LUZ ESPÍRITA
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Espiritismo, ética e moral / Jacira Jacinto da Silva - Milton Rubens Medran Moreira

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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 8:30 pm

Espiritismo, ética e moral
Jacira Jacinto da Silva - Milton Rubens Medran Moreira


APRESENTAÇÃO
“(…) o livre-pensamento eleva a dignidade do homem; dele faz um ser activo, inteligente, em lugar de uma máquina de crer”.
Allan Kardec (Revista Espírita, fevereiro, 1867)

A CEPA - Associação Espírita Internacional e o Centro de Pesquisa e Documentação Espírita (CPDoc) têm a honra de apresentar ao público espírita e não espírita a Colecção Livre-Pensar: espiritismo para o século XXI.
A primeira série da Colecção Livre-Pensar tem por finalidade apresentar, de forma sintética, porém sem prejuízo da precisão conceitual, os posicionamentos teóricos do chamado espiritismo laico e livre-pensador, que tem se desenvolvido em diversos países, nas Américas e na Europa nos últimos anos.
Editada em quatro idiomas - português, espanhol, inglês e francês -, visa a uma divulgação o mais abrangente possível do espiritismo laico e livre-pensador.
Essa perspectiva tem se caracterizado por ser um outro olhar sobre o espiritismo fundado por Allan Kardec em 1857, a partir da publicação de sua obra magistral, O Livro dos Espíritos, e de sua institucionalização e popularização em várias regiões do planeta.
À medida que foi se disseminando, o espiritismo submeteu-se a processos de absorção e miscigenação, ao conjunto de saberes e às práticas religiosas e sociais próprias do contexto histórico e cultural de cada país e de cada época.
Em alguns países, como o caso do Brasil, por exemplo, o processo histórico e cultural de feitio católico encontrado pelo espiritismo resultou na formação de mais uma religião de carácter cristão, em prejuízo dos princípios de racionalidade e livre pensamento propostos por Allan Kardec nos primórdios do espiritismo.
Este fenómeno do sincretismo tem ocorrido com o espiritismo em outros países tornando-o uma religião menor, deslocando-o de seu natural posicionamento epistemológico, e fazendo com que perca seu potencial de abrir perspectivas para o campo do conhecimento, em especial para as áreas da ciência e da filosofia.
Daí a necessidade, para os espíritas reunidos em torno da CEPA e do CPDoc, de uma releitura do pensamento espírita, na tentativa de resgatar a generosa proposta de Allan Kardec, que buscava construir uma filosofia espiritualista, laica, livre-pensadora, humanista e progressista, características fundamentais para que o espiritismo pudesse acompanhar o progresso do conhecimento, da ética e da espiritualidade no mundo contemporâneo.
A Colecção Livre-Pensar: espiritismo para o século XXI pretende, portanto, apresentar ao leitor alguns temas fundamentais do espiritismo sob a perspectiva desta releitura, visando, com isso, ao esclarecimento do público espírita em geral e daqueles que se interessam pela temática espírita.
Apresenta e desenvolve, nesta série 1, um conjunto de temas fundamentais, que permitirão uma compreensão abrangente deste olhar contra-hegemónico ao pensamento predominante nos movimentos espíritas do Brasil e do mundo, sendo que tal olhar está proposto dentro do maior espírito de alteridade possível.
Todos os temas foram desenvolvidos a partir de uma abordagem que procurou a clareza, a concisão e a precisão, visando trazer informações introdutórias fundamentais sobre o espiritismo e o movimento espírita, na perspectiva laica e livre-pensadora.
A Colecção Livre-Pensar: espiritismo para o século XXI tem ainda o objectivo de oferecer aos estudiosos e divulgadores do espiritismo, bem como àqueles que se dedicam à organização de cursos, palestras e coordenação de grupos de estudos, um material de referência e apoio às actividades didácticas realizadas nas associações espíritas em geral.
Acreditamos que esta iniciativa ajudará a contribuir com o sadio debate sobre temas importantes do espiritismo, fazendo com que todos nós possamos amadurecer nossas reflexões sobre esta transcendental filosofia espiritualista fundada por Allan Kardec.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 8:30 pm

Os autores desta Série I – Temas Fundamentais - da Colecção Livre-Pensar: espiritismo para o século XXI são intelectuais originários dos movimentos espíritas da Argentina, Brasil, Espanha, Porto Rico e Venezuela que desenvolveram os temas a seguir:

O espiritismo na perspectiva laica e livre-pensadora
Milton Rubens Medran Moreira (Brasil) e Salomão Jacob Benchaya (Brasil)

A imortalidade da alma
David Santamaria (Espanha)

Mediunidade: intercâmbio entre dois mundos
Ademar Arthur Chioro dos Reis (Brasil) e Yolanda Clavijo (Venezuela)

Reflexões sobre a ideia de Deus
Ricardo de Morais Nunes (Brasil) e Dante López(Argentina)

Reencarnação: um revolucionário paradigma existencial
Mauro de Mesquita Spínola (Brasil)

A evolução dos espíritos, da matéria e dos mundos
Gustavo Molfi no (Argentina) e Reinaldo Di Lucia(Brasil)

Espiritismo, ética e moral
Jacira Jacinto da Silva (Brasil) e Milton Rubens Medran Moreira (Brasil)

Allan Kardec: o fundador do espiritismo
José Arroyo (Porto Rico) e Matheus Laureano (Brasil)

O espiritismo, nas palavras do importante escritor e filósofo espírita brasileiro José Herculano Pires, ainda é o “grande desconhecido”. Ainda pairam sobre ele as sombras da incompreensão, que impedem que se veja seu brilho original enquanto proposta filosófica inédita que desvela os horizontes do Espírito sob os parâmetros das conquistas do pensamento moderno, que enfatiza a importância da razão e dos factos.
A Colecção Livre-Pensar: espiritismo para o século XXI pretende, portanto, jogar algumas luzes na proposta filosófica espírita, com a finalidade de aclarar o seu entendimento por parte de espíritas e não espíritas e também com vistas a resgatar seu potencial revolucionário de contribuição para uma nova visão do ser humano e do mundo.
Trata-se de uma tarefa ousada, porém necessária.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 8:31 pm

Ademar Arthur Chioro dos Reis
Mauro de Mesquita Spínola
Ricardo de Morais Nunes
Organizadores CEPA – ASSOCIAÇÃO ESPÍRITA INTERNACIONAL
Nesta Colecção Livre-Pensar: espiritismo para o século XXI, a CEPA se revela nos diversos volumes que compõem a Série 1, que trata dos temas fundamentais do espiritismo, bem como naqueles que seguirão e versarão sobre questões atuais e de igual importância para a vida em sociedade.
A CEPA – Associação Espírita Internacional, nasceu em 1946, na Argentina, fortemente influenciada pela tradição livre-pensadora surgida no movimento espírita espanhol, logo após o advento da Filosofia Espírita na França, em meados do século XIX, sob a direcção de Allan Kardec.
Espíritas argentinos, cuja principal característica era a defesa do carácter progressivo, laico e livre-pensador do espiritismo, tiveram papel preponderante na base do pensamento que sempre norteou os integrantes da CEPA.
Desde a sua fundação, a CEPA, inicialmente denominada Confederação Espírita Pan-americana, vem trabalhando pela construção e a consolidação da natureza filosófica e científica do espiritismo, tal como anunciado pelo seu próprio fundador, Allan Kardec.
Como intérprete do espiritismo original, define-o como “ciência que trata da natureza, origem e destino dos espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal” e como “filosofia espiritualista de consequências morais”.
Sua natureza hoje é de uma Associação Espírita Internacional, integrada por pessoas e instituições espíritas dos diversos continentes. Caracteriza-se por ser um agrupamento de pessoas e instituições em torno do mesmo ideal livre-pensador, que não compactua com organizações verticais e autoritárias no âmbito do movimento espírita.

Os seus principais objectivos são:
a) promover e difundir o conhecimento do espiritismo, a partir do pensamento de Allan Kardec, sob uma visão laica, livre-pensadora, humanista, progressista e pluralista;
b) promover e estimular esforços voltados à actualização permanente do espiritismo;
c) promover a integração entre espíritas e instituições espíritas de todos os continentes que se identificam com os mesmos objectivos.
Valorosos estudiosos e pensadores reunidos em torno da CEPA vêm ampliando o alcance da Filosofia Espírita, somando esforços para restabelecer o seu sentido progressista original, lamentavelmente minimizado quando adquire equivocadamente a concepção de uma doutrina religiosa.
O espiritismo, sem adjectivos, é uma filosofia universalista com potencial libertador, motivo do comprometimento da CEPA com seus postulados originais, respeitado o contexto histórico vigente ao tempo do seu nascimento.
A associação de pessoas em torno do estudo do espiritismo, em sua mais lídima expressão, tem servido para o engrandecimento da própria filosofia espírita, que a todos pode servir independentemente de suas crenças e visões de mundo.
Em homenagem ao trabalho e à dedicação dos autores, deixo um convite carinhoso ao leitor para ler e analisar criticamente as contribuições, como um autêntico livre-pensador.
Jacira Jacinto da Silva
Presidente da CEPA
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CPDOC – CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO ESPÍRITA
O CPDoc é, actualmente, um dos mais antigos centros de pesquisa do espiritismo em funcionamento no Brasil. Seu principal objectivo é o desenvolvimento e a divulgação de estudos e pesquisas com temática espírita, utilizando metodologia adequada para cada tema e contribuições das várias áreas do conhecimento. Busca, assim, contribuir para o aprimoramento do conhecimento como um todo e do espiritismo em particular.
O CPDoc nasceu em Santos (SP) no ano de 1988, fruto do sonho de jovens interessados em incrementar os estudos espíritas. Hoje possui participantes de vários estados brasileiros e de outros países. Os trabalhos são divulgados através de seu portal, em livros, nos órgãos da imprensa e em diversos eventos, especialmente no Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita e nos Congressos e Conferências da CEPA, entidade à qual aderiu no ano de 1995.
Até o presente momento, o CPDoc tem em seu acervo os seguintes livros publicados ou a publicar:
• Magnetismo e vitalismo e o pensamento de Kardec, de Ademar Arthur Chioro dos Reis
• Um blues no meio do caminho, de Paulo Cesar Fernandes
• Centro espírita: uma revisão estrutural, de Mauro de Mesquita Spínola
• Teleco, de Geraldo Pires de Oliveira
• Igualdade de direitos e diferença de funções entre o homem e a mulher, de Marissol Castello Branco
• Mecanismos da mediunidade: Processo de comunicação mediúnica, de Ademar Arthur Chioro dos Reis
• Criminalidade: educar ou punir?, de Jacira Jacinto da Silva
• Ensaio sobre o Humanismo Espírita, de Eugénio Lara
• Os espíritos falam: Você ouve?, de Wilson Garcia
• Doca e o menino - O laço e o silêncio, de Wilson Garcia
• Perspectivas contemporâneas da reencarnação (autores diversos), organizado por Ademar Arthur Chioro dos Reis e Ricardo de Morais Nunes
• Os livros dos espíritos, de Luís Jorge Lira Neto
• Colecção Livre-Pensar: espiritismo para o século XXI (autores diversos), organizado por Ademar Arthur Chioro dos Reis, Mauro de Mesquita Spínola e Ricardo de Morais Nunes O CPDoc possui também uma linha de cursos on-line, que apresenta o espiritismo com visão laica e livre-pensadora, utilizando modernas técnicas de educação a distância.
Todos os interessados em pesquisa podem participar do CPDoc, bastando que conheçam os fundamentos do espiritismo e sejam apresentados por integrantes do grupo.
Informações, trabalhos publicados, eventos promovidos pelo CPDoc e os cursos on-line estão disponíveis no portal do grupo:
http://www.cpdocespirita.com.br.
Wilson Garcia
Presidente do CPDoc
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 8:32 pm

PREFÁCIO
Na época em que Kant formulava, no final do século XVIII, seu conhecido apelo à regra da razão (Sapere aude: ouse pensar!) ele estava apresentando a mais completa síntese do espírito do Iluminismo como uma manifestação de uma vontade revisionista de toda a bagagem cultural de seu tempo e de um impulso renovador que desafiaria os pressupostos ideológicos e o sistema de crenças que até então sustentava os andaimes mentais do Ocidente. Era uma nova maneira de ver o mundo iluminado pelos raios da razão. Daí a metáfora da luz que sustenta o termo espanhol e português “Ilustração” e que podemos encontrar em outras versões como o francês “Esprit des Lumières”, o inglês “Enlightment”, o alemão “Aufklärung” ou o italiano “Iluminismo”.
O pensamento iluminista tinha como ideia central uma confiança extraordinária no progresso e nas possibilidades dos seres humanos de dominar e transformar o mundo, e na exaltação da capacidade da razão de descobrir leis naturais e servir de guia para a pesquisa científica. A partir dessas premissas, defendeu a posse de direitos naturais invioláveis, entre os quais se destacava a liberdade contra o poder absolutista e a rejeição das formas religiosas dominantes baseadas no Deus punitivo da Bíblia, que substituíram por uma versão deística e tolerante.
As teses ilustradas encontraram expressão no campo da política, por meio de uma proposta liberal democrática baseada na separação de poderes baseados em um contrato social de todas as vontades individuais como base da soberania e do direito; no campo da economia através da promoção da actividade comercial e industrial gratuita; e na educação como motor do progresso dos indivíduos e da sociedade em seu todo.
Cientes desse episódio transcendente e de outros que o precederam, os autores deste livro, Jacira Jacinto da Silva e Milton Medran Moreira, tomaram esses eventos como dados essenciais para examinar a origem e configuração doutrinária do espiritismo, a
partir do trabalho fundamental do grande pensador francês Allan Kardec. Não o entender dessa forma foi o que levou muitos de seus seguidores a supor ou imaginar sua aparição na França, em meados do século XIX, como uma espécie de revelação mágica, mística ou sobrenatural.
Nada mais apropriado e oportuno do que a abordagem séria e objectiva contida neste livro, assumida por este par de notáveis estudiosos da doutrina kardecista, ao mesmo tempo em que excelentes profissionais das ciências jurídicas, apresentando em suas características essenciais a concepção espírita da moralidade e ética, uma questão complexa com contornos muito diferentes, que conseguem transmitir através de uma linguagem compreensível e ao alcance dos leitores.
Reconhecidos pensadores laicos, humanistas e progressistas, inequivocamente identificados com os princípios e valores do espiritismo, Jacira e Milton usam as fontes mais legítimas para apoiar suas considerações e propostas, começando, é claro, com Kardec e sua obra capital O Livro dos Espíritos, a que frequentemente se referem, em especial à Parte Três, que trata das chamadas Leis Morais, e que eles chamam com toda a propriedade de “um tratado de ética” ao qual reconhecem toda a validade e realidade. Também se apoiam em citações de espíritas de diversos períodos, altamente qualificados, como Manuel Porteiro, Gustavo Geley, Herculano Pires, Deolindo Amorim, Jaci Regis, David Grossvater, Ney Lobo, Dora Incontri, Wilson Garcia, Ademar Chioro dos Reis, Reinaldo Di Lucia, Paulo Henrique de Figueiredo, entre outros.
Cientes de que ética e moral são termos que diferem do ponto de vista da reflexão filosófica, nossos autores preferiram tratá-los como se eles fossem equivalentes em atenção ao seu propósito essencial de deixar bem claro que o espiritismo, como uma filosofia científica, oferece comprovações e reflexões sobre a imortalidade e evolução contínua do ser humano em processos sucessivos reencarnatórios, completa-se em uma chamada para uma transformação consciente à prática do bem, de solidariedade e amor, no quadro de um processo histórico e espiritual em que o progresso moral e o progresso social se
interrelacionam e se fecundam permanentemente. Este formidável trabalho que integra a Colecção Livre Pensar promovida pela Cepa, constitui uma contribuição muito valiosa para a compreensão da autêntica dimensão moral e ética da proposta espírita, reafirmando sua essência laica, livre-pensadora, autónoma, humanista, progressista e progressista.
Como bons livros, agora será lido com prazer e sempre consultado com grande benefício.

Jon Aizpúrua
Psicólogo, economista, professor universitário, escritor e conferencista venezuelano, ex-Presidente da CEPA.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 8:32 pm

AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Executivo da CEPA – Associação Espírita Internacional pelo apoio incondicional ao projecto da Colecção Livre-Pensar: espiritismo para o século XXI;
Aos membros do Centro de Pesquisa e Documentação Espírita (CPDoc) pela leitura crítica e sugestões que permitiram qualificar o nosso trabalho;
A Salomão Jacob Benchaya pela revisão ortográfica;
A Magda Selvera Zago pelo projecto gráfico, capa e diagramação.

SUMÁRIO
CAPÍTULO 1. UM POUCO DE HISTÓRIA
1 Moral: convenção, razão ou revelação?
1.2 O cristianismo e a moral
1.3 O Iluminismo e a Moral Laica

CAPÍTULO 2. MORAL E ÉTICA - A RELAÇÃO COM O ESPIRITISMO
2.1 A dimensão ético-moral do espiritismo
2.2 Moral e ética: seus significados
2.3 Lei Divina ou Natural e sua consonância com o Direito Natural
2.4 E o “ensino dos espíritos” onde fica?
2.5 Espiritismo – terceira revelação?
2.6 Um saber comprometido com a liberdade

CAPÍTULO 3. ÉTICA E MORAL, MORALISMO E MORALIDADE
3.1 Retomando os conceitos de ética e moral
3.2 Moral e moralismo
3.3 Moralismo e fé
3.4 Moralidade decorrente da liberdade

CAPÍTULO 4. ESPIRITISMO E AS LEIS MORAIS
4.1 Construção de um novo paradigma
4.2 Ética em nós

CAPÍTULO 5. ÉTICA, MORAL E QUESTÕES ACTUAIS
5.1 Superação do padrão dicotómico certo/errado
5.2 Pautas sociais - um olhar espírita livre e plural
5.3 Direitos humanos
5.4 Ética em permanente construção
5.5 Ética e alteridade
5.6 Nem penas, nem castigos
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CAPÍTULO 6. SER ÉTICO = SER FELIZ
6.1 Razão e Felicidade
6.2 Espiritismo e transformação
6.3 Um sentido para a vida

CAPÍTULO 7. PROPOSIÇÃO FINAL DOS AUTORES
INDICAÇÕES DE LEITURAS DE INTERESSE
INDICAÇÕES DE SITES DE INTERESSE
Referências bibliográficas
Sobre OS AUTORES
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 8:33 pm

1 UM POUCO DE HISTÓRIA
Milton Rubens Medran Moreira
Este livro, cuja criação compartilho com Jacira Jacinto da Silva, tem o propósito de expressar o pensamento espírita, pelo enfoque laico, livre pensador, progressista, humanista, pluralista e genuinamente kardecista. O trabalho focará as questões éticas e morais e suas conexões com a Filosofia Espírita.

1.1 Moral: convenção, razão ou revelação?
Para todos os espíritas – sejam eles religiosos ou laicos -, o conteúdo moral ou ético do espiritismo assume, indistintamente, importância fundamental.
Não há divergências nesse campo: o espiritismo é uma proposta que convida o ser humano a uma contínua e progressiva transformação moral.
Seu próprio fundador, como se destacará mais adiante, conceituava-o como uma filosofia de consequências morais.
A “Colecção Livre-Pensar”, da qual este opúsculo é parte integrante, objectiva, no entanto, assinalar algumas distinções acerca das fundamentações teóricas assumidas por um e outro desses dois segmentos. A temática deste trabalho, moral e ética, presta-se à demonstração de que, mesmo tendo sido assimilado por grande parte de seus seguidores como uma religião (diferentemente do segmento que traz a público esta colecção), o espiritismo tem um conteúdo ético-moral firmemente ancorado em posições filosóficas de forte tradição histórica.
Para, brevemente, situar os leitores no âmbito das diferentes reflexões sobre moral e seus fundamentos, pensei em formular algumas indagações que sempre intrigaram o ser humano e, de certo modo, continuam presentes no trato do tema.
Vamos, então, às perguntas:
O agir humano para ser considerado certo ou errado, correto ou incorrecto, depende apenas de convenções humanas, como sustentavam, por exemplo, os sofistas, no chamado período clássico da filosofia grega?
[Para Sócrates (469-399 a.C.), diferentemente dos sofistas, o bem e o mal não são simples convenções humanas, têm natureza racional.]
Ou, ao contrário, como defendeu Sócrates (469-399 a.C.), em oposição ao relativismo sofista, o bem tem natureza racional, depende do conhecimento e, fundamentalmente, do “conhecimento de si mesmo”, enquanto o mal resulta da ausência de conhecimento?
Nesse último caso, valeria dizer que a virtude se identifica com a sabedoria e o vício com a ignorância.
Admitindo que o senso do bem e do mal é de ordem racional (e não meramente convencional, como disseram os sofistas), é de se fazer outras duas perguntas:
Em que momento essa consciência do bem e do mal passou a ter sede na chamada razão humana?
Mais: como e por quem foi ali implantada?
Juntando tudo isso, somos levados ainda a outras indagações:
Será mesmo que a questão do bem e do mal pode ser apreendida pela razão humana?
Está ela capacitada para tanto ou isso é de origem e competência divinas, sendo determinada por forças supra-humanas, por deuses, por espíritos, por revelações às quais devemos obediência, ainda que contrárias ou incompreensíveis à razão humana?
Na História da civilização greco-romana-judaico-cristã, em que estamos inseridos, esses temas sempre estiveram presentes na avaliação e para os fins da conduta humana, com predominância ora para umas, ora para outras, das hipóteses acima.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 8:33 pm

Ainda hoje, é possível, grosso modo, situar as formas de abordar a ética e a moral sob perspectivas que tendem a vê-las como categorias de genuíno sentido racional ou, ao contrário, como normatizações provindas de revelações, ou, ainda, como produtos de mera convenção humana (o positivismo normativo, por exemplo) ou, em contraposição, pertencentes a categorias que, por sua natureza, se sobrepõem a quaisquer normatizações positivas, já que presentes na consciência humana e integrantes de uma ordem universal. Falaremos mais especificadamente disso quando abordarmos o direito natural, ou jus naturalismo, e suas relações com o espiritismo.
Para muitos, ainda hoje, as questões morais são ditadas pela religião e só a esta cabe, em última análise, definir o que é certo e o que é errado. A relação dessas pessoas com a divindade, ou as divindades, assume um carácter de total heteronomia, em contraposição àquilo que a filosofia chama de autonomia humana. Povos ainda existem no mundo em que toda a legislação civil e penal e os próprios costumes familiares e sociais, do tipo como vestir, como e o que comer, como fazer sexo etc., estão contidos em seus livros sagrados.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 8:33 pm

1.2 O cristianismo e a moral
O próprio cristianismo, fi o condutor de processo civilizatório do Ocidente, teve, em diferentes fases de sua história, visões distintas do bem e do mal, logo da ética e do comportamento moral humano, sua origem e natureza.
No período denominado “Patrística”, dos primeiros séculos do cristianismo, do qual Santo Agostinho (354-430) foi o principal mentor, predominou o entendimento de que o ser humano era herdeiro do pecado (o pecado da desobediência motivara a expulsão do primeiro casal do paraíso terrestre).
Era, assim, o homem carente de qualquer razão para avaliar o que seria bem ou mal. Cabia-lhe, para liberar-se do “pecado original” e alcançar a salvação, obedecer cegamente aos preceitos da Igreja, que, como intérprete da revelação divina, lhe diria o que era certo e o que era errado (ou pecaminoso).

[Para os cristãos dos primeiros séculos, o pecado original privara o ser humano de distinguir o bem e o mal.]

Para Agostinho, o universo inteiro era constituído de duas realidades: a “civitas divina” (cidade divina) habitada por Deus, seus anjos e santos; e a “civitas terrena”, a Terra, abrigando o que ele chamava de “societas impiorum” (sociedade dos ímpios), extensão da “civitas diabolis” (cidade do diabo).
Nenhuma legitimidade, pois, tinham os homens de legislar sobre o bem e sobre o mal. O Estado, como hoje é visto, não existia como poder soberano. A única soberania era de Deus, exercida pela Igreja (teocracia). A ela deviam obediência os governos terrenos.1
A essa orientação teológica, chamada Patrística, sucederia outra, menos pessimista e severa com relação ao ser humano, a Escolástica, já na Idade Média, quando a teologia cristã, inspirada na filosofia de Aristóteles (384-322 a.C.), adotou fundamentos que tentavam conciliar fé e razão. Seu vulto mais importante, que, de igual forma de Santo Agostinho, é considerado um “Doutor da Igreja”, foi Tomás de Aquino (1225-1274). Nesse período, embora a Igreja, fortalecida em seus poderes terrenos, açambarcasse praticamente todas as fontes de produção de conhecimento, já se delineavam os fundamentos do Estado como ente soberano e regulador das relações humanas. A teologia cedia espaço à filosofia, malgrado esta fosse tida como serva daquela (“filosofia ancilla theologie”). Para Aquino, o único legislador da moral a ser adoptada pelos homens era Deus que a promulgara mediante o que o teólogo chamava de “lex aeterna”: lei eterna, imutável e válida para toda a humanidade, em todos os tempos. Concomitantemente, reconhecia a existência de uma “lei natural”, que Deus havia implantado no intelecto humano e que continha os principais fundamentos da lei eterna, já que esta, na sua inteireza, não estava ao alcance da razão humana. Abaixo das leis eternas e das leis naturais, ambas categorias de origem divina, poderiam, sim, ser promulgadas “leis humanas”.
Mas estas estariam, necessariamente, submetidas, por ordem de prioridade, às leis eternas e às leis naturais. Assim, se as leis humanas contrariassem as leis eternas e as naturais, o homem deveria seguir estas últimas, sempre concedendo prioridade às leis eternas, mesmo que totalmente divorciadas da razão. Assim, na hipótese de haver conflito entre um impositivo da lei natural e os preceitos das leis eternas, interpretados estes pela Igreja, o ser humano devia obediência, sempre, às leis eternas.2
Vê-se, dessa forma, que, mesmo diante do avanço da descoberta de um elemento crítico racional, no ser humano – a lei natural, prevalecia, ainda, a fé sobre a razão regulando o comportamento humano.
A essa altura, poderá o leitor perguntar: mas o que isso tudo tem a ver com a ética ou a moral adoptada pelo espiritismo, uma filosofia surgida tanto tempo depois, no Século XIX?
Na verdade, tem muito a ver. Para que se possa minimamente entender o verdadeiro carácter ético ou moral da filosofia espírita, uma doutrina humanista e evolucionista, é sumamente importante acompanhar a evolução sofrida pela visão que a cultura ocidental e cristã desenvolveu ao curso destes séculos e que teve suas origens ainda antes de Jesus, na Grécia, passando, depois, pela história do cristianismo, em todas as suas fases, e se aprimorando no Iluminismo que venceu as trevas da Idade Média e criou o ambiente propício ao desenvolvimento do espiritismo, visto este, especialmente, sob uma óptica arreligiosa, laica e fundada numa filosofia racional, a partir da ideia central da realidade do espírito e sua prevalência sobre a matéria.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 10:01 am

VOCÊ SABIA?
A compreensão das ideias do Iluminismo europeu é fundamental para entender por que a moral espírita tem natureza essencialmente laica e não religiosa.

1.3 O Iluminismo e a moral laica
Com efeito, o que a História denominou Iluminismo marca a nova forma do pensar humano que irá caracterizar a chamada Idade Moderna. O movimento do Iluminismo, nos séculos XVII e XVIII, dá uma nova feição à moral. De genuinamente religiosa que era na Idade Média, a moral assume, agora, um carácter laico, humano. Sem que a discussão fosse centralizada na questão da existência ou não de Deus, firma-se, no entanto, o entendimento de que os valores éticos - tratados na área da filosofia com a denominação de axiologia -, provêm da própria consciência humana e não da vontade de Deus ou de suas revelações. Teses diferentes, mas todas centradas no homem (daí a expressão “humanismo”, para caracterizar esse movimento), buscam explicar a génese e a natureza da moral humana. Assim:
Para uns, a moral está contida nas chamadas “leis naturais” das quais os filósofos gregos já haviam tratado. Daí o que se chamou de jus naturalismo, ou seja, a existência de um direito natural que deve presidir todas as normas do direito positivo dos povos, ou seja, aquele que é legislado.
Para outros, os empiristas, a moral está baseada no interesse humano no sentido da busca da felicidade e afastamento da dor.
Finalmente, para grande parte dos filósofos iluministas, também reavivando teses vindas dos filósofos gregos, a moral é uma consequência, uma imposição mesmo, da razão. O racionalismo aliado ao empirismo, moderna síntese filosófica da qual Immanuel Kant (1724-1804) seria o grande representante, termina por desvincular a moral da religião para situá-la, predominantemente, na consciência do ser humano e na sua experiência criadora. Isso, justamente isso, se constitui no ponto central do pensamento moderno, onde está inserido o espiritismo.3
Entenda-se, assim, porque era necessária mesmo essa brevíssima síntese histórica do pensamento filosófico na cultura ocidental e cristã, para a breve análise que pretendemos fazer sobre a ética e a moral, vistas na perspectiva espírita, uma doutrina surgida no Século XIX, quando as ideias iluministas já se sedimentavam no continente europeu.
A propósito, até aqui, falamos indistintamente em ética e moral. Serão esses termos sinónimos?
Pretendemos abordar isso no capítulo seguinte, a partir, especificamente, da proposta espírita, sistematizada por Allan Kardec, ao publicar O Livro dos Espíritos, no ano de 1857.

Immanuel Kant (1724-1804) desvinculou a moral da religião, para situá-la no âmbito da consciência.


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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 10:01 am

2 MORAL E ÉTICA - A RELAÇÃO COM O ESPIRITISMO
Milton Rubens Medran Moreira

2.1 A dimensão ético-moral do espiritismo
“A Ciência e a Filosofia espíritas encontram seu complemento na Ética espírita. Não basta que conheçamos os fundamentos dessa Doutrina, é imprescindível que os mesmos se inter-relacionem e se integrem à nossa vida, dentro de um processo que nos impulsione para uma permanente transformação moral, no âmbito íntimo, pessoal, assim como no familiar e social”.
O trecho acima, extraído da obra Os fundamentos do espiritismo de Jon Aizpúrua4, lembra preciso conceito exposto por Allan Kardec, em “Conclusão” de O Livro dos Espíritos. Ele advertia, ali, que há diferentes níveis de adesão às propostas espíritas.
A primeira delas é, simplesmente, a de crer nas manifestações dos espíritos, ou seja, a de aceitar o espiritismo como “uma ciência experimental”. A segunda é a capacidade de perceber que daquelas manifestações defluem “consequências morais”.
E, finalmente, a terceira é a que conduz o sujeito a praticar ou, pelo menos, a se esforçar no sentido de “praticar essa moral”.5
Daí outra importante observação feita por Kardec no livro O Evangelho segundo o espiritismo, obra que tem por objectivo estabelecer a conexão entre a mensagem moral de Jesus de Nazaré e aquela ínsita na doutrina espírita:
“Reconhece-se o verdadeiro espírita por sua transformação moral e pelos esforços que faz para domar suas más inclinações”.6
Já dá para ver, por esses conceitos fundamentais, que o espiritismo, apesar de haver sido classificado por seu fundador como uma “ciência que trata da natureza, da origem e do destino dos espíritos e de suas relações com o mundo material”7, só ganha efectivas identidade e dimensão doutrinárias a partir de suas consequências ético-morais e, particularmente, a partir da acção humana concreta, sintonizada com aqueles valores. Aliás, foi o próprio Kardec que, como preâmbulo da conceituação acima, consignou, no mesmo livro:
“O espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os Espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que decorrem dessas mesmas relações”.7
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 10:02 am

2.2 Moral e ética: seus significados
Allan Kardec usou com frequência as expressões “consequências morais” ou, simplesmente, “moral” para destacar os efeitos práticos do agir humano que, necessariamente, defluiriam do conhecimento espírita. Poderia, ao invés dessas expressões, ter utilizado o termo “ética”, mais empregado no âmbito da filosofia, para designar esse conjunto de valores (axiologia) a que o ser humano é conduzido no seu processo evolutivo, por via de seu desenvolvimento racional e cognitivo.
De facto, à apreciação desses valores, no plano teórico, tem-se dado a denominação clássica de ética, tema objecto das preocupações dos filósofos de todos os tempos, dos gregos aos nossos dias. Podemos dizer, a partir dessa constatação teórica, que a ética tem carácter especulativo, objecto que é do estudo da própria natureza humana e seu agir no mundo.
Enquanto isso, a moral, na medida em que vista como orientadora dos actos comportamentais humanos, conferindo-lhes atributos de licitude ou de ilicitude, tem características normativas. Sinteticamente, pode-se dizer que a ética é a reflexão da moral.
A palavra moral serve, também, vista sob outro ângulo, para designar os costumes dos diferentes povos, sua cultura, os hábitos comportamentais que os distinguem dos outros, provindos de suas crenças, de seus mitos, de suas tradições religiosas, de seu tempo histórico e respectivo espaço geográfico ocupado. Daí sua origem semântica: mos/mores (costume, em latim).
Kardec, obviamente, não desconhecia essas nuances semânticas ora aproximando, ora diferenciando os termos ética e moral. E assim, dando maior relevância às características comuns entre ambas as expressões, teria preferido a palavra “moral”, talvez, mesmo, para melhor ser compreendido por todos, já que o objectivo de sua obra, de nítido carácter pedagógico, era atingir todos os níveis de compreensão humana. Fazia isso – convém recordarmos sempre – na fase da História do Ocidente em que as normas comportamentais humanas ainda transitavam do âmbito religioso (a chamada “moral cristã”) para uma concepção derivada de uma ética humanista, calcada na razão, na experiência humana e em sua autonomia.
No capítulo que se segue a este, Jacira Jacinto da Silva, co-autora desta publicação, faz mais algumas considerações sobre os significados de ética e de moral, sublinhando, no entanto, que aquilo que tratamos como moral, em termos espíritas, não pode, jamais, ser confundido com “moralismo”. Este implica numa visão deturpada da verdadeira ética humana, natural, provinda de valores universais e confortadas pela razão. Expressa-se em imposições rígidas do que pode e do que não pode ser feito. Já, a moral de que trata o espiritismo é aquela que Allan Kardec e seus interlocutores espirituais identificaram como contidas nas chamadas leis naturais, às quais O Livro dos Espíritos dedica toda sua 3ª Parte, desdobrada em 11 capítulos, contendo 278 questões, com o título geral de “Lei Divina ou Natural”.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 10:02 am

2.3 Lei Divina ou Natural e sua consonância com o Direito Natural
É justamente a partir desta expressão “Lei Divina ou Natural”, utilizada pelo fundador do espiritismo para abordar, em O Livro dos Espíritos, a moral, sob o enfoque espírita, que podemos retomar a breve incursão histórica acerca do pensamento humano, na cultura ocidental, feita no capítulo anterior, tentando também dar resposta às indagações lançadas ao início daquele histórico.
Já vimos que a Modernidade, conduzida pelo Iluminismo, deslocou do âmbito da fé, da revelação religiosa, para a razão e a consciência humanas a questão da valoração ética da conduta humana.
Isso ocorreu também na área do Direito, a ciência humana que, fundada nos padrões morais dos povos, legisla sobre o que o Estado entende ser lícito ou ilícito, prescrevendo e aplicando, inclusive, sanções àqueles que violarem suas regras.
Mas se, antes, esse juízo de valor sobre o certo e o errado fundava-se mais nas tradições, nos costumes e nas revelações religiosas de seus povos, agora, a partir de uma visão de nítido carácter humanista, buscam-se esses fundamentos na razão.
O autor deste capítulo tratou mais detidamente desse tema, no livro “Direito e Justiça - um olhar espírita”.8 Aqui, sucintamente, registe-se o surgimento, no século XVII, da chamada Escola do Direito Natural, liderada pelo holandês Hugo Grocio.
Defendia ele a existência de um Direito baseado na mais íntima natureza humana, consonante com uma ética universal, independentemente de qualquer revelação religiosa, ou mesmo de leis positivas. A ideia não era nova, vinha dos gregos, fora defendida pelos estóicos e, entre os romanos, teve em Cícero um ardoroso adepto. Ganhou, no entanto, status de escola de pensamento, por força do racionalismo da Modernidade. A escola do Direito Natural ou Jus naturalismo defende que há regras de agir ínsitas na razão humana e, mesmo quando não normalizadas, devem ser obedecidas por todos. Para Grocio, “o Direito Natural existiria mesmo que Deus não existisse ou não se importasse com as questões humanas”.

[Para Hugo Grocio, o Direito Natural existiria mesmo que Deus não existisse ou não se importasse com as questões humanas.]

Consignei, a propósito, no livro acima referido: “Será precisamente esse fundamento de direito ,que está na natureza e cuja titularidade não mais pertence a divindades, mas ao próprio homem, que vai dar origem aos grandes movimentos iluministas do século XVIII, desembocando na Revolução Francesa e na Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
O espiritismo, surgido na França do século XIX, em meio a toda essa nova cultura da Modernidade, assimilou filosoficamente, e por inteiro, essa concepção. Quando Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, dedica toda sua terceira parte às questões éticas e morais, lhe dá o título geral de “lei divina ou natural”. Diferentemente de Tomás de Aquino, que estabelecia uma hierarquia entre uma e outra, para Kardec lei divina ou natural passam a ser sinónimos:
“A lei natural é a lei de Deus. É a única verdadeira para a felicidade do homem. Indica-lhe o que deve fazer ou não fazer e ele só é infeliz porque dela se afasta.” (5) (questão 614). E, mais adiante, na questão 621, declara peremptoriamente que essa lei está inscrita “na consciência” do ser humano.
Pronto! Com esses conceitos fundamentais, o espiritismo desloca toda a questão do bem e do mal, do certo e do errado, do terreno da revelação para aquele da razão, entendida esta como a aptidão da consciência humana em conhecer a “lei natural” e viver de acordo com ela.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 10:03 am

Consigne-se, aqui, que estamos falando de um período pré-freudiano. Nele, a razão, que destronara a fé, deteria teoricamente o controle dos actos humanos. A psicologia, tal como entendida hoje, dava recém seus primeiros passos e Sigmund Freud (1837-1885) não desbravara, ainda, o vasto mundo do inconsciente. Esses aspectos, no espiritismo contemporâneo, de feição humanista/progressista, são levados em conta. Convidam a conjugar racionalidade com emoção e contribuem muito para conduzir a uma compreensão integral do ser humano, na sua dimensão física/social/racional e psíquica.
Feito esse parêntese, voltemos a situar, historicamente, a adesão da então nascente filosofia espírita às teorias racionalistas da moral e do direito:
Identificando na lei natural a presença de Deus, ínsita na razão humana, a tal ponto de expressar lei divina e lei natural como sinónimos, o espiritismo reafirma seu carácter eminentemente racional, não religioso ou fi deísta. Concebendo, por outro lado, o “espírito” como “o princípio inteligente do Universo” (questão 23 de O Livro dos Espíritos), a filosofia compartilhada entre Kardec e seus interlocutores espirituais cria o que o pensador Maurice Herbert Jones nominou de “humanismo espirito centrico”, ou seja, o que tem sua raiz, sua génese e seu progressivo desenvolvimento no espírito imortal:
“E assim, como uma flor tardia da primavera iluminista, nascida no solo adubado pelo romantismo de Rousseau e Pestalozzi, surgiu o espiritismo
que, com seu “humanismo espiritocêntrico”, busca superar, dialecticamente, o conflito entre o pensamento medieval centrado em Deus e o humanismo organocêntrico da renascença e iluminismo”.9

[Maurice Herbert Jones (1929-2021), do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre: “o espiritismo adopta o humanismo espiritocêntrico”.]

A presença da lei natural na consciência humana, antes de ser uma graça divina concedida, como pretendia Aquino, para ajudar o ser humano a compreender parte das misteriosas leis de Deus - porque estas, na sua dimensão mais ampla, estariam no âmbito da fé e não da razão -, atesta o imenso potencial do espírito, como fagulha divina, no contínuo processo rumo à perfeição.
No mesmo artigo, Maurice Herbert Jones faz uma excelente síntese da moral concebida pelo espiritismo:
“O grande problema da ética como estudo racional da moralidade se resume em saber se é desejável ser bom e, em caso afirmativo, como pode ser o homem persuadido a ser bom. A esta instigante questão o espiritismo responde com a ideia da evolução e, sobretudo, com os princípios da reencarnação e da causalidade que oferecem substrato racional riquíssimo para a adoçam consciente de um modelo comportamental fundamentado na tolerância racial e social, configurando assim a ética natural, sonhada por Sócrates, capaz de construir um sistema de moralidade independente de credos teológicos”.
Para complementar essa lúcida síntese, acresceríamos apenas mais um ponto: a lei natural, tal como concebida pelo espiritismo, radicada na consciência do ente racional, emancipada de coacções teológicas e inspirada no Direito Natural dos iluministas, tem sua prática estimulada pela convicção de se constituir no caminho rumo à felicidade. A já mencionada questão 614 de O Livro dos Espíritos, ao fazer a revolucionária afirmação de que o homem “só é infeliz quando se afasta da lei natural”, rompe com a tradição judaico-cristã de que o ser humano, “herdeiro do pecado”, estaria destinado à condenação eterna e desta só se libertaria pela “graça” de um “redentor” e desde que observados alguns requisitos de ordem ritualística e de submissão à fé.
Ao contrário dessa visão pessimista da teologia, o “humanismo espirito-cêntrico”, adoptado pela filosofia espírita, vislumbra para o espírito, “criado simples e ignorante” o destino fatal da felicidade, a ser por ele próprio construída, via aquisição do “conhecimento que liberta” e que o impele ao exercício da ética natural.
Vale dizer: só a prática do bem conduz à felicidade.

VOCÊ SABIA?
O espiritismo, inspirado nas ideias iluministas, deslocou a questão da moral do campo da fé para o âmbito da razão.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 10:03 am

2.4 E o “ensino dos espíritos” onde fica?
Sendo assim e já que o conhecimento da lei natural está implantado na essência do ser, é de se questionar, a esta altura: qual o valor, então, do ensino moral dos espíritos, apontado, tão amplamente, pela própria doutrina, como sua coluna mestra? Tão relevante essa característica revelacional atribuída ao espiritismo que, inclusive, nas obras básicas de Allan Kardec, é ele ali designado como “terceira revelação”, em complementação às de Moisés e de Jesus.
A pergunta é pertinente e o próprio Kardec, ao se deparar com o conceito formulado pelos espíritos de que a lei natural ou divina está gravada “na consciência” (L.E. q. 621), imediatamente questionou:
“Uma vez que o homem traz em sua consciência a lei de Deus, que necessidade havia de lhe ser ela revelada?” (q. 621-a).
Abre-se, então, um aparente contraste entre racionalidade e revelação.
As questões formuladas na sequência da obra básica da filosofia espírita enfrentam essa provável contradição, justificando a necessidade a que se submete o espírito encarnado de ser, constantemente,
recordado e estimulado daquilo que traz em sua consciência para seu aprimoramento moral. Essa missão, explicita a questão 622, é conferida, “em todos os tempos” a “Espíritos Superiores, encarnados com o objectivo de fazer a Humanidade progredir”.
Há óbices que, naturalmente, retardam o progresso moral a que está destinado, por vocação, o ser humano. Dentre eles, os maiores, disseram os espíritos, na questão 785, são o orgulho e o egoísmo.
Curiosamente, esses obstáculos ao progresso moral nascem, precisamente, do progresso intelectual, ao qual também está vocacionado o espírito.
Na medida em que este, enquanto encarnado, se aprimora intelectualmente, “desenvolve a ambição e o amor das riquezas”. Isso o torna orgulhoso e egoísta, num primeiro momento. A pesquisa na busca do conhecimento, no entanto, esclarece-o espiritualmente, fazendo-o compreender acerca da excelência da modéstia e da solidariedade.
Os interlocutores de Kardec complementam a explanação afirmando: “É assim que tudo se relaciona no mundo moral como no físico e que do próprio mal pode sair o bem”.
Veja-se, pois, que o processo de evolução dos espíritos, nos sucessivos aprendizados reencarnatórios, é complexo, necessariamente doloroso, lento, e reclama, além da tarefa essencial de carácter individual, o auxílio e a contribuição experiencial daqueles que já superaram fases em que outros se demoram e, assim, podem melhor compreender suas dificuldades.
A empatia é sentimento indispensável na prática do amor, da solidariedade e da educação.
As “revelações”, pois, sejam elas situadas no âmbito das religiões ou extraídas das múltiplas experiências da humanidade no campo da ciência, da
filosofia, das lições da história nas tantas instâncias do conhecimento, devem ser vistas pelo homem como ensinos apropriados a seu grau de desenvolvimento e de progresso moral.48 Espiritismo, Ética e moral Revelar é descobrir, é aprender a ler e interpretar o grande livro da natureza. O aprendizado dessa leitura dificilmente há de ser feito sem o auxílio de mestres e de guias, o que não substitui o papel central do aprendiz.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 10:03 am

2.5 Espiritismo - terceira revelação?
Situar o espiritismo como uma “terceira revelação” pode até ser apropriada metáfora, compatível com a cultura ocidental e cristã, em que estamos mergulhados.
O Antigo e o Novo Testamento oferecem alegorias e ensinos que traduzem riquíssima experiência histórica e cultural. Jesus de Nazaré, nesse contexto, é apresentado pelo espiritismo como um “modelo e guia” para a humanidade (q. 625).
Entretanto, o carácter universal das “leis divinas”, nos dizem os espíritos, foi reconhecido e ensinado, ao curso do tempo, por “todos os homens que meditaram sobre a sabedoria” e que, assim, “puderam compreendê-las e ensiná-las, desde os séculos mais remotos. Por meio de seus ensinos, mesmo incompletos, prepararam o terreno para receber a semente. Estando as leis divinas escritas no livro da Natureza, o homem pôde conhecê-las quando quis procurá-las. É por isso que os preceitos que elas consagram têm sido proclamados em todos os tempos pelos homens de bem, e é também por isso que encontramos os seus elementos na doutrina moral de todos os povos saídos da barbárie, mesmo que incompletos ou desfigurados pela ignorância e para superstição”. (q. 626).
Esses claros conceitos adoptados pelo espiritismo elevam-no a um patamar que o situa acima de todo e qualquer sistema religioso. Mesmo assim, pelo contexto histórico e cultural onde ele está inserido, há os que o vêm apenas e tão somente como uma nova crença, mais avançada que as anteriormente adoptadas, naquele mesmo âmbito cultural.
Nessa perspectiva, meramente linear, o espiritismo pode encontrar raízes na fé judaica e na fé cristã. Só assim pode-se entender o fato de seu próprio fundador tê-lo apresentado como uma “terceira revelação”.
Se visto, no entanto, sob mais ampla perspectiva, necessariamente seus amadurecidos conceitos se ligarão a todos os esforços humanos em prol do conhecimento do homem e do mundo, como muito bem percebeu o escritor espanhol do Século XIX.
Manuel Gonzales Soriano, ao reconhecer na filosofia espírita “a síntese essencial dos conhecimentos humanos aplicada à investigação da verdade”.10

[Manuel Gonzales Soriano (1837-1885):
“O espiritismo é a síntese essencial dos conhecimentos humanos”.]

Nessa mesma linha, não seria adequado apresentá-lo como uma “revelação” (muito menos como a terceira delas). Estamos com o pensador espírita brasileiro Reinaldo Di Lucia para quem “não se deve insistir na tese da revelação”. Para ele, “os diversos sentidos que se dão a esta palavra só confundem, nada explicam”.11
Assim, pois, se visto como uma “revelação”, que se reconheça, entretanto, no espiritismo, por inteira justiça, sua imensa capacidade de haver recolhido de múltiplas outras revelações, científicas, filosóficas, históricas e éticas, a essência melhor de cada uma, para oferecer à humanidade um novo paradigma de conhecimento, baseado na imortalidade e na evolução do espírito e seu mais nobre atributo:
a razão. Uma razão, como propôs Kant, aliada e enriquecida pela experiência prática.
Passa a ser, dessa forma, um desafio aos espíritas progressistas libertar Kardec e sua proposta filosófica da gaiola espaço/temporal/bíblico/evangélica inserindo-os no amplo e ilimitado campo capaz de dar respostas aos questionamentos do ser humano sobre: Quem sou? De onde venho? Para onde vou?
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 10:03 am

2.6 Um saber comprometido com a liberdade
Os espíritos que, com Kardec, estabelecem aquele amplo diálogo, de nítido carácter universalista e assectário que resultou na filosofia espírita, não se colocam como intérpretes de uma nova ordem moral, nem retiram a liberdade dos destinatários de sua mensagem em crer ou deixar de crer no que lhes aprouver. Não são conselheiros moralistas, mas concitam-nos a pensar juntos e a, juntos, buscarmos, no livro da natureza, as leis que dela emanam e que são inteiramente consentâneas com a racionalidade que o homem moderno já pôde conquistar.
Nem isso impede, entretanto, que, pelo instrumento natural de mediunidade, base factual da filosofia sistematizada por Allan Kardec, bons e bem-intencionados espíritos se apresentem como conselheiros e socorristas de atribulados encarnados, incapazes ou desacostumados, ainda, de, por si próprios, buscarem na recta razão, instalada no mais íntimo de suas consciências, o farol que os conduza a estágios de equilíbrio e de felicidade, ao curso de suas experiências encarnatórias. Mas há de imperar, sempre, a responsabilidade de cada um, sua autonomia moral, na construção de seu destino.
Como muito bem assinala Paulo Henrique de Figueiredo, o espiritismo nos oferece “a mais ampla condição de liberdade e responsabilidade individual. O Espírito é árbitro de si mesmo. Quando consciente de seu destino, é ele próprio que planeia seus desafios e escolhe suas provas. Se o sofrimento moral é consequência natural, a felicidade é proporcional à conquista da caridade desinteressada, da sabedoria, permitindo participar da criação divina, contribuindo activa e progressivamente para a harmonia universal”.12
E assim é. O espiritismo é, mais que tudo, a doutrina da liberdade, da autonomia moral, da responsabilidade perante a vida e suas leis presentes na natureza e inscritas na consciência do espírito imortal.
Allan Kardec propôs a seus interlocutores espirituais, na terceira parte de O Livro dos Espíritos, desdobrar o estudo das leis divinas e naturais em dez partes, compreendendo as leis de adoração, trabalho, reprodução, conservação, destruição, sociedade, progresso, igualdade, liberdade e, por fim, a de justiça, amor e caridade.
Os espíritos acataram essa divisão que lhes pareceu abranger “todas as circunstâncias da vida, o que é essencial”. Ponderaram, no entanto, que essa divisão nada tinha “de absoluta, como não o têm os demais sistemas de classificação” e elegeram como a mais importante de todas a última delas – a lei de justiça, amor e caridade – já que, por meio dela, “o homem pode adiantar-se mais na vida espiritual, visto que resume todas as outras”.5 (q. 648).
É assim que, ali, se produz um excelente tratado de ética, abrangendo as grandes questões do tempo em que se estabeleceu esse diálogo entre a humanidade encarnada e a humanidade desencarnada. Em linhas gerais, as questões ali expostas reflectem os grandes questionamentos humanos acerca da divindade, da vida, em suas dimensões material e espiritual, das relações sociais, familiares, orientadas por nobres sentimentos de justiça, amor e caridade. Seguem atuais os temas ali desdobrados, mas, à luz de seus fundamentos atemporais, são inteiramente aplicáveis às características de cada época, aos sempre novos desafios com os quais um mundo em constantes transformações sociais, políticas, científicas e tecnológicas se depara.

VOCÊ SABIA?
A filosofia espírita sintetizou todas as grandes leis divinas ou naturais nestes três valores fundamentais: Justiça, Amor e Caridade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 10:03 am

3 ÉTICA E MORAL, MORALISMO E MORALIDADE
Jacira Jacinto da Silva
O conhecimento é a base de sustentação das acções humanas; logo, no saber individual se vislumbra a estrutura de cada ser. Há situações, no entanto, em que o agir no mundo se apresenta, aparentemente, distanciado da cultura e do intelecto do ser actuante.
Este capítulo tem o propósito de analisar algumas das importantes lições apreendidas no estudo espírita e ressaltar a necessidade de que façam parte do quotidiano colectivo. Discute-se a aplicação, na prática, dos fundamentos ético-morais espíritas.

3.1 Retomando os conceitos de ética e moral
Valho-me da definição que Jon Aizpúrua deu ao espiritismo, na qual pretendo fundamentar toda a discussão que me cabe neste livro:
“(...) é um autêntico saber filosófico, de estilo racionalista e livre-pensador, respaldado sobre uma sólida base científica e que se traduz em imensas consequências para a transformação moral e social do mundo.”4 (p.37)
Considerei oportuno reflectir também, e logo de início, sobre a seguinte introdução do autor Fábio Renato Villela à sinopse do livro Filósofos Modernos e Contemporâneos:
“Vivemos uma época singular e paradoxal. De um lado, o culto à matéria, ao instantâneo e ao superficial; e no outro extremo, pessoas em busca de alguma essência, de alguma transcendência que ultrapasse o imediatismo e lhes assegure a condição de seres que pensam, sentem e crêem.
Geralmente as pessoas buscam essa transcendência em religiões, seitas, ou técnicas místicas que mudam ao sabor dos modismos. Porém, ao verificarem a vacuidade das mesmas, passam a buscar suas respostas em um pensamento mais denso e profundo. Passam a buscar a Filosofia clássica.”13
Quiçá possamos contribuir de alguma forma com aqueles que buscam esse saber ancorado na Filosofia.
Para alinhar a construção das ideias, seguem definições de alguns termos.

Moralismo:
Nesse conceito identifica-se um conjunto de regras rigorosas e inflexíveis, muito próprias de quem busca alguma essência no misticismo, nas religiões e nas seitas.

[Do Latim “MORALIS” de “MOR-” “MOS” = costumes.
O termo “Moral” em sentido amplo é a Teoria que trata dos “Valores” e/ou “Princípios” que governam a conduta dos Seres Humanos.13]

Segundo Jaci Régis,
“O moralismo tem sido uma arma de manipulação e controle, que o amadurecimento do Espírito vai derrubando conforme se confere a si mesmo o direito de estabelecer as regras de comportamento.”14 (p. 114)
Refere-se a uma espécie de distorção da moral, que leva algumas pessoas à imposição de suas crenças pessoais e sua percepção de moralidade. Prática paradoxal que ataca a quem diverge, invariavelmente por atitudes destoantes da moral invocada.

Moralidade:
Essa palavra expressa, ao menos para determinada sociedade, um sentido consolidado de valores.

[Do Latim “MORALITAS”. Pode ser entendida como um conjunto de Valores e Princípios de uma Sociedade.
Também significa a qualidade, boa ou má, de uma acção, um facto, quando o julgamento se baseia em normas morais vigentes.3]
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 10:04 am

Ética:
Como este trabalho toma por pressuposto o humanismo e o desafio das relações humanas na trajectória evolutiva dos espíritos, imprescindível conhecer a belíssima lição de Lévinas sobre ética.
“O primeiro ponto é que não há ética quando se considera só um indivíduo, não há ética quando construída a partir do Eu considerado protótipo de toda a humanidade. Acima e antes de tudo, a ética é uma relação primordial. Esta relação constitui o fato primeiro, é o ôntico frontal sobre o qual pode erguer-se ontológico e que a própria racionalidade supõe e exige (grifo desta autora).”15 (p. 219)

[Ética ou filosofia da moral pode ser conceituada como a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito dos fundamentos da vida moral.16]

Ainda que o co-autor desta obra, Milton Rubens Medran Moreira, já tenha discorrido com muita propriedade no capítulo anterior sobre moral e ética, o tema permeia todo o livro.
A despeito das diferenças existentes e bem identificadas na contemporaneidade sobre esses conceitos, a depender do contexto, as palavras podem emitir significações semelhantes.
Poder-se-ia sintetizar moral/moralidade, especialmente quando utilizada para orientar as acções humanas, num balizamento do que seja considerado lícito ou ilícito, como “os costumes, regras, tabus e convenções; em uma expressão de certa forma comum, normas sociais”.17
Não se identifica, porém, com o autoritarismo ou com o totalitarismo, tampouco contempla a conduta pautada no conhecido e antigo “moralismo”. A moralidade espírita, segundo podemos compreender, está contemplada na ética como um valor que se expressa no conjunto do conhecimento humano, em sintonia com valores universais. Por isso mesmo não pode ser estática, ao contrário dos regramentos absolutos e imutáveis contidos no moralismo, os quais não concedem espaço para o novo, ou o diferente.
Herculano Pires ilumina o estudo do tema:
“(...) [a consciência] reflecte em si mesma os anseios naturais de transcendência da alma, que é o espírito individualizado, essência específica do homem. A lei que rege essa essência é a ética, que nas línguas latinas sobrepõe-se tradicionalmente à moral e a controla. Toda a normativa prática da moral é regida pelos princípios teóricos da ética.
O conjunto sincrónico ético-moral constitui a consciência.”18 (p. 70)
Essa consciência e a liberdade pertinente à natureza humana permitem à pessoa progredir, repensar, recriar, avançar e, portanto, promover mudanças significativas, como protagonista de importantes projectos voltados à transformação social. Em sintonia com Herculano Pires, David Grossvater escreveu:
“A ética é uma questão concernente à consciência pessoal na conduta humana, através da qual se desenvolve. A ética não é premissa, mas corolário, consequência de nossas convicções. Por esse motivo, estabeleceu-se como “projecções ético sociais.”19 (p. 25)
A palavra ética aparece, comummente, associada ao estudo fundamentado dos valores morais, filosoficamente construída para, do mesmo modo, conduzir as acções humanas em sociedade. Não se evidencia um carácter normativo, definido como parâmetro inafastável naquele contexto social; ao contrário, induz investigação para permitir melhor compreensão da própria natureza humana e das consequências de sua actuação social.
Em contexto coloquial, “ética” é sempre interpretada como sinónimo de lisura, correcção, respeito, “(...) finalidades e valores da acção moral; ideias de liberdade, responsabilidade, dever, obrigação, etc.”20
(p. 67) Ética teria sido, por exemplo, a conduta de Descartes, que deixou de publicar um tratado três anos antes por não tê-lo revisado o bastante, seguro de que não deveria escrever nada capaz de prejudicar qualquer pessoa.21 (p. 63)
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 8:05 pm

Na vigência da escravidão, cada possuidor de escravos convivia sem qualquer desconforto com aquela realidade. Naturalmente, escudavam-se na moral então vigente, que considerava legal e legítimo escravizar pessoas.
Como a ética consiste no estudo do conjunto de valores morais de um grupo ou indivíduo, faz sentido inferir que o ideal contrário à escravatura foi-se fortalecendo com o passar do tempo até chegar à completa inversão daquele valor, considerando-se inadmissível, em dias atuais, um ser humano escravizar o outro. Disso se extrai que o amadurecimento ético pressiona a moral vigente.
Mesmo sendo natural que haja, na actualidade, a distinção entre os conceitos de ética e moral, nem sempre foi assim. Muitos filósofos não os diferenciaram no passado. O próprio Kardec adotou a expressão “moral” referindo-se a circunstâncias para as quais teria sido pertinente a utilização da palavra “ética”, como menciona o co-autor Milton Medran no Capítulo 2.
Diz o filósofo Fábio Villela:
“É errado pensar que Moral e Ética são sinónimos.
Grosso modo, a Ética é um conceito superior ao de Moral, na medida em que essa última é só a codificação das normas estabelecidas pela Ética.”13
Assim concluo essa discussão: as acções humanas são direccionadas pelos valores éticos, que no seu conjunto influenciam a moral humana. De outro modo, as acções individuais pautam-se nos mencionados valores.
Para distinguir os dois conceitos dizemos que a ética se relaciona com a essência, estudo racional das escolhas morais para orientar as acções humanas em direcção ao bem comum. Já a moral equivale a um código de conduta que impõe sanções, mesmo veladas, vinculando-se à prática diária.

[“Ética é uma planta frágil que temos de regar diariamente, para não a deixar perder vitalidade, perder a capacidade de ir adiante, perder fertilidade.”22(p. 15)]
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 8:05 pm

3.2 Moral e moralismo
Não são poucos os estudos reveladores dos prejuízos que a obsessão religiosa causou à humanidade. A pretexto de “atender à vontade de Deus”, o ser humano tem cometido atrocidades, desvirtuando-se da moralidade necessária ao progresso das pessoas e dos grupos sociais. Anota Alberto Cuauhtémoc Mayorga Madrigal, da Universidade de Guadalajara, especialista em Bioética no âmbito social e normativo:
“A história nos deixa amostras precisas dos terríveis ataques contra a humanidade que foram cometidos em nome de posições morais inquestionáveis. Com isso, lembramos o apartheid, o nazismo, a Inquisição ou a queima da biblioteca de Alexandria, apenas para trazer alguns eventos marcantes.”23 (tradução livre).
Episódios tristes da história foram praticados no âmbito das religiões ocidentais, em nome de Jesus, um dos grandes referenciais de amor para a humanidade. A propósito, o espiritismo admira, aplaude, inspira-se na moralidade de Jesus de Nazaré - homem, cuja vida serviu de marco na história humana, tamanho o seu impacto. Esse é um modelo, como outros (Buda, Rosa Parks, Gandhi, Mandela, Luther King, madre Teresa de Calcutá etc.), não se identificando com o Jesus Cristo, tido por mito cristão e único exemplo de comportamento.
Registe-se, a postura maniqueísta, posicionando pessoas e situações em duas polaridades, exclusivamente - bom e mau, justo e injusto, belo e feio, certo e errado etc.-, está lastreada no moralismo religioso, ou na falsa moral religiosa que, frequentemente, leva a uma espécie de disformidade da moral.
A ideia central que defendemos não ignora a posição de espírito em aprendizagem na qual os habitantes da Terra se encontram, tampouco exige de humanos uma santidade inalcançável. A defesa do pensamento contrário produziria hipocrisia, sendo válido lembrar, no entanto, que nas oportunas ponderações de Deolindo Amorim24 (p. 132), ser espírita exige mais do que verbalizar os conceitos.
Espera-se compromisso com os preceitos morais e comprometimento com a filosofia espírita.
O espiritismo propõe orientações seguras para a nossa evolução em O Livro dos Espíritos, mais especificamente na sua parte terceira, que trata das Leis Morais. A leitura, o estudo, a meditação dessas leis morais representam um programa de vida.25(p. 127) Entrementes, esse é um caminho e não se pode desconsiderar o momento e as condições em que se encontra cada um dos habitantes do planeta; alguns à frente do nosso tempo; outros com menos descobertas acumuladas. Trabalhoso, porém necessário, é o exercício da empatia, colocar-se no lugar do outro e tentar compreender as suas escolhas.
A liberdade, nesse contexto, assume papel decisivo e preponderante, pois apenas uma espécie de progresso interessa, aquela que se constrói na realidade do ser pensante, respeitando seus limites e suas condições de compreensão.
Até mesmo a lei humana, com todas as suas dificuldades, adopta o princípio da culpabilidade proporcional à capacidade de compreensão do ilícito. Na amplitude do conhecimento humano e do progresso embasado na lei natural, não seria coerente pensar de outra forma. Na questão 830 de O Livro dos Espíritos consta: A responsabilidade do mal, porém, é relativa aos meios de que o homem disponha para compreendê-lo. Nas palavras de Gustavo Geley, “(...) tudo quanto nos seja necessário para nosso melhoramento, para nosso avanço ou evolução, deve resultar de nossos esforços pessoais. Assim, pois, nos limites do possível, a moral humana deve deixar livre o indivíduo.”26 (p. 145)
Seria desejável redigir um código de condutas morais a partir da Filosofia Espírita? Claro que não se trata de estabelecer uma “ética” própria. Os seres humanos adquirem moralidade a partir da compreensão dos seus actos, mas a experiência da vida é muito distinta conforme a capacidade de compreensão de cada indivíduo, havendo um grau infinito de variação na escala evolutiva dos espíritos.
A Filosofia Espírita tem o objectivo de contribuir para a construção de melhores comportamentos, uma sociedade mais justa, desenvolver relações humanas mais respeitosas, solidárias etc. Não obstante, esses valores não podem ser impostos, de modo que, na medida do seu interesse, os indivíduos vão se esclarecendo e ampliando sua capacidade de se melhorarem, promovendo novos padrões comportamentais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 8:05 pm

Sob a égide da liberdade com responsabilidade, sofremos as consequências naturais dos nossos actos e com isso aprendemos também.
Oportuna nota de Jaci Regis propõe a sintonia com o conhecimento, a adequação de linguagem e de conceitos, sem que isso comprometa a essência da Filosofia: “A doutrina espírita é capaz de modificar certos conceitos sem perder sua base”.27 (p. 68)
É a busca do conhecimento e do aprendizado que leva os seres humanos a diferentes estágios evolutivos, justificando-se por isso as diversas visões de mundo. Enquanto preferimos estagiar na ignorância e na preguiça, pela lei natural que nos expõe às repercussões das nossas acções, debatemo-nos em meio à escassa colheita.
A alienação leva à estagnação, atitude da qual não se pode esperar bons resultados. Haveremos de reconhecer que somente por um ato de egoísmo injustificável deveríamos esperar a “boa sorte” por um milagre da natureza.
Com muita clareza, a Filosofia Espírita nos ajuda a desenhar a nossa trajectória a partir das nossas acções, incluindo as realizações pessoais e colectivas.
Também não se cogita, no contexto de uma filosofia libertadora, de um sistema composto por penas e castigos, tampouco de premiação. Essas bases não se encontram no espiritismo, definitivamente, ao menos nesta visão actualizada, humanista e progressista da Filosofia.
Propõe-se, portanto, a superação dos estágios abusivos, privilegiando o investimento no ser humano. Significa que o desafio está na composição de condições favoráveis ao amadurecimento dos espíritos, despertando o interesse geral pelas acções humanizadas, dignificantes, esclarecedoras, altruístas, construtivas e proactivas.
Bem por isso, a empreitada é sempre nossa. As condições de vida que experimentamos hoje no mundo são fruto das nossas construções precedentes, não parecendo razoável esperar que apareça um “messias” ou qualquer outro tipo de “salvador da pátria” e transforme a humanidade, ou extirpe os males presentes na contemporaneidade. Cada pessoa cresce ao seu modo e todas influenciam o colectivo.
A Filosofia Espírita não se coaduna com proposições piegas, adequadas ao falso moralismo que impõe condutas hipócritas. O fanatismo inibe a reflexão, embora muitas seitas religiosas se ancorem na existência de supostos “representantes de Deus”, santos, gurus, pastores, médiuns etc. Crença irracional e cega, já que o planeta Terra dá guarida a espíritos de diferentes níveis evolutivos, não se esperando que haja, aqui, espíritos completamente evoluídos. Sandra Stoll observou:
“A santidade resulta de uma produção social; definida e regrada por convenções, exprime-se como um modo de ser socialmente diferenciado.”28 (p. 193)
Uma consequência da afirmativa da autora é que os rótulos nem sempre correspondem ao conteúdo; em outras palavras, diz que esse status não provêm naturalmente das acções, mas das convenções. O propósito da Filosofia espírita é impulsionar o entendimento, a compreensão, a mudança, mas sem imposições, distanciando-se do estímulo a comportamentos padronizados e supostamente sacralizados, menos ainda sob a ameaça de condenação depois da morte física.
O legítimo ideal espírita conjuga, na prática, discursos e condutas, mas reconhece que estamos bem longe de atingir esse ideal. Dado o facto de sermos espíritos em evolução, vamos tacteando experiências positivas e insistindo muitas vezes nas negativas, mas já sabemos que a distância entre o dizer e o fazer não nos convém.
Mário Sérgio Cortella sugere a esperança activa, induzindo ao inédito viável para se fazer o que precisa ser feito e bem-feito. Espíritas egoístas na rotina diária, por ganância ou vaidade, mesmo fazendo doações materiais com o fim de “amenizar a consciência”, ou adquirir “bónus hora”, seguem sendo pessoas egoístas, de nada lhes servindo as práticas aparentes, já que a evolução e o progresso são processos construídos e expressados de dentro para fora. A proposta espírita sugere edificação permanente, possivelmente lenta, porém sincera e real.
A cada um de nós incumbe preocupar-se com os próprios passos e com o progresso colectivo, conscientemente, respeitando o processo e o momento alheios.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 8:05 pm

Por certo, as acções desrespeitosas e indignas devem ser combatidas, mas há grande diferença entre contrapor-se a acções ou ideias (o que pode e deve ser feito em prol dos valores éticos), e abjurar pessoas. A principal forma de contribuir para a melhoria colectiva está no esforço cotidiano que fazemos para melhorar nossas acções, viver e experimentar a busca da serenidade e da felicidade que resultam de um comportamento mais ético.
Também adoptando o devido cuidado para não nos acomodarmos no lugar da omissão, passividade, permissividade ou covardia.
Entretanto, a vida não é linear; ao contrário, por sermos espíritos em evolução e muito distantes da perfeição, às vezes, sequer percebemos os equívocos nos quais estamos incorrendo. Poderíamos, por exemplo, pensar que sonegar impostos seria uma forma de protestar contra os desmandos na administração dos recursos públicos; entretanto mais nos convém lutar para qualificar o padrão de representantes políticos. Nas situações de dúvida, vale sempre lembrar que devemos fazer ao outro o que desejaríamos nos fosse feito em situação semelhante, cuja receita expressa a melhor forma de entendermos o que é justo.
Sem templos, sem bispos ou qualquer outra espécie de missionários (principalmente sem médiuns gurus), sem rituais ou dogmas, o estímulo para acções construtivas faz a efectiva diferença no mundo contemporâneo. Sem apresentar um personagem que conduza a vida dos outros – detentores de supostas santidades, a Filosofia Espírita impulsiona às realizações pela via da racionalidade.

FALSO MORALISMO
É peculiar do falso moralista exigir dos outros o que ele nunca pode ser - Vantuilo
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 04, 2024 8:05 pm

3.3 Moralismo e fé
Na esteira da discussão sobre o moralismo, bem como de seu confronto com o falso moralismo, oportuno entender a contribuição da fé, invariavelmente vinculada à religião.
Aprendemos ao largo dos anos que seria importante ter fé; aquela que remove montanhas, a que empodera, aquela que, por si só, resolve.
Uma lente nova também cabe nesse ponto para desvincular o conceito de fé do moralismo e, com maior razão, do falso moralismo.
Kardec propôs a fé raciocinada. Talvez a concretude desse postulado seja inaplicável, mas o fundador do espiritismo sugeriu, em verdade, viver racionalmente. Que as pessoas tenham fé-confiança-esperança, racionalmente, nos outros, em Deus, em si mesmas. Que acreditem na capacidade do espírito dotado de inteligência e, portanto, potencialmente municiado de recursos para alcançar o que desejar.
Embora pareça incoerente e contraditório, a ideia é nutrir uma dose de cepticismo, como ocorreu com Kant na sua intensa pesquisa à crítica.
A fé que nos ajuda, portanto, não é a que prostra para “esperar sentado” a riqueza, a saúde, a prosperidade, o amor etc. Muito ao contrário, Kardec invocou a razão por saber que sem o trabalho árduo e a lucidez permanente, o bem não acontecerá. A fé cega atrapalha, ofusca, impede; por outro lado, a dúvida impulsiona. Sendo assim, a crença racional na capacidade humana, na existência de recursos férteis e abundantes na natureza, no talento imensurável do ser humano, proporcionará os avanços necessários.
Induzidas à crença irracional de que poderão alcançar, sem esforço e trabalho, a realização de um sonho, pessoas lotam templos, doam dinheiro, olvidam a ciência, abandonam tratamentos medicinais e atrasam a marcha do seu progresso. Nesse contexto se compreende bem o significado da expressão “o conhecimento liberta”, porque é pressuposto para a transformação. Mais uma vez, é na força da razão que se iluminam os caminhos da humanidade.
Ao discutir a liberdade no próximo tópico, ver-se-ão maiores evidências de que a assunção de responsabilidade se revela mais potente como força criadora, do que a fé cega; em outras palavras, a moralidade que ansiamos se vincula mais à liberdade do que à fé que aprisiona.´

“Fé inabalável é somente a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade.”
Allan Kardec
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