Eu não sou conhecedor do ser humano, mas, a partir de melhor conhecimento de mim, posso dizer a você que os nossos aborrecimentos e angústias procedem, em grande parte, dos nossos conflitos internos - não estamos satisfeitos com o que somos e sentimos não viver de forma coerente com as convicções que abraçamos. E, como não queremos, ou não podemos admitir que o centro do problema reside em nós, o transferimos para os outros... De certa maneira, é até providencial que assim seja, pois, caso contrário... Sentimo-nos mais encorajados a lutar contra os outros do que contra nós, porque sabemos que tal empreendimento nos exigirá renúncia, e não estamos dispostos a tanto.
— Você, Odilon, é que deveria ter sido o psiquiatra, e eu, o odontólogo! - exclamei. — Você tem o dom de entrar no íntimo da gente e desentranhar os nossos mais secretos pensamentos...
— Não é verdade, Inácio; você, como sempre, está exagerando... O conhecimento espírita nos induz à introspecção e como somos todos iguais...
— Estou convencido de que foi justamente a rotina do trabalho que não me deixou cair - afirmei com sinceridade.
— E, não raro, é contra o que mais os homens se queixam... As obrigações cotidianas que a Vida nos traça não nos permitem excursionar à distância do caminho que nos cabe percorrer.
— A Misericórdia Divina está sempre atenta!
— O rebanho é livre, mas, sem o cajado do pastor, ele se precipitaria no abismo.
— O nosso livre-arbítrio é relativo...
— Absoluta apenas é a Vontade do Criador.
— Com tanta grandeza acima de nossas cabeças e nós insistindo em continuar a ver o que temos sob os pés!... Por mais me esforce, eu não entendo esse pessoal que deixa o corpo e prossegue na mesma... Não era para que, deste Outro Lado, tivéssemos hospitais, vales de expiação e nem tampouco regiões trevosas. Nem esses nossos irmãos com problemas de deformidade no corpo espiritual, ao ponto de necessitarem praticamente de um novo nascimento por aqui, com a finalidade de readquirirem a forma humana, antes de um novo mergulho na carne.
— É um tema que transcende este, Inácio, sobre o qual, infelizmente, não devemos nos aprofundar com os nossos companheiros encarnados que, a bem da verdade, ainda revelam dificuldade para aceitar a Reencarnação como ela é... Eles não entenderiam a "gravidez" perispiritual nas regiões inferiores, onde seres que padecem aberrações da forma carecem de um renascimento como recurso terapêutico. Deixemos que a semente da ideia floresça naturalmente. Se se "morre" por aqui, por que também não se renasceria?...
— Ou nasceria, não é?
— Sim, ou nasceria, pois, se os Espíritos Superiores confirmaram a Allan Kardec que em a Natureza nada dá saltos, como explicar-se, por exemplo, sem elementos de transição em nosso Plano, a primeira encarnação humana do princípio espiritual?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 30, 2022 8:39 pm

O corpo humano não está apto a receber entidades primárias, sem que o seu organismo perispiritual tenha, antes, humanizado a forma.
Os primeiros nascimentos acontecem aqui!... Mas, repito, talvez isto seja muito para a cabeça de quantos ainda não conseguiram, por si mesmos, intuir semelhante realidade. O assunto tem gerado polémicas, e não podemos comprometer a tarefa que, apesar dos pesares, tem produzido frutos de significativa qualidade.
— Talvez eu tenha me excedido...
— Não, você não se excedeu: você foi fiel às suas convicções e ao que lhe tem sido possível constatar...
Teses mais absurdas, como, por exemplo, a do corpo fluídico do Cristo, têm sido adoptadas tranquilamente por muitos adeptos da Doutrina. Não se preocupe. Voltemos ao que íamos dizendo. Você mencionava a questão dos adversários...
— Sim, daqueles que, como A., o antigo arcebispo, se opunham às nossas singelas actividades espíritas em Uberaba... Eu ia dizendo que, de certa maneira, eles me auxiliaram a perseverar e motivavam a inspiração em meus escritos. Você se lembra, Odilon!
— Os nossos adversários, Inácio, são representações materializadas de nós mesmos; de costume, eles nos aborrecem porque se colocam diante de nossos olhos com a forma com que não queremos nos ver...
— São os nossos "espelhos"...
— E um espelho sempre nos é útil ao retoque da imagem.
— Retoque da imagem!
— Sem que pudéssemos nos ver em alguém - nas palavras e críticas de alguém - dificilmente nos veríamos em nós. O adversário, portanto, só se nos converte em inimigo quando não queremos saber de identificar as nossas mazelas; longe, pois, de execrá-los, deveríamos até lhes ser gratos pelo auxílio que nos estendem às avessas...
— Do jeito como você coloca as coisas, não temos inimigos...
— E, a rigor, não temos mesmo; temos interesses pessoais contrariados...
— Muitos deles, no entanto, alegam que estão defendendo a Verdade - repliquei.
— Defendendo a verdade de si mesmos, e não a Verdade como património de todas as criaturas, pois aquele que realmente a defende jamais violenta consciências. O Cristo nunca se impôs recorrendo a métodos de violência...
— Mas expulsou os vendilhões do templo...
— Tomado de justa indignação, o seu verbo divino os chicoteou e retiraram-se da presença de quem supuseram endemoninhado; todavia, ao voltar-lhes as costas, os que comerciavam com a fé tornaram a ocupar o templo e dentro dele se encontram até hoje... Não poderão negar mais tarde, quando a Vida começar a lhes cobrar o pesado tributo de sua leviandade, que não foram advertidos brandamente e severamente...
— Brandamente e severamente?
— Sim, porquanto são muitos os espíritos que tentam se justificar de seus desmandos, alegando que não foram advertidos pela Lei Divina com a veemência necessária. Não vemos filhos que, no caminho do vício, tecem semelhante queixa contra os pais?...
— Recorremos a toda espécie de sofismas para fugir à responsabilidade e transferir a culpa.
Já à porta de saída, Odilon rematou:
— Inácio, não é à toa que cruzamos os nossos passos com os de determinadas pessoas. A Lei conhece as nossas fragilidades e procura nos fortalecer nos pontos vulneráveis de nossa personalidade. Temos assim connosco, à nossa volta, de uma forma ou de outra, os instrumentos que nos estimulam o crescimento. Por essa razão é que o nosso velho conhecido veio para aqui...
— Para ser tratado por mim e, ao mesmo tempo, me tratar, não é?
— Correto.
— E eu, que me imaginava livre dele para sempre!...
Quando soube que desencarnara, pensei que fosse se internar nas trevas e me deixar em paz...
— Mas, meu amigo, se ele não tivesse vindo até você, você é que teria de ir até ele!
— Então, foi melhor assim, Odilon - concordei, entendendo o que, discretamente, ficara implícito nas entrelinhas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 30, 2022 8:39 pm

Capítulo 8
Despedimo-nos e, ao retirar-se na companhia de Paulino, Odilon prometeu-me que voltaria na primeira oportunidade; as actividades do Liceu da Mediunidade sob a sua coordenação igualmente não lhe permitiam ausentar-se por muito tempo... A morte, ao contrário do que se pensa, não nos libera de nossas responsabilidades e, quase sempre, ao deixarmos o corpo, continuamos a fazer aquilo que fazíamos, dando sequência ao nosso
trabalho ou... à nossa leviandade; sim, porque, deste Outro Lado da Vida, se contam aos milhares os espíritos ociosos e indiferentes, desocupados e sem nenhuma preocupação com o próprio futuro.
Imerso em semelhantes reflexões, caminhava eu entre as alamedas floridas do bem cuidado jardim do Hospital e, sem perceber, exclamei em voz alta:
— O mundo se parece com uma "caixa de marimbondos"!...
Seguindo-me como se fosse a minha própria sombra, Manoel Roberto interrompeu-me o curso dos pensamentos, perguntando:
— Como, Doutor?! O que foi que o senhor disse?!...
— Que o mundo se parece com uma "caixa de marimbondos"...
— A propósito de quê?...
— Quando menino, Manoel, a gente, improvisando uma tocha acesa na ponta de uma vara, desalojava tais "inquilinos" que haviam deliberado construir a sua casa no alpendre de nossa casa...
— Eu também fiz muito isso e, em diversas oportunidades, ganhei umas boas ferroadas.
— Ferroaram-te, pouco - caçoei com o companheiro, que sorriu -; deveriam ter te picado o dobro, como aconteceu comigo, que, certa vez, fui para a cama com febre... Lembro-me de que os marimbondos, mesmo depois de terem a sua casa incendiada, não desistiam e os que escapavam logo começavam a construir outra. — E, de preferência, no mesmo lugar...
— Se essa questão do apego à vida material acomete até mesmo os marimbondos, não é de admirar que os homens, ao desencarnarem, sintam dificuldade em se libertar da psicosfera do Planeta; mesmo os doentes que aqui temos vivem mentalmente presos ao seu antigo habitat...
— Nós mesmos, se não fizermos um esforço muito grande...
— ...não nos ausentaremos da Terra! Ainda hoje, já com a nossa forma física pulverizada, nos sentimos divididos...
— Confesso-lhe, Dr. Inácio, que, por vezes, eu me pergunto se não estarei vivendo um pesadelo... Olho para o Hospital e tenho a impressão de estar enxergando o Sanatório à minha frente; os doentes nos apresentam os mesmos dramas e, com raras excepções, tomam plena consciência da realidade. Dias atrás, uma paciente, pedindo para conversar comigo, perguntou-me se temos certeza de que, de facto, "morremos"... Mostrou-se tão lúcida em seus argumentos, que senti um frio me percorrer a espinha.
— "Que nada! - disse-me ela. — A morte não pode ser assim tão parecida com a vida... Para mim, inclusive o senhor, fomos acometidos por qualquer distúrbio de natureza psicológica que nos faz pensar que morremos..."
— Quando, Manoel, atendíamos os nossos irmãos na desobsessão - você se recorda? -, ouvindo-os discorrer sobre a sua situação no Além, por vezes eu me sentia ludibriado e, não fosse pela confiança que depositávamos em nossos médiuns... Meu Deus! - monologava, enquanto, concomitantemente, me entregava à tarefa de esclarecê-los. — Este pessoal já "morreu" e não é capaz de perceber ao seu derredor a menor mudança... Não é possível! A morte é um acontecimento grande demais, para que possa passar tão despercebido assim pelos que o protagonizaram!... Hoje, estando morto, é que eu vejo quanto é complexo morrer...
— O nosso condicionamento mental...
— Morrer significa o ingressar da consciência em diferente dimensão de tempo e, se ela não se encontra preparada, experimenta uma vertigem que se assemelha à que nos acomete nas crises de labirintite...
— Nem me fale em labirintite, Doutor! - redarguiu Manoel, levando a mão à cabeça.
Permutando tais impressões, fomos dar com o pátio externo do nosocómio, onde os pacientes mais tranquilos, prestes a receber alta, caminhavam descontraídos em contacto com a Natureza. Ao avistar-me, porém, uma senhora que se tratava connosco abordou-me educadamente:
— Dr. Inácio, espero que eu não esteja incomodando, pois sei que o senhor é um homem muito ocupado...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 30, 2022 8:40 pm

— Pode falar, minha filha - respondi, solícito.
— O senhor sabe que fui uma médium que, infelizmente, não cumpriu com os seus deveres; o meu marido era um homem de posses e tínhamos, sim, uma certa vida social... Mas, de repente, contraí um câncer e desencarnei. Faz já, pelas minhas contas, quatro anos que estou internada neste hospital, sem notícia alguma dos meus familiares; nem através do sonho eles vêm ter comigo... Gostaria de obter do senhor alguma informação. Na semana passada, no dia específico de visitas, um conhecido, que viera ver um seu irmão que se encontra em tratamento, reconheceu-me e, por alto,
colocou-me a par do que está acontecendo na minha casa... Desde então, eu venho me sentindo angustiada, pois não é possível! O Moreira era um homem tão sistemático!...
— O que foi, minha irmã, que ele lhe contou?
— Ele me disse que o meu esposo se casou com uma de nossas funcionárias e que se indispôs com os nossos dois únicos filhos...
— E isso a preocupa?
— Como não? Afinal de contas, fomos casados por quase 30 anos e tudo o que ele tem é herança de meu pai... Terá ele vivido todo esse tempo comigo apenas por interesse? Eu me recuso a acreditar. Por causa dele, que era muito possessivo, deixei de frequentar o centro espírita e vivia dentro de casa. O meu mundo passou a se resumir a ele e ao meu casal de filhos... O que o senhor tem a me dizer?
— Você quer a verdade?
— Quero, porque eu estou me sentindo completamente perdida... Embora a consciência de já estar morta, o Moreira continuava a ser o meu ponto de referência afectivo. Eu não pretendia, deste Outro Lado, me ligar a ninguém... Ser, no entanto, passada para trás em tão pouco tempo de viuvez!... Segundo o amigo que esteve connosco me disse, o Moreira começou a ter um caso com ela assim que fiquei doente...
Virando-me para Manoel Roberto, que permanecia em silêncio, observei:
— Vamos ter que limitar ainda mais as visitas aos nossos internos... Como isto aqui, de fato, está se parecendo com o Sanatório! Fofoca no Além!... Quem diria? Inacreditável! Como este nosso vasto mundo pode ser tão pequeno assim?!...
— Olhe, minha irmã - disse-lhe com sinceridade -, eu não sei da vida do seu marido, ou melhor, do seu ex-marido...
— Ex-marido, Doutor?...
— Ex-marido, minha filha - enfatizei. — Embora nós aqui não tenhamos nada com a vida particular de ninguém, esteja vivo ou morto, a seu pedido, poderemos verificar, mas é bom que, desde já, você vá se acostumando com a ideia...
— Sabe, Doutor, nós não vivíamos bem: mantínhamos as aparências... O preconceito no mundo ainda é muito grande e os nossos filhos sempre frequentaram as melhores rodas sociais; não queríamos expô-los... O senhor entende?
— Entendo, mas a união assim não pode mesmo sobreviver e, portanto, não há o que estranhar no que o amigo lhe disse.
— O senhor pode avaliar como estou me sentindo:
sem marido, sem filhos, sem casa?...
— Posso.
— Para onde foi a minha vida, Doutor? O que é que eu tenho agora?...
— Você tem a Eternidade e infinitas possibilidades de recomeçar... Com certeza, se não tivesse desprezado o seu compromisso espiritual, não estaria agora se sentindo tão frustrada!
— Eu deixei tudo... Era muito difícil conciliar as coisas. As amigas telefonavam convidando-me para o clube e, no centro, ficavam na expectativa de que toda actividade assistencial, em termos financeiros, fosse encabeçada por mim... Quando adoeci, nenhum médium se ofereceu sequer para me transmitir um passe!
Esqueceram-me completamente.
— Você não os havia esquecido primeiro? - indaguei, obtendo o silêncio por resposta. — Não prossiga, minha filha, se justificando em seus equívocos. Assuma as suas falhas e deixe que o tempo se encarregue dos outros.
— Eu estou me sentindo tão sozinha! Tenho tanto amor aos meus filhos!...
— Aos filhos de Deus, você quer dizer?
— Não, aos meus filhos mesmo...
— Que, na verdade, não lhe pertencem. — Será que a morte me destituiu até do amor dos meus filhos? Seria ela tão cruel assim?...
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Capítulo 9
— O amor dos que verdadeiramente a amam, você sempre o terá, minha filha. A esse respeito, fique tranquila. No Universo, não existe poder superior ao do Amor! Ele é a única força à qual o próprio Tempo se submete. Quem possui este sentimento divino, dispensa qualquer outra espécie de propriedade e de nada mais carece, porquanto ele o repleta de maneira integral.
— Estas suas palavras me confortam, Doutor.
— A você e a mim, que igualmente tudo deixei para trás. Creio que este sentimento de nada ter e de nada sermos deste Outro Lado da Vida nos é providencial, para que, aos poucos, aprendamos a contar apenas e tão-somente com a nossa capacidade de amar a todos e a tudo. Por esse motivo, a chamada morte, que não existe, sucessivas vezes nos despoja, inclusive do corpo que o homem tem como sendo a sua maior propriedade.
— Ser-me-ia lícita, Dr. Inácio, a tentativa de reconstruir a minha felicidade afectiva, ou seja, encontrar alguém a quem eu possa sinceramente me devotar?
— Por que não?!
— Eu não estaria traindo o Moreira?
— Não havia entre vocês dois o que deve existir entre os que se contentam em viver um para o outro.
Digamos que, na Terra, ambos tenham se ligado pelo matrimónio em obediência aos interesses de cada um...
— Quando nos conhecemos, foi amor à primeira vista...
— Paixão à primeira vista -é o que você deveria dizer. Se fosse amor, os laços que os uniram não teriam se rompido; o amor genuíno jamais se desgasta numa relação a dois...
— É curioso: talvez, na verdade, eu tenha apenas me acostumado com ele... Sinto-o tão distante de mim!
Não sei se ele sequer tem se lembrado de depositar uma flor sobre o túmulo, lá onde repousam os meus restos mortais...
— Com o tempo, ele reflectirá melhor, mormente se, como imagino, a afeição que ele vem devotando à referida jovem com a qual está vivendo não passe de mero capricho dos dois.
— Quer dizer que eu posso me sentir livre?
— Esta resposta eu não posso lhe dar; cabe a você decidir o rumo que, doravante, a sua vida irá tomar...
Não se sente animada a lutar por ele e a esperá-lo?
— Não. Para ser sincera, não. Devo confessar ao senhor que eu também o desposei, disputando-lhe a preferência com as colegas de escola... Éramos todas jovens e o Moreira, um rapaz muito simpático. Ele estava quase noivo de uma amiga, quando eu engravidei do nosso primeiro filho e os nossos pais fizeram o nosso casamento.
— Existem muitas uniões assim sobre a Terra...
— Seriam de natureza cármica, Doutor?
— Um carma, talvez, mais relacionado com o futuro do que com o passado, que todos os dias estamos a criar com as nossas atitudes insensatas.
— Eu e o Moreira, então...
— Podem não ter vínculo algum referente ao passado, mas o estabeleceram com referência ao futuro.
— E os nossos filhos, são espíritos vinculados a nós desde outras eras?
— É possível, mas também não pode ser descartada a hipótese de serem espíritos que apenas se prevaleceram da união entre vocês dois para reencarnar...
— Com alguma afinidade connosco?
— Com uma afinidade cármica, digamos, ainda raciocinando no terreno da suposição - espíritos cujos antecedentes espirituais não permitiram optar, ou seja, programar as suas condições de renascimento...
— Isso acontece?
— Com maior frequência do que os casais que se ligam aleatoriamente possam supor; por aleatoriamente, entendamos o vínculo fortuito, às vezes tão-somente motivado por uma atracção de natureza sexual...
— Eu pensava que toda reencarnação obedecesse a um certo planeamento das Esferas Superiores...
— Nada acontece em parte alguma do Universo à revelia das Leis que nos governam, e, no fundo, tudo se constitui em experiência para o espírito. Um vínculo que não existia pode, em determinado momento, passar a existir. Quando o espírito, finalmente, desperta para o amor, ele ama aqueles que, indistintamente, estejam lhe compartilhando a experiência; ele não sai à procura de alguém para amar: ama os que lhe estão ao alcance dos sentimentos, sem se importar se é ou não amado por eles!
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Aí, então, começa o vínculo e principia o calvário redentor de quem se torna capaz de sacrificar-se por aqueles que toma sob a tutela do seu coração.
— Amo, sim, os meus filhos, mas o Moreira... Os meninos o adoram!
— Perceba, Manoel, como são as coisas - disse ao companheiro, que, sem interferir, observava o diálogo -: ela ama os filhos que, igualmente, são amados pelo marido, ao qual ela não ama e por ele não é amada...
— Complexo, Doutor, muito complexo!... Quantos desencontros, não é?
— Você conhece alguma história com enredo semelhante? - argui.
— Dezenas e dezenas, para não dizer centenas e centenas...
— Ou milhares e milhares, não é?
— Qual a razão, Doutor, de tantos desencontros? questionou-me o amigo.
— Para resumir? Egoísmo... Estamos sempre esperando que a iniciativa de amar e compreender parta do outro, esquecidos de que o outro está na mesma.
Enquanto for assim...
— Eis o drama do homem!
— Agora, Manoel, você veja, com tanto que temos a fazer em termos evolutivos, a conquistar, por dentro e por fora de nós mesmos, a expandir a nossa consciência em integração com Deus, a nos identificarmos com a Criação Divina, nos determos na marcha que nos sentimos compelidos a empreender, rumo ao porvir glorioso que nos aguarda, por causa de problemas de tamanho microscópico, quais sejam os de ordem afectiva...
— Reduzimos o Universo ao nosso próprio tamanho!
— Isto! Intrometamo-nos de tal forma, embotando as percepções, que voltamos a nos identificar com a célula primitiva que deu origem à vida orgânica no Planeta... Por essa razão, o homem interior não cresce!
Quando nos defrontamos com determinado problema, é como se nada mais existisse para nós e, sem percebermos, nos apequenamos.
— Ignoramos o resto...
— Colocamo-nos à margem do dinamismo da Vida e nos paralisamos no tempo... Quando tal nos sucede, nos tornamos refractários às sugestões do perdão, da tolerância, da renúncia, que objectivam nos emancipar dos grilhões a que nos prendemos voluntariamente. Os Espíritos Amigos, desencarnados ou não, bem que tentam nos influenciar, procurando fazer com que mudemos de sintonia; mas, quando é assim, somente a dor logra algum resultado; quem sofre e não dá sinal de mudança é porque ainda não está sofrendo o suficiente...
— Reconheço, Doutor, que nada sou no Além, mas, pelo menos, já compreendo a minha situação de espírito fora do corpo e tenho relativa consciência de minhas
necessidades.
— Acredite, Manoel, que isto, para nós outros, já é muito. Com estes pensamentos na cabeça é que eu disse que o mundo se parece com uma "caixa de marimbondos", pois os espíritos desencarnam, porém não se libertam... Se descermos à Terra, como o fizemos mais de uma vez, ficaremos estarrecidos com a situação de promiscuidade psíquica em que os desencarnados vivem com os encarnados. Poucos os que, por assim dizer, conseguem se altear... Neste sentido, a condição daqueles que vivem em nossas regiões de sofrimento, como, por exemplo, no Umbral, é melhor do que a dos que se recusam a admitir que não mais integram a comunidade dos vivos da Terra... Quantos, ainda, não se vinculam aos seus restos mortais ou montam guarda às portas de suas antigas propriedades? Quantos não continuam a se entregar aos prazeres da alimentação e do sexo, transfigurando-se em vampiros que, por causa de resíduos, se engalfinham uns com os outros? Quantos, deste Outro Lado, não contraem doenças e chagas em seu corpo espiritual piores do que aquelas que lhes provocaram o desenlace físico? Quantos não se dementam por tempo indefinido e se submetem às sevícias de espíritos inescrupulosos e encouraçados?...
— Encouraçados, Doutor?!
— Sim, bestializados e insensíveis; espíritos que, dentro do desequilíbrio que os caracteriza, evidenciam certa noção de não sei quê o que lhes possibilita exercer o poder sobre os demais; assumem uma posição de liderança nas trevas e é tudo quanto aspiram, nela se comprazendo por tempo indefinido... Chegam, Manoel, a lutar entre si, disputando as vítimas de sua preferência.
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Capítulo 10
Neste ponto do diálogo, escutei uma voz a me chamar com insistência:
— Dr. Inácio! Dr. Inácio!...
— Você está ouvindo, Manoel? - perguntei ao companheiro.
— Não, Doutor, eu não estou ouvindo nada...
— Escutei nitidamente alguém me endereçando um apelo e nunca fui de ouvir vozes - retruquei, não perdendo o velho hábito de fazer humor com coisas sérias.
— Quem sabe é a voz de algum dos nossos internos...
— Não, tenho certeza de que não; para mim, é a voz de alguém que ainda se encontra encarnado e, pelo timbre, é feminino.
Naquele instante, a voz, que mais me parecia uma súplica, voltou a ecoar nítida aos meus ouvidos:
— Dr. Inácio! Dr. Inácio!...
— Manoel, é mesmo um pedido de socorro que parte da Terra... Quem será?
— Ela não lhe diz mais nada?
Sinalizando silêncio ao amigo, retirei-me para um canto do jardim e, conforme Odilon já me houvera instruído, procurei me tornar mais receptivo. Como se fosse um telegrama, redigido da maneira mais sucinta possível, aquela voz que me evocava a presença se me fez, então, mais veemente:
— Dr. Inácio, venha me libertar! Sei que estou em estado terminal... Eu não suporto mais. Por favor, venha!
Lendo o seu livro, aprendi a ter confiança no senhor...
Estou com medo!...
— Meu Deus! - exclamei. — Como é grande a responsabilidade do espírito que escreve uma obra endereçada aos homens no mundo!... Eu não sou nenhum Espírito Benfeitor! Coitado de mim!...
— Venha, Dr. Inácio, venha!... Estou sentindo muitas dores e sei que não adianta continuar resistindo...
O câncer já se me espalhou por todo o organismo! Eu quero integrar a sua equipe de trabalho; quero estar com o senhor, com o Dr. Odilon Fernandes, com o Irmão José...
— Manoel, eu preciso ir, no entanto nem sei para onde... Como poderei saber, de que lugar está me partindo este apelo?...
— Não será de Uberaba, Doutor?
— Não, de Uberaba não é - não me pergunte por quê, mas tenho certeza de que não...
— Deixe-se, então, Doutor, guiar pela intuição...
— A minha intuição me desnortearia... Eu tenho é que me deixar guiar pelos meus ouvidos. Venha comigo, Manoel!
E, pela primeira vez, utilizando sozinho a faculdade de volitar, comecei a seguir aquela voz que prosseguia, aflita, a me chamar:
— Dr. Inácio! Dr. Inácio!...
— Se ela, pelo menos, me desse uma pista...
Para minha surpresa, como se, em termos de percepção psíquica, a dona daquela voz fosse mais sensível do que eu, registei claramente:
— Itatiba, Doutor! Itatiba!...
— Itatiba, Manoel... Onde fica essa cidade?...
— No Estado de São Paulo, Doutor, próximo a Campinas...
— Então, já estivemos lá!...
— Sim, acompanhando os nossos amigos...
— Apressemos o passo...
Quando, após rápidos segundos, avistamos a simpática cidade, onde, de fato, estivéramos, tempos atrás, em actividade espiritual sob a coordenação de Odilon, uma casa se nos destacou entre as milhares de outras e, assim, não nos foi difícil localizá-la.
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli Empty Re: Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 30, 2022 8:41 pm

À entrada da referida residência, que estava sendo guardada por duas entidades do nosso Plano, identificamo-nos:
— Inácio Ferreira e Manoel Roberto da Silva!
— Entrem, Doutor - disse-me uma delas, guiando-nos até o quarto. — Maria Helena está agonizando...
— Maria Helena!... Então este era o nome da irmã cuja prece evocativa, a mim endereçada, me atraíra como se fosse um ímã.
Vários amigos encarnados rodeavam-lhe o leito em atitude de oração. Devotado médico segurava-lhe a mão, ora tomando-lhe o pulso, ora molhando-lhe os lábios ressequidos e pousando-lhe a destra, que se iluminava, sobre a fronte.
— Eu sou o esposo dela - disse-nos a entidade que nos conduzira aos seus aposentos. — A Maria Helena teve câncer de mama e recusou o tratamento quimioterápico; preferiu tratar-se com acupunctura e homeopatia...
A quimioterapia, Doutor, traumatizara-a: eu também tive câncer e o tratamento convencional não surtiu qualquer efeito...
— Na verdade, meu irmão, o remédio é apenas o agente da cura... Tudo depende do carma e do mérito. Extenuada, Maria Helena permanecia de olhos semi-cerrados, sem, ainda, atinar com a nossa movimentação em torno. Sem grande esforço, pude perceber que os laços perispiríticos que a prendiam ao corpo estavam ténues quanto fios de seda e que, talvez, apenas o seu apego à família e aos amigos a haviam impedido de consumar o desenlace por si mesma.
Solicitando permissão dos espíritos que mais directamente por ela se responsabilizavam, aproximei-me e chamei-a baixinho:
— Maria Helena! Maria Helena! Desperte, filha...
Sou eu, o Dr. Inácio!
Abrindo, de imediato, os olhos, ela exclamou num impulso de se abraçar a mim, como se uma afeição adormecida no tempo aflorasse de repente:
— Dr. Inácio! Então, o senhor é real!...
— Até onde posso saber, sou, filha - respondi, amparando-lhe a cabeça empastada de suor. Ela sorriu e respondeu:
— Ah, é o senhor mesmo!...
Com a respiração ofegante, pediu-me em seguida:
— Leve-me com o senhor... Eu queria ter ficado, mas...
— Não lhe faltará oportunidade de trabalho.
— O senhor promete que me encaminhará? Eu não gostaria de deixar os amigos, os tantos amigos que fiz na Doutrina...
— Para quem se dispõe a servir, a morte não é impedimento algum; ao contrário, deste Outro Lado...
— "Do Outro Lado do Espelho", não é?...
— Sim, onde o reflexo da ilusão é a realidade...
— O senhor me deixa partir em sua companhia?
— Mas, Maria Helena, você tem os seus familiares, o seu esposo, que a espera com tanta ansiedade...
— Não tem importância; se o senhor concordar, ele seguirá comigo... Juntos, trabalharemos - os dois.
Quanto aos meus familiares, eles compreenderão.
O esforço para se comunicar comigo, mesmo para um espírito com a sua determinação, fora decisivo: a dispneia se acentuou e os esfíncteres se relaxaram... Maria Helena esgotara todas as suas reservas de tónus vital e o corpo começava a se cadaverizar. Confesso-lhes que aquela era a minha primeira experiência em "desencarnar" alguém... Com o auxílio de Manoel Roberto e do esposo desencarnado de nossa irmã, cuja visão selectiva do ambiente não conseguira divisar, passei a operar magneticamente à altura dos chacras, demorando-me à altura do plexo coronariano e da região frontal, mentalizando o seu desligamento, como alguém que procurasse desfazer um nó, sem provocar a ruptura do barbante.
— Confie, minha filha, confie e ore connosco, agradecendo ao Senhor a bendita oportunidade que lhe concedeu... Entregue-se, sem receio.
— O senhor me levará em sua companhia? perguntou-me, ainda uma vez, com tremenda dificuldade.
— Já que é essa a sua vontade, não se preocupe; você e o seu companheiro seguirão connosco... Agora, Maria Helena, adormeça e descanse.
Ela cerrou os olhos em definitivo e, sob as minhas mãos, sem que eu possa explicar, os derradeiros laços se desfizeram e o seu espírito liberto destacou-se do corpo com suavidade.
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