LUZ ESPÍRITA
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O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

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O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 3 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 8:14 pm

- Mas verdadeiro. Em minha vida terrena dediquei mais de quarenta anos ao magistério, escrevi livros sobre educação, convivi com pessoas, muitas das quais aconselhavam-se comigo, e acreditava sinceramente estar realizando um trabalho útil e desinteressado. Entretanto, nada disso era verdade. O que fiz era para dar prazer a mim mesmo. Era para ser apreciado pelos outros. Era para fazer escola, era para ter seguidores. Era para impressionar.
- Atónito, eu não sabia o que responder. Ele prosseguiu:
- Ganhei honras, medalhas, respeito, glória. Ficava feliz atrás da minha escrivaninha, contemplando os diplomas na parede, e o peito cheio de orgulho com as medalhas e os louros alcançados. Falava como um oráculo e era dono da situação. Pode haver situação mais ridícula?
- O amigo me perdoe, mas não vejo ridículo em levar uma vida útil, honesta e laboriosa. Temos o direito de estar orgulhosos quando alcançamos essa vitória.
- Isso pensava eu. Mas tudo quanto fiz mudou de alguma forma minha maneira de ver o mundo? Tornou-me consciente da realidade do dia-a-dia?
Fez-me aprender o que eu necessitava como espírito eterno para ser útil à obra do Pai? Não, meu amigo - tornou ele com amargura.
- Eu não fiz nada disso. Encastelei-me em meus conceitos, que não questiono, válidos ou não, e joguei ideias sobre os outros, testei meus pontos de vista, fiz de cobaia os sentimentos alheios, mas permaneci observador apenas, não vivi os meus próprios problemas, não tirei das experiências da vida as lições que necessitava. Perdi setenta anos de reencarnação e regressei no mesmo ponto, sem resolver velhos débitos, e sem progredir nem um pouco.
- Eu estava arrasado. Teria ele razão? Estaria eu no mesmo caminho?
- Mas, sem dúvida, esclareceu pessoas, educou, dedicou-se ao próximo.
Alguns melhoraram usufruindo de suas ideias. Isso não é um bem?
- Isso dizem nossos maiores. Eu, porém, sou rigoroso. Não posso aceitar minhas falhas. Como progredir se carrego ainda o peso da minha vaidade?
Como aconselhar se ainda não comando minha própria vida?
- Eu estava boquiaberto.
- Quando na Terra, você era sempre tão exigente?
- Era. A educação só se faz com disciplina. Aprendi isso com minha mãe.
Desde a mais tenra idade, ela era muito rigorosa. Exigia perfeição e não admitia enganos. Eu a amava muito, mas temia sua autoridade. Até hoje, quando percebo que errei, vejo-a à minha frente, com seu vestido austero e olhos firmes, dura e forte. Jamais consegui desobedecer-lhe. Era mulher extraordinária. Inteligência invejável, cultura enciclopédica. Se tivesse encontrado mulher como ela, por certo me casaria. Mas como isso não aconteceu, fiquei só.
- Eu estava mais calmo. Começava a compreendê-lo melhor.
- Pois eu não tenho pretensões. Sei que sou vaidoso, que ainda carrego meu orgulho e que conservo as fraquezas humanas bem acentuadas. Porém, isso não me incomoda, sabe por quê?
- Não - tornou ele, com certo ar de comiseração.
- Porque Deus não tem pressa. Deu-nos tempo para aprender. Desejar a perfeição é um objectivo nobre, mas querer alcançá-la agora, na fase em que estamos, é utopia. Por que não esquece essa preocupação ao menos por um pouco e observa como tudo aqui é agradável, como há pessoas interessantes no salão?
- E que estou preocupado. Pedi para reencarnar sem demora, mas nossos maiores desejam que eu ainda fique mais um pouco por aqui. Uns dez ou quinze anos, talvez.
- É melhor assim - respondi, à guisa de consolo. - Terá tempo de preparar melhor a próxima vida.
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O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 3 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 8:14 pm

- E - fez ele, pensativo. - Mas ainda não consegui ver minha mãe. Disseram-me que talvez não a encontre antes da próxima encarnação. E, mais, que renascerei órfão. Isso me preocupa. Como poderei vencer sem ela?
- Olhei-o penalizado. O apego às vezes dificulta nossa vida. Ele concluiu:
- Quer que me alegre carregando o peso de tantos problemas? Como poderia? Acho que não devia ter vindo aqui. Acredito tê-lo entristecido.
- Levantou-se para despedir-se. Abracei-o com carinho. Sentia-me alegre e tranquilo.
- -Não diga isso. Gostaria de vê-lo de novo. Venha e conversaremos. Tenho algumas histórias que por certo irão interessá-lo. Também interesso-me pelos problemas de comportamento humano. Poderemos pesquisar juntos, discutir os porquês. Talvez possa ajudar-me a compreender um pouco mais.
Pela primeira vez o rosto dele desanuviou-se e seus lábios entreabriram-se em ligeiro sorriso.
- Está bem. Gostei de conversar consigo. Preciso mesmo de um amigo. Virei na próxima semana.
Curvou-se, e recolocando novamente o ar de tristeza, afastou-se.
Eu olhei a noite estrelada, senti o cheiro gostoso das flores, observei o burburinho alegre dos salões e pensei:
Que bom que eu ainda sou humano como os outros. Que bom que eu ainda não sou perfeito. Que bom que eu ainda posso errar para aprender. Quem bom que eu posso estar aqui neste ambiente tão amigo e acolhedor.
Acham que estou sendo muito liberal comigo mesmo? Mas estando aqui, vendo o que eu vi, percebendo o que percebi, será que não pensariam como eu?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 8:15 pm

A CALVÍCE
Há muitas coisas estranhas que aceitamos como naturais simplesmente porque nos acostumamos, e nem sequer nos detemos para reflectir sobre elas.
Quando na Terra, convivemos com naturalidade com os mais originais fenómenos, com as mais exóticas pessoas, sem estranheza nem admiração. E que na lavagem cerebral a que somos submetidos a cada nova reencarnação, guardadas lembranças ou memórias no arquivo mental das vidas passadas, desde os primeiros tempos de vida na Terra, aprendemos a achar natural tudo quanto nos rodeia. Isso não impede que a nossa fantasia crie o mundo do além, de acordo com os nossos desejos, representando um prémio ou um castigo de nossa performance na carne.
E interessante para nós, fantasmas realistas e amantes da verdade, podemos penetrar nesses devaneios guardando a certeza de que um dia cada um conhecerá a sua verdade, largando a fantasia e aprendendo as lições sábias da vida.
Até aí, parece fácil, porquanto filosofia, interpretação, hipóteses são elementos que se pode usar à vontade. Porém, a verdade, o dia-a-dia é tão diferente do que imaginamos que às vezes é difícil contar.
Não que a realidade exceda a nossa fantasia, pelo contrário, tudo continua tão natural, tão parecido, tão autêntico que vocês não vão querer acreditar.
Falo por mim, que até agora, depois de tantos anos por aqui, ainda me surpreendo com o que me é dado presenciar. Estou sendo claro?
O que eu quero dizer é que muitos dos problemas que enfrentamos no dia-a-dia terreno continuam aqui. E notem que não me refiro aos problemas emocionais ou espirituais, que obviamente são nosso património intransferível, mas aos problemas físicos, os mais corriqueiros.
Quando cheguei aqui, conhecendo e estudando a força da mente, a criatividade plasmando formas e realizando maravilhas, imaginei que os fantasmas domiciliados neste lugar maravilhoso manejassem a força mental com facilidade, libertando-se das pequeninas coisas desagradáveis dos problemas terrenos.
Vivi assim durante anos, tentando fortalecer minha força mental, desejoso de realizar grandes façanhas. Como sabem, quando consegui trabalhar, exultei.
A alegria aumentou quando consegui escrever para vocês.
E, nessa euforia, procurando notícias interessantes para reportar, movimentei-me buscando assuntos de interesse geral.
Não posso negar que o ambiente artístico seja o meu forte. Sempre que posso procuro os teatros e jamais deixo de ir ao encontro dos atores depois do espectáculo. O teatro por aqui é elemento interessante de cultura. Enquanto na Terra o autor atém-se ao tempo diminuto de uma vida, aqui, esse limite não existe. Os enredos vão de uma encarnação a outra, educando, mostrando, elevando. O conceito de beleza mais desenvolvido, sentimentos apurados, compõem páginas imorredouras.
A música, as danças, tudo nos alegra e enriquece. E, se alguma tragédia é mencionada, logo depois os benefícios e as causas nos demonstram a sublime
grandeza das leis de Deus. A alegria de reunir-me a eles, de conversarmos, de revivermos coisas que nos são caras é intraduzível.
Foi numa dessas noites, após um espectáculo musical de excelente qualidade, que procurei os camarins, como de hábito. Estava entusiasmado e não escondia minha euforia.
Os recursos por aqui são outros. As luzes, o cenário, as cores, tudo. Ah! Se eu um dia pudesse levar um espectáculo desses na Terra, tal como o assistimos aqui, que maravilha! Que sucesso faria!
Como isso não é possível, acompanho meu amigo Jaime até o camarim do astro que eu queria conhecer.
Um homem alto, porte elegante, rosto moreno aparentando uns quarenta anos. Representava, cantava, dançava magistralmente, arrancando incontidos aplausos da selecta plateia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 8:17 pm

Não o conhecera no mundo. Seu nome era-me desconhecido, apesar de ter sido famoso em Portugal, sua terra de origem, no final do século passado. Tendo regressado por volta de 1912, continuara dedicando-se ao teatro com acendrado entusiasmo.
Fomos recebidos com alegria. Abraços e apresentações. Fioravante era seu nome, ao qual ele ajuntou com graça:
- Apesar de ser português, minha mãe era cantora lírica. Pespegou-me nome italiano, que afinal deu-me sorte. No meu tempo, na Europa, artista para ser bom tinha de ser italiano.
Rimos. Fioravante tinha dentes alvos e bonitos.
- Sentem-se um pouco enquanto desembaraço-me desses aparatos. Com que então o amigo também militou no teatro?
- É - respondi, satisfeito, enquanto ele tirava a túnica, vestindo roupa mais moderna. - Pelo teatro deixei quase tudo—ajuntei com certo orgulho, na certeza de que seria compreendido.
- É uma causa justa - continuou ele, sério, enquanto passava líquido no rosto.
- Foi então que ele, levando a mão à cabeça, tirou a bela peruca que usava, deixando à mostra uma careca prosaica e tão terrena que não pude deixar de me surpreender.
- A custo contive minha admiração. Gosto é gosto, e se o amigo gostava daquela careca luzidia, eu não tinha nada com isso.
- Ele, porém, olhou-me um pouco triste e comentou:
- Infelizmente não consigo reaver meus cabelos. Consegui tal perfeição nas perucas que parecem verdadeiras, mas ainda não consegui fazer crescer meus próprios cabelos.
- Eu estava estupefacto. Em nosso mundo, onde a mente cria, onde pensamos e realizamos, por que Fioravante não conseguia fazer crescer seus cabelos?
- Chocado, vi quando ele, depois de ter-se arrumado, recolocou
cuidadosamente a peruca, agora com penteado mais natural. Apesar do meu espanto, fui forçado a reconhecer que ela lhe tirava uns vinte anos de cima.
Dava-lhe uma fisionomia jovial.
- Conversamos sobre teatro, trocamos ideias, experiências, e a cada momento mais admirava sua dedicação à arte, seu esforço, sua inteligência.
- Saímos procurando um lugar onde pudéssemos conversar mais à vontade.
Foi em um jardim agradável que a brisa da noite perfumava que nos sentamos.
O céu rutilava de estrelas e sentíamo-nos saudosos.
- Discutimos autores, peças famosas, e eu naturalmente ouvindo-o respeitoso contar as peças e os espectáculos realizados já aqui em nosso plano. - Fiquei sabendo que o teatro é utilizado como escola viva de preparação para aqueles que partem para nova encarnação, bem como na recuperação de espíritos cristalizados no remorso, na indiferença, na dor, no ódio, na ilusão.
- Ele descrevia com entusiasmo:
- Despertar a sensibilidade para o belo, para o amor, para a luz, é tarefa que a vida luta para alcançar através dos seus choques de acção e reacção. Nós, do bom teatro, somos colaboradores da vida, sensibilizando os espíritos, mostrando ideias, sentimentos, luz, beleza, esperança, verdade, lutas e paz.
Por isso, acredito que o teatro jamais vai morrer. Sejam quais forem os meios de comunicação na Terra, o cinema, a televisão. A arte fala, sensibiliza, revela, sublima, mostra, eleva. Se um dia eu puder, quero voltar à Terra para continuar mostrando a verdade, Deus, a natureza a todos os homens!
- Seus olhos brilhavam sinceros, e uma lágrima emocionada humedecia-lhe as faces.
- Esse é o teatro que eu amo. Esse é o teatro que eu gostaria de ter feito e, quem sabe um dia, ainda possa fazer.
- Fez-me bem conversar com ele, e foi com tristeza que nos despedimos.
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O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 3 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 8:17 pm

- Por certo voltarei a vê-lo.
- Abraçamo-nos, comovidos. Quando ele se foi, Jaime perguntou, malicioso:
- E então?
- Maravilhoso - respondi, entusiasmado. - Senti-me orgulhoso de ter sido artista.
- Se todo artista percebesse quanto é grande sua missão, a arte na Terra há muito teria alcançado seus objectivos.
- E mesmo. Só uma coisa me intriga. Por que, sendo tão evoluído, ele ainda não conseguiu mudar sua aparência física?
- Jaime sorriu ao responder:
- Parece que você acordou para a nossa realidade.
- Como assim?
- Você ainda guarda muitas fantasias da Terra, e isso sempre dificulta enxergar.
- Um pouco picado, perguntei:
- Por quê?
- Está aqui há tantos anos e não percebeu ainda que a vida por aqui segue em vários aspectos, igual à Terra.- Claro que isso eu sei. Aonde quer chegar?
- Se eu amanhã chegasse a você e dissesse: Está satisfeito com sua aparência física? O que me diria?
- Eu estou.
- Mas se eu lhe desse chance de mudar, escolher, como gostaria se ser?
- Examinei-me. Pensei, depois respondi:
- Mais jovem, claro, mais inteligente e até mais bonito. Todos gostamos de ser bonitos.
- Defendi-me, procurando perceber onde ele queria chegar.
- E as mulheres, como gostariam de ser?
- Claro que lindas. Se eu saísse por aí perguntando, já pensou que loucura?
Só ia existir mulher jovem e bonita, mesmo que o conceito de beleza seja variável.
- Mas o mundo não é assim. Cada um é o que é. Cada um é o que escolhe ser. Não com palavras, mas com seus actos.
- E verdade. Isso venho aprendendo a duras penas.
- Se cada um, usando sua força mental, pudesse transformar-se a seu bel-prazer, como um camaleão, já pensou a confusão que ia ser o nosso mundo?
- E - concordei, admirado. - Mas então, como conciliar as coisas? O que está errado?
- Tudo está certo. E só não esquecer que a natureza segue seu curso natural, sem saltos nem preferências. E ordenada e perfeita. Dentro das leis divinas, cada criatura está situada dento dos seus limites, que se vão modificando à medida que ela vai vencendo as etapas necessárias. A força mental é extraordinária, e bem utilizada, como disse o Cristo, remove montanhas, mas sempre será subordinada ao bem geral, à ordem estabelecida, à lei maior. Se assim não fosse, estaríamos à mercê de criaturas inescrupulosas, que tendo desenvolvido essa força, não a utilizam para o bem.
- Quer dizer, então, que não podemos ultrapassar certos limites? Claro que eu sabia disso com relação ao progresso espiritual. Mas o que dizer das coisas materiais? Por que Fioravante ainda não consegue sequer fazer crescer seus cabelos?
- Não se esqueça de que a forma física, seja na densidade da Terra ou aqui mesmo, representa o instrumento de manifestação do espírito. Quer queiramos ou não, a aparência ainda disciplina muito nosso comportamento com relação às pessoas, ainda aqui em nosso plano. Só o espírito muito superior consegue abstrair-se da forma física. A beleza é conquista eterna do espírito. Ninguém consegue imaginar um ser superior, angelical, de forma feia, incompleta, chocante.
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O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 3 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 8:17 pm

Por essa razão, a aparência física é muito importante para a aquisição de determinados valores, e é determinante do comportamento dos outros a nosso respeito. Todos comovem-se quando uma criança sofre, raros apiedam-se quando um velho padece. Ninguém está vendo aí dois espíritos carentes que podem ter igual necessidade de amor e assistência. A forma, a aparência, determinam as atitudes. Por isso, o corpo é veículo perfeito de nossas necessidades. Retrata nossas carências, nossa escolha, e o que somos para quem tem olhos de ver. É por isso que muitos continuam vivendo aqui, com a mesma aparência que tinham na Terra.
- Não será por terem-se habituado a ser como são e não perceberem que já podem mudar?
- Isso ocorre. Mas enquanto alguns, por expansão natural, ao voltar para cá remoçam sua aparência, outros, ao contrário, não conseguem sair do que eram na última encarnação.
- É. Eu nunca pensei em mudar, embora me reconheça mais moço.
- Eis aí uma nova experiência a tentar. Depende de como anda sua fantasia.
- No momento, bem calma. Reconheço que não tinha pensado nisso.
- -Na verdade, a vida é sábia e nos permite aprender a cada dia.
- Será que ele ainda vai conseguir derrotar a calvície? Pareceu-me tão humilhado por usar a peruca!
- Claro que o tempo vai conceder-lhe o que pretende, mas isso só se dará quando não precisar mais desse obstáculo.
- O que será que a vida pretende ensinar com isso?
- Não poderia dizer. Talvez a aceitar seus próprios limites, talvez a não se deixar empolgar pelas coisas exteriores, talvez a perceber que as aparências iludem. Não sei. Esse segredo só a vida conhece, e isso, ela não revela a ninguém. Compete a ele descobrir.
Fiquei pensando, pensando. Afinal, a calvície é o terror dos homens na Terra, mas pode ser um mal necessário e até educativo.
Será por isso que ninguém ainda descobriu remédio para ela? E, o que é pior, nem aqui, pelo que eu sei, porque muitos dos que eram calvos ainda não conseguiram fazer seus cabelos crescerem.
Chegará o dia de isso acontecer?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 8:18 pm

O ARQUITECTO
Era uma linda manhã de domingo e eu caminhava contente, respirando a largos haustos e sentindo a alegria de viver.
Vocês já se sentiram assim? Parece que todo nosso ser se espreguiça e se abre para a beleza do céu azul, o aroma agradável das flores, a delicadeza da brisa que passa e nos acaricia.
Estou sendo lírico? Talvez. Mas caminhando pelas ruas em uma manhã tão linda como esta e em meio a um ambiente tão acolhedor, não poderia ser diferente. Eu explico. Este bairro da nossa cidade é dos mais belos que já tive a oportunidade de ver.
As casas, todas térreas, leves e de uma beleza lírica, com seus telhados em ponta, suas chaminés, algumas revelando reminiscências terrenas, são rodeadas de verdes jardins, flores perfumadas, sebes graciosas.
Difícil descrever, mas, se eu pudesse, mandaria uma fotografia para que vocês vissem que beleza! Em meu passeio dou largas à imaginação pensando, por exemplo, na dificuldade que um espírito teria se saísse de uma dessas habitações, tomasse um corpo de carne e fosse morar numa casa terrena, tendo de respirar a atmosfera poluída do mundo.
Poluição em todos os campos, incluindo o mental. Será que foi por isso que os homens inventaram a história dos anjos decaídos? Pode ser.
Vocês podem pensar que nenhum dos habitantes desse lindo lugar concordará em renascer no mundo hoje, mas eu posso afirmar que eles não só têm renascido na carne como têm procurado melhorar o meio ambiente terreno.
E bem verdade que os interesses escusos têm procurado inutilizar-lhes a acção, contudo, certos de estarem com a razão, cientes de que sabem o que estão fazendo, continuam a alertar contra a matança indiscriminada dos seres e a destruição das florestas e dos rios.
Neste lugar maravilhoso, que estou visitando deliciado, residem os arquitectos do nosso plano, profundos conhecedores da natureza em larga faixa de percepção, que começa nas profundezas do orbe terreno e chega ao nosso plano de vida. Eles sabem como o universo funciona nessas diferentes dimensões, suas leis e seu pulsar. Estabelecem planos para harmonizar os homens (quando digo homens, refiro-me a todos os espíritos ligados à Terra, encarnados ou não) à vida, e assim integrá-los na obra da criação.
Não acham maravilhoso? Pensam que para isso haja necessidade de ser “santo”? Puro engano. Cada um pode integrar-se no pulsar da vida, seja onde for que esteja vivendo.
Por acaso os animais irracionais não fazem isso? Vocês vão dizer que estou colocando os irracionais acima dos homens. Não é bem assim. Eles são conduzidos como o recém- nascido o é pelos pais. Mas os homens têm desenvolvimento para decidir, escolher.
E acontece que, como ainda ignoram, escolhem mal. Coisas da aprendizagem.
Mas, neste lugar vivem os arquitectos do nosso plano. Vocês sabiam que eles não cuidam só da construção das casas e dos jardins, mas das melhorias de condições de vida, valorizando o conforto, a beleza, a utilidade, a necessidade? Vocês sabiam que eles não colocam nada em seus projectos que não tenha utilidade prática?
E isso que os arquitectos da Terra querem aprender. Unir a beleza ao conforto e à utilidade prática.
Respirei fundo o ar balsamizado e agradável, sentindo- me muito bem.
Frente a uma graciosa casa, toda pintada de branco e com janelas antigas de vidros coloridos sobre jardineiras floridas e alegres, parei.
Acabava de ver um homem que se entretinha em examinar detidamente um cacho florido de graciosa trepadeira.
- Olá! - saudei, procurando chamar sua atenção.
Ele, calmo, respondeu:
- Olá.
- Eu continuei:- Gostaria de falar-lhe por alguns momentos. Pode atender-me?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 8:18 pm

- Ele desviou a atenção das flores e fixou-me firme. Era moço, vinte e poucos anos na aparência terrena, alto, magro, cabelos castanhos naturalmente ondulados. Olhos claros e expressivos. Gostei dele. Sustentei o olhar.
- Pode entrar.
- Com licença - respondi, enquanto me aproximava.
Apesar de não ter portão algum impedindo a entrada, não teria entrado sem autorização, mesmo que eu quisesse. Sabem por quê? Há uma força, uma espécie de magnetismo do próprio morador que veda a entrada a pessoas que ele não deseja receber. Estão admirados? Mas é verdade.
- Estamos em uma cidade onde há ainda larga faixa de evolução. Embora os grupos afins se unam naturalmente, devido à diversidade de graus de compreensão, não se pode evitar a curiosidade dos mais afoitos, a leviandade dos ignorantes, etc.
- É verdade que os que estão distanciados dessa faixa não apreciam essa beleza, nem se sentirão bem circulando por aqui durante muito tempo. Mas, sempre pode aparecer alguém indesejável. Além do quê, eles aqui dedicam-se a pesquisas muito sérias, e muitas vezes, em meio ao seu trabalho, não podem ser perturbados ou interrompidos.
- Aproximei-me radiante. A oportunidade era única.
- Estou admirando este paraíso, satisfeito, e gostaria de conhecê-lo melhor.
Sou repórter. Dedico-me a escrever para os homens na Terra.
- Em boa hora decidiu isso - respondeu-me, sério.
- Também acho. Há muita curiosidade por lá com relação ao nosso mundo.
Eles não têm muito acesso às informações.
- Sei disso. Mas acho que o momento é de trabalharmos todos para tentar ajudá-los nessa hora difícil.
- Hora difícil? Por que diz isso?
- Temos acompanhado apreensivos as interferências indevidas que eles estão fazendo nos ciclos vitais, comprometendo a vida futura da humanidade terrena.
- Olhei-o, assustado. Ele prosseguiu:
- Eles estão brincando com os conhecimentos que já possuem e experimentando levemente. Se não disciplinarem essas interferências, condicionando-as ao equilíbrio ecológico, em pouco tempo a Terra deixará de ser o centro de nossa aprendizagem, por não ter mais condições de manter a vida. Nenhum espírito aguentará manter-se na carne, que não vai mais oferecer condições de controlo saudável.
- Vendo que eu o ouvia com respeito, prosseguiu:
- A vida se manifesta em profundos movimentos rítmicos, cadenciados, em espirais ascendentes que ainda não nos é dado conhecer o primeiro elo, nem o último. O que já sabemos é que todos estamos vivendo, actuando, e mergulhados num ponto dessas espirais. E que estamos todos, e tudo, interligados de tal forma que uma nota dissonante, uma quebra de ritmo, perturba larga faixa, muito além do ponto onde ocorreu, requisitando socorro e reposição imediatos.
- Como assim? - indaguei, preocupado.
- Estamos aqui preocupados com a péssima qualidade da vida terrena.
Temos feito estudos sobre o assunto. Nós também pertencemos à espiral evolutiva da Terra. Somos um lado, o outro é aquele extremo onde ainda situam-se as almas sofridas e tristes.
- Refere-se ao umbral?
- Não só ao umbral, mas ao centro da Terra, onde seres ainda em precárias condições encontram-se retidos naturalmente. O ambiente terreno reflecte-se aqui e naquele extremo, penosamente.
- Como assim?
- Como acha que a desintegração atómica atua em outras dimensões de vida? Já pensou na concentração dos elementos corrosivos que o homem vem utilizando em larga escala na industrialização, na interferência indevida de elementos na química orgânica dos corpos, envenenando os alimentos e comprometendo-se perigosamente?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 8:18 pm

- Os alimentos? Refere-se aos fertilizantes químicos?
- Certamente. Corno acha que eles actuam, aumentando as células, interferindo nos órgãos de reprodução? Eles desequilibram o metabolismo natural das plantas e desregulam seu ciclo.
- O que pode acontecer?
- A natureza preservar-se, negando-se a produzir.
- Mas esses recursos aumentam a fertilidade.
- Por algum tempo. Mas sem a defesa natural da vida energética e o fluído vital sem conexão com as células reproduzidas de forma anormal, os germes que naturalmente estariam equilibrados, quando da harmonia do processo, também se reproduzirão dentro de um clima anormal e destruirão a vida organizada.
- Quer dizer que pragas e doenças destruirão as lavouras?
- Por certo. E ainda, nesses casos, os homens agridem a natureza, colocando mais elementos nocivos na química para destruir as pragas. Assim, envenenam-se gradualmente, porquanto ingerem esses alimentos.
- O que me diz é muito sério - tornei, preocupado. - Como evitar isso? O que dizer-lhes?
- A verdade. Agora eles já têm na Ciência recursos para perceber a energia vital que emana dos seres vivos, das plantas, etc. É preciso estudar esse campo e compreender que cada planta, cada ser, não é apenas o corpo denso que eles conseguem manusear, usar, reproduzir, mas é muito mais. E energia, é força, e ignorar essa verdade representa perigoso descuido que vem custando caro para a saúde humana, com reflexos noutros planos da vida.
- Você mencionou os espíritos que vivem no centro da Terra. Como isso pode afectá-los?
- E simples. Embora estejam em outra dimensão de vida, não podem deixar de receber em seu meio as energias desagregantes e desequilibradas que procedem dos problemas terrenos. Nós aqui também temos sofrido essa atmosfera.
- Desculpe-me a ignorância, mas nunca percebi. De que forma?
- Venha comigo.
- Acompanhei-o, curioso. Passamos ao redor da casa, entramos em um laboratório, uma espécie de estufa onde havia várias divisões cheias de plantas, aparelhos e gráficos. Paramos frente a uma divisão onde, num canteiro, sob uma luz violeta e ténue, havia algumas plantas com flores.
- Veja aqui. Esta planta é do nosso plano; como sabe, sua frequência, como de todas as plantas e seres vivos, é determinada, e ela só vive dentro dessa faixa. Guardadas as devidas proporções, é como nós. Já estudou a utilidade das flores?
- Já - ajuntei, contente. - Alegram a vida, perfumam, revelam a bondade de Deus.
- Tudo isso ainda não é suficiente. As flores, na dinâmica do Universo, são condensadores de energias delicadas, filtros extraordinários e vitais. Sem elas a vida não seria possível.
- Ah! - fiz, admirado.
- São revitalizantes do ambiente, principalmente quando vivas, isto é, no pé.
Suas energias, absorvidas, realizam trabalho extraordinário de vitalização, destruindo miasmas e energias desequilibrantes. Observe este exemplar. Está doente. Foi atingida por energias desagregantes da Terra onde tem ligações cíclicas. Chegou aqui doente, revelando dificuldades que estamos estudando e procurando restabelecer.
- As plantas são como os homens? Também regressam da Terra doentes e precisando de socorro?
De que se admira? Não disse que todos nos ligamos na espiral da evolução?
Nossos mundos são coexistentes, os ciclos se completam e fluem naturalmente.
Assim como nossos médicos socorrem os corpos espirituais dos que deixam a Terra, nós cuidamos do meio ambiente, procurando actuar em nossa área, melhorar a qualidade da vida, para que ao voltar à Terra esses seres, essas energias, estejam menos deterioradas.
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O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 3 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 8:19 pm

Mas é tarefa difícil. Por isso é que eu lhe peço. Escreva-lhes. Conte-lhes nossas dificuldades. Afinal, somos todos desejosos de viver bem. O campo da energia é fascinante, e você pode ver como isto por aqui é lindo, cheio de vida, luz, paz, dinâmica sadia e alegria.
Por que os homens não entendem essa verdade?
Saí dali com o coração cheio de esperança. A felicidade ao alcance de todos os homens... não é privilégio de seres evoluídos, especiais. E condição de vida daqueles que aprendem a se harmonizar com a natureza.
Não é complicado, não é difícil, não é impossível. E aprender a ler no livro da vida as sábias lições que oferece, respeitando suas leis, sua integridade, e principalmente, amando todos os seres e as coisas, deixando-lhes sempre o direito sagrado de poder viver.
Acham que estou sendo optimista? Mas vendo o que vi, sabendo o que sei, acredito que seria muito aconselhável tentar aprender.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 27, 2024 10:26 am

O JUIZ
Há quem pense, na Terra, que aqui onde passamos a viver depois de deixarmos o corpo de carne, somos submetidos ao julgamento de nossos actos, e Deus, ou quem sabe o Cristo, ou mesmo um dos apóstolos em pessoa, preside ao ato, devidamente togado e, investido do poder de determinar o número exacto dos nossos erros, decreta solenemente a sentença condenatória ou os prémios e as bem-aventuranças a que fizermos jus.
O que fazer? O céu, o purgatório e o inferno ainda estão em nossas cabeças, mesmo quando todos os fantasmas se empenham em afirmar que não encontraram por aqui nada dessas coisas.
E bem verdade que cada um sabe de si. Isto é, cada um sente muito bem onde foi que fracassou ou onde foi que conseguiu vencer.
Se, nas sentenças dos tribunais da Terra, às vezes o réu, sentindo-se menos culpado, ou violentado nos seus sentimentos de justiça pela ignorância dos juízes ou pela corrupção dos que forjam “testemunhas” e “provas” de acordo com seus próprios interesses, aqui, via de regra, cada um, mesmo sem o tribunal constituído, percebe o volume das suas transgressões e resolve punir-se de acordo com seu próprio julgamento, condenando-se ou absolvendo-se, mas sempre decidindo colocar as coisas nos devidos lugares.
E sabem por quê? Por que a vida aqui é tão simples, tão verdadeira, tão natural, os valores tão claros, que as necessidades de cada um se evidenciam. Depois, há o desejo de desfrutar o melhor, a felicidade, o amor, a alegria, a paz, o trabalho.
Já pensaram na surpresa dos que na Terra habituaram- se às aparências, a colocarem o poder, a riqueza, suas próprias necessidades, acima dos objectivos eternos do espírito? Os que, reduzindo a vida ao bem-estar terreno, menosprezaram todos os valores reais e superiores da alma imortal?
Esses, quando chegam aqui, sentindo a puerilidade, a fragilidade dos objectivos em que tinham colocado seu ideal, envergonham-se e aspiram modificar-se. Porém, o remorso, a angústia, os prejuízos causados a outrem, tudo leva-os a condenarem-se, e com tal rigor que alguns se castigam cruelmente, punindo-se com mais veemência do que o faria um juiz sério e bem-intencionado.
Vocês duvidam? Acreditam que eu esteja exagerando? Mas é verdade.
Não sei se por auto-tortura ou por masoquismo, o homem, na maioria, tem sido muito cruel consigo mesmo. A bondade de Deus, que não o condena e o ajuda sempre a sair das dificuldades, nas leis que procuram mostrar a verdade e garantem o bem apesar de tudo, o faz sentir-se mais culpado.
Pensando nisso, acredito que nosso orgulho tenha contribuído bastante para esse comportamento.
“Por quê? Como?!”, pensarão todos. Se estou punindo-me, se estou querendo integrar-me na verdade, quero ser humilde, estou justamente deixando de ser orgulhoso.
Mas não é bem assim. Se encontro mais culpa em meus actos, se estou sendo mais severo comigo do que a realidade exige, é porque a verdade me feriu muito mais. Eu estava tão “alto”, eu me atribuía tantos méritos, que ao enxergar meus erros me obriguei a violentar muito minha vaidade. O excesso de culpa pode vir a ser espelho do nosso inconformismo em aceitar o que somos e a perceber nossos limites.
Estou sendo complicado? Espero que não. Afinal, a vida é simples e nós é que complicamos as coisas.
Nós que trabalhamos em turmas de socorro temos encontrado sérias dificuldades para aliviar os sofrimentos de pessoas que se querem punir e alimentam suas desgraças, remoem seus erros com crueldade e recusam-se a sair da situação alegando o merecimento de tantos sofrimentos. Não percebem que o trabalho no bem é o mais importante, nem que essa represente a única maneira de encontrarmos nossa dignidade perdida, nosso respeito próprio, e devolver à sociedade onde vivemos o que lhe tiramos. Muitos continuam pensando assim, o que fazer? Não é só aqui que isso vem acontecendo, mas na carne mesmo, quantos estão perdendo tempo precioso nesse jogo orgulhoso do julgamento próprio e da consciência da própria inutilidade? Por acaso o passado pode ser modificado? Claro que não. E é por isso que, apesar de tudo, vale mais fazer algo de melhor no presente do que afundar na culpa e prejudicar-se ainda mais.
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O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 3 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 27, 2024 10:26 am

Acham que estou muito sério? E que ultimamente esses problemas têm-me preocupado. Sabem por quê? Porque o homem podia caminhar mais depressa e não o faz. Perde um tempo enorme em coisas sem importância.
Agora, os melindrosos vão dizer que estou menosprezando os sentimentos.
Não é isso. Cultivar coisas inúteis e que a vida por certo vai trabalhar para despojar é perda de tempo.
A culpa exagerada, a auto-punição, a crueldade própria, as exigências de perfeição acima de suas possibilidades são frustrantes e irreais. A vida alimenta-se da verdade. Não das verdades convencionais e humanas, mas de suas necessidades básicas de desenvolvimento do ser e que buscam integrá-lo no movimento de progresso.
Acham que estou bem? Eu também acho. Tenho alegria, vontade de viver, de aprender, de ser feliz. Gostaria tanto que vocês também se sentissem assim...
Todos podemos. E a bondade de Deus.
Pensando nesse assunto foi que me decidi a procurar por Amadeu e trocar algumas ideias. Ele foi juiz conceituado no Rio de Janeiro e exerceu dignamente esse cargo durante quarenta anos. Regressou ao nosso plano há dez anos. Conhecia profundamente as leis da Justiça no mundo e eu tinha ouvido mencionarem seu nome com respeito e consideração.
Como eu não o conhecia pessoalmente, pedi a um amigo que nos apresentasse, e em uma noite de lazer, fomos até sua casa.
Tratava-se de um homem magro, alto, conservava a aparência de meia-idade, embora tivesse desencarnado em idade avançada. Alguns conseguem rejuvenescer quando vivem aqui. Não é uma delícia?
Amadeu recebeu-nos cortesmente e não sorriu nem ironizou quando declinei minha condição de repórter terreno. Sentamo-nos, e ele, olhando-me com simplicidade, perguntou:
- O que deseja saber?
Expus minhas observações e terminei respeitoso:
- Sei que você cumpriu longa carreira na Terra como juiz. E, portanto, um estudioso do comportamento. O que acha da crueldade e da punição que o homem dá a si mesmo?
- Tocou num ponto interessante. Sempre me surpreendi muito com certas atitudes do homem. Essa é uma delas. Em que pese a magistratura no mundo, que é exercida precariamente, uma vez que, como juízes, raras vezes temos acesso à verdade dos fatos, adulterada às vezes até pelos próprios interessados, nem sempre em seu próprio favor, pude observar várias vezes que pessoas havia a quem a absolvição do júri ou do tribunal não conseguia devolver a serenidade. Tive certa vez um caso que me deu o que pensar.
- Conte-nos - pedi, interessado.
- Certa vez, recebi um processo para sentença. Ao estudá-lo, pelos autos pude saber que o réu, primário, tinha assassinado um amigo por surpreendê-lo no lar, a altas horas, em intimidades com sua mulher. Fácil foi colher as provas da culpa da esposa e elas não deixavam dúvidas quanto ao seu relacionamento com a vítima. Você sabe que a lei dos homens, nesses casos, absolve o culpado. Na Terra, o juiz deve ater-se à lei, aplicando-a conforme diz o código. E como eu sempre dei preferência a absolver, deixando a vida ensinar, cumpri minha função. Ele foi absolvido. Recuperou a liberdade.
- É mais fácil absolver do que condenar?
- Ele olhou-me, e seus olhos brilharam com certa malícia.
- A função de julgar é muito difícil. Como eu disse, não temos a verdade.
Nesse caso, sempre preferi absolver, condenando à prisão somente aqueles que ofereciam perigo à sociedade. Apenas como medida acauteladora. E foi por isso que percebi que a absolvição formal e da justiça humana, para muitos, não era o bastante para conduzi-los à vida normal. Esse réu, absolvido, não ficou contente com a sentença. Sentado a minha frente, chorou copiosamente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 27, 2024 10:26 am

Tentei confortá-lo.
- Procure esquecer. Você foi considerado inocente.
- Mas eu sou culpado. Por que me absolver?
- Fiquei sem saber o que dizer.
- Matou em defesa da honra - disse automaticamente.
- Que honra? O que minha mulher fez, eu fiz mais de cem vezes. Que honra?
- Calei-me. Ele prosseguiu:
- Isso está me perseguindo. Na hora, fiquei louco. Quando vi os dois abraçados, beijando-se, o sangue me subiu. Peguei a arma e o matei. Só não atirei nela porque nossa filha acordou e colocou-se entre nós.
- Eu sei - aduzi, sério.
- Acha que sou inocente? Ele deixou mulher e filhos. Agora, o que vai ser deles? Eu queria ser preso. Eu mereço. Depois, não tenho para onde ir. Não posso voltar para casa ao lado dela. Como suportar a vida depois disso?
- Fiquei penalizado.
- Por favor, senhor juiz, eu confesso minha culpa, mande prender-me.
- Não posso - expliquei. - A lei o absolveu. O senhor cometeu um crime passional justificado.
- Não quero saber. Sei que sou culpado. Saía quase todas as noites, deixava minha mulher sozinha, ia atrás de outras aventuras. Jamais pensei que alguém desejasse estar com a mulher que eu julgava ser de minha propriedade. Agora estou mais calmo. Passada a surpresa, estou magoado, arrependido. Não devia ter atirado.
- Agora é tarde. Precisa conformar-se.
- O que fazer?
- Já que compreende seu erro, já que se arrepende, o melhor seria pedir perdão a sua mulher, tomar-se um bom marido para ela e amparar a viúva da vítima e seus filhos, da forma como puder. É a maneira decente de refazer os prejuízos e recomeçar. Sua esposa está arrasada. Tenho certeza de que está arrependida.
- Ele sacudiu a cabeça.
- Não posso. Como passar por cima de tudo como se nada fosse? Como humilhar-me ainda mais? Como ter coragem de encarar os amigos, tudo?
- Conversei com ele horas, e ao final compreendi. Ele, apesar da consciência do seu erro, não queria abdicar da cómoda posição de vítima.
Saiu da minha casa arrasado. E afundou-se na bebida, relegando ao abandono sua profissão. Era de abastada família, e depois do desquite, botou fora todos os recursos que lhe vieram às mãos. Desencarnou em péssimas condições.
Condoído, acompanhei-lhe o caso. Apesar de isso ter acontecido há mais de quarenta anos, encontra- se ainda em lamentável estado de depressão. Sua mulher sofreu muito, lutou, trabalhou e conseguiu amadurecer no bem. A filha compreendeu e sempre o quis ajudar. Ambas o amam muito, apesar de tudo.
Estão aqui, em nossa cidade, e trabalham duro na esperança de ajudá-lo. Até a vítima já o perdoou, porque se arrependeu da traição ao melhor amigo e justifica o crime. Trabalhou, melhorou e quer ajudá-lo. Mas ele foge e recusa o entendimento. A viúva, os filhos, todos o perdoaram, evoluíram, estão trabalhando, ninguém o condena. Ele, no entanto, não se perdoa, não se julga capaz de fazer o bem. Pune-se cruelmente até hoje sem cessar.
- Eu diria inutilmente - aduzi. - Perdendo tempo.- E verdade - concordou Amadeu. Se ele tivesse trabalhado em favor dos que prejudicou, ou mesmo de outras pessoas, feito benefícios, desenvolvido seu potencial interior, teria voltado a respeitar-se e poderia agora usufruir do amor daqueles que no fundo ele continua amando. E, juntos, poderiam construir uma vida melhor.
- Pela primeira vez começo a perceber que a absolvição nossa aos erros dos outros pode às vezes acentuar sua consciência de culpa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 27, 2024 10:26 am

- O homem acha cómodo dividir sua responsabilidade. Quando a devolvemos a ele, então a consciência pode acordar com mais veemência.
Pena que nessa hora ele ainda não saiba transformar essa visita da verdade em amadurecimento próprio, e em trabalho produtivo de desenvolvimento e progresso.
Concordei. Que bom se pudéssemos ter consciência dos nossos erros, mas pudéssemos alijar a culpa de nossas vidas. Que bom se pudéssemos guardar a confiança apesar dos limites das nossas condições, das bobagens que fizemos, e do arrependimento que nos acomete. Copiar a Deus que não castiga, mas abre portas a nossa aprendizagem. A natureza que embeleza e perfuma, alimenta e agasalha todos os seres, trabalhando no bem sem preocupar-se com as culpas de ninguém.
Vocês não acham que, agindo assim, tudo em nossa vida começaria a melhorar?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 27, 2024 10:27 am

O ROMÂNTICO
Sou romântico. Estão admirados? É verdade. Gosto de boa poesia, de casos de amor, e até de apreciar histórias onde os personagens são ingénuos, quando bem contadas com graça e oportunidade. Por que não?
Embora eu sempre tenha procurado ser realista, viver no presente, esse lado da minha personalidade por vezes aflora, e aí não posso deixar de enveredar pelos caminhos da fantasia. Ser romântico é ser fora da realidade? E fantasiar fatos e personagens, de acordo com o que gostaríamos que eles fossem?
A primeira vista parece-nos que sim. Porém, no fundo, no fundo, deixando de lado o acanhamento, quem não gostaria de viver um romance de amor, nos moldes do século passado, com um final feliz? Quem não gostaria de poder, como em um final de livro ingénuo ou de um filme da Metro, dizer: “Eles foram felizes para sempre”?
E que, apesar disso, há sempre o depois. A vida continua, tudo continua, as situações mudam, as pessoas mudam. A vida transforma tudo, e o “felizes para sempre” pode representar “felizes por um certo tempo”.
Apesar disso, quem não sonha por vezes com uma situação dessas? Quem não fantasia histórias nas quais seja personagem central e muito bem-sucedido em todos os campos da vida, inclusive no afectivo?
Apesar dos dias atuais serem mais realistas e os costumes inclinarem-se para o possível, quase todas as pessoas guardam, escondidas no coração, a esperança vaga, o desejo inconfessado, o sonho secreto de ser personagem de uma história dessas. Que fazer? O romantismo está dentro de nós, passem os anos, mudem os costumes, progridam os homens, a Ciência e a visão da realidade. Ele pode ser representado pela beleza, amor, confiança e até esperança, em um mundo embrutecido pelos choques da violência. E é ainda o romantismo que coloca dentro de nós um D. Quixote, sempre disposto a enfrentar os moinhos de vento da vida em prol de um ideal. Estou sendo romântico? Não nego que sou.
Se eu pudesse liberar esse lado da minha personalidade, dando asas à fantasia, me colocaria como um paladino dos pobres e dos miseráveis da Terra, acabaria com a miséria, daria a todos o acesso à educação e ao progresso.
Será romantismo desejar que outros possam enxergar o mundo pela mesma janela que eu vejo? Não da mesma forma, mas com o mesmo acesso aos bens que eu desfruto, pela instrução e pelo conhecimento? Muitos acham que sim.
Mas ainda assim, seria bom poder educar, mostrar, dar a perceber - para aqueles que ainda desconhecem, que olham a vida por um ângulo acanhado e estreito, pobre, duro, e triste —, a grandeza do saber, a beleza do futuro. A bondade de Deus. E o mais importante, a possibilidade de aprender, de conhecer, de crescer, de vir a ser sábio e culto, bom e nobre. Já pensaram com seria o mundo se todos fossem assim? Será romantismo isso? Será dissociar-me muito da realidade?
Pode ser. Mas acho que a vida guarda também muito de romantismo, apesar de as pessoas entenderem o contrário. Não é ela quem proporciona ao homem os meios para aprender? Não é ela quem tece os “acasos”, os “encontros” das pessoas, favorecendo romances, reencontros, entendimento? Não é ela quem sabiamente separa as pessoas por algum tempo, dando chances para a meditação, discernimento e avaliação? Não é ela quem as une novamente, seja no plano espiritual, seja na Terra, pelos laços da reencarnação? Acham que a vida não seja romântica só porque ela nem sempre nos dá o que nós desejamos? Quem nos garante que ela, quando nos contraria, não está olhando o nosso futuro? Quem pode afiançar que a separação de hoje não seja a base para a ligação mais estreita de amanhã?
Afinal, ser romântico de vez em quando, deixar falar nosso lirismo não é um mal. Ser realista não é ser pessimista. Porque a vida não é triste, nem nos encaminha para o sofrimento. Ao contrário. A vida é alegria, beleza e entendimento, e é para lá que ela nos quer conduzir. Ser realista é ser bom, ser útil, acreditar no futuro, e no homem.
Acham que o romantismo deu voltas a minha cabeça? Pode ser, mas eu acredito seriamente nisso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 27, 2024 10:27 am

Como estava interessado em escrever-lhes sobre o assunto, resolvi colher material através de pessoas capacitadas para esclarecer-me. Por isso fui procurá-lo. Um homem romântico, que durante mais de cinquenta anos consecutivos trabalhou na Terra em favor das criaturas. Espalhara a alegria, a coragem, o amor, a beleza, a pureza, a grandeza da vida e a confiança no futuro. Chegara a nossa cidade não havia muito tempo, cercado do respeito e da deferência de muitos amigos, e residia em agradável casinha em meio às flores das quais tanto gosta, sendo visitado especialmente pelas crianças, embora todos o apreciem.
Conheci-o na Terra e, por isso, dispensando as apresentações, fui procurá-lo.
Recebeu-me com seu sorriso largo e seu abraço forte. Sentamo-nos. Vendo-lhe o ar distendido e o rosto sereno, comentei:
- Você é feliz. Soube encontrar a felicidade.
- Não nego que me sinto muito bem.
- Recordo-me que, quando na Terra, passou por lutas difíceis.
- E verdade. Mas, nunca deixei de ter confiança. Quando perdemos a confiança nos homens e em Deus, o que nos resta?
-É verdade. Contudo, nem sempre podemos confiar sem risco de sermos ludibriados.
Ele riu, com um brilho malicioso nos olhinhos vivos.
- É preciso confiar no ser humano, e em seu potencial, mas estar alerta aos seus momentos de desequilíbrio.
Rimos. Ele, como bom mineiro, não se deixava iludir com facilidade.
- Vim aqui por que quero falar de romantismo. Você é o maior romântico que conheci. Muitos acreditam que o romantismo seja causa de muitos desatinos. Que fatalmente nos conduz à desilusão e ao sofrimento. Você, o que acha?
Ele sacudiu a cabeça, pensativo.
- Nunca me detive para pensar nisso. Acha que sou romântico?
- Para mim é o maior. Reencarnou em família de classe média, teve acesso à ilustração, com os recursos de inteligência que possuía poderia ter partido para uma carreira profissional rendosa, conquistar posição social, poder na política e até nas Letras, que talento não lhe faltava. No entanto, deixou tudo isso, vestiu roupa colorida, pintou a cara e foi para o circo. Tornou-se palhaço. Por que fez isso? Ele riu, divertido, mas havia uma ponta de emoção em sua voz quando disse:
- Porque confio no ser humano. Achei que podia colorir os momentos das criaturas. Estender sorrisos, levar alegria. Construí um mundo onde a tristeza não podia entrar. Mostrei que as coisas simples e naturais são as mais verdadeiras. Derrubei o preconceito, a convenção, as barreiras sociais. No circo todos riam, todos penetravam no meu mundo de simplicidade e de bondade.
- A figura do palhaço é comovedora. Sempre me emociono quando vejo um.
Você, para mim, foi o máximo em sua arte. Arrancou-me sorrisos, colocou-me de bem com a vida, quando eu brigava com ela. Dentre os artistas, acredito que o palhaço seja o que mais demonstra humildade. Pinta-se, fantasia-se, e o público, em sua maioria, desconhece sua verdadeira figura. Trabalha no anonimato.
- Bondade sua. O artista que se torna famoso paga o preço da fama, restringe sua liberdade. O palhaço não. Eu morreria sem liberdade. Meu mundo é o mundo da bondade, da cor, da música e do sorriso. Não me arrependo. Levei a muitos, com minha presença caricata, meus casos ingénuos, minhas piadas simplórias, momentos de recomposição íntima e até de bem-estar.
- Distribuiu bênção e beleza. Por isso fez jus a tanto carinho de tantos amigos.
- Ele abanou a cabeça:
- O que acontece é que os homens são bons. Se lhes dermos amor, beleza, confiança, alegria, eles sabem retribuir.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 27, 2024 10:27 am

- Quando na Terra, você enfrentou muitos problemas, lutas e até perseguições.
- Essas coisas correm por conta das tempestades que vergam, mas enrijecem a árvore. Eu precisava aprender. A bondade sempre esteve presente em minha vida. Eu poderia contar muitos episódios nos quais vivi grandes momentos de carinho e amor, e, seu eu fizer avaliação criteriosa, eles foram mais numerosos e mais constantes do que os outros. Prefiro guardar os bons momentos que me confortaram e me deram alegria do que os outros. Não entendo de justiça. Deus sabe o que mereço.
Abracei-o, comovido. Senti-me menino de novo, diante daquele homem bom, compreensivo, terno, que a dureza do relacionamento na Terra não tinha conseguido impressionar. Saí dali leve, alegre, feliz, confiante. Não é que o romantismo pode ser um bem? Que alegria poder cultivar nossos sonhos de amor, de bondade, de beleza.
Porém, não devemos ter ilusões inúteis. A vida só vai concretizar o que for útil. Afinal, não é ela quem trabalha para nos ensinar a crescer? Não é ela quem se posiciona para mostrar-nos as maravilhas das Leis Divinas e a grandeza da Criação? Não é ela quem nos ensina a ter esperanças nos desígnios de Deus, que nos vai conduzir à felicidade eterna e aos mundos de luz? Que bom. Que beleza. Que alegria!
Vocês não pensam como eu?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 27, 2024 10:27 am

A TEIMOSIA
Em meio aos acertos e aos desacertos, ninguém pode pensar que esteja sozinho. A novidade sempre provoca reflexão, e se afere valores, também estimula a inteligência, conduzindo o homem à observação de outros aspectos da vida.
Por isso, pensar que estejamos despreparados para renovar-nos ou para prosseguirmos na aprendizagem seria o mesmo que descrer da existência de Deus e da sua constante participação em todas as coisas.
Despreparados nós não estamos, porquanto quando o sapato aperta sempre conseguimos “dar um jeito” (o que se, por vezes não é genial, sempre alivia um pouco a situação). Nesse assunto, nós, que somos os reis do “jeitinho”, levamos algumas vantagens.
O que atrapalha é a preguiça que se esconde sempre atrás, e ele, o “jeitinho”, apesar de engenhoso, acaba por empurrar-nos a situações de embaraço maior. Se nós usássemos todo nosso carisma, toda nossa criatividade para “dar um jeito” nos nossos problemas, sem medo de enfrentá-los e considerando nossas necessidades reais de espíritos eternos, que beleza! Já pensaram como em pouco tempo tudo estaria nos eixos?
Porém, e o medo? E a vontade de segurar a vida, de comandá-la, de parar no tempo (principalmente quando estamos por cima), ou de simplesmente permanecer comodamente instalados, em situações que já estamos seguros de perceber, manipular e até dominar?
Pode parecer que hoje eu esteja muito preocupado com a evolução, e com o tempo que cada um leva para andar. Mas, levando-se em consideração a problemática do mundo actual, dos problemas humanos, quem não estaria?
Vendo tanta dificuldade para perceber verdades que a vida vem exaustivamente mostrando, o apego do homem às posses materiais, sua dificuldade extrema de aceitar as mudanças que a vida estabelece como lei, e principalmente, constatando a infelicidade, a dor, a crueldade, o sofrimento inútil, a revolta, a teimosia, a distorção dos valores espirituais, das almas que regressam do mundo terreno, fico pensando o que se poderia fazer para ajudá-las a harmonizar-se mais com suas necessidades reais, que fingem não saber.
O tempo passa e o homem nega-se a seguir para a frente. Tudo se transforma, e ele se agarra ao passado, a uma hora e a uma situação em que viveu, e quer parar.
A natureza dispôs de todos os elementos para enriquecer lhe o conhecimento, preparando-o para o exercício pleno da felicidade e do amor, e ele se fecha a suas directrizes e teima em iludir-se com fantasias.
Há momentos em que essa “briga” contínua me cansa. A você não? Se fosse em outros tempos eu a chamaria de burrice; hoje, entretanto, constato apenas minha impaciência, que pretende fazer tudo sempre muito depressa, o que também é fantasia. Porque posso até enxergar que a vida não é apressada, é rítmica, é cadenciada, é perfeita. Por isso, dentro da minha impaciência, que ainda “briga” com o ritmo certo da natureza, como posso julgar o procedimento dos outros?
Porém, há uma verdade da qual não podemos fugir. É o sofrimento que vejo por toda parte. H o arrependimento tardio, e até a cara de desolação do homem, que depois de brigar muito para manter sua posição e evitar a mudança natural, acorda, mercê de Deus e de muitas preces dos familiares e amigos, depois de ter vivido sessenta ou setenta anos na Terra, mais dez ou vinte (há quem fique mais) no umbral, e percebe que foi o único responsável por todos aqueles anos de sofrimento que teriam por certo sido evitados, ou diminuídos, se ele tivesse voluntariamente se esforçado para enxergar, sem medo, o que a vida lhe queria ensinar.
Nessa hora, tal qual a criança que descobre que o Papai Noel não entrou pela chaminé para deixar-lhe a bicicleta, que jamais entraria por uma, ou até que sua própria casa nunca teve uma chaminé, ele sente-se ridículo, dissimula, procura mostrar que “fingia” acreditar, mas que já no mundo sabia a verdade.
Estou sendo rude? Não sei. A teimosia me cansa, talvez por ser ainda um pouco teimoso. Mas, o que quero mesmo, e gostaria que soubessem, é contribuir para melhorar esse estado de coisas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 27, 2024 10:28 am

Estou aqui, vendo e vivendo experiências incríveis. Aos poucos, vou descobrindo os segredos da natureza e percebo que eles só são segredos na medida em que voluntariamente nos fechamos para ela, que procura de todas as formas convidar-nos à participação e ao crescimento espiritual.
Descobrir isso é um deslumbramento. Estamos agarrados ao corpo de carne, mesmo sabendo que um dia ele nos deixará; colocamos toda nossa força na construção de bens materiais, que ficarão na Terra quando partirmos, prendemo-nos à beleza física, à juventude, à forma, à aparência, que são apenas fases, e desprezamos as grandezas que a vida nos oferece realmente, lutando para nos dar os valores de felicidade, beleza, alegria, eternidade. Será que você, vendo tudo isso claro como eu estou vendo agora, não pensaria como eu? Não lutaria para que as pessoas não fossem tão displicentes ou tão teimosas?
E, como cada um usa as anuas que tem, a minha é a conversa. Mas, como a conversa, na maior parte das vezes, não é levada a sério, procuro factos. Pessoas que podem oferecer sua experiência como ilustração, alertando-nos, chamando-nos para a realidade.
Por isso procurei Gelson, companheiro em nossas actividades de socorro, para algumas ideias. Juntos, em agradável sala que os últimos raios solares iluminavam gostosamente, expus minhas ideias.
Ele ouviu-me silencioso e ao final respondeu:
- Sei o que pretende. Gostaria de colaborar. Para isso vou contar-lhe uma história.
Olhei-o de frente. Fazia dois anos que ele iniciara nas actividades de socorro aos espíritos desencarnantes da Terra e, pelo que eu sei, nesse tempo conquistara a simpatia de todos, pela dedicação, amor e responsabilidade com que cooperava na tarefa. Eu nada sabia sobre ele. Nossa amizade datava daí, embora nos apreciássemos mutuamente.
- Estou pronto a ouvir - respondi, interessado.
- Após alguns segundos, ele começou:
- Há quase dois séculos um espírito programou uma encarnação na Terra.
Tinha conseguido alto grau de conhecimentos intelectuais, porém, conservava a vaidade e o orgulho como pontos a serem trabalhados ainda. Seu espírito necessitava conhecer a simplicidade, desenvolver o respeito pelas leis naturais da vida e, principalmente, aprender a conhecer sua própria força.
Para isso, preparou-se durante muito tempo. Até que julgou chegado o momento. Reencarnou na Terra. Achava que já tinha vencido o orgulho e a vaidade. Intelectualmente, estava convencido da necessidade de conquistar a humildade e, por isso, julgou-se bem preparado. Escolheu um lar nobre e posição de liderança. Pretendia ajudar o próximo, amar o semelhante, e como fazer o bem sem recursos? Como beneficiar sem meios? Nasceu conde e possuidor de grande fortuna. Seus pais, ilustres e generosos, deram-lhe excelente educação, e aos 25 anos, ficou órfão e com todos os bens na mão.
Ingressou 11a política, e sua brilhante inteligência colocou-o entre os mais ilustres membros do Parlamento de seu país. Ele, fascinado, mergulhou nas teses governamentais, nas discussões intermináveis das minúcias formais e esqueceu-se dos ideais de amor que sonhara realizar.
Gelson fez uma pausa, olhos perdidos no tempo e sombra de tristeza no olhar. Aproveitei para dizer:
- Aposto como a vida procurou despertá-lo.
- De todas as maneiras. Era constantemente abordado para atender problemas sociais da classe pobre, mas ele não dispunha de tempo. Seus servos amotinaram-se, destruindo uma das suas propriedades, miseráveis e revoltados pela exploração feudal. Nosso amigo procurou recursos na lei, punindo-os rigorosamente para exemplo. Seu filho mais velho, frívolo e vaidoso, orgulhoso, e em quem ele colocava todas as suas esperanças, foi assassinado barbaramente em aventura amorosa por assaltantes vulgares. Mas nem assim ele compreendeu. Continuou, satisfeito com a posição de mando, julgando-se superior em inteligência, em classe e até em sangue.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 27, 2024 10:28 am

Então veio a arteriosclerose, e ainda assim, ele não reconheceu suas necessidades. Tornou-se irascível, e mesmo decrépito, era cruel e orgulhoso. Exigia tudo sem nada dar em troca. Desencarnou. Levou muito tempo para voltar à lucidez. Sua inteligência, bloqueada, tornava mais visível sua intolerância, seu orgulho, sua ilusão. Foi no começo deste século que ele conseguiu voltar à consciência da última encarnação. Foi o amor de espíritos familiares e amigos que o ajudou.
Mas, ainda assim, ele não queria deixar o culto da personalidade na qual tanto se identificara. Apesar da ajuda dos amigos, não conseguia recordar-se da sua personalidade anterior. Fez progressos, recuperou a inteligência, e, apesar da sua dedicação ao trabalho e ao auxílio ao próximo, permanecia sempre na mesma situação. Foi aí que ele, sentindo-se incapaz de remover o obstáculo que o impedia de progredir, orou cheio de fé, pediu a ajuda de Deus. Depois foi procurar seus superiores. Estava cansado da situação. Precisava mudar.
Mas, como? Como, se todas as portas fechavam-se para ele? Se a vida negava-se a cooperar? Seus superiores aconselharam perseverança.
Arranjaram-lhe uma nova função. Seu filho, que tinha sido assassinado, estava iniciando nova encarnação, com propósito de conquistar a humildade e a fé.
Ele seria seu anjo da guarda. Para isso, teria acesso ao programa reencarnatório e procuraria inspirar-lhe os pensamentos necessários a ajudá-lo no cumprimento dos objectivos da encarnação.
- Foi um sábio conselho - ajuntei, entusiasmado.
- Ele foi cheio de esperanças. Durante cinquenta anos, fez o que pôde para que o filho entendesse o que a vida queria mostrar-lhe. Mas ao final, foi forçado a reconhecer que o filho fechava-se a todas as salutares mudanças, apegado a suas velhas ideias. Suou, chorou, sofreu, e quando o filho regressou ao mundo espiritual sem muito aproveitamento, desabafou com seus superiores: “Só um cego não vê. A vida tentou tudo, e ele, fechado, iludido, nem sequer se permitiu tentar entender. Pode haver mais burrice?”. E foi nessa hora que, encabulado, ele se lembrou de sua própria vida. Teve tanta decepção que se retirou para meditação durante alguns dias, ao cabo dos quais estava de posse das lembranças das vidas passadas.
- E hoje, onde está ele?
Gelson sorriu com certa malícia quando respondeu:
- Fazendo estágio entre os que desencarnaram, recolhendo experiências, estudando a vida, o mecanismo sábio da natureza. Só depois de compreender bem isso, é que se vai aventurar a reencarnar.
- Com certeza, será bem-sucedido dessa vez - disse, emocionado.
- - Serei - comentou ele.
Abraçamo-nos alegres. Eu sabia o tempo todo que ele relatava sua própria vida. Vocês não?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 27, 2024 8:40 pm

A POLIDEZ
Ser polido é melhor do que não ser. Parece frase de efeito, mas não é, é a verdade mesmo.
Há quem diga que o melhor mesmo é ser bom, evoluído, perfeito; eu ainda acho que se a maioria não consegue ser tudo isso, pelo menos, tendo educação, polidez, a coisa fica menos pesada.
O polimento é tão necessário que hoje é usado até nos mais comezinhos objectos. Tudo hoje é polido, brilha e tem até mais beleza. Tanto que o acabamento em qualquer actividade é muito importante. Dá aquele ar de coisa bem-feita, boa, e há muita gente até que, se o acabamento não for bem- feito, se a embalagem de um produto não for bonita, por certo não vai comprar.
Uma comida pode estar muito boa, mas se for servida em pratos sujos ou quebrados, em mesa desleixada, sem higiene, ninguém a apreciará.
E o polimento é útil, e chega até a ser importante em muitos casos. Se é assim nas coisas comuns do dia-a-dia, também é importante em nosso comportamento. Uma briga entre pessoas polidas, por exemplo, pode ser tão violenta quanto qualquer outra, mas certamente será menos desagradável do que entre pessoas de pouca educação e que não se agridem somente, mas ferem os ouvidos e os sentimentos de quem esteja por perto.
Vocês vão dizer que a aparência não importa, mas o que importa mesmo é a essência, o que somos realmente, e o quanto transgredimos as leis de Deus.
Isso não deixa de ser verdade; porém, eu acredito que as pessoas podiam, pelo menos, já que não podem ainda ser fraternas e equilibradas, respeitar os outros. O polimento, para mim, é o direito de não ferir a susceptibilidade alheia com nossos problemas. E a civilidade, a educação. E o mínimo que podemos exigir de nós, já que todos queremos ser respeitados e bem aceites.
Já repararam como as pessoas sabem portar-se, ser delicadas, quando seus interesses estão em jogo? Que engolem o mau humor quando em presença de pessoa que é do seu interesse agradar? Perceberam que muitos são grosseiros apenas com seus subalternos?
Isso demonstra que não nos é difícil conseguir o polimentos necessário para, pelo menos, não agredir os outros injustamente.
Falo isso porque sempre admirei a pessoa com classe, que enfrenta todos os seus problemas sem despentear um fio de cabelo, esquecer de polir os sapatos ou responder educadamente às pessoas, mesmo com o coração partido ou angustiado por problemas pessoais.
Afinal, a educação é trabalho nosso. E acho que, mesmo irritado, não concordando com os outros, injustiçado, agredido, ainda posso conservar a educação, apesar de estar fervendo por dentro.
Demonstrar meu desagrado, justo ou não, é um direito meu, que tomarei mais forte se mostrar isso sem agressividade. Polimento, meus amigos, polimento.
E o que fazem os políticos, a quem por certo cabe a elegância de brigar delicadamente uns com os outros. De chegar aos murros sem perder o tratamento de “excelência”. Não fica mais bonito assim?
Pensando nisso, certa tarde, distanciei-me dos amigos com quem trocava ideias e sentei-me sob uma árvore à beira de um riacho.
Estava meditando, entregue a minhas fantasias quando alguém bateu-me levemente no ombro. Arrancado do meu devaneio, voltei-me, assustado.
Elegante cavalheiro fixava-me sério. Aparentava idade madura, vestia-se à moda de 1930.
Admirado, levantei-me. Ele considerou, atencioso:
- Não desejava importuná-lo. Mas preciso de uma informação. Como não há por aqui ninguém...
Era fino no trato e falava educadamente.
- Não se preocupe. Em que lhe posso ser útil? - indaguei, atencioso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 27, 2024 8:40 pm

- Estou procurando uma pessoa e disseram-me que se encontra em vias de reencarnar. Informaram-me que o senhor talvez pudesse dizer-me onde ela se encontra actualmente.
Olhei-o de frente. Não sei por que comecei a inquietar-me. Ele, entretanto, prosseguiu:
- E uma pessoa que se chamava Marcela. Estou procurando há mais de vinte anos. Perdi-a de vista, o senhor sabe. Mas agradeceria muito se me informasse onde está. Disseram-me que o senhor trabalha com os socorristas, e que esteve com ela várias vezes.
- Marcela? - indaguei, procurando lembrar-me.
- Sim - tornou ele, ansioso.
- -Acho que sei de quem se trata - respondi, lembrando-me de pobre criatura que nossa equipe socorrera há algum tempo e que se preparava para o regresso com grande dificuldade. Quando, porém, ia dar a informação, senti um certo mal-estar, e admirado, vi a meu lado a figura do meu amigo Jaime.
- Ele não sabe de nada, sr. Polidoro - atalhou Jaime, com energia.
- E foi aí que vi meu interlocutor transformar-se. Seu rosto contraiu-se em ricto grosseiro, e, encolerizado, gritou:
- Por quem me toma? Por que interfere em meus negócios? - levantou o braço, e enquanto proferia impropérios, quis agredir-nos.
- Foi necessária a interferência de vários amigos para contê-lo e interná-lo em local devido.
- Sem sair do meu assombro, quando tudo se acalmou, perguntei:
- O que aconteceu?
- Jaime olhou-me sério e esclareceu:
- A polidez do nosso amigo quase conseguiu enganá-lo. Polidoro era homem muito educado, porém, de índole cruel. Perseguiu Marcela durante muitos anos, não deixando que ela se libertasse de seu jugo. Foi casado com ela e queria continuar a manter seu domínio mesmo depois de mortos. Porém, ela libertou-se, e hoje não mais deverá ficar sob seu jugo. Ele não se conforma.
Quer descobrir onde ela se encontra para subjugá-la.
Respirei aliviado.
- Ainda bem que chegou. Senão, eu teria caído. Ia dar o endereço.
- As vezes, o polimento nos impressiona. Aprenda, meu caro, que ele pode aparentar, mas jamais ser.
Sorri, aliviado. Afinal, não é que ele tem razão? Vocês não acham?
Também, com tanta gentileza, quem iria desconfiar?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 27, 2024 8:41 pm

A DIFERENÇA
Há momentos na vida em que tudo nos parece novo. Olhamos a paisagem, o casario, as flores, o céu, o rio ou o mar e sentimo-nos como que em outro mundo, embora estejamos vivendo ainda no mesmo lugar, com as mesmas pessoas e, aparentemente, nada tenha se modificado.
Vocês nunca se sentiram assim? H como se estivéssemos olhando tudo com olhos diferentes, com uma lente especial, mais profunda e mais ampla, que tanto penetrasse o íntimo das coisas como se estendesse ao horizonte, vestindo-o com novos e inesperados detalhes.
Estou sendo quimérico? Mas é verdade, e garanto que vocês já em alguma ocasião sentiram-se assim. A princípio, assusta um pouco essa abertura de percepção, mas depois nos absorve pelo fascínio que oferece aos nossos pobres sentidos comuns, contidos, delimitados pela faixa educativa da Terra.
Na verdade, essa contenção é necessária. Para os voos em campo aberto e em maior altitude há que treinar as asas, a respiração e o equilíbrio. Com os instintos mal conduzidos, os sentimentos desorganizados e a visão destorcida, impossível realizar esse voo.
A faixa terrena representa um trabalho de base na organização do desenvolvimento do espírito. Na vivência experimental da vida terrena, vamos aprendendo a desenvolver nossas percepções e a dirigi-las para o equilíbrio. Mas, eis que um dia, de repente, nos apercebemos de outras faces da vida, de maior parcela de verdade, dos fatos, e modificamos nossos conceitos, deslumbramo-nos com a amplitude das coisas olhando por novos ângulos. Posso afirmar que isso não ocorre só connosco, em nosso plano, mas também em outras faixas de vida em todos os níveis, inclusive na Terra.
E a deliciosa descoberta, ainda que em pequenos fragmentos, da grandeza da vida, da existência de Deus, do mecanismo sensacional que rege todas as coisas.
Vocês nunca se sentiram assim? Claro que sim. Depois desses “flashs” de consciência, desses contactos com a verdade inesperada, tudo nos parece tão simples, tão natural, tão real, que nos admiramos de todos continuarem a viver normalmente depois da nossa descoberta, a maioria sem enxergar o que já percebemos, e os que sabem, sem gritar aos quatro ventos a descoberta sensacional!
Eu gostaria de reunir todos os homens ilustres da Terra, cultos e interessados em fazer o bem e contar-lhes tudo o que se vê por aqui, aquilo que já percebi, fazendo-os olhar pelas lentes novas que consegui, graças à generosidade dos amigos e à bondade de Deus, espiar por alguns breves instantes.
Meu Deus, que beleza! Mas, descobri que essas lentes só funcionam através da energia da pessoa que vê, e por isso, embora eu quisesse, seria impossível por agora realizar esse feito.
Que fazer? A vida protege-se da imaturidade dos prematuros e só permite acesso a sua intimidade aos que reconhece preparados para recebê-la. Pena.
Mas, se não posso mostrar-lhes o mundo pelas lentes dos nossos instrutores espirituais, posso, pelo menos, ao contar-lhes esses detalhes, dizer quanto é gratificante saber que a fonte das aquisições do espírito continua sempre a nos oferecer novos caminhos cada vez mais alegres, felizes e belos para o nosso desenvolvimento.
Não é grandioso? Não tenho razão para sentir-me feliz? Há momentos, no estreito limite em que o nosso espírito gravita, que nos sentimos pequenos, tolhidos e até desalentados por não encontrarmos subsídios a nosso progresso, julgando-nos possuidores de grande cabedal de conhecimentos intelectuais ou até espirituais. Mas eis que a vida é tão rica que, de repente, nos sacode de alguma forma, e nossas lentes abrem-se um tanto mais e, maravilha, vemos novos lances da verdade, novos estímulos para caminhar adiante, maiores conhecimentos a perceber e mais luz espiritual a desenvolver.
Esse é o renascimento do nosso espírito. Podemos atravessar várias encarnações sem vivermos um momento desses, mas podemos também vivê-los várias vezes numa só encarnação. Tamanha liberdade e tanta sabedoria encanta-me sempre.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 27, 2024 8:41 pm

Apesar de ser impossível trazê-los aqui, onde maravilhado vivo tantas experiências, pensei em pelo menos, nessas minhas reportagens, levar-lhes alguns informes mais valiosos do que os meus. Por isso marquei entrevista com o instrutor Albério que nos visita, vindo de plano mais alto onde reside, para dar-nos algumas instruções. Somos vinte companheiros na sala onde temos assistido a suas aulas e onde sua presença tem suscitado respeito, afecto e muita alegria. Além de outras actividades que desempenha em nossa cidade, concordou em oferecer-nos esse treinamento, com vistas a ajudar-nos no trabalho de socorro aos espíritos que regressam da Terra em sofrimento. Mas, além desses assuntos, não pudemos fugir às perguntas outras, e ao seu carisma tão afável e ao mesmo tempo tão firme e enérgico.
Diante dele, sinto-me feliz, sem medo de expor minhas dúvidas e ideias, e embora reconheça-lhe a superioridade absoluta, sinto-me bem em ser o que sou, como sou, e sempre vem dele alguma coisa que me faz sentir que, apesar da distância que nos separa, somos iguais dentro da vida em valor e oportunidades. Sempre saio fortalecido dos nossos encontros e meus companheiros também. Dá para entender? Vendo-o a minha frente, jovial, seguro de si mesmo, muito natural, à espera da minha entrevista, pensei: “Ah!
Se eu pudesse mandar uma foto, seria fenomenal. Uma reportagem que se preze precisa de fotos. Mas, ainda não conseguimos um médium fotográfico.
Pelo menos por agora”.
- Acha importante a fotografia? - indagou ele, sério.
- Acho - respondi, um pouco encabulado. - Na Terra ainda o visual ajuda a perceber melhor as coisas.
- Tem razão. Na comunicação a aparência influi. Na faixa terrena, os olhos têm a função de conduzir os pensamentos para determinados ângulos e aspectos das coisas, embora eles guardem também a força de expressão dos sentimentos e sejam grandes projectores de irradiação magnética.
- Infelizmente não temos médiuns fotográficos para documentar nossas reportagens. Já pensou as fotos que poderíamos mandar em cada reportagem?
Retratos de pessoas, cenas do nosso cotidiano, notas do mundo artístico. Seu retrato. Seria genial para mostrar como se vive bem nos planos espirituais.
Ajudaria ainda os leitores encarnados a mentalizarem você, sintonizando-se com seus pensamentos tão edificantes.
Ele sorriu levemente.
- Acha mesmo? Pois minha experiência no assunto não foi bem essa.- Como assim?
- Certa vez, um grupo de amigos que trabalhava em um Centro Espírita na crosta terrestre pediu-me que comparecesse ao local para uma sessão especial. Eu tinha vivido com eles excelente experiência nos trabalhos de socorro aos desencarnados, onde fora encarregado de treiná-los, como estamos fazendo aqui com vocês. Alguns deles frequentavam um grupo na Terra e estavam muito entusiasmados com o trabalho. Não poupavam elogios à dedicação dos trabalha' dores encarnados e pediam-me encarecidamente que fôssemos participar dessa reunião.
Acedi e, no dia aprazado, uma hora antes do estabelecido pelos encarnados, já estávamos a postos. O trabalho de tratamento aos espíritos sofredores era realizado em grande escala, com muita dedicação nos dois planos. Por isso. Gilberto, o dirigente espiritual do grupo e meu pupilo, desejava retemperar lhes a fé, para que, ampliando-lhe os conhecimentos, eles pudessem abrir mais suas percepções, melhorar a sintonia e a qualidade do atendimento, com vistas a alguns casos difíceis que poderiam ser atendidos, se dispusessem de ambiente especial.
Para isso, tínhamos preparado a sala de maneira especial, com minuciosa higienização do ambiente porquanto queríamos conseguir que a maioria dos médiuns presentes pudesse visualizar-me, enquanto eu estivesse transmitindo minhas palavras.
Vendo minha atenção, ele continuou:
- Tudo foi preparado com cuidado e carinho e o ambiente estava tão suave quanto pode estar na crosta, e estávamos muito emocionados. Gilberto foi o primeiro a falar, destacando detalhes dos trabalhos desenvolvidos, respondendo às perguntas dos presentes, orientando, animando, esclarecendo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 27, 2024 8:41 pm

Ao final, mencionou minha visita e meu trabalho dentro da área. Foi com emoção que passou-me a palavra. O médium pelo qual me expressei era de cultura média, porém de grande plasticidade mediúnica. Senti-me à vontade ao manejá-lo. Falei então das nossas necessidades de aprendizagem e do alerta em que precisamos estar para enxergar as lições da vida, dos seus convites a nossa mudança, e tentei fazê-los enxergar um pouco mais do processo, relatando-lhes algumas das minhas experiências. O ambiente era muito bom, mas, de repente, comecei a perceber que alguns dos presentes mostravam-se sonolentos e com sinais de cansaço. Encerrei logo, e quando as luzes se acenderam, o silêncio era um pouco desagradável. Alguém considerou:
- Esse instrutor eu não conheço. Nunca ouvi seu nome. Vocês sabem quem é?
Não. Ninguém sabia. Uma senhora objectou:
- Eu o vi. Era moço de boa aparência, mas parecia-me muito distante.
- Eu também o vi. É curioso, faz muito tempo que eu não tinha vidência. Mas ele estava de paletó bege e roupa comum. Não parecia um instrutor.
Levaram cerca de meia hora descrevendo minha aparência física, e nenhum deles mencionou sequer qualquer das informações ou das palavras que eu transmitira.
- É decepcionante - considerei, frustrado.
- É natural. Procurando dar maior autenticidade a nossa comunicação, trabalhamos para sermos vistos fisicamente, mas, eles, deslumbrados com o que tinham conseguido ver, com o fenómeno, não se preocuparam com as palavras.
- Será por isso que eu não consigo um bom médium fotográfico na Terra que ilustre minhas reportagens?
- Talvez. Agora, há um recurso que jamais falha e que é melhor do que as fotografias.
- Qual é?
- A vida o utiliza sempre que for útil. Quando o espírito precisa de ajuda visual, ela dá um flash de determinado ângulo, fato, situação, e até de pessoa, na hora exacta, da melhor maneira, que sacode a criatura e acende sempre novas luzes em seu íntimo.
Sorri descontraído.
- Tem razão.
- E para isso utiliza-se até dos desencarnados como nós. A única diferença é que ela tem uma grande qualidade que ainda nos falta.
- Qual é?
- O senso da oportunidade, apenas isso.
Vocês não acham que ele tem razão? Que psicólogo maior do que a vida para conduzir o homem a enxergar o que ele precisa ver?
Hoje, sinto-me feliz. A vida é imensa, bela iluminada. Vamos olhá-la através desse prisma?
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