LUZ ESPÍRITA
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Série André Luiz - Nosso Lar

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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 12:04 am

28 - EM SERVIÇO

Encerrada a prece colectiva, ao crepúsculo, Tobias ligou o receptor, a fim de ouvir os Samaritanos em actividade no Umbral.

Justamente curioso, vim a saber que as turmas de operações dessa natureza se comunicavam com as retaguardas de tarefa, em horas convencionais.

Sentia-me algo cansado pelos intensos esforços despendidos, mas o coração entoava hinos de alegria interior.

Recebera a ventura do trabalho, afinal.
E o espírito de serviço fornece tónicos de misterioso vigor.

Estabelecido o contacto eléctrico, o pequenino aparelho, sob meus olhos, começou a transmitir o recado, depois de alguns minutos de espera:
- Samaritanos ao Ministério da Regeneração!...
Samaritanos ao Ministério da Regeneração!...

Muito trabalho nos abismos da sombra.
Foi possível deslocar grande multidão de infelizes, sequestrando às trevas espirituais vinte e nove irmãos.

Vinte e dois em desequilíbrio mental e sete em completa inanição psíquica.
Nossas turmas estão organizando o transporte...
Chegaremos alguns minutos depois da meia-noite... Pedimos providenciar...

Notando que Narcisa e Tobias se entreolhavam fundamente admirados, tão logo silenciou a estranha voz, não pude conter a pergunta que me desbordava dos lábios:
- Como assim? Porquê esse transporte em massa? Não são todos espíritos?

Tobias sorriu e explicou:
- O irmão esquece que não chegou ao Ministério do Auxílio de outro modo.

Conheço o episódio de sua vinda.
É preciso recordar, sempre, que a Natureza não dá saltos e que, na Terra, ou nos círculos do Umbral, estamos revestidos de fluidos pesadíssimos.

São aves e têm asas, tanto o avestruz como a andorinha;
entretanto, o primeiro apenas subirá às alturas se transportado, enquanto a segunda corta, célere, as vastas regiões do céu.

E deixando perceber que o momento não comportava divagações, dirigiu-se a Narcisa, ponderando:
- É muito grande a leva desta noite. Precisamos tomar providências imediatas.
- Serão necessários muitos leitos! - murmurou a serva algo pesarosa.

- Não se aflija - respondeu Tobias resoluto -, alojaremos os perturbados no Pavilhão 7 e os enfraquecidos na Câmara 33.

Em seguida, levou a destra à fronte, como a ponderar algo muito sério, e exclamou:
- Resolveremos facilmente a questão da hospitalidade; o mesmo, porém, não se dará no concernente à assistência.

Nossos auxiliares mais fortes foram requisitados para garantir os serviços da Comunicação nas esferas da Crosta, em vista das nuvens de treva que ora envolvem o mundo dos encarnados.

Precisamos de pessoal de serviço nocturno, porquanto os operários em função com os Samaritanos chegarão extremamente fatigados.
- Ofereço-me, com prazer, para o que possa aproveitar - exclamei espontaneamente.

Tobias endereçou-me um olhar de profunda simpatia, mesclada de gratidão, fazendo-me experimentar caríciosa alegria íntima.
- Mas está resolvido a permanecer nas Câmaras, durante a noite? - perguntou, admirado.

- Outros não fazem o mesmo? - indaguei por minha vez - sinto-me disposto e forte, preciso recuperar o tempo perdido.

Abraçou-me o generoso amigo, acrescentando:
- Pois bem, aceito confiante a colaboração.
Narcisa e os demais companheiros ficarão também de guarda.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 12:04 am

Além do mais, mandarei Venâncio e Salústio, dois irmãos de minha confiança.
Não posso permanecer aqui, de plantão nocturno, em vista de compromissos anteriores;
no entanto, caso necessário, você ou algum dos nossos me comunicará qualquer ocorrência de maior gravidade.

Traçarei o plano dos trabalhos, facilitando quanto possível a execução.

E descortinou-se campo enorme de providências.
Enquanto cinco servidores operavam em companhia de Narcisa, preparando roupa adequada e apetrechos de enfermagem, eu e Tobias movíamos pesado material no Pavilhão 7 e na Câmara 33.

Não poderia explicar o que se passava comigo.
Apesar da fadiga dos braços, experimentava júbilo inexcedível no coração.

Na oficina, onde a maioria procura o trabalho, entendendo-lhe o sublime valor, servir constitui alegria suprema.

Não pensava, francamente, na compensação dos bónus-hora, nas recompensas imediatas que me pudessem advir do esforço;
contudo, minha satisfação era profunda, reconhecendo que poderia comparecer feliz e honrado, perante minha mãe e os benfeitores que havia encontrado no Ministério do Auxílio.

Ao despedir-se, Tobias voltou a abraçar-me e falou:
- Desejo a vocês muita paz de Jesus, boa noite e serviço útil.
Amanhã, às oito horas, você poderá descansar.
O máximo de trabalho, cada dia, é de doze horas, mas estamos em circunstâncias especiais.

Respondi que as determinações me enchiam de sincero contentamento.
A sós com o grande número de enfermeiros, passei a interessar-me pelos doentes, com mais carinho.
Dentre as figuras de auxiliares presentes, impressionou-me a bondade espontânea de Narcisa, que atendia a todos, maternalmente.

Atraído pela sua generosidade, busquei aproximar-me com interesse.
Não foi difícil alcançar o prazer de sua conversação carinhosa e simples.
A velhinha amável semelhava-se a um livro sublime de bondade e sabedoria.

- Mas, a irmã aqui trabalha há muito? - perguntei, a certa altura da palestra amistosa.
- Sim, permaneço nas Câmaras de Rectificação, em serviço activo, há seis anos e alguns meses;
entretanto, ainda me faltam mais de três anos para realizar meus desejos.

Ante a silenciosa indagação do meu olhar, falou Narcisa amavelmente:
- Preciso um endosso muito sério.
- Que quer dizer com isso? - perguntei interessado.

- Preciso encontrar alguns espíritos amados, na Terra, para serviços de elevação em conjunto.
Por muito tempo, em razão de meus desvios passados, roguei, em vão, a possibilidade necessária aos meus fins.

Vivia perturbada, aflita.
Aconselharam-me, porém, recorrer a Ministra Veneranda, e nossa benfeitora da Regeneração prometeu que endossaria meus propósitos no Ministério do Auxílio, mas exigiu dez anos consecutivos de trabalho aqui, para que eu possa corrigir certos desequilíbrios do sentimento.

No primeiro instante, quis recusar, considerando demasiada a exigência; depois, reconheci que ela estava com a razão.
Afinal, o conselho não visava a interesses dela e sim ao meu próprio benefício.
E ganhei muito, aceitando-lhe o parecer.

Sinto-me mais equilibrada e mais humana e, creio, viverei com dignidade espiritual minha futura experiência na Terra.

Ia manifestar profunda admiração, mas um dos enfermos próximos gritou:
- Narcisa! Narcisa!

Não me cabia reter, por mera curiosidade pessoal, aquela irmã dedicada, transformada em mãe espiritual dos sofredores.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 12:05 am

29 - A VISÃO DE FRANCISCO

Enquanto Narcisa consolava o doente aflito, fui informado de que me chamavam ao aparelho de comunicações urbanas.

Era a senhora Laura que pedia notícias.
De facto, esquecera-me de avisá-la sobre as deliberações de serviço nocturno.
Pedi desculpas à minha benfeitora e forneci rápido relatório verbal da nova situação.

Através do fio, a progenitora de Lísias parecia exultar, compartilhando meu justo contentamento.

Ao termo de nossa ligeira conversa, disse, bondosa:
- Muito bem, meu filho! apaixone-se pelo seu trabalho, embriague-se de serviço útil.
Somente assim, atenderemos à nossa edificação eterna.

Lembre, porém, que esta casa também lhe pertence.
Aquelas palavras encheram-me de nobres estímulos.

Regressando ao contacto directo com os enfermos, notei Narcisa a lutar heroicamente por acalmar um rapaz que revelava singulares distúrbios.

Procurei ajudá-la.
O pobrezinho, de olhos perdidos no espaço, gritava, espantadiço:
- Acuda-me, por amor de Deus! Tenho medo, medo!...

E, olhar esgazeado dos que experimentam profundas sensações de pavor, acentuava:
- Irmã Narcisa, lá vem "ele"!, o monstro! Sinto os vermes novamente!
"Ele"! "Ele"!. . . Livre-me "dele" irmã! Não quero, não quero!...

- Calma, Francisco - pedia a companheira dos infortunados -, você vai libertar-se, ganhar muita serenidade e alegria, mas depende do seu esforço.

Faça de conta que a sua mente é uma esponja embebida em vinagre.
É necessário expelir a substância azeda.
Ajudá-lo-ei a fazê-lo, mas o trabalho mais intenso cabe a você mesmo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 12:05 am

O doente mostrava boa-vontade, acalmava-se enquanto ouvia os conceitos carinhosos, mas volvia à mesma palidez de antes, prorrompendo em novas exclamações.
- Mas, irmã, repare bem... "ele" não me deixa. Já voltou a atormentar-me!
Veja, veja!...

- Estou vendo-o, Francisco - respondia ela, cordata -, mas é indispensável que você me ajude a expulsá-lo.
- Este fantasma diabólico!... - acrescentava a chorar como criança, provocando compaixão.
- Confie em Jesus e esqueça o monstro - dizia a irmã dos infelizes, piedosamente -, vamos ao passe.

O fantasma fugirá de nós.
E aplicou-lhe fluidos salutares e reconfortadores, que Francisco agradeceu, manifestando imensa alegria no olhar.
- Agora - disse ele, finda a operação magnética -, estou mais tranquilo.

Narcisa ajeitou-lhe os travesseiros, mandou que uma serva lhe trouxesse água magnetizada.
Aquela exemplificação da enfermeira edificava-me.
O bem, como o mal, em toda parte estabelece misterioso contágio.

Observando-me o sincero desejo de aprender, Narcisa aproximou-se mais, mostrando-se disposta a iniciar-me nos sublimes segredos do serviço.

- A quem se refere o doente? - indaguei, impressionado.
Está, porventura, assediado por alguma sombra invisível ao meu olhar?

A velha servidora das Câmaras de Rectificação sorriu carinhosamente e falou:
- Trata-se do seu próprio cadáver.
- Que me diz? - tornei, espantado.

- O pobrezinho era excessivamente apegado ao corpo físico e veio para a esfera espiritual após um desastre, oriundo de pura imprudência.

Esteve, durante muitos dias, ao lado dos despojos, em pleno sepulcro, sem se conformar com situação diversa.


Queria firmemente levantar o corpo hirto, tal o império da ilusão em que vivera e, nesse triste esforço, gastou muito tempo.
Amedrontava-se com a ideia de enfrentar o desconhecido e não conseguia acumular nem mesmo alguns átomos de desapego às sensações físicas.

Não valeram socorros das esferas mais altas, porque fechava a zona mental a todo pensamento relativo à vida eterna.

Por fim, os vermes fizeram-lhe experimentar tamanhos padecimentos que o pobre se afastou do túmulo, tomado de horror.

Começou, então, a peregrinar nas zonas inferiores do Umbral;
no entanto, os que lhe foram pais na Terra possuem aqui grandes créditos espirituais e rogaram sua internação na colónia.

Trouxeram-no os Samaritanos, quase à força.
Seu estado, contudo, é ainda tão grave que não poderá ausentar-se, tão cedo, das Câmaras de Rectificação.
O amigo, que lhe foi progenitor na carne, está presentemente em arriscada missão, distante de "Nosso Lar".
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 12:05 am

- E vem visitar o doente? - perguntei.
- Já veio duas vezes e experimentei grande comoção, observando-lhe o sofrimento, discreto.
Tamanha é a perturbação do rapaz, que não reconheceu o pai generoso e dedicado.
Gritava, aflito, mostrando a demência dolorosa.

O progenitor, que veio vê-lo em companhia do Ministro Pádua, do Ministério da Comunicação, pareceu muito superior à condição humana, enquanto se encontrava com o nobre amigo que obtivera hospitalidade para o filho infeliz.

Demoraram-se bastante, comentando a situação espiritual dos recém-chegados dos círculos carnais.

Mas, quando o Ministro Pádua se retirou, compelido por circunstâncias de serviço, o pai do rapaz me pediu lhe perdoasse o gesto humano e ajoelhou-se diante do enfermo.

Tomou-lhe as mãos, ansioso, como se estivesse a transmitir vigorosos fluidos vitais, e beijou-lhe a face, chorando copiosamente.

Não pude conter as lágrimas e retirei-me, deixando-os a sós Não sei o que se passou, em seguida, entre ambos;
mas notei que Francisco, desde esse dia, melhorou bastante.

A demência total reduziu-se a crises que são, agora, cada vez mais espaçadas.
- Como tudo isso comove! - exclamei sob forte impressão.
Entretanto, como pode a imagem do cadáver persegui-lo?

- A visão de Francisco - esclareceu a velhinha, atenciosa -, é o pesadelo de muitos espíritos depois da morte carnal.

Apegam-se demasiadamente ao corpo, não enxergam outra coisa, nem vivem senão dele e para ele, votando-lhe verdadeiro culto, e, vindo o sopro renovador, não o abandonam.

Repelem quaisquer ideias de espiritualidade e lutam desesperadamente pelo conservar.
Surgem, no entanto, os vermes vorazes, e os expulsam.
A essa altura, horrorizam-se do corpo e adoptam nova atitude extremista.
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A visão do cadáver, porém, como forte criação mental deles mesmos, atormenta-os no imo da alma.
Sobrevêm perturbações e crises, mais ou menos longas, e muito sofrem até à eliminação integral do seu fantasma.

Notando-me a comoção, Narcisa acrescentou:
- Graças ao Pai, venho aproveitando bastante, nestes últimos anos de serviço.
Ah! como é profundo o sono espiritual da maioria de nossos irmãos na carne!

Isto, porém, deve preocupar-nos, mas não deve ferir-nos.
A crisálida cola-se à matéria inerte, mas a borboleta alçará o voo;
a semente é quase imperceptível e, no entanto, o carvalho será um gigante.

A flor morta volve à terra, mas o perfume vive no céu.
Todo embrião de vida parece dormir.
Não devemos esquecer estas lições.

E Narcisa calou-se, sem que me atrevesse a interromper-lhe o silêncio.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 12:05 am

30 - HERANÇA E EUTANÁSIA

Ainda não voltara a mim da profunda surpresa, quando Salústio se aproximou, informando a Narcisa:
- Nossa irmã Paulina deseja ver o pai enfermo, no Pavilhão 5.

Antes de atender, julguei razoável consultá-la, porque o doente continua em crise muito aguda.

Mostrando gestos de bondade que lhe eram característicos, Narcisa acentuou:
- Mande-a entrar sem demora.
Ela tem permissão da Ministra, visto estar consagrando o tempo disponível em tarefa de reconciliação dos familiares.

Enquanto o mensageiro se despedia, apressado, a enfermeira bondosa acrescentava, dirigindo-se a mim:
- Você verá que filha dedicada!

Não decorrera um minuto e Paulina estava diante de nós, esbelta e linda.
Trajava uma túnica muito leve, tecida em seda luminosa.
Angelical beleza caracterizava-lhe os traços fisionómicos, mas os olhos denunciavam extrema preocupação.

Narcisa apresentou-a delicadamente e, sentindo talvez que poderia confiar na minha presença, perguntou, algo inquieta:
- E papai, minha amiga?
- Um pouco melhor - esclareceu a enfermeira -, no entanto, ainda acusa desequilíbrios fortes.

- É lamentável - retrucou a jovem -, nem ele, nem os outros cedem no estado mental a que se recolheram.
Sempre o mesmo ódio e a mesma displicência.

Narcisa nos convidou a acompanhá-la, e, minutos após, tinha diante de mim um velho de fisionomia desagradável.
Olhar duro, cabeleira desgrenhada, rugas profundas, lábios retraídos, inspirava mais piedade que simpatia.

Procurei, contudo, vencer as vibrações inferiores que me dominaram, a fim de observar, acima do sofredor, o irmão espiritual.

Desapareceu a impressão de repugnância, aclarando-se-me os raciocínios.
Apliquei a lição a mim mesmo.
Como teria chegado, por minha vez, ao Ministério do Auxílio?

Deveria ser horrível meu semblante de desesperado.
Quando examinamos a desventura de alguém, lembrando as próprias deficiências, há sempre asilo para o amor fraterno, no coração.

O velho enfermo não teve uma palavra de ternura para a filha que o saudou carinhosa.
Através do olhar, que evidenciava aspereza e revolta, semelhava-se a uma fera humana enjaulada.

- Papai, o senhor sente-se melhor? - perguntou com extremo carinho filial.
- Ai!... Ai!... - gritou o doente em voz estentórica - não posso esquecer o infame, não posso descansar o pensamento...
Ainda o vejo a meu lado, ministrando-me o veneno mortal!...

- Não diga isso, papai - pediu a moça delicadamente -, lembre-se de que Edelberto entrou em nossa casa como filho, enviado por Deus.
- Meu filho?! - gritou o infeliz - nunca! nunca!...
É criminoso sem perdão, filho do inferno!...

Paulina falava, agora, com os olhos rasos d’água.
- Ouçamos, papai, a lição de Jesus, que recomenda nos amemos uns aos outros.
Atravessamos experiências consanguíneas, na Terra, para adquirir o verdadeiro amor espiritual.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 10:08 pm

Aliás, é indispensável reconhecer que só existe um Pai realmente eterno, que é Deus;
mas o Senhor da Vida nos permite a paternidade ou a maternidade no mundo, a fim de aprendermos a fraternidade sem mácula.

Nossos lares terrestres são cadinhos de purificação dos sentimentos ou templos de união sublime, a caminho da solidariedade universal.

Muito lutamos e padecemos, até adquirir o verdadeiro título de irmão.
Somos todos uma só família, na Criação, sob a bênção providencial de um Pai único.

Ouvindo-lhe a voz muito meiga, o doente se pôs a chorar convulsivamente.
- Perdoe Edelberto, papai!
Procure sentir nele, não o filho leviano, mas o irmão necessitado de esclarecimento.

Estive em nossa casa, ainda hoje, lá observando extremas perturbações.
Daqui, deste leito, o senhor envolve todos os nossos em fluidos de amargura e incompreensão, e eles lhe fazem o mesmo por idêntico modo.

O pensamento, em vibrações subtis, alcança o alvo, por mais distante que esteja.
A permuta de ódio e desentendimento causa ruína e sofrimento nas almas.
Mamãe recolheu-se, faz alguns dias, ao hospício, ralada de angústia.

Amália e Cacilda entraram em luta judicial com Edelberto e Agenor, em virtude dos grandes patrimónios materiais que o senhor ajuntou nas esferas da carne.

Um quadro terrível, cujas sombras poderiam diminuir, se sua mente vigorosa não estivesse mergulhada em propósitos de vingança.

Aqui, vemo-lo em estado grave;
na Terra, mamãe louca e os filhos perturbados, odiando-se entre si.

Em meio de tantas mentes desequilibradas, uma fortuna de um milhão e quinhentos mil cruzeiros.
E que vale isso, se não há um átomo de felicidade para ninguém?

- Mas eu leguei enorme património à família - atalhou o infeliz, rancorosamente -, desejando o bem-estar de todos...

Paulina não o deixou terminar, retomando a palavra:
- Nem sempre sabemos interpretar o que seja benefício, no capítulo da riqueza transitória.

Se o senhor assegurasse o futuro dos nossos, garantindo-lhes a tranquilidade moral e o trabalho honesto, seu esforço seria de valiosa previdência;
mas, às vezes, papai, costumamos amealhar o dinheiro por espírito de vaidade e ambição.

Querendo viver acima dos outros, não nos lembramos disso, senão nas expressões externas da vida.
São raros os que se preocupam em ajuntar conhecimentos nobres, qualidades de tolerância, luzes de humildade, bênçãos de compreensão.

Impomos a outrem os nossos caprichos, afastamo-nos dos serviços do Pai, esquecemos a lapidação do nosso espírito.
Ninguém nasce no planeta simplesmente para acumular moedas nos cofres ou valores nos bancos.

É natural que a vida humana peça o concurso da previdência, e é justo que não prescinda da contribuição de mordomos fiéis, que saibam administrar com sabedoria;
mas ninguém será mordomo do Pai com avareza e propósitos de dominação.

Tal género de vida arruinou nossa casa.
Debalde, noutro tempo, busquei levar socorro espiritual ao ambiente doméstico.

Enquanto o senhor e mamãe se sacrificavam por aumentar haveres, Amália e Cacilda esqueceram o serviço útil e, como preguiçosas da banalidade social, encontraram ociosos que as desposaram, visando a vantagens financeiras.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 10:08 pm

Agenor repudiou o estudo sério, entregando-se a más companhias.

Edelberto conquistou o título de médico, alheando-se por completo da Medicina e exercendo-a tão-somente de longe em longe à maneira do trabalhador que visita o serviço por curiosidade.

Todos arruinaram belas possibilidades espirituais, distraídos pelo dinheiro fácil e apegados à ideia de herança.

O enfermo tomou uma expressão de pavor e acrescentou:
- Maldito Edelberto! Filho criminoso e ingrato!
Matou-me sem piedade, quando ainda necessitava regularizar minhas disposições testamentárias!
Malvado!... Malvado!...

- Cale-se, papai! Tenha compaixão de seu filho, perdoe e esqueça!...

O velho, porém, continuou a praguejar em voz alta.
A jovem preparava-se para discutir, mas Narcisa endereçou-lhe significativo olhar, chamando Salústio para socorrer o doente em crise.

Calou-se Paulina, acariciando a fronte paterna e contendo, a custo, as lágrimas.
Daí a instante, retirava-me em companhia de ambas, sob forte impressão.

As duas amigas trocaram confidências, ainda por alguns minutos, despedindo-se Paulina a evidenciar muita generosidade nas frases gentis, mas muita tristeza no olhar afogado em justa preocupação.

Voltando à intimidade, Narcisa disse, bondosa:
- Os casos de herança, em regra, são extremamente complicados.
Com raras excepções, acarretam enorme peso a legadores e legatários.

Neste caso, porém, vemos não só isso, mas também a eutanásia.
A ambição do dinheiro criou, em toda a família de Paulina, esquisitices e desavenças.
Pais avarentos possuem filhos esbanjadores.

Fui a casa de nossa amiga, quando o irmão, o Edelberto, médico de aparência distinta, empregou, no progenitor quase moribundo, a chamada "morte suave".

Esforçamo-nos por o evitar, mas foi tudo em vão.
O pobre rapaz desejava, de facto, apressar o desenlace, por questões de ordem financeira, e aí temos agora a imprevidência e o resultado - o ódio e a moléstia.

E com expressivo gesto, Narcisa rematou:
- Deus criou seres e céus, mas nós costumamos transformar-nos em espíritos diabólicos, criando nossos infernos individuais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 10:08 pm

31 - VAMPIRO

Eram vinte e uma horas.

Ainda não havíamos descansado, senão em momentos de palestra rápida, necessária à solução de problemas espirituais.

Aqui, um doente pedia alívio; ali, outro necessitava passes de reconforto.
Quando fomos atender a dois enfermos, no Pavilhão 11, escutei gritaria próxima.

Fiz instintivo movimento de aproximação, mas Narcisa deteve-me, atenciosa:
- Não prossiga - disse -; localizam-se ali os desequilibrados do sexo.

O quadro seria extremamente doloroso para seus olhos.
Guarde essa emoção para mais tarde.
Não insisti. Entretanto, fervilhavam-me no cérebro mil interrogações.

Abrira-se um mundo novo à minha pesquisa intelectual.
Era indispensável recordar o conselho da progenitora de Lísias, a cada momento, para não me desviar da obrigação justa.

Logo após às vinte e uma horas, chegou alguém dos fundos do enorme parque.
Era um homenzinho de semblante singular, evidenciando a condição de trabalhador humilde.

Narcisa recebeu-o com gentileza, perguntando:
- Que há, Justino? Qual é a sua mensagem?

O operário, que integrava o corpo de sentinelas das Câmaras de Rectificação, respondeu, aflito:
- Venho participar que uma infeliz mulher está pedindo socorro, no grande portão que dá para os campos de cultura.
Creio tenha passado despercebida aos vigilantes das primeiras linhas.
- E por que não a atendeu? - interrogou a enfermeira.

O servidor fez um gesto de escrúpulo e explicou:
- Segundo as ordens que nos regem, não pude fazê-lo, porque a pobrezinha está rodeada de pontos negros.
- Que me diz? - revidou Narcisa, assustada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 10:09 pm

- Sim, senhora.
- Então, o caso é muito grave.

Curioso, segui a enfermeira, através do campo enluarado.
A distância não era pequena.
Lado a lado, via-se o arvoredo tranquilo do parque muito extenso, agitado pelo vento caricioso.

Havíamos percorrido mais de um quilómetro, quando atingimos a grande cancela a que se referira o trabalhador.

Deparou-se-nos, então, a miserável figura da mulher que implorava socorro do outro lado.

Nada vi, senão o vulto da infeliz, coberta de andrajos, rosto horrendo e pernas em chaga viva;
mas Narcisa parecia divisar outros detalhes, imperceptíveis ao meu olhar, dado o assombro que estampou na fisionomia, ordinariamente calma.

- Filhos de Deus - bradou a mendiga ao avistar-nos -, dai-me abrigo à alma cansada!
Onde está o paraíso dos eleitos, para que eu possa fruir a paz desejada.

Aquela voz lamuriosa sensibilizava-me o coração.
Narcisa, por sua vez, mostrava-se comovida, mas falou em tom confidencial:
- Não está vendo os pontos negros?
- Não - respondi.
- Sua visão espiritual ainda não está suficientemente educada.

E, depois de ligeira pausa, continuou:
- Se estivesse em minhas mãos, abriria imediatamente a nossa porta;
mas, quando se trata de criaturas nestas condições, nada posso resolver por mim mesma.
Preciso recorrer ao Vigilante-Chefe, em serviço.

Assim dizendo, aproximou-se da infeliz e informou, em tom fraterno:
- Faça o obséquio de esperar alguns minutos.
Voltamos apressadamente ao interior.
Pela primeira vez, entrei em contacto com o director das sentinelas das Câmaras de Rectificação.

Narcisa apresentou-me e notificou-lhe a ocorrência.
Ele esboçou um gesto significativo e ajuntou:
- Fez muito bem, comunicando-me o facto. Vamos até lá.

Dirigimo-nos os três para o local indicado.
Chegados à cancela, o Irmão Paulo, orientador dos vigilantes, examinou atentamente a recém-chegada do Umbral, e disse:
- Está mulher, por enquanto, não pode receber nosso socorro.

Trata-se de um dos mais fortes vampiros que tenho visto até hoje.
É preciso entregá-la à própria sorte.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 10:09 pm

Senti-me escandalizado.
Não seria faltar aos deveres cristãos abandonar aquela sofredora ao azar do caminho?

Narcisa, que me pareceu compartilhar da mesma impressão, adiantou-se suplicante:
- Mas, Irmão Paulo, não há um meio de acolhermos essa miserável criatura nas Câmaras?
- Permitir essa providência - esclareceu ele -, seria trair minha função de vigilante.

E indicando a mendiga que esperava a decisão, a gritar impaciente, exclamou para a enfermeira:
- Já notou, Narcisa, alguma coisa além dos pontos negros?
Agora, era minha instrutora de serviço que respondia negativamente.
- Pois vejo mais - respondeu o Vigilante-Chefe.

Baixando o tom de voz, recomendou:
- Conte as manchas pretas.
Narcisa fixou o olhar na infeliz e respondeu, após alguns instantes:
- Cinquenta e oito.

O Irmão Paulo, com a paciência dos que sabem esclarecer com amor, explicou:
- Esses pontos escuros representam cinquenta e oito crianças assassinadas ao nascerem.

Em cada mancha vejo a imagem mental de uma criancinha aniquilada, umas por golpes esmagadores, outras por asfixia.

Essa desventurada criatura foi profissional de ginecologia.
A pretexto de aliviar consciências alheias, entregava-se a crimes nefandos, explorando a infelicidade de jovens inexperientes.

A situação dela é pior que a dos suicidas e homicidas, que, por vezes, apresentam atenuantes de vulto.

Recordei, assombrado, os processos da medicina, em que muitas vezes enxergara, de perto, a necessidade da eliminação de nascituros para salvar o organismo materno, nas ocasiões perigosas;
mas, lendo-me o pensamento, o Irmão Paulo acrescentou:
- Não falo aqui de providências legítimas, que constituem aspectos das provações redentoras, refiro-me ao crime de assassinar os que começam a trajectória na experiência terrestre, com o direito sublime da vida.

Demonstrando a sensibilidade das almas nobres, Narcisa rogou:
- Irmão Paulo, também eu já errei muito no passado.
Atendamos a esta desventurada.
Se me permite, eu lhe dispensarei cuidados especiais.

- Reconheço, minha amiga - respondeu o director da vigilância, impressionando pela sinceridade -, que todos somos espíritos endividados;
entretanto, temos a nosso favor o reconhecimento das próprias fraquezas e a boa-vontade de resgatar nossos débitos;
mas esta criatura, por agora, nada deseja senão perturbar quem trabalha.

Os que trazem os sentimentos calejados na hipocrisia emitem forças destrutivas.
Para que nos serve aqui um serviço de vigilância?
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Série André Luiz - Nosso Lar - Página 4 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 10:09 pm

E, sorrindo expressivamente, exclamou:
- Busquemos a prova.
O Vigilante-Chefe aproximou-se, então, da pedinte e perguntou:
- Que deseja a irmã, do nosso concurso fraterno?
- Socorro! socorro! socorro!... - respondeu lacrimosa.

- Mas, minha amiga - ponderou acertadamente -, é preciso sabermos aceitar o sofrimento rectificador.
Por que razão tantas vezes cortou a vida a entezinhos frágeis, que iam à luta com a permissão de Deus?

Ouvindo-o, inquieta, ela exibiu terrível carantonha de ódio e bradou:
- Quem me atribui essa infâmia?
Minha consciência está tranquila, canalha!...
Empreguei a existência auxiliando a maternidade na Terra.
Fui caridosa e crente, boa e pura...

- Não é isso que se observa na fotografia viva dos seus pensamentos e actos.
Creio que a irmã ainda não recebeu, nem mesmo o benefício do remorso.
Quando abrir sua alma às bênçãos de Deus, reconhecendo as necessidades próprias, então, volte até aqui.

Irada, respondeu a interlocutora:
- Demónio! Feiticeiro! Sequaz de Satã!... Não voltarei jamais!...
Estou esperando o céu que me prometeram e que espero encontrar.

Assumindo atitude ainda mais firme, falou o Vigilante-Chefe com autoridade:
- Faça, então, o favor de retirar-se. Não temos aqui o céu que deseja.
Estamos numa casa de trabalho, onde os doentes reconhecem o seu mal e tentam curar-se, junto de servidores de boa-vontade.

A mendiga objectou atrevidamente:
- Não lhe pedi remédio, nem serviço.
Estou procurando o paraíso que fiz por merecer, praticando boas obras.

E, endereçando-nos dardejante olhar de extrema cólera, perdeu o aspecto de enferma ambulante, retirando-se a passo firme, como quem permanece absolutamente senhor de si.

Acompanhou-a o Irmão Paulo com o olhar, durante longos minutos, e, voltando-se para nós, acrescentou:
- Observaram o Vampiro?
Exibe a condição de criminosa e declara-se inocente;
é profundamente má e afirma-se boa e pura;
sofre desesperadamente e alega tranquilidade;
criou um inferno para si própria e assevera que está procurando o céu.


Ante o silêncio com que lhe ouvíamos a lição, o Vigilante-Chefe rematou:
- É imprescindível tomar cuidado com as boas ou más aparências.

Naturalmente, a infeliz será atendida alhures pela Bondade Divina, mas, por princípio de caridade legítima, na posição em que me encontro, não lhe poderia abrir nossas portas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 10:09 pm

32 - NOTÍCIAS DE VENERANDA

Agora, que penetrara o parque banhado de luz, experimentava singular fascinação.

Aquelas árvores acolhedoras, aquelas virentes sementeiras reclamavam-me a todo momento.
De maneira indirecta, provocava explicações de Narcisa, enunciando perguntas veladas.

- No grande parque - dizia ela - não há somente caminhos para o Umbral ou apenas cultura de vegetação destinada aos sucos alimentícios.
A Ministra Veneranda criou planos excelentes para os nossos processos educativos.

E observando-me a curiosidade sadia, continuou esclarecendo:
- Trata-se dos "salões verdes" para serviço de educação.

Entre as grandes fileiras das árvores, há recintos de maravilhosos contornos para as conferências dos Ministros da Regeneração;
outros para Ministros visitantes e estudiosos em geral, reservando-se, porém, um de assinalada beleza, para as conversações do Governador, quando ele se digna de vir até nós.

Periodicamente, as árvores erectas se cobrem de flores, dando ideia de pequenas torres coloridas, cheias de encantos naturais.

Temos, assim, no firmamento, o teto acolhedor, com as bênçãos do Sol ou das estrelas distantes.

- Devem ser prodigiosos esses palácios da natureza - acrescentei.
- Sem dúvida - prosseguiu a enfermeira, entusiasticamente -, o projecto da Ministra despertou, segundo me informaram, aplausos francos em toda a colónia.
Soube que tal se dera, havia precisamente quarenta anos.

Iniciou-se, então, a campanha do "salão natural".
Todos os Ministérios pediram cooperação, inclusive o da União Divina, que solicitou o concurso de Veneranda na organização de recintos dessa ordem, no Bosque das Águas.

Surgiram deliciosos recantos em toda parte.
Os mais interessantes, todavia, a meu ver, são os que se instituíram nas escolas.
Variam nas formas e dimensões.

Nos parques de educação do Esclarecimento, instalou a Ministra um verdadeiro castelo de vegetação, em forma de estrela, dentro do qual se abrigam cinco numerosas classes de aprendizados e cinco instrutores diferentes.

No centro, funciona enorme aparelho destinado a demonstrações pela imagem, à maneira do cinematógrafo terrestre, com o qual é possível levar a efeito cinco projecções variadas, simultaneamente.

Essa iniciativa melhorou consideravelmente a cidade, unindo no mesmo esforço o serviço proveitoso à utilidade prática e à beleza espiritual.

Valendo-me da pausa natural, interpelei:
- E o mobiliário dos salões? Tal como dos grandes recintos terrenos?

Narcisa sorriu e acentuou:
- Há diferença. A Ministra ideou os quadros evangélicos do tempo que assinalou a passagem do Cristo pelo mundo, e sugeriu recursos da própria natureza.

Cada "salão natural" tem bancos e poltronas esculturados na substância do solo, forrados de relva olente e macia.
Isso imprime formosura e disposições características.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 10:10 pm

Disse a organizadora que seria justo lembrar as preleções do Mestre, em plena praia, quando de suas divinas excursões junto ao Tiberíades, e dessa recordação surgiu o empreendimento do "mobiliário natural".

A conservação exige cuidados permanentes, mas a beleza dos quadros representa vasta compensação.

A essa altura, interrompeu-se a bondosa enfermeira, mas, identificando-me o interesse silencioso, prosseguiu:
- O mais belo recinto do nosso Ministério é o destinado às palestras do Governador.

A Ministra Veneranda descobriu que ele sempre estimou as paisagens de gosto helénico, mais antigo, e decorou o salão a traços especiais, formados em pequenos canais de água fresca, pontes graciosas, lagos minúsculos, palanquins de arvoredo e frondejante vegetação.

Cada mês do ano mostra cores diferentes, em razão das flores que se vão modificando em espécie, de trinta a trinta dias.

A Ministra reserva o mais lindo aspecto para o mês de dezembro, em comemoração ao Natal de Jesus, quando a cidade recebe os mais formosos pensamentos e as mais vigorosas promessas dos nossos companheiros encarnados na Terra e envia, por sua vez, ardentes afirmações de esperança e serviço às esferas superiores, em homenagem ao Mestre dos mestres.

Esse salão é nota de júbilo para os nossos Ministérios. Talvez já saiba que o Governador aqui vem, quase que semanalmente, aos domingos.

Ali permanece longas horas, conferenciando com os Ministros da Regeneração, conversando com os trabalhadores, oferecendo sugestões valiosas, examinando nossas vizinhanças com o Umbral, recebendo nossos votos e visitas, e confortando enfermos convalescentes.

À noitinha, quando pode demorar-se, ouve música e assiste a números de arte, executados por jovens e crianças dos nossos educandários.

A maioria dos forasteiros, que se hospedam em "Nosso Lar", costuma vir até aqui só no propósito de conhecer esse "palácio natural", que acomoda confortavelmente mais de trinta mil pessoas.

Ouvindo os interessantes informes, eu experimentava um misto de alegria e curiosidade.
- O salão da Ministra Veneranda - continuou Narcisa, animadamente - é também esplêndido recinto, cuja conservação nos merece especial carinho.

Todo o nosso préstimo será pouco para retribuir as dedicações dessa abnegada serva de Nosso Senhor.
Grande número de benefícios, neste Ministério, foram por ela criados para atender aos mais infelizes.

Sua tradição de trabalho, em "Nosso Lar", é considerada pela Governadoria como das mais dignas.
É a entidade com maior número de horas de serviço na colónia e a figura mais antiga do Governo e do Ministério, em geral.

Permanece em tarefa activa, nesta cidade, há mais de duzentos anos.
Impressionado com as informações, adiantei:
- Como deve ser respeitável essa benfeitora!...
- Você diz muito bem - atalhou Narcisa, com reverência -, é criatura das mais elevadas de nossa colónia espiritual.

Os onze Ministros, que com ela actuam na Regeneração, ouvem-na antes de tomar qualquer providência de vulto.
Em numerosos processos, a Governadoria se socorre dos seus pareceres.

Com excepção do Governador, a Ministra Veneranda é a única entidade, em "Nosso Lar", que já viu Jesus nas Esferas Resplandecentes, mas nunca comentou esse facto de sua vida espiritual e esquiva-se à menor informação a tal respeito.

Além disso, há outra nota interessante, relativamente a ela.
Um dia, há quatro anos, "Nosso Lar" amanheceu em festa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 10:11 pm

As Fraternidades da Luz, que regem os destinos cristãos da América, homenagearam Veneranda conferindo-lhe a medalha do Mérito de Serviço, a primeira entidade da colónia que conseguiu, até hoje, semelhante triunfo, apresentando um milhão de horas de trabalho útil, sem interromper, sem reclamar e sem esmorecer.

Generosa comissão veio trazer a honrosa mercê, mas em meio do júbilo geral, reunidos a Governadoria, os Ministérios e a multidão, na praça maior, a Ministra Veneranda apenas chorou em silêncio.

Entregou, em seguida, o troféu aos arquivos da cidade, afirmando que não o merecia e transmitindo-o à personalidade colectiva da colónia, apesar dos protestos do Governador.

Desistiu de todas as homenagens festivas com que se pretendia comemorar, mais tarde, o acontecimento, jamais comentando a honrosa conquista.

- Extraordinária mulher! - disse eu - por que não se encaminharia a esferas mais altas?
Narcisa baixou o tom de voz e declarou:
- Intimamente, ela vive em zonas muito superiores à nossa e permanece em "Nosso Lar" por espírito de amor e sacrifício.

Soube que essa benfeitora sublime vem trabalhando, há mais de mil anos, pelo grupo de corações bem-amados que demoram na Terra, e espera com paciência.

- Como poderei conhecê-la? - perguntei, impressionado.

Narcisa, que parecia alegrar-se com o meu interesse, explicou, satisfeita:
- Amanhã, à tardinha, após as preces, a Ministra virá ao salão, a fim de esclarecer alguns aprendizes sobre o pensamento.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 10:11 pm

33 - CURIOSAS OBSERVAÇÕES

Poucos minutos antes de meia-noite, Narcisa permitiu minha ida ao grande portão das Câmaras.

Os Samaritanos deviam estar nas vizinhanças.
Era imprescindível observar-lhes a volta, para tomar providências.
Com que emoção tornei ao caminho cercado de árvores frondosas e acolhedoras!

Aqui, troncos que recordavam o carvalho vetusto da Terra;
além, folhas caprichosas lembrando a acácia e o pinheiro.

Aquele ar embalsamado figurava-se-me uma bênção.
Nas Câmaras, apesar das janelas amplas, não experimentara tamanha impressão de bem-estar.

Assim caminhava, silencioso, sob as frondes carinhosas.
Ventos frescos agitavam-nas de manso, envolvendo-me em sensações de repouso.

Sentindo-me só, ponderei os acontecimentos que me sobrevieram, desde o primeiro encontro com o Ministro Clarêncio.

Onde estaria a paragem de sonho?
Na Terra, ou naquela colónia espiritual?
Que teria sucedido a Zélia e aos filhinhos?


Por que razão me prestavam ali tão grande esclarecimentos sobre as mais variadas questões da vida, omitindo, contudo, qualquer notícia pertinente ao meu antigo lar?

Minha própria mãe me aconselhara o silêncio, abstendo-se de qualquer informação directa.

Tudo indicava a necessidade de esquecer os problemas carnais, no sentido de renovar-me intrinsecamente, e, no entanto, penetrando os recessos do ser, encontrava a saudade viva dos meus.

Desejava ardentemente rever a esposa muito amada, receber de novo o beijo dos filhinhos...

Por que decisões do destino estávamos agora separados, como se eu fosse um náufrago em praia desconhecida?

Simultaneamente, ideias generosas confortavam-me o íntimo.
Não era eu o náufrago abandonado.
Se minha experiência podia classificar-se como naufrágio, não devia o desastre senão a mim mesmo.

Agora que observava em "Nosso Lar" vibrações novas de trabalho intenso e construtivo, admirava-me de haver perdido tanto tempo no mundo em frioleiras de toda sorte.

Em verdade, muito amara a companheira de lutas e, sem dúvida, dispensara aos filhinhos ternuras incessantes;
mas, examinando desapaixonadamente minha situação de esposo e pai, reconhecia que nada criara de sólido e útil no espírito dos meus familiares.

Tarde verificava esse descuido.
Quem atravessa um campo sem organizar sementeira necessária ao pão e sem proteger a fonte que sacia a sede, não pode voltar com a intenção de abastecer-se.

Tais pensamentos instalavam-se-me no cérebro com veemência irritante.
Ao deixar os círculos carnais, encontrara as penúrias da incompreensão.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2011 10:58 pm

E que teria sucedido à esposa e aos filhinhos, deslocados da estabilidade doméstica para as sombras da viuvez e da orfandade?

Inútil interrogação.
O vento calmo parecia sussurrar concepções grandiosas, como que desejoso de me espertar a mente para estados mais altos.

Torturavam-me as inquirições internas, mas, prendendo-me então aos imperativos do dever justo, aproximei-me da grande cancela, investigando além, através dos campos de cultura.

Tudo luar e serenidade, céu sublime e beleza silenciosa!
Extasiando-me na contemplação do quadro, demorei alguns minutos entre a admiração e a prece.

Instantes depois, divisei ao longe dois vultos enormes que me impressionaram vivamente.
Pareciam dois homens de substância indefinível, semi-luminosa.

Dos pés e dos braços pendiam filamentos estranhos, e da cabeça como que se escapava um longo fio de singulares proporções.
Tive a impressão de identificar dois autênticos fantasmas.

Não suportei.
Cabelos eriçados, voltei apressadamente ao interior.
Inquieto e amedrontado, expus a Narcisa a ocorrência, notando que ela mal continha o riso.

- Ora essa, meu amigo - disse, por fim, mostrando bom humor -, não reconheceu aquelas personagens?

Fundamente desapontado, nada consegui responder, mas Narcisa continuou:
- Também eu, por minha vez, experimentei a mesma surpresa, em outros tempos.
Aqueles são os nossos próprios irmãos da Terra.

Trata-se de poderosos espíritos que vivem na carne em missão redentora e podem, como nobres iniciados da Eterna Sabedoria, abandonar o veículo corpóreo, transitando livremente em nossos planos.

Os filamentos e fios que observou são singularidades que os diferenciam de nós outros.

Não se arreceie, portanto. Os encarnados, que conseguem atingir estas paragens, são criaturas extraordinariamente espiritualizadas, apesar de obscuras ou humildes na Terra.

E, encorajando-me bondosamente, acentuou:
- Vamos até lá. Temos quarenta minutos depois de meia-noite.
Os Samaritanos não podem tardar.
Satisfeito, voltei com ela ao grande portão.

Lobrigava-se, ainda, a enorme distância, os dois vultos que se afastavam de "Nosso Lar", tranquilamente.

A enfermeira contemplou-os, fez um gesto expressivo de reverência e exclamou:
- Estão envolvidos em claridade azul.
Devem ser dois mensageiros muito elevados na esfera carnal, em tarefa que não podemos conhecer.

Ali estivemos, minutos longos, parados na contemplação dos campos silenciosos.
Em dado momento, porém, a bondosa amiga indicou um ponto escuro no horizonte enluarado, e observou:
- Lá vêm eles!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2011 10:59 pm

Identifiquei a caravana que avançava em nossa direcção, sob a claridade branda do céu.

De repente, ouvi o ladrar de cães, a grande distância.
- Que é isso? - interroguei, assombrado.
- Os cães - disse Narcisa - são auxiliares preciosos nas regiões obscuras do Umbral, onde não estacionam somente os homens desencarnados, mas também verdadeiros monstros, que não cabe agora descrever.

A enfermeira, em voz activa, chamou os servos distantes, enviando um deles ao interior, transmitindo avisos.
Fixei atentamente o grupo estranho que se aproximava devagarinho.

Seis grandes carros, formato diligência, precedidos de matilhas de cães alegres e bulhentos, eram tirados por animais que, mesmo de longe, me pareceram iguais aos muares terrestres.

Mas a nota mais interessante era os grandes bandos de aves, de corpo volumoso, que voavam a curta distância, acima dos carros, produzindo ruídos singulares.

Dirigi-me, incontinenti, a Narcisa, perguntando:
- Onde o aeróbus? Não seria possível utilizá-lo no Umbral?
Dizendo-me que não, indaguei das razões.

Sempre atenciosa, a enfermeira explicou:
- Questão de densidade da matéria.
Pode você figurar um exemplo com a água e o ar.
O avião que fende a atmosfera do planeta não pode fazer o mesmo na massa equórea.

Poderíamos construir determinadas máquinas como o submarino;
mas, por espírito de compaixão pelos que sofrem, os núcleos espirituais superiores preferem aplicar aparelhos de transição.

Além disso, em muitos casos, não se pode prescindir da colaboração dos animais.
- Como assim? - perguntei, surpreso.

- Os cães facilitam o trabalho, os muares suportam cargas pacientemente e fornecem calor nas zonas onde se faça necessário;
e aquelas aves - acrescentou, indicando-as no espaço -, que denominamos íbis viajores, são excelentes auxiliares dos Samaritanos, por devorarem as formas mentais odiosas e perversas, entrando em luta franca com as trevas umbralinas.

Vinha, agora, mais próxima a caravana.
Narcisa fixou-me com bondosa atenção, rematando:
- Mas, no momento, o dever não comporta minudências informativas.

Poderá colher valiosas lições sobre os animais, não aqui, mas no Ministério do Esclarecimento, onde se localizam os parques de estudo e experimentação.

E distribuindo ordens de serviço, aqui e acolá, preparava-se para receber novos doentes do espírito.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2011 10:59 pm

34 - COM OS RECÉM-CHEGADOS DO UMBRAL

Estacaram as matilhas de cães ao nosso lado, conduzidas por trabalhadores de pulso firme.

Daí a minutos, estávamos todos enfrentando os enormes corredores de ingresso às Câmaras de Rectificação.

Servidores movimentavam-se apressados.
Alguns doentes eram levados ao interior, sob amparo forte.

Não somente Narcisa, Salústio e outros companheiros se lançavam à lide, cheios de amor fraternal, mas também os Samaritanos mobilizavam todas as energias no afã de socorrer.

Alguns enfermos portavam-se com humildade e resignação;
outros, todavia, reclamavam em altas vozes.

Atacando igualmente o serviço, notei que uma velhota procurava descer do último carro, com muita dificuldade.

Observando-me perto, exclamou, espantada:
- Tenha piedade, meu filho! Ajude-me por amor de Deus!...

Aproximei-me com interesse.
- Cruzes! Credo! - continuou benzendo-se - graças à Providência Divina, afastei-me do purgatório...
Ah! que malditos demónios lá me torturavam! Que inferno!
Mas os Anjos do Senhor sempre chegaram.

Ajudei-a a descer, tomado de extrema curiosidade.
Pela primeira vez, ouvia referências ao inferno e ao purgatório, partidas de uma boca que me parecia calma e ajuizada.

Talvez obedecendo mais à malícia que me era peculiar, interroguei:
- Vem, assim, de tão longe?

Falando desse modo, afectei ares de profundo interesse fraternal, como costumava fazer na Terra, olvidando por completo, naquele instante, as sábias recomendações da mãe de Lísias.

A pobre criatura, percebendo o meu interesse, começou a explicar-se:
- De grande distância.
Fui, na Terra, meu filho, mulher de muito bons costumes;
fiz muita caridade, rezei incessantemente como sincera devota.

Mas, quem pode com as artes de Satanás?
Ao sair do mundo, vi-me cercada de seres monstruosos, que me arrebataram em verdadeiro torvelinho.
A princípio implorei a protecção dos Arcanjos Celestes.

Os espíritos diabólicos, entretanto, conservaram-me enclausurada.
Mas eu não perdia a esperança de ser libertada, de um momento para outro, porque deixei uns dinheiros para celebração de missas mensais por meu descanso.

Atendendo ao impulso vicioso de perseguir assuntos que nada tinham que ver comigo, insisti:
- Como são interessantes as suas observações!
Mas não procurou saber as razões de sua demora naquelas paragens?

- Absolutamente não - respondeu, persignando-se.
Como lhe disse, enquanto estive na Terra, fiz o possível por ser uma boa religiosa.
Sabe o senhor que ninguém está livre de pecar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2011 10:59 pm

Meus escravos provocavam rixas e contendas, e embora a fortuna me proporcionasse vida calma, de quando em quando era necessário aplicar disciplinas.

Os leitores eram excessivamente escrupulosos e eu não podia hesitar nas ordens de cada dia.

Não raro algum negro morria no tronco para escarmento geral;
outras vezes, era obrigada a vender as mães cativas, separando-as dos filhos, por questões de harmonia doméstica.

Nessas ocasiões, sentia morder-me a consciência, mas confessava-me todos os meses, quando o padre Amâncio visitava a fazenda e, depois da comunhão, estava livre dessas faltas veniais, porque, recebendo a absolvição no confessionário e ingerindo a sagrada partícula, estava novamente em dia com todos os meus deveres para com o mundo e com Deus.

A essa altura, escandalizado com a exposição, comecei a doutrinar:
- Minha irmã, essa razão de paz espiritual era falsa.
Os escravos eram igualmente nossos irmãos.
Perante o Pai Eterno, os filhinhos dos servos são iguais aos dos senhores.

Ouvindo-me, ela bateu o pé autoritariamente e falou, irritada:
- Isso é que não! Escravo é escravo.
Se assim não fora, a religião nos ensinaria o contrário.

Pois se havia cativos em casa de bispos, quanto mais em nossas fazendas?
Quem haveria de plantar a terra, senão eles?
E creia que sempre lhes concedi minhas senzalas como verdadeira honra!...

Em minha fazenda nunca vieram ao terreiro das visitas, senão para cumprir minhas ordens.

Padre Amâncio, nosso virtuoso sacerdote, disse-me na confissão que os africanos são os piores entes do mundo, nascidos exclusivamente para servirem a Deus no cativeiro.

Pensa, então, que me poderia encher de escrúpulos no trato com essa espécie de criaturas?
Não tenha dúvida; os escravos são seres perversos, filhos de Satã!
Chego a admirar-me da paciência com que tolerei essa gente na Terra.

E devo declarar que saí quase inesperadamente do corpo, por me haver chocado a determinação da Princesa, libertando esses bandidos.

Decorreram muitos anos, mas lembro-me perfeitamente.
Achava-me adoentada, havia muitos dias, e quando padre Amâncio trouxe a nova da cidade, piorei de súbito.

Como poderíamos ficar no mundo, vendo esses criminosos em liberdade?
Certo, eles desejariam escravizar-nos por sua vez, e a servir a gente dessa laia, não seria melhor morrer?

Recordo que me confessei com dificuldade, recebi as palavras de conforto do nosso sacerdote, mas parece que os demónios são também africanos e viviam à espreita, sendo eu obrigada a sofrer-lhes a presença até hoje...

- E quando veio? - perguntei.
- Em maio de 1888.
Experimentei estranha sensação de espanto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2011 11:00 pm

A interlocutora fixou o olhar embaciado no horizonte e falou:
- É possível que meus sobrinhos tenham esquecido de pagar as missas;
entretanto, deixei a disposição em testamento.

Ia responder, convocando-lhe os raciocínios à zona superior, fornecendo-lhe ideias novas de fraternidade e fé, mas Narcisa aproximou-se e disse-me, bondosa:
- André, meu amigo, você esqueceu que estamos providenciando alívio a doentes e perturbados?
Que proveito lhe advém de semelhantes informações?

Os dementes falam de maneira incessante, e quem os ouve, gastando interesse espiritual, pode não estar menos louco.

Aquelas palavras foram ditas com tanta bondade que corei de vergonha, sem coragem de a elas responder.
- Não se impressione - exclamou a enfermeira delicadamente -, atendamos aos irmãos perturbados.
- Mas, a senhora é de opinião que estou nesse número? - perguntou a velhota, melindrada.

Narcisa, porém, demonstrando suas excelentes qualidades de psicóloga, tomou expressão de fraternidade carinhosa e exclamou:
- Não, minha amiga, não digo isso;
creio, porém, que deve estar muito cansada;
seu esforço purgatorial foi muito longo...


- Justamente, justamente - esclareceu a recém-chegada do Umbral -, não imagina o que tenho sofrido, torturada pelos demónios...

A pobre criatura ia continuar repetindo a mesma história, mas Narcisa, ensinando-me como proceder em tais circunstâncias, atalhou:
- Não comente o mal.
Já sei tudo que lhe ocorreu de amargo e doloroso.
Descanse, pensando que vou atendê-la.

E, no mesmo instante, dirigiu-se a um dos auxiliares, sem afectação:
- Você, Zenóbio, vá ao departamento feminino e chame Nemésia, em meu nome, para que conduza mais uma irmã aos leitos de tratamento.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2011 11:00 pm

35 - ENCONTRO SINGULAR

Guardavam-se apetrechos da excursão e recolhiam-se animais de serviço, quando a voz de alguém se fez ouvir carinhosamente, a meu lado:
- André! você aqui? Muito bem! Que agradável surpresa!...

Voltei-me surpreendido e reconheci, no Samaritano que assim falava, o velho Silveira, pessoa de meu conhecimento, a quem meu pai, como negociante inflexível, despojara, um dia, de todos os bens.

Justo acanhamento dominou-me, então.
Quis cumprimentá-lo, corresponder ao gesto afectuoso, mas a lembrança do passado paralisava-me de súbito.
Não podia fingir naquele ambiente novo, onde a sinceridade transparecia de todos os semblantes.

Foi o próprio Silveira que, compreendendo a situação, veio em meu socorro, acrescentando:
- Francamente, ignorava que você tivesse deixado o corpo e estava longe de pensar que o encontraria em "Nosso Lar".

Identificando-lhe a amabilidade espontânea, abracei-o comovido, murmurando palavras de reconhecimento.

Quis ensaiar algumas explicações relativamente ao passado, mas não o consegui.
No fundo, eu desejava pedir desculpas pelo procedimento de meu pai, levando-o ao extremo de uma falência desastrosa.

Naquele instante, eu revia mentalmente o cliché do pretérito.
A memória exibia, de novo, o quadro vivo.
Parecia-me ouvir ainda a senhora Silveira, quando foi a nossa casa, suplicante, esclarecer a situação.

O marido estava acamado, havia muito, agravando-se-lhes a penúria com a enfermidade de dois filhinhos.
As necessidades não eram reduzidas e os tratamentos exigiam soma considerável.
A pobrezinha chorava, levando o lenço aos olhos.

Pedia mora, implorava concessões justas.
Humilhava-se, dirigindo olhares doridos à minha mãe, como a rogar entendimento e socorro no coração de outra mulher.

Recordei que minha mãe intercedeu, atenciosa, e pediu a meu pai esquecesse os documentos assinados, abstendo-se de qualquer acção judicial.

Meu progenitor, porém, habituado a transacções de vulto e favorecido pela sorte, não podia compreender a condição do retalhista.

Manteve-se irredutível.
Declarou que lamentava as ocorrências, que ajudaria o cliente e amigo, de outro modo, frisando, porém, que, no tocante aos débitos reconhecidos, não via outra alternativa que a de cumprir religiosamente os dispositivos legais.

Não podia, afirmava, quebrar as normas e precedentes do seu estabelecimento comercial.
As promissórias teriam efeito legal.

E consolava a esposa aflita, comentando a situação de outros clientes que, a seu ver, se encontravam em piores condições que o Silveira.

Lembrei os olhares de simpatia que minha mãe lançou à desventurada postulante afogada em lágrimas.

Meu pai guardara profunda indiferença a todas as súplicas, e, quando a pobre mulher se despediu, repreendeu minha mãe austeramente, proibindo-lhe qualquer intromissão na esfera dos negócios comerciais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2011 11:00 pm

A pobre família houve de arcar com a ruína financeira completa.

Relembrava, perfeitamente, o instante em que o próprio piano da senhorita Silveira foi retirado da residência para satisfazer às últimas exigências do credor implacável.

Queria desculpar-me e todavia não encontrava frases justas, porque, na ocasião, também encorajara meu pai a consumar o iníquo atentado;
considerava minha mãe excessivamente sentimentalista e induzira-o a prosseguir na acção, até ao fim.

Muito jovem ainda, a vaidade apossara-se de mim.
Não queria saber se outros sofriam, não conseguia enxergar as necessidades alheias.
Via, apenas, os direitos de minha casa, nada mais.

E, nesse ponto, tinha sido inexorável.
Inútil qualquer argumentação materna.
Derrotados na luta, os Silveiras haviam procurado recanto humilde no Interior, amargando o desastre financeiro em extrema penúria.

Nunca mais tivera notícias daquela família, que, certo, nos devia odiar.
Essas reminiscências alinhavam-se-me no cérebro com a rapidez de segundos.
Num momento, reconstituíra todo o passado de sombras.

E enquanto mal dissimulava o desapontamento, o Silveira, sorrindo, chamava-me à realidade:
- Tem visitado o "velho"?
Aquela pergunta, a evidenciar espontâneo carinho, aumentava o meu pejo.

Esclareci que, apesar do imenso desejo, não conseguira ainda tal satisfação.
Silveira identificou-me o constrangimento e apiedando-se, talvez, do meu estado íntimo, procurou afastar-se.

Abraçou-me cavalheirescamente e voltou ao trabalho activo.
Muito desconcertado, procurei Narcisa, ansioso de conselhos.
Expus-lhe a ocorrência, detalhando os sucessos terrenos.

Ela ouviu-me com paciência e observou carinhosamente:
- Não estranhe o facto. Vi-me, há tempos, nas mesmas condições.
Já tive a felicidade de encontrar por aqui o maior número das pessoas que ofendi no mundo.

Sei, hoje, que isso é uma bênção do Senhor, que nos renova a oportunidade de restabelecer a simpatia interrompida, recompondo os elos quebrados, da corrente espiritual.

E, tornando-se mais categórica no ensinamento, perguntou:
- Aproveitou, você, o belo ensejo?
- Que quer dizer? - indaguei.
- Desculpou-se com o Silveira?
Olhe que é grande felicidade reconhecer os próprios erros.

Já que você pode examinar-se a si mesmo com bastante luz de entendimento, identificando-se como antigo ofensor, não perca a oportunidade de se fazer amigo.

Vá, meu caro, e abrace-o de outra maneira.
Aproveite o momento, porque o Silveira é ocupadíssimo e talvez não se ofereça tão cedo outra oportunidade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2011 11:00 pm

Notando-me a indecisão, Narcisa acrescentou:
- Não tema insucessos.
Toda vez que oferecemos raciocínio e sentimento ao bem, Jesus nos concede quanto se faça necessário ao êxito.

Tome a iniciativa.
Empreender acções dignas, quaisquer que sejam, representa honra legítima para a alma.
Recorde o Evangelho e vã buscar o tesouro da reconciliação.

Não mais vacilei.
Corri ao encontro de Silveira e falei-lhe abertamente, rogando perdoasse a meu pai, e a mim, as ofensas e os erros cometidos.

- Você compreende acentuei -, nós estávamos cegos.
Em tal estado, nada conseguíamos vislumbrar, senão o interesse próprio.
Quando o dinheiro se alia à vaidade, Silveira, dificilmente pode o homem afastar-se do mau caminho.

Silveira, comovidíssimo, não me deixou terminar:
- Ora, André, quem haverá isento de faltas?
Acaso, poderia você acreditar que vivi isento de erros?

Além disso, seu pai foi meu verdadeiro instrutor.
Devemos-lhe, meus filhos e eu, abençoadas lições de esforço pessoal.
Sem aquela atitude enérgica que nos subtraiu as possibilidades materiais, que seria de nós no tocante ao progresso do espírito?

Renovamos, aqui, todos os velhos conceitos da vida humana.
Nossos adversários não são propriamente inimigos e, sim, benfeitores.
Não se entregue a lembranças tristes.
Trabalhemos com o Senhor, reconhecendo o infinito da vida.

E fixando, emocionado, os meus olhos húmidos, afagou-me paternalmente e rematou:
- Não perca tempo com isso.
Breve, quero ter a satisfação de visitar seu pai, junto de você.

Abracei-o, então, em silêncio, experimentando alegria nova em minh'alma.

Pareceu-me que, num dos escaninhos escuros do coração, se me acendera divina luz para sempre.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 16, 2011 11:01 pm

36 - O SONHO

Prosseguiram os serviços, incessantemente.
Enfermos exigindo cuidado, perturbados reclamando dedicação.

Ao cair da noite, já me sentia integrado no mecanismo dos passes, aplicando-os aos necessitados de toda sorte.

Pela manhã, regressou Tobias às Câmaras e, mais por generosidade que por outro motivo, estimulou-me com palavras animadoras.

- Muito bem, André! - exclamou ele, contente - vou recomendá-lo ao Ministro Genésio e, pelos serviços iniciais, receberá bónus em dobro.

Ensaiava palavras de reconhecimento, quando a senhora Laura e Lísias chegaram e me abraçaram.

- Sentimo-nos profundamente satisfeitos - disse a generosa senhora, sorrindo -, acompanhei-o em espírito, durante a noite, e sua estreia no trabalho é motivo de justa alegria em nosso círculo doméstico.

Disputei a satisfação de levar a notícia ao Ministro Clarêncio, que me recomendou cumprimentasse a você em nome dele.

Trocaram observações afectuosas com Tobias e Narcisa.
Pediram-me relatório verbal de impressões e eu não cabia em mim de contente.
Minhas alegrias sublimes, porém, reservavam-se para depois.

Nada obstante o convite amável da progenitora de Lísias para que voltasse a casa por descansar, Tobias pós à minha disposição um apartamento de repouso, ao lado das Câmaras de Rectificação, e aconselhou-me algum descanso.

De facto, sentia grande necessidade do sono.
Narcisa preparou-me o leito com desvelos de irmã.
Recolhido ao quarto confortável e espaçoso, orei ao Senhor da Vida agradecendo-lhe a bênção de ter sido útil.

A "proveitosa fadiga" dos que cumprem o dever não me deu ensejo a qualquer vigília desagradável.

Daí a instantes, sensações de leveza invadiram-me a alma toda e tive a impressão de ser arrebatado em pequenino barco, rumando a regiões desconhecidas.
Para onde me dirigia? Impossível responder.

A meu lado, um homem silencioso sustinha o leme.

E qual criança que não pode enumerar nem definir as belezas do caminho, deixava-me conduzir sem exclamações de qualquer natureza, extasiado embora com as magnificências da paisagem.

Parecia-me que a embarcação seguia célere, não obstante os movimentos de ascensão.

Decorridos minutos, vi-me à frente de um porto maravilhoso, onde alguém me chamou com especial carinho:
- André!... André!...
Desembarquei com precipitação verdadeiramente infantil.

Reconheceria aquela voz entre milhares.
Num momento, abraçava minha mãe em transbordamentos de júbilo.

Fui conduzido, então, por ela, a prodigioso bosque, onde as flores eram dotadas de singular propriedade - a de reter a luz, revelando a festa permanente do perfume e da cor.
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