LUZ ESPÍRITA
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli - Página 3 Empty Re: Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 31, 2022 7:54 pm

— E por que tal interesse por ele, arriscando-se a vir até aqui? Se vocês o conhecem como nós, sabem que não temos motivos para devolvê-lo... Em seus experimentos de hipnotizador, ele utilizava muitas de nós como cobaias; vocês acreditariam se lhes disséssemos que fomos nós que o atraímos até aqui? Não, não o deixaríamos impune! (Isento-me de reproduzir, neste diálogo, a sequência de termos injuriosos e chulos com os quais ''Papisa", a cada frase, o rotulava.)
— A Caridade, no entanto...
— A Caridade?! Ora, por favor, não desça o nível da nossa conversa!... A que caridade você se refere? Ada compaixão?... Ele era um teólogo prepotente e mentiroso; enganou-nos o tempo todo; a sua influência sobre nós, que envergávamos o hábito, bem intencionadas, se fazia sentir para além do âmbito da própria Arquidiocese; ele não tinha piedade para connosco... Dizem até que, quando celebrava nos conventos e nos mosteiros, não escondia a sua arrogância e as irmãs se enfileiravam para beijar-lhe o anel... Locupletava-se, encaminhando ao Vaticano ricas doações, enquanto muitas de nós passávamos fome e adoecíamos sem remédio... Que pai espiritual era esse?
— Ele ignorava a Verdade...
— Como são frágeis, meu amigo, os seus argumentos para defendê-lo! Você o faz sem nenhuma convicção... Como ignora a Verdade, se ele era um dos
maiores coleccionadores de livros e falava vários idiomas?...
— No entanto - redargui - se pode ser culto, sem que quase nada se saiba... Acredite, minha irmã...
— Minha irmã, não; chame-me "Papisa"!...
— Acredite, "Papisa", que ele não passava de uma criança frustrada...
— Não me faça rir... Como é mesmo que você se chama?
— Inácio!
— Pois não me faça rir, Inácio... Criança frustrada!...
— Sim, ele nunca cresceu e nunca saiu do seu mundo minúsculo... Habituou-se a ser bajulado e, mais por receio do que por respeito, todas as portas da sociedade se lhe abriam... Ele desfrutava de um falso prestígio. Quase ninguém ficou sabendo de sua morte e os sinos das igrejas mal dobraram finados por ele... Na memória do povo e até de seus supostos amigos, já foi praticamente esquecido!
— E, no entanto, vocês aqui a se lembrarem dele?...
Não teriam algo que mais valesse a pena para se ocuparem?
Deixem-no connosco... Mais tarde, o soltaremos.
Ele já quase não enxergava mesmo, não é?
— Não façam isso!...
— Por que não? Dêem-nos um motivo justo. A Lei Divina carece de instrumentos que a façam cumprir! Ele e os seus seguidores viviam nos prometendo o Céu...
Sabem o que encontramos deste Outro Lado? Nada, absolutamente nada; apenas o Vazio incomensurável!...
Reunimo-nos e nos apossamos deste vale, onde temos as nossas próprias leis. Não nos recriminem...
E, gargalhando, "Papisa" acrescentava:
— Jesus Cristo, o nosso "noivo", nunca apareceu por aqui; aliás, ninguém nos fornece notícias Dele!...
Fomos prometidas a um noivo que morreu na cruz e... desapareceu - deixando-nos sozinhas no altar! Estamos cansadas de sofrer e de ser enganadas. Deixem-nos em paz! Somos condenadas a viver e queremos simplesmente recuperar o tempo perdido. Deus?! Por certo, um Criador existe, mas deixemo-Lo para lá; Deus não se importa em nada connosco... O que estamos querendo em demasia?
Não queremos coisa alguma com a serpente, apenas com a maçã... Há algo de errado em se querer viver e ser feliz?
Nós não precisamos de vocês, os homens, que não passam de uns exploradores: os melhores são péssimos!
— Minha irmã, Jesus Cristo...
— "Papisa" - corrigiu-me ela pela segunda vez.
— "Papisa", Jesus Cristo - continuei - foi um defensor das mulheres... Quem foi que impediu que a mulher adúltera fosse apedrejada e morta? Quem se compadeceu de Maria de Magdala e a libertou de terrível obsessão? Quem se comoveu ante as lágrimas de Marta e Maria e ressuscitou Lázaro? Quem, mesmo agonizando na cruz, confiou a sua Mãe à protecção de um jovem discípulo?...
— São escritos dos homens para enaltecer os feitos dos homens - respondeu-me. — Os quatro evangelistas eram homens e os apóstolos também...
— Mas - prossegui argumentando -, foram piedosas mulheres, dentre elas Joana de Cusa, Rute e Susana, que cooperaram com a implantação do Evangelho, dando-lhes a necessária cobertura financeira...
— Não polemizemos a respeito, pois o meu tempo é curto, eu já lhes disse.
E, erguendo o indicador para Odilon, perguntou, intrigada:
— Quem é este que se manteve calado até agora?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 31, 2022 7:55 pm

Capítulo 22
— Odilon Fernandes, senhora! - apresentou-se o Mentor, dando dois passos adiante e perfilando-se connosco.
— E você? Não tem nada a dizer?
— Apenas que, endossando a solicitação dos meus companheiros, apelaria, minha irmã, para os seus bons sentimentos, de modo a nos permitir que levássemos A. de volta ao Hospital.
Não sei entender, ao certo, a razão de "Papisa" não ter repreendido Odilon, quando ele, respectivamente, a tratara de "senhora" e a chamara de "irmã"...
— Conforme não ignora, aquela não foi a primeira vez que experienciamos na Terra, revestidos pelo invólucro material que deixamos e que, mais cedo ou mais tarde, retomaremos...
— Os seus argumentos diferem dos de seus amigos...
— Digamos, senhora, que eles tão-somente os completam. A morte não existe e, a este respeito, nenhuma contestação se nos faz possível; o tempo continuará passando e o amanhã não há quem possa prever... Ninguém se opõe, indebitamente, às Leis que regem os princípios da Vida. Todos seremos compelidos a inevitável mudança; a nossa vontade própria não se eternizará...
As primeiras considerações de Odilon, verifiquei que "Papisa" se desconcertava, entretanto mantinha-se interessada em continuar ouvindo.
— Apelamos para os sentimentos de quem, um dia, igualmente, foi mãe sobre a Terra! A guarda do antigo prelado em questão foi-nos confiada por sua progenitora, que se sente responsável pela vocação religiosa do filho, que, em certos aspectos, extrapolou em suas atribuições e, qual nos acontece, quando mergulhamos no temporário esquecimento, cometeu muitos equívocos. De forma alguma, podemos julgá-lo; qualquer de nós, caso ocupássemos a posição de prestígio social e político que ele ocupou, no cenário do convencionalismo humano, teria feito o mesmo ou pior... Não podemos ignorar semelhante realidade, e não concordar com ela seria super-estimar-nos. Não abdiquemos, senhora, do bom senso que ainda nos resta e admitamos que ainda não estamos preparados para exercer o poder que, sem espírito de fraternidade, acaba por nos corromper. Quantas vezes, ao longo dos séculos, teremos cedido moralmente, permutando os eternos valores pela ilusão que passa?
Tudo se renova; até a paisagem física que nos rodeia desaparecerá, para que os elementos que a compõem se reorganizem... Deixamos o corpo de carne e sabemos que, um dia, haveremos de deixar o corpo espiritual em que na actualidade nos apresentamos. Não perdoar e não esquecer a ofensas significa tão-somente prolongar o sofrimento. É inútil resistir!... A Verdade é uma luz que, gradativamente, fará com que toda a treva se desintegre. O nosso irmão A. já tem sido bastante infeliz por si mesmo! Se ainda se conserva arrogante, é porque tem hesitado em aceitar a culpa... Convenhamos que não é fácil reconsiderar o caminho percorrido e, sobretudo, predispor-nos a reiniciar a jornada. Todavia a Misericórdia Divina não nos relega às consequências funestas da própria desventura, pois, se assim fosse, a Eternidade seria pequena demais para que conseguíssemos nos reerguer... Em nome de nosso Pai, mãos abnegadas se nos estendem em todos os caminhos e nos auxiliam a seguir com o fardo que, em outras circunstâncias, nos esmagaria. Não estamos aqui para questioná-las; certamente, a dor que as transtornou no mundo continua a transtorná-las além da morte; nós as respeitamos e rogamos ao Senhor para que, por si mesmas, decidam imprimir um novo rumo aos seus passos!...
Por instantes, tive a impressão de que as palavras de Odilon solapavam aquele império pela base; o poder de convencimento do Instrutor era extraordinário e nós próprios, eu e o Carmelita, nos encontrávamos magnetizados pela lógica de seus argumentos. Odilon falava com tanta beleza e convicção, que, esquecidos da delicadeza da situação, desejávamos ouvi-lo mais...
"Papisa", enredada pela força de suas palavras, mantinha-se estática; é possível que, aos seus ouvidos, aquelas verdades tão antigas nunca houvessem ecoado com tanta nitidez...
Valendo-se do ensejo, Odilon prosseguia:
— Senhora, pedimos-lhe vénia para que A. venha connosco e se prepare para que, mais tarde, possa expiar os erros cometidos. Não tomemos a justiça em nossas mãos! Nada poderemos fazer em benefício dele, caso delibere não atender a nossa petição e, então, nos veremos responsabilizados pela sua progenitora... Conforme não ignora, temos alhures uma comunidade semelhante a esta, com centenas e centenas de irmãos e irmãs residindo connosco em situação de extrema penúria; todos são candidatos à bênção do recomeço e, antes que se recoloquem de pé em definitivo, certamente ainda cairão muitas vezes...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 31, 2022 7:55 pm

Os tempos são outros e, embora não pareça, uma onda de renovação percorre a Terra e, aos poucos, os homens despertam para a solidariedade. É verdade que se contam aos milhares os que se opõem à vitória do Evangelho, mas, a cada dia, o Senhor faz novos adeptos para a sua obra de redenção da Humanidade; ainda existem fome e miséria em toda parte, corrupção e injustiça; a guerra é sempre uma ameaça pendente sobre a cabeça dos homens, que os interesses imediatos escravizam, mas, em silêncio, o Bem continua prosperando, e milhares de espíritos, fiéis ao Senhor, trabalham diuturnamente nos alicerces da paz... Onde os esplendores da Grécia e o poderio de Roma? Do muro de Berlim, o chamado "muro da vergonha", nada mais restou, a não ser uma montanha de escombros. A Igreja Católica, a grande custo, tenta sobreviver e não evitará as consequências de sua indiferença e de seus desmandos seculares...
Pausando por momentos, o Mentor, sem alterar o tom de voz e sem se permitir inflamar pela eloquência, insistiu:
— Permita-nos, minha irmã, que A. regresse connosco... Não se esqueça de que o tempo urge para todos nós. Perdoe-nos se, incontável número de vezes, fomos levianos e irresponsáveis e prevalecemo-nos das prerrogativas de nossa condição sexual, transitória, para oprimi-las e constrangê-las! A Lei nos induzirá ao pagamento do último ceitil da imensa dívida que contraímos para com as mulheres!... Muitos de nós outros, os machistas opressores de ontem, já nos encontramos recorporificados no Planeta e, agora, na condição feminina, recebemos volta o que semeamos, lutando pela independência do até então considerado sexo frágil; temos sido vítimas do preconceito social que estabelecemos e que nos compete derruir... Devido a tais conflitos, os estudiosos se estarrecem ante o crescimento da homossexualidade no mundo, procurando, em vão, explicá-la à luz da genética; o problema é que, de maneira geral, o homem sofre, na alma e no corpo, o que fez sofrer o seu semelhante e, enquanto a criatura humana não se harmonizar com as Leis da Vida, a tendência do homossexualismo é a de se alastrar.
Ao fim de certo tempo, ante a expectativa de sua guarda pessoal, "Papisa" ergueu-se do trono e Odilon compreendeu que não convinha se estender.
— Vocês o querem mesmo de volta? - perguntou-nos com desdém. — Acham que fazemos tanta questão assim daquele "lixo" humano? Pois bem, vocês o terão; não havia necessidade que gastassem tanta saliva assim...
E, enquanto ordenava à amazona que nos conduzira à sua presença que no-lo trouxesse, "Papisa", impaciente, andando de um lado para o outro, à frente de sua cadeira gestatória, tentou rebater os argumentos de Odilon, dizendo:
— O senhor coloca as suas ideias com muita clareza e precisão, todavia palavras são palavras; à Filosofia é permitido especular acerca de tudo... Talvez o senhor tenha razão, talvez não. De tantas promessas não-cumpridas, limito-me apenas aos fatos. Respeito o seu ponto de vista, porém continuamos mais generosas do que vocês, que, caso se desse o inverso, talvez sequer nos permitissem adentrar a sua instituição para, por exemplo, trazer de volta ao Vale aquelas que, em nos ludibriando a vigilância, igualmente fugiram...
— A senhora poderá visitar-nos quando quiser disse por minha vez. — Neste sentido, não faremos nenhuma restrição...
— Quem sabe, futuramente... Dar-me-iam garantias?
— Garantias?! - perguntei, sem entender.
— De que não me reteriam por lá...
— Jamais faríamos algo semelhante - rebati.
— Lamento, mas tenho as minhas dúvidas, pois muitas de nós éramos mantidas à força nos mosteiros e conventos em que vocês nos isolaram do resto do mundo...
Entrementes, enquanto falávamos, a amazona que fora buscar A. o introduziu no recinto do amplo salão em que éramos recebidos em audiência pela Grã-Sacerdotisa. Ele estava irreconhecível: de mãos atadas para trás, vestes sujas e rasgadas e completamente cego - elas o haviam submetido a sessões de tortura e... arrancaram-lhe os olhos!
— Por piedade! Por piedade! Não! - exclamava o antes orgulhoso sacerdote. — Devolvam os meus óculos; sem eles, eu não consigo enxergar... Sou míope desde jovem. Por favor, devolvam os meus óculos... Não façam isto comigo. Eu mandarei puni-las; trancá-las-ei em suas celas e as deixarei a pão e água... Soltem-me! Soltem-me!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 31, 2022 7:55 pm

Capítulo 23
— Vocês chegaram tarde demais! - explicou-se "Papisa". — Nada pude fazer... Não tenho controlo absoluto sobre aquelas de nós que são mais rebeldes.
Sustentar-se no poder implica em se fazerem determinadas concessões... De qualquer forma, ele teve o que merecia.
— Quem está falando assim a meu respeito? vociferou o prelado, mal se contendo em sua ira.
— Desrespeitaram-me! Ah, meu Deus! Tocaram-me nas partes mais íntimas e pronunciaram aos meus ouvidos palavras obscenas... Desrespeitaram-me! Levarei o facto ao conhecimento do Santo Papa e pedirei autorização a Sua Santidade para fechar este antro de perdição... Onde estão os meus óculos? Libertem-me!... Nunca fui tão ultrajado assim, nem mesmo pelos espíritas, os adeptos daquela seita satânica, condenada por Deus, no Deuteronómio, capítulo 18, versículos 9 a 14!
A situação de A. inspirava-me profunda piedade.
Se o seu desequilíbrio antes era parcial, agora havia se completado: cego, com as órbitas vazias e ensanguentadas, ele se imaginava sem óculos e balbuciava palavras desconexas...
— Raptaram-me! Vocês hão de me pagar...
Hipnotizá-las-ei e vocês verão. O Demónio as possuiu de vez... É ao que leva o desejo da carne! Vocês pensam apenas em sexo... Eu sabia! Loucas e depravadas - eis o que são. Soltem-me imediatamente! Ah, meu Deus! Estou enlouquecendo... Limpem-me o corpo de sua saliva asquerosa! Vocês merecem as fogueiras, que o Demónio está de volta e invadiu a Igreja!...
— Acalme-se, A. - disse-lhe, aproximando-me e oferecendo-lhe o meu braço para que não se precipitasse da escadaria. — Acalme-se, que vamos tirá-lo daqui...
— Quem é você, que demorou tanto? Não está vendo a minha situação... Eu sou um velho e fui desrespeitado! Elas me tocaram, meu Deus, elas me tocaram!... Estou me sentindo impuro... Como haverei de me apresentar assim diante do Senhor? Ah, essas palavras debochadas aos meus ouvidos, ecoando sem cessar!... Leve-me daqui, mas, primeiro, devolva os meus óculos... Olhe, eu tenho dinheiro guardado nos cofres do palácio arquiepiscopal; liberte-me deste pesadelo e recompensá-lo-ei regiamente; você será um homem rico na Terra e terá lugar garantido no Céu... Eu sou uma autoridade eclesiástica e estive prestes a me tornar cardeal...
— Tranquilize-se, meu irmão! Você virá connosco; não se preocupe... Nossas irmãs concederam-lhe a liberdade.
— Irmãs?! Mulheres desalmadas e imorais, isto sim! Connosco?! Você disse connosco? Em quantos vocês estão? Por que não me desamarram as mãos?... Quem é a Madre aqui? Ela será responsabilizada por tudo... Eu fugia de um bando de sequestradores e caí nas garras de outros, e não sei qual é o pior! Haviam me trancado num sanatório... Aquela voz, aquela voz tão parecida com a sua... Quem é você? Diga-me, antes que eu enlouqueça de vez. O que foi que eu fiz? Se morri, por que não estou no Céu? Quero estar com a minha mãe... Onde está aquela mulher que dizia ser ela, onde está?
A um sinal de Odilon, Carmelita se aproximou e amparou-o junto comigo, passando a dialogar com ele:
— Tenha calma, Dom A.! Sou eu, o Padre Sebastião Carmelita...
—- Sebastião Carmelita, aquele que era amigo dos espíritas?... Impossível! Você também está mentindo para mim... Eleja morreu!...
— Mas, a morte não existe, meu irmão; não foi o que pregamos, a vida inteira?... Tenhamos fé em Jesus Cristo!
— E em Nossa Senhora!...
— Sim, e em Nossa Mãe Santíssima!
— A sua voz é parecida com a do Padre Sebastião, mas não pode ser... Eu só não o desordenei, porque ele contava com a protecção e a simpatia de um grupo de senhoras da Ordem Terceira, mas as denúncias contra ele eram numerosas. Imagine, dizem até que transmitia passes nos doentes!... Eu não entendo, não posso entender. Seja, no entanto, você quem for, tire-me daqui.
Quantos são vocês? Dois, três?...
— Estamos em três...
— E o outro, quem é?
— Sou eu, meu irmão - identificou-se o Instrutor, enxugando-lhe a testa suarenta e respingada de sangue -, Odilon Fernandes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 31, 2022 7:55 pm

— Odilon Fernandes?! Não, não é possível, eu devo estar mesmo louco... Você e um tal de Dr. Inácio Ferreira eram dois dos meus maiores desafectos no campo da Religião... Eu não acredito! Isto é um absurdo! Não minta para mim; respeite-me, está me ouvindo?...
— Sim, estamos ouvindo, pode falar...
— Dêem-me os meus óculos... Ai! Que fizeram com os meus olhos? Eu não estou enxergando nada... Teriam sido eles arrancados de minhas órbitas? Que vazio é este que eu sinto em minhas faces?... Que sensação estranha, meu Deus!...
Com voz pausada, porém firme, Carmelita retomou o diálogo:
— Vamos, Dom A.; nós o ampararemos!... Primeiro, saiamos daqui...
— Desamarrem-me, por favor!
— Não temos autorização ainda... Apenas quando sairmos do Vale é que poderemos fazê-lo.
— Vale?... Terei, acaso, em minha fuga, me precipitado em algum abismo? Agora, estou começando a entender: eu caí e bati com a cabeça, não é? Os meus óculos se quebraram e os meus olhos se feriram...
— Mais ou menos, meu irmão. Vamos andando; deixe-se conduzir por nós, sem resistência... A sua mãezinha o espera.
— Eu não consigo entender isso; a minha pobre mãe também já morreu!... Meu Deus, devo estar sendo vítima de um pesadelo! Quero acordar. Por caridade, me acordem... Digam-me que tudo é mentira, digam-me!
— Hulda - ordenou a Grã-Sacerdotisa à amazona que nos tutelara -, conduza-os para fora dos nossos domínios, antes que eu retenha os quatro aqui connosco!
Ande rápido, que não quero mais vê-los!...
Sem demora, a amazona, mobilizando as demais sob o seu comando, fez-nos sair do templo, enquanto "Papisa" se retirava para os aposentos internos da lúgubre edificação.
A., amparado por mim e Carmelita, caminhava às cegas e, agora introspectivo, de quando em quando pronunciava algumas palavras ininteligíveis.
Afastando a multidão, para que nos desse passagem, Hulda, desde que identificara Carmelita como sendo um de nós, dava-me a impressão de nos proteger e quase não conseguia disfarçar o seu interesse, temendo que algo de grave pudesse nos suceder.
Assim que nos distanciamos da praça e ruelas principais, seguindo pela mesma trilha que nos conduzira ao Vale, instado mentalmente pelo nosso Instrutor, Carmelita começou a conversar com a amazona que o tratava com especial deferência.
— Será que já nos conhecemos, minha irmã? perguntou-lhe o companheiro em tom discreto. — Tenho a impressão de que já nos vimos, mas eu sempre lidei com tanta gente, que, sinceramente, não me recordo; contudo o seu semblante não me é de todo estranho...
Ordenando que as três outras integrantes da guarda se posicionassem um pouco mais atrás, a fim de não ouvi-los no diálogo que se desenrolou, Hulda respondeu:
— O senhor não se lembra, Padre?!...
— Estou me esforçando, porém a sua fisionomia assim rejuvenescida...
— Eu também, se o senhor não tivesse se identificado, não o teria reconhecido...
— Qual era o seu nome de religiosa?
— Maria da Consolação!
— Não me diga que...
— Sou eu mesma, Padre, a irmã cancerosa que o senhor visitava quase todos os dias em sua cela; graças à sua assistência e a de algumas freiras piedosas do mosteiro é que eu não deixei o corpo em completa indigência...
O Arcebispo não me foi ver uma única vez sequer!
Se não tivesse sido pelo senhor, até sem remédio eu teria ficado; nas últimas semanas, as dores no estômago e nas costas eram terríveis...
— Mas como, minha irmã, você veio parar aqui?
Oramos tantas vezes juntos e...
— Sei que o senhor me falava frequentemente em perdão, no entanto, ao me ver fora do corpo, consenti que a revolta, pelo descaso de que fora vítima, por parte dos meus superiores, se me apossasse do coração; por eles, eu teria morrido à mingua de pão e de fé...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 31, 2022 7:56 pm

São uns hipócritas! Eu mesma, de tantas intrigas urdidas contra o senhor, cheguei a acreditar que fosse verdade tudo que diziam a seu respeito, até que caí doente e pude ver que era um homem santo...
— Não blasfeme, Maria da Consolação!
— Hulda, Padre, Hulda... Maria da Consolação morreu já faz um bom tempo; foi o senhor que me deu a extrema-unção e, segundo creio, o único homem a acompanhar o sepultamento do que o câncer permitiu que do meu corpo restasse...
— Que seja, então, conforme prefere - chamá-la-ei Hulda. Por que, porém, não abandona a vida em que actualmente se encontra?
— Sou uma das favoritas e "Papisa" me perseguiria; devo-lhe muitos favores...
— Nós lhe daríamos asilo. Em nossa companhia, você não tem o que temer e, depois, não se esqueça de que é livre...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 31, 2022 7:56 pm

Capítulo 24
— O que eu iria fazer? - indagou Hulda, inclinada a aceitar o inesperado convite de Carmelita. — Eu me sentiria uma traidora... "Papisa" arrebatou-me às mãos de espíritos aproveitadores, em cujo poder caíra inadvertidamente depois da morte; eles me mantinham prisioneira e satisfaziam em mim os seus instintos bestiais, submetendo-me a constantes sevícias e humilhações...
Foi também com a ajuda de um deles, pelo qual eu me apaixonei, que consegui escapar; ele facilitou as coisas e a nossa líder agiu com presteza. E não me envergonho de lhe dizer, Padre, que, de vez em vez, nós nos encontramos às escondidas...
— Se o quisesse, ele igualmente poderia vir; poderíamos contactá-lo depois...
— Nós nos amamos, mas se "Papisa" descobrir, com certeza mandará feri-lo; sinceramente, eu não sei como vocês conseguiram escapar ilesos...
— É mais um motivo para que venha connosco, pois, bem informada quanto deve ser, você corre perigo...
— Como, no entanto, me livrarei do restante da escolta? - perguntou a jovem, convencida pela capacidade de ponderar do companheiro.
— Simplesmente, mande-a regressar; diga que você nos acompanhará até às portas da instituição e que deseja se certificar de que não nos perderemos...
Seguindo a orientação de Carmelita, que a encorajava, Hulda, que tinha ascendência sobre as demais integrantes da escolta, ordenou que retornassem, pois, assim que possível, iria se juntar a elas. Mesmo desconfiadas e algo relutantes, as amazonas não discutiram e Hulda, desfazendo-se de sua montaria, aliou-se a nós e deliberamos, então, apressar o passo.
A. continuava gemendo e revelava extremo abatimento.
— Como pode ser isso? - perguntei a Odilon, quando já avistávamos os muros do Hospital, aludindo ao fato de o antigo antístite ter tido os seus olhos arrancados.
De maneira sucinta, o Instrutor respondeu-me:
— Inácio, tudo é relativo... A matéria, em seus vários estados de manifestação, quando se atrita, lesa e é lesada pela própria matéria. Não nos esqueçamos de que o corpo espiritual, apesar de menos denso que o corpo físico, ainda é constituído de matéria... Em nossa dimensão, por exemplo, dentro das condições da Vida que nos é pertinente, a matéria conserva muitas das propriedades que a caracterizam - a impenetrabilidade relativa é uma delas. Como você não ignora, devido à subtileza do perispírito e o estado vibracional dos elementos em que se estrutura, nos é dado atravessar a matéria mais compacta e o inverso é verdadeiro: os nossos irmãos encarnados, quando, por exemplo, caminhamos entre eles, passam através de nós, tanto quanto passamos por eles; as nossas dimensões coexistem e se interpenetram...
A matéria, em suas transmutações, pode ocupar o mesmo lugar no espaço!
— A., no entanto, permanecerá cego?
— Poderá ficar... A Lei do Carma funciona em todos os quadrantes da Vida Universal. A nossa Medicina está muito mais adiantada que a dos nossos irmãos no mundo, que, dentro de mais algum tempo, estará cogitando, não do simples transplante de córnea, mas de todo o globo ocular; se assim é e caminha para ser na Terra, o que os nossos especialistas na área não poderão fazer por aqui?...
Recordemo-nos, no entanto, repito, que tudo está afecto à Lei do Mérito, que determina as condições receptoras do paciente, no que se refere ao capítulo da rejeição, que não é uma simples questão de incompatibilidade orgânica.
— No caso específico dele...
— Sinceramente, não sei, todavia, para melhor analisá-lo, devemos levar em conta que o nosso irmão, embora as limitações de natureza ocular que o caracterizavam - sofria de miopia crónica -, ainda assim se prevalecia do poder hipnótico que lhe emanava dos olhos enfermos para sugestionar as pobres coitadas que, com receio de sua autoridade, se lhe apassivavam. Assim sendo, está fora de nossas cogitações qualquer prognóstico; será nosso dever encaminhá-lo a centros especializados, que cuidarão do problema que nos foge à competência...
— Ser-nos-ia possível encontrar doadores por aqui? - insisti, já quando alcançávamos as portas do hospital.
— Doadores propriamente não, embora para nenhuma das questões que você me formule eu arrisque a responder com a palavra "impossível"... O que é que, a rigor, mesmo nós, Inácio, fora do corpo, sabemos da Vida e do Universo?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 31, 2022 7:56 pm

— Respondendo por mim - disse-lhe -, nada, absolutamente nada... Para mim, com todo o conhecimento espírita que pude ter e que tenho, a Vida depois da morte continua a ser um milagre... A cada dia de Mundo Espiritual, eu mais me convenço de que nada sei, ou seja: a vida é nova, mas a ignorância é antiga!
Odilon sorriu e acrescentou:
— Em nossos laboratórios de pesquisa médica, que não ficam localizados por aqui, os cientistas desencarnados conseguem, com quase absoluta precisão, reproduzir, tecnologicamente, determinados órgãos que nos sobrevivem no corpo espiritual: o globo ocular é um deles. Deste Outro Lado, os estudos estão muito avançados neste sentido, e, de certa maneira, é no rastro deles que estudos efectuados pelos nossos irmãos da Terra vêm seguindo; não tenhamos qualquer dúvida: dentro de pouco tempo, a ciência médica do mundo aperfeiçoará o coração artificial, tanto quanto outros órgãos que hoje requisitam a presença de doadores...
Ao nos avistar, Manoel Roberto, com outros três auxiliares, se aproximou com uma maca e, como A. estivesse muito agitado, aplicou-lhe uma máscara que, liberando certa substância inalante, logo o induziu a necessário repouso.
— E agora, o que será de mim? - indagou Huida a Carmelita. — Sinto-me envergonhada, desambientada...
Respondendo pelo companheiro que me fixara, expliquei: — Não se preocupe, minha irmã; você estará em casa... As nossas irmãs da instituição a orientarão, mas, primeiro, será necessário que você se submeta a pequeno estágio nos serviços de enfermagem...
— Estou apreensiva pelo Túlio... Precisará avisá-lo. — Providenciaremos para que tal aconteça e, se ele desejar, poderá vir se juntar a você. Onde é que ele se encontra?
— Num acampamento nos limites do Vale... Os espíritos, Doutor, depois da morte, se ajeitam como podem; nem todos têm a esperá-los familiares e amigos.
O senhor sabe...
— Sei, minha irmã, e não precisa se explicar. A única diferença da vida com que nos deparamos além-túmulo entre aquela que deixamos para trás é que ela continua sem corpo... Quanto ao resto, é quase tudo igual!
— Túlio, desde menino, morou com os seus avós; os seus pais foram mortos em um assalto e ele, filho
escapou por ter se escondido no mato... Quando os seus avós paternos morreram, vitimados pela gripe espanhola, ele ficou sozinho e, a convite do vigário, foi morar na igreja e ser coroinha... Infelizmente, tinha mais de vinte anos quando, um dia, subindo num andaime para limpar o sino da capela, caiu e morreu. Nós nos amamos e eu tenho muita pena dele. Túlio é um rapaz bom, mas juntou-se a um bando de malfeitores, espíritos sem escrúpulos, que lhe ofereceram protecção.
— Cada espírito com a sua trajectória! - exclamei.
— Se não nos empenhamos na conquista dos reais valores, onde estivermos, na Terra ou no Além, viveremos à mercê das circunstâncias. A vida será sempre a vida, em qualquer parte. Não estamos entregues a nós mesmos, mas, sim, às nossas próprias obras. O proteccionismo que os homens imaginam encontrar depois da morte, sem que, para tanto, tenham se esforçado, é uma quimera!
Este é um dos maiores equívocos humanos. Precisamos fazer o homem compreender semelhante realidade, com o propósito de que venha a deixar o corpo mais consciente de si. A maioria fica na expectativa de uma recepção que nada faz para ter.
— Assim que possível, Hulda - interferiu Carmelita-, cuidarei de Túlio pessoalmente; não nos será difícil encontrá-lo e, quando souber que você se libertou de "Papisa", ele virá...
— Coitado!, eu levava comida para ele... Os integrantes do bando o fazem de escravo e vivem de assaltar; quase todas as noites, eles descem para vampirizar os homens e promover arruaças... Túlio os acompanha, contrariado, mas o que fazer?...
— E os pais, os avós dele? Em espírito, não se interessaram por ele?...
— Segundo me disse, ele se recorda de que, de origem italiana, eles viviam se queixando de ter vindo para o Brasil e planejavam voltar para a região da Calábria... Túlio nunca mais os viu e não se sente espiritualmente vinculado ao grupo familiar que o acolhera; desde que nasceu, os seus próprios pais o chamavam de "Judio" e, coisa curiosa, ele vive à procura de uma senhora que, segundo informações que pôde obter, é da tribo dos caiapós. Ela é quem seria a sua verdadeira mãe, esposa do tuxana, chefe da aldeia, seu pai. — Como é que ela se chama? - perguntei com o coração aos saltos.
— Iaporé!...
Confesso-lhes, sem exagero, que tive que me escorar em Manoel Roberto, para não desfalecer.
— Iaporé? - insisti, não acreditando.
— Sim, ela teria morrido procurando o filho que se perdeu na mata; de tristeza, nunca mais quis voltar para a tribo...
— Meu Deus! - exclamei com as ideias turbilhonando.
— Não é possível, Odilon! Deus deve estar brincando connosco...
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli - Página 3 Empty Re: Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 31, 2022 7:56 pm

Capítulo 25
— O nosso Pai nunca brinca, Inácio, com coisas tão sérias assim... - redarguiu Odilon, com bondade.
Praticamente aos berros, sem que ninguém entendesse nada, muito menos Hulda, que, certamente, me tomou por um demente a mais naquele hospital em que tudo acontecia com tanta velocidade, deixei-os e caminhei pelos corredores chamando com insistência:
— Marta! Marta! Onde é que você está? Apareça...
Não demorou que uma de nossas mais simpáticas auxiliares, saindo de um dos quartos dos pacientes da ala feminina, se apresentasse.
— O que foi, Doutor?! - indagou-me, sorridente e rechonchuda. — Fiz alguma coisa de errado?...
— Venha cá, minha filha - disse, pegando-a pela mão e conduzindo-a à presença de Hulda.
— Eu já pedi ao senhor, mais de uma vez, que não me chame de Marta; o meu nome é Iaporé!...
— É um nome selvagem, Marta! - respondi, sem perder o hábito de me descontrair.
— Selvagem, mas muito mais poético; combina mais comigo... Eu o prefiro!
— Está bem, Iaporé, não discutamos agora... Esta aqui é a nossa irmã Hulda, recém-chegada do Vale das Sacerdotisas; talvez ela tenha uma notícia que lhe interessa... Há quanto tempo o seu filho desapareceu na floresta?
— O meu pequeno Juari?!... Ah! Doutor, eu já nem sei mais; uns 70, 80 anos... Perdi completamente as esperanças de encontrá-lo. O senhor se lembra como foi que vim parar aqui? Louca, Doutor, louca de dor... A última informação que tive é que ele voltara para a Terra; assim, como é que eu poderia achá-lo, num outro corpo, com um outro nome, com outra cor de pele, quem sabe?...
Como o senhor me tem ensinado, entreguei o filho às mãos de Deus e estou aprendendo a viver à mercê da Divina Misericórdia... Aquilo foi castigo, por eu ter abortado uma vez; ainda menina, o meu pai me obrigou a abortar, para que eu pudesse me casar com o cacique dos caiapós; mas eu amava outro guerreiro, que tinha mais ou menos a minha idade...
— Juari! - exclamou Hulda, tão estupefacta quanto nós. — Túlio me disse que tinha outro nome, mas eu não sei; incrível, no entanto, a semelhança entre os dois: os olhos negros e amendoados, os cabelos escorridos, a cor da pele...
— Como?! - perguntou Iaporé, escorando-se em mim. — Você conhece o paradeiro do meu Juari? Diga-me: como é que ele está? Ah, Doutor! Não é possível!
Estou enlouquecendo de novo... Por dezenas de anos, o meu espírito ficou preso à mata, recusando-se a renascer.
Depois, quando o homem branco chegou, eu me senti atraída e comecei a esquecer; lembro-me apenas de me ver menina nos braços de um homem bondoso, meu pai, que morreu logo em seguida picado por uma urutu... E, então, tudo se repetiu para mim: mestiça, de novo eu engravidei e, embora quisesse muito ter aquele filho, sucumbi, vítima de uma febre desconhecida...
Abraçando-se mais estreitamente à mim, Iaporé, com o rosto banhado em lágrimas, suplicou:
— Diga-me, minha filha, onde você o viu, e ser-lhe-ei eternamente agradecida. Quem sabe, a minha prova esteja chegando ao fim...
— Eu não tenho certeza... É muita coincidência, mas pode ser que não seja o Túlio!
— Dr. Inácio, por favor, ajude-me! - pedia-me Iaporé, sabendo que eu não seria capaz de negar.
— Leve-me até ele! O meu coração de mãe não se engana... De súbito, sinto que nunca estive tão perto do meu filho.
— Nós nos prepararemos hoje, e amanhã, à noite, desceremos... Você virá connosco, não, Odilon?
— Sem dúvida, Inácio - respondeu-me o Instrutor.
— Hulda - questionei -, em que cidade eles costumam agir?
— Eles preferem não se arriscar indo muito longe; preferencialmente, atuam em Uberaba...
— Então será mais fácil localizá-los; os nossos amigos do Sanatório Espírita poderão cooperar connosco...
Pedindo a Manoel Roberto que cuidasse de Hulda e Iaporé, a fim de que descansassem, deliberamos que no outro dia, ao cair da tarde, eu, Odilon e Carmelita nos dirigiríamos ao Sanatório, não sendo conveniente, por motivos óbvios, que Iaporé nos acompanhasse. Se, porventura, Túlio não se tratasse de seu filho Juari, ele poderia se render a profundo abatimento e comprometer o seu equilíbrio.
Ficando a sós, eu e Odilon começamos a conversar, tecendo comentários em torno da Vida e das situações que criamos ou que as circunstâncias evolutivas nos criam. — Pois é, Odilon - falei, convidando o companheiro para que nos acomodássemos -, os que vivem lá embaixo, não fazem ideia dos dramas que se desenrolam aqui em cima; para a maioria, de modo geral, nós, os que deixamos o corpo, somos logo encaminhados e não nos perdemos...
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli - Página 3 Empty Re: Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 31, 2022 7:56 pm

— Você está se referindo aos nossos irmãos espíritas, não é?
— Sim, porquanto aqueles que não o são deixam de se preocupar com os pormenores da Vida além da morte: os católicos pensam apenas em termos de Céu, Inferno e Purgatório; os protestantes, no dia do Juízo Final; os materialistas sequer admitem a hipótese da sobrevivência; os budistas sonham com o Nirvana... Nós, os espíritas, é que nos entregamos a maiores conjecturas de carácter filosófico e, através do intercâmbio com os mortos, temos acesso à realidade que nos espera, quando deixamos a carcaça...
— Não podemos, Inácio, exigir que os nossos irmãos de fé, recém-egressos de outras doutrinas religiosas tenham um raciocínio genuinamente espírita; muitos deles, como acontecia connosco quando no corpo, reflectem sob o prisma das influências que receberam por séculos. Para a maioria, o Plano Espiritual que nos rodeia ainda tem algo a ver com o Céu que o Catolicismo prega aos seus adeptos...
— Com o Céu e com o Inferno, você está querendo dizer...
— Sim, com ambos.
— Quando, em verdade, talvez a nossa situação esteja mais para Purgatório... O pessoal deduz, equivocadamente, que a vida por aqui é bem menos complexa; sem dúvida que, sob certos aspectos, é mais organizada, mormente nas Dimensões que se situam acima da nossa, mas, nas vizinhas da Crosta...
— Nas vizinhanças da Crosta a luta continua e, não raro, de uma forma muito mais intensa. Por esse motivo, Inácio, sempre que possível, cabe-nos alertar os companheiros que nos prestem ouvidos no mundo para a questão do mérito, que, por assim dizer, é a única moeda corrente com real valor por aqui. Quem desencarna com créditos espirituais a seu favor não tem o que temer...
— Em parte alguma - acentuei, concordando - tem o que temer...
— Mas - prosseguiu o Mentor -, aquele que deixa o corpo com graves problemas conscienciais terá muitos embaraços, e os seus Protectores pouco poderão valê-lo.
— Você sabe, Odilon, eu não sou nada ou um pouco mais que coisa alguma e me sinto constrangido quando os nossos irmãos encarnados apelam para mim; quase todos os dias, recebo os seus pensamentos em rogativa, sem que, de imediato, eu algo possa fazer para atendê-los; eles ignoram que, deste Outro Lado, às vezes, temos dificuldade até para mudar o passo...
— É bom, no entanto, Inácio, que os nossos irmãos não façam uma ideia muito precisa das dificuldades que enfrentamos...
— Concordo, em parte - respondi -; mas é bom também que não se iludam tanto; ao invés de sempre ficarem na expectativa de que uma acção nossa os auxilie na solução dos problemas que lhes são pertinentes, que arregacem as mangas... Na concepção espírita, o milagre é fruto do esforço e do mérito; não basta orar, é indispensável agir...
— Vejamos o caso de nossa Iaporé...
— E o de Hulda! Se ela não se encontrasse com Carmelita ou, por outra, se A. não tivesse fugido do Hospital... Como é complexo o mecanismo da Lei! Em que circunstâncias, A. a beneficiou; fugindo do hospital, ele foi como que teleguiado ao Vale das Sacerdotisas; indo, por assim dizer, ao encontro de seus erros, criou ensejo para que uma de suas vítimas, através de seu próprio sofrimento, recebesse amparo. Eu fico maravilhado com tudo, mas não compreendo. As vezes, Odilon, eu me sinto como uma marionete, movimentado pela acção de cordéis intangíveis...
Odilon sorriu e eu continuei.
— A., diante da vastidão do Mundo Espiritual, poderia ter tomado qualquer outro caminho; mas, não: sentiu-se atraído para o Vale, onde recebeu a punição que lhe foi imposta por nossas irmãs, a quem ele tantas vezes humilhou; depois de terem se vingado, elas no-lo entregaram mutilado...
— E a ligação afectiva, Inácio, de Hulda com Túlio...
— Pois então, não é intrigante?! Não estamos sendo dirigidos?... Eu tenho a impressão de que a Lei Divina se constitui de um milhão de olhos e, por esse motivo, nada lhe escapa!... A Lei age simplesmente deixando o homem agir, porque sabe que ele faz e desfaz, faz de novo e torna a desfazer. A Sabedoria de Deus consiste em esperar!
Efectuando pequena pausa, prossegui:
— Nossa irmã Iaporé, que está aqui connosco há tanto tempo... Que força reaproximou mãe e filho? Sem dúvida, o Poder de Deus transfigura o mal em bem!
Assim, na condição de responsável pelo Hospital, eu me sinto até menos culpado pela fuga de A.; chego a pensar que Alguém a facilitou...
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli - Página 3 Empty Re: Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 11:48 am

Capítulo 26
— Alguém, Odilon - dei sequência a meus comentários -, com quem eu não posso discutir... É complicado. Deveríamos ser mais rigorosos na vigilância, mas a nossa invigilância desencadeou uma série de acontecimentos positivos.
— Quando agimos bem intencionados, Inácio, e erramos, a Lei possibilita que nos reabilitemos através do próprio erro cometido, sem as complicações do carma que se posterga indefinidamente.
— Eu tenho quase certeza - falei - que o namorado de Hulda é o filho de Iaporé. E, coisa espantosa: A., que você conheceu tão bem quanto eu, em suas críticas distorcidas ao Espiritismo, vivia dizendo que a nossa crença era tão primitiva quanto as práticas indígenas, que os nossos centros não passavam de terreiros de feitiçaria e os médiuns nada mais eram do que modernos pajés...
— No que - disse Odilon -, ele não estava de todo enganado...
— Enganado ele nunca esteve - comentei -; ele agia mesmo era de má-fé, como até hoje muitos fazem questão, perante a opinião pública, de confundir Espiritismo com cultos afro-brasileiros que, na realidade, têm muito mais a ver com o Catolicismo do que com qualquer outra crença.
— Em que você está pensando, Inácio? - perguntou-me Odilon, ao perceber que eu me entregara a longo devaneio.
— Foi uma ideia tola que me passou pela cabeça respondi -; eu estava imaginando que, daqui a alguns anos, A. talvez reencarne como filho de Hulda e Juari e, consequentemente, se faça neto de Iaporé... Seria perfeito!
— Ora, Inácio! - repreendeu-me o Instrutor.
Deixe de querer fazer o papel de Deus!
— Desculpe-me; foi um pensamento que eu não pude evitar: A., filho de uma ex-freira e de um rapaz que caiu do andaime da igreja e neto de uma caiapó!... É uma pena!...
— O quê, meu caro, é uma pena?...
— Seria perfeito, mas eles não merecem tanto respondi com as mãos espalmadas erguidas, dando o assunto por encerrado.
Despedimo-nos e, confesso-lhes, eu estava exausto, necessitando de alguns minutos de repouso. Conversei rapidamente com Manoel Roberto e pedi que a vigilância nos arredores do nosocómio fosse reforçada, pois, embora não acreditasse muito, a verdade é que "Papisa" poderia partir para o revide; afinal de contas, por convencermos Hulda a nos acompanhar, ela poderia interpretar que tivéssemos traído a sua confiança e, a essa altura, já deveria estar se recriminando por ter concordado que saíssemos ilesos...
Os breves instantes em que me entreguei ao sono, foram marcados por terrível pesadelo: sugestionado, com certeza, pela conversa que mantivera com Odilon, pasmem vocês, eu me via reencarnado na condição de filho de Hulda e Juari, neto de Iaporé e... irmão de A., com a responsabilidade de servir de guia na Terra para aquele meu irmão cego! Acordando, sobressaltado, esfreguei os olhos, para me certificar de que se tratara apenas de um pesadelo, tomei um gole d'água e abri a porta do quarto, chamando por Manoel Roberto, que logo apareceu.
— O que foi, Doutor? - perguntou-me o devotado amigo.
— Nada - respondi ainda atordoado -; eu só queria ter certeza...
— Certeza de quê, Doutor?
— De que ainda estou por aqui...
— Eu não estou entendendo...
— É melhor que não entenda!
— Do jeito que andam as coisas na Terra e sobrando espíritos aqui, a qualquer hora a gente reencarna e não fica nem sabendo: quando acordar chorando no berço, não se pode fazer mais nada...
— O senhor tem cada uma! - disse Manoel, habituado às minhas esquisitices.
A manhã passou depressa e, à tarde, Odilon e Carmelita apareceram para a excursão que efectuaríamos à Crosta, com o objectivo de encontrarmos Túlio. Antes, porém, de partirmos, estivemos com Iaporé e Hulda, sendo que a jovem retirou uma pulseira do braço e me entregou, dizendo:
— Doutor, se vocês, porventura, o encontrarem, mostrem a ele esta pulseira... É possível que, inicialmente, Túlio não acredite nos seus argumentos. Tenham cuidado, pois o bando com o qual ele anda é perigoso! Eu o conheço bem...
— Dr. Inácio - suplicou-me Iaporé -, por favor, traga o meu filho de volta para mim!... Pelo que Hulda me contou detalhadamente, é ele mesmo; até um pequeno sinal de nascença que Túlio carrega no ombro é semelhante ao do meu Juari... Traga-o, Doutor, de volta para mim!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 11:49 am

Tranquilizando as duas, tomamos a direcção da Crosta, porém, sempre que o fazíamos, não era aleatoriamente, porquanto são inúmeras as estradas de acesso ao orbe, sendo que a maioria oferece relativo perigo aos que por elas transitam, descuidados; à medida que nos aproximamos da psicosfera planetária, cresce o contingente de espíritos fora do corpo que, constituindo uma espécie de erraticidade, vagueiam sem definição e, quais se fossem salteadores, permanecem à espreita. E lógico que não podemos generalizar, mas apenas os incautos peregrinam nos caminhos de além-túmulo sem a devida cautela, pois estariam se arriscando a cair nas garras de grupos que se organizam com a finalidade de resistirem aos impositivos da renovação.
Assim, não nos foi difícil, uma vez mais, chegarmos ao Sanatório, onde fomos saudados por uma pequena e anónima equipa de servidores espirituais de plantão, oferecendo retaguarda ao trabalho que os nossos irmãos encarnados ali prosseguem realizando junto aos doentes. Enquanto Odilon e Carmelita colhiam as informações necessárias, deliberei caminhar pelo pátio e pavilhões, recordando, por instantes, o cenário de tantas lutas que, agora, se desdobravam no Mundo Espiritual; enganam-se os que imaginam que, após a sua desencarnação, conseguirão mudar de actividade facilmente quase sempre, quando morremos, continuamos a nos ocupar do que antes nos ocupávamos, procurando nos empenhar no melhor cumprimento do dever e reparando possíveis equívocos profissionais... E muito raro que, antes que uma nova existência no corpo nos beneficie,
logremos uma mudança radical em nossos hábitos, principalmente naqueles que, por assim dizer, se nos transformaram em carma. A Medicina, para mim, havia, sem dúvida, se constituído num carma; por mais que eu tivesse feito, a consciência ainda me efectuava cobranças:
eu deveria ter sido mais paciente e atencioso com os meus clientes, mais humano e fraterno, enfim, ter dado um pouco mais de mim aos que me procuravam, depositando em meus esforços a sua derradeira esperança... Por mais que os amigos remanescentes na carne me contestem, digo-lhes que eu me sentia, sim, um profissional relapso; dói-me na consciência lembrar que cada vez que o telefone tilintava em casa, chamando-me ao Sanatório para ver determinado interno em crise, eu, agastado, respondia que não, deixando para a manhã do outro dia...
Quanto mais lúcidos nos tornamos na Vida, mais a consciência se nos refina em seus processos silenciosos de cobrança pelos nossos erros. Isto é, digo-o em alto e bom som, inevitável! Os maus profissionais, os que não revelam vocação para o ofício, os que não se esmeram à perfeição no desempenho de suas obrigações, os que malbaratam o tempo, os que apenas pensam no ganho material, tratando os outros como objecto de suas ambições - todos esses e os demais que deixo de citar, para que a lista não se torne extensa, responderão, a par de seus equívocos morais na convivência pessoal com as criaturas, responderão! Não comparecerão, é claro, diante de nenhum tribunal constituído onde possam ser formalmente acusados de omissão e leviandade, mas experimentarão, em si mesmos, a tristeza decorrente das consequências do fracasso e, então, a fim de que se pacifiquem interiormente, se candidatarão a um novo aprendizado, a que, por outro lado, deverão fazer jus.
Sim, porquanto, muitas vezes, haverão de suspirar pela oportunidade perdida... De quantos médicos, por exemplo, sei no Mais Além que, por sua irresponsabilidade profissional entre os homens, como que desaprenderam a profissão, perdendo a capacidade de diagnosticar um simples resfriado! Confusos intelectualmente, não mais conseguem efectuar uma anamnese, como se estivessem a punir a si próprios, pelo esquecimento dos conhecimentos adquiridos, devido à sua conduta insensível diante dos sofredores. Ah, o carma das profissões! - sem dúvida, que forma um capítulo à parte e, no futuro, merecerá acurados estudos por parte dos nossos irmãos espiritistas que haverão, cada vez mais, de se aprofundar nas nuances da Vida Espiritual.
Imerso em semelhantes reflexões, Odilon e Carmelita me surpreenderam, quando, se entendendo com os companheiros desencarnados em estágio no Sanatório, vieram ao meu encontro com as informações de que necessitávamos: diversos grupos de arruaceiros fora do corpo praticavam vandalismo pela cidade, em sintonia natural com dezenas e dezenas de irmãos encarnados, a maioria jovens de hábitos nocturnos, entregues às drogas, ao álcool e aos prazeres do sexo.
As características fornecidas por nós fizeram com que as suspeitas recaíssem sobre um grupo nas imediações do Parque "Fernando Costa", onde muitas casas de espectáculo e boates funcionavam na clandestinidade.
Sem maiores delongas, rumamos para lá e nos pusemos a observar, ressaltando que, praticamente, não éramos percebidos pelas entidades que iam e vinham...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 11:49 am

Capítulo 27
A movimentação nocturna era intensa; o relógio assinalava mais de meia-noite e diversos irmãos e irmãs em trajes exíguos se ofereciam nas esquinas aos carros que passavam com lentidão; entidades de formas bizarras exerciam o vampirismo sem qualquer empecilho, naquele quadro vivo em miniatura de Sodoma e Gomorra...
Todavia, vale ressaltar, registrávamos também a presença de diversas outras, de pais e mães desencarnados, insistindo junto aos filhos, que pareciam não ouvi-los, no sentido de que voltassem para casa e deixassem aquela vida de devassidão que, a pouco e pouco, os conduziria ao inevitável abismo.
Tomando-nos, talvez, por espíritos de categoria superior, um pai acercou-se de nós e, com aflição estampada em sua face espiritual, suplicou-nos, em lágrimas:
— Ajudem-me, por quem são! O meu filho é aquele que está travestido na esquina... Valham-me, por caridade! Eu me sinto culpado da situação lastimável em que ele presentemente se encontra, pois abandonei-os a ele, quando ainda não havia completado 5 anos de idade, e à minha esposa, que troquei por uma outra mulher... O meu Renato agora está com 21 anos e vejam em que situação! Criado sem o meu carinho e protecção de pai, não passava de um adolescente, quando começou a se prostituir por dinheiro fácil... Ah, meu Deus, eu enlouqueço!
E o pobre genitor prosseguia descrevendo o seu drama:
— Depois que os abandonei, a mãe dele se ligou a um homem sem escrúpulos, que se fez seu amante e foi ele quem molestou sexualmente o meu filho... O Júnior se transformou num travesti e, praticamente, todas as noites, vem fazer ponto nas imediações... A mãe dele hoje está com outro e nem se importa; culpa-me por tudo que lhes aconteceu e eu me sinto completamente arrasado!
— Tentaremos ajudá-lo, meu irmão - disse Carmelita, reflectindo na voz todo o pesar que igualmente se me apossara do espírito, diante daquele triste relato.
— Pediremos a intercessão de amigos nossos e veremos o que nos será possível fazer. Confie em Deus!
— Eu nem sequer me atrevo a falar no nome de Deus! - replicou aquele pai, transtornado. — Eu não sou capaz de erguer os olhos para o Céu!... Cavei com as próprias mãos a vala do sofrimento em que me encontro...
A mulher por quem deixei a minha casa me traiu com outro e, então, comecei a beber - bebi tanto que, um dia, um carro me atropelou e tive diversas fracturas expostas; uma infecção hospitalar me matou, quer dizer, me expulsou do corpo e me reduziu ao trapo que vocês estão vendo... Eu sou o grande e único culpado! Sinceramente, eu tenho a impressão de que o Júnior quer se vingar de mim, porque, além de ter o meu nome, ele é o meu retrato... Coitado do meu filho! O que será que o espera?
Todos os dias, homens e mulheres contaminados pelo vírus da AIDS estão por aqui, se oferecendo uns aos outros... O meu filho precisa mudar de vida. Se alguma coisa pior vier acontecer a ele, que forças eu terei para reagir? As vezes, eu penso em desaparecer para sempre, mas algo me prende aqui... Não há uma noite sequer em que não lute, para defender o Júnior das entidades que desejam dele se servir como pasto de seus instintos bestiais - quase toda noite é a mesma luta e, confesso, o mesmo fracasso, pois ele acaba cedendo aos vícios que o degradam...
Levando as mãos à cabeça e arregalando os olhos, de espanto, o infeliz genitor gritou:
— Vejam! Vejam! Um carro está parando... Por favor! Não deixem, não deixem! Eu conheço aquele homem: está doente e vai contaminar o meu filho... Ele já fez várias tentativas, oferecendo-lhe dinheiro. Ajudem-me, por caridade! Não deixem o Júnior entrar naquele carro.
Agindo com presteza, Odilon aproximou-se do rapaz, que se insinuava requebrando e agitando os braços com coquetismo, e, quando o motorista o abordou na calçada, dirigindo-lhe palavras melífluas, pousou-lhe a destra sobre a fronte.
— Como é, vamos dar uma volta? - indagou-lhe o sedutor, cuja face eu não pude e não fiz questão de divisar no automóvel. — Na semana passada, você marcou comigo e me deixou na mão...
Em luta consigo mesmo, o rapaz, que temia que a noite se escoasse para ele sem nenhum programa, estava prestes a anuir ao convite, quando Odilon entrou em prece e a mão direita se lhe iluminou sobre a cabeça do filho daquele homem, que a tudo assistia trémulo e impassível.
— "Senhor Jesus - rogou o Mentor em rápidas palavras -, suplicamos a tua intercessão! Que a tua misericórdia se faça em nosso favor neste instante...
Compadece-te, Mestre, de nossa indigência! Vem em nosso auxílio e sê a nossa Providência!..."
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 11:49 am

No exacto instante, o jovem, que me parecia inclinado a ceder, revelou-se indisposto e, apalpando a testa, desculpou-se:
— De repente, estou com febre... Creio que vou para casa. Deve ter sido a chuva de ontem à noite. Quem sabe, outro dia...
Com receio de insistir e, desconhecendo que ele mesmo fosse soro positivo, o condutor do veículo acelerou e saiu resmungando baixinho:
— Com esse nunca mais! Febre repentina?...
Promíscuo do jeito que é, deve estar com HIV. Escapei na tangente...
E, enquanto o rapaz, com arrepios de frio, tomava o rumo de casa, aquele pobre pai, aturdido com a sublimidade do fenómeno que presenciara, ajoelhou-se na calçada e se entregou a convulsivo pranto.
— Que palhaçada é essa aí?! - ecoou uma voz, feito uma sombra que emergisse da escuridão. — Qual é o motivo de tanto choro? Algum maricas por perto?...
As gargalhadas, o bando constituído de quatro integrantes se aproximou e pudemos, então, identificar a fisionomia de cada um; à excepção do mais jovem que, de início, adivinhei tratar-se de Túlio, os outros três se apresentavam com a fácies deformada, mais se assemelhando a animais do que a seres humanos. De facto - permitam-me a observação -, nossos irmãos encarnados estão longe de conceber a influência da mente e da vida moral dos desencarnados sobre o veículo perispiritual; aqueles três homens, que coagiam um rapaz a acompanhá-los, preservavam a forma humana, no entanto os seus corpos inchados e repletos de protuberâncias estranhas, lhes haviam transformado a fisionomia por completo, principalmente à altura da face, das mãos e dos órgãos genitais.
Um deles, o que me pareceu liderar o grupo, em tom desafiador perguntou-nos, deixando exalar incomodativo odor:
— O que é que vocês pretendem? Estragar-nos a noite?... O que fazem por aqui? Porventura, não sabem que somos os donos do pedaço?...
Enquanto Odilon e Carmelita se ocupavam de Júnior e de seu pai, avancei dois passos e, sem perder Túlio de vista, comecei a falar com a entidade:
— Meu irmão, estamos simplesmente de passagem; nada pessoal contra quem quer que seja...
— É bom mesmo - respondeu, ofegante -, pois, ultimamente, os iluminados vêm tentando interferir na área; o campo aqui é nosso e exigimos respeito... Não fomos nós que o transformamos em região de caça...
— Como você percebe, eu e os meus companheiros estamos longe da condição a que você se refere; estamos apenas tentando colaborar com um pai desesperado e um jovem doente...
— Esse aí é um caso perdido: desistam!... Nós o conhecemos de velho e amanhã estará de volta - disse, apontando para o travesti que, acometido de súbito mal-estar, começara a descer a avenida, cambaleante.
— Para Deus, nenhum de nós é caso perdido, meu irmão.
— Você está mentindo para mim - vociferou a entidade, avaliando a possibilidade de me agredir. — Não me venha com a mesma ladainha; é assim que vocês começam: como quem não quer nada... Não faça pouco da minha inteligência!
— Qual o motivo de você se irritar assim com tanta facilidade? Sente-se ofendido por ser tratado de maneira digna? Eu não disse nenhuma impropriedade, pois, diante de Deus, todos somos irmãos...
— Eu não acredito em Deus e, portanto, não me considero seu irmão... Deus, caso existisse, andaria sempre muito ocupado para preocupar-se com os vermes que somos; vocês não passam de uns sonhadores...
Juntem-se a nós e terão todos os seus problemas resolvidos; garanto-lhes que, pelo menos, deixarão de se afligir com tantas conjecturas, todas inúteis. O que vale é o momento e o prazer que dele possamos extrair; o resto é sofrimento voluntário...
— Porém, - redargui - se me permite, a sua aparência e a de seus outros dois companheiros...
— Estamos assim porque queremos; qual a diferença entre ser um homem e um animal, se o essencial nos é preservado?...
— Quem é o jovem que os acompanha?-arrisquei. — Um aprendiz; um pouco tímido, mas logo entrará na "nossa"... Por quê? - indagou-me com insolência. — Está interessado nele?... Poderemos negociar...
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli - Página 3 Empty Re: Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 11:49 am

Capítulo 28
— É que ele me lembra alguém que conheço... respondi, ignorando a insinuação.
— Ora - tornou a entidade com ironia -, não desconverse; estou mesmo querendo me livrar dele e poderemos combinar o preço...
— Seria interessante, meu irmão, que procurássemos manter o nível...
— A que nível você se refere? Entre nós, não existe outra ética que não seja a do gostou, pagou, levou... Onde é que você pensa que está: nas nuvens?!... Ao que me consta, não estou vendo um par de asas nas suas costas, nem das de seus dois amigos. Repito: adopte a nossa filosofia de vida e deixe de se amargurar... Seja realista e pronto!
— Você parece não perceber no que está se transformando, não é? - parti para a ofensiva, já que ele me convidava a ser realista.
— Como assim?! Está me provocando?...
— Não é minha intenção provocá-lo, mas sinto-me no dever de adverti-lo.
— Advertir-me?... Ah, ah, ah!...
— Sim, pois a degradação que agora lhe atinge o corpo, não demorará a lhe alcançar a mente: em outras palavras, você está prestes a perder o controle...
— Com que autoridade faz semelhante prognóstico a meu respeito, hem?
— Com a de médico psiquiatra - respondi, deixando-o sem acção. — E você sabe o que o espera, não sabe?...
— Isso jamais acontecerá... É um blefe; você não é médico coisa nenhuma.
— É evidente que não ando com o meu diploma debaixo do braço, mas, se eu lhe disser o meu nome...
— Não há quem eu não conheça em Uberaba, a menos que seja um ilustre desconhecido, o que, certamente, sendo médico conforme afirma, não será o seu caso.
— Chamo-me Inácio Ferreira, meu amigo!
— Inácio Ferreira, o do Sanatório?...
— Exactamente, e os dois amigos que estão comigo são Odilon Fernandes e Sebastião Carmelita.
— Sebastião Carmelita, o padre?
— Sim, e Odilon, espírita convicto e fundador do "Instituto de Cegos"...
— Dr. Odilon! - exclamou a entidade, visivelmente confusa. — O meu neto morou no "Instituto"... Será verdade o que me diz? Por aqui, todos mentem...
— Se você quiser comprovar, acompanhe-nos; poderemos, por exemplo, efectuar uma rápida visita ao Sanatório - lá existe um antigo retrato meu na parede...
— Não, não, de forma alguma - apressou-se em dizer. — Não passarei nem por perto... Trata-se de uma trama para me prender, não é? Eu bem que andava desconfiado... Diga-me o que quer e seguirei meu caminho.
— Viemos - esclareci sem rodeios - buscar o rapaz que está com vocês.
— O Túlio?...
— Ele mesmo, e o fazemos em nome de sua mãe e de Hulda, sua namorada.
— Minha mãe e Hulda?! - questionou o jovem tomado de espanto, quebrando o próprio silêncio em que se mantinha.
— É no que dá se apaixonar e se envolver; nós o avisamos, não foi? - atalhou a entidade, dando mostras de querer se livrar dele o mais depressa possível.
— Eu nada sei a respeito de minha mãe, mas como é que o senhor sabe de Hulda? Juramos não dizer nada a ninguém...
— É porque ela mesma nos contou sobre vocês dois; Hulda não mais se encontra sob a tutela de "Papisa": nós a libertamos e, agora, ela está em companhia de sua mãe. Iaporé.
— Iaporé, minha mãe?...
— Sim, eu nunca vi mãe e filho se parecerem tanto...
— Dê-me uma prova de que não estou sendo enganado de novo...
Então, enfiando a mão no bolso do jaleco, retirei a pulseira de contas que Hulda me pedira para mostrar a Túlio.
— A sua namorada pediu-me que eu lhe entregasse isto - falei, estendendo-a ao rapaz que, de pronto, a reconheceu.
— Fui eu que lhe dei esta pulseira, na última vez que nos vimos... Mas como foi que vocês a conseguiram?
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli - Página 3 Empty Re: Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 11:49 am

— Ela mesma no-la entregou, meu filho, para ajudar-nos a convencê-lo de que estamos falando a verdade. Venha connosco!
— Eu não estou entendendo... É praticamente impossível escapar do Vale das Religiosas; várias vezes, tentei convencer Hulda a fugir, mas ela temia que, caso fôssemos pegos, "Papisa" nos mandasse furar os olhos...
— O impossível, meu filho, não existe; tudo vai passando e há de passar... Apenas o Bem permanece; tudo mais é sombra que desaparece... Jamais descreia do poder renovador do Tempo!
Nesse ínterim, Odilon e Carmelita, após terem cuidado de Júnior e seu pai, providenciando para que outros companheiros da Vida Maior se encarregassem directamente do caso, se aproximaram e, com a simples presença deles, as três entidades que subjugavam Túlio instintivamente recuaram.
— Irei, sim, com vocês, que já estou cansado de não ter ninguém... Iaporé! Seria, porventura, a minha mãe uma índia? Será que é por este motivo que muitos acham os meus traços parecidos com os de um indígena?...
— O seu coração é que haverá de dizê-lo; simplesmente, venha connosco - disse-lhe, apartando-o, em definitivo, da companhia dos espíritos que o dominavam.
Posicionando-se a certa distância com os outros dois, a entidade com a qual eu dialogara, obtemperou:
— Você, Túlio, nunca foi mesmo de nada... Vá com eles, que não há de nos fazer falta alguma; logo, haverão de propor a você um novo corpo no mundo... É sempre assim: eles querem nos dirigir... Mas comigo, não!
— E por que não, meu irmão? - considerou Odilon, entrando no assunto. — Você e os seus amigos estão doentes, muito doentes...
E, com uma percepção que ainda me faltava, o Instrutor ponderou:
— Vejo, ao derredor do cérebro de cada um de vocês, parasitando-os, estranhos corpúsculos ovóides...
Sabem do que se trata?
— Não, não! É mentira sua! - gritou o espírito, negando ser vítima do que talvez mais temia.
Corpúsculos ovóides, não! Eu não permitiria que eles me vampirizassem... Estão me sugando? É mentira! É mentira!... Você está querendo nos atemorizar...
— Eu não lançaria mão de semelhante subterfúgio, meu irmão, para convencê-los a mudar. Estou sendo sincero; você e os seus amigos estão sob profunda hipnose, sendo vampirizados por entidades que se lhes emaranham nos pensamentos... A continuar o processo obsessivo em andamento, em breve, haverão, igualmente, de perder a forma em que se expressam e, então...
— Afastem-se de nós! Afastem-se! - começou a gritar, passando as mãos nos cabelos, arrancando-os, no que era imitado pelos companheiros, que saíram correndo no meio da noite, abandonando-o.
— Venha connosco; você necessita de tratamento urgente...
— Quantos são, quantos são, diga-me? Estas lêndeas! Socorro, que agora as sinto infestando todo o meu corpo! Socorro!...
Como se, naquele instante, os corpos ovóides se tangibilizassem, eu e o Carmelita também pudemos enxergá-los numa visão estarrecedora: quase uma dezena deles lhes parasitava a região do cérebro e a dos órgãos genitais, corpúsculos escuros e entumecidos, que apenas me pareciam se alimentar e respirar, sem nenhuma actividade sensória ou intelectual em registro.
Não sopitando a curiosidade, observei:
— Odilon, eu nunca os tinha visto assim, em tão grande número infestando uma única pessoa e nem tão unidos... Estou, deveras, espantado!
— Inácio, são irmãos nossos que se degradaram a tal ponto... A cadeia obsessiva, para se alimentar a si mesma, estabelece uma sintonia que apenas não continua nas mentes que não lhe oferecem conexão; a obsessão é o processo mediúnico funcionando às avessas... O mal, quanto o bem, também vive em regime de interdependência;
na mesma proporção em que a luz se alimenta de luz, a sombra se alimenta de sombra, o urubu se nutre do cadáver em decomposição, o colibri, do néctar das flores...
— Embora, do ponto de vista teórico, eu saiba da existência dos corpúsculos em foco, e isso desde quando me encontrava no mundo, lidando com os temas da obsessão e compulsando respeitável literatura a respeito, do ponto de vista prático custa-me crer...
— Do ponto de vista prático, custa-nos crer em muita coisa - sentenciou Odilon.
— Que destino lhes estará reservado? - inquiri ao companheiro. — Poderão reencarnar nas condições em que se encontram? Como haverão de readquirir a forma humana? Haverá ventre materno preparado para recebê-los?
— Inácio, o assunto comporta muitas divagações; digamos, no entanto, que cada caso requer solução específica. Alguns deles, através de tratamento intensivo e especializado, conseguem retomar a forma, parcial ou totalmente; outros, porém...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 11:50 am

Capítulo 29
— Outros, porém?... — ...renascem ou tentam renascer em condições precárias, submetendo-se a longos tratamentos no campo celular, em expiações dolorosas; readquirem a forma em diversos ensaios reencarnatórios, sendo sucessivamente abortados para que, gradativamente, descondicionem a mente... Conforme dissemos, o assunto é delicado e não poderíamos abordá-lo em tão sucintas palavras.
— Mas - insisti em derradeira pergunta -, apenas em contacto mais estreito com a matéria é que haverão de se curar?
Odilon olhou-me, pensativo, e respondeu:
— Não, mas a organização celular, com base nas leis da hereditariedade, como que lhes constrangeriam o corpo espiritual a se modelar; o perispírito, sem dúvida, é a matriz em que o corpo físico se estrutura, no entanto, em determinados casos, o inverso é verdadeiro; a mente dos genitores, notadamente a da mãe, pensando com insistência no futuro filho, colabora para que, tanto quanto possível, o corpo se lhe plasme saudável. Os gregos recomendavam que as suas mulheres grávidas, a fim de que os seus rebentos nascessem belos e fortes, durante todo o seu período de gravidez, procurassem contemplar quadros que as induzissem a mentalizar a beleza, convictos de que tal providência concorreria para que tivessem filhos semelhantes a Apolo...
Não mais nos seria possível prosseguir com o diálogo esclarecedor, que nos fora motivado pelas circunstâncias; a entidade vampirizada que, agora, rolava no chão, a se debater, necessitava de ser recolhida.
Pedindo a Carmelita que tomasse as providências cabíveis, contactando algum grupo socorrista mais próximo, nos voltamos para Túlio, que se entretinha com a pulseira de Hulda nas mãos, e o convidamos a nos seguir.
— Eu não sei como agradecer-lhes - disse-nos ele. — Não nos agradeça, meu filho - redargui -; nada fizemos além de nossa própria obrigação; esse é o nosso trabalho...
— No entanto, se não fosse por vocês...
— Se não fosse pela Misericórdia Divina, todos haveríamos de estar na mesma situação.
— O que acontecerá com o Amaro? - eis o nome do espírito cuja remoção para o hospital estava sendo providenciada.
— Mais tarde o examinaremos...
— Eu não enxergava aqueles corpúsculos vivendo em seu corpo... Será que também não fui contaminado?
— Mais um pouco e, com certeza, não escaparia. — Sinto-me exaurido...
— É natural, pois, sendo você mais jovem, Amaro e seus dois companheiros lhe sugavam as forças.
— Eles me olhavam de maneira tão estranha...
— Alimentavam-se de você, tanto quanto se alimentavam de suas vítimas encarnadas - acumulavam e, ao mesmo tempo, consumiam energia, gastando-a com exclusividade na busca do prazer.
— O que acontecerá aos outros dois?
— Quanto mais persistirem na situação em que se encontram, mais se lhes agravará o quadro; todavia, no momento justo, haverá quem os socorra.
— Por favor, fale-me de minha mãe; eu não me recordo de sua face...
— Iaporé é uma de nossas melhores enfermeiras no hospital; vocês se parecem muito um com o outro e, desde o tempo em que foram mãe e filho, em recuada existência entre os índios caiapós, a semelhança entre ambos é notável.
Sem nos darmos conta, estávamos já às portas do Hospital, mas, ainda a certa distância, pude avistar Iaporé e Huida, que nos aguardavam a chegada.
O reencontro entre mãe e filho foi emocionante. Com lágrimas nos olhos, Iaporé avançou na direcção de Túlio, que, ficando sem acção, se deixava abraçar e beijar por ela, que lhe alisava os longos cabelos negros, semelhantes aos dela, dizendo com voz entrecortada:
— Juari!... Você é o meu pequeno Juari! Há quanto tempo, meu Deus!... Por onde você andou, meu filho?...
E acariciava-lhe o rosto, aconchegando-se ao peito do rapaz, o qual não sabia o que dizer.
— Fale, meu filho, diga alguma coisa para a sua mãe... Desde que se perdeu na mata, eu nunca mais fui feliz! Você me reconhece, não é? Abrace-me!...
— Senhora - disse Túlio, por fim -, perdoe-me, mas eu não sei... A face de todos os que, um dia, eu possa ter amado se me apagou da memória... Eu não me lembro de nada! Somos, sim, parecidos, mas será o bastante para que eu tenha a certeza?...
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli - Página 3 Empty Re: Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 11:50 am

— O meu coração de mãe não se enganaria respondeu Iaporé com firmeza -; a onça pintada é capaz de identificar a sua cria, entre dezenas de outros filhotes, simplesmente pelo cheiro... Eu sinto em você, Juari, o meu próprio cheiro, e saberia quem é, ainda que estivesse cega!
E, descendo a blusa à altura do ombro esquerdo, exibiu uma cicatriz que, curiosamente tinha a forma de um pássaro...
— Hulda me falou, meu filho, que você tem um sinal de nascença igual a este; a Vontade de Deus, que nos separou, marcou-nos para que jamais nos perdêssemos um do outro, para sempre!... Mostre-me, por favor, o seu ombro.
Então Túlio, ou melhor, Juari, com duas lágrimas que, de súbito, lhe rolaram na face morena, desabotoou a camisa e mostrou, exactamente no mesmo lugar, a pequena cicatriz que fazia lembrar um pássaro com as asas abertas...
— Minha mãe! - exclamou o jovem, não mais contendo a emoção. — Iaporé, minha mãe!... Agora, eu posso dizer que eu também tenho mãe!... Hulda, venha cá! Que felicidade!... Como Deus é bom!
Sentindo que o momento era o de nos afastarmos, eu e Odilon nos retiramos para o meu gabinete e nos pusemos a conversar, descontraidamente.
— Missão cumprida, Odilon.
— Parcialmente cumprida, Inácio...
— De fato; se os nossos irmãos na Terra soubessem o que significa desencarnar...
— Saberão na prática o que já sabem na teoria.
— Sabem parcialmente, Odilon - foi a minha vez de observar.
— Correto, Inácio.
— Não, eles não sabem - com raras excepções, eles não sabem... A grande maioria, ao deixar o corpo, espera ser recebida por uma comissão de recepção e encaminhada aos Paramos Superiores; mesmo para os espíritas, o Mundo Espiritual é ainda um grande "Nosso Lar"...
— Talvez mesmo eles não estejam preparados para pensar de outro modo.
— Mas você não acha, Odilon, que já seria tempo?...
Afinal de contas, muitos de nossos confrades reencarnaram na condição de espíritas pela segunda vez e, quiçá, pela terceira!
— Todavia, a assimilação da Verdade é lenta; vejamos quanto tempo uma mãe e um filho levaram para se reencontrar...
— Um simples episódio...
— Dos Dois Lados da Vida, quantos não existirão semelhantes?
— Quantos interesses diversificados e quantos anseios pessoais!...
— Quem tem um problema a solucionar, Inácio, seja ele qual for, não consegue pensar muito fora de seu próprio âmbito, concorda? O Universo se lhe resume naquele ponto microscópico...
— Concordo, Odilon; eu me cansei de ver isso no Sanatório e, agora, aqui, no Hospital dos Médiuns.
— Toda experiência é válida, mas cada espírito requisita um tempo para fixar a lição: uns aprendem depressa; outros com vagareza...
— E somos feitos da mesma "massa"...
— Iaporé, Juari e Hulda, muito provavelmente, reencarnarão em breve...
— E Amaro, no estado em que se encontra?
— Ele também é filho de Deus e está a caminho da Perfeição...
— E os corpos ovóides, espíritos que, após terem conquistado a láurea da razão, se degradaram a tal ponto?
— Como se a borboleta voltasse a ser lagarta... Não retrogradaram, porém - é bom, Inácio, que se destaque.
— Eclipsaram-se mentalmente; embotaram-se...
— Embriões que se recusam a ser crianças e, depois de sê-lo, "querem" empreender a viagem de volta...
— Com receio da luta, aspiram ao não-ser...
— Uma segunda morte em nível primitivo...
— ...que lhes exigirá um segundo nascimento!
— Sim, deste ou do outro Lado da Vida...
— Poderão, então, Odilon, "renascer" aqui, antes de renascerem na Terra?
O Instrutor meditou, meditou e respondeu, por fim.
— Você não desiste, não é, Inácio? É um assunto que pode gerar tanta controvérsia entre os nossos irmãos!...
— Podem ou não podem? - insisti, respeitosamente. — Podem e, digo-lhe mais, em muitos casos há necessidade de que assim seja!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 11:50 am

Capítulo 30
— Odilon - solicitei -, fale-me mais a respeito.
— A Terra não é o único laboratório em que o princípio inteligente realiza a sua evolução; nas dimensões espirituais, ele igualmente se elabora e se expande, alternando experiências em contacto com a matéria que, simplesmente, varia de densidade; o soma é filho da Terra, mas o espírito, em si, não o é... Antes de mergulhar nos domínios da vida material, o princípio intelectual se gerou nas regiões do Cosmo e, então, quando o orbe estava, finalmente, preparado, eis que ele se manifesta sobre o palco multimilenar da Evolução, adquirindo forma e estruturando-se, a partir dos elementos unicelulares em que se expressará... O espírito, portanto, se reveste de vários corpos espirituais para a jornada mística que empreende, dos quais, para o ser encarnado, o corpo humano é a sua representação mais grosseira. A chamada mónada espiritual, ou seja, o espírito em sua essência mais pura, involui para evoluir, ou seja, após quase identificar-se com a matéria, ela, a mónada, se espiritualiza, subtilizando-se através dos corpos que lhe servem de veículo; digo quase identificar-se porque o espírito, em sua própria natureza, jamais se confunde com a matéria...
Digo-lhes, com sinceridade, que eu estava tendo que me esforçar para acompanhar os raciocínios do Instrutor, que prosseguia tentando me explicar o que transcende o poder das palavras:
— Resumindo, Inácio, o espírito, ao se distanciar do seu ponto de origem, ou seja, Deus, se reveste de muitos corpos, e, depois, ao Dele se reaproximar, através dos degraus da experiência reencarnatória, que também acontece em vários níveis, despe-se gradativamente, superando todas as limitações. Chegamos, agora, ao ponto que desejo abordar com referência aos ovóides, que, em última análise, são espíritos quase em sua identidade original, destituídos de corpo físico e de perispírito...
— De perispírito também? - perguntei.
— Dos 7 veículos de manifestação do espírito, os mais expressivos são, em ordem evolutiva decrescente:
corpo mental, corpo espiritual, ou perispírito, e corpo físico... O espírito, quando se sublima, atingindo o estágio de espírito puro, é apenas energia, sem contorno de qualquer espécie e natureza. Abrindo um parêntese, vejamos a que o Cristo se submeteu para ganhar forma entre nós... Isso, porém, acontece quando o ser ascende de forma consciente, integrando-se a criatura com o Criador; todavia, quando a criatura se degrada e "se suicida" moralmente, ela, ao invés de ascender, desce para além dos limites que lhe preservam a individualidade e estaciona no corpo mental, como se estivesse involuindo para dentro de si mesma. Vejamos se melhor me faço entender: imaginemos, numa escala, sete estágios, um ascendente: de + 1 a + 7, - 7 a - 1...
E, com um pincel luminoso, Odilon representou sobre uma folha o seguinte gráfico: Involução — E o Criador, onde o situaríamos? - indaguei.
— Deus é a transcendência, Inácio: a transcendência imanente; está em tudo, mas não é tudo!... Deus é um ser à parte, que sempre estará além de nossas cogitações...
Pausando por momentos, Odilon continuou:
— Voltemos ao que interessa, pois, caso contrário, nos perderemos. Em nossa representação gráfica, o +7 significa o grau de maior pureza alcançado pelo espírito e o -7 o de maior impureza: subindo, o homem se converte em anjo; descendo, o homem retoma os estágios primitivos... Mas voltamos a repetir: não existe retrocesso evolutivo; conquista é conquista... Esses corpos ovóides "perderam" a forma, mas não a experiência adquirida, que se recolheu neles e permanece em estado latente: eles "sabem" pensar, são capazes de sentir e muitos revelam considerável conhecimento... Estão sofrendo de uma espécie de autismo espiritual.
— O assunto é mesmo complexo - admiti -; um simples gráfico está me fazendo a cabeça rodopiar. E estes +1, -1?...
— Representam os pontos onde começa a funcionar o livre-arbítrio; é onde o homem decide o destino... Por exemplo, do +2 para o +1, o homem não pode cair; mas do -1 para o -2, sim, e sucessivamente...
— E do +1 para o -1?...
— Do hoje cair para o ontem, você quer dizer?
— Sim, mais ou menos isso...
— Depende, pois, se o hoje estiver mais próximo do ontem do que do amanhã, sempre haverá o risco...
— Há, porém - indaguei -, necessidade de que o espírito desça tanto? Explico-me melhor: no processo de involução, é da Lei que o espírito se rebaixe a tais níveis, se degradando até quase a ou, mesmo, a perder o que conquistou? Por exemplo, do +1 ao -11...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 11:50 am

— Há necessidade de que o espírito suba, ou seja,
de que realize a sua evolução, que é uma fatalidade divina; descer está afecto ao seu livre-arbítrio; subir, à Lei do Determinismo...
— Quer dizer que, quanto mais descei...
— Quanto mais se distancia do Ilimitado, mais limitação; quanto mais se distancia da limitação, mais se aproxima do Ilimitado; em outras palavras: quanto mais matéria, menos espírito; quanto mais espírito, menos matéria...
— E por que estes 7 níveis, para + e para -? Puro convencionalismo ou capricho do Criador?
— Inácio, estamos longe de obter respostas para todas as perguntas; o que sabemos é uma parcela ínfima do que nos compete saber... Há, inclusive, quem fale em 11 ou mais níveis. Seja como for, o que importa é o seguinte: estamos a caminho e naturalmente sujeitos a desagradáveis acidentes de percurso... O homem ainda há de morrer e de nascer incontável número de vezes, e não tão-somente sobre a Terra. Não façamos da Evolução uma ideia tão simplista.
— A medida, então, que o espírito avança...
— ...o seu universo íntimo se lhe expande, pois o universo que ele traz por dentro é maior do que aquele que povoa externamente.
Em meu cérebro, as perguntas não cessaram; eu estava entendendo, mas...
— Sei o que você quer saber agora - disse-me Odilon sorrindo.
— Leu o meu pensamento?
— Auscultei-o - respondeu o Mentor, que prosseguiu. — Você quer saber se foi Deus quem criou os 7 níveis inferiores, não é? Como a Perfeição Absoluta poderia ter criado a imperfeição... Dentro da Obra Divina, a imperfeição é o traço do homem; sendo co-criador, o espírito projecta à sua volta as exteriorizações de sua mente... O que é de Deus é eterno; o que é do homem é transitório... Na Terra, o homem transforma a matéria com as suas mãos, apêndices de sua vontade; nas regiões espirituais, menos ou mais materializadas, o ser desencarnado opera através da força da mente...
— A excepção do que acontece na Terra, o espírito, em outras dimensões existenciais, não constrói com as mãos?
— Tudo é relativo; nas dimensões superiores, o processo é subtil, ao passo que, nas inferiores, não difere muito do que ocorre no orbe.
— Os espíritos constroem com as mãos?
— Por que não construiriam, se ainda não sabem lidar com a própria força mental? Para o mal, as edificações nascem espontâneas, mas, para o bem, quando se querem construções sólidas e duradouras, há de se ter uma mente vigorosa... O Universo é uma construção da Mente Divina. As regiões espirituais inferiores - o Umbral, por exemplo - são projecções de milhares de mentes em sintonia; nada que é criação do espírito humano é real...
— Como assim?
— Tende a desaparecer, Inácio.
— As invenções e os engenhos humanos...
— Ensaios, para que, exercitando-se na condição de co-criador, um dia, daqui a milénios sem data, a criatura se integre no Criador.
— E confunda-se com Ele?
— Jamais; o filho, embora possa vir também a ser pai, sempre será descendente... A fonte que chega ao mar origina-se dele mesmo; a semente não passa de uma cópia da árvore que a produziu...
Não dispúnhamos de mais tempo. As explicações do Instrutor vinham, de certa forma, ao encontro de minhas reflexões em torno da Vida. De um nível evolutivo a outro, quantos dramas, quantas experiências!... Quão longo, de fato, era o caminho! Antes, porém, de nos retirarmos, para submetermos Amaro a um primeiro exame, arrisquei uma nova pergunta:
— Odilon, como encurtamos o caminho, que, de tão extenso e complexo, chega a desanimar? Ou é inevitável que cumpramos todos os estágios?...
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli - Página 3 Empty Re: Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 11:50 am

Capítulo 31
— O Amor é o caminho que torna tudo mais fácil, evitando que o espírito, por séculos e séculos, voluteie em torno de si mesmo! - respondeu o Mentor, com precisão. — O Amor faz com que o espírito cumpra a sua trajectória em linha rectilínea... Por esse motivo, ele está acima da Verdade. Quem sabe amar, sabe o essencial, porque a conquista do Amor implica a conquista da Sabedoria. O verdadeiro sábio é aquele que ama e aquele que verdadeiramente ama é um sábio. Todas essas etapas evolutivas e outras mais que possam existir existem com o único objectivo de que o homem aprenda a amar. Quem sabe amar, nada mais tem para saber. Jesus resumiu toda a Lei e a sabedoria dos profetas, num único mandamento:
"Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo"!
— Essa luta toda, Odilon, o drama milenar da Evolução, é por conta disso?...
— Sim; o Amor é a suprema conquista... Aquele que ama chega a Deus, que o apóstolo João definiu como sendo Amor!
— Se assim é, por que não amamos?
O Orientador sorriu e, enquanto saíamos do meu gabinete, redarguiu:
— Esta, Inácio, é a pergunta que eu me tenho feito:
por que não conseguimos amar de vez, conforme Jesus nos amou? Se o Amor fosse uma simples questão de palavras...
— Não basta, no entanto, que se queira?
— Basta que se possa!
Atravessando diversas salas, alcançamos o quarto em que Amaro se encontrava recolhido e imobilizado, pela acção de alguns sedativos. Aos meus olhos, ele me parecia agora muito mais inchado e desfigurado; os corpos ovóides que o vampirizavam, igualmente mais intumescidos, davam-me a impressão de esferas opacas que, vez por outra, ensaiavam movimentos amebóides; constituíam-se, por assim dizer, em verdadeiras tumorações no corpo espiritual do paciente.
Tomando os devidos cuidados, eu e Odilon nos aproximamos, esclarecendo que, antes, luzes de cores variadas foram acesas clareando o ambiente e, principalmente, focando o corpo de Amaro.
Sinceramente, eu não sei se vou conseguir descrever o quadro e a inusitada experiência que estávamos prestes a vivenciar. Na região do cérebro, um corpúsculo, pelo tamanho e pela movimentação, se destacava dos demais que, estranhamente, pareciam lhe obedecer. A "olhos nus", conforme disse anteriormente, os ovóides me pareciam sem actividade sensória ou intelectual de destaque, como se todas as suas faculdades houvessem sido suspensas; eles se ligavam ao corpo do paciente através de um filamento de grosso calibre, por onde, com certeza, realizavam complexo processo de sucção... A sua movimentação pulsátil era insuficiente para que chegássemos a qualquer conclusão a respeito do que se tratava: quem não os conhecesse jamais diria que fossem entidades espirituais em estado de completa degradação...
Com vários enfermeiros a postos, inclusive o nosso Manoel Roberto, decidimos por examinar o maior deles que, como nos adivinhando a intenção, se retraiu, acoplando-se ao cérebro de Amaro.
Deixando que eu tomasse a iniciativa, Odilon se mantinha ao meu lado, qual se, naquele instante, o mais habilitado fosse eu e não ele.
Pedindo a um dos nossos assistentes que fizesse determinado aparelho de ausculta se aproximar do leito - um aparelho de electroencefalografia ultra-sofisticado, que, ao mesmo tempo, nos possibilitava registrar actividades mínimas de natureza intelectual - adaptei-o ao crânio do paciente e, após accioná-lo, permanecemos na expectativa de alguma reacção.
Enquanto aguardávamos, comentei com Odilon:
— Se pudéssemos realizar a ausculta directa, sem necessidade de recorrermos ao "eletrointelecton"?
— Em outras circunstâncias, talvez - comentou o Instrutor. — O estado actual de Amaro não no-lo permite, pois é como se ele estivesse em coma... Nestes casos, o detector de pensamentos torna-se imprescindível.
Alguns minutos se passaram, e nada: o aparelho não conseguia, não captava nenhuma actividade intelectual, apenas o ruído de um leve pulsar, semelhante ao dos batimentos cardíacos.
— Inácio, procure estimulá-lo - aconselhou-me o companheiro atento -; submeta-o a um leve electrochoque...
Acatando-lhe a sugestão, com uma vareta electrificada, muito parecida com uma lâmpada fluorescente, disparei diminuta carga sobre o ovóide, com o propósito de "acordá-lo". Quase que, de imediato, a entidade começou a gemer, aumentando o ritmo das pulsações.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 11:51 am

Repetindo a operação por mais duas vezes, sem que Amaro reagisse, a não ser por leves estremecimentos, o ovóide, saindo de sua letargia, articulou pensamentos que o "eletrointelecton" sonorizou:
— Ai, ai!-... Quem me faz sofrer? Deixem-me dormir... Que claridade é essa? Deixem-me! Deixem-me!
Não me tirem daqui...
Odilon, olhando-me significativamente, deu-me a entender que eu deveria falar, pois, imantado ao cérebro de Amaro como se encontrava, aquele "ser", que era nosso irmão, poderia ouvir-me.
— Apenas queremos ajudá-lo - principiei -; você precisa se libertar...
— Você, quem? Porventura, sou alguém ou alguma coisa?... Deixem-me! Eu não quero...
— Você é um ser humano...
— Humano, humano... Eu não me lembro. Que diferença faz? Como e vivo - eis o que me basta e viver já é muito...
— Você é filho de Deus; não pode continuar assim...
— Deus?!... Faz tempo que desistimos um do outro... Deixem-me! Eu só preciso de alguém... Este aqui e nada são a mesma coisa; é uma pena que, logo, tenhamos que procurar outro...
— Outro?! Por quê?...
— Porque ele está se tornando um de nós...
— Você precisa despertar!
— Para quê? Para sofrer?!... Acreditem, a inconsciência é melhor, já que fomos condenados a viver eternamente...
— Há quanto tempo, meu irmão, você está nessa situação?
— Tempo e espaço inexistem para mim!... Eu nada sei, nada quero saber... Por favor, não me digam nada.
Deixem-me, e prometo abandoná-lo; procuraremos outro...
— Mas você já foi um homem...
— Sim, certamente, e não me interessa mais sê-lo...
E a entidade gemia, se debatendo:
— Ai, ai!... Eu não quero olhar para fora de mim; por favor, não me obriguem... Apaguem a luz! Eu prefiro a escuridão...
— Deus está dentro de você, meu irmão...
— Dentro de mim? Deus?!... É uma piada.
— É inútil continuar se opondo ao determinismo das Leis que regem os princípios da Vida. Nós iremos libertá-lo...
— Libertar-me? Como?!... O que vocês haverão de fazer comigo? Eu não tenho forma, não tenho nada...
— Você é um ser humano - repeti.
— Fui!...
— E voltará a sê-lo...
— Mas, para quê? Não me interessa ser como vocês; nem mesmo o prazer me interessa... Deixem-me em meu sono, sem sonhos nem pesadelos.
— O tempo passará...
— Que passe a Eternidade!...
— Os cirurgiões especializados já foram contactados; eles estão a caminho para desfazer, cirurgicamente, essa simbiose doentia...
— Não, não!... Todos parasitam uns aos outros; alguém sempre viverá na condição de comensal de um outro alguém... Os vírus e as bactérias vivem às expensas alheias: é o que escolhemos ser!...
— O que aconteceu a você, meu irmão?
— Eu não sei... Creio que foi o que aconteceu a ele, o meu "hospedeiro". A gente vai desistindo de lutar; o destino é implacável...
— E os outros que estão com você? Como se agruparam?
— Fomos nos juntando.
— Vocês "conversam" entre si?
— Até os vegetais se comunicam...
— Sabem se identificar?
— Infelizmente, algo ainda nos preserva a individualidade; temos um corpo - primitivo, mas o temos... É o que nos impede o não-ser totalmente.
— Teremos que intervir - considerei -; amanhã de manhã, os cirurgiões os operarão...
— Ai! O que será de nós... Passaremos fome e ficaremos perdidos.
— Nós cuidaremos de vocês; necessitam retomar a forma humana...
— Para quê? Ser adulto e ser criança, sofrer e se angustiar... Almejamos a impassividade do grão de areia ou, então, a indiferença das amebas. — Estão prejudicando o próximo...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 11:51 am

Capítulo 32
O inusitado diálogo, possibilitado pelo aparelho que lhe ampliava os pensamentos e os sonorizava, prosseguia, esclarecedor:
— E ele, não prejudica a ninguém? Fazemos parte de uma cadeia alimentar, da qual vocês também fazem parte; a diferença está no cardápio: todos comem, todos bebem e se satisfazem...
— Meu irmão, há tanto caminho para cima!...
— Preferimos a escuridão do abismo...
Não convinha que nos alongássemos. Amaro começava a se inquietar, debatendo-se no leito. Desligamos o "eletrointelecton", diminuímos as luzes e saímos da sala, que, no outro dia, já estaria preparada para a cirurgia de extirpação daqueles "tumores".
— É difícil acreditar, não, Odilon?
— Você tem razão, Inácio - concordou o Benfeitor -; e, se é difícil para nós, imaginemos para os nossos irmãos na carne...
— O espírito, quando se prepara para reencarnar, se restringe assim, em seu corpo espiritual? - perguntei.
— Depende do seu grau de evolução; espíritos de uma hierarquia mais elevada sustentam a própria consciência até praticamente às vésperas de se consumar o ato reencarnatório; com a maioria, no entanto, assim que se dá a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, vai se restringindo gradativamente. Se o novo corpo em formação recapitula os seus estágios evolutivos, o mesmo acontece ao espírito...
Como permanecesse em silêncio, Odilon indagou-me:
— Em que você está pensando, Inácio?
— Na pergunta de Nicodemos a Jesus: "Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura pode entrar no ventre de sua mãe e nascer outra vez?".
— A época, Nicodemos não teria entendido...
— O mundo ainda está repleto deles... Ora, mas não é fácil mesmo admitir que o espírito se "encolha", se encapsule, para ligar-se à célula-mãe que lhe dará origem ao corpo...
— Não nos esqueçamos, todavia, de que é graças a essa ligação que o corpo, sob o comando mental do espírito, toma forma; caso contrário, teríamos células se reproduzindo desordenadamente.
— Com os Espíritos Superiores?...
— O processo nos escapa, Inácio! - esclareceu Odilon com sinceridade. —Não sabemos, por exemplo, como se teria dado com Jesus o processo da encarnação; tenho comigo que a sua Mente quase divina tudo controlou à distância, pois tinha absoluta autonomia sobre a matéria...
— Mas nada de corpo fluídico?
— Nada de corpo fluídico! A teoria em pauta, que tem gerado tanta polémica entre os espíritas, nasceu do respeito e da veneração que determinados companheiros do Cristianismo nascente votavam à figura do Senhor, incapazes de compreender-lhe os feitos e a actuação neste mundo de outra maneira. A rigor, não haveria motivo para as infindáveis discussões que têm provocado uma cisão no Movimento. O corpo do Cristo não era mesmo igual ao nosso...
— Mas era de carne e osso?
— Sim, Inácio, e é bom que o repitamos em alto e bom som: era de carne e osso! Todavia, sentindo-lhe os reflexos do espírito, era constituído do que a matéria sobre a Terra tem de mais puro: ou seja, caso o Senhor não tivesse encontrado a morte na cruz, provavelmente não teria morrido de doença, mas, sim, do desgaste a que não se teria poupado pela acção do tempo.
— Viveria, então, acima da média...
— Teria sido o homem mais longevo do planeta!
Despedimo-nos. Odilon ficaria connosco até o outro dia, mas precisava entrar em contacto com o Liceu e equacionar certos problemas.
De volta ao meu gabinete, fiquei a espiar o desenho que ele improvisara sobre uma folha, entregue a devaneios, quando Manoel Roberto, aproximando-se, pediu licença e tomou o papel nas mãos.
— Que gráfico estranho, Doutor?
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Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli - Página 3 Empty Re: Infinitas Moradas - Inácio Ferreira/Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 11:51 am

— Está de cabeça para baixo - respondi, disposto a descontrair-me às suas custas.
— O que significa?
— É uma análise que eu e o Odilon estávamos fazendo a seu respeito...
— A meu respeito?...
— Sim; concluímos que você está aqui, no -7: no último degrau da cadeia evolutiva...
— E o senhor? - perguntou Manoel, entrando no jogo.
— Segundo as minhas contas, quase no topo; devo estar aí no +4, +5... Falta-me pouco. Apenas mais alguns passos e pronto: estarei livre, em definitivo, de vocês...
— Que maravilha!
— Que maravilha, o quê?
— Ficaremos livres do senhor!...
Rimo-nos e entramos a conversar amenidades, faltando-nos apenas uma xícara de café quente, daquele que, por volta das duas da tarde, tomávamos na cozinha do Sanatório.
— Quem diria, hem, Manoel, que nos transferiríamos de mala e cuia para cá?
— Pois é, Doutor, a gente brincava...
— Continua brincando e a Verdade está aí...
— O que nos espera, doravante?
— O de sempre, Manoel: trabalho!
— O senhor se lembra de que comentávamos que os espíritos que se comunicavam por D. Modesta somente sabiam nos mandar trabalhar?... Dávamos um duro danado e eles querendo mais!
— E que esta é a única saída que temos: trabalhamos ou... trabalhamos!
— Não é de espantar que muita gente se rebele...
— Rebeldia, em nosso caso, simplesmente se traduz por se adiar o esforço de ascensão, ou seja: adiar o suor inevitável...
— A situação de Hulda, de Túlio, de Amaro e daqueles ovóides que nem nome têm...
— Fomos instrumentos da Lei para incomodá-los; assim como outros o são para incomodar-nos; Deus não deixa ninguém ficar quieto...
— Nem mesmo as pedras, não é, Doutor?
— Quando estão criando limo, uma mão invisível faz com que se desloquem e se atritem. A Vida é dinamismo... Não há quem cruze os braços impunemente.
— Quer dizer, então, que o negócio é trabalhar?
— Sem pausa, Manoel, sem pausa...
— É bom que o senhor pense assim.
— Por quê?
— Porque o Matusalém está aí fora...
— O Matusalém, aquele velho?!
— Não o da Bíblia, Doutor.
— É - ironizei -, pois eu pensei que fosse; mande-o entrar... Morri, mas continuo sem saber o que sou: se médico ou paciente, espírita ou - Deus me livre! - padre confessor...
Matusalém - permitam-me esclarecer-lhes - é como chamamos um dos espíritos mais velhos que conheço no Mundo Espiritual - há mais de 300 anos não reencarna e não há quem o faça mudar de ideia... Bem, pelo menos, não fazia.
— Olá, meu velho amigo! - disse, estendendo-lhe a mão. — A que devemos a honra de semelhante visita?
— Eu queria, Doutor, conversar um pouco; acho que, ultimamente, ando com a cabeça meio fraca...
— O que está havendo? Não me diga que se apaixonou!...
— Não troce comigo, Doutor; o senhor sabe que eu sempre vivi isolado - morei muito tempo sozinho, afastado da civilização...
— Dos vivos e dos mortos, não é?
— Sim; eu não me interesso por gente... Gosto de viver no meu canto, sem ser incomodado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 01, 2023 11:51 am

— Se você não existisse, Matusalém, a Criação Divina seria incompleta. Neste Universo de meu Deus, tinha que existir um espírito igual a você...
— Como?!
— Esqueça. Continue...
— Pois é, Doutor, esse negócio de reencarnar é complicado, é complicado...
— Dou-lhe inteira razão... Reencarnar é complicado; desencarnar também é.
— Eu não conto o tempo, mas dizem que há mais de 300 anos estou por aqui, sem ir à Terra. O senhor sabe, eu não tenho família e nem outros interesses; para mim, vivendo está bom... Nunca fui exigente com nada.
Passei um tempão morando numa caverna isolada, no meio do mato; era um lugar agradável e eu fui ficando...
Quando começava a juntar gente num lugar, eu me mudava para outro.
— É uma boa táctica...
— Eu nunca me interessei por religião alguma:
adoro Deus na Natureza! Onde tem dinheiro e tem religião, tem briga. O senhor me desculpe, sei que o senhor é espírita, mas os espíritas brigam também...
— E muito!
— Agora, no entanto, depois de muito tempo, surgiu uma tentação no meu caminho... Entrou pelos meus olhos, Doutor, e tomou conta do meu espírito. Eu já fiz de tudo para esquecer, mas acho que é coisa mandada...
— Deus é um grande feiticeiro!...
— Doutor, isso é uma blasfémia!
— O que aos seus ouvidos pode ser blasfémia, na minha boca talvez não seja!
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