LUZ ESPÍRITA
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

Série André Luiz - Nosso Lar

Página 3 de 6 Anterior  1, 2, 3, 4, 5, 6  Seguinte

Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 11, 2011 10:51 pm

Teu noivo é homem comum, não está alertado para as belezas sublimes do amor espiritual.
Não podes operai milagres nele, por muito que o ames.
A descoberta de si mesmo é apanágio de cada um.

Arnaldo conhecerá mais tarde a beleza do teu idealismo;
mas, por agora, é preciso entregá-lo às experiências de que necessita.

- Não me conformo! - clamou a jovem, chorando - justamente Maria da Luz, a amiga que sempre julguei fidelíssima.
A senhora Laura, todavia, sorriu e falou, cautelosa:
- Não será, porém, mais agradável confiá-lo aos cuidados de uma criatura irmã?

Maria da Luz será sempre tua amiga espiritual, ao passo que outra mulher talvez te dificultasse, mais tarde, o acesso ao coração dele.

Eu estava eminentemente surpreendido.
Eloísa prorrompera em soluços.

A bondosa senhora percebeu-me a intranquilidade e, no propósito talvez de orientar tanto a neta quanto a mim, esclareceu sensatamente:
- Sei a causa do teu pranto, filhinha: nasce da terra inculta do nosso milenário egoísmo, da nossa renitente vaidade humana.

Entretanto, a vovó não te fala para ferir, mas para acordar.
Enquanto Eloísa chorava, a mãe de Lísias convidou-me novamente à sala de estar, considerando que a doente necessitava de repouso.

Ao sentarmo-nos, falou em tom confidencial:
- Minha neta chegou profundamente fatigada.
Prendeu o coração, demasiadamente, nas teias do amor-próprio.

A rigor, o lugar dela seria em qualquer dos nossos hospitais;
entretanto, o Assistente Couceiro julgou melhor situá-la junto ao nosso carinho.

Isso, aliás, é muito do meu agrado, porque minha querida Teresa, sua mãe, está a chegar.

Um pouco de paciência e atingiremos a solução justa. Questão de tempo e serenidade.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 12, 2011 11:11 pm

20 - NOÇÕES DE LAR

Desejando colher valores educativos que fluíam naturalmente da palestra da senhora Laura, perguntei, curioso:
- Desempenhando tantos deveres, a senhora ainda tem atribuições fora de casa?

- Sim; vivemos numa cidade de transição; no entanto, as finalidades da colónia residem no trabalho e no aprendizado.

As almas femininas, aqui, assumem numerosas obrigações, preparando-se para voltar ao planeta ou para ascender a esferas mais altas.

- Mas a organização doméstica, em "Nosso Lar", é idêntica à da Terra?

A interlocutora esboçou uma fácies muito significativa e acrescentou:
- O lar terrestre é que, de há muito, se esforça por copiar nosso instituto doméstico; mas os cônjuges por lá, com raras excepções, estão ainda a mondar o terreno dos sentimentos, invadido pelas ervas amargosas da vaidade pessoal, e povoado de monstros do ciúme e do egoísmo.

Quando regressei do planeta, pela última vez, trazia, como é natural, profundas ilusões.
Coincidiu, porém, que, na minha crise de orgulho ferido, fui levada a ouvir um grande instrutor, no Ministério do Esclarecimento.

Desde esse dia, nova corrente de ideias me penetrou o espírito.
- Não poderia dizer-me algo das lições recebidas? - indaguei com interesse.

- O orientador, muito versado em matemática - prosseguiu ela -, fez-nos sentir que o lar é como se fora um ângulo recto nas linhas do plano da evolução divina.

A recta vertical é o sentimento feminino, envolvido nas inspirações criadoras da vida.
A recta horizontal é o sentimento masculino, em marcha de realizações no campo do progresso comum.

O lar é o sagrado vértice onde o homem e a mulher se encontram para o entendimento indispensável.

É templo, onde as criaturas devem unir-se espiritual antes que corporalmente.
Há na Terra, agora, grande número de estudiosos das questões sociais, que aventam várias medidas e clamam pela regeneração da vida doméstica.

Alguns chegam a asseverar que a instituição da família humana está ameaçada.
Importa considerar, entretanto, que, a rigor, o lar é conquista sublime que os homens vão realizando vagarosamente.

Onde, nas esferas do globo, o verdadeiro instituto doméstico, baseado na harmonia justa, com os direitos e deveres legitimamente partilhados?

Na maioria, os casais terrestres passam as horas sagradas do dia vivendo a indiferença ou o egoísmo feroz.

Quando o marido permanece calmo, a mulher parece desesperada; quando a esposa se cala, humilde, o companheiro tiraniza.

Nem a consorte se decide a animar o esposo, na linha horizontal de seus trabalhos temporais, nem o marido se resolve a segui-la no voo divino de ternura e sentimento, rumo aos planos superiores da Criação.

Dissimulam em sociedade e, na vida íntima, um faz viagens mentais de longa distância, quando o outro comenta o serviço que lhe seja peculiar.

Se a mulher fala nos filhinhos, o marido excursiona através dos negócios;
se o companheiro examina qualquer dificuldade do trabalho, que lhe diz respeito, a mente da esposa volta ao gabinete da modista.

É claro que, em tais circunstâncias, o ângulo divino não está devidamente traçado.

Duas linhas divergentes tentam, em vão, formar o vértice sublime, a fim de construírem um degrau na escada grandiosa da vida eterna.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 12, 2011 11:11 pm

Esses conceitos calavam-me fundo e, sumamente impressionado, observei:
- Senhora Laura, essas definições suscitam um mundo de pensamentos novos.
Ah! se conhecêssemos tudo isso lá na Terra!...

- Questão de experiência, meu amigo - replicou a nobre matrona -, o homem e a mulher aprenderão no sofrimento e na luta.

Por enquanto, raros conhecem que o lar é instituição essencialmente divina e que se deve viver, dentro de suas portas, com todo o coração e com toda a alma.

Enquanto as criaturas vulgares atravessam a florida região do noivado, procuram-se mobilizando os máximos recursos do espírito, e daí o dizer-se que todos os seres são belos quando estão verdadeiramente amando.

O assunto mais trivial assume singular encanto nas palestras mais fúteis.
O homem e a mulher comparecem aí, na integração de suas forças sublimes.

Mas logo que recebem a bênção nupcial, a maioria atravessa os véus do desejo, e cai nos braços dos velhos monstros que tiranizam corações.

Não há concessões recíprocas.
Não há tolerância e, por vezes, nem mesmo fraternidade.
E apaga-se a beleza luminosa do amor, quando os cônjuges perdem a camaradagem e o gosto de conversar.

Daí em diante, os mais educados respeitam-se; os mais rudes mal se suportam. Não se entendem.
Perguntas e respostas são formuladas em vocábulos breves.

Por mais que se unam os corpos, vivem as mentes separadas, operando em rumos opostos.
- Tudo isso é a pura verdade! - aduzi comovido.

- Que fazer, porém, meu amigo? - replicou a bondosa senhora - na fase actual evolutiva do planeta, existem na esfera carnal raríssimas uniões de almas gémeas, reduzidos matrimónios de almas irmãs ou afins, e esmagadora percentagem de ligações de resgate.

O maior número de casais humanos é constituído de verdadeiros forçados, sob algemas.

Procurando retomar o fio das considerações sugeridas por minha pergunta inicial, continuou a progenitora de Lísias:
- As almas femininas não podem permanecer inactivas aqui.
É preciso aprender a ser mãe, esposa, missionária, irmã.

A tarefa da mulher, no lar, não pode circunscrever-se a umas tantas lágrimas de piedade ociosa e a muitos anos de servidão.

É claro que o movimento coevo do feminismo desesperado constituí abominável acção contra as verdadeiras atribuições do espírito feminino.

A mulher não pode ir ao duelo com os homens, através de escritórios e gabinetes, onde se reserva actividade justa ao espírito masculino.

Nossa colónia, porém, ensina que existem nobres serviços de extensão do lar, para as mulheres.

A enfermagem, o ensino, a indústria do fio, a informação, os serviços de paciência, representam actividades assaz expressivas.

O homem deve aprender a carrear para o ambiente doméstico a riqueza de suas experiências, e a mulher precisa conduzir a doçura do lar para os labores ásperos do homem.

Dentro de casa, a inspiração; fora dela, a actividade.
Uma não viverá sem a outra.
Como sustentar-se o rio sem a fonte, e como espalhar-se a água da fonte sem o leito do rio?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 12, 2011 11:11 pm

Não pude deixar de sorrir, ouvindo a interrogação.
A mãe de Lísias, depois de longo intervalo, continuou:
- Quando o Ministério do Auxílio me confia crianças ao lar, minhas horas de serviço são contadas em dobro, o que lhe pode dar ideia da importância do serviço maternal no plano terreno.

Entretanto, quando isso não acontece, tenho meus deveres diuturnos nos trabalhos de enfermagem, com a semana de quarenta e oito horas de tarefa.

Todos trabalham em nossa casa.
A não ser minha neta convalescente, não temos qualquer pessoa da família em zonas de repouso.

Oito horas de actividade no interesse colectivo, diariamente, é programa fácil a todos.

Sentir-me-ia envergonhada se não o executasse também.

Interrompeu-se a interlocutora por alguns momentos, enquanto me perdia em vastas considerações...
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 12, 2011 11:12 pm

21 - CONTINUANDO A PALESTRA

- A palestra, senhora Laura - exclamei com interesse -, sugere numerosas interrogações, relevar-me-á a curiosidade, o abuso...

- Não diga isso - retrucou, bondosa -, pergunte sempre.
Não estou em condições de ensinar; todavia, é sempre fácil informar.

Rimo-nos da observação e indaguei em seguida:
- Como se encara o problema da propriedade na colónia?
Esta casa, por exemplo, pertence-lhe?

Ela sorriu e esclareceu:
- Tal como se dá na Terra, a propriedade aqui é relativa.
Nossas aquisições são feitas à base de horas de trabalho.

O bónus-hora, no fundo, é o nosso dinheiro.
Quaisquer utilidades são adquiridas com esses cupões, obtidos por nós mesmos, a custa de esforço e dedicação.

As construções em geral representam património comum, sob controlo da Governadoria;
cada família espiritual, porém, pode conquistar um lar (nunca mais que um), apresentando trinta mil bónus-hora, o que se pode conseguir com algum tempo de serviço.

Nossa morada foi conquistada pelo trabalho perseverante de meu esposo, que veio para a esfera espiritual muito antes de mim.

Dezoito anos estivemos separados pelos laços físicos, mas sempre unidos pelos elos espirituais.

Ricardo, porém, não descansou.
Recolhido ao "Nosso Lar", depois de certo período de extremas perturbações, compreendeu imediatamente a necessidade do esforço activo, preparando-nos um ninho para o futuro.

Quando cheguei, estreamos a habitação que ele organizara com esmero, acentuando-se nossa ventura.
Desde então, meu esposo ministrou-me conhecimentos novos.

Minhas lutas na viuvez haviam sido intensas.
Muito moça ainda, com os filhos tenros, tive de enfrentar serviços rudes.

A custa de testemunhos difíceis, proporcionei aos rebentos de nossa união os valores educativos, de que eu podia dispor, habituando-os, porém, muito cedo, aos trabalhos árduos.

Compreendi, depois, que a existência laboriosa me livrara das indecisões e angústias do Umbral, por colocar-me a coberto de muitas e perigosas tentações.

O suor do corpo ou a preocupação justa, nos campos de actividade honesta, constituem valiosos recursos para a elevação e defesa da alma.

Reencontrar Ricardo, tecer novo ninho de afectos, representava o céu para mim.

Durante anos consecutivos, vivemos a vida de perene ventura, trabalhando por nossa evolução, unindo-nos cada vez mais, e cooperando no progresso efectivo dos que nos são afins.

Com o correr do tempo, Lísias, Iolanda e Judite reuniram-se a nós, aumentando nossa felicidade.

Após ligeiro intervalo, em que parecia meditar, minha interlocutora prosseguiu em tom grave:
- Mas a esfera do globo nos esperava.
Se o presente estava cheio de alegria, o passado chamava a contas, para que o futuro se harmonizasse com a lei eterna.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 12, 2011 11:12 pm

Não podíamos pagar à Terra com bónus-hora e sim com o suor honrado, fruto de trabalhos.
Dada a nossa boa-vontade, aclarava-se-nos a visão, relativamente ao pretérito doloroso.

A lei do ritmo exigia, então, nossa volta.
Aquelas afirmativas causavam-me viva impressão.

Era a primeira vez que se feria tão fundo aos meus ouvidos, na colónia, o assunto referente a encarnações pregressas.

- Senhora Laura - exclamei, interrompendo-a -, permita, por obséquio, um aparte.
Perdoe a curiosidade;
no entanto, até agora, ainda não pude conhecer mais detidamente o que se relaciona com o meu passado espiritual.

Não estou isento dos laços físicos?
Não atravessei o rio da morte?
A senhora recordou o passado, logo após sua vinda, ou esperou o concurso do tempo?


- Esperei-o - replicou, sorridente -; antes de tudo, é indispensável nos despojarmos das impressões físicas.
As escamas da inferioridade são muito fortes.
É preciso grande equilíbrio para podermos recordar, edificando.
Em geral, todos temos erros clamorosos, nos ciclos da vida eterna.

Quem lembra o crime cometido costuma considerar-se o mais desventurado do Universo; e quem recorda o crime de que foi vítima, considera-se em conta de infeliz, do mesmo modo.

Portanto, somente a alma, muito segura de si, recebe tais atributos como realização espontânea.

As demais são devidamente controladas no domínio das reminiscências, e, se tentam burlar esse dispositivo da lei, não raro tendem ao desequilíbrio e à loucura.

- Mas a senhora recordou o passado de maneira natural? - perguntei.
- Explico-me - respondeu bondosamente -; quando se me aclarou a visão interior, as lembranças vagas me causavam perturbações de vulto.

Coincidiu que meu marido partilhava o mesmo estado d’alma.
Resolvemos ambos consultar o assistente Longobardo.

Esse amigo, depois de minucioso exame das nossas impressões, nos encaminhou aos magnetizadores do Ministério do Esclarecimento.

Recebidos com carinho, tivemos acesso em primeiro lugar à Secção do Arquivo, onde todos nós temos anotações particulares.

Aconselharam-nos os técnicos daquele Ministério a ler nossas próprias memórias, durante dois anos, sem prejuízo de nossa tarefa do Auxílio, abrangendo o período de três séculos.

O chefe do serviço de Recordações não nos permitiu a leitura de fases anteriores, declarando-nos incapazes de suportar as lembranças correspondentes a outras épocas.

- E bastou a leitura para que se sentisse na posse das reminiscências? - atalhei, curioso.
- Não. A leitura apenas informa. Depois de longo período de meditação para esclarecimento próprio, e como surpresas indescritíveis, fomos submetidos a determinadas operações psíquicas, a fim de penetrar os domínios emocionais das recordações.

Os espíritos técnicos no assunto nos aplicaram passes no cérebro, despertando certas energias adormecidas...
Ricardo e eu ficamos, então, senhores de trezentos anos de memória integral.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 12, 2011 11:12 pm

Compreendemos, então, quão grande é ainda o nosso débito para com as organizações do planeta!...
- E onde está nosso irmão Ricardo? Como estimaria conhecê-lo!... - exclamei sob forte impressão.

A progenitora de Lísias meneou significativamente a cabeça e murmurou:
- Em vista de nossas observações referentes ao passado, combinamos novo encontro nas esferas da crosta.

Temos trabalho, muito trabalho, na Terra.
Desse modo, Ricardo partiu há três anos.
Quanto a mim, seguirei dentro de breves dias.
Aguardo apenas a chegada de Teresa, para deixá-la junto aos nossos.

E de olhar vago, como se a mente estivesse muito longe, ao lado da filha ainda retida na Terra, a senhora Laura acentuou:
- A mãe de Eloísa não tardará.

A passagem dela através do Umbral será somente de algumas horas, em vista dos seus profundos sacrifícios, desde a infância.

Pelo muito que sofreu não precisará dos tratamentos da Regeneração.

Poderei, portanto, transmitir-lhe minhas obrigações no Auxílio e partir sossegada.
O Senhor não nos esquecerá.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 12, 2011 11:13 pm

22 - O BÓNUS-HORA

Notando que a senhora Laura entristecera subitamente ao recordar o marido, modifiquei o rumo da palestra, interrogando:
- Que me diz do bónus-hora? Trata-se de algum metal amoedado?

Minha interlocutora perdeu o aspecto cismático, a que se recolhera, e replicou, atenciosa:
- Não é propriamente moeda, mas ficha de serviço individual, funcionando como valor aquisitivo.

- Aquisitivo? - perguntei abruptamente.
- Explico-me - respondeu a bondosa senhora -; em "Nosso Lar" a produção de vestuário e alimentação elementares pertence a todos em comum.

Há serviços centrais de distribuição na Governadoria e departamentos do mesmo trabalho nos Ministérios.
O celeiro fundamental é propriedade colectiva.

Ante meu gesto silencioso de espanto, acentuou:
- Todos cooperam no engrandecimento do património comum e dele vivem.
Os que trabalham, porém, adquirem direitos justos.

Cada habitante de "Nosso Lar" recebe provisões de pão e roupa, no que se refere ao estritamente necessário;
mas os que se esforçam na obtenção do bónus-hora conseguem certas prerrogativas na comunidade social.

O espírito que ainda não trabalha, poderá ser abrigado aqui; no entanto, os que cooperem podem ter casa própria.

O ocioso vestirá, sem dúvida;
mas o operário dedicado vestirá o que melhor lhe pareça; compreendeu?

Os inactivos podem permanecer nos campos de repouso, ou nos parques de tratamento, favorecidos pela intercessão de amigos; entretanto, as almas operosas conquistam o bónus-hora e podem gozar a companhia de irmãos queridos, nos lugares consagrados ao entretenimento, ou o contacto de orientadores sábios, nas diversas escolas dos Ministérios em geral.

Precisamos conhecer o preço de cada nota de melhoria e elevação.
Cada um de nós, os que trabalhamos, deve dar, no mínimo, oito horas de serviço útil, nas vinte e quatro de que o dia se constitui.

Os programas de trabalho, porém, são numerosos e a Governadoria permite quatro horas de esforço extraordinário, aos que desejem colaborar no trabalho comum, de boa-vontade.

Desse modo, há muita gente que consegue setenta e dois bónus-hora, por semana, sem falar dos serviços sacrificiais, cuja remuneração é duplicada e, às vezes, triplicada.

- Mas, é esse o único título de remuneração? - perguntei.
- Sim, é o padrão de pagamento a todos os colaboradores da colónia, não só na administração, como também na obediência.

Lembrando as organizações terrestres, indaguei, espantado:
- Todavia, como conciliar semelhante padrão com a natureza do serviço?

O administrador ganhará oito bónus-hora na actividade normal do dia, e o operário do transporte receberá a mesma coisa?
Não é o trabalho do primeiro mais elevado que o do segundo?

A senhora sorriu à pergunta e explicou:
- Tudo é relativo.
Se, na orientação ou na subalternidade, o trabalho é de sacrifício pessoal, a expressão remunerativa é justamente multiplicada.

Examinando, porém, mais detidamente a sua pergunta, precisamos, antes de mais nada, esquecer determinados prejuízos da Terra.

A natureza do serviço é problema dos mais importantes; contudo, na própria esfera da crosta é que o assunto apresenta solução mais difícil.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 12, 2011 11:13 pm

A maioria dos homens encarnados está simplesmente ensaiando o espírito de serviço e aprendendo a trabalhar nos diversos sectores da vida humana.

Por isso mesmo, é imprescindível fixar as remunerações terrestres com maior atenção.
Todo o ganho externo do mundo é lucro transitório.

Vemos trabalhadores obcecados pela questão de ganhar, transmitindo fortunas vultosas à inconsciência e à dissipação; outros amontoam expressões bancárias que lhes servem de martírio pessoal e de ruína à família.

Por outro lado, é indispensável considerar que setenta por cento dos administradores terrenos não pesam os deveres morais que lhes competem, e que a mesma percentagem pode ser adjudicada a quantos foram chamados à subordinação.

Vivem, quase todos, a confessar ausência do impulso vocacional, recebendo embora os proventos comuns aos cargos que ocupam.

Governos e empresas pagam a médicos que se entregam à exploração de interesses outros e a operários que matam o tempo.

Onde, aí, a natureza de serviço?
Há técnicos de indústria económica, que nunca prezaram integralmente a obrigação que lhes assiste e valem-se de leis magnânimas, à maneira de moscas venenosas no pão sagrado, exigindo abonos, facilidades e aposentadorias.

Creia, porém, que todos pagarão muito caro a displicência.

Parece ainda distante o tempo em que os institutos sociais poderão determinar a qualidade de serviço dos homens, porque, para o plano espiritual superior, não se especificará teor de trabalho, sem a consideração dos valores morais despendidos.

Essas palavras despertavam-me para concepções novas.

Percebendo-me a sede de instrução, a interlocutora continuou:
- O verdadeiro ganho da criatura é de natureza espiritual e o bónus-hora, em nossa organização, modifica-se em valor substancial, segundo a natureza dos nossos serviços.

No Ministério da Regeneração, temos o Bónus-Hora-Regeneração; no Ministério do Esclarecimento, o bónus-hora-Esclarecimento, e assim por diante.

Ora, examinando o provento espiritual, é razoável que a documentação de trabalho revele a essência do serviço.

As aquisições fundamentais constituem-se de experiência, educação, enriquecimento de bênçãos divinas, extensão de possibilidades.

Nesse prisma, os factores assiduidade e dedicação representam, aqui, quase tudo.
Em geral, em nossa cidade de transição, a maioria prepara-se com vistas à necessidade de regresso aos círculos carnais.

Examinando esse princípio, é natural que o homem que empregou cinco mil horas, em serviços regeneradores, tenha efectuado esforço sublime, a benefício de si mesmo;
o que despendeu seis mil horas de actividade, no Ministério do Esclarecimento, estará mais sábio.

Poderemos gastar os bónus-hora conquistados;
entretanto, é mais valioso ainda o registo individual da contagem de tempo de serviço útil, que nos confere direito a preciosos títulos.

Semelhantes instruções interessavam-me profundamente.
- Poderemos, porém, gastar nossos bónus-hora a favor dos amigos? - indaguei curioso.

- Perfeitamente - disse ela -; poderemos repartir as bênçãos de nosso esforço com quem nos aprouver.
Isto é direito inalienável do trabalhador fiel.
Contam-se por milhares as pessoas favorecidas em "Nosso Lar", pela movimentação da amizade e do estimulo fraternal.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 12, 2011 11:13 pm

A essa altura, a progenitora de Lisias sorriu e observou:
- Quanto maior a contagem do nosso tempo de trabalho, maiores intercessões podemos fazer.
Compreendemos, aqui, que nada existe sem preço e que para receber é indispensável dar alguma coisa.

Pedir, portanto, é ocorrência muito significativa na existência de cada um.
Somente poderão rogar providências e dispensar obséquio os portadores de títulos adequados, entendeu?

- E o problema da herança? - inquiri de repente.
- Não temos aqui demasiadas complicações - respondeu a senhora Laura, sorrindo.
Vejamos, por exemplo, o meu caso.

Aproxima-se o tempo do meu regresso aos planos da crosta.
Tenho comigo três mil bónus-hora-Auxílio, no meu quadro de economia pessoal.

Não posso legá-los a minha filha que está a chegar, porque esses valores serão revertidos ao património comum, permanecendo minha família apenas com o direito de herança ao lar;
no entanto, minha ficha de serviço autoriza-me a interceder por ela e preparar-lhe aqui trabalho e concurso amigo, assegurando-me, igualmente, o valioso auxílio das organizações de nossa colónia espiritual, durante minha permanência nos círculos carnais.

Nesse cômputo, deixo de referir-me ao lucro maravilhoso que adquiri no capítulo da experiência, nos anos de cooperação no Ministério do Auxílio.

Volto à Terra, investida de valores mais altos e demonstrando qualidades mais nobres de preparação ao êxito desejado.

Ia prorromper em exclamações admirativas, referentes ao processo simples de ganhar, aproveitar, cooperar e servir, confrontando aquelas soluções com os princípios imperantes no planeta, mas um brando burburinho aproximou-se da casa.

Antes que pudesse emitir qualquer observação, a senhora Laura murmurou, satisfeita:
- Nossos queridos estão de volta.

E levantou-se para atender.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 12, 2011 11:13 pm

23 - SABER OUVIR

Intimamente, lamentei a interrupção da palestra.
Os esclarecimentos da senhora Laura fortaleciam-me o coração.
Lísias entrou em casa visivelmente satisfeito.

- Olá! ainda não se recolheu? - perguntou, sorridente.
E, enquanto os jovens se despediam, convidava-me, solícito:
- Venha ao jardim, pois ainda não viu o luar destes sítios.

A dona da casa entrava em conversação com as filhas, enquanto acompanhando Lísias fui aos canteiros em flor.

O espectáculo apresentava-se soberbo! Habituado à reclusão hospitalar, entre grandes árvores, ainda não conhecia o quadro maravilhoso que a noite clara apresentava, ali, nos vastos quarteirões do Ministério do Auxílio Glicínias de prodigiosa beleza enfeitavam a paisagem.

Lírios de neve, matizados de ligeiro azul ao fundo do cálice, pareciam taças, de caricioso aroma.
Respirei a longos haustos, sentindo que ondas de energia nova me penetravam o ser.

Ao longe, as torres da Governadoria mostravam belos efeitos de luz.
Deslumbrado, não conseguia emitir impressões.

Esforçando-me para exteriorizar a admiração que me invadia a alma, falei comovidamente:
- Nunca presenciei tamanha paz! Que noite!...

O companheiro sorriu e acentuou:
- Há compromisso entre todos os habitantes equilibrados da colónia, no sentido de não se emitirem pensamentos contrários ao bem.
Dessarte, o esforço da maioria se transforma numa prece quase perene.

Dai nascerem as vibrações de paz que observamos.
Após enlevar-me na contemplação do quadro prodigioso, como se estivesse bebendo a luz e a calma da noite, voltamos ao interior onde Lísias se aproximou de pequeno aparelho postado na sala, à maneira de nossos receptores radiofónicos.

Aguçou-se-me a curiosidade.
Que iríamos ouvir?
Mensagens da Terra?


Vindo ao encontro de minhas interrogações íntimas, o amigo esclareceu:
- Não ouviremos vozes do planeta.
Nossas transmissões baseiam-se em forças vibratórias mais subtis que as da esfera da crosta.

- Mas não há recurso - indaguei - para recolher as emissões terrestres?
- Sem dúvida que temos elementos para fazê-lo, em todos os Ministérios;
entretanto, no ambiente doméstico o problema de nossa actualidade é essencial.

A programação do serviço necessário, as notas da Espiritualidade Superior e os ensinamentos elevados vivem, agora, para nós outros, muito acima de qualquer cogitação terrestre.

A observação era justa; mas, habituado ao apego doméstico, inquiri, de pronto:
- Será tanto assim?
E os parentes que ficaram a distância?
Nossos pais, nossos filhos?


- Já esperava essa pergunta: Nos círculos terrestres somos levados, muitas vezes, a viciar as situações.
A hipertrofia do sentimento é mal comum de quase todos nós.
Somos, por lá, velhos prisioneiros da condição exclusivista.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2011 11:34 pm

Em família, isolamo-nos frequentemente no cadinho do sangue e esquecemos o resto das obrigações.

Vivemos distraídos dos verdadeiros princípios de fraternidade.
Ensinamo-los a todo mundo, mas, em geral, chegado o momento do testemunho, somos solidários apenas com os nossos.

Aqui, porém, meu amigo, a medalha da vida apresenta a outra face.
É preciso curar nossas velhas enfermidades e sanar injustiças.
No início da colónia, todas as moradias, ao que sabemos, ligavam-se com os núcleos de evolução terrestre.

Ninguém suportava a ausência de notícias da parentela comum.
Do Ministério da Regeneração ao da Elevação, vivia-se em constante guerra nervosa.

Boatos assustadores perturbavam as actividades em geral.
Mas, precisamente há dois séculos, um dos generosos Ministros da União Divina compelia a Governadoria a melhorar a situação.

O ex-Governador era talvez demasiadamente tolerante.
A bondade desviada provoca indisciplinas e quedas.
E, de quando em quando, as notícias dos afeiçoados terrestres punham muitas famílias em polvorosa.

Os desastres colectivos no mundo, quando interessassem algumas entidades em "Nosso Lar", eram aqui verdadeiras calamidades públicas.

Segundo nosso arquivo, a cidade era mais um departamento do Umbral, que propriamente zona de refazimento e instrução.

Amparado pela União Divina, o Governador proibiu o intercâmbio generalizado. Houve luta.

Mas o Ministro generoso, que incrementou a medida, valeu-se do ensinamento de Jesus que manda os mortos enterrarem seus mortos e a inovação se tornou vitoriosa em pouco tempo.

- Entretanto - objectei -, seria interessante colher notícias dos nossos amados em trânsito na Terra.
Não daria isso mais tranquilidade à alma?

Lísias, que permanecia junto ao receptor, sem ligá-lo, como interessado em me fornecer explicações mais amplas, acrescentou:
- Observe a si mesmo, a fim de ver se valeria a pena.

Está preparado, por exemplo, para manter a precisa serenidade, esperando com fé e agindo com os preceitos divinos, em sabendo que um filho de seu coração está caluniado ou caluniando?

Se alguém o informasse, agora, de que um dos seus irmãos consanguíneos foi hoje encarcerado como criminoso, teria bastante força para conservar-se tranquilo?

Sorri, desapontado.
- Não devemos procurar notícias dos planos inferiores - prosseguiu, solicito - senão para levar auxílios justos.

Convenhamos, porém, que a criatura alguma auxiliará com justiça, experimentando desequilíbrios do sentimento e do raciocínio.

Por isso, é indispensável a preparação conveniente, antes de novos contactos com os parentes terrenos.

Se eles oferecessem campo adequado ao amor espiritual, ó intercâmbio seria desejável;
mas esmagadora percentagem de encarnados não alcançou, ainda, nem mesmo o domínio próprio e vive às tontas, nos altos e baixos das flutuações de ordem material.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2011 11:34 pm

Precisamos, embora as dificuldades sentimentais, evitar a queda nos círculos vibratórios inferiores.

Contudo, evidenciando minha teimosia caprichosa, indaguei:
- Mas, Lísias, você que tem um amigo encarnado, qual seu pai, não gostaria de comunicar-se com ele?

- Sem dúvida - respondeu bondosamente -, quando merecemos essa alegria, visitamo-lo em sua nova forma, verificando-se o mesmo, quando se trata de qualquer expressão de intercâmbio entre ele e nós.

Não devemos esquecer, entretanto, que somos criaturas falíveis.
Necessitamos, pois, recorrer aos órgãos competentes, que determinem a oportunidade ou o merecimento exigidos.

Para esse fim, temos o Ministério da Comunicação.
Acresce notar que, da esfera superior, é possível descer à inferior com mais facilidade.

Existem, contudo, certas leis que mandam compreender devidamente os que se encontram nas zonas mais baixas.

É tão importante saber falar como saber ouvir.

"Nosso Lar" vivia em perturbações porque, não sabendo ouvir, não podia auxiliar com êxito e a colónia transformava-se, frequentemente, em campo de confusão.

Calei-me vencido pelo argumento ponderoso.

E, enquanto me conservava em silêncio, o enfermeiro amigo abriu o controle de recepção sob meus olhos curiosos.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2011 11:35 pm

24 - O IMPRESSIONANTE APELO

Ligado o receptor, suave melodia derramou-se no ambiente, embalando-nos em harmoniosa sonoridade, vendo-se no espelho da televisão a figura do locutor, no gabinete de trabalho.

Daí a instantes, começou ele a falar:
- Emissora do Posto Dois, de "Moradia".
Continuamos a irradiar o apelo da colónia, em benefício da paz na Terra.

Concitamos os colaboradores de bom ânimo a congregar energias no serviço de preservação do equilíbrio moral nas esferas do globo.

Ajudai-nos, quantos puderem ceder algumas horas de cooperação nas zonas de trabalho que ligam as forças obscuras do Umbral à mente humana.

Negras falanges da ignorância, depois de espalharem os fachos incendiários da guerra na Ásia, cercam as nações europeias, impulsionando-as a novos crimes.

Nosso núcleo, junto aos demais que se consagram ao trabalho de higiene espiritual, nos círculos mais próximos da crosta, denuncia esses movimentos dos poderes concentrados do mal, pedindo concurso fraterno e auxílio possível.

Lembrai-vos de que a paz necessita de trabalhadores de defesa! Colaborai connosco na medida de vossas forças!...

Há serviço para todos, desde os campos da crosta às nossas portas!...
Que o Senhor nos abençoe.

Interrompeu-se a voz, ouvindo-se divina música, novamente.

A inflexão do estranho convite abalara-me as fibras mais íntimas. Veio Lísias em meu socorro, explicando:
- Estamos ouvindo "Moradia", velha colónia de serviços muito ligada às zonas inferiores.
Como sabe, estamos em agosto de 1939.

Seus últimos sofrimentos pessoais não lhe deram tempo para ponderar sobre a angustiosa situação do mundo, mas posso afiançar que as nações do planeta se encontram na iminência de tremendas batalhas.

- Que diz? - indaguei, aterrado - pois não bastou o sangue da última grande guerra?

Lísias sorriu, fixando em mim os olhos brilhantes e profundos, como a lastimar em silêncio a gravidade da hora humana.

Pela primeira vez o enfermeiro amigo não me respondeu.
Seu mutismo constrangera-me.
Assombrava-me, sobretudo, a imensidade dos serviços espirituais nos planos de vida nova a que me recolhera.

Pois havia cidades de espíritos generosos, suplicando socorro e cooperação?

Apresentara-se a voz do locutor com entoação de verdadeiro 5. O. 5.
Vira-lhe a fisionomia abatida, no espelho da televisão.
Demonstrava ansiedade profunda nos olhos inquietos.

E a linguagem? Ouvira-lhe nitidamente o idioma português, claro e correcto.
Julgava que todas as colónias espirituais se inter-comunicassem pelas vibrações do pensamento.
Havia, ainda ali, tão grande dificuldade no capítulo do intercâmbio?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2011 11:35 pm

Identificando-me as perplexidades, Lísias esclareceu:
- Estamos ainda muito longe das regiões ideais da mente pura.

Tal como na Terra, os que se afinam perfeitamente entre si podem permutar pensamentos, sem as barreiras idiomáticas;
mas, de modo geral, não podemos prescindir da forma, no lato sentido da expressão.

Nosso campo de lutas é imensurável.
A humanidade terrestre, constituída de milhões de seres, une-se à humanidade invisível do planeta, que integra muitos bilhões de criaturas.

Não seria, portanto, possível atingir as zonas aperfeiçoadas, logo após a morte do corpo físico.
Os patrimónios nacionais e linguísticos remanescem ainda aqui, condicionados a fronteiras psíquicas.

Nos mais diversos sectores de nossa actividade espiritual existe elevado número de espíritos libertos de todas as limitações, mas insta considerar que a regra é sofrer-se dessas restrições.

Nada enganará o princípio de sequência, imperante nas leis evolutivas.

Nesse ínterim, interrompia-se a música, voltando o locutor:
- Emissora do Posto Dois, de "Moradia".
Continuamos a irradiar o apelo da colónia em benefício da paz na Terra.

Nevoeiros pesados amontoam-se ao longo dos céus da Europa.
Forças tenebrosas do Umbral penetram em todas as direcções, respondendo ao apelo das tendências mesquinhas do homem.

Há muitos benfeitores devotados, lutando com sacrifícios em favor da concórdia internacional, nos gabinetes políticos.

Alguns governos, no entanto, se encontram excessivamente centralizados, oferecendo escassas possibilidades à colaboração de natureza espiritual.

Sem órgãos de ponderação e conselho desapaixonado, caminham esses países para uma guerra de grandes proporções Oh! irmãos muito amados, dos núcleos superiores, auxiliemos a preservação da tranquilidade humana!...

Defendamos os séculos de experiência de numerosas pátrias mães da Civilização Ocidental!...
Que o Senhor nos abençoe.

Calou-se o locutor e voltaram as cariciosas melodias.
O enfermeiro permaneceu em silêncio, que não ousei interromper.

Após cinco minutos de harmonia repousante, a mesma voz se fez novamente ouvir:
- Emissora do Posto Dois, de "Moradia".
Continuamos a irradiar o apelo da colónia em benefício da paz na Terra.

Companheiros e irmãos, invoquemos o amparo das poderosas Fraternidades da Luz, que presidem aos destinos da América!

Cooperai connosco na salvação de milenários patrimónios da evolução terrestre!
Marchemos em socorro das colectividades indefesas, amparemos os corações maternais sufocados de angústia!

Nossas energias estão empenhadas em vigoroso duelo com as legiões da ignorância.
Quanto estiver ao vosso alcance, vinde em nosso auxílio!

Somos a parte invisível da humanidade terrestre, e muitos de nós volveremos aos fluidos carnais para resgatar prístinos erros.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2011 11:36 pm

A humanidade encarnada é igualmente nossa família.
Unamo-nos numa só vibração.

Contra o assédio das trevas, acendamos a luz; contra a guerra do mal, movimentemos a resistência do bem.

Rios de sangue e lágrimas ameaçam os campos das comunidades europeias.
Proclamemos a necessidade do trabalho construtivo, dilatemos nossa fé...

Que o Senhor nos abençoe.

A essa altura, desligou Lísias o aparelho e vi-o enxugar discretamente uma lágrima, que seus olhos não conseguiam conter.

Num gesto expressivo, falou, comovido:
- Grandes abnegados, os irmãos de "Moradia"!

Tudo inútil, porém - acentuou, triste, depois de ligeira pausa -, a humanidade terrestre pagará, em dias próximos, terríveis tributos de sofrimento.

- Não há, todavia, recurso para conjurar a tremenda catástrofe? - perguntei, sensibilizado.
- Infelizmente - acrescentou Lísias em tom grave e doloroso - a situação geral é muito crítica.

Para atender às solicitações de "Moradia" e de outros núcleos que funcionam nas vizinhanças do Umbral, reunimos aqui numerosas assembleias, mas o Ministério da União Divina esclareceu que a humanidade carnal, como personalidade colectiva, está nas condições do homem insaciável que devorou excesso de substâncias no banquete comum.

A crise orgânica é inevitável.
Nutriram-se várias nações de orgulho criminoso, vaidade e egoísmo feroz.

Experimentam, agora, a necessidade de expelir os venenos letais.

Demonstrando, entretanto, o propósito de não prosseguir no amargoso assunto, Lísias convidou-me a recolher.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2011 11:36 pm

25 - GENEROSO ALVITRE

No dia imediato, muito cedo, fiz leve refeição em companhia de Lísias e familiares.

Antes que os filhos se despedissem, rumo ao trabalho do Auxílio, a senhora Laura encorajou-me o espírito hesitante, dizendo, bem-humorada:
- Já lhe arranjei companhia para hoje. Nosso amigo Rafael, funcionário da Regeneração, passará por aqui, a meu pedido.

Poderá aceitar-lhe a companhia em direcção ao novo Ministério.
Rafael é antiga relação de nossa família e apresentá-lo-á, em meu nome, ao Ministro Genésio.

Não poderia explicar o contentamento que me dominou a alma.
Estava radiante.
Agradeci, comovido, sem encontrar palavras que definissem meu júbilo.

Lísias, por sua vez, demonstrou grande alegria.
Abraçou-me efusivamente antes de sair, sensibilizando-me o coração.

Ao beijar o filho, a senhora Laura recomendou:
- Você, Lísias, avise ao Ministro Clarêncio que comparecerei ao expediente, logo que entregue nosso amigo aos cuidados de Rafael.

Comovidíssimo, eu não conseguia agradecer tamanha dedicação.

Ficando a sós, a desvelada progenitora do meu amigo dirigiu-me a palavra carinhosa:
- Meu irmão, permita-me algumas indicações para os seus novos caminhos.

Creio que a colaboração maternal sempre vale alguma coisa e, já que sua mãezinha não reside em "Nosso Lar", reivindico a satisfação de orientá-lo neste momento.

- Gratíssimo - respondi, sensibilizado -; nunca saberei traduzir meu reconhecimento à sua atenção.

Sorriu a bondosa senhora, acrescentando:
- Estou informada de que pediu trabalho há algum tempo...
- Sim, sim... - esclareci, relembrando as elucidações de Clarêncio.

- Sei, igualmente, que não o obteve de pronto, recebendo, mais tarde, a necessária autorização para visitar os Ministérios que nos ligam mais fortemente à Terra.

Esboçando significativa expressão fisionómica, a boa senhora acrescentou:
- É justamente neste sentido que lhe ofereço minhas sugestões humildes.
Falo com o direito de experiência maior.

Detendo, agora, essa autorização, abandone, quanto lhe seja possível, os propósitos de mera curiosidade.

Não deseje personificar a mariposa, de lâmpada em lâmpada.
Sei que seu espírito de pesquisa intelectual é muito forte.
Médico estudioso, apaixonado de novidades e enigmas, ser-lhe-á muito fácil deslizar na posição nova.

Não esqueça que poderá obter valores mais preciosos e dignos que a simples análise das coisas.
A curiosidade, mesmo sadia, pode ser zona mental muito interessante, mas perigosa, por vezes.

Dentro dela, o espírito desassombrado e leal consegue movimentar-se em actividades nobilitantes;
mas os indecisos e inexperientes podem conhecer dores amargas, sem proveito para ninguém.

Clarêncio ofereceu-lhe ingresso nos Ministérios, começando pela Regeneração.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2011 11:36 pm

Pois bem: não se limite a observar.
Ao invés de albergar a curiosidade, medite no trabalho e atire-se a ele na primeira ocasião que se ofereça.

Surgindo ensejo nas tarefas da Regeneração, não se preocupe em alcançar o espectáculo dos serviços nos demais Ministérios.

Aprenda a construir o seu círculo de simpatias e não olvide que o espírito de investigação deve manifestar-se após o espírito de serviço.

Pesquisar actividades alheias, sem testemunhos no bem, pode ser criminoso atrevimento.
Muitos fracassos, nas edificações do mundo, originam-se de semelhante anomalia.

Todos querem observar, raros se dispõem a realizar.
Somente o trabalho digno confere ao espírito o merecimento indispensável a quaisquer direitos novos.

O Ministério da Regeneração está repleto de lutas pesadas, localizando-se ali a região mais baixa de nossa colónia espiritual.

Saem de lá todas as turmas destinadas aos serviços mais árduos.
Não se considere, porém, humilhado por atender às tarefas humildes.

Lembro-lhe que em todas as nossas esferas, desde o planeta até os núcleos mais elevados das zonas superiores, em nos referindo à Terra, o Maior Trabalhador é o próprio Cristo e que Ele não desdenhou o serrote pesado de uma carpintaria.

O Ministro Clarêncio autorizou-o, gentilmente, a conhecer, visitar e analisar;
mas pode, como servidor de bom senso, converter observações em tarefa útil.

É possível receber alguém negativa justa dos que administram, quando peça determinado género de actividade reservada, com justiça, aos que muito hão lutado e sofrido no capítulo da especialização;
mas ninguém se recusará a aceitar o concurso do espírito de boa-vontade, que ama o trabalho pelo prazer de servir.

Meus olhos estavam húmidos.
Aquelas palavras, pronunciadas com meiguice maternal, caíam-me no coração como bálsamo precioso.
Poucas vezes sentira na vida tanto interesse fraternal pela minha sorte.

Semelhante conselho calava-me no fundo d'alma e, como se desejasse temperar com amor os criteriosos conceitos, a senhora Laura acrescentou com inflexão carinhosa:
- A ciência de recomeçar é das mais nobres que nosso espírito pode aprender.

São muito raros os que a compreendem nas esferas da crosta.
Temos escassos exemplos humanos, nesse sentido.

Lembremos, contudo, o de Paulo de Tarso, Doutor do Sinédrio, esperança de uma raça, pela cultura e pela mocidade, alvo de geral atenção em Jerusalém, que voltou, um dia, ao deserto para recomeçar a experiência humana, como tecelão rústico e pobre.

Não pude mais. Tomei-lhe as mãos como filho agradecido, e cobri-as do pranto jubiloso que me inundava o coração.

A progenitora de Lísias, agora de olhos fixos no horizonte, murmurou:
- Muito grata, meu irmão. Creio que você não veio a esta casa atendendo ao mecanismo da casualidade.

Estamos todos entrelaçados em teia de amizade secular.
Brevemente voltarei ao círculo da carne; entretanto, continuaremos sempre unidos pelo coração.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2011 11:37 pm

Espero vê-lo animado e feliz, antes de minha partida.
Faça desta casa a sua habitação. Trabalhe e anime-se, confiando em Deus.

Levantei os olhos rasos d’água, fixei-lhe a expressão carinhosa, experimentei a felicidade que nasce dos afectos puros e tive impressão de conhecer minha interlocutora, de velhos tempos, embora tentasse, debalde, identificar-lhe o carinho nas reminiscências mais distantes.

Quis beijá-la muitas vezes, com o enternecimento filial do coração, mas, nesse instante, alguém bateu à porta.

Fitou-me a senhora Laura, mostrando indefinível ternura maternal e falou:
- É Rafael que vem buscá-lo.
Vá, meu amigo, pensando em Jesus.
Trabalhe para o bem dos outros, para que possa encontrar seu próprio bem.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2011 11:37 pm

26 - NOVAS PERSPECTIVAS

Ponderando as sugestões carinhosas e sábias da mãe de Lísias, acompanhei Rafael, convicto de que iria, não às visitas de observações, mas ao aprendizado e serviço útil.

Anotava, surpreso, os magníficos aspectos da nova região, rumo ao local onde me aguardava o Ministro Genésio; contudo, seguia Rafael, em silêncio, estranho agora ao prazer das muitas indagações.

Em compensação, experimentava novo género de actividade mental.

Dava-me todo à oração, pedindo a Jesus me auxiliasse nos caminhos novos, a fim de que me não faltasse trabalho e forças para realizá-lo.

Antigamente, avesso às manifestações da prece, agora a utilizava como valioso ponto de referência sentimental aos propósitos de serviço.

O próprio Rafael, de quando em vez, lançava-me curioso olhar, como se não devesse esperar tal atitude de minha parte.

Deixou-nos o aeróbus à frente de espaçoso edifício.
Descemos, calados.
Em poucos minutos, achava-me diante do respeitável Genésio, um velhinho simpático, cujo semblante revelava, entretanto, singular energia.

Rafael apresentou-me fraternalmente
- Ah! sim disse o generoso Ministro -, é o nosso irmão André?
- Para servi-lo - respondi.
- Tenho notificação de Laura, referente à sua vinda. Fique à vontade.

Nesse ínterim, o companheiro aproximou-se respeitosamente e despediu-se, abraçando-me em seguida.
Rafael era esperado com urgência no sector de tarefas a seu cargo.

Fixando em mim os olhos muito lúcidos, Genésio começou a dizer:
- Clarêncio falou-me a seu respeito, com interesse.
Quase sempre recebemos pessoal do Ministério do Auxílio, em visita de observações que, na sua maior parte, redundam em estágios de serviço.

Compreendi a subtil alusão e obtemperei:
- Este o meu maior desejo. Tenho mesmo suplicado às Forças Divinas que me ajudem o espírito frágil, permitindo seja convertida a minha permanência, neste Ministério, em estação de aprendizado.

Genésio parecia comovido com as minhas palavras, e, valendo-me das inspirações que me inclinavam à humildade, roguei, de olhos húmidos:
- Senhor Ministro, compreendo agora que minha passagem pelo Ministério do Auxílio se verificou por efeito da graça misericordiosa do Altíssimo, talvez devido a constante intercessão de minha devotada e santa mãe.

Noto, porém, que somente venho recebendo benefícios, sem nada produzir de útil.
Certo, meu lugar é aqui, nas actividades regeneradoras.
Se possível, faça, por obséquio, seja transformada a concessão de visitar em possibilidade de servir.

Compreendo hoje, mais que nunca, a necessidade de regenerar meus próprios valores.
Perdi muito tempo na vaidade inútil, fiz enormes gastos de energia na ridícula adoração de mim mesmo!...

Satisfeito, notava ele, no fundo de meu coração, a sinceridade viva.
Quando eu recorrera ao Ministro Clarêncio, não estava ainda bastante consciente do que pedia.
Queria serviço, mas talvez não desejasse servir.

Não entendia o valor do tempo, nem enxergava as bênçãos santificantes da oportunidade.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 13, 2011 11:37 pm

No fundo, era o desejo de continuar a ser o que tinha sido até então - o médico orgulhoso e respeitado, cego nas pretensões descabidas do egotismo em que vivia, encarcerado nas opiniões próprias.

No entanto, agora, diante do que vira e ouvira, compreendendo a responsabilidade de cada filho de Deus na obra infinita da Criação, punha nos lábios quanto possuía de melhor.

Era sincero, enfim.
Não me preocupava o género de tarefa, procurava o conteúdo sublime do espírito de serviço.

O velhinho fitou-me, surpreendido, e perguntou:
- É mesmo você o ex-médico?
- Sim... - murmurei, acanhado.

Genésio calou por momentos, como buscando resolução para o caso, dizendo, então:
- Louvo seus propósitos e peço igualmente ao Senhor o conserve nessa posição digna.

E, como que preocupado em levantar-me o ânimo e acender-me no espírito novas esperanças, acentuou:
- Quando o discípulo está preparado, o Pai envia o instrutor.
O mesmo se dá, relativamente ao trabalho.

Quando o servidor está pronto, o serviço aparece.
O meu amigo tem recebido enormes recursos da Providência.


Está bem disposto à colaboração, compreende a responsabilidade, aceita o dever.
Tal atitude é sumamente favorável à concretização dos seus desejos.

Nos círculos carnais, costumamos felicitar um homem quando ele atinge prosperidade financeira ou excelente figuração externa;
entretanto, aqui a situação é diferente.
Estima-se a compreensão, o esforço próprio, a humildade sincera.

Identificando-me a ansiedade, concluiu:
- É possível obter ocupações justas.
Por enquanto, porém, é preferível que visite, observe, examine.

E logo, ligando-se ao gabinete próximo, falou em voz alta:
- Solicito a presença de Tobias, antes que se dirija às Câmaras de Rectificação.

Não se passaram muitos minutos e assomou à porta um senhor de maneiras desembaraçadas.
- Tobias - explicou Genésio, atencioso -, aqui tem um amigo que vem do Ministério do Auxílio, em tarefa de observação.
Creio de muito proveito para ele o contacto com as actividades das câmaras rectificadoras.

Estendi-lhe a mão, enquanto o desconhecido correspondia, afirmando, gentil:
- Às suas ordens.
- Conduza-o - prosseguiu o ministro, evidenciando grande bondade.

André precisa integrar-se no conhecimento mais íntimo de nossas tarefas.
Faculte-lhe toda oportunidade de que possamos dispor.

Prontificou-se Tobias, revelando a maior boa-vontade.
- Estou de caminho - acrescentou ele, bem-humorado -, se deseja acompanhar-me...
- Perfeitamente - respondi, satisfeito.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 12:03 am

O Ministro Genésio abraçou-me, comovido, com palavras de animação.
Segui Tobias resolutamente.
Atravessamos largos quarteirões, onde numerosos edifícios me pareceram colmeias de serviço intenso.

Percebendo-me a silenciosa indagação, o novo amigo esclareceu:
- Temos aqui as grandes fábricas de "Nosso Lar".

A preparação de sucos, de tecidos e artefactos em geral, dá trabalho a mais de cem mil criaturas, que se regeneram e se iluminam ao mesmo tempo.

Daí a momentos, penetramos num edifício de aspecto nobre.
Servidores numerosos iam e vinham.
Depois de extensos corredores, deparou-se-nos vastíssima escadaria, comunicando com os pavimentos inferiores.

- Desçamos - disse Tobias em tom grave.

E notando minha estranheza, explicou, solícito:
- As Câmaras de Rectificação estão localizadas nas vizinhanças do Umbral.

Os necessitados que aí se reúnem não toleram as luzes, nem a atmosfera de cima, nos primeiros tempos de moradia em "Nosso Lar".
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 12:03 am

27 - O TRABALHO, ENFIM

Nunca poderia imaginar o quadro que se desenhava agora aos meus olhos.

Não era bem o hospital de sangue, nem o instituto de tratamento normal da saúde orgânica.
Era uma série de câmaras vastas, ligadas entre si e repletas de verdadeiros despojos humanos.

Singular vozerio pairava no ar.
Gemidos, soluços, frases dolorosas pronunciadas a esmo...

Rostos escaveirados, mãos esqueléticas, fácies monstruosas deixavam transparecer terrível miséria espiritual.

Tão angustiosas foram minhas primeiras impressões que procurei os recursos da prece para não fraquejar.

Tobias, imperturbável, chamou velha servidora, que acudiu atenciosamente:
- Vejo poucos auxiliares - disse admirado -, que aconteceu?

- O Ministro Flácus - esclareceu a velhinha em tom respeitoso - determinou que a maioria acompanhasse os Samaritanos (1) para os serviços de hoje, nas regiões do Umbral.

- Há que multiplicar energias - tornou ele sereno -, não temos tempo a perder.
- Irmão Tobias!... Irmão Tobias!... por caridade! - gritou um ancião, gesticulando, agarrado ao leito, à maneira de louco - estou a sufocar!
Isto é mil vezes pior que a morte na Terra...

Socorro! socorro! quero sair, sair!. . . quero ar, muito ar!

Tobias aproximou-se, examinou-o com atenção e perguntou:
- Porque teria o Ribeiro piorado tanto?
- Experimentou uma crise de grandes proporções - explicou a serva - e o Assistente Gonçalves esclareceu que a carga de pensamentos sombrios, emitidos pelos parentes encarnados, era a causa fundamental desse agravo de perturbação.

Visto achar-se ainda muito fraco e sem ter acumulado força mental suficiente para desprender-se dos laços mais fortes do mundo, o pobre não tem resistido, como seria de desejar.

Enquanto o generoso Tobias acariciava a fronte do enfermo, a serviçal prosseguia esclarecendo:
- Hoje, muito cedo, ele se ausentou sem consentimento nosso, a correr desabaladamente.

Gritava que lhe exigiam a presença no lar, que não podia esquecer a esposa e os filhos chorosos;
que era crueldade retê-lo aqui, distante do lar.

Lourenço e Hermes esforçaram-se por fazê-lo voltar ao leito, mas foi impossível.
Deliberei, então, aplicar alguns passes de prostração.
Subtrai-lhe as forças e a motilidade, em benefício dele mesmo.

- Fez muito bem - acentuou Tobias, pensativo -, vou pedir providências contra a atitude da família.
É preciso que ela receba maior bagagem de preocupações, para que nos deixe o Ribeiro em paz.

Fixei o doente procurando identificar-lhe a expressão íntima, verificando a legítima expressão de um dementado.

Ele chamara Tobias como a criança que conhece o benfeitor, mas acusava profundo alheamento de quanto se dizia a seu respeito.

Notando-me a admiração, o novo orientador explicou:
- O pobrezinho permanece na fase de pesadelo, em que a alma pouco mais vê e ouve que as aflições próprias.
O homem, meu caro, encontra na vida real o que amontoou para si mesmo.
Nosso Ribeiro deixou-se empolgar por numerosas ilusões.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 12:03 am

Eu quis indagar da origem dos seus padecimentos, conhecer-lhes a procedência e o histórico da situação;
entretanto, recordei as criteriosas ponderações da mãe de Lísias, relativas à curiosidade, e calei.
Tobias dirigiu ao enfermo generosas palavras de optimismo e esperança.

Prometeu que iria providenciar recurso a melhoras, que mantivesse calma em benefício próprio e que não se aborrecesse por estar preso à cama.

Ribeiro, muito trémulo, rosto ceráceo, esboçou um sorriso muito triste e agradeceu com lágrimas.

Seguimos através de numerosas filas de camas bem cuidadas, sentindo a desagradável exalação ambiente, oriunda, como vim a saber mais tarde, das emanações mentais dos que ali se congregavam, com as dolorosas impressões da morte física e, muita vez, sob o império de baixos pensamentos.

- Reservam-se estas câmaras - explicou o companheiro bondosamente - apenas a entidades de natureza masculina.
- Tobias! Tobias... Estou morrendo à fome e sede! - bradava um estagiário.

- Socorro, irmão!... - gritava outro.
- Por amor de Deus!... Não suporto mais!... - exclamava ainda outro.

Coração alanceado ante o sofrimento de tantas criaturas, não contive a interrogação penosa:
- Meu amigo, como é triste a reunião de tantos sofredores e torturados! Por que este quadro angustioso?

Tobias respondeu sem se perturbar:
- Não devemos observar aqui somente dor e desolação.

Lembre, meu irmão, que estes doentes estão atendidos, que já se retiraram do Umbral, onde tantas armadilhas aguardam os imprevidentes, descuidosos de si mesmos.

Nestes pavilhões, pelo menos, já se preparam para o serviço regenerador.
Quanto às lágrimas que vertem, recordemos que devem a si mesmos esses padecimentos.
A vida do homem estará centralizada onde centralize ele o próprio coração.

E depois de uma pausa, em que parecia surdo a tantos clamores, acentuou:
- São contrabandistas na vida eterna.
- Como assim? - atalhei, interessado.

O interlocutor sorriu e respondeu em voz firme:
- Acreditavam que as mercadorias propriamente terrestres teriam o mesmo valor nos planos do Espírito.

Supunham que o prazer criminoso, o poder do dinheiro, a revolta contra a lei e a imposição dos caprichos atravessariam as fronteiras do túmulo e vigorariam aqui também, oferecendo-lhes ensejos a disparates novos.

Foram negociantes imprevidentes.
Esqueceram de cambiar as posses materiais em créditos espirituais.
Não aprenderam as mais simples operações de câmbio no mundo.

Quando iam a Londres, trocavam contos de réis por libras esterlinas;
entretanto, nem com a certeza matemática da morte carnal se animaram a adquirir os valores da espiritualidade.

Agora... que fazer?
Temos os milionários das sensações físicas transformados em mendigos da alma.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 15, 2011 12:04 am

Realíssimo! Tobias não podia ser mais lógico.

Meu novo instrutor, após distribuir conforto e esclarecimento a granel, conduziu-me a vasta câmara anexa, em forma de grande enfermaria, notificando:
- Vejamos alguns dos infelizes semimortos.

Narcisa, a servidora, acompanhava-nos, solícita.
Abriu-se a porta e quase cambaleei ante a surpresa angustiosa.

Trinta e dois homens de semblante patibular permaneciam inertes em leitos muito baixos, evidenciando apenas leves movimentos de respiração.

Fazendo gesto significativo com o indicador, Tobias esclareceu:
- Estes sofredores padecem um sono mais pesado que outros de nossos irmãos ignorantes.
Chamamos-lhes crentes negativos.

Ao invés de aceitarem o Senhor, eram vassalos intransigentes do egoísmo;
ao invés de crerem na vida, no movimento, no trabalho, admitiam somente o nada, a imobilidade e a vitória do crime.

Converteram a experiência humana em constante preparação para um grande sono e, como não tinham qualquer ideia do bem, a serviço da colectividade, não há outro recurso senão dormirem longos anos, em pesadelos sinistros.

Não conseguia externar meu espanto.
Muito cuidadoso, Tobias começou a aplicar passes de fortalecimento, sob meus olhos atónitos.

Finda a operação nos dois primeiros, começaram ambos a expelir negra substância pela boca, espécie de vómito escuro e viscoso, com terríveis emanações cadavéricas.

- São fluidos venenosos que segregam - explicou Tobias, muito calmo.
Narcisa fazia o possível por atender prontamente à tarefa de limpeza, mas debalde.
Grande número deles deixava escapar a mesma substância negra e fétida.

Foi então, que, instintivamente, me agarrei aos apetrechos de higiene e lancei-me ao trabalho com ardor.

A servidora parecia contente com o auxílio humilde do novo irmão, ao passo que Tobias me dispensava olhares satisfeitos e agradecidos.

O serviço continuou por todo o dia, custando-me abençoado suor, e nenhum amigo do mundo poderia avaliar a alegria sublime do médico que recomeçava a educação de si mesmo, na enfermagem rudimentar.

(1) Organização de Espíritos benfeitores em "Nosso Lar". - (Nota do Autor espiritual.)
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122421
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série André Luiz - Nosso Lar - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - Nosso Lar

Mensagem  Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 3 de 6 Anterior  1, 2, 3, 4, 5, 6  Seguinte

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos