LUZ ESPÍRITA
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Espiritismo, ética e moral / Jacira Jacinto da Silva - Milton Rubens Medran Moreira

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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 8:06 pm

3.4 Moralidade decorrente da liberdade
Em “O evangelho segundo o espiritismo”, no texto “a afabilidade e a doçura”, há interessante mensagem atribuída a Lázaro, de 1861.
Referindo-se às pessoas de exterior benigno, porém tiranas domésticas, observou que o despótico pode dizer: “Aqui mando e sou obedecido”, mas se esquece de complementar:
“E sou detestado.”6 (p. 163)

Trata-se de uma bela indicação do rumo proposto pelo espiritismo, além de ilustrar com propriedade a que leva o autoritarismo, muitas vezes disfarçado pelo falso moralismo. É desejável que haja respeito, deferência ao líder, ao dirigente, aos pais, às autoridades; mas a Filosofia Espírita não se compadece com nenhum tipo de disciplina forçada, imposta mediante agressão ou violência. Pela educação respeitosa - que reconhece no aprendiz um espírito humano inteligente, com potencial extraordinário de aprendizagem, surgirão actos de subtileza, gentileza, amor, reconhecimento e respeito.
Sentimentos e expressões amorosas e respeitosas são emanados de uma consciência liberta, sendo natural que pessoas racionais não respondam positivamente a truculências e imposições. Essas atitudes não produzem efectivas mudanças nos indivíduos e nos agrupamentos colectivos.
Todas as pessoas necessitam ser respeitadas, mas respeito, como todas as conquistas, não nasce pronto, decorrendo sempre de trabalho, estudo, observação, tratamento similar e incentivos. Do mesmo modo que violência gera violência, gentileza produz gentileza. Nesse fundamento se estrutura o entendimento espírita de que fora da liberdade poderá haver hipocrisia, não evolução verdadeira.
Referindo-se a Thomas Paine (1737-1809) como pensador decisivo para estruturar as bases da democracia dos tempos atuais, Mário Sérgio Cortella reproduz texto do mencionado autor, que merece reflexão:
“Quem quer garantir a própria liberdade deve preservar da opressão até o inimigo, pois, se fugir a esse dever, estará estabelecendo um precedente que até a ele próprio há de atingir.”29 (p. 82)
Passadas duas décadas do Século XXI, parece razoável reconhecer que parte considerável da humanidade já não admite mais viver sob censura, truculência e autoritarismo, não se vislumbrando nessas acções a capacidade de produzir bons efeitos.
Neste início do Século XXI tem ocorrido um movimento bem orquestrado em alguns países contra o racismo estrutural. Manifestações racistas, principalmente nos Estados Unidos, mas também em toda a América e Europa, incluindo o Brasil naturalmente, têm desencadeado fortes reacções sociais, emanadas de diversos segmentos.
O espiritismo foi escrito na metade do Século XIX e pautou-se, como sói acontecer, pela liberdade, em perfeita conformidade com a proposta de moral progressiva, aberta à reconsideração e à revisão, embasada na racionalidade que abre caminhos para o desenvolvimento da sociedade, em harmonia.
A evolução e o progresso não resultariam de um decreto ou de uma ordem estatal, sendo produto da convivência, do choque de emoções, da adaptação à vida social. Consoante lição de Deolindo Amorim, o progresso moral e intelectual depende, pois, da vida em sociedade.30 (p. 160) Na mesma direcção, preconiza Dora Incontri:
“(...) a evolução social interage dialecticamente com a evolução individual, de modo que uma dimensão não poderia realizar-se sem a interacção com a outra.”31 (p. 236)
A história está marcada com sangue, luta e extrema persistência humana para conquistar a liberdade. Os factos o revelam, desde o histórico movimento negro e feminismo negro32 nos Estados Unidos e a luta contra o apartheid na África do Sul, até expoentes contemporâneos, como a paquistanesa Malala Yousafzai, Nobel da Paz em 2014 e a iraniana Shirin Ebadi, Nobel da Paz em 2003.
Fundamental lembrar Gandhi, com sua capacidade extraordinária de realizar campanhas sem violência, tendo sido a grande inspiração de Martin Luther King - maior referência de luta dos negros contra a discriminação racial nos Estados Unidos, pela igualdade e pela liberdade em toda a América.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 8:06 pm

A propósito, Paulo Henrique de Figueiredo afirma que “a heteronomia pode ser compreendida como o estado de infância espiritual da humanidade e a autonomia como sendo o estágio de conquista da harmonia social, ou o início de sua maturidade moral”. Nesse estágio, considera o autor que o dever é assumido por adesão consciente, voluntária e livre, pela compreensão do que é bom e universal. Diz Figueiredo:
“Regidas pela moral heterónoma, as massas agem como zumbis, robôs teleguiados pelas ordens de alguns. (...) Na moral autónoma, as leis morais são internas e estão presentes na consciência. Ela se estabelece pelos princípios da liberdade e da igualdade.”12 (p. 347)
A liberdade figura como combustão imprescindível a impulsionar a acção humana, mas a convivência social, presente na quase totalidade das relações inter-vivos, a limita. O mesmo direito invocado por um é devido também ao outro, nascendo desse facto a imprescindível necessidade da tolerância. O exercício da alteridade se impõe nas relações humanas, como ferramenta indispensável e recíproca, consideradas a impossibilidade de todos pensarem igualmente e a dificuldade natural dos seres humanos de enxergarem sob a mesma perspectiva.

[“Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta. Não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.”]
Cecília Meireles (1901-1964)

VOCÊ SABIA?
INSURREIÇÃO DO QUEIMADO, UM MARCO DA LUTA PELA LIBERDADE
O dia 19 de março de 1849 é um dos mais significativos do calendário da cultura negra. Nesta data, aconteceu a Insurreição do Queimado, esse emblemático episódio da história afro-brasileira. E apesar dos escassos registos sobre o assunto, a data é lembrada e celebrada, principalmente, no Estado do Espírito Santo, onde ocorreu o grito de liberdade dos negros escravizados. Para saber mais:
http://www.palmares.gov.br/?p=9431
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 8:06 pm

4 ESPIRITISMO E AS LEIS MORAIS
Jacira Jacinto da Silva
Estudar espiritismo, ética e moral, considera como pressuposto a relevância da parte III de O Livro dos Espíritos que trata das Leis Morais, já indicadas pelo co-autor deste livro no Capítulo 2. Esse trabalho de Kardec pode ser considerado o maior compêndio de lições éticas encontrado no espiritismo, possuindo aptidão para nortear o proceder humano. É certo que a sua aplicação não tem carácter compulsório, porém, ali se encontram excelentes directrizes para a reflexão do comportamento ético; uma verdadeira bússola segura para quem, deontologicamente, tem a pretensão de melhorar-se.
Observados os conceitos básicos de amor, justiça e caridade, a compreensão das leis do progresso, de igualdade e liberdade, cada um dos tópicos dessa parte de O Livro dos Espíritos coloca o estudioso em contacto com a essência do espiritismo.
Esse estudo, contudo, não pode se revelar vazio de significado na vida quotidiana. Dele há de resultar reflexão profunda, acção, movimento rumo à modificação das práticas, uma mudança na forma de olhar o mundo e de nele portar-se.

“Reconhece-se o verdadeiro espírita por sua transformação moral e pelos esforços que faz para dominar as más inclinações”.
Allan Kardec (1804-1869)

4.1 Construção de um novo paradigma
O conhecimento da Filosofia Espírita, seu estudo e a aproximação com o pensamento produzido a partir de Allan Kardec, pode conduzir a significativos câmbios nas manifestações humanas. Para além das convicções que a pessoa vai acumulando enquanto se aprofunda na literatura espírita, anseia-se também pela construção de novas propostas para o mundo em que habita.
O entendimento sobre a imortalidade do espírito e a possibilidade de reencarnar tantas vezes quantas sejam necessárias à evolução, melhora a compreensão sobre a importância e o valor das atitudes cotidianas, permitindo repensar todas as formas de expressão da vida. Desde a preocupação com a sustentabilidade do meio ambiente, aos maiores projectos científicos em prol da cura de enfermidades graves, as manifestações humanas ganham novo contorno e significado. Interessante a manifestação de Amado Nervo, citado por Jon Aizpúrua:
“Dentro de alguns séculos quiçá repouses à sombra do carvalho centenário que hoje plantaste.”4 (p. 24)
Vendo-nos como espíritos imortais, teremos maior motivação para combater as mazelas humanas, a fome, a desigualdade social, os maus tratos aos animais e à natureza, preconceitos e discriminações. Sabendo que poderemos experimentar posições sociais, identidade de género, etnias e outras condições de vida, diversas em novas experiências reencarnatórias, o nosso olhar sobre o que nos parece diferente pode se modificar.
Nesse conceito espírita, voltado para o aproveitamento da encarnação como uma etapa da evolução espiritual, não se mostra sufi ciente engrossar a corrente dos que crêem, dos que se dizem respeitosos (tementes) a Deus e às suas leis, dos que se qualificam como muito estudiosos. O mundo espera por atitudes; cabe-nos a construção de novos paradigmas para o proceder humano, que nos dê esperança, sim, mas que, acima de tudo, nos proporcione a obstinação para promover as transformações desejadas.
Em conformidade com as pertinentes lições de Manuel Porteiro, a desigualdade económica e social, a convivência natural da sociedade com os crimes de exploração, a divisão em classes exploradas e exploradoras, a aceitação pacífica da existência de déspotas e poderosos no domínio e na condução da vida de miseráveis e famintos, não podem ser admitidas como condições necessárias para o progresso do espírito. Repelindo essa tendência, inacreditavelmente defendida até mesmo entre espíritas, Porteiro condena também a proposta de não eliminar esses problemas sociais, sob o pretexto de não romper a causalidade espírita. Para esse autor, referida postura cheira mais a igreja que a espiritismo; a religião que a filosofia científica.33 (p. 151)
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 8:06 pm

Importa ressaltar que religião nunca foi sinónimo de ética, de moral ou de bom comportamento.
Nesse norte aponta a lição de Alysson Mascaro:
“As religiões gravitam cada vez menos em termos de um eixo coerente de dogmas, para construírem, cada vez mais, um maquinário de poder que seja pragmaticamente sufi ciente a múltiplos propósitos de domínio social. Na actualidade, pelas religiões falam menos o interesse da moral intrínseca e mais o interesse da política e do capital.”34 (pp. 19-20)
O espiritismo autêntico está calcado em conceito diverso, não preconizando o sofrimento como condição para haurir felicidade, conquanto dele se extraia, serenamente, a noção de livre arbítrio atrelado à de responsabilidade. Nessa interpretação, a filosofia espírita sugere preocupação com a felicidade das pessoas; reconhece a possibilidade de elas edificarem caminhos menos tortuosos, processos edificantes, superação solidária e colectiva; desvendando, enfim, um horizonte positivo, promissor, esperançoso.
A encarnação pode e deve ser encarada como oportunidade de produzir felicidade, não apenas no campo individual, mas também colectivamente (35).
Mas essa compreensão depende de reconhecermos o espiritismo como um caminho - uma opção que se diferencia das propostas fundadas na culpa, no pecado e no sofrimento; propondo, ao contrário, esperança e vida; a busca permanente da construção de felicidade.

4.2 Ética em nós
Das discussões precedentes compreende-se a ética como o conjunto de princípios definidores do carácter, do modo de ser de um indivíduo, do conjunto de crenças e valores que configuram a sua maneira de ver, pensar, apreciar e actuar na sociedade.
Ética também pode ser interpretada como o conjunto de conceitos morais e princípios reflectidos nas condutas individuais e colectivas de uma sociedade, as quais, por si mesmas revelam seus valores, mais ou menos plurais, mais ou menos solidários, mais ou menos egoístas, mais ou menos justos.
Esses valores, mais principio lógicos e paradigmáticos do que normativos, passam, paulatinamente, a fazer parte da personalidade, em diferentes momentos para cada indivíduo, já que não há pessoas ou grupos sociais com pensamentos absolutamente homogéneos. Cada integrante da sociedade absorve, ao seu tempo e ao seu modo, esse conjunto de princípios e valores. O movimento que insere a pessoa noutro patamar de compreensão da vida não é abrupto, mas construído em um processo. Não se reverte a ignorância, a brutalidade, a violência, e tantas outras dificuldades humanas, repentinamente.
A proposta vigorante para a vida e a conduta do estudioso do espiritismo, vista essa filosofia pelo seu enfoque libertário, promotor de autonomia, é a de encarar a razão face a face como propôs Kardec.
Sugere abandonar o manto sagrado com que, por vezes, nos revestimos no meio religioso, com pouca autenticidade, em regra, aparentando uma evolução moral que não possuímos.
Assumirmos nossas fraquezas e encararmos as consequências que elas produzem, é condição necessária para, a partir da auto-análise, pautarmos nossas acções em referenciais mais fecundos.
A necessidade de evoluir, mudar nossos sentimentos e acções, pode, eventualmente, coincidir com os mesmos anseios contemplados nos meios religiosos; mas o diferencial que propomos residirá sempre na possibilidade de lidar honestamente com nossas imperfeições. Há uma publicação que se acessa facilmente pela internet, denominada “20 Exercícios de Chico Xavier para a Reforma Íntima”36 evidenciando, claramente, a sua distinção com a proposta deste livro. Basta analisá-la desapaixonadamente para se concluir que a propalada “reforma íntima” equivale à transformação mágica do ser humano rude em ser celestial. A nosso ver, não é isso que propugna a Filosofia Espírita.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 8:07 pm

A análise do espiritismo em bases Kardecistas contribui para a compreensão de que somos humanos, pessoas em incipiente processo evolutivo que, embora valiosas e capazes, aprendem e evoluem vagarosamente, não se cogitando de transformações repentinas, súbitas e milagrosas.
Ao se referir ao objectivo maior da Filosofia Espírita, Jaci Regis escreveu:
“[Kardec] declarou que o espiritismo é uma doutrina filosófica e moral. E é nesse sentido que analisaremos a contribuição do espiritismo para a renovação social. Por quê? Porque se o espiritismo se fixasse numa “reforma pessoal”, íntima apenas, seria uma doutrina elitista, um grupo fechado, um clube privilegiado.”14 (p. 116)
O peso da cultura judaico-cristã muitas vezes nos torna incapazes de assumir que cometemos equívocos; entretanto, ao menos no ocidente, dispomos de conhecimento sufi ciente para superar essa dicotomia entre o sagrado e o profano.
Em repetidas situações cotidianas poderíamos aprender muito mais com o outro, ou se tivéssemos a capacidade de reconhecer e compreender o próprio erro, mas isso demandaria um pouco de humildade. Ocorre que vivemos como se tivéssemos a “obrigação” de estar acima do erro, ou de sermos perfeitos. Como isso seria possível?
A Filosofia Espírita propõe a busca da evolução, mas reconhece que todos os espíritos têm a eternidade para construí-la. O estímulo da proposta espírita consiste em oportunizar, sem castigos e sem penas. A lei geral flui naturalmente e a vida concede, generosamente, todas as oportunidades de que necessitamos em sucessivas encarnações humanas, viabilizando o nosso aprimoramento. Trata-se de uma demanda solidária e comunitária, que não dispensa o protagonismo individual.
Não obstante, à medida que o espírito desperta para os valores ético-morais, passa a considerar a relevância e a razoabilidade de colocar-se, com liberdade, a serviço de acções favoráveis também à colectividade. Esse movimento libertador de construção colectiva promove as iniciativas para as mudanças sociais necessárias.
O texto de Cleusa Colombo contribui para o entendimento da questão:
“A evolução do homem integral, entendido como ser moral que se manifesta na sociedade, é que determina a evolução das relações sociais”37 (p. 86) (grifei).
Reconhecemos a falta de ética nas atitudes
abusivas, em desmandos e ofensas aos direitos fundamentais dos cidadãos. Na metade do Século XIX, o espiritismo já colocava esses direitos no centro das suas atenções, de modo que se esperaria vê-los fortemente enraizados na cultura espírita.
Mas também é coerente, conforme a Filosofia Espírita, a heterogeneidade da população terrena.
Esse facto determina o respeito ao entendimento dos outros, não havendo razoabilidade em exigir, cobrar, ou impor a reforma do pensamento alheio. Cada um no seu tempo, de acordo com a sua compreensão e a sua capacidade de assimilar novos valores.
Pouco adequada ou desejável seria uma comunidade de iguais, sendo imprescindível aprender a conviver com as diferenças. A convivência entre desiguais, reconheçamos, possibilita crescimento e aprendizagem, exsurgindo cristalina a importância da prática da alteridade.
O texto atribuído por Mário S. Cortella a Anatole France (1844-1924), ganhador do Nobel de literatura em 1921, em seu “O jardim de Epicuro”, contribui para enfrentar as dificuldades de convivência, ou coexistência, com pensamentos diversos:
“Chamamos de perigosos os que têm o espírito feito diferente do nosso, e de imorais, os que não têm as nossas próprias ilusões, sem mesmo nos preocuparmos em saber se têm outras.”38 (p. 46)
Embora sejamos, em regra, muito donos das nossas verdades, advertências como essa são bastante favoráveis ao entendimento das próprias dificuldades e limitações. Nesse contexto o exercício da alteridade aparece como ferramenta indispensável para desenvolver a capacidade de ouvir o outro e, verdadeiramente, valorizar a opinião do outro, ainda que dela possamos discordar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 11:22 am

Luiz Signates39 ensina que a prática da alteridade convive com o conflito, sendo razoável no confronto de ideias a evolução de ambos os posicionamentos, embora não comporte violência, pois nesse cenário todos perderiam.
Pensar que conceitos velhos e rebatidos merecem roupagem nova pode ser um convite interessante em todas as áreas.
O que a Filosofia Espírita efectivamente propõe é a noção de livre arbítrio com responsabilidade. A lei natural da vida nos concede a liberdade de agir e assim é bom que seja, pois, a verdadeira noção de responsabilidade nasce da liberdade.
Compreende-se, pelo olhar espírita, que as formas de coacção impedem o progresso, enquanto a vida flui e se transforma naturalmente na liberdade.
As imposições, contrariamente, castram os impulsos naturais e não contribuem para o progresso das pessoas. Ao se referir à evolução humana, Herculano Pires lembrou Simone de Beauvoir, que teria considerado a humanidade como um devir, um processo de mutações constantes na direcção do futuro.40 (p. 116)

VOCÊ SABIA?
Grandes influências foram promovidas por revolucionários como Simone de Beauvoir, autora da frase que persiste válida e desafiadora:
QUE NADA NOS DEFINA.
QUE NADA NOS SUJEITE.
QUE A LIBERDADE SEJA A NOSSA PRÓPRIA SUBSTÂNCIA.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 11:22 am

5 ÉTICA, MORAL E QUESTÕES ACTUAIS
Jacira Jacinto da Silva
Neste capítulo, são abordadas as questões contemporâneas que envolvem ética e moral, com especial atenção às que decorrem das injustiças sociais. A Filosofia autenticamente espírita oferece subsídio para a compreensão dos problemas hodiernos. A sociedade ainda resiste ao enfrentamento da desigualdade social, historicamente lento. Intolerância à diversidade e à identidade de género, xenofobia, misoginia, racismo, divisão de classes e outros atentados aos direitos humanos e à democracia, são questões tormentosas, ensejando preconceitos de diversas proporções e matizes.
Em pleno Século XXI, quando assistimos a manifestações contrárias ao racismo estrutural*, por exemplo, ainda há autoridades que negam a sua existência. O tema em análise, tratado sob a óptica espírita, ganha conotação especial, pela qual a imortalidade e a possibilidade da reencarnação permitem alargar a visão. Não somos negro, amarelo ou branco; LGBTQIA+ ou heterossexual, rico ou pobre, perfeito ou deficiente; simplesmente estamos numa ou noutra dessas ou de outras expressões da vida humana, assim como poderemos já, na próxima encarnação, experienciar outra condição.
Esses fenómenos acontecem em qualquer parte do mundo, podendo ser percebidos no âmbito ocidental, na Europa, nos Estados Unidos, noutros países e regiões e na América Latina. Não se pode precisar o marco temporal exacto em que emergiram, mas é possível afirmar que se revelaram significativa ** Racismo estrutural é a formalização de um conjunto de práticas institucionais, históricas, culturais e interpessoais dentro de uma sociedade que frequentemente coloca um grupo social ou étnico em uma posição melhor para ter sucesso e ao mesmo tempo prejudica outros grupos, de modo consistente e constante, causando disparidades que se desenvolvem entre os grupos ao longo de um período de tempo. Conjunto de práticas, hábitos, situações e falas enraizadas em nossa cultura, promovendo directa ou indirectamente, a segregação e o preconceito racial.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Racismo_estrutural#:~: e sistematicamente, causando especial incómodo a partir das três últimas décadas do Século XX.
Recente onda conservadora tem levado diversos países a optarem por governos radicais e descomprometidos com o Estado democrático de direito. Esses temas atuais e caros à Filosofia Espírita não integram o interesse dos governos posicionados às extremadas ideologias, de direita ou de esquerda, cuja visão de mundo está centrada no autoritarismo violento, no totalitarismo neofascista, na exclusão de direitos e no ódio. Também optam pela supremacia dos interesses económicos sobre qualquer dos direitos humanos.
Tendo superado uma ditadura militar com viés ideológico totalitário, que durou de 1964 a 1985, o Brasil foi capaz de elaborar uma constituição cidadã ainda no final dos anos 80 do Século XX.
Porém, apesar das tentativas de superação das suas mazelas, em sucessivos governos capitalistas, uns mais voltados a políticas liberais, outros mais atentos ao investimento social, o Brasil não atingiu patamares desejáveis na defesa dos direitos humanos, tampouco superou as históricas diferenças sociais.
Talvez seja correto afirmar que a disputa entre as tendências ideológicas de direita e esquerda, ou entre as visões mais e menos liberais, tensionou de tal forma esse antagonismo que terminou permitindo, no Brasil, a actuação radical e nefasta do neoliberalismo com grande potencial de destruir o caminho já percorrido.
A dificuldade se assenta na intolerância decorrente do egoísmo, sendo comum acreditarmos que o nosso ponto de vista deve predominar. Mas “convicção não se impõe”, segundo Kardec, para o qual dará sinal de uma doutrina boa “aquela que mais homens de bem e menos hipócritas fi zer”.5 (q. 842)
Para além do egoísmo, considerado o pior dos vícios e a verdadeira chaga da sociedade, vivemos ainda sob a égide da vaidade e do orgulho, agentes do descaso e da indiferença com o sofrimento alheio.
O espiritismo preconiza a igualdade de direitos entre todos os seres humanos, independentemente do género; repudia a violência ou a escravidão, refuta a aplicação de castigos como meio de educação/ressocialização e atribui, especialmente à ausência de investimentos na educação e no combate à corrupção, a incompetência para conter o crime.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 11:22 am

Nesse panorama, propõe a reforma das instituições humanas por meio da educação para que as pessoas se instruam acerca das coisas espirituais e dediquem menos valor às coisas materiais.5 (q. 914)

VOCÊ SABIA?
As Nações Unidas publicaram em 11/07/19 o Índice Multidimensional de Pobreza de 2019. O estudo destaca as “grandes desigualdades entre os países”.
Cerca de 1,3 bilhão de pessoas de 101 nações analisadas são consideradas “multidimensionalmente pobres”. As várias disparidades são evidentes nessas nações e entre os segmentos mais pobres de todas as sociedades. (...)
Em países como Burquina Faso, Chade, Etiópia, Níger e Sudão do Sul, há 90% ou mais de crianças com menos de 10 anos consideradas multidimensionalmente pobres.

5.1 Superação do padrão dicotómico certo/errado Descendentes das tradições judaicas herdadas pelos cristãos, fomos habituados a perceber o mundo a partir de uma visão maniqueísta**.
Não obstante, nas sábias palavras de William Shakespeare, há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia.
As relações humanas evidenciam ser impróprias as adjectivações das pessoas como “boas” ou “más”.
A exuberância dos exemplos encontrados nas situações cotidianas permite identificar qualidades e defeitos nas pessoas, algo muito coerente com a imperfeição humana.
De outra parte, é notória também a capacidade humana para se transformar e enxergar oportunidades até mesmo nas situações mais improváveis.
Excelente indicativo de que julgamentos e condenações radicais não contribuem. Ao invés de desconsiderar a capacidade intelectual do espírito, devemos recordar o objectivo da encarnação, oportunizando crescimento a todos os habitantes da Terra. Ainda que tenhamos sido forjados no caldo de cultura da punição retributiva, nossa missão é, também, a de trabalhar pelo progresso geral.
Em alternativa à mencionada posição dicotómica, a teoria espírita propõe outra referência: viver sob a abundância de possibilidades. Admitir a coexistência entre diferentes sem que um deva, necessariamente, prevalecer-se sobre o outro. Conviver entre incontáveis visões de mundo, crenças, filosofias, gostos, orientações etc.

** Doutrina fundada nos dois princípios opostos do Bem e do Mal.

5.2 Pautas sociais - um olhar espírita livre e plural desde o seu nascimento, na essência, a Filosofia Espírita volta-se ao modo adequado para encarar e tratar a vida e os problemas humanos. Longe de copiar as práticas religiosas, a proposta do fundador do espiritismo sempre foi pedagógica, progressista e progressiva, plural e totalmente afinada com as descobertas científicas.
As questões sociais atuais, relacionadas a aspectos ético-morais da vida em sociedade, colocam-se sob o foco de preocupação da Filosofia Espírita, potencialmente capaz de ofertar uma contribuição expressiva e significativa para a sua compreensão. Assim ocorreu também ao tempo do surgimento do espiritismo.
Embora não seja possível, no espaço limitado deste trabalho, aprofundar cada uma das pautas que compõem um conjunto de demandas sociais e ético morais da actualidade, cabe mencionar o modo de percebê-las e tratá-las no âmbito da filosofia espírita.
Exemplificativamente, algumas serão tratadas a seguir e comporão um manifesto, convindo mencionar que outros exemplares desta mesma colecção tratam outros temas correlatos.
Nas últimas décadas do Século XX os países capitalistas experimentaram, em sua maioria, o agravamento da crise económica, enquanto se fortaleciam avanços tecnológicos e políticas de viés neoliberal. O resultado foi a ampliação da exclusão social, cuja dimensão vem sendo ignorada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 11:23 am

Observem a seguinte manifestação de importantes juristas brasileiros:
“A conformação de mercados de trabalho cada vez mais restritos, precários, com uma informalidade ascendente, contribuiu para desestruturar nos países desenvolvidos uma sociabilidade mediada por direitos do trabalho.”41 (p. 208)
Em pleno Século XXI seria possível elencar um vasto rol de questões relacionadas aos direitos fundamentais do ser humano ainda mal resolvidas no cenário mundial. São muitos os desafios para a construção de um mundo mais digno, ético e solidário.
A questão 886 de O Livro dos Espíritos, elucida e valida a compreensão de que o espiritismo trata da evolução sob a perspectiva das relações humanas, ensinando que amar ao próximo é “fazer-lhe todo o bem que nos seja possível e que desejáramos nos fosse feito”.
A reflexão sobre essa questão coloca em pauta um dos problemas mais graves do planeta Terra, consubstanciado na ausência de Justiça Social.
Enquanto alguns consomem abusivamente, desperdiçam alimentos e destroem as riquezas naturais, uma infinidade de seres humanos está marginalizada, vivendo abaixo da linha da pobreza. O mundo está repleto de fome, mas esse grito, barrado pelo egoísmo, não ecoa, não chega aos detentores do poder.
Miguel Reale expressou seu desolamento com as visões nominalistas que, pura e simplesmente, negam as ideias de justiça social e bem comum.
Atribuindo essa visão ao liberalismo, questionou:
“Com que critério se identificará o “direito de terceiros” sem se cogitar de um “direito social comum”.42 (p. 129)
Milton Medran, em Direito e Justiça, alerta para as responsabilidades decorrentes da riqueza:
“Num mundo onde se multiplicam as injustiças sociais e onde, contraditoriamente, aqueles que mais têm aumentam suas fortunas em proporções cada vez mais aceleradas, há, por uma singela linha de consequência, redobrada responsabilidade social dos detentores da riqueza.”8 (p. 103)
Apesar dos diversos e visíveis entraves, a Filosofia Espírita possui contribuição relevante para a questão da promoção e inclusão social e da redistribuição de renda nas sociedades com maior nível de desigualdade no mundo. Para tanto, deve ser compreendida na sua dimensão filosófica, sem distorção da sua natureza laica, humanista, livre pensadora e progressista.
Ainda que o presente trabalho esteja fortemente vinculado às pautas sociais, algumas delas serão desenvolvidas e aprofundadas em outros livros das próximas séries desta Colecção. Na sequência, alguns destaques:
Algumas Pautas Sociais
Saúde
Segurança e Justiça
Democracia
Educação
Diversidade
Ciência e progresso
Amor e solidariedade
Trabalho
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 11:23 am

Saúde:
Como considerar natural o descaso do poder público com o sistema de saúde pública, ou as questões relacionadas à saúde colectiva? Mesmo ao leigo se mostra imprescindível a luta pela adoçam de políticas públicas capazes de contemplar a vigilância, a prevenção, a interdisciplinaridade, a construção colectiva em articulação com a sociedade, o mercado medicamentoso, as tecnologias e as abordagens educativas.
Dentre os factores já considerados, o cuidado com o meio ambiente merece atenção especial, bastando mencionar o efeito da emissão de gases, saneamento básico e desmatamento.
Rios são comprometidos pelo descarte irresponsável de lixo.
Como seria a saúde das pessoas no nosso planeta sem água potável? Esse recurso, embora extraordinário e oferecido em abundância pela natureza, é esgotável. Todos os seres humanos, indistintamente, têm direito a usufruir desse bem, mas boa parte da humanidade não o acessa.
A história do tratamento psiquiátrico, por si, já seria um exemplo extraordinário do que se pode produzir quando as políticas governamentais não consideram o ser humano e suas necessidades.
A opção pela institucionalização de doentes mentais, dependentes químicos e infractores da lei, de cunho meramente higienista, ignora o que deveria ser o esteio dessas e de outras políticas – o respeito aos direitos humanos. A proposta espírita permite à sociedade conduzir positivamente esse desafio e promover evolução histórica. Cabe ao espírita defender a melhoria dos sistemas universais de saúde e serviço público de saúde, já que o espiritismo não se compatibiliza com nenhuma exclusão.
Saúde alberga lazer. Por certo, o espírita sabe que não veio à Terra a passeio, tem noção do estágio evolutivo deste planeta e do tamanho do desafio a ser enfrentado. Disso resulta a consciência sobre o dever de trabalhar, estudar, irmanar-se em tarefas edificantes etc. Entretanto, faz parte desse processo renovar as energias; é salutar, positivo e muito louvável incluir um tempo para o lazer nas actividades
quotidianas, mas não só, há de se conferir acesso a todos, já que o esgotamento físico compromete a boa produção.

Segurança e Justiça:
A suposta protecção da sociedade transformou o sistema penitenciário do Brasil e de um número considerável de países em mero depósito de pessoas, quando muito poderia ser feito com possíveis políticas efectivas de ressocialização.
Carece observar que O Livro dos Espíritos foi publicado em 1857, praticamente um século antes da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 1948, contendo os mesmos princípios fundamentais, dos quais é válido destacar os Arts. V, VIII, IX e X. Também carece de atenção a resposta à Q. 796 de O Livro dos Espíritos:
“Uma sociedade depravada certamente precisa de leis severas. Infelizmente, essas leis mais se destinam a punir o mal depois de feito, do que a lhe secar a fonte. Só a educação poderá reformar os homens, que, então, não precisarão mais de leis tão rigorosas.”5106 Espiritismo, Ética e moral Pela vertente da justiça social, níveis ideais de atenção e preocupação com direitos imprescindíveis ao exercício da cidadania são identificados em peque no grupo de países ocidentais que, de fato, investem em educação, saúde, habitação e oportunidade de trabalho para todos - principais pilares da dignidade humana.
Emblemática a decisão de Zeus, no mito da criação do homem, narrado por Protágoras no Diálogo de Platão, de “atribuir aos seres humanos os sentimentos de justiça e de dignidade pessoal, sem os quais não há sociedade que subsista”.43 (pp. 538-9)
Para a promoção de Justiça e Segurança, espera-se dos governantes que promovam, isto sim:
• políticas atreladas aos serviços de inteligência, visando ao enfrentamento da violência urbana;
• a revisão do foco da condenação criminal, que deve ser interpretada como oportunidade de ressocialização e não de vingança;
• investimento em acções educativas desde a primeira infância, artísticas, culturais, desportivas, como atractivos no desabrochar dos talentos imanentes, servindo como antídotos à sedução da criminalidade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 11:23 am

Em livro de minha autoria44, proponho ofertar oportunidade de ressocialização para infractores de delitos com menor potencial ofensivo, lembrando que o castigo pelo castigo não se revela pacificador.
Busquei a inspiração em O Livro dos Espíritos, q. 761:
“é preciso abrir e não fechar ao criminoso a porta do arrependimento”.5
São necessárias acções prazerosas para o exercício da cidadania e disponibilizadas ao alcance de todos.
Mas, às vezes, governantes optam por incitar a população a se armar e a enfrentar seus adversários, retroagindo à barbárie, em acção incompatível com o momento civilizatório. Essa proposta não deve ser considerada alternativa para a vida social pacífica; evidencia, ao revés, ausência de ferramentas ético-morais de um povo, que estimula o uso da força bruta.
Como imaginar que haveria justiça na condenação criminal da mulher que não viu opção senão praticar o aborto? Por medo, falta de apoio ou de estrutura para enfrentar a “moral vigente”, insegurança económica ou desequilíbrio emocional, razões desconhecidas, é possível que o ser humano tome decisões que não tomaria noutras circunstâncias. Além de todo o sofrimento decorrente da própria decisão, pareceria correto colocar essa mulher na prisão?
O espiritismo induz solidariedade, fraternidade, compreensão e, mais que isso, fazer ao outro o que gostaríamos que, em situação idêntica, nos fosse feito. Não advogo a prática indiscriminada do aborto, mas a posição da filosofia espírita não propõe nenhuma condenação. A decisão de ter, ou não, o filho, pertence exclusivamente à mulher e não cabe ao espírita desejar a condenação criminal daquela que optou por abortar. Ser contra a criminalização não significa ser a favor do aborto.
Antes de tudo, o espiritismo defende a liberdade com responsabilidade.
Não é demais lembrar que além de a Filosofia Espírita e o Código Penal não condenarem a prática do aborto em caso de gravidez resultante de estupro, ou que coloque em risco a vida da mãe, o Supremo Tribuna Federal do Brasil já reconheceu a licitude em caso de feto Anencéfalo.
Cabe à sociedade agir positivamente, amparando mães que desejariam ter seus fi lhos; educando para os métodos anticonceptivos, esclarecendo sobre a oportunidade da vida. Cada uma já carrega o peso das suas acções, não carecendo da nossa condenação.

Democracia:
A democracia vem sendo ameaçada, como se as pessoas pudessem desfrutar de felicidade, de paz e de harmonia, sob o arbítrio severo de regimes ditatoriais e totalitários. É certo, e não deixa de ser curioso também, que esse tema específico não tenha sido tratado por Kardec; entretanto, os conceitos basilares da Filosofia Espírita se mostram inconciliáveis com os regimes que a ela se contrapõem. Por democracia não se pode entender unicamente a liberdade de escolher os governantes; o conceito compreende alargar e aprofundar o campo político em todos os espaços estruturais da interacção social.45 (p. 276) Essa revisão do status quo passa pela promoção de justiça social, sem a qual não se pode falar em democracia.
Há de se compreender, ainda, que a democracia está atrelada à ideia de liberdade, da qual se extrai a potência humana para resolver seus conflitos, sejam eles de que ordem forem.
A propósito, invoca-se uma vez mais a Declaração Universal dos Direitos Humanos, especialmente os seus Arts. XIV, XX e XXI, donde se extrai que “A vontade do povo será a base da autoridade do governo.”
O maior desafio da civilização humana, por longos séculos, não consistiu na luta pela sobrevivência em si mesma. A principal busca dos seres humanos foi alcançar a capacidade de relacionar-se livremente em seus grupos sociais.
Libertar-se da tirania, do jugo autoritário e das limitações impostas por restrições injustas, contínuas e desrespeitosas aos direitos naturais. Mário Sérgio Cortella, atribui ao iluminista francês Voltaire (1694-1778), frase instigante:
“Se o homem nasceu livre, deve governar-se, se ele tem tiranos, deve destroná-los”.38 (p. 89)
No sonho de liberdade se concentrou o fundamento maior das batalhas humanas. Esse ideal segue motivador ainda nos tempos atuais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 11:24 am

Educação:
Este trabalho representa um esforço de promover a Filosofia autenticamente Kardecista, cujo fundador, na condição de educador formado na escola de Pestalozzi, concedeu distinto aporte ao ensino, especialmente nos campos da civilidade, do humanismo e da solidariedade.
Lê-se no belo texto de Dora Incontri:
“Um dos mais legítimos direitos do ser humano é o de desenvolver e expressar a sua própria individualidade. Esta oportunidade só a Educação, entendida em suas finalidades reais, pode proporcionar.”46(p. 33)
A reforçar esse entendimento, preconizou Jaci Régis:
“(...) a moralidade não é vácuo existencial, nem a negação das forças naturais. Bem ao contrário, é uma resultante da apreensão dos autênticos objectivos existenciais.”14 (p. 114).
A educação, como ressaltou o fundador do espiritismo – direito fundamental previsto no Art.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º.º. XXVI da DUDH, é ferramenta extraordinária a produzir acções positivas, com maior eficácia pedagógica do que as meras retóricas em torno do tema. Kardec propôs a transformação moral livre, alicerçada em descobertas, na racionalidade e na vontade espontânea. O fundador do espiritismo, que já registava fantástico histórico como educador, reafirmou sua tendência pedagógica na questão 685, ao referir-se ao valor da educação moral:
“Há um elemento, que não se ponderou bastante, e sem o qual a ciência económica não passa de teoria: é a educação. Não a educação intelectual, mas a educação moral, e nem ainda a educação moral pelos livros, mas a que consiste na arte de formar caracteres, aquela que cria os hábitos, porque educação é conjunto de hábitos adquiridos.”5
Refere-se à possibilidade de educar pela disponibilização de oportunidades para a apreensão, valorizando as experiências práticas e quotidianas.
Faz sentido pensar que mais interessante e provei toso do que tentar ensinar a ética, seria vivenciá-la, inseri-la em nossos hábitos diários, permitindo que os exemplos fluíssem naturalmente na convivência familiar, nas posturas políticas, ou nos demais grupos de convivência, como o centro espírita, a escola e o trabalho.
Por esse prisma seria possível sonhar com uma sociedade mais politizada, pois a preocupação com as questões políticas estaria no dia a dia de pais e professores; faria parte do conjunto de hábitos importantes a serem cultivados e consequentemente compartilhados.
Na mesma direcção, o grande educador Ney Lobo dedicou boa parte dos seus trabalhos à defesa da educação permanente, assim definida:
“Aquela que, num processo contínuo, se estende por toda a vida, procurando desenvolver todas as potencialidades do ser humano e na qual todos se educam desde que nascem até a morte. Mas não é ela uma simples extensão do período escolar.”47 (p. 155)

Cultura:
Nesse conjunto de acções estariam contempladas as actividades culturais mencionadas neste trabalho, tanto no item referente à Ciência e Progresso, como no tópico relacionado à Segurança e Justiça. Ao mesmo tempo em que a educação promove cultura, garante o acesso a esse universo transformador.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 11:25 am

Diversidade:
Não deveria haver mais lugar para a discriminação no mundo. Desde 1948 existe um comando mundial, expresso no Art.º VII da DUDH refutando a discriminação. Entrementes, a despeito de tanta diversidade, a sociedade segue separando impiedosamente as minorias***. Por viver uma relação homo-afectiva, por pertencer a um grupo de refugiados, por ter a pele negra; por ser pobre, ou ter pouca escolaridade, por ser dependente químico ou portador de determinadas enfermidades, por ser mulher, pessoas pertencentes à mesma irmandade terrena recebem menosprezo, são ignoradas, maltratadas, sofrem preconceito e discriminação.
Importa esclarecer que a expressão “diversidade” foi acolhida neste trabalho com o sentido de diferente, diverso, dessemelhante, de características variadas; multiplicidade48. Há quem interprete misoginia, refúgio e, sobretudo, racismo, como pautas *** O conceito de minoria social diz respeito, nas ciências sociais, a uma parcela da população que se encontra, de algum modo, marginalizada, ou seja, excluída do processo de socialização. São grupos que, em geral, são compostos por um número grande de pessoas (na maioria das vezes, são a maioria absoluta em números), mas que são excluídos por questões relativas à classe social, ao género, à orientação sexual, à origem étnica, ao porte de necessidades especiais, entre outras razões (https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/minorias-sociais.htm). identitárias, reservando ao conceito de diversidade apenas as questões de identidade de género e de orientação sexual. A despeito da controvérsia, preferi manter a definição canónica.
Além de pautar na sua agenda todas essas inquietudes ainda persistentes na sociedade contemporânea ocidental, o espiritismo, tal qual o enxergamos, carrega esse olhar inovador do pedagogo lionês, que se antecipou à declaração universal dos direitos humanos, esclarecendo que o espírito não é portador de nenhum desses atributos, mas os vivencia de forma diferenciada a cada existência.
Totalmente divergente da fé mística, que ordena crer cegamente na possibilidade de um salvador transformar a humanidade, o espiritismo, especialmente nessa visão progressista, recomenda estudo, trabalho, dedicação, enfrentamento, acção.
Essencialmente humanista, esse modo distinto de enfrentar as dificuldades como oportunidades e desafios, assenta-se em uma Filosofia libertária, democrática, solidária, fraterna, com aptidão para alavancar o crescimento da pessoa, individualmente, pela crença no seu potencial, e, também, colectivamente, pela convicção de que os grupos sociais avançam pela força do trabalho conjunto. Nesse particular, ensinou Jaci Regis:
“A proposta espírita não podia ignorar a realidade social e, tendo por bandeira o combate sistemático ao egoísmo, deveria romper com o isolamento do indivíduo em relação à sociedade.”14 (p. 116)
É nesse modo de entender e praticar o espiritismo que depositamos a esperança de transformar o planeta em mundo melhor. Não carece que essa filosofia libertadora se situe no campo das seitas, dispute espaço com outras religiões e siga carregada de preconceitos e arrogância, repetindo os enganos seculares das crenças, seus ministros e seus templos.
No contexto de uma filosofia racional, laica e respeitosa, importa por demais optar por uma agenda que contemple regimes políticos democráticos, valorize políticas públicas efectivamente inclusivas, trabalhe incansavelmente pela superação das desigualdades sociais, franqueie a todos os recursos naturais e essenciais; afinal, apesar de efémera, a vida humana se valoriza com as construções perenes, sólidas e trans-existenciais.
Conquanto Kardec não tenha tratado especificamente muitos desses temas, por não estarem em pauta naquele momento, a Filosofia Espírita oferece excelente contribuição para uma agenda humanista e actual.
Presentes e tratadas frequentemente na mídia, em especial nas redes sociais, assim como também nos meios académicos, essas questões não têm merecido a devida preocupação dos movimentos religiosos, que preferem ignorá-las, quando não proíbem, ou boicotam, a discussão nos respectivos templos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 11:25 am

Ciência e progresso:
O espiritismo apoia estudos voltados ao propósito de tratar melhor as mazelas humanas e, consequentemente, a vida das pessoas. Destoaria do seu conteúdo a opção, em nome de uma fé cega, de contrariar estudos que possam diminuir sofrimentos de diversas naturezas.
A recomendação kardequiana diz para nos mantermos ao lado da ciência, sendo sempre válido ressaltar este texto contido no livro A Génese:
“Caminhando de par com o progresso, o espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrarem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificará nesse ponto.”49 (p. 44)
Na mesma direcção, afirmou Wilson Garcia:
“A doutrina só pode sobreviver se acompanhar a evolução do pensamento humano e das comprovações científicas”.50 (p. 77)
Kardec reconheceu a importância da ciência:
“Se a Religião se nega a avançar com a Ciência, esta avançará sozinha.”49 (p. 89)
Colocam-se no centro da visão progressista, questões morais concernentes à vida humana. O kardecista humanista, autêntico, livre pensador, progressista, aplaude a reforma psiquiátrica, que busca o tratamento digno e humanizado para as doenças mentais. Vê o dependente químico, como portador de um problema grave de saúde de cura improvável; assiste à mãe que praticou um aborto sem julgamentos e, principalmente, sem condenação criminal. O espiritismo propõe atenção, apoio, cuidado e tratamento humanizado para todas as pessoas, não compactuando com propostas elitistas, cujo pano de fundo tem sido sempre a questão económica, em desrespeito profundo aos direitos inerentes à condição humana.
Nesse ponto, também se antecipou à Declaração Universal dos Direitos Humanos que no seu Art.º XXVII resguardou a todas as pessoas, incondicionalmente, o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios.

Amor e solidariedade:
Quando um espírita propõe a desobsessão de pessoas em uso nocivo de álcool ou drogas, sugere interná-las em hospícios, instituições fechadas e alienantes, ou condena a dezenas de encarnações estéreis uma mulher que praticou o aborto, além de desejar a sua condenação criminal, não usa Jesus de Nazaré como referência. A imagem que temos dessa fi gura exemplar, que marcou a história, lembra o amor fraternal e a energia necessária para salvaguardar a Justiça.
Também se mostra inconcebível, pelo viés da Filosofia Espírita, a convivência com a miséria, a fome, a ausência dos direitos básicos e elementares da dignidade humana. A ética que deve nortear o espírita representa o fi o condutor ao cuidado humanizado de toda e qualquer pessoa, possibilitando melhor qualidade de vida, menos sofrimento e maior proveito da existência. Disso se infere um compromisso inarredável com o respeito aos direitos pertencentes naturalmente aos seres humanos, pela simples condição de pessoa, em todas as suas dimensões.
Conjugados os Artigos da DUDH, em especial o 1º (Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade), aos preceitos contidos em O Livro dos Espíritos, não faltam balizamentos éticos e morais para a construção de uma sociedade solidária, em que o amor sobrepuja ao egoísmo.
Seja pela necessidade de aderência a métodos modernos, seja pela mera rejeição a práticas lesivas, desrespeitosas e agressivas, o tratamento de saúde pautado em propostas anacrónicas, conservadoras e desumanas torna-se inconcebível no olhar espírita.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 11:25 am

Na rubrica “direitos humanos” estão albergadas as garantias mais elementares dos cidadãos; lamentavelmente, porém, neste estágio precário de evolução espiritual em que se encontram os habitantes do planeta Terra, esses direitos valem apenas para alguns humanos. Mas o espiritismo considera indefensável o preconceito por classe social, pela identidade de género, por deficiência física, etnia ou qualquer característica ou peculiaridade das pessoas.
Para além do corpo filosófico deixado por Kardec, o espiritismo abarca imensa literatura que surgiu depois das suas obras. Compõe-se, ainda, das realizações e do trabalho profícuo dos espíritas que, pela aplicação dinâmica de seus princípios, vêm, progressivamente, contribuindo para novas posturas, compromissos e realizações.
Conter a marcha progressista, ou apenas recuar diante dos dilemas humanos extremamente atuais, seria rejeitar a essência espírita.

Trabalho:
O valor respeito talvez seja a chave para que o trabalho assuma o papel de promover autonomia e dignidade. Aprendemos com Kardec5 que o trabalho é essencial, tanto para prover as necessidades do corpo, como para alavancar a capacidade de pensar - Q. 677. Essa actividade humana também mereceu destaque na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que garantiu, em seus Arts. IV e XXIII, dentre outros, o direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à protecção contra o desemprego; igual remuneração etc.
No mesmo capítulo mencionado, de O Livro dos Espíritos, existem alertas sobre a possibilidade de não existir a oportunidade do trabalho, ou de a pessoa não reunir forças para trabalhar, seja pela idade avançada, seja por enfermidade, ou outras limitações físicas.
Muito interessante a orientação contida na questão 685.a de O Livro dos Espíritos, parte terceira, cap. III:
“a) - Mas, que há de fazer o velho que precisa trabalhar para viver e não pode?
“O forte deve trabalhar para o fraco. Não tendo este família, a sociedade deve fazer as vezes desta.
É a lei de caridade.”5
Consistente e indispensável ditame ético.
Sem respeito, empatia e solidariedade, pode ocorrer o abuso do poder económico, pelas modernas formas de escravizar, que submetem pessoas a trabalho intenso e análogo ao de escravo.
Antídotos abundantes se encontram nas lições espíritas, carregadas de inspiração ao respeito e à valorização do Ser. A resposta à pergunta 829 de O Livro dos Espíritos, na mesma direcção do Art.º IV da Declaração Universal dos Direitos Humanos, considera a escravidão um abuso da força que desaparecerá com o progresso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 7:46 pm

5.3 Direitos humanos
Ética e moral são temas que permeiam a necessária discussão sobre direitos humanos, tão cara ao espiritismo no viés livre-pensador. Entenda-se a expressão direitos humanos como acção, criação, habilidade transformadora; coexistência e produção, convivência com diversidades, movimento ou processo.
Embora somente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, tenha-se construído um sistema universal de garantia dos direitos fundamentais, a sua história, sempre permeada pela luta e defesa de direitos naturais, intrínsecos e inerentes à condição humana, tem seu começo, conforme vários estudiosos, na da Idade Média à Moderna. Os mais preciosistas indicam o marco remoto no período denominado “eixo axial”, entre os séculos VIII e II a.C., coincidente com o nascimento da Filosofia43 (p. 20).
Já no Renascimento, quando a ciência jurídica iniciava a sua laicização, reconhecendo o papel histórico do ser humano e suas relações, torna-se perceptível no Ocidente o abandono do deus antropomórfico, como o ditador e responsável pela ordem social e económica.
A partir das revoluções geradas no Iluminismo, especialmente do confronto dos movimentos operários e políticos com o capital industrial e seus correlatos interesses, chegou-se às grandes guerras do início do Século XX, que marcaram a história com sangue e tragédia incalculáveis, bem representativos do nazismo e do fascismo, então vigorantes.
Com o trágico esgotamento desse modelo em curso, seriam necessárias profundas alterações; circunstância decisiva para o surgimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada depois da segunda guerra mundial.
Esse brevíssimo resumo sobre as lutas pelo reconhecimento dos direitos humanos fornece elementos para entender o motivo de remanescerem, inclusive no movimento espírita, pessoas contrárias às causas humanistas.
Por mais que nos assombre, estão presentes, recorrentemente, graves resistências ao conviver harmonioso entre diferentes etnias, vigoram preconceitos de género e orientação sexual; excluem-se classes sociais e prejudicam-se, impiedosamente, deficientes físicos e outras minorias. Essas e outras discriminações imperdoáveis, que resistem e persistem, são grandes desafios actuais.
Apesar da globalização, que impõe a forçosa convivência entre desiguais, incrivelmente, a humanidade cede espaço à paradoxal discriminação.
A característica humanista da Filosofia Espírita, no entanto, convida a direccionar energias para as relações humanas respeitosas, seu progresso, superação de suas dificuldades, o reconhecimento e a efectiva garantia desses direitos. Por um silogismo simples chega-se a essa conclusão, já que os humanos são espíritos imortais em crescimento.
Todas as pessoas merecem o mesmo respeito, têm as mesmas garantias, não se justificando mais o uso da palavra raça****, ainda utilizada, inexplicavelmente. Traduzida como “conceito socialmente construído de que existiriam diferenças biológicas entre as etnias”51, revela-se imprópria e desnecessária, especialmente porque, cientificamente está comprovada a inexistência de diferenças substanciais entre os diversos povos do planeta.
Para que grupos distintos, assim identificados por suas bandeiras e características próprias (origem, língua, etnia, orientação sexual, ideologia etc.), possam conviver com defensores de interesses antagónicos, sob o mesmo regime político e regulados pela mesma legislação, indispensável o reforço dos princípios basilares da democracia, não bastando que haja leis favoráveis.
Em tempos de tamanha diversidade nas sociedades pluralistas, de informações compartilhadas global e instantaneamente, a defesa dos direitos humanos depende da efectiva consolidação do Estado Democrático de Direito. Esse regime comporta a construção de um ordenamento jurídico moralizado, oponente aos valores retrógrados que tentam resistir à forma do progresso ao longo do tempo, Mas, para se firmar depende ainda de iniciativas voltadas à educação e à politização dos cidadãos em geral.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 7:47 pm

Pessoas, instituições e processos, não podem se acomodar na suposta neutralidade.
Ensinou Desmond Tutu, Nobel da Paz em 1984: “Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor.” Individual e colectivamente, no âmbito familiar, profissional, ou institucional, a marca espírita deve ser de indignação contra a opressão e de resistência às acções ofensivas à dignidade humana.
Eduardo Valério aporta contribuição relevante para a presente discussão:
“É a consagração do Estado Social de Direito, cuja realização pressupõe a garantia de mínima condição de existência digna para o homem.
Pode-se concluir, inspirado nas preciosas lições do espiritismo, que, fazendo-se presente nas instituições sociais e políticas do país a plena observância daqueles direitos em favor de todos, poderão os Espíritos imortais bem executar seus planeamentos reencarnatórios, cumprindo a tarefa que lhes cabe na construção do Reino e, em consequência, na transição do planeta a uma condição moral superior.”52 (p. 94)
A ordem legal democrática se consolida de forma vagarosa, actualizando seus preceitos pela dimensão Ética, a partir de arranjos capazes de considerar as necessidades dos seus destinatários. A Filosofia Espírita dialoga com essas expectativas contemporâneas de respeito aos Direitos Humanos, colocando luz na melhoria dos processos legislativos, com propostas humanistas, democráticas e potencialmente aptas a contribuir para a Justiça e a paz social.
Finalizando esta discussão, importa lembrar Deolindo Amorim, para quem o espiritismo é sensível às injustiças sociais:
“Como poderemos trabalhar pelo melhoramento do mundo se nos afastamos ou nos alienamos na ‘vida puramente contemplativa’, que é muito cómoda, mas inteiramente infrutífera por ser inoperante? A Doutrina Espírita nunca esteve e não está à margem dos problemas humanos.”53 (p. 38)

**** Categorização que pretende classificar os seres humanos, pautando-se em caracteres físicos e hereditários. dicio.com.br

VOCÊ SABIA?
É possível informar-se sobre Direitos Humanos e sua classificação; compreender tudo sobre o assunto, facilmente, pela internet.
Acesse: https://www.educamundo.com.br/blog/direitos-humanos-pratica-curso-online
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5.4 Ética em permanente construção
Com Kardec aprende-se que o progresso espiritual é contínuo e infinito, inferindo-se que não existe verdade pronta e irrefutável. Mas em tempos de tanta exploração económica, as confusões conceituais e os discursos e narrativas vagos contribuem para a ilusão em torno de crenças pessoais, sem compromisso ético.
A ideia de verdade absoluta, ou definitiva, realmente não deveria sustentar-se, diante de tantas revelações trazidas pela tecnologia e outras descobertas do campo científico. Não obstante, baseando-se no pressuposto da “verdade única”, pessoas seguem “comprando” a ideia de que a fé sufi ciente para lhes fazer alcançar os sonhos. Desde as barganhas com “Deus” propostas por pastores inescrupulosos à suposta santidade de alguns médiuns gurus, sem explicação razoável, prevalece a capacidade humana para negar contradições flagrantes por meio de racionalizações, desde que lhe convenha.54 (p. 15)
A constatação de que dirigentes religiosos ainda se valem da boa-fé inocente de seguidores expressa, de forma muito representativa, o baixo padrão de elevação ético-moral conquistado pela humanidade.
Por outro lado, também se podem observar experiências fabulosas de lutas pela instalação de uma convivência mais justa, mais pacífica e igualitária.
Pela sua característica heterogénea, o planeta alberga espíritos em diferentes estágios evolutivos.
Essa reflexão traz em seu bojo excelente contributo para o necessário aperfeiçoamento da organização social. O aporte da Filosofia Espírita permite compreender a dinâmica evolutiva no compasso das experiências de espíritos imortais, ora na dimensão física, ora fora dela, mas sempre em busca do progresso.
A construção no campo dos direitos fundamentais segue o mesmo processo. Na proporção do tempo e das escolhas, vão se sedimentando os valores individuais, que influenciam os colectivos e estes, por sua vez, promovem modificações sociais.
Fabuloso esclarecimento concede o escritor espírita argentino, Manuel Porteiro:
“O determinismo da história depende da direcção que lhe tracem as novas influências individuais que serão tanto ou mais benéficas à humanidade quanto mais elevados moral e espiritualmente forem os indivíduos e a actividade que desenvolvam.”33 (p. 150)
Por mais que a humanidade terrena ainda se encontre em estágio inicial da evolução, o conjunto de princípios e valores éticos, como um fio condutor, enseja a marcha, figurando como pano de fundo das sucessivas conquistas. Inspirado nessa bússola, o ser humano é capaz de promover avanços extraordinários.
A ciência jurídica, dedicada exclusivamente ao direito económico ao longo da história, alcançou a laicização há três séculos. A partir da desvinculação com a Igreja, por paradoxal que possa parecer, voltou seu olhar ao reconhecimento dos direitos naturais, com expressiva manifestação de seus defensores entre os Séculos XVII e XVIII, destacando-se a figura de Hugo Grocio. Entretanto, o código napoleónico, que influenciou os sistemas legais de diversos outros países, promulgado no início do Século XIX, ainda priorizou a protecção do direito patrimonial.
Após as grandes guerras, em 24/10/1945, dezenas de países se reuniram com o objectivo de colocar a defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana no centro da atenção jurídica. Passaram-se mais de vinte séculos desde o nascimento da Filosofia até a instituição da ONU.
Ao lado da dignidade da pessoa humana, o direito à privacidade e ao livre desenvolvimento da personalidade aparece contemplado pela primeira vez na história, positivado, na Constituição alemã55(p. 54), referendado em seguida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na metade do Século XX. Essa rápida menção histórico-jurídica demonstra o tempo de maturação da consciência social.
O espírito é imortal na visão kardecista e dispõe da eternidade para aprender e crescer. As contribuições jurídicas, reconhecidas mundialmente a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), acrescidas à convicção espírita na imortalidade do espírito e na possibilidade de progresso infinito ao longo das encarnações sucessivas, ainda não foram sufi cientes para a construção de uma sociedade democrática.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 7:48 pm

É certo, todavia, que já existe um caminho trilhado, havendo motivação bastante para resistir ao retrocesso, às manobras autoritárias, às restrições da liberdade e à imposição pela força.
Há estímulos suficientes e grande possibilidade de o ser humano melhorar-se também e de promover o progresso na Terra ou, pelo progresso da terra, avançar como indivíduo.
Eugénio Lara afirma que o espiritismo é essencialmente humano, demasiadamente humano.56 (p. 92) Cabe ao espírita enxergar-se como tal e alinhar-se às fi eiras de resistência aos movimentos limitantes, retrógrados e autoritários.
A Filosofia Espírita comporta em sua moldura tratamento adequado para essas questões atuais, mesmo sem haver Kardec tratado especificamente de algumas delas, inexistentes, ou não discutidas à sua época. Parte de um modelo democrático, dialéctico e de contornos alteritários, fornecendo subsídios para os espíritos encarnados se modificarem e produzirem as necessárias alterações no modelo de civilização, ou, na ordem inversa, crescerem a partir dessa alteração.
Cabe lembrar Herculano Pires:
“Três são os elementos fundamentais de que o espiritismo se serve para transformar o nosso mundo num mundo melhor e mais belo:
a) Amor, b) Trabalho, c) Solidariedade.”40 (p. 76)
Legítimos defensores de um mundo mais justo e igualitário proporiam que se implante uma sociedade fundada na igualdade e na liberdade para que os humanos, individualmente, alcancem o amor, o trabalho e a solidariedade.


5.5 Ética e alteridade
Luís Signates39 sugere pensar a alteridade no centro espírita. Propõe a desconexão entre as formas éticas com as quais nos referendamos para estabelecer a relação com o mundo. Destaca a ausência, no movimento espírita, do enfrentamento dos grandes temas e das grandes preocupações humanas. Faz uma crítica contundente ao fato de espíritas se reunirem para conversar entre iguais, sobre temas alheios às problemáticas sociais, deixando passar ao largo o sofrimento do mundo e suas causas.
É hora de lembrar Mauro Spínola, que propõe um modelo de centro espírita voltado para a sociedade e as pessoas, dirigido por pessoas e preocupado com os problemas humanos.
“O centro espírita é feito para o homem, não o contrário. O homem do centro espírita vai ver o seu dia a dia como a continuidade de um movimentado processo evolutivo. Passará a compreender o significado revolucionário da imortalidade e o verdadeiro sentido da vida que vive.”57 (p. 73)
Semelhante orientação se encontra em Herculano Pires58 (p. 14). Com tantas pessoas em condições miseráveis, estamos filosoficamente, preocupados com teorias, como a da pluralidade de mundos habitados. As exigências éticas do mundo contemporâneo deveriam servir para nos reposicionar no contexto.
Parece bem claro que incumbe aos espíritas trabalhar pela melhoria das estruturas sociais, não sendo razoável imaginar que um Centro Espírita se contente em fazer assistencialismo. Embora seja evidente a importância do nosso envolvimento com a infinidade de problemas decorrentes da injustiça social, o nosso foco deve tentar inibir a causa, ao invés de minimizar as consequências.
Alteridade - do latim alteritas (‘outro’) é a concepção que parte do pressuposto básico de que todo o ser humano social interage e é interdepende do outro. É a capacidade de se colocar no lugar do outro na relação interpessoal, ou seja, respeitar, verdadeiramente, sem juízo de valor; condição sem a qual não é possível compreender o outro.
Talvez em nenhuma época anterior da História a convivência social tenha exigido tanto a compreensão do outro. Todos os espíritos encarnados são limitados e incompletos, valendo o alerta de Boaventura Souza Santos:
“Aumentar a consciência de incompletude cultural é uma das tarefas prévias à construção de uma concepção emancipadora e multicultural dos direitos humanos.”59 (p. 446)
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 7:49 pm

Por construções seculares, o ser humano chegou ao ponto de colocar-se frontalmente contra as posições do outro, independentemente das consequências. Os filtros ganharam conotação distinta, os conceitos de liberdade e respeito passam por sérias transformações, desafiando juristas renomados e filósofos a estabelecerem um divisor entre o que se denomina exercício do direito à livre expressão do pensamento, e a afronta aos direitos fundamentais e imprescindíveis ao convívio social.
A palavra conviver traz em si a ideia do outro.
Do latim: convivere, viver com, de COM, junto, mais VIVERE, embutindo a ideia de compreensão, que não combina com a sujeição do outro, ou ao outro.
Quando Kardec se referiu à vida do eremita no deserto como única possibilidade para se desfrutar de liberdade absoluta, estava também preconizando a fraternidade, a capacidade de compartilhar, a convivência saudável.
Bastante oportuno se mostra o entendimento do conceito de alteridade. A esse propósito, invoco Martin Buber, que preconiza:
“O Tu se apresenta ao Eu como sua condição de existência, já que não há Eu em si, independente; em outros termos, o si-mesmo não é substância, mas relação.”60 (p. 49)
Por outro viés, Emmanuel Lévinas apresenta-nos a ética da alteridade, sugerindo a experiência de sentir no Eu a infinitude do outro. O sentido do ser estaria no relacionamento capaz de enfrentar as consequências do risco das diferenças.
“(...) Sou eu que passo ao segundo plano: eu me vejo a partir do outro, exponho-me a outrem, tenho contas a prestar.”61 (p. 123)
Fosse o caso de a Filosofia Espírita trabalhar com o conceito de verdade absoluta e irrefutável, naturalmente se bastaria; giraria em torno dos seus ditames e teria a pretensão de ensinar as suas convicções ao mundo. Porém, assim não ocorre.
A base espírita está alicerçada na expectativa da descoberta, na busca de novos horizontes, na certeza de que as possibilidades para a evolução se multiplicam sempre.
Importa demais ao espírita consciente o conhecimento proveniente também de outras fontes.
É dizer: ter a capacidade de dialogar com outros saberes; desenvolver a escuta olhando para o outro, como propõem os filósofos supracitados.
Olhar e aprender com o diferente, assimilando outros conhecimentos, são recursos utilizados, e pode configurar o diferencial do espiritismo numa dinâmica plural, livre-pensadora, progressista e humanista, baseada, como propôs Geley, em uma demonstração positiva, “como filosofia científica, é unicamente como deve ser estudada e discutida”62(p. 16) (tradução livre).
Além de determinar-se a respeitar o modo diferente de ver a vida, sem ofender, sem discriminar, sem a arrogância de ser melhor, o espiritismo, conforme o concebemos nesse olhar destituído das peias religiosas, propõe a interacção com outras áreas de conhecimento, com outras ciências e filosofias. De forma despretensiosa, deseja dialogar com os campos da sociologia, antropologia, filosofia, medicina, psicologia, pedagogia etc., reconhecendo que não pode abarcar toda a sabedoria.
Esse exercício, nada fácil, pede um esforço para prestar atenção, ouvir, enxergar, a manifestação de um pensamento diferente. É muito provável que se identificarmos essa mensagem seremos capazes de reflectir com mais honestidade intelectual sobre a nossa própria visão dos temas, ou dos factos. Vale o destaque do filósofo Alysson Mascaro:
“A justiça, nos dizeres aristotélicos, é bem para o outro. A acção justa se faz em referência a um outro, a um terceiro, a alguém que não seja o próprio que dá. É característica do justo, então, sua alteridade, a sua referência ao outro.”63 (p. 230)

VOCÊ SABIA?
Em Filosofia, alteridade é apresentada por Platão em sua obra “Sofista”. O ser não pode ser visto como identidade, senão na multiplicidade das ideias em que se situa a relação recíproca com o colectivo.64
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 7:49 pm

5.6 Nem penas, nem castigos
De todo oportuna a observação de Jon Aizpúrua quanto à contribuição que a Ética, pensada no critério espírita, pode fornecer à Ciência e à Filosofia. Esse insigne pensador considera necessário que, além de conhecer e vivenciar o espiritismo, seus postulados devem integrar-se à vida do espírita, impulsionando-o para a transformação moral permanente, seja no campo pessoal, familiar ou social.4 (p. 44)
A partir dessa belíssima lição de Jon Aizpúrua, exsurge ao espírita livre pensador a preocupação com a efectividade das teses verbalizadas no cotidiano. Por certo, o conhecimento liberta, engrandece, empodera; porém, lições não convertidas em melhora de comportamento não são bastantes para dignificar o ser humano.
Lembremos Manuel Porteiro:
“O espiritismo rechaça os prémios e os castigos, admitindo somente as consequências naturais das acções. A sanção moral que se depreende de sua filosofia é equânime e reparatória.”65 (p. 91)
Nesse passo, além de rejeitar a concepção cristã, dualista radical – pecado e castigo versus premiação/salvação, sugere como dever inadiável dos espíritas empenharem-se na criação de uma sociedade justa, fraterna e solidária onde o amor, a felicidade e a paz sejam o ideal de todos.66 (p. 183)
O desafio proposto pelo espiritismo destituído de misticismo consiste em transformar as lições contundentes de Kardec e dos seus seguidores, em acções positivas, proactivas; em mudanças significativas e capazes, portanto, de contribuir para a estruturação de uma sociedade mais justa.
Frases como “prefiro não opinar”, aparentemente inofensivas, podem ser perigosas, e eventualmente indicar embaraço, ou leniência e conivência. Em termos éticos, para não sermos excessivamente permissivos ou incautos, importa sair da neutralidade.
A moralidade desejável ao espírita consciente deve coincidir com o amadurecimento de conduta; com o desejo sincero de não lesar o outro, pela simples consciência da importância de lhe desejar o que pretenderia para si mesmo. Comportar-se com ética significaria comprometer-se directamente com a prática do bem comum, independentemente de julgamentos, ainda que a pessoa estivesse a sós consigo mesma.
“Quando o homem desenvolve suas virtudes pelo guia de sua consciência, comparando e discernindo por sua razão, conquista um contentamento consigo mesmo, que é a verdadeira felicidade”.67 (p.169)
Depreende-se disso que o caminho para o desenvolvimento de moralidade não passa pelo castigo. Ciente da capacidade de se colocar na vida como um ser transformador, com potencialidade para fazer a diferença no seu entorno, o espírita não desejará castigar alguém cuja conduta pareça reprovável. Muito menos ampliará esse desejo pelo fato de se tratar de pessoa negra, pobre e marginalizada.140 Espiritismo, Ética e moral Seguindo as pegadas de Kardec, saberá a importância de oportunizar aprendizagem e de fornecer condições apropriadas para a melhor compreensão dos fatos e de suas circunstâncias.
A obra espírita fornece farto manancial de lições valiosas, nas quais se podem haurir chamamentos às mudanças estruturais e comportamentais - antes de julgar, colocar-se no lugar do outro; antes de condenar, dar condições para possíveis ajustes.
O espiritismo é radicalmente anti-racista.
Convém anotar que essa conclusão se extrai de todo o contexto filosófico, ainda que em Obras Póstumas haja uma revelação do racismo que persistia em Kardec.68 (p. 149) O facto não deve ser ignorado, porém precisa ser contextualizado, pois estava em sintonia com a Ciência da época e o pensamento dominante na Europa.
O caminho pedagógico realmente, em regra, não se mostra atractivo; dá trabalho, exige dedicação, impõe estudo, pesquisa, transpiração. Condenar, castigar, isolar pessoas como consequência de actos reprováveis, são opções fáceis, porém, imediatistas e totalmente improdutivas.
Ao contrário do esperado por parcela considerável da sociedade, o confinamento de pessoas em regime institucionalizado não agrega valor algum; podendo, ao contrário, tornar mais agressivos os quadros de doença mental e violência, redobrando as preocupações e exigências de cuidado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 7:49 pm

Extraem-se lições importantes da autêntica Filosofia Espírita, em especial nas questões 822 e 887 de O Livro dos Espíritos, ou do Cap. XI de O Evangelho segundo o espiritismo, que enxergamos em perfeita sintonia com as conclusões de Daniela Arbex69, quando propôs tratamento humanizado, solidariedade e desinstitucionalização. Esse cuidado coincide com a receita espírita, básica, de fazermos aos outros o que gostaríamos que nos fosse feito.
Manuel Porteiro corrobora:
“Se o indivíduo não pode castigar a sociedade quando esta falha com seus deveres, ou restringe seus direitos e sua dignidade, tampouco a sociedade deve castigar ao indivíduo, nem o subordinar aos seus interesses. A sociedade, neste caso, não tem outro direito que não seja a força, e a força, como princípio do direito, é a injustiça, a imoralidade” (tradução livre).70 (p. 115)
A lógica do pensamento kardecista traduz-se no valor da educação, ou do ensinamento construído cotidianamente, como se vislumbra na brilhante lição do próprio fundador do espiritismo:
“Um sorriso quando precisaria ser sério, uma fraqueza quando seria preciso ser firme, a severidade quando seria preciso a doçura, uma palavra sem pensar, um nada; enfim, bastam às vezes para produzir uma impressão indelével e para fazer germinar um vício. Que se passará então quando essas impressões forem ressentidas desde o berço, e frequentemente durante toda a infância? Nesse aspecto, o sistema de punições é uma das partes mais importantes a serem consideradas na educação; pois elas são comumente a fonte da maior parte de defeitos e vícios” (o negrito é meu).71 (p. 19)
Pais e professores agridem filhos e alunos por falta de recursos internos. Essa subvenção fabulosa da Filosofia Espírita permite aprender que o ser humano é potencialmente capaz e possuidor de inteligência como ferramenta diferenciada para construir o seu progresso.
É natural que desfrutemos do produto das nossas realizações, parecendo ilegítimas nossas reclamações contra a indigência ética do cotidiano. Artífices dela, haveremos de promover a diferença e a mudança que pretendemos no panorama actual.
E na perspectiva imortalista e evolucionista (não determinística), não olvidemos a nossa capacidade intelectual e moral para realizar a transformação da sociedade através de métodos de convivência mais fraternos e justos, adoptando novos comportamentos, mais adequados para nós mesmos e, também, para a colectividade.
Reflectindo sobre possíveis acções em prol do desenvolvimento sustentável do planeta, Gustavo Molfi no reportou-se às conferências Rio+20 e sua precursora Cúpula da Terra, quando se reuniram esforços para dar forma à redução da pobreza, promover a igualdade social e garantir a protecção do meio ambiente (...).72 (p. 150) Faz falta a transformação desses postulados hipotéticos em acções concretas, mas não deixam de representar o princípio da estrutura a ser construída para impactar pessoas.
É tempo de voltar ao Art.º 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos que, em perfeita sintonia com a resposta à questão n. 803 de O Livro dos Espíritos, exalta a igualdade de todos os seres humanos, em direito e dignidade.
Destaco sábio pronunciamento do grande pensador espírita argentino, Manuel Porteiro:
“O lugar que cada um ocupa na sociedade (...); muda incessantemente e pode e deve mudar sob o impulso de nossa vontade, de nossas ideias e de nossos esforços, mesmo dentro das contradições existentes; e o conjunto das vontades, das ideias e sentimentos individuais afins e dos esforços combinados, pode imprimir à sociedade um novo giro, fazê-la capaz de conceber uma ideologia superior e de desaparecer com muitos dos males e injustiças sociais.”33 (p. 102)

VOCÊ SABIA?
Que a letra “S” utilizada como segundo nome de “Manuel S Porteiro” não corresponde a nenhum nome? Deve-se a um erro de imprensa, mas o genial escritor terminou por incorporá-lo com bom humor, apresentando-se como “Manuel Servidor Porteiro”.73 (p. 18)

O último capítulo deste livro apresenta um manifesto forjado no livre pensamento.
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6 SER ÉTICO = SER FELIZ
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6.1 Razão e Felicidade
“A felicidade não é o prémio da virtude, mas a própria virtude; e não gozamos dela por refrearmos as paixões, mas, ao contrário, gozamos dela por podermos refrear as paixões”.74
A frase acima, do filósofo Baruch Espinosa, foi formulada quase dois séculos antes do surgimento do espiritismo. Mas propõe um conceito de ética e de moral perfeitamente compatível com a proposta espírita.
Nos capítulos anteriores, fizemos conexões entre o que pode ser classificado como uma ética religiosa, construída e balizada por nossas crenças, e uma ética natural ou laica, resultante de uma atitude racional perante a vida. Sustentamos, então, que o espiritismo, na condição de filosofia inserida nos nobres ideais do Iluminismo e da Modernidade, guarda características marcadamente racionalistas e laicas, mesmo partindo de conceitos vulgarmente tidos como religiosos, tais como: a existência de Deus, a prevalência do espírito sobre a matéria, a imortalidade do espírito e sua comunicabilidade, o progresso infinito do espírito, pela via das reencarnações sucessivas.
Esses conceitos, mesmo quando eventualmente transformados em credos religiosos e em dogmas de fé, reportam-se a questões que se sobrepõem às religiões e dizem, fundamentalmente, com atitudes do ser humano perante a vida, sua origem, natureza, destino e significado. É uma forma de ver o homem, o mundo e a própria divindade, capaz de gerar consequências de ordem moral, numa perspectiva que dispensa recorrer-se ao sobrenatural, porque tudo está contido naquilo que Allan Kardec entendeu de conceituar como “lei natural”.
As religiões, e, de modo particular, a religião cristã, em que se formatou a cultura ocidental, trabalham essas questões como advindas de revelações divinas, necessariamente acompanhadas de normatizações morais que conduzem a recompensas e castigos a serem gozados ou cumpridos após a morte, quando a alma, liberta do corpo, se capacitaria a compreender as “verdades eternas”. Estas, enquanto esteve a alma presa ao corpo, no “vale de lágrimas” aonde foi ela jogada por conta do “pecado original”, não seriam, aqui, inteiramente compreensíveis e, por isso, haviam sido expressas como “mistérios divinos” contidos na dogmática religiosa. Por aí se compreende o chamado voluntarismo divino que as religiões entendem insusceptível de ser discutido pelos homens. Numa perspectiva espiritualista racional, diferentemente, a vontade divina está expressa na natureza como um todo e, de modo muito especial, na consciência do ser inteligente, parte que é da natureza: “O espírito é o princípio inteligente do Universo”, diz a questão 23 de O Livro dos Espíritos5.
Nessa perspectiva, como assinalou Jacira, no capítulo III deste livro, a moralidade, ou a ética, é “decorrente da liberdade”, conquistada pelo espírito enquanto ser racional. Como bem-posto ali, “apenas os actos de subtileza, gentileza, amor, reconhecimento e respeito, emanados de uma consciência liberta, produzem efectiva mudança no seu entorno”.
Agora, nestas reflexões finais, queremos justamente fazer a conexão entre a razão - aquela que nos permite, livremente, conhecer e compreender a lei natural - e felicidade, tida esta não como prémio pela obediência aos ditames do bem, mas como elemento integrativo da vida, da natureza em si. E, para tanto, convidamos o leitor a reler o conceito que abre este capítulo, síntese da filosofia ética daquele destacado pensador do Século XVII, um homem que, por dizer coisas assim, foi, no seu tempo, excomungado pelo judaísmo, do qual era originário, e combatido pelo cristianismo que começava a viver os estertores da teocracia criada pela poderosa Igreja Romana, sucessora do Império Romano.
Felicidade, nessa nova ordem de ideias, começava a ser vista como direito natural do ser humano.
Um direito que lhe é fundamental e que deve acompanhá-lo progressivamente, na mesma medida em que o ser desenvolve sua racionalidade e, em consequência desta, sua postura ética perante a vida.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 7:50 pm

Convidamos, então, o leitor a reflectir, uma vez mais, sobre uma questão de O Livro dos Espíritos fundamental para a compreensão da filosofia espírita:
aquela em que, provocados por Allan Kardec, seus interlocutores espirituais colocam como sinónimos as expressões “lei natural” e “lei de Deus”5 (q. 614). Já abordamos isso no capítulo 2º, onde nos referimos à consonância entre a lei natural e o chamado direito natural. Reservamos, entretanto, para este capítulo, à guisa de conclusão, uma mais detida reflexão sobre o carácter optimista do espiritismo em relação ao ser humano, desde sua origem, criado que foi “simples e ignorante”, mas destinado, sem excepção a um só indivíduo, à perfeição. Uma caminhada longa, que se faz, fundamentalmente, por esforço pessoal e intransferível, mas a única capaz de levar o ser a seu destino glorioso.
A questão 614 de O Livro dos Espíritos diz que a lei natural, indicando-nos o que devemos fazer e o que não devemos fazer, “é a única verdadeira para a felicidade” e que só nos tornamos infelizes na medida em que nos afastamos dela. Com isso, a Filosofia Espírita fi lia-se ao entendimento de que ética e felicidade são irmãs siamesas e de que não há outro caminho para a felicidade que não a prática da virtude, ou seja: conduzir a vida a partir dos ditames da lei natural, gravados na consciência.5
É evidente que a isso não se chegou sem se transitar por uma longa trajectória evolutiva na qual o que se chama de moral heterónoma, ou seja, aquela provinda de normatizações autoritárias, seja das religiões, seja de outro tipo de agente normalizador, desempenhou seu papel, na busca de relações humanas tão próximas da justiça quanto possível ao grau médio de entendimento das colectividades. A autonomia moral é conquista recente e se constitui em processo ainda rudimentar no ser humano, susceptível de aprimoramento na mesma medida em que nos tornamos livres. Aí é oportuno recorrer a este outro conceito de Espinosa, na mesma obra:
“É aos escravos, e não aos homens livres, que se dá um prémio para recompensá-los por haverem se comportado bem”.74
A religião partiu exactamente da concepção de que não somos livres, de que estamos presos à culpa da qual só nos liberaremos pela graça divina outorgável a alguns, e apenas alguns, bem-aventurados que, por obedientes, hão de ser recompensados para a vida eterna. Já a racionalidade espírita propõe que homens e mulheres são seres em busca da liberdade e que esta é conquistada e ampliada na medida em que melhor conhecermos a nós próprios e o universo de que somos parte.

VOCÊ SABIA?
Para o filósofo Espinosa a recompensa pelo bom comportamento deve ser dada aos escravos e não a homens livres?
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 05, 2024 7:50 pm

6.2 Espiritismo e transformação
Vale aqui, uma vez mais, recordar o conceito kardecista segundo o qual o verdadeiro espírita é reconhecido “por sua transformação moral e pelo esforço que faz para domar suas más inclinações”. É quase isso que diz o filósofo na frase que abriu este capítulo. Entretanto, Espinosa vê a felicidade não apenas como o resultado da prática da virtude, mas também como condição para o próprio combate às nossas más inclinações. Ou seja: somos felizes não apenas porque nos tornamos virtuosos, mas também porque podemos, por força de nossa racionalidade, “reprimir os impulsos viciosos”, que são condições inerentes ao ser humano.
Há aqueles que compreendem o espiritismo como uma proposta realmente ética, por força de sua excelência doutrinária, que muito admiram. Mas, costumam afirmar: “eu não posso me dizer espírita, porque sou ainda incapaz de praticar sua moral”.
Isso é uma falácia. O espiritismo não é uma fábrica de santos e, tampouco, uma comunidade composta de homens e mulheres que atingiram um estado de perfeição moral que os faça diferentes das demais pessoas. Se temos algumas características que nos distinguem dos religiosos ou dos materialistas, por exemplo, é porque aceitamos uma filosofia que tem por base a imortalidade do espírito e sua vocação para a transformação contínua do espírito humano, em sucessivas experiências nas diferentes dimensões e etapas da vida. Mas nem por isso um espírita é, necessariamente, mais virtuoso do que alguém que obedece aos ditames de uma religião ou que vislumbra na realidade da matéria a única instância existencial. Aqueles ou estes, em nossa concepção, também abrigam na intimidade de suas consciências a lei natural, mais ou menos desenvolvida, mas sempre capaz de impulsioná-los no rumo da vida virtuosa e, consequentemente, feliz. A propósito,
Allan Kardec abordou isso, com bastante propriedade, no artigo “As Cinco Alternativas da Humanidade”, inserido em suas Obras Póstumas.68

VOCÊ SABIA?
Em artigo publicado em suas Obras Póstumas, com o título de “As Cinco Alternativas da Humanidade”, Allan Kardec estabelece as diferenças entre a proposta ética espírita e as outras visões de vida.

6.3 Um sentido para a vida
Temos de reconhecer, contudo, que as bases filosóficas do espiritismo são um forte e permanente estímulo ao processo de transformação ética de quem conscientemente as adopta. Desde que abriguemos a racional convicção de que somos espíritos imortais dotados de autoridade e de liberdade para direccionarmos nossa vida a patamares sempre mais elevados e, consequentemente, mais ditosos, a vida passa a ter um sentido que não se coaduna nem com o improvável prémio da beatitude eterna, que breca o progresso do espírito e, tampouco, com o niilismo que se sucede a uma existência feita exclusivamente da matéria.
A lei da imortalidade do espírito confere a cada inteligência do universo a singular condição de co-autor da criação, como sugere a questão 132 de O Livro dos Espíritos5, ao afirmar que a encarnação tem, entre suas finalidades, a de “pôr o Espírito em condições de cumprir sua parte na obra da Criação”.
Cumprir sua parte significa integrar-se definitiva e progressivamente na tarefa de fazer-se melhor, mais útil, mais feliz e, igualmente, contribuir para que a vida, como um todo e com todos e tudo que a compõem, igualmente, prossiga no rumo da perfeição. Isso, evidentemente, não é tarefa para ser iniciada, exercida e acabada no limitado espaço temporal de uma existência corporal. E, no entanto, a ímpar e singular fi gura de Jesus de Nazaré, apontado igualmente em O Livro dos Espíritos5 como “guia e modelo da humanidade”, concita-nos: “Sede perfeitos”6, avalizando a perfeição como possível e, mais do que isso, destino de todo o ser inteligente.
De regra, as crenças dogmáticas que compõem as religiões não oferecem tais perspectivas e tampouco contemplam o ser humano como detentor de tão vasto potencial. Mas para alcançar essas concepções o espírito precisou deslocar do terreno da fé cega para o infinito universo do conhecimento, a chave do processo de transformação.
Ave sem Ninho
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Espiritismo, ética e moral / Jacira Jacinto da Silva - Milton Rubens Medran Moreira - Página 2 Empty Re: Espiritismo, ética e moral / Jacira Jacinto da Silva - Milton Rubens Medran Moreira

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