LUZ ESPÍRITA
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 7:43 pm

Capítulo 33
— Deixe-me contar tudo direitinho. Eu vivo perto daqui e ninguém se incomoda comigo; os espíritos que vagueiam sem rumo sabem que nada tenho e muitos deles até me tomam por louco... De fato, às vezes, eu tenho reacções furiosas... Apesar de velho, sou um homem forte e a minha mão é pesada. Pois bem, tempos atrás, não sei precisar quando, as coisas começaram a mudar. Quando fui buscar água na bica, apareceu-me uma morena que eu nunca tinha visto por estas bandas...
— Uma morena?! - aparteei, não contendo a imensa vontade de sorrir e... adivinhando o resto da história. — Ela puxou conversa comigo e não sei por quê eu a senti tão indefesa!...
— Eu sei!
— O senhor a conhece?
— Não, não é o que estou querendo dizer... Prossiga, Matusalém.
— Doutor, eu nunca me apaixonei, mas... Eu não sei. Alguma coisa de grave aconteceu comigo. A voz dela soou aos meus ouvidos como se fosse música e... Fiquei hipnotizado. Ao invés de sair correndo, não: dei prosa para ela e a coisa foi ficando pior... E o sorriso dela, então?
— Você foi flechado por cupido; atingido mortalmente no coração... Para semelhante ferida, não existe remédio! E morte na certa!...
— Cupido?! Não, Doutor, ela se chama Rita, Ritinha...
Eu não consigo mais tirá-la da cabeça. O que é que faço? Já nem durmo mais e, se cochilo, eu a vejo em meus sonhos... Ela mora nas imediações e é sozinha. — Vocês se têm visto com frequência?
— Quando ela não aparece lá na bica, eu fico incomodado, Doutor. O senhor não há de ver que até com a minha aparência estou me incomodando?!... Antes, eu passava dias e dias sem me banhar... Quando ela anunciou que me faria uma visita na caverna, dei uma ajeitada nas minhas coisas e... varri o chão! Diga-me: o que é que eu faço?
— Ah, Matusalém! Se eu soubesse; se eu conhecesse uma poção mágica contra esse mal, não estaria aqui cuidando de gente fraca da cabeça...
— Mas o senhor é doutor...
— Prefiro rasgar o meu diploma a tratar de doença de paixão...
— Paixão?! Deus me livre!...
— Nem Deus pode livrá-lo!
— Agora é que vem o pior, Doutor... Escute só.
— Ainda há mais?...
— A Ritinha me disse que vai voltar para a Terra, que precisa reencarnar...
— Coitado!
— Coitada dela, não é?
— Não, Matusalém, coitado de você...
— Eu não consigo conceber a ideia de me apartar daquela menina... Sem ela, eu já não vivo! Eu até remocei, o senhor não acha?
— Acho, de fato, acho; as suas imensas rugas estão desaparecendo... É o amor! O amor é uma plástica no espírito e no coração.
— Quero cortar os cabelos, aparar as unhas...
— Usar um perfumezinho...
— Ora, Doutor, o senhor parece que está gostando do que me aconteceu... Eu vim em busca de solidariedade.
— Pode contar comigo e não me interprete mal. Eu sei o que é isso...
— Ela me convidou para ir junto...
— À Terra?...
— Sim; disse-me que poderemos nos casar e ter filhos...
— Prepare as suas malas e boa viagem!
— Doutor, mas há 300 anos que...
— Acabou; é o fim, Matusalém... Eu não lhe disse que Deus é um grande feiticeiro? Se não fosse assim, você ficaria por aqui...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 7:43 pm

— Ah, com certeza, por mais, no mínimo, 500 anos ou os 900 que a Bíblia lhe deu... Aquilo lá embaixo é loucura, Doutor! Diga-me: como é que eu posso deixar a Rita ir sozinha...
— Não pode mesmo; ela cairá nas garras de outro...
— Outro?... Que outro?! Se alguém encostar a mão nela...
— Você o arrebenta.
— Arrebento!
— Então, o negócio é se preparar... Para quando será?
— Não sei; é a Rita que está cuidando de tudo...
Disse-me que reencarnaremos na roça, lá no interior de Minas Gerais, e que seremos primos...
— Assim é mais seguro; numa cidade, por exemplo, como São Paulo ou Rio de Janeiro, eu não aconselho...
— Seria perigoso para mim, não é?
— Para ela, principalmente: tanta moçada bonita, praia, roupa quase nenhuma; você sabe: Cupido anda com a flecha no arco...
— Eu não queria, Doutor, eu não queria! - falou-me Matusalém, abanando a cabeça.
— Anime-se, homem! Vocês serão felizes...
— A gente poderia ser feliz por aqui mesmo...
— A Terra é uma escola, Matusalém, e todos precisamos de aprender o que ela tem para nos ensinar.
— O pouco que sei me basta e, depois, eu não queria compromisso; tenho amigos lá embaixo que se enrolaram e estão sofrendo muito - esse negócio de mãe e pai, irmãos, filhos e sobrinhos...
— E netos, Matusalém!
— Conversei, mas a Ritinha me desarma com o sorriso dela... Doutor, eu tomo o corpo a qualquer hora!
— Já que o senhor não pode me curar, quer ser o nosso padrinho? - perguntou-me, depois de breve intervalo.
— Com toda a honra! Enquanto eu estiver por aqui, prometo-lhes fazer o que estiver ao meu alcance.
— Eu tenho medo, Doutor...
— Então, não vá.
— Vou!
— Traga-me a Rita, para que eu possa conhecê-la.
— Ela veio comigo, está aí fora. Posso mandá-la entrar?
— É claro! - eu estava ansioso para conhecer a cotovia que, com o seu mavioso canto, havia despertado aquele urso adormecido, quase uma lenda no Mundo Espiritual.
— Dr. Inácio, que alegria! - cumprimentou-me a simpaticíssima jovem, com um lindo sorriso a enfeitar-lhe o rosto.
— O que foi que você viu nele, minha filha? perguntei, provocador.
— Bondade, honestidade, pureza...
— Você não acha que é muita coisa?
Sem deixar de sorrir, a morena me respondeu:
— Os olhos dele também me encantaram.
— Olhos castanhos, tão comuns...
— Mostram-lhe a nobreza de carácter.
Definitivamente, nenhuma força do Universo separaria aqueles dois. Matusalém, recebendo tantos elogios à queima-roupa, estava boquiaberto...
— Ele me disse que você pretende voltar...
— Preciso, Doutor; tenho afeições queridas que já me antecederam e, depois, o Salém...
— O Salém?...
— Sim, o meu noivo; ele não pode continuar nessa vida de solidão...
— Concordo.
— A ociosidade faz o espírito estacionar.
— Belo conceito.
— Com fé em Deus, a gente não tem que ter medo.
Além da beleza, eu estava admirado com a presença de espírito daquela jovem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 7:43 pm

— Trabalharemos honestamente - continuou - e auxiliaremos o próximo. Seremos o que somos: duas pessoas comuns, mas cumpriremos o dever.
— O que é suficiente, para que não venham a ser tão comuns assim - observei.
— Eu disse ao Salém que a nossa religião será a da Caridade...
— É o que importa; o resto é acessório...
— Eu sei que o senhor é espírita, Doutor - atalhou o noivo apaixonado -, e admiro muito o Espiritismo, no entanto...
— Não precisa se explicar...
— Também não seremos católicos ou protestantes - retomou Rita a palavra -; seremos baptizados na Igreja, porém, depois de nos casarmos...
— Acreditaremos em Jesus Cristo e o seu Evangelho será o nosso roteiro de vida, não é, querida?
— Que Ele os abençoe - disse - e os conserve no caminho, pois os homens estão mais carentes de bons exemplos que de religião.
— Então, o senhor nos apadrinhará? - indagou-me a jovem que, como eu, era de ir directo ao assunto.
— Podem contar comigo; será uma honra - repeti.
— Ser-lhe-emos eternamente agradecidos respondeu-me Rita, levantando-se e estendendo-me a mão em despedida.
— Matusalém - brinquei, com uma piscadela para a minha afilhada, que sorriu -, as rédeas não estarão nas suas mãos!...
Acompanhei-os até à porta e, quando se retiraram, pus-me a pensar - mas não muito, para não pirar de vez - nas intricadas tramas do destino.
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Capítulo 34
No outro dia, bem cedo, os cirurgiões chegaram ao hospital e tudo já estava preparado para a indispensável intervenção. Eu, Odilon e Manoel Roberto acompanharíamos o trabalho do Dr. Hélio Angotti, que era nosso conhecido, e do Dr. Gilberto, que o auxiliaria directamente.
Trajando-nos de maneira conveniente, adentramos o centro cirúrgico, onde Amaro, ainda naquele estado de prostração, havia sido preparado.
Antes, porém, de dar início à delicada cirurgia, para remoção dos corpos ovóides que sugavam a energia vital do paciente, o Dr. Hélio considerou de bom alvitre lançar mão do "eletrointelecton" e realizar mais uma ausculta daquela tumoração viva que se alojara no seu lóbulo frontal.
Eu, que me especializara em Psiquiatria e me habituara a intervir no mundo psicológico dos meus pacientes, utilizando a palavra como bisturi, jamais, nem mesmo na condição de espírita, pudera conceber que algo semelhante fosse possível, ou seja: cortar os tecidos subtis do corpo espiritual, tomando o devido cuidado para não lesioná-los, provocando sequelas.
Adaptando o aparelho, que os estudiosos da Terra não demorarão a aperfeiçoar e que haverá de ser de grande utilidade nos chamados estados de coma, para verificar-se com maior precisão a actividade intelectiva de quem se encontre suspeito de morte cerebral, o Dr. Hélio, aumentando-lhe o volume, passou a registrar:
— Ai, ai! Quem me incomoda de novo? Deixem-me... O que pretendem fazer? Não me retirem! Não me retirem!
Com serenidade, mas determinação, o médico respondeu:
— Não se preocupe; você não sentirá dor alguma.
O Dr. Gilberto cuidará da anestesia. Espero que facilite as coisas... Relaxe.
— O que farão comigo? Eu preciso me alimentar...
Se eu enfraquecer, os outros tomarão conta de mim.
— Você será igualmente tratado; não permitiremos que um maior mal lhe aconteça...
— E os outros, os que estão comigo formando uma colónia, vocês os tirarão também? Por que haverei de ser o primeiro?
— É porque você, parasitando o cérebro, está no comando e numa região mais delicada...
— Aqui estou, porque fui o primeiro a chegar; somos muitos, muitos... Vocês não fazem ideia!
— Fazemos sim, meu irmão - redarguiu o Dr. Hélio, que tomava todas as iniciativas. — Agora, tranquilize-se: inale o gás anestésico, inale; relaxe e abra os seus poros...
O Dr. Gilberto, com extrema habilidade, valendo-se de uma máscara sobre as narinas de Amaro, liberava com vagar um gás de cor esverdeada, contra o qual estávamos devidamente protegidos. Em fracção de segundo, as "carnes" do paciente como que se esparramaram na mesa cirúrgica e aquela artéria de sucção se afilou consideravelmente.
Esclareço que o ovóide em questão era mais ou menos do tamanho de uma laranja, sendo que os demais não excediam o diâmetro de uma bola de pingue-pongue - alguns mais entumecidos, outros menos. Entretanto, segundo o Dr. Hélio nos esclareceria posteriormente, ele já tinha se deparado com corpúsculos gigantes, do tamanho quase de uma melancia.
Com um bisturi que, grosseiramente, compararei a uma caneta de pena, com uma luz a laser à guisa de corte, o cirurgião trabalhou no cérebro de Amaro durante, aproximadamente, trinta minutos, até que, cauterizando a ferida, deu por concluída, com êxito, aquela primeira parte da operação.
Os demais ovóides, notadamente os que haviam se localizado nos órgãos genitais, praticamente se desprenderam sob a acção do gás anestésico e por se sentirem sem "comando".
Então, para mim, o que se passou em seguida foi o mais surpreendente: o Dr. Gilberto recolheu cada corpúsculo, acondicionando-os em recipientes de vidro electrificado, isolando-os um a um, como se os encerrasse em diminutas celas.
— Se não tomarmos semelhante providência explicou -, assim que "despertarem" estarão a parasitar novas vítimas e poderão fazê-las aqui mesmo, no Hospital.
— E a recuperação de Amaro? - indaguei.
— Será lenta e dependerá de sua predisposição íntima; trata-se, sobretudo, de um doente mental.
— As deformações em seu corpo espiritual...
— ...necessitarão ser tratadas, porém, em muitos casos, o organismo perispiritual, para retomar a plástica original, depurando-se, requisita um contacto estreito com a matéria, ou seja, um novo nascimento.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 7:44 pm

— Para que as toxinas se desintegrem?
— Sim, como o açúcar que se transforma em energia, alguns elementos tóxicos ao perispírito se queimam em contacto com as células que, ao se renovarem, naturalmente os desintegram; o corpo físico é uma espécie de escoadouro das imperfeições da alma: numa gota de suor há muito mais que os componentes químicos que a constituem...
— E os ovóides, o que acontecerá a eles?
Tomando a iniciativa, o Dr. Hélio esclareceu:
— Nós os levaremos connosco e os submeteremos, com o concurso de outros especialistas, a tratamento que objectiva descondicioná-los; eles se desenvolverão por etapas, como um embrião se desenvolve no ventre materno...
— Assim, como estão, não poderão reencarnar?
— Amenos que aconteça sem a devida supervisão; muitos deles, ao invés de parasitarem, podem se sentir atraídos à reencarnação, sem que tenham a menor consciência do fato.
— E serão crianças normais?
— Do ponto de vista físico, talvez sim, dependendo, evidentemente, de uma série de circunstâncias, mas, do ponto de vista psicológico...
— Não tendem a renascer com defeitos físicos?
— Principalmente nas extremidades...
— E mentalmente?...
— As limitações podem ser múltiplas e variadas; quase sempre, renascerão na condição de crianças debilitadas, quando não sejam abortadas espontaneamente...
— Basicamente, como é o tratamento a fim de que se recuperem?
— Depende do nível letárgico em que cada um se encontre; às vezes, necessitamos de tentar acordá-los submetendo-os a choques eléctricos e sonoros sequenciados, até que respondam e consigam manter connosco indispensável contacto intelectual, ainda que mínimo. A partir daí, o diálogo se encarregará de "extraí-los de si mesmos" e reorientá-los mentalmente...
— Fetos se desenvolvendo in vitro...
— Digamos que seja a imagem mais aproximada do que realmente acontece.
— Crianças sendo geradas fora do útero materno?
— Renascendo na Vida Espiritual!
— Isto poderá acontecer na Terra? É possível?
O Dr. Hélio sorriu e observou:
— Daqui a séculos, talvez... Pelo menos teoricamente, é possível; seres humanos poderão, sim, ser gerados fora do claustro materno...
— Como esses ovóides serão alimentados? Com uma papa de hemácias?!... - perguntei, intermediando a descrença de quem, porventura, correr os olhos por estas linhas.
— Com algo similar, Doutor - respondeu tecendo maiores considerações. — A alimentação desses seres que se primitivizaram é, basicamente, psíquica, todavia têm necessidade de absorver princípios vitais modificados; nada vive sem de alguma coisa se nutrir... À medida que evolui, o espírito passa a retirar de si o seu próprio sustento, sem necessidade de auferir semelhantes recursos de outra fonte...
— Jesus Cristo disse que o seu alimento era fazer a Vontade de Deus - ponderei.
— Enquanto, porém, não nos nutrimos desse Pão Divino, temos um cardápio tão variado quanto as causas que nos motivam a fome; o homem na Terra não se alimenta exclusivamente de pão feito de trigo, mas de interesses e ideais, desejos e anseios que lhe são pertinentes.
O corpo respira, o espírito também; estudemos as necessidades do corpo que nos reflectem as necessidades do espírito...
— Os nossos irmãos encarnados - comentei acham que o corpo não passa de uma simples representação grosseira do espírito...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 7:44 pm

— E um grande equívoco, pois, se os homens se detivessem a analisar melhor o corpo e o orbe em que residem, compreenderiam melhor o Universo e a si mesmos. A Ciência ainda avançará extraordinariamente; o que está faltando aos cientistas é um pouco mais de senso de observação e se conectarem com a intuição.
Por exemplo, não anda longe o tempo em que a Medicina descobrirá certa similaridade, no que se refere à forma exterior, dos legumes e dos frutos com os órgãos do corpo humano, características indicativas de que tais frutos e legumes são altamente benéficos aos órgãos que lhe correspondem...
— Como no caso do tomate e da próstata?...
— Exactamente - esclareceu o Dr. Hélio Angotti, ultimando preparativos.
— O corpo nos "solicita" determinado tipo de alimentação...
— Como sabemos, aos próprios animais isto acontece; a flora e a fauna vivem em regime de inter-dependência e se sustentam mutuamente... A abelha, ao extrair o pólen das flores para o fabrico do mel, as poliniza.
— Dr. Hélio, estamos prontos -, anunciou o Dr. Gilberto com os ovóides acondicionados na incubadeira psíquica em que seriam transportados.
— Então, vamos, que nos convém partir antes que eles voltem de todo do processo anestésico.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 7:44 pm

Capítulo 35
Despedimo-nos e, enquanto Odilon os acompanhava, fiquei a meditar em tudo quanto presenciara e ouvira, ponderando quanto à conveniência, ou não, de transmitir aos companheiros encarnados aquelas revelações surpreendentes, das quais, quando no corpo, eu mesmo não cogitara.
Lembrei-me de que, tão-somente uma vez, em uma de nossas sessões mediúnicas, um espírito em condições precaríssimas comunicara-se através de D. Maria Modesto Cravo, que, após o transe, o descrevera para mim.
— Inácio - disse-me ela -, eu o via como se fosse uma grande esfera escura, pulsando próximo à minha cabeça; parecia-me um espírito encouraçado, que só conseguiu falar por meu intermédio com o auxílio dos Mentores que lhe serviam de intérprete do pensamento.
Recordo-me, então, que, um tanto céptico, eu lhe perguntei:
— Era homem ou mulher?
Ao que me respondeu:
— Tudo nele era indefinido, menos o sofrimento.
Quando eu saía da sala cirúrgica do Hospital, deixando Manoel Roberto cuidando de Amaro, Odilon vinha ao meu encontro, com o sorriso de sempre estampado no rosto.
— Graças a Deus, a tarefa foi coroada de êxito disse, com o propósito de me ouvir.
— Estava aqui meditando...
— Eu sei, Inácio.
— O que você acha: os nossos irmãos estão preparados para alguma notícia a respeito?
— Desde que se limite ao essencial.
— Eu não teria mesmo condições de abordar o assunto tecnicamente, com todos os detalhes que observamos.
— Nem o médium que temos à disposição estaria apto.
— Com receio das possíveis críticas?
— Nem tanto; o problema é de limitação... Todo assunto novo carece de uma nova terminologia e de uma gama maior de informações. Não nos esqueçamos de que trabalhamos com o material que o médium nos oferece.
— Modesta era portadora de faculdades mediúnicas extraordinárias!
— Com todo o respeito a ela e aos demais medianeiros que connosco colaboram de boa vontade, raros são os sensitivos que, no mundo, se colocam à altura das realidades da Vida Espiritual, no que tange à sua revelação aos encarnados.
— E é providencial que assim seja, não, Odilon?
— Há poucos dias, Inácio, fui procurado no Liceu por um grupo de espíritos interessados em reviver modernamente, na Terra, a época das mesas girantes; queriam o meu parecer a respeito do assunto, alegando que a Humanidade está precisando de uma sacudida...
— Concordo; a Humanidade está mesmo necessitando de uma sacudida... O que foi que você lhes disse?
— Quem sou eu para me opor a qualquer iniciativa que objective o bem da colectividade? Essas decisões não cabem a mim, a você ou a qualquer outro espírito que se situe em nosso plano de acção. Tudo nos é lícito tentar, desde que, em nosso próprio prejuízo, não extrapolemos o bom senso e não recorramos à violência de qualquer espécie.
— Mas o que respondeu a eles?
— Que a iniciativa era louvável e justa, como, de fato, o é, no entanto que eles haveriam de se deparar com um obstáculo praticamente intransponível: a falta de medianeiros para o cometimento proposto! Na actualidade terrestre, escasseiam médiuns para tanto. Você não desconhece quanto temos lutado à frente do Liceu, na preparação de quem melhor sirva aos propósitos da Espiritualidade na Crosta. Eles, inclusive, me questionaram acerca de possíveis médiuns reencarnados, dos quais pudessem se aproximar e dar início aos preparativos do que pretendem; imaginaram que o Liceu os tivesse catalogado em seus arquivos - médiuns de efeitos físicos, com grande capacidade de liberação de ectoplasma; não estavam interessados em medianeiros comuns, aqueles dos quais nos valemos cotidianamente na produção de fenómenos discretos.
— Queriam novos Daniel Dunglas Home, Carmine Mirabelli, Eusapia Paladino, Francisco Peixoto Lins, Florence Cook, Elisabeth d'Espérance...
— Daí para cima...
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— O máximo que encontrarão é quem lhes possibilite atirar pedrinhas em cima do telhado de uma casa ou, então, quebrar o pé de uma cadeira já semidestruída pelos cupins...
— Veja você: eles estavam querendo algo parecido...
— Sem entrar no mérito da questão, como a divisão das águas do Mar Vermelho, não é?
— É por aí, Inácio.
— Seria óptimo se tivéssemos médiuns que nos auxiliassem a fazer tremer misteriosamente a Caaba, a pedra sagrada dos muçulmanos, ou, ainda, a soar invisíveis trombetas na Basílica de São Pedro, com os anjos a proclamarem que os tempos são chegados...
— Infelizmente, o homem, por enquanto, prefere liberar a energia dos artefactos nucleares, destruindo cidades inteiras e arrasando com populações.
— Quando ele descobrir que carrega dentro de si uma força mais poderosa que a da fissão nuclear!...
— Falei com o referido grupo que, além de todas as dificuldades para situarmos um médium de tal potencial na Terra, lutávamos contra a influência das Trevas que, ao descobri-lo, não medem esforços para desvirtuá-lo e que, não raro, o que nos deveria servir como instrumento de crença passa a ser motivo de escândalo, comprometendo a fé incipiente dos nossos irmãos e desservindo a causa que abraçamos.
— E como reagiram às suas ponderações?
— Disseram-me que nós, os mortos, precisamos sair do anonimato, que eles estão dispostos a uma actuação mais ostensiva junto à Humanidade e que iriam recorrer a centros mais avançados que os nossos.
— Ainda nos ridicularizaram?
— Evidentemente, Inácio, que não se trata de espíritos comprometidos com a mensagem de renovação que o Evangelho nos propõe; estão interessados em impor a Verdade pela força das circunstâncias...
— Pelos olhos e não pela razão.
— O fenómeno mediúnico, por mais retumbante, não convence e não muda a quem não se sente tocado no íntimo. As curas que o Cristo realizou não contam entre os homens, com mais nenhuma testemunha ocular, porém as suas palavras prosseguem soando com lógica aos nossos ouvidos e são de tal teor espiritual, que não mais lhes questionamos a procedência. Inclusive, determinado pensador chegou a dizer que, se Jesus não tivesse existido, os autores do Evangelho seriam tão grandes quanto Ele!
— O fenómeno que provoca mudanças é o que nos induz a reflectir e o que se situa para além dos sentidos.
— Por esse motivo, embora respeitemos os companheiros que se organizam, no Além-Túmulo, em movimentos paralelos à proposta do Espiritismo, interessados na produção de fenómenos periféricos, continuaremos a insistir na mensagem endereçada à inteligência e ao coração, que enseja ao indivíduo um renascimento dentro da própria Vida. Muitos irmãos de ideal nos endereçam cobranças, como se dependessem única e exclusivamente de nós prodígios mais decisivos em termos de convencimento aos cépticos; todavia o que podemos fazer mais do que temos feito, por exemplo, no manejo do lápis ou nas singelas actividades mediúnicas de uma casa espírita?... Quereríamos prodígios maiores do que a caridade, em nome da fé, proporciona aos carentes de modo geral, em toda parte, sem que, diante da bênção materializada, eles se alterem?!
— É verdade - concordei; quantos de nós recebemos, todos os dias graciosamente, recursos que nos sustentam a existência e nem por isso crescemos em reverência ao Criador, que nos atende as necessidades de mil formas diferentes? Qual é o faminto que recebe um pedaço de pão e se transforma? O doente que se socorre com o medicamento e decide, de imediato, ser pessoa melhor?...
— Nós mesmos, Inácio, com o que temos visto deste Outro Lado da Vida, por que não nos fazemos melhores?
Por que continuamos quase os mesmos, incapazes de maior renúncia e devotamente?
— Você está coberto de razão, Odilon.
— É porque mesmo a nós, os sobreviventes da morte, falta uma convicção maior concernente ao futuro; se a morte lograsse nos modificar em alguma coisa, não prosseguiríamos renascendo na condição de homem-velho, porque, uma vez renovados no Além, surgiríamos renovados no palco do mundo, e não é o que acontece.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 7:45 pm

Repetimos a lição uma, duas, dez vezes, e não a assimilamos, enquanto não nos conscientizamos de que, para obter promoção, não nos resta alternativa...
— A questão não é só de esquecimento do passado...
— De maneira alguma: a questão é muito mais de falta de convicção íntima do que de esquecimento do passado... Ninguém olvida o que fixa no espírito. As nossas conquistas transcendem as diferentes dimensões de tempo e de espaço. No Mundo Espiritual, muita gente ainda continua dormindo...
— Vive dormindo na Terra, desencarna dormindo, continua dormindo no Além... — ...e reencarna debaixo de profunda sonolência!
— As suas observações são graves.
— E o pior, Inácio, é que sabendo de tudo o que já sabemos, ainda somos os mesmos!
— O que fazer para interrompermos o processo?
— Perseverança no trabalho e determinação íntima, disciplina austera no cumprimento do dever e abnegação exaustiva.
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Capítulo 36
— Na minha modesta opinião - considerei -, o Espiritismo, com tantas lutas intestinas no Brasil, ainda não está apto para se apresentar no cenário mundial; faltar-nos-iam condições de liderança, de vez que, na actualidade, o personalismo grassa entre muitos dos nossos companheiros...
— De fato, Inácio, você não deixa de ter razão; a Doutrina é e será sempre a mesma, apesar das arremetidas das trevas para desfigurá-la...
— Desfigurá-la através de seus supostos adeptos...
— Sim; a verdade é que o Movimento Espírita, de uns tempos a esta parte, está num processo autofágico: os nossos desafectos tradicionais deixaram de se preocupar tanto connosco...
— Os católicos e os protestantes...
— A figura de Chico Xavier, em sua abençoada tarefa missionária, que extrapolou os limites do exercício mediúnico, conquistou, para a Doutrina, a respeitabilidade pública; por assim dizer, ele a popularizou e estabeleceu uma certa empatia do povo em geral com os nossos princípios.
— Mas, ao que estamos sabendo, a sua própria obra psicográfica vem sofrendo críticas dos que a consideram excessivamente ecuménica.
— O Espiritismo está cheio de "donos da verdade", espíritos que, pela reencarnação, imigraram para ele com a sua intolerância religiosa de antanho.
— E por que aderiram aos nossos postulados? Com que intenção se tornaram espíritas?
— A maioria para continuar na vanguarda do conhecimento espiritual disponível no mundo; vaidade intelectual e anseio de supremacia... Pressentindo o que a Terceira Revelação haverá de representar para a Humanidade, embora sem a veste nupcial, convidaram-se para a festa e, de todas as formas, disputam os primeiros lugares.
— Combatem, abertamente, o seu aspecto religioso e o vínculo com o Evangelho...
— Não querem compromisso com a renovação íntima, olvidando que, sem Jesus Cristo, o Espiritismo
não passará de mais uma das muitas crenças que pregam a Reencarnação, a Lei de Causa e Efeito, a Comunicabilidade com os Espíritos...
— Você acredita, então, Odilon, que a Doutrina não esteja pronta para apresentar-se no cenário internacional?
— A Doutrina, Inácio, sempre o esteve e sempre o estará; a nossa preocupação é com os confrades que, não desejando generalizar, têm viajado pelo mundo a serviço de si mesmos e não propriamente da Causa; lá fora, na Europa e em outros partes, o Movimento Espírita é feito por brasileiros radicados no Exterior...
— Precisamos de mais.
— Sem dúvida; precisamos de um número maior de obras traduzidas para outros idiomas, principalmente para o inglês e o castelhano; precisamos de companheiros comprometidos com a vivência do Evangelho; precisamos, em suma, de transparência e de desinteresse pessoal, o que, convenhamos, vem sendo muito difícil de se obter aqui mesmo, no Brasil.
— Carecemos de repensar o Movimento...
— E, sobretudo, de repensar os nossos interesses na Doutrina. Dizia o nosso Chico Xavier e, com ele concordamos, que a Europa necessita de Evangelho...
— E alguns espíritas combatendo o aspecto religioso da Doutrina!
— Pois, então! Como é que haveremos de apresentar o Espiritismo ao mundo, preocupados única e exclusivamente com Filosofia e Ciência? Em termos filosóficos e científicos, nada temos a acrescentar à cultura europeia e à norte-americana; do ponto de vista filosófico, muito menos, porquanto doutrinas como o Hinduísmo e o Budismo pregam há séculos e séculos o que apenas recentemente vimos pregando.
— Ainda agora estamos diante de uma nova possibilidade de guerra...
— ...que, se acontecer, envolverá muitas nações; a pretexto de se combater o terrorismo, o que se deseja é o petróleo... A questão é de política de dominação e, no fundo, de interesse económico. Por que não se interessam os países ricos pelo terrorismo da fome e do analfabetismo?
— Jesus Cristo está esquecido...
— Deram-lhe, Inácio, um lugar de destaque no panteão dos deuses e heróis da Humanidade, e nada mais. A missão do Espiritismo para o mundo está com o Brasil...
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli - Página 4 Empty Re: Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 7:45 pm

— Mas, se não nos unirmos e, sobretudo, não procurarmos seguir os exemplos dos nossos luminares...
— ...encolheremos. Em nosso país, a Doutrina conquistou espaço através de confrades que se destacaram no campo da Caridade, que sempre foi o nosso cartão de visitas.
— Bezerra de Menezes, Eurípedes Barsanulfo, Batuíra, Anália Franco, Aura Celeste, Herculano Pires, Deolindo Amorim, Carlos Imbassahy...
— E tantos outros!
— Como Chico Xavier...
— Talvez, pelo que realizou no campo da divulgação e da vivência do Evangelho, a síntese do esforço de todos os seus grandes predecessores! Se ele tivesse se limitado a ser médium, não teria conseguido tanto... A verdade é que já temos médiuns demais; precisamos agora é de verdadeiros espíritas, que não se preocupem em escrever livros ou fundar centros, quanto devem se preocupar em ser, em sua vida pessoal, coerentes com a fé que elegeram por rumo de suas vidas.
— Sem Chico, ficamos pobres de pontos de referência...
— Não podemos pensar assim, Inácio; existem muitos irmãos e irmãs valorosos trabalhando fora da mídia e, por assim dizer, são eles, na actualidade, a alma do Movimento; a imprensa espírita, sempre girando em torno dos mesmos nomes, não lhes destaca o valor: não exercem a mediunidade ostensivamente, não são notáveis oradores, não integram o movimento de Unificação, mas com eles é que iremos encontrar o idealismo autêntico, o desprendimento, a identificação com o espírito do Senhor; trabalham quase em completo anonimato para os que os consideram companheiros sem maiores predicados, todavia são eles que vitalizam a Causa Espírita e se constituem em seus alicerces inamovíveis. — Odilon - perguntei - existe alguma programação da Espiritualidade, que seja do seu conhecimento, para substituir-se Chico Xavier?
— É evidente que não; conforme você não ignora, em Espiritismo não é assim que as coisas funcionam...
— Os nossos irmãos espíritas, então, doravante, terão que se virar?
— Terão que se virar com o que são, assumindo eles mesmos a responsabilidade que lhes compete à frente da Doutrina. Para que um espírito da envergadura de Chico Xavier reencarne, não é tão simples quanto parece: muitos factores, dos Dois Lados da Vida, necessitam se conjugar...
— Melhor, do seu ponto de vista, que, internacionalmente, o Espiritismo não ganhe a projecção que se deseja?
— Inácio, separemos a Doutrina do Movimento: Espiritismo é uma coisa. Movimento Espírita é outra...
O Espiritismo está e sempre esteve pronto para ocupar o lugar que lhe está reservado no cenário mundial, todavia tememos que o Movimento Espírita induza os menos avisados a equívocos de interpretação.
— Por favor, seja mais claro.
— O Movimento Espírita Brasileiro está eivado de interesses pessoais, ressalvando-se o idealismo de alguns poucos que, imbuídos dos melhores propósitos, lutam por lhe dar correta directriz; no entanto, mesmo os que se fazem excepção à regra, de certa forma têm sido coniventes através do silêncio. Quando se trata de defender a Verdade, humildade não é calar!
Efectuando ligeira pausa, o Instrutor prosseguiu: — Precisamos dar uma arrumada na "casa"... O espírita deve assumir a sua responsabilidade e falar o que pensa, sem se preocupar em agradar ou desagradar a quem quer que seja. O Espiritismo é uma doutrina livre e, a rigor, para sobreviver, o centro espírita não deve obediência a nenhum órgão unificador. Aplaudamos menos e reflictamos mais. Não percamos contacto com as nossas origens. A intenção de Allan Kardec foi a de reviver o Cristianismo. Não há mensagem mais eloquente que a da virtude posta em prática.
Raras vezes, eu ouvira Odilon ser tão incisivo em sua palavra.
— Esse seu discurso - disse eu a ele - talvez ficasse melhor em minha boca, que sempre fui considerado em nosso meio um espírita reaccionário.
— Reaccionário, por quê? Por você dizer o que pensa? Não creio que o momento seja de omissão. Se os que nos lerem nos interpretarem mal, paciência. Que os nossos irmãos saibam que também nós, os considerados mortos, estamos preocupados com o rumo que as coisas vêm tomando no Movimento Espírita Brasileiro. "...A todo aquele, a quem muito foi dado, muito será pedido"!
— Como se não bastasse a acção das trevas, ainda nos vemos às voltas com tantos padres e freiras reencarnados na Doutrina - sentenciei, pensativo -; deixaram a religião antiga, mas não largaram o hábito...
— Deixar hábitos não é mesmo fácil, Inácio retrucou Odilon, dando à minha observação um outro significado.
Sorrimos os dois e demos por encerrado o diálogo, abordando assunto tão delicado e complexo sobre o havíamos começado a conversar espontaneamente. No outro dia, conduzindo espíritos enfermos à Crosta, tínhamos uma visita agendada a determinado grupo de trabalho mediúnico.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 7:45 pm

Capítulo 37
Três entidades seguiam connosco; apresentando relativa melhora no hospital, careciam de um contacto mais estreito com as sensações que a organização mediúnica lhes facultaria; estavam internadas connosco havia considerável tempo, mas ainda não tinham se desapegado das reminiscências tristes do mundo ansiavam por regressar ao palco de suas desditas e desilusões, como se a consciência culpada lhes reclamasse semelhante providência...
Cada espírito é um universo em si! Muitos pacientes recebiam alta directa, após algum tempo de tratamento no nosocómio sob a nossa responsabilidade; outros, no entanto, reclamavam um complemento terapêutico que, por vezes, se desdobrava em várias sessões; o complemento a que estamos nos referindo é justamente o das chamadas reuniões mediúnicas de desobsessão ou de enfermagem espiritual... Os que deixaram o corpo, acobertando crimes que cometeram ou carregando faltas que não ousaram confessar, sentem-se compelidos pela consciência a externar-se publicamente, qual se estivessem se desnudando diante de uma plateia, representando a colectividade humana, que prejudicaram com os seus gestos isolados.
Não sei se estou conseguindo me fazer entender conforme desejo, mas este é um dos principais motivos de as entidades desencarnadas comparecerem, espontaneamente ou não, a uma reunião de desobsessão: antes de se prepararem para nova existência física no mundo, a fim de reencarnarem sem tantos complexos de culpa, que haveriam de lhes pesar excessivamente, sentem necessidade de, incorporadas nos médiuns, externarem de viva voz os seus dramas, como se estivessem suplicando perdão à alma da Humanidade.
Dos três espíritos que nos acompanhavam, um, que depois de ter sido recolhido ao Hospital, ainda não havia retornado ao cenário terrestre, cometera bárbaro crime, que a justiça dos homens não punira.
Trémulo e inseguro, era, repito, como se estivesse comparecendo, agora de livre e espontânea vontade, perante um tribunal para se confessar, pois, se não o fizesse, o grande remorso que sentia poderia, inclusive, frustrar-lhe a tentativa de renascer; quando o espírito toma consciência de seus erros, a repulsa que experimenta por si é tamanha, que, se pudesse, haveria de vomitar a si mesmo!...
Se os médiuns psicofónicos soubessem avaliar a importância do seu esforço na tarefa que desenvolvem, haveriam de ser mais pontuais com o compromisso e não se permitiriam embaraçar por bagatelas, deixando de comparecer, com tanta frequência, ao cumprimento do dever. Infelizmente, são muitos os medianeiros e dirigentes que não encaram o labor mediúnico de enfermagem espiritual com a seriedade devida; há, inclusive, quem dele faça um teatro, onde lhe é possível encenar a própria vaidade no palco das conveniências pessoais... O grupo mediúnico que não abrace o trabalho com responsabilidade e disciplina fica à mercê de entidades que o enganam o tempo todo, fazendo-se passar por espíritos orientadores, mas que, na verdade, exercem sobre ele um fascínio obsessivo que, fatalmente, lhe custará caro.
O dirigente de uma tarefa mediúnica regular,
lidando com médiuns e espíritos, necessita de dar o exemplo de disciplina e, sobretudo, de vivência dos postulados espíritas, não se limitando a um conhecimento teórico da Doutrina; prefere-se, não raro, um dirigente fraterno e bem intencionado a outro mais erudito, todavia sem o indispensável idealismo e amor à Causa.
Com o nosso auxílio, o primeiro comunicante da noite aproximou-se do médium e, consumando-se o transe, começou a falar:
— A minha cabeça está em fogo... Auxiliem-me, por caridade! Eu não aguento mais. Que dor é esta, meu Deus? O que aconteceu comigo? Que cenas dantescas!...
Não é possível; aquele não sou eu...
Colaborando com o doutrinador, ou seja, com o companheiro encarnado encarregado do diálogo com as entidades que se manifestassem pelo referido instrumento mediúnico, Odilon o envolveu, de forma que assistíamos, por assim dizer, a uma dupla incorporação, pois que, igualmente mediunizado pelo nosso Instrutor, o irmão que se destacou para atender o espírito em sofrimento se deixava conduzir por ele...
— Meu irmão, tenha calma... Estamos aqui em nome de Jesus Cristo. Não se desespere; converse connosco... A Misericórdia Divina não nos desampara.
Confiemos!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 7:46 pm

O espírito, que gemia e suspirava fundo, sentindo a necessidade de se abrir com alguém, não mais ocultando o seu drama, foi, então, directo ao assunto que o atormentava:
- Eu sou um criminoso! Matei e tenho as minhas mãos sujas de sangue... Afastem de mim esta visão!
— Você está agora num outro ambiente; tudo passou... Fale claramente connosco, para que possamos ajudá-lo. Não se prenda ao passado!...
-Aquele homem, que me espancava todos os dias, era meu pai; ele chegava embriagado a casa e batia na minha mãe; eu entrava no meio e apanhava também...
Quando não bebia, ele era um homem bom e trabalhador.
O problema é que o meu pai bebia sempre e, além de nos agredir, quebrava todos os móveis... Foi assim que cresci:
com marcas e cicatrizes no corpo e na alma. A minha mãe ficou doente e vivia infeliz... Uma tentação foi tomando conta de mim e, certa noite, quando ele avançou sobre nós, eu o esfaqueei seguidas vezes... Sangue - eis o que, desde então, é só o que vejo!
— Tentemos esquecer e perdoar, meu irmão; Deus, em breve, lhe concederá os meios de reparar a falta...
Todos erramos. Você agiu em defesa de sua mãe...
— Sim, mas eu não tinha o direito; antes tivéssemos fugido de casa... Um filho assassinar o próprio pai! Nada justifica o que fiz, no entanto, se isso se repetisse, eu estaria pronto para fazer tudo de novo... Nunca mais tive paz! Eu era de menor e não fui preso; os vizinhos testemunharam em nosso favor; todavia, passados três anos daquela tragédia, a minha mãe morreu de desgosto e eu fiquei sozinho no mundo... Sabem, então, o que fiz?
Comecei também a beber, como se, para me auto-punir, eu quisesse repetir o meu pai... Que coisa estranha!
— A violência conduz à violência - ponderava o doutrinador, compadecido. — Não podemos, no entanto, ficar tão-somente lamentando os nossos erros... "O amor cobre multidão dos pecados"! A morte, como você pode constatar, não existe; a Vida continua e as oportunidades de sermos melhores do que somos se nos renovam todos os dias. O espírito de seu pai há de compreender...
— Eu nunca mais o vi e nem sei se quero ver...
Convivi com aquela lembrança e, após enterrar a minha mãe, bebi até o dia em que Deus resolveu me chamar; morri com pouco mais de trinta de idade, caído na sarjeta... A justiça não me puniu, mas o preconceito humano não me perdoou: até as crianças me acusavam, quando me viam passar, cambaleando: "Aquele lá é o filho que matou o pai..." Depois de algum tempo vagando fora do corpo, fui recolhido e recebi tratamento, mas ainda trago a consciência em brasa... A minha vida foi destruída. Eu queria esquecer!...
— Você esquecerá, meu irmão, e, com a graça de Deus, tudo há de ser diferente. O sofrimento nos transmite preciosas lições. Com certeza, o espírito de seu pai igualmente já teve tempo suficiente para reflectir. Ele agia dominado pelo álcool e pelos adversários invisíveis que se aproveitavam de sua fraqueza. Não se sinta sem esperança... Ninguém cai para permanecer estirado no chão.
— Mas eu matei e vocês não sabem quanto dói o remorso... Bebia para tentar esquecer e não esquecia; ele estava bêbado e o matei covardemente... Antes do golpe fatal que lhe apliquei no coração, ele me olhou como se, por momentos, tivesse recobrado a lucidez; a minha mãe gritou, tentando impedir que eu consumasse o crime, mas eu a empurrei e, com as duas mãos, cravei a faca no peito dele... Foi exactamente assim. Vocês estão ouvindo? Eu sou um criminoso, um louco; o filho que tem a coragem de matar o seu próprio pai é louco - sim, é o que eu definitivamente sou: um louco!... A loucura é um estado muito melhor que a dor do remorso!
— E se o seu pai, meu irmão, viesse para lhe pedir perdão, como você reagiria? - perguntou o doutrinador, sob a inspiração de Odilon. — E se ele aqui comparecesse agora, na companhia de sua mãe, que, certamente, já perdoou a ele, o que você faria? Continuaria a odiá-lo?
— Eu nunca tive ódio dele... Vocês não acham que seja possível matar alguém sem ódio? Ódio mesmo eu tenho é de mim, por ter feito o que fiz. Deveria ter fugido na companhia de minha mãe e...
Neste instante, alterando o semblante, o espírito, em pranto convulsivo, gritou:
— Não, não é possível... É uma alucinação! O que vocês estão fazendo? Eu enlouqueço de vez... Quem é este homem que apareceu perto de mim? De onde é que ele veio?
— Observe bem, meu amigo - exortou o confrade, intuindo o que se passava nos bastidores da reunião. — Não será ele o seu próprio genitor?
— Oh, não!... Minha mãe, minha mãe!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 7:46 pm

Capítulo 38
— É a senhora, mamãe? - perguntou o rapaz,
dividido entre o passado e o presente. — E este homem, quem é? O meu pai?! Mas a senhora lhe perdoou?!...
Está tudo bem agora? Ele não agride mais a senhora?...
- São eles, sim, meu irmão, a sua mãe e o seu pai - confirmava o doutrinador. — É da Lei que nos reajustemos... O seu pai está vindo para pedir o seu perdão; faça como a sua querida mãezinha, que já perdoou a ele...
— O senhor me perdoa, papai? - indagou a entidade pelos lábios do médium, que tinha o rosto banhado em lágrimas. — Eu fiquei louco... As minhas mãos ainda hoje estão sujas de sangue! Perdoe-me, mamãe, o desgosto que lhe causei... Vocês estão dizendo que me perdoam?! Por que, meu Deus, para acertarmos, devemos errar tanto?
— Estamos enganados - interferiu o doutrinador -: o mal não é uma fatalidade... Erramos por invigilância, por falta de humildade e porque não temos verdadeira fé. Quem se aproxima do bem se distancia do mal; quem anda sempre na luz evita perder-se nas trevas... Carecemos, sim, do perdão uns dos outros, de vez que somos frágeis e podemos cometer os maiores absurdos. A sua mãe e o seu pai compreenderam; chegou a sua vez de compreender...
— Compreenderei, mas eu quero que o meu pai me abrace... O senhor me dá um abraço, papai? Há quanto tempo não nos abraçamos os três juntos!... Venha, mamãe, abrace-nos!...
Os nossos companheiros encarnados apenas puderam imaginar a cena comovedora que presenciamos deste Outro Lado: chorando, os três espíritos se estreitaram, sem dizer mais uma única palavra; o médium, naturalmente exausto, pelo esforço despendido, foi saindo gradualmente do transe, enquanto diversos cooperadores do nosso Plano cuidavam de encaminhar de volta ao Hospital o jovem na companhia de seus progenitores. Com certeza, ainda haveria muito que ser dito entre eles, e aquela reaproximação era apenas o início de um longo processo de reajuste cármico. Ao contrário do que muitos pensam equivocadamente, ninguém reencarna para pagar o que deve, mas, sim, para se reeducar, ou seja, se harmonizar com a própria consciência.
Deus nos perdoa sempre; somos nós que não nos perdoamos! Se a Reencarnação, portanto, não fosse uma Lei Divina, criada pela Misericórdia do Criador, nós, os espíritos culpados, haveríamos de criá-la em nosso próprio benefício, concedendo-nos a oportunidade de "voltar no tempo" e refazer o caminho. A ideia de que o espírito reencarna para quitar antigos débitos é uma força de expressão, que não deve, evidentemente, ser tomada no sentido literal. O carma é uma construção quotidiana e o destino pode ser traçado e retraçado, sem o que seríamos governados por um fatalismo absurdo, contrário ao Amor, sem o qual a própria Vida não teria sentido.
O segundo comunicante naquela noite de bênção foi um espírito suicida que, aproximando-se da organização mediúnica da sensitiva que se pôs em condições de "recebê-lo", assim se expressou:
- Estou aqui para pedir o perdão de vocês; já que não posso fazê-lo aos meus familiares e àqueles aos quais prejudiquei directamente com o meu gesto impensado, aqui estou... Perdoem-me! O suicida é um espalhador da descrença. Arrependo-me do que fiz, pois, ao invés de legar bons exemplos à sociedade, que eu sempre recriminei, contribuí para que a violência se incrementasse.
Sinto-me culpado e devo, indirectamente, ter incentivado outros à actividade insensata que abjuro. Quanto mais depressa os homens me esquecerem, melhor! Cada vez que alguém me lembra na condição de suicida, cita o meu nome ou olha uma simples foto minha, vinculando-me à acção infeliz que pratiquei, sinto-me no banco dos réus, qual se escutasse uma voz a me dizer: "você fez pior do que aqueles que nada fazem, os indiferentes!
Melhor seria se você não tivesse mesmo existido...
Quantos os que estavam à beira do precipício e nele acabaram se precipitando por sua causa!... De todos os discursos que combatem, no mundo, a existência do Criador, o seu foi o mais eloquente e continua a ecoar sobre as mentes incautas. A responsabilidade, pois, que você assumiu extrapola os limites de sua desventura! A semente que plantou prosseguirá, por longo tempo, dando frutos envenenados e carecerá de ser extirpada, pela raiz, por suas próprias mãos!..."
O dirigente encarnado da reunião, de cabeça baixa, apenas emprestava os seus ouvidos complacentes ao desabafo do infeliz comunicante; nem sempre, para "doutrinar", o doutrinador necessita de falar mais que o doutrinando; o silêncio, aliado à prece e às vibrações de paz, às vezes é tudo o que a entidade que se expressa pelo médium mais precisa para se reconfortar... Doutrinar em desobsessão não é proferir palestras ou reuniões!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 7:46 pm

— Sei, portanto, o que me espera - continuou o irmão sofredor - e rogo que orem por mim; temo não ter forças para me reerguer... Teria sido preferível que eu renascesse sem mãos ou impossibilitado, fisicamente, de consumar o gesto tresloucado, pelo qual responderei. O meu desespero foi grande demais, mas a minha confiança deveria ter sido maior. Eu deveria saber que o Criador jamais deixa a criatura entregue a si totalmente! Ah, se tivesse tido um pouco mais de paciência ou de humildade, para avaliar as muitas bênçãos com que era constantemente agraciado!... No entanto, o homem é insaciável em seu anseio de felicidade, e basta a menor contrariedade para que ele se rebele. E agora?! Não pensem que eu tenha sido abandonado na Vida, que não termina com a morte... Não! O doente não é relegado ao mal que lhe corrói as entranhas... Tacteio, sim, dentro da noite, em que mergulhei voluntariamente estourando os miolos, mas existe suficiente luz à minha volta - sempre existiu! -: eu é que não possuo olhos para vê-la! Não sei dizer se estou cego em consequência do que fiz, pelas feridas que abri em meu corpo espiritual, ou se estou, por mecanismos que desconheço, me auto-punindo...
Quando será, meu Deus (será que tenho o direito de fazer esta pergunta?!), que uma nova oportunidade me será concedida? Que pais estarão dispostos a me acolher, em meu sofrimento? Serei, doravante, causa de prova para os espíritos necessitados de se redimirem; um fardo a pesar nos ombros daqueles que me tomarem sob o seu encargo afectivo... Que alegria conseguirei motivar nos que me contemplarem no berço? Serei rejeitado?! O meu abismo - acreditem - parece não ter fim... Sinto-me em queda livre, à mercê das circunstâncias a que me arrojei!...
Consultando o relógio, ante os minutos que passavam céleres, o doutrinador aparteou:
— Meu irmão, infelizmente carecemos de interromper o nosso diálogo; outros companheiros ainda necessitam falar, antes do término de nossa reunião...
Assim como você foi trazido à nossa casa esta noite, a Misericórdia Divina haverá de lhe conduzir os passos, pois a ele ninguém estende as mãos inutilmente!
— Por caridade, deixem-me ficar mais alguns minutos; em contacto com vocês, as minhas vertigens se amenizam... Perto de vocês, por senti-los tão humanos quanto eu, expostos ainda às mesmas fraquezas que me acometeram, sinto-me menos envergonhado; aqui, deste Outro Lado, até os espíritos das trevas sorriem da minha desdita!... Os nossos Benfeitores agem comigo com extrema condescendência; de nada me acusam ou em alguma coisa me repreendem, mas eu preferiria que, de fato, me lançassem ao rosto toda a verdade a meu próprio respeito...
O espírito, em seu depoimento, nos comovia.
Aproximando-me dele, toquei-o levemente no braço e disse-lhe:
— Não fique assim; nós estamos com você e tudo faremos para auxiliá-lo... Não se recrimine, ao ponto de eclipsar a esperança, cuja luz nunca se apaga! O futuro nos pertence... No fundo, somos todos iguais, em nossos erros e acertos. Em determinadas circunstâncias da Vida, igualamo-nos aos réprobos ou aos espíritos bem-aventurados, dependendo da forma com que manejamos o nosso livre-arbítrio. Trazemos connosco a grandeza de Deus! Somente a felicidade é eterna... Os que nos atiram pedras são tão desventurados quanto nós; os que nos julgam lavram sentenças condenatórias para si mesmos...
Disponhamo-nos à corrigenda. Da estrela que brilha no firmamento ao verme que se arrasta na lama, tudo é obra de Deus! A lagarta abandona o casulo, confiante na Bondade do Criador; o filhote de pássaro deixa o ninho tutelado pela Divina Providência; a fonte salta do penhasco e viaja milhares de quilómetros em direcção ao mar, convicta de que não se perderá no caminho...
Encoraje-se, meu irmão! As suas chagas, convenientemente tratadas, haverão de cicatrizar. É da Lei que os débeis se fortaleçam e que os culpados se redimam. Todos somos uns pelos outros. A sua atitude impensada igualmente pesará sobre a consciência da Humanidade; se os homens fossem mais solidários, muitas tragédias seriam evitadas no nascedouro... A culpa de quem errou se divide com a da nossa omissão, que, na maioria das vezes, cruzamos os braços, na impassividade.
Não dava para prosseguir; a voz se me embargou na garganta e foi Odilon quem, percebendo a minha emoção, amparou a entidade, que se retirava do médium.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 7:47 pm

Capítulo 39
O terceiro comunicante, em condições de se expressar na noite, era uma jovem que cometera o aborto. Antes, porém, que a acompanhemos em suas palavras através da medianeira que lhe ofereceu sintonia, devo esclarecer que diversos outros espíritos, indirectamente, se beneficiavam na reunião em andamento; permanecendo à margem, eles se colocavam dentro dos diálogos entabulados e permutavam ideias construtivas com os auxiliares do nosso Plano ou, simplesmente, choravam, identificando-se com os dramas narrados.
A anónima jovem em questão havia sido uma freira que, enamorando-se do jardineiro do convento, mantivera com ele um relacionamento ilícito. Quando soube da gravidez da religiosa, temendo represálias, o rapaz fugiu ao compromisso e a deixou sozinha. Distante de casa e com receio de ser execrada, sem que ninguém soubesse, ela praticou o aborto e contraiu uma infecção que se generalizou.
Acolhida no hospital sob a nossa responsabilidade, era acometida por periódicas crises de insanidade e, ao mesmo tempo, de ódio pelo co-autor de seu sofrimento.
As vezes, ela parecia nos ouvir, mas, de outras, tomada de ira, intentava escapar do Hospital, alegando que precisava ir atrás de quem a lançara naquela situação...
Os espíritos rotulados de obsessores, não raro, foram vítimas que se converteram em verdugos; a causa primeira de obsessão diz respeito a problemas de ordem passional: o amor doentio, a traição afectiva, o sentimento de posse, o desrespeito moral, o sexo desvairado - tudo isso engendrando conflitos que descambam para o crime.
— Eu quero os dois - dizia a jovem que, à guisa de véu, trazia um pano esfarrapado sobre a cabeça -; eles me pertencem... Onde é que estão o meu marido e o meu filho? Aquele homem me engravidou e não me quis, mas ele é meu... E o meu filho?! Não, não, não me acusem de nada... Eu não tive culpa e não aceito ficar presa.
Larguem-me! As favas a Igreja, o convento, a madre superiora, todos e tudo!... Fiz o que fiz, de tanta repressão.
Manifestando-se através da médium, dava para se perceber o grau de desequilíbrio da infeliz irmã, que verberava:
— A consciência está me acusando indevidamente...
Fui enganada em meus sentimentos de mulher. Vocês sabem quantos anos eu tinha? Vinte e um, apenas vinte e um... Eu o quero! Do meu filho, eu sequer pude ver o rosto, mas o dele eu conheço bem... Covarde! Antes, me provocava e me queria; escrevia bilhetes ardentes, que me deixava ao pé de uma quaresmeira... Quando eu lhe contei que estava grávida, ao invés de me assumir, fugiu...
Que ódio! Eu não entendo... Onde é que está a Justiça?
Por acaso, sou eu a criminosa? O que vocês queriam?...
Que eu fosse expulsa do convento e humilhada? Que voltasse para casa com um filho na barriga, sem pai?...
Não me acusem pelo que fiz! Provoquei, sim, o aborto, e daí?...
Alternando estados de agressividade e de profunda apatia, continuava:
— Ai, meu Deus, como sofro! Alguém me valha, por caridade! Dr. Inácio, eu quero um remédio para esquecer... Chamem, gente, o Dr. Inácio!... Eu sou uma freira... Vocês não estão vendo o véu sobre a minha cabeça? Dêem-me o meu filho de volta... Enfrentarei tudo; arranjarei um emprego de lavadeira... Ele disse que se casaria comigo, que seria meu marido... Mentiroso!
Eu não queria o convento; foi um voto que o meu pai fez, quando nasci. Como é que alguém pode fazer votos para a gente cumprir? Vocês acham que está certo?!...
Como a lógica da dor, por vezes, parece superar a lógica da fé! Notando que o doutrinador se encontrava sem argumentação, revelando certa dificuldade para a tarefa do esclarecimento, Odilon pousou-lhe a destra à altura da fronte e o animou a dizer:
— Minha irmã - começou tímido -, não queiramos transferir a responsabilidade de nossos actos; para reparar as nossas faltas, precisamos admiti-las... A rigor, ninguém nos obriga a agir conforme não queiramos. Procure se pacificar interiormente. Depois de termos feito o que fizemos de errado, o que nos resta fazer, se não rogamos a Deus forças para o indispensável reajuste? A revolta apenas nos agrava a situação espiritual, já, por si mesma, tão complexa! Resignemo-nos, ante as consequências de nossa imaturidade e invigilância...
— Imaturidade e invigilância?... Então, você também me acusa? Isto aqui é um tribunal? Disseram-me que eu seria ouvida numa casa de caridade...
Porventura, os que aqui nos trouxeram nos enganaram?
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli - Página 4 Empty Re: Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 7:47 pm

— Desculpe-me - ponderou o doutrinador -, mas você nos disse que tinha apenas 21 anos de idade... O que uma jovem, que estava se iniciando na vida religiosa, poderia saber dos perigos que nos espreitam os menores movimentos no mundo?! Quanto à questão da invigilância, quem estará, o tempo todo, de sentinela, contra as arremetidas da tentação? Não nos interprete mal...
Quem seríamos para condená-la, conscientes de nossas próprias mazelas e imperfeições? Aqui estamos, minha irmã, simplesmente para ouvi-la e auxiliá-la com a nossa solidariedade, na difícil tarefa do recomeço; sim, porque, seja o que for que tenhamos feito nos muitos erros que cometemos, é da Lei que nos disponhamos à necessária corrigenda.
As palavras sinceras do companheiro pareceram acalmá-la, e, de novo, se entregou às próprias reminiscências:
— Ai, meu Deus, o que fui fazer de mim?! Não me dói tanto agora o fato de ter engravidado quanto o de ter expulsado de meu ventre aquele que, com certeza, faria a minha tristeza se transformar em alegria... Em qualquer circunstância, a maturidade é sempre uma bênção! Que eu enfrentasse todos os preconceitos e me expusesse a todas as humilhações, mas que jamais cometesse o aborto! Por que não me inspirei em Maria de Nazaré, que, segundo nos ensinara a Igreja, grávida miraculosamente, nada temeu e deu-nos Jesus?...
Não desejando entrar no mérito da questão da gravidez de Maria, que tantas polémicas têm suscitado através dos séculos, o doutrinador considerou:
— De tudo o que você está nos dizendo, minha irmã, talvez seja mais grave do que a sua decisão precipitada, que, sem dúvida, possui determinadas
atenuantes, levando-se em consideração o desespero que lhe subtraiu a lucidez, o ódio que, desde então, vem alimentando contra o parceiro de sua desventura...
Esqueça e perdoe. Pior do que você fez ao seu ventre é o que você pode fazer ao seu coração! Mais cedo ou mais tarde, ele virá ao seu encontro...
— Como - questionou -, se a morte nos separou por incomensurável distância?!...
— Não existe distância capaz de desfazer os compromissos que assumimos, principalmente quando nos responsabilizamos pela infelicidade alheia; as consequências de nossos actos nos acompanham como
projecções obscuras ou luminosas de nós mesmos... Não duvide. Prepare-se, porque, quem sabe, o seu reencontro com ele esteja mais próximo do que pensa.
E, inspirado por Odilon, acrescentou:
— Ele ainda está na Terra e para a Terra, em breve, você deverá voltar; e ninguém nasce sozinho, concorda?
— O que está insinuando?
— Os Desígnios de Deus são insondáveis... A família é o cadinho purificador do espírito; pais e filhos, avós e netos, tios e sobrinhos, irmãos e irmãs, na maioria das vezes, são espíritos necessitados de quitarem débitos recíprocos. Todos os caminhos, por mais divergentes, acabam por se cruzar e, na verdade, convergem para o mesmo ponto.
— Então, eu o terei de volta?
— Sim, a ele e, provavelmente, ao filho rejeitado; todavia, para tanto, predisponha-se ao perdão, pois o ódio cria um campo de repulsão que nos afasta das oportunidades e das bênçãos que almejamos...
— Eu não consigo amar...
— Pelo menos, não odeie! Procure, minha irmã, pensar na fragilidade do homem que, talvez igualmente não tenha tido berço...
— Ele me dizia que era órfão...
— Pois então!
— Mas não entendo: por que sempre a vítima, no caso eu, é que deve tomar a iniciativa de perdoar? Não deveria ser o contrário?
— O perdão que parte espontaneamente do ofendido para o ofensor é mais eficaz, para ambos, do que o perdão que o ofensor, humilhando-se, solicita ao ofendido. O perdão que Jesus nos ensina e que Ele exemplificou no Calvário não é o que o verdugo solicita à vítima, mas, sim, o que a vítima oferece ao verdugo, por reconhecer que, em outras circunstâncias, o algoz poderia ter sido ele.
E arrematou:
— Esse é o sublime momento, minha irmã, em que a própria virtude do Perdão se converte em Amor!...
Confesso-lhes que os elevados conceitos sobre a indulgência, exarados pelo jovem confrade, não sensibilizaram apenas o espírito que acabara de se pronunciar pelos lábios da médium; pela segunda vez, naquela reunião, os meus olhos se enchiam de lágrimas...
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli - Página 4 Empty Re: Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 7:47 pm

Capítulo 40
Os ponteiros do relógio apontavam para o término da produtiva sessão mediúnica, realizada com extrema simplicidade, com os nossos irmãos médiuns, apesar de todas as dificuldades que haviam enfrentado durante o dia, se empenhando no cumprimento do dever. Sim, porque nem mesmo os companheiros de Doutrina mais convictos fazem uma ideia dos embaraços que os espíritos adversários de nossa Causa criam, na tentativa de impedir que os médiuns compareçam à reunião e se coloquem à disposição da Espiritualidade.
Várias entidades presentes no recinto haviam se beneficiado e se sentiam mais encorajadas à luta, principalmente tendo a oportunidade de observar o esforço da equipe encarnada, na qual cada integrante, tendo a necessidade de receber, tomava a iniciativa de doar, na expectativa de que o Alto, quando oportuno, lhe suprisse as carências.
Enquanto o dirigente ultimava preparativos, aguardando, se possível, a palavra de um de nós outros, que nos sentíamos na obrigação de algo dizer para que nos soubessem ali, lado a lado, trabalhando com o mesmo propósito, diversos auxiliares espirituais cuidavam de encaminhar os espíritos que, atraídos pela reunião, se mostravam em condições de seguir connosco; evidentemente, nem todos os que se encontravam na instituição, haviam sido conduzidos por nós: alguns deles chegaram na companhia dos próprios participantes encarnados e outros simplesmente haviam entrado, com a permissão da vigilância espiritual da casa, por terem encontrado a porta aberta...
— É a primeira vez que entro em um centro espírita - escutei um dizendo ao auxiliar que o interpelara -; eu não sabia que era assim... Sou católico, mas de religião não entendo nada. Morrer, desencarnar... Não sei o que está se passando comigo: eu estava no hospital e, de repente, tudo mudou à minha volta... A minha família parece que me esqueceu. Tive um pesadelo e me vi enterrando o meu próprio corpo; encontrei um conhecido na rua e ele me falou que o meu caso seria resolvido aqui. Tudo isto é muito estranho. Gostei, fui bem tratado, mas se, de facto, estiver morto, prefiro outra coisa; eu não quero para mim essa história de reencarnação...
Uma senhora de cabelos longos, saia comprida e pano amarrado à cabeça, questionava outro de nossos colaboradores:
- Quem é o pastor desta igreja? Fiquei aqui o tempo todo e não ouvi ninguém falar na Bíblia... Mortos?
Os que morrem ficam dormindo e não andando por aí ressuscitam no dia do Juízo Final! O Espírito Santo vem, mas eu não o vi, nem escutei... A Bíblia proíbe a evocação dos mortos. Para mim, está tudo errado; sou uma mulher de pouca leitura, no entanto, aprendi a discernir as coisas... Vocês me perdoem a franqueza: isto aqui é coisa do Demónio!... Vocês devem se converter. Eu tenho pressão alta e, ultimamente, tem me dado um branco na cabeça... Não quero ficar: ninguém me ofendeu, mas aqui não é o meu lugar... Se o meu pastor descobrir...
Um jovem que me pareceu ter sido acidentado era atendido por uma de nossas irmãs da equipe socorrista:
— Moça - dizia, aflito -, veja o meu estado... Eu caí com a moto e bati a cabeça; estava sem capacete e continua sangrando muito... Por favor, chame um médico e avise a minha família. Eu moro no Bairro Santa Marta, aqui, em Uberaba. É uma sensação esquisita: eu não estou conseguindo sentir o meu corpo... O acidente foi perto daqui; a minha moto ainda está lá; tem muita gente e eu saí correndo... Eu não quero morrer! Ouvi muitos dizendo: "Coitado! Tão jovem para morrer assim, tão
estupidamente..." Eu não morri, não! Não quero chegar a casa todo ensanguentado... Que loucura, meu Deus!
Não é possível... Ao mesmo tempo em que me via no chão, com um lençol branco me cobrindo, eu me via de pé... A forte pancada na cabeça me afectou o cérebro; só pode ser...
Na medida do possível, complementando a tarefa da desobsessão, os irmãos e irmãs que colaboravam connosco naquela noite, em número de quase vinte, agiam como enfermeiros de um grande hospital, no socorro de emergência às vítimas de um acidente de graves consequências. Raros, no entanto, os que se revelavam em condições de compreender; a maioria, infelizmente, requisitaria um tempo mais longo para a aceitação da nova realidade existencial a que o fenómeno da morte nos conduzira a todos; o grau de sonolência, que ainda persiste nos que são chamados a despertar no Além-Túmulo, varia de espírito para espírito...
Acercando-se do médium, Odilon o envolveu e, concluindo as tarefas mediúnicas da noite, discorreu, em rápidas palavras, sobre a importância da mediunidade no auxílio a desencarnados e encarnados.
— "Meus irmãos - observou o Instrutor -, a mediunidade com Jesus é uma bênção que se reparte entre os Dois Planos da Vida, que se desdobra em infinitas dimensões existenciais.
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli - Página 4 Empty Re: Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 7:47 pm

Cada espírito se situa em determinado degrau evolutivo da escada que nos conduz aos Paramos Divinos e, por isso mesmo, edifica ao redor de si a paisagem em que se movimenta, como reflexo de sua condição interior; dentro do Universo Infinito, existem, portanto, infinitas moradas, com características e peculiaridades que nos escapam à percepção, porque não conseguimos enxergar a realidade para a qual o nosso entendimento não esteja apto... Desencontrando-se na Vida, que não sofre solução de continuidade com a morte, sem ponto de referência que os norteie com segurança em seus novos caminhos, os espíritos desalojados do corpo físico necessitam de ouvir uma voz que os oriente e os auxilie a se situarem, a fim de que não prossigam vagando sem rumo, expostos ao próprio despreparo.
Infelizmente, contam-se, sim, aos milhares, os desencarnados que, em se deparando com as verdades de Além-Túmulo, revelam-se perplexos: relativamente, detêm muitas informações em torno da existência material, mas pouco sabem de si mesmos; em raras oportunidades, por exemplo, se detiveram a pensar no que os esperava, quando a morte lhes eclipsasse os sentidos físicos, limitadas lentes com que se habituaram a enxergar a Vida em suas múltiplas e variadas manifestações. A desencarnação não é, ao contrário do que a maioria imagina, uma transição assim tão simples: fácil sair do corpo; difícil, extremamente difícil, desligar a mente dos quadros que persistem em condicioná-la... Nem todos, após o fenómeno da morte, tomam imediata consciência de si; espíritos existem que pensam com tamanha determinação, que passam a gravitar em torno da esfera particular de suas próprias criações mentais, acreditando que o seu modo de sobrevivência seja o que impera para todos os que atravessam as fronteiras da morte; à margem de suas concepções equivocadas a respeito da imortalidade, podem estacionar por dezenas de anos ou séculos, até que a Lei Divina logre emancipá-los das ilusões em que se lhe resume o pensamento..."
E, efectuando breve interregno, continuou:
— "Podem, sem dúvida, lhes parecer pouco ou até insignificantes os resultados de uma reunião mediúnica
semelhante a esta, todavia, tanto para nós quanto para vocês, os minutos que aqui passamos em estreito contacto são de suma importância à lucidez que almejamos alcançar, com a finalidade de que se nos ampliem a visão e a sensibilidade dos fatos da existência. Não esmoreçamos, pois, em nosso esforço conjunto. Superemos quaisquer embaraços que nos impeçam de cumprir com o dever. A Vida tem o tamanho do espírito que, no corpo ou fora dele, se põe a mensurá-la com o metro intelectual e moral de suas possibilidades. Para os que possuem uma visão infinita, ela é infinita; para os que nada vêem além de seus interesses, ela se reduz drasticamente... O homem carece de compreender que a sua permanência no corpo não significa mais do que breve estágio e, por sua vez, o desencarnado necessita saber que a morte não representa mais que um simples passo além da jornada ascensional, constituída de inumeráveis etapas. Se, em essência, somos todos iguais, diferimos por fora e sequer fazemos ideia da riqueza imaginativa da Criação Divina, dentro da qual não passamos de tão-somente um detalhe. Não nos tomemos por medida absoluta do que existe no Universo, nós que não somos mais que meras caricaturas da realidade. A Vida é infinita em suas manifestações e o espírito em suas possibilidades existenciais. O legítimo exercício mediúnico transcende o que, de hábito, se lhe atribui. Em sintonia connosco, os médiuns ampliam muito mais que a sua capacidade receptiva, porque, de certa forma, mediunidade significa nos apossarmos das informações e - por que não dizer? - das experiências que uns e outros temos adquirido; mediunidade é vivência compartilhada!... O médium que persevera no labor está matriculado num dos cursos mais avançados de iniciação espiritual existentes na Terra! Que o Senhor os proteja e guarde sempre - são os nossos votos sinceros."
Quando Odilon terminou, o ambiente estava imerso em suave luz, de que, em vão, procurei descobrir a origem. Dos Dois Lados da Vida, havia profundo silêncio! Os espíritos exaltados haviam se acalmado e outros, como acontecia connosco, permaneciam introspectivos, mergulhados numa atmosfera de paz.

§.§.§- Ave sem Ninho
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