LUZ ESPÍRITA
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Bate-papo com o além - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 20, 2024 8:46 pm

Bate-papo com o além
Zibia Gasparetto

(Silveira Sampaio)


Prefácio
Explicação necessária

Viver!
Finalmente!
Despertar
Do lado de cá
O pseudónimo
Video-tape
Reminiscências
Realidade
Desabafo
Curso de responsabilidade
Aprendizagem
Roda de samba
Por quê?
Curiosidade
Inércia
Bate-papo
Amor
Natal
A noite
Cinema
Temperatura
Viagem
A lição
As corridas
Volitação
Astrologia
Ontem e hoje
Comunicação
Dúvida
A epígrafe

O PSICOTESTE
OBSESSÃO
LIBERDADE
O CANASTRÃO
A SURDEZ
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 20, 2024 8:46 pm

PREFÁCIO
Se fosse escrever sobre Zibia Gasparetto, a médium que psicografou este e diversos outros livros, a tarefa seria bem mais fácil, pois conheço esta boa e sincera Espírita que toma tão a sério o encargo que lhe foi colocado sobre os ombros. Mas o que Zibia Gasparetto quer é que eu escreva sobre o fantasma Silveira Sampaio, aquele que, antes de partir para a pátria que eventualmente será de todos nós, foi, aqui no Brasil, pediatra, jornalista, teatrólogo, radialista e escritor. O homem dos sete instrumentos. Segundo seus fãs, ele tocava todos bem. Depois que li as suas crónicas, tive pena de não o ter conhecido, pois, pelo que ele agora escreve, em espírito, posso avaliar a sua inteligência, seu poder de observação, seu bom coração, sua humildade e, acima de tudo, sua coragem, porquanto é preciso coragem para descrever o que aconteceu no caso do tímido professor cujo namoro foi prejudicado pelo o ridículo de seus alunos — entre eles o próprio autor. E a sua sequela no mundo espiritual... É desta espécie de coragem que todos nós necessitamos — o reconhecimento da forma como erramos e o consequente sofrimento causado a outros. Só assim não nos repetiremos. Belíssima lição!
Apesar destas crónicas conterem tantos ensinamentos, não recomendo que o livro seja lido por este motivo, ou como irmãos nossos de outras religiões perscrutam o breviário, o livro de rezas ou a própria Bíblia. Deve ser apreciado como um saboroso prato que Silveira Sampaio temperou gostosamente com leve ironia.
Uma crónica que apreciei foi a do passeio que Silveira Sam paio Fantasma faz para este lado de Cá, numa noite fria e chuvosa como as do São Paulo da garoa que, infelizmente, há muito desapareceu com as construções gigantescas e a ainda mais gigantesca poluição que nos inferniza. Nesse passeio, o nosso fantasma descobre que não sente frio nem calor e aproveita para dar uma lição de bom senso aos que ainda acreditam que existem almas a se contorcer no fogo do inferno, sobrepondo este fogo — inteira e completamente terreno — às angústias e remorsos por males cometidos, que doem muito mais do que queimaduras causadas por óleos ferventes e similares. Encaixam bem aqui suas observações sobre os ditos religiosos, pois elas nos alertam sobre o perigo de ficarmos cristalizados em ideias e conceitos ensinados e propagados pelas diferentes religiões — o Céu, o Inferno e o Purgatório — esquecendo, ou, quem sabe, nunca aprendendo, em profundidade, que o esforço individual na prática do bem é o que conduz o homem ao conhecimento da verdade que o libertará — uma estrada rica em experiências que deveríamos trilhar por sua superioridade a todas as outras.
Como já foi dito, cada crónica contém sua lição, mas, além dos ensinamentos, o que agrada é a forma como Silveira Sampaio sente o Lado de Cá (ele chama o Mundo Espiritual de Cá, enquanto que nós o conhecemos como o Lado de Lá). Mas a gente logo se acostuma e compreende o que ele quer dizer. O cronista deveria ter amado a vida da Terra profundamente para sentir tanta alegria quando — depois de morrer — sentiu-se tão vivo! Nós sabemos que não morremos com a morte do corpo físico, mas o joie de vivre — a alegria de viver — de Silveira Sampaio nos dá uma satisfação íntima quando lemos que ele não pôde se furtar à deliciosa sensação de deslizar por entre os pingos de chuva e não a sentir molhar seus pés ou ensopar seu corpo.
São tantos os contos, as narrativas e as lições que este inteligentíssimo fantasma dá que ficaria perplexa se tivesse que escolher o de conteúdo mais proveitoso para recomendá-lo aos leitores. Um, contudo, me interessou muito, e creio que provocará a curiosidade do leitor: o que é que um recém-nascido percebe? A resposta encontra-se no livro de Silveira Sampaio. Só que o recém nato é ele mesmo... Quando lemos esta crónica, nosso espírito se aquieta, pois nos dá a certeza que precisamos.
Por estas razões, a livro psicografado por Zibia Gasparetto merece um lugar, não na nossa estante de livros, mas na cabeceira da nossa cama. Cada página contém alguma coisa de interessante, sem falar dos conhecimentos e ensinamentos práticos que nos ajudam a trilhar o difícil caminho da Vida até encontrarmos o lugar onde vivenciaremos a verdadeira Paz prometida pelo nosso Mestre.

Elsie Dubugras
São Paulo, 25 de novembro de 1980
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 20, 2024 8:47 pm

EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA
Foi em dezembro de 1971 que vi o espírito de Silveira Sampaio pela primeira vez. Eu, tinha me preparado da maneira habitual, e, ao colocar-me à disposição dos espíritos para o exercício da psicografia, vi entrar em meu escritório, meu amigo Lucius trazendo pelo braço a querida figura de Silveira Sampaio.
Fui acometida de alegre emoção. Aproximaram-se e sem nenhum preâmbulo, ele sorriu para mim e colocou-se ao meu lado. Entendi que ele queria escrever. A partir de então, ele tem comparecido, sempre espontaneamente, trazendo suas crónicas que agora estamos dando a público.
Não tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente quando estava na Terra e nunca tive oportunidade de assistir nenhuma de suas famosas peças.
Entretanto, tanto eu como meu esposo, assistíamos seu programa de entrevistas pela televisão e admirávamos sua inteligência brilhante, seu carisma, sua arte.
Foi com tristeza que recebemos a notícia do seu passamento.
O tempo foi passando e não pensamos mais no assunto. Jamais evocamos seu espírito, e eu nunca pensei que ele viesse procurar-me para escrever. Até então, eu nunca houvera tido qualquer notícia de sua presença, nem através de meus amigos espirituais, nem através de outros médiuns. Por essa razão, fiquei muito surpreendida com sua visita, tantos anos depois de sua morte.
Suas crónicas inesperadas e interessantes, trouxeram muita alegria ao meu coração. E, se antes admirava sua inteligência, sua arte, hoje, mercê da misericórdia divina que me permitiu sentir a beleza do seu espírito, admiro sua generosidade, seu idealismo, sua bondade, sua honestidade, seus elevados princípios morais.
Quero agradecer publicamente ao querido amigo Silveira Sampaio, todo o bem que tenho recebido do seu coração generoso, a paciência que tem demonstrado com as minhas limitadas e pobres condições mediúnicas.
Aos leitores, desejo com sinceridade que ao lerem estas crónicas, possam recolher toda a alegria, conforto, paz e ensinamento que eu recolhi. Zibia Milani Gasparetto

São Paulo, julho de 1980


VIVER!
Eu estou vivo!
Parece-lhes pouco isto? Pois não é. Para mim basta, e é a coisa mais importante que pude observar por aqui.
Estou vivo! Sabem vocês o que é isso? Sabem? Talvez não. Talvez nem de leve cogitem de que essa realidade objectiva e forte chegará um dia, sem que a desejem. Mas estar vivo, ser, existir, sobreviver após a morte física da matéria, é a magna pergunta que com medo nos ocorre quando nos defrontamos com o mistério, para muitos indevassável, da morte.
A morte é uma ilusão! Eu estou vivo!
Com minhas tristezas, com minhas vitórias e meus fracassos, com minhas alegrias e meus anseios. Sou eu. Eu existo! Eu!...
Poderão compreender o que sinto? Poderão sentir como eu a delícia de viver?
As nossas lágrimas nas lápides sombrias dos cemitérios ou nosso desespero frente à perda de um ente querido, tudo temporário, porquanto todos continuamos vivos, amando, sentindo, sofrendo, aprendendo, reconstruindo.
Vocês podem encontrar assunto mais importante e mais actual do que este?
Podem sequer imaginar o que seja a vida em outro plano de acção?
Pois é. Tudo isso existe. Eu estou vivo. Vivo e alegre, agradecendo profundamente à sabedoria imensa e à profunda bondade de Deus.
Vocês não pensam como eu?

Abraços do amigo,
Silveira Sampaio
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 20, 2024 8:47 pm

FINALMENTE!
É voz corrente na Terra que quando o micróbio do microfone, do teatro ou da pena nos envolve, nunca mais conseguimos nos livrar de sua presença absorvente e fascinante.
É uma verdade. Nada tem me incomodado mais do que verificar que, se com meu corpo de carne abandonado e transformado pela química voraz e eficiente da Natureza levei de vencida todas as bactérias e viroses de que era portador, não consegui ainda libertar-me desse microbiozinho excitante e imprevisível que aguça o repórter às acrobacias de sua arte.
Há muito venho desejando relacionar-me com o leitor, principalmente agora, de posse de tantos “furos” que poderiam sacudir a moleza e a estrutura de qualquer caçador de notícias.
Finalmente! Finalmente eu consegui!
Não são artigos fortes, pintando em cores dramáticas o que vi por aqui, mas é o momento esperado com ansiedade e alegria, de reencontro com o público que eu amo e para o qual desejo mostrar e dizer as coisas que eu vi.
É um jornal Espírita. Sim, é. Onde mais um fantasma como eu poderia escrever?
Aos amigos que estranharem estas despretensiosas crónicas, devo dizer que cada um sabe onde lhe apertam os sapatos.
Na Terra, ainda se pode fechar os olhos para não ver as coisas do espírito.
Aliás, por mais barulho que eles façam, não conseguem desviar os homens do ruído do mundo material.
Mas aqui, é a tónica da NOSSA realidade.
EU SOU UM ESPÍRITO!
Parece isto um despropósito? Mas não é. Sou eu mesmo. Quase igual ao que era na Terra, redescobrindo uma dinâmica nova, encontrando a chave para muitos dos enigmas que nos perseguem a vida inteira no mundo.
Como não mudar? Como não contar? Se o micróbio continua mexendo comigo, apesar da censura que há por aqui?
Contarei sim. Finalmente, estou escrevendo novamente para os meus amigos. Poderá haver alegria maior?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 20, 2024 8:47 pm

DESPERTAR
Apesar de ter levado certo tempo para entender o que aquele enfermeiro meio maluco tentava explicar- me, consegui, após ter-me esforçado ao máximo, compreender: tudo o que ele me dizia era verdade e ele era mais sóbrio e equilibrado do que eu mesmo.
A verdade era uma só. Meu corpo de carne me abandonara, ou melhor, eu fora forçado a deixá-lo definitivamente.
Sempre procurei adaptar-me a todas as circunstâncias com estoicismo, e por isso, tão logo entendi essa verdade, tratei de arrumar as ideias, um tanto desarticuladas, no cérebro.
Afinal, o choque é intraduzível! Ao mesmo tempo, parecia-me de certa forma incrível a situação, porquanto olhava-me e achava-me com as mesmas disposições anatómicas de sempre. Apalpava-me e sentia a rigidez carnal.
Portava roupas habituais, réplica das que comprara no mundo. Difícil entender, mas ao meu redor as paisagens mudaram, as pessoas mudaram.
Num rasgo de curiosidade, pensei: teria eu sido arrebatado por um disco voador e estaria em algum planeta diferente? Em Marte, talvez? Esta ideia me seduziu, e cheguei a pensar nas reportagens que faria quando voltasse à Terra.
Como seria esse mundo estranho? Seria mais adiantado do que a Terra?
Mas novamente o enfermeiro a dizer-me que estávamos nas proximidades da Terra mesmo separados apenas por uma cortina vibratória. Teimava com incrível seriedade que eu era apenas um fantasma in conformado.
Custou um pouco, mas, quando finalmente entendi, após exaustivas e reiteradas explicações, comecei a pensar nas vantagens do meu novo estado.
Claro que sou eu mesmo. A mesma curiosidade, o mesmo repórter. Foi grande minha emoção quando consegui atravessar uma parede, em uma casa terrestre, sem que me fosse obstáculo. Pensei nas vezes em que procurara pessoas importantes para reportagens diversas e apenas encontrara uma porta que não se abrira se fosse hoje, que reportagens iria fazer!
Porém, soube logo que por aqui havia terrível censura. Nada se podia transmitir para os homens da Terra sem autorização dos chefes espirituais.
Protestei. Sempre combati a censura de pensamento. A ideia é livre, pensava. Mas fui convidado a reconsiderar, porquanto, levado ao encontro de outros repórteres como eu, hauri experiências proveitosas no campo da responsabilidade. Entendi, por exemplo, que, quando transmitimos ideias, arcamos com as consequências de todos os actos que elas gerarem nos outros.
Vi grandes sofrimentos de quantos falaram o que não deviam, inspirando revoltas, ódios e dissensões'.
Assim, calei meu inconformismo, porquanto renascer no mundo em estado de sofrimento não é meu desejo para o futuro.
Entretanto, diante dos bons propósitos que demonstrei e de minha incurável condição de repórter, foi-me concedida oportunidade de realizar meu trabalho no campo da informação para os homens, desde que o faça com responsabilidade.
Não me contive. Lembrei-me dos personagens históricos, dos cientistas que partiram, dos políticos, enfim, senti-me eufórico.
Que material! Que trabalho!
Com a ajuda de Deus e dos amigos, preparei-me para começar. Esta vida é uma delícia! Sem barreiras, livre, leve e lépido. Como Deus é bom! Poderá haver felicidade maior?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 20, 2024 8:48 pm

DO LADO DE CÁ
Por entre pingos de chuva eu caminhava lépido e saltitante, qual moleque traquinas aproveitando a aragem fresca da chuva que, caudalosa, lavava o chão poeirento da avenida.
Apesar de não poder, deu-me vontade de tirar os sapatos e caminhar gostosamente pela enxurrada, como nos bons tempos da minha infância.
Mas se agora a situação é diversa e não me permite esse prazer, não me posso furtar à sensação engraçada de deslizar por entre a chuva sem senti-la molhar- me os pés ou ensopar-me o corpo. É curioso, ela agora não me molesta. Vantagem do mundo onde vivo sem os meus oitenta quilos de carne, sem a pressão atmosférica, muito embora as pressões existam por aqui e sejam outras.
É engraçado passar pelo vento sem que ele nos afecte, pelo inverno sem sentir frio. Assusta-nos um pouco perceber que as grossas e concretadas paredes do nosso mundo terreno não passam de cortina gaseificada que podemos atravessar normalmente.
Sinto vontade de cantar, de sorrir. A vida por aqui se desdobra em múltiplas facetas, em singulares encantos que gostaria de poder narrar.
Tenho a sensação de que ainda sou o repórter, e que esta viagem fantástica vai acabar a qualquer hora e eu acordarei pesaroso e estupidificado no quarto branco do hospital, com soros e sondas a escarafunchar- me o corpo.
Tenho vontade de contar tudo, mas alguém acreditará? Não sei; em todo caso sempre se poderá tentar. Quanto mais que é verdade que vir para cá é o destino de todos. Pelo que sei aqui, nem todos poderão usufruir de pronto os benefícios da nova situação.
Pelo que pude pesquisar, os religiosos são os que dão mais voltas até descobrirem a verdade. A princípio, estranhei. Afinal, era justo que estivessem em melhor situação os que se dedicaram à religião. Depois, compreendi. Os frequentadores dos templos, os habituais das sacristias, os acompanhadores de procissão, os que para cultuarem a Deus estabelecem normas e condições, de tal maneira se inserem nelas que demoram muito a acordar para a vida real.
Para o católico romano, que desde o catecismo concebe a ideia do paraíso, do inferno e do purgatório, das graças celestes e do sangue do Cristo lavando pecados, é difícil entender o mundo real e simples onde passamos a gravitar. Ao protestante, que se prende à letra da Bíblia, que cultua Deus valorizando o poder de Satanás, é difícil enxergar que todos temos ainda algo de santos, mas muito de demónios. Essas são as religiões dominantes em nossa terra, sem falar dos que circulam pelos terreiros afro-católicos a pretender capitalizar os vícios de irmãos desencarnados em proveito próprio e acabam por compreender, que aqui, o esforço individual é o único meio de se melhorar e ser feliz.
É uma delícia caminhar pela chuva, será que alguém vai me acreditar?
Principalmente quando vejo que muitos redivivos como eu procuram abrigar-se dela, num reflexo humano e terreno. Sei que isso não deve molestar-me.
Aliás, pelo muito que ironizei certos fatos sobrenaturais quando estava na carne, é justíssimo que sinta a mesma coisa; mas é esquisito, não posso fugir a essa preocupação.
Quando me certifiquei de que podia continuar daqui a escrever para o mundo que tanto amo, senti enorme alegria. Avisado das dificuldades, dispus-me a enfrentá-las com disposição e optimismo, mas os resquícios da vaidade literária têm tanta força que, embora eu saiba que a causa agora não é mais o meu ponto de vista humano e pessoal, e sim o progresso e bem- estar da humanidade, a conquista do Evangelho na Terra, por ora ainda não me posso furtar ao personalismo.
Algumas vezes, fui contido quando pretendia obrigar alguns amigos meus que se demoram na Terra a tomar conhecimento da nossa existência. Que fazer?
Faz-me cócegas saber tudo isto, ver tudo isto, sentir tudo isto e não poder provar, mostrar dizer!
Se vocês fossem por detrás da Cortina de Ferro, no tempo em que ela era de ferro mesmo, e saindo de lá não pudessem contar o que viram, como se sentiriam? Assim estou eu, com a diferença de que eu posso contar mas poucos acreditarão.
Mas, podem crer, andar por entre as gotas de chuva sem se molhar é uma delícia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 20, 2024 8:48 pm

O PSEUDÓNIMO
Pensando nas dificuldades burocráticas do mundo, onde a sociedade, para se defender dos seus componentes, instituiu infindáveis normas disciplinares, algumas catalogadas como “etiqueta” ou “costumes”, outras como leis civis, mas todas mutáveis dentro do contexto formal da civilização, percebemos a série de problemas que poderiam surgir com a publicação na Terra, sem o competente alvará das instituições humanas, dos escritos que grafamos.
Fantasma não é catalogado na sociedade organizada, como aquele jovem nordestino que, sem ter seu registro de nascimento por omissão dos pais, com 15 anos de idade, já na cidade, procurou regularizar sua situação perante a lei e constatou que estava difícil provar que ele existia, simplesmente porque não possuía papel devidamente legalizado que provasse isso.
Nós, os redivivos, estamos nesse caso. Difícil, não é?
Confesso que as coisas estão nesse pé não por omissão nossa, porquanto desde que o mundo é mundo, a nossa categoria de classe tem se esforçado para registar-se devidamente nos livros documentados da Terra. Mas tem sido inútil.
Como não temos papel com firma reconhecida nos cartórios terrenos provando que, depois do óbito do corpo de carne, continuamos a viver, não tem adiantado muito o esforço dos nossos colegas, em vencendo todas as barreiras da matéria densa, materializarem-se no mundo, mostrando-se aos cientistas, as pessoas interessadas e aos estudiosos do assunto.
Vocês já imaginaram o que é preciso para um fantasma materializar-se, para que possa ser tocado, apalpado pelos terráqueos? Será que acreditariam se eu lhes contasse?
É que, quando na Terra, pensamos que no mundo dos redivivos tudo acontece como num passe de mágica. Pensamos e aparece. Mentalizamos e criamos. É verdade que podemos materializar e dar formas aos nossos pensamentos, mas não pensem que tudo seja fácil e simples assim. Nossos sábios estudam ininterruptamente, e há os especialistas em comunicação extra-infraterrena pesquisando o assunto.
Mas os homens, não aceitam as nossas reivindicações. Decididamente não querem nos registrar legal mente, e por isso, diante dos tribunais da Terra, nós não temos firma reconhecida. Há uma certa tolerância para os que já fizeram o óbito do seu corpo há mais de 100 anos, mas infelizmente não acontece o mesmo com os demais, principalmente com aqueles de passamento mais recente.
Naturalmente, é um direito deles regulamentar leis contando o tempo à moda do mundo, onde a faixa etária e os anos de serviço contam pontos na aposentadoria e na regalias da lei.
O que fazer? Assinar o nome é um direito que temos e que foi devidamente sancionado com firma reconhecida e tudo nos cartórios do mundo; mas, morto o corpo, verificamos que o nome que usamos durante tanto tempo, que lutamos por tornar digno e conservar honrado, não era nosso e sim do corpo reconhecidamente morto, e a certidão de óbito nos cassa o direito de utilizá-lo perante as leis.
Já pensaram que ingratidão? Como ficamos nós? Cassados, sem nome e sem identidade? Não acham uma grande injustiça?
Mas é verdade. Nossa classe vem lutando e temos tido muitas assembleias para discutir os problemas e reclamar nossos direitos. Temos usado vários recursos. Trabalhar legisladores, cientistas, escritores e até médiuns. Aparecer a eles, falar-lhes em sonhos, ajudá-los nas dificuldades, protegê-los dos perigos, tudo na esperança de que, reconhecendo a nossa existência inscrevam-nos legalmente em seus registros para que possamos ter garantias de trabalho. Mas tem sido difícil. Sabem por quê? Porque a maioria, mesmo tendo a certeza da nossa existência, provada arduamente e com esforço, não se sente encorajada em assumir o que sabe e vencer o preconceito convencionado.
Assim, aqui estou eu. Não consigo concordar. Por que não assumir? Por que usar pseudónimo?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 20, 2024 8:49 pm

Há os que procuram me explicar dizendo que os homens querem nos proteger, a fim de que pessoas sem escrúpulos não falsifiquem nossos escritos e se aproveitem da nossa “fama”. Será mesmo que eles pensam assim? Será que não têm condições de reconhecer a essência, a maneira de ser, a personalidade do signatário? Será que, se a firma não estiver reconhecida no cartório, o pobre escritor, o jornalista, o poeta cassado pelo óbito não podem mais se expressar?
Conheci na Terra falsificadores de assinaturas tão hábeis que a própria perícia especializada teve dificuldades em distinguir. Por outro lado, consegui ver cheques meus não aceites por ter assinado com displicência e modificado distraidamente seus caracteres habituais. Isso prova alguma coisa? Prova. Prova que a vida de fantasma não é tão simples como muitos pensam. Um pseudónimo não é fácil. A mim me dá a sensação de culpa, de ter que esconder algo, o que é muito desagradável. E depois, como fazer isso? Qual escolher?
Um ilustre companheiro nosso, cassado e pressionado, protestando inutilmente, querendo lutar mas cedendo frente à chantagem da pressão em seu representante, o médium, inventou o nome de Irmão X, aliás muito bem posicionado em nossa literatura. Mas eu, qual usaria? O “Irmão S”, além de dar na vista, não tem aquele sex-appeal necessário. O SS que eu já usei na Terra, além de ser agora de posse de conhecido apresentador de TV, também era a sigla dos assalariados de Hitler, de triste memória.
O que eu poderia fazer? O irmão J.S.S.? Que tal?... Não... Acho que não vai dar. Que me perdoem os códigos civis, os juízes, os amigos e os familiares, mas não penso em abdicar do meu direito de ser eu mesmo, apesar de cassado oficialmente.
Afinal, não acham que é um direito meu? Será que, lendo o que eu escrevo, não vão me reconhecer? Estarei assim tão pouco lembrado?
Isso me deixa meio triste. Afinal, sempre fomos amigos. Será que não estou conseguindo me comunicar? Será a essência menos importante do que a convenção?
Eu recorro a vocês. Se encontrarem solução, me avisem. Porque sinto-me muito bem como sou e gosto muito da minha profissão. Por que não poderia continuar?
E se algum de vocês tiver prestígio na organização dos estatutos e registos da Terra, ajude-nos a obter a legalização da nossa classe, com todos os benefícios da lei, referentes aos nossos serviços prestados e direitos naturais. Se você assumir, vai haver muito barulho, muita reacção dos conservadores, mas eu afianço que todos nós, cujo número não posso precisar porque se contam aos milhares, estaremos ajudando você. Combinado?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 20, 2024 8:49 pm

VIDEO-TAPE
Acredite quem puder, mas a verdade excede ao imaginativo, ou à imaginação. Mergulhado em um mundo super-colorido, cheio de subtilidades e energias diversificadas, a princípio cheguei a pensar que a minha cabeça não estivesse funcionando bem. Que meus olhos estivessem com alguma doença não identificada, que modificasse a estrutura do mundo que me rodeia..
Por outro lado, reconheço a mesma carcaça decantada, adornada, que por força do hábito aprendi a suportar no mundo, chegando a achá-la bonita. No coração, os mesmos sentimentos, as mesmas modificações, os mesmos afectos, as mesmas fraquezas.
É difícil conciliar o maravilhoso, o espantoso mundo onde estou agora, com a Terra que, apesar de muito amada e sempre abandonada tão a contragosto, parece-me agora cinzenta e triste, envolta em nuvens escuras que se adensam mais nas metrópoles.
É flagrante contraste, seu casario sombrio e escuro, o povo que caminha agitado pelas ruas, carantonhas assoberbadas por múltiplos problemas, preocupados e apressados. Aqui tudo é cor, movimento, suavidade. Tanta suavidade que, por vezes, minha irreverência se choca. Viciado por hábitos ainda muito terrenos, não aprendi a calar quando é preciso e algumas vezes esqueço-me da agudeza da sensibilidade, onde o pensamento emite som, onde os impulsos mais rapidamente se transformam em acção, onde, desembaraçados da matéria mais densa, podemos caminhar nas asas do pensamento (sem ser em sentido figurado).
Pensamos e viajamos para os lugares, e o que me intriga mais é a caminhada no tempo. Sei que vocês vão duvidar, mas por aqui isto já é possível.
Na Terra, alguns cientistas remanescentes dessas paragens pretendem aplicar na matéria o que faziam no mundo extra-físico, sem contudo conseguirem transpor os limites do permitido por Deus.
Quanto a mim, testemunha ocular das mais extraordinárias façanhas, delicio-me com as conquistas do nosso progresso.
Posso voltar no tempo, porque o VT por aqui é caso comum, muito embora seja necessário permissão para assistir a ele e nem tudo o que se quer pode ser visto. Mas tudo está devidamente registrado nesses fabulosos arquivos etéreos. As grandes guerras, os grandes acontecimentos históricos, políticos, artísticos. Posso dizer que, se minha curiosidade foi satisfeita em muitos aspectos, em outros a realidade foi decepcionante.
O tempo modifica os acontecimentos, tecendo novelas aos caprichos dos homens, deturpando fatos, ignorando lutas redentoras de luminosos seareiros de Deus na Terra.
Ah! É surpreendente assistir a acontecimentos passados! Se eu pudesse levar essas projecções até a televisão da Terra, que programas iríamos ter!
Faraós, imperadores, rainhas, piratas, artistas, filósofos, santos, comemorações! Já pensaram o sucesso?
Júlio César em pessoa no seu palácio! Ou então: Cleópatra! Rodolfo Valentino, Marilyn Monroe, Carmem Miranda!
Já pensaram nas manchetes dos jornais? “Hoje à noite, em sessão especial, no palácio de Herodes, o julgamento de Cristo"!
Talvez possamos fazer isso no futuro, quando Deus permitir. Apesar do rigor histórico, da veracidade do texto, no original, haveria muitos que não gostariam da novidade.
A princípio, duvidariam. Herodes não era aquela figura hollywoodiana que todos se habituaram a ver. O palácio não tinha a sumptuosidade dos filmes de De Mille. No fim, haveria sempre o crítico que comentaria a precariedade do cenário, o idioma ininteligível ou a má qualidade dos atores.
Por outro lado, se trouxéssemos Rodolfo Valentino, certamente ele não agradaria mais a exigente moda de hoje, onde os padrões de beleza são muito diversos da época. A própria Cleópatra não era nem um pouco parecida com a Elizabeth Taylor.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jan 20, 2024 8:49 pm

No fim, seriam tantos os problemas, tanta polémica, tanta discussão, que eu, certamente decepcionado e aflito, precisaria recolher-me a algum local isolado para fugir à avalanche dos pensamentos negativos contrariados que vibrariam sobre minha cabeça.
Talvez seja por isso que, ao saber que alguns já falavam aos gravadores de som terreno, pensei, tomado dê entusiasmo incontrolável, nas possibilidades reais de levar à televisão aquilo a que podemos assistir aqui, e não pude passar pela censura. Ainda não podemos fazer essas projecções. Entretanto, apesar da tristeza que sinto por isso, não posso deixar de reconhecer as dificuldades de tal empreendimento. Acho mesmo que a humanidade não está ainda preparada para ver a verdade total, ver os acontecimentos como eles aconteceram.
Confesso que mesmo para mim, na reformulação de conceitos em que me empenho, esbarro constantemente na estupefacção e na dificuldade em aceitar fatos a que, na Terra, tinha me habituado a colocar de lado, mas que agora sou forçado a constatar.
Alguma coisa, no entanto, quero fazer. Sinto-me imbuído do desejo ardente de estabelecer um traço com meus irmãos terrenos. Quantas coisas a dizer!
Quantas notícias a dar! Quantos enganos a vencer!
Em tempo, devo dizer que, se pude mergulhar no tempo passado, ainda não me deixaram ver o futuro. Talvez achem que dará muitas voltas à minha cabeça. O passado já é dose alta, mas o futuro!...
Vocês pensaram se eu pudesse falar ou mostrar o futuro? É, acho que não teria mais paz, acabaria me perturbando ainda mais do que estou por não saber calar e querer analisar e esmiuçar à minha moda tudo quanto me rodeia!
Ah! Mas já pensaram como seria fabuloso?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 21, 2024 11:45 am

REMINISCÊNCIAS
Quem pode afirmar o que é a verdade? Quem poderá dizer até que ponto ela se distende ao nosso entendimento?
Jesus calou-se quando instado à resposta, e hoje, eu, que procuro dimensioná-la à estreiteza dos nossos conceitos humanos, começo a percebê-la infinitamente composta de múltiplas partículas, que cada um assimila gradualmente.
Tudo quanto tenho aprendido ultimamente, tudo quanto tenho visto por aqui no mundo chamado dos espíritos (jamais pensei em escrever como fantasma) tem modificado meus conceitos, e minha compreensão se distende por horizontes que, inexplorados por muitos, agora descubro deslumbrado.
É difícil conceituar as leis do nosso mundo dos fantasmas com a parcela oficiosa ou oficial das verdades humanas no que tange, aos esclarecimentos que tenho recebido, por aqui, de figuras capacitadas.
Dizem que eu já tinha esse conhecimento antes de ter reencarnado na Terra, apenas preciso de tempo para lembrar-me das existências passadas. Já pensaram que divertido seria podermos excursionar por essas vidas recordando passagens pitorescas e diferentes?
Vermo-nos na era primária qual trogloditas embrutecidos, carregando os bastões da caça ou arrastando nossas mulheres pelos cabelos? Ou então, desfrutar da corte francesa qual almofadinha embonecado, dançando minuetos e alçando delicadas donzelas pelas mãozinhas pálidas? Ou ainda, participarmos dos lautos banquetes do palácio de César e podermos apreciar as opíparas festividades e as requintadas reuniões do senado?
Fiquei tão eufórico com a tese da reencarnação que, de imediato, procurei conseguir pelo menos levantar uma nesga do véu que cobre meu passado.
Curiosidade, emoção, molecagem. Não sei bem, mas confesso que a essa simples possibilidade senti-me possuído de enorme veemência.
Sim. Perscrutaria e escreveria à Terra uma autobiografia, relatando os factos pitorescos de minhas viagens através da reencarnação. Quantas aventuras, quantos fatos históricos presenciados! Se nos reencarnamos mais de mil vezes, que material para escrever! Ninguém jamais pôde fazer isso.
Porém, no auge do meu entusiasmo, fui acometido de sérios problemas e, procurando auxílio no conselho amoroso dos amigos maiores, novamente fui barrado pela censura.
Não adiantam amigos. Escrever para a Terra não é fácil. A censura firme e alerta é dura. Mas, passado o primeiro impulso de decepção, acabei concordando com eles. A censura, quando efectuada com critério, começo a admitir, é válida.
Imbuído da vontade de ser original, não pensei nas confusões que terei aprontado por essas vidas todas, na inexperiência e na curiosidade com que ainda hoje me envolvo. Nem é bom pensar!
Na verdade, eu pensei e, para que minha teimosia fosse vencida, cheguei a vislumbrar pequenos acontecimentos, retalhos de outras vidas que vivi.
Melhor não ter visto. Desisti logo do resto. Melhor mesmo é esquecer, não contar nada a ninguém do que já passei. Botar uma pedra no assunto e buscar para minhas reportagens outros personagens mais interessantes do que eu...
Afinal, quem teria interesse em ler minha biografia a não ser eu?
A verdade, amigos, para alegria minha, é relativa, e, pela imensa bondade de Deus, é fraccionada de acordo com nossa capacidade para recebê-la.
Já pensaram como seria bom relatar minhas vidas passadas se eu tivesse sido alguém muito útil ou muito bom? Mas como a verdade não condiz com o sonho, é melhor esquecer.
Afinal, por que perder tempo comigo mesmo?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 21, 2024 11:45 am

REALIDADE
Às vezes fico pensando nas minhas andanças pela Terra, e na rememoração saudosa vem-me à mente a profunda ignorância que demonstrava naqueles tempos.
Estudar, até que estudei. Por mestres e familiares fui considerado inteligente; embora essa particularidade não me obrigasse a queimar as pestanas sobre os compêndios, consegui doutorar-me, o que na Terra representa o conhecimento grau maior. Por isso habituei-me a olhar-me agradavelmente dotado de uma experiência que a perspicácia e a vivacidade iludiam, como se eu fosse o resultado de magnífica combinação de super-homem aos quais os outros homens pedem conselhos, as mulheres admiram e os jovem invejam. Ridículo, não?
Peja-me agora confessá-lo, mas eu era assim na intimidade. Não que tivesse consciência disso, julgava- me equilibrado. Mais de uma vez abalei-me a julgar, a criticar, e, do alto da minha capacidade, até à intolerância cheguei.
Entretanto, a deusa da verdade procurou-me na figura da morte e descerrou-me um mundo infinitamente maior, cujas dimensões não consigo sequer imaginar.
Então, eu, que acreditava ter alcançado um nível superior de cultura e intelectualidade, fui obrigado a reconhecer minha insuficiência e infantilidade.
De adulto, de conselheiro, de um padrão de conceito restrito e limitado onde o tédio por vezes rondava, passei a calouro inseguro e burro, desejando ingressar na faculdade do conhecimento espiritual, sentindo-me ao mesmo tempo temeroso dos trotes e das armadilhas que, em minha invigilância, eu mesmo urdira.
A sensação é dolorosa. A princípio, o chão se desmorona aos nossos pés. A insegurança, a tristeza. Depois, o novo, o inesperado, o desconhecido, o incomensurável constituindo-se em estímulo e em atracção permanente.
Já pensaram que beleza? Pensei estar no fim e encontro o começo. Pensei saber tudo, resta tudo para aprender.
Não posso deixar de reconhecer que desfruto de certos privilégios. Alguns amigos, e felizmente tenho-os muitos, interessaram-se por mim, e agora posso ter acesso à presença de bondosos companheiros que na Terra me pareciam distantes, embora os admirasse. Se eu dissesse por exemplo que estive com Humberto de Campos — em carne e osso não posso dizer, mas em corpo e presença espiritual — e que pude trocar ideias com ele, acreditariam?
Pois é verdade. Estive com Gonçalves Dias, com Rui Barbosa (e aí vai um “furo”); que cogitava de próxima reencarnação a serviço de Jesus.
Sinto-me pobre de recursos mas rico de alegrias pelo convívio de amigos delicados. E agora, vai um recado para quem aprecia: tenho estado com alguns artistas de cinema, e no futuro espero escrever algumas entrevistas com eles.
E, pasmem, muitos deles vão reencarnar brevemente. Mas não dou detalhes agora. Guardem a curiosidade e esperem.
Pode haver maior felicidade do que a minha? Pode haver forma mas fascinante de viver?
Sei que não me invejam por estar morto na Terra. Muitos ainda temem a morte, mas aposto que, esquecendo essa particularidade, quem não gostaria de estar em meu lugar?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 21, 2024 11:46 am

DESABAFO
Em que pairem as dúvidas sobre a sobrevivência da alma após a morte, ninguém em sã consciência pode negar-se a enfrentá-la um dia, quando menos espere, ou, quem sabe, nas difíceis anunciações da agonia e da moléstia lenta.
Na verdade, todos somos, de certa maneira, como Tomé, e precisamos ver para crer, sentir para testar.
Essa dificuldade nos tem trazido a desilusão, e a revelação inesperada da realidade é o nosso consolo quando, como pobres fantasmas endividados, peregrinamos pelos vales terrenos, tentando consertar os erros e as bobagens que fizemos quando estávamos na Terra.
Que fazer? Alegria nossa, tristeza de outros. Terei me expressado bem?
Nada mais terrível do que dispor de excelente material de trabalho, de disposição e de tempo, de licença e tudo o mais e topar com a barreira intransponível do elemento de ligação, da tomada sem corrente que está a ponto de um curto-circuito pelo acúmulo de energia mas que não pode receber o plug para que a ligação se estabeleça.
Paciência e esforço. Mudar de aparelho? Na Terra, quando o nosso rádio, nossa vitrola, nosso televisor, pifava e se negava a trabalhar, comprávamos outro. Aqui tudo é diferente. Você quer um aparelho? Prepare um. Dão-nos o que merecemos e precisamos e com o qual teremos chance de acertar e nos dizem: Mãos à obra. Eduque-o na sua sintonia. Ajude-o a sentir sua faixa mental. Ligue-se com ele.
Aí, começa nossa odisseia. Não que eu me queixe. Longe disso, pois muitas coisas aprendi durante o tempo que me propus a comunicar-me com os homens. Como médico, observei vários fenómenos. Como artista, facetas sublimes de beleza. Mas e o trabalho? Para que nos preparamos se não conseguimos fazê-lo?
Um dia você conseguirá, dizem-me os amigos mais experientes. Mas, vejam bem, eu desejo fazer muito e depressa! Tudo hoje corre celeremente, por que devemos parar?
É por isso, diante das dúvidas e das dificuldades do intercâmbio mediúnico, que nos conforta saber que um dia eles, nossos médiuns, estarão desencarnados como nós — e já pensaram como vão penar?
Um dia é da caça e o outro é do caçador. Mas isso não quer dizer nada, oque eu quero mesmo é trabalhar.
Será que vou conseguir?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 21, 2024 11:46 am

CURSO DE RESPONSABILIDADE
Nas pegadas do meu mestre, andei sorrateiro em busca de alguma falha.
Moleque matreiro e indisciplinado, era sempre surpreendido por ele em travessuras e chamado à ordem diante de todos, o que pouco se me dava, mas colocado de castigo, o que era aborrecido porquanto os amigos faziam caçoada, e por fim o clássico bilhete aos pais, que eu era obrigado a levar para trazer assinado, a supressão do dinheiro da matiné domingueira ou do sorvete.
No colégio eu era temido pelos mestres, não só pelo meu comportamento distraído, irrequieto e às vezes inconveniente, - contando piadinhas em voz baixa, pondo apelidos bem achados que pegavam nos professores e nos colegas, mexendo com as enjoadas meninas no recreio (minha classe era masculina, infelizmente) mas também porque, quando eu cismava com um professor ou professora, acabava sempre descobrindo ardilosamente seus pontos fracos e tirando proveito deles, fazendo chantagem emocional ou tornando-os notórios para os outros alunos.
Eu empreendia verdadeiras investigações nós hábitos, na vida particular dos mestres que me incomodavam, e buscava desacreditá-los.
E, para infelicidade deles — e hoje penso que também minha, porque, a julgar pelo que estou aprendendo aqui, talvez algum dia eu reencarne na Terra para resgatar essas penas, no corpo de um professor de meninos endiabrados como eu —, devo dizer que possuía talento verdadeiramente diabólico. Tinha até alguns companheiros, os quais liderava, que me auxiliavam a troco de protecção ou de pedações do lanche sempre muito farto que minha babá aprontava sob as vistas vigilantes de minha mãe zelosa das minhas necessidades proteicas.
Certa feita, era o professor de História Natural, homem duro e sério, que me incomodava. É que ele parecia possuir um sexto sentido que não deixava ilesa nenhuma das minhas travessuras, cortando-as rigorosamente, justiçando-me todas as vezes. Assim não podia continuar. Precisava tirar uma desforra.
Tornei-me, sem que ele o notasse, um estudioso da sua personalidade.
Conhecia-a a tal ponto que podia imitar-lhe a maneira de falar, os tiques e as palavras usuais. Mas isso não me bastava. O “Chicória”, como eu o apelidava, pelo xarope do mesmo nome que costumavam me fazer tomar para dor de barriga, precisava uma lição.
Como sombra esperei a saída das aulas e o segui cautelosamente. Tomei o bonde sem que me visse e saltei um ponto depois, observando a casa modesta de subúrbio em que ele entrou. Passei em frente, nada de mais: alpendre, uma porta, uma janela. Na frente, jardim irregular mas tratado. Nada que me pudesse interessar. Mas não parou aí a aventura, continuou.
Passei a vigiar a casa do professor sempre que podia, até aos domingos, e pude saber que levava vida metódica e reservada. Ia à missa das 8 e, o que me deu euforia, acompanhava uma moça de longe, trocando olhares com ela. Senti despertar minha curiosidade. Por que ele era tão tímido? Não era jovem (para meus treze anos, os 28 do professor eram pesados); se gostava da moça, por que não falava com ela de uma vez?
Voltando alguns domingos, pude perceber que essa cena se repetia todas as semanas sem que conversassem. Ele a seguia de longe até que ela, de volta da missa, entrasse em casa e, depois de lançar à sua porta lânguidos olhares, ia até a padaria, comprava pão, cerveja gelada e encaminhava-se de volta à casa.
Era pouco, em verdade, mas era alguma coisa. Tracei planos e, com a ajuda de um companheiro, escrevi em estilo muito "Chicória" um bilhete amoroso declarando amor a ela. Escrevi outro dela para ele também muito persuasivo, igual ao que lera no “Manual de Cartas de Amor", que roubara numa banca de jornais com vergonha de adquirir um. Assinei o nome dela, que eu tivera o cuidado de investigar. Nos dois bilhetes marquei um encontro domingo à tarde, no jardim das proximidades.
Eu e um amigo, que não era conhecido do professor, fomos à missa das 8 e eu entreguei o bilhete a ela dizendo que "aquele moço tinha mandado" e meu companheiro entregou a ele o outro bilhete como se “ela tivesse mandado".
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 21, 2024 11:47 am

Divertimo-nos muito porque os dois, surpreendidos e corados, apertaram o bilhete na mão mas nem se olharam. Na saída, cada um disfarçou e seguiu seu caminho.
Exultei. A coisa ia pegar. Ia ser engraçado a classe assistir ao encontro dos dois no jardim. Reuni a turma e, uma hora antes da que eu marcara, fomos uns doze meninos, todos antegozando o vexame do Chicória; escondemo-nos atrás da sebe de azáleas que rodeava os bancos. Dividimo-nos, pois não sabíamos em qual iam sentar-se os pombinhos. Só queríamos ver o encontro, e, quando eu desse o sinal, faríamos algazarra, envergonhando o professor, cantando a musiquinha com o apelido ultrajante que compuséramos.
Pouco antes da hora, surgiu ele. Proibi o ruído ameaçando os irrequietos com uma sova. Depois, de coração batendo, boca seca, esperamos que a moça chegasse. Ele nos parecia nervoso e olhava o relógio amiudamente, arrumava o vinco impecável das calças. Por fim ela veio. Encabulada, indecisa. Ele remexeu-se nervoso. Finalmente um frente ao outro.
— Você veio — disse ele, comovido.
— Sim — balbuciou ela, corada.
— Quando recebi o bilhete — disse o professor — quase não acreditei!
— Como?! — estranhou ela — Que bilhete?
— O seu, para vir até aqui.
— Eu também recebi o seu bilhete... — fez ela meio zangada, tirando do bolso o papel tão meu conhecido.
— Meu bilhete? — estranhou ele, corado. — Não compreendo...
Nós a custo conseguíamos conter o riso.
— Senhorita — fez ele empertigado, já em tom cerimonioso — eu nunca escrevi esse bilhete! — Com gesto rápido, tirou da calça o outro bilhete e o exibiu triunfante, sim, porque o nosso professor era amante caloroso da verdade e por ela eu recebera prontos e penosos castigos.
Ela, com a mão trémula, tomou o bilhete e protestou em tom veemente:
— Senhor, eu nunca escrevi nem escreveria este bilhete. Isto é uma farsa...
E começou entre eles animada discussão, como se se tratasse de um caso de vida ou morte. Quando ela disse, vermelha de raiva:
— Pois o senhor não passa de um conquistador barato e pretensioso que, não tendo coragem de arranjar namorada, usou dessa artimanha para me colocar nessa situação ridícula. Não quero vê-lo nunca mais!
Então, dei o sinal. Aparecemos diante do professor rindo de sua cara enrubescida, do seu terror vendo-nos aparecer em hora tão imprópria e, antes que tivessem tempo de voltar a si da surpresa, começamos a entoar a nossa música grosseira e satírica revelando o apelido torpe e jocoso.
Ele não se conteve: suspeitando da nossa participação no incidente e bramindo de raiva, bradou, colérico:
— Vocês, seus moleques malcriados! Vou dar-lhes uma boa sova, vocês me pagam!
A moça afastou-se quase a correr enquanto que nós pressentindo as intenções furiosas do professor, demos as pernas-pra-quê-te-quero, espalhando-nos, e ele, em sua fúria, não nos conseguiu alcançar.
Fomos rolar de rir na porta de minha casa, imitando a cena presenciada e representando-a com alegria. Só falamos nisso naquela noite. No dia imediato aparecemos em aula sérios e bem comportados. Colocamos o nome dela na lousa em letras bem graúdas. Quando ele entrou, pelo olhar dos alunos percebeu que todos já sabiam da cena desagradável do dia anterior.
Apesar de fazer-se de desentendido, nós não o poupamos. Todos os dias tínhamos uma forma de ridicularizá-lo indirectamente, colocando versinhos em sua mesa, relembrando a cena ridícula, até que por fim consegui o meu objectivo. Ele mudou de colégio, cansado do ridículo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 21, 2024 11:48 am

Nunca mais soube dele. Nas brincadeiras e traquinadas daquele tempo não dava conta da minha maldade, pois o fazia como quem pratica a justiça. Era minha maneira de ser, de protestar contra as disciplinas rígidas daqueles tempos onde não podíamos sequer ter opinião. Onde aluno era desrecalque para maus mestres. Arrependo-me disso hoje, e principalmente agora: ao chegar aqui, assim que pude demonstrei o desejo de retornar às actividades literárias, mandando reportagens para a Terra, e fui convidado a fazer um Curso de Responsabilidade. E quando ingressei no salão, para castigo meu, encontrei novamente como mestre a figura do Chicória!
Baixei os olhos tristes e encabulados. Gostaria de ter um buraco para, como a avestruz, enfiar a cabeça.
Talvez ele não se lembrasse de mim, talvez tivesse esquecido, mas minha consciência acordou viva, observando-lhe o semblante iluminado, a dignidade de sua figura, sua elevação espiritual.
Quis retirar-me. Não suportei o remorso e a vergonha. Ele olhou-me bem e caminhou para mim abraçando-me com alegria.
— Seja bem-vindo, prezado amigo. É com prazer que o vejo por aqui.
Novamente vamos aprender juntos.
A voz morreu-me na garganta. Olhei para ele, esforcei-me por controlar a emoção:
— Professor Amarante, hoje estou modificado. Reconheço os erros passados. Peço-lhe perdão pelo mal que lhe causei.
O professor olhou-me com ar alegre e algo malicioso; depois, abraçando-me, replicou:
— Não se preocupe. Sua brincadeira serviu-me de muito porque preciso contar-lhe o que sucedeu depois. No dia seguinte fui à casa dela, contei-lhe a verdade e acabamos por nos casar. Fomos felizes e você até que nos ajudou...
— Mas — repliquei encabulado — o senhor deixou o emprego por nossa causa!— Engana-se, meu filho. Pensava em casar e por isso arranjei emprego melhor, onde pudesse realizar o meu sonho; portanto, não se amargure por minha causa. Afinal, você era muito jovem.
— Sim, professor. Moleque eu era, mas hoje aprendi que todo mal que praticamos permanece em nós mais do que naqueles a quem atingimos, e por isso o carregamos até que possamos saná-lo. Espero agora aprender mais sobre responsabilidade, para que não venha a carregar mais o peso do erro E eu, que me candidatara ao curso aborrecido com a censura prévia dos futuros trabalhos que iria fazer, naquela hora abaixei a cabeça e, intimamente, firmei corajosamente o propósito de, com humildade, obedecer e aprender.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 21, 2024 11:48 am

APRENDIZAGEM
Estou voltando de um hospital da Terra. Não como paciente, mas como estudante. Há tempos que desejava visitar um, dentro das novas possibilidades e recursos de que, como fantasma, disponho.
Na verdade, a medicina por aqui é surpreendentemente diferente, e os médicos necessitam não só de conhecimentos da fisiologia na matéria densa como da dimensão da energia e da matéria quintessenciada. Isso sem falar dos dotes morais e espirituais, e dos conhecimentos no campo psicológico.
Entrei no hospital copiando a atitude a que me habituara no mundo, imprimindo ar patriarcal e simpático à fisionomia; contudo, o panorama inicial fez- me logo sentir como o tatu que saiu do buraco e a quem a claridade do sol cegou de repente.
A complexidade dos aparelhos e as actividades exercidas pelos enfermeiros mais simples do nosso plano pareceu-me desde logo completamente diversa de tudo quanto eu esperava.
Senti-me calouro de novo, ingressando na universidade. Na verdade, os leitos, os enfermos, a parte dos encarnados, vista deste lado, pareceu-me simples e quase inoperante. Não que eu queira desmerecer o trabalho dos que se dedicam à medicina no mundo; mas, observando o quadro real, percebi as dificuldades e limitações que os médicos terrenos encontram.
Nenhum paciente estava só. As companhias espirituais de cada um variavam bastante, e quantas vezes, pelo que pude ver, enquanto os facultativos procuravam restaurar as células físicas, os enfermeiros desencarnados atendiam os espíritos acompanhantes dos pacientes, em grande maioria em estado precário, tanto ou mais do que o enfermo encarnado.
Surpreendeu-me o hospital dos espíritos que coexiste com o dos homens, num trabalho admirável e profícuo.
Vocês sabiam? Pois é. Há salas de consultas, recepção, cirurgia, diagnóstico dos casos difíceis, recuperação, desencarne, aulas, preces, etc.
Fiquei maravilhado! Depois, aqui nós levamos algumas vantagens. Podemos espiar dentro do corpo dos pacientes encarnados. Ver o tumor, a lesão, o coágulo, tudo. Mas o difícil é botar isso na cabeça do médico encarnado que cuida do nosso doente.
É que, ocupados demais com seus estudos, muitos se esquecem de orar. Não é brincadeira, não. Se antes de trabalhar no consultório ou fazer a cirurgia eles se lembrassem de orar, talvez pudéssemos ajudar soprando o diagnóstico, coisa fácil para nós.
Mas como o plano é outro, nos esfalfamos em mentalizar a moléstia e muitas vezes ouvimos, decepcionados, um diagnóstico superficial e dúbio. Enfim, eles não sabem, mas as preces nesse local realizam verdadeiros milagres. Colocar-se em sintonia com os trabalhadores do além é recurso objectivo e eficiente.
Olhando todo este aparato, todos os recursos de aparelhagem, as centenas de criaturas que trabalham anonimamente deste lado para aliviar o sofrimento humano, sinto um nó na garganta. Ah! se eu pudesse!... Reunir os mestres na faculdade de medicina da Terra e fazer uma conferência! Mostrar-lhes tudo isto!
Tive muita vontade, mas, como por aqui tudo é diferente, fui logo advertido pelo meu cicerone:
— Não acha que eles devem descobrir quando chegar a hora?
Como sempre, rendi-me à sabedoria dos nossos dirigentes. Ao ver o trabalho desenvolvido por eles, do lado de cá, tudo quanto dispõem, a contribuição que fazem exemplificando abnegação e renúncia, envergonhei-me de usar o título de médico e ter acreditado que pudesse exercer a faculdade de curar. Afinal, fiquei melancólico, o que não é válido porquanto desejo transmitir alegria e optimismo.
Aquece-me o coração saber que nas enfermarias da indigência, enquanto os pacientes sofrem solitários e tristes, mãos amorosas e diligentes, corações afectuosos e amigos, operam a bênção da fraternidade e do auxílio.
O peito se dilata em felicidade e os olhos se enternecem em lágrimas de emoção.
Como Deus é bom! Como somos cegos!
Chegaremos algum dia a ter a bênção de ajudar?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 21, 2024 11:48 am

RODA DE SAMBA
Estava emocionado. Um encontro com as maiores expressões da nossa música! Há tempo aguardava uma oportunidade. Enfim, chegara.
Noite estrelada. Parque agradável. Luar expressivo. Coração aos saltos, dirigi-me com meu amigo Orlandino, velho companheiro do Salgueiro, ao local do encontro.
Violões ao luar. Nunca pensei que os fantasmas se ocupassem de serestas.
Mas ali estava a cena, real, viva.
Aproximei-me como extra que pela primeira vez penetra na coxia do teatro. Coração aos saltos, emoção no olhar.
Sentados no gramado, em bancos toscos sob as árvores, estavam vários compositores, cantando, tocando. Nunca o violão me pareceu tão plangente. Reconheci logo a figura elegante do nosso Ataulfo. Ah! Que beleza! Que emoção!
Meu companheiro, atencioso, procurava ilustrar-me, mas eu, na euforia do momento, perscrutava as fisionomias procurando identificá-las. Jacó do Bandolim, Pixinguinha, Nené da Mangueira, Reginaldo. Rosas, Augusto Calheiros, Lourival Faiçal e, que alegria!, tamborilando em pequena caixa, o nosso Ari! Era demais!
Vendo-me, levantou-se e, com sua costumeira alegria, abraçou-me dizendo:
— Eu sabia da sua vinda, mas não sabia onde você se tinha metido. Bem que o procurei. As novas da Terra sempre me arrepiam.
— Só que não são tão novas. Há 10 anos que deixei a velha casa. . .
Ele riu.
— Tanto tempo assim? Olha, precisamos conversar. É a primeira vez que você vem à nossa reunião. O Noel também quer te ver.
— Era um gosto o reencontro. O velho Ari continuava misturando as
pessoas no tratamento. O tu e o você, num jeito todo seu. A curiosidade era grande.
Eu tinha conhecido o Noel, de quem sempre fui admirador. Fora ouvi-lo nos
meus tempos de estudante em suas noitadas no morro do Pinto ou nas serestas
da Vila Isabel. Mas não o tinha visto por ali.
Ah! As surpresas da vida nesse mundo onde pela graça de Deus estamos agora... Arrastado pelo Ari, fui apresentado a uma figura de estatura média, rosto delicado, olhos que imediatamente reconheci: o velho Noel, Velho, modo de dizer, porque aparentava quando muito uns trinta anos pela cronologia terrena.
Abraçamo-nos. Permutamos ideias e novidades. Meu olhar não deixava o rosto modificado do Noel.
Estava tão diferente que minha língua irrequieta a custo se continha para indagar.
Noel, olhos divertidos, maliciosos, parecia perceber minha curiosidade, mas r de propósito, não explicava. Apesar do meu habitual caradurismo, estava inibido. A emoção era grande e eu temia ferir susceptibilidades quebrando o encanto daquela noite de magia.
Os violões continuavam, ora em novas serestas para mim desconhecidas, ora lembrando velhas modinhas da nossa querida Terra.
Conversamos sobre a música na hora actual, e tanto o Ari como o Noel revelaram-se muito bem informados do que vai pelo mundo.
— Veja você — atalhou Ari, entusiasmado — temos trabalhado, continuamos compondo e procuramos inspirar os atuais compositores. Veja bem, sentimos a necessidade da música universalista. Sabemos que na era actual, quando as distâncias foram anuladas, as influências se misturam, em permuta e fusão de harmonia musical.
— Ê verdade — considerou Noel, pensativo. — Mas, infelizmente não se fundem ou misturam apenas as músicas de nível superior. Também as que transmitem energia desagregante e carregadas de angústia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 21, 2024 11:49 am

O assunto era novo para mim. Rápido, indaguei:
— Então através da música se transmitem sensações?
— Claro — continuou Noel.
Sua fisionomia era doce e magnética, e eu não conseguia desviar o olhar do seu rosto misto do Noel que eu conhecera com outra pessoa.
— A música, como você sabe, transmite energias diversas através de suas ondas vibratórias, de acordo com seus graus de sonoridade, sua harmonização, sua estrutura melódica e até suas palavras na letra cantada.
— Quer dizer que, ouvindo, somos envolvidos por essas energias?
— Certamente.
— E o que você acha da música de hoje?
Noel sorriu, tranquilo:
— Você sabe, sempre houve música boa e música ruim em todas as partes do mundo. Até no campo da música chamada erudita existem aquelas que são verdadeiras explosões de angústia e de inconformismo, de paixão e de pompa.
Até de orgulho nós podemos encontrar elementos nessas composições.
Passou o olhar ao redor, observando a atenção com que o ouvíamos, e continuou:
— Ultimamente, nossa música vem sofrendo a penetração de energias inquietantes. O ritmo, sempre mexendo com a alma do nosso povo, a serviço de manifestações lascivas, despertando as baixas camadas do nosso sensualismo, pode empurrar-nos para a lubricidade. Daí para o alcoolismo, a toxicomania, o vampirismo, é um passo.
Apesar de, assombrado, quase não ousar interromper, perguntei:
— Você acha que o ritmo cadenciado do samba, das marchinhas carnavalescas, afinal, os ritmos alegres, possam prejudicar?
Ari interveio:
— Claro que não. Há ritmos e ritmos. A função dos ritmos alegres, quando colocados a serviço do optimismo na ingenuidade da musica que o povo canta nas ruas, é mensagem vibrante de alegria!
— É isso mesmo — concordou Noel. O mal está em usar o ritmo para chamar à tona nossas paixões inferiores, hipnotizando-nos nas formas de danças eróticas e vulgares.
— Compreendo. E não se pode fazer nada?
— Certamente. Você nos vê aqui e talvez ignore que o nosso objectivo em continuar a fazer música não é apenas para o nosso deleite. Compreendemos agora que a música é mensagem das mais importantes na educação humana e nos propusemos, com a permissão e ajuda de Deus, a colaborar para sua melhoria..
— Como assim?
— Preocupados com o rumo desagregante da nossa música, nos reunimos e deliberamos trabalhar para a sua modificação na Terra.
— Será por isso que há uma volta aos rumos antigos na tendência musical?
— Sem dúvida. A tendência da chamada nostalgia que anda pelo Brasil é fruto do nosso trabalho.
— Não que desejemos matar saudades regressando ao passado, mas relembrando as coisas boas para partir para outras melhores.
— A influência já se faz sentir. Há vários compositores jovens compondo música boa e que falam à alma sensível do nosso povo — concluiu Ari, com entusiasmo e olhos marejados de emoção.
Fiquei calado. Ataulfo cantava sua infância em Mirai. O céu estrelado, a quietude do bosque ameno, as figuras que, reunidas ali, impunham-me acentuado respeito.
E antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, Noel levantou-se:
— Agora é minha vez. Preciso mostrar algumas novas ao Ataulfo. Se você escrever para os amigos da Terra, não se acanhe. Pode contar que eu me livrei do queixo horrível que me deprimia. Fiz uma plástica. Você não acha que estou muito melhor assim?
Sofri, divertido, observando o brilho malicioso do seu olhar maroto e amigo. Minha curiosidade estava satisfeita.
A cada dia não me canso de dizer:
— Como Deus é bom! Que beleza é a vida, em todas as partes, onde quer que estejamos. Não concordam comigo?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 21, 2024 11:49 am

POR QUÊ?
Por que será que chove?
Se fizéssemos esta pergunta a um homem inteligente, ele nos viria com explicações de ordem científica, complicadas, com fórmulas químicas de transformações da matéria. Mas se a fizéssemos a uma criança, não temos dúvida de que ela responderia:
— Ora, chove porque chove, é só isso.
E não se preocuparia mais com o assunto, tratando certamente de resguardar-se dos pingos para não molhar-se.
E aí entro eu perguntando: quem deu a melhor resposta? O homem culto ou a criança? Quem conseguiu mais objectividade e maior senso prático?
Porque enquanto o homem se dava ao luxo de perquirir causas e examinar porquês, talvez se tenha esquecido da regra mais simples e facilmente constatável de que a chuva molha, e se tenha encharcado até os ossos, acabando com alguma pneumonia ou coisa pior.
Assim vamos indo sempre. Pretensiosos no saber, por vezes esquecemos de nos proteger e mergulhamos na água de corpo inteiro para, atónitos e aflitos, assustados e infelizes, aprendermos que deveríamos nos ter resguardado, evitando a intempérie. Pois é.
Não são só as crianças que, em sua ingenuidade, por vezes nos ensinam as lições da simplicidade, mas também a vida, através de mil exemplos e manifestações, de avisos e alarmes que, de tão repetidos, já deveriam estar dentro de nós, a fim de que nos preservássemos de suas consequências.
Mas não. Nós caminhamos distraídos, procurando fórmulas complicadas que gastam nosso tempo e nos impedem de ver o mais importante: a acção.
Certamente que não condenamos aqui as lentes da cultura nem os postulados da ciência, apenas queremos indagar dentro da dinâmica da vida o que é mais eficiente: saber para guardar ou para fazer?
É engraçado, eu sei que o fumo destrói meus ricos pulmões de carne, chego até a descobrir que eles ficam escuros e obstruídos com a nicotina, mas continuo ingerindo fumo e depois fico surpreendido e atónito se sobrevém a asfixia em simples gripe, um câncer ou até mesmo distúrbios mentais.
Eu sei que o fígado do meu corpo é uma célula vital e que, se ela morrer ou parar de funcionar, sobrevém a cirrose ou o câncer; sei que a ingestão de alimentos condimentados corrói as defesas das paredes abdominais, fermentando e produzindo úlceras, inflamações, viroses, câncer, que podem levar à morte; mas, com um sorriso nos lábios vou ingerindo álcool e intoxicando meu organismo para, assustado e surpreendido receber a doença como castigo injusto e imerecido.
Pois é. Chuva molha? Molha mesmo, e assim, melhor cobrir-se para evitá-la do que deixá-la encharcar-nos os ossos.
Sem falar ainda de outras coisas, de outros conhecimentos que a inteligência humana já descobriu e a ciência já constatou, que correm de boca em boca mas dos quais ninguém procura proteger-se. Tem senso isso?
Não. Não tem. O homem é ainda o ser mais complicado que já vi. Sem lógica e sem jeito. Por que será que só aprendemos quando nos molhamos por inteiro nas águas da experiência? Não seria mais fácil procurarmos não pôr a mão no fogo porque ele queima, não abusar da saúde porque ela é preciosa, não agredir os outros porque dependemos deles, não amontoar bens que não podemos carregar, não estabelecermos ilusões que a vida vai destruir, não pararmos na inércia para que a vida não nos empurre, não reclamarmos de situações que nos convidam à luta?
Experiência, experiência, experiência.
Por que chove? Chove porque chove, e a chuva molha mesmo.
Hoje consegui ensaio filosófico. Será que vou indo bem?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 21, 2024 8:20 pm

CURIOSIDADE
Ah! A curiosidade. Como é interessante.
Ela tem sido causa de muitas descobertas científicas, mas também tem sido motivo para muitas dificuldades e aperturas quando imprevidente e desvirtuada.
Ser curioso não é defeito, ao que me parece. Não que eu a esteja defendendo por ser particularmente inclinado a ela. Mas como não ser?
Quantas coisas desconhecemos? Quantas coisas existem ainda inexplicáveis para nós? Quanto fenómenos cuja causa não sabemos?
Ser curioso não é ser maldoso. O interesse pelo saber determina a própria curiosidade. Há mal nisso? Não. Ela é o impulso determinante do progresso.
Mas, cá para nós, há que se ter equilíbrio, há que se ter moral, há que conduzir-se com sabedoria. Contudo, ainda é difícil não resvalarmos para a bisbilhotice e o comentário leviano.
Em especial na minha qualidade de repórter- fantasma, que pode espiar os pensamentos de gente famosa, de homens públicos, de políticos, de figuras importantes do passado, gente que eu apenas conhecia através dos livros que estudei na Terra, de cuja intimidade posso agora privar, mercê de Deus e da maravilhosa condição de vida que agora desfruto. Apesar dos anos decorridos, ela ainda me parece incrível e fantástica. Já pensaram que tentação para mim e como é difícil não bisbilhotar? Não contar aos amigos da Terra, por vezes com a cabeça cheia de ilusões, divorciados completamente dos problemas eternos do espírito?
Quem não gostaria, por exemplo, de saber o que foi em outras encarnações?
Pois é. Nem tudo eu posso descobrir, mas algumas coisas já sabemos por aqui; onde estão reencarnados certos personagens históricos do passado.
Quem não gostaria de saber, por exemplo, onde se encontram os grandes lideres.de outras épocas, os Césares, e até Napoleão? Quem não tem essa curiosidade?
Ah! Se eu pudesse... A essa altura muitos estarão pensando que eu já estou ao par de tudo isso. Não é bem assim, mas que tenho curiosidade, lá isso tenho. Outros estão pensando: como será a movimentação dos artistas pintores que aqui trabalham essa noite?
Nesse ponto estou em melhores condições. É um ambiente que sempre me agradou, e, se ninguém espalhar, posso até contar que em outros tempos fiz
algumas incursões na difícil arte da pintura. Este pecado raros conhecem.
Contudo, é emocionante ver tanta gente famosa reunida.
Junto deles, sinto-me muito bem. Suas vestes coloridas e suas fisionomias personalíssimas deixam-me à vontade. Como se eu estivesse em enorme estúdio de cinema onde os artistas estivessem se preparando para vários filmes diferentes em épocas distintas.
Às vezes, quando me permitem, arrisco até uma entrevista com eles, colhendo material para o futuro. Digo para o futuro porque tantas são as personalidades, e de tal envergadura, tantos os problemas que ainda trazem que um trabalho desses precisa ser bem estruturado e redigido.
Tenho me sentido fascinado! Sabem lá o que é visitar o Moulin Rouge com Toulouse-Lautrec ao lado, contando detalhes, descrevendo personalidades e acontecimentos , com uma verve que admiro e que me delicia, e uma irreverência a que talvez eu não possa me permitir aqui?
Já pensaram, numa excursão à Florença, com Rafael ou Michelangelo, que conhecem cada obra exposta, que sabem cada segredo, cada adulteração, cada fraude que infelizmente existe nessas colecções?
Ah! a curiosidade! Terá alguma utilidade para mim saber tudo isso? Não será apenas bisbilhotice?
Não. Não é. Porque certamente nos oferece a medida exacta dos interesses egoísticos dos homens, das suas encenações e ainda nos dá um profundo sentimento de inutilidade de tudo isso, uma vez que tudo pode ser conhecido e toda fraude descoberta.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 21, 2024 8:20 pm

Isso tem me servido muito. Sabem por quê? Porque às vezes eu penso que estou na Terra. Ainda desejo impressionar e manter a aparência de um homem bom, humanitário, bem-humorado, seguro de si, que pode manejar a ironia com bom-humor e felicidade. Pobre vaidade que não me deixa.
Mas, cá para nós, quem poderia saber que coisas me estavam reservadas por aqui? Quem poderia imaginar a concorrência ou a convivência com expoentes da nossa literatura, como José de Alencar, Machado de Assis, Euclides da Cunha, Humberto de Campos, Gustavo Barroso, Waldemar Mesquita, isso sem falar de Poe, Bernard Shaw, Pirandello, Camilo e outros tantos que se cruzam connosco por vezes e nos deixam emocionados?
Vocês imaginaram viajar para Hollywood e encontrar pelas ruas os ídolos do cinema? Rodolfo Valentino distraído a conversar com Theda Bara.
Carmem Miranda sorrindo vir ao seu encontro, conversando como velha amiga, ou ainda Marilyn Monroe frequentando curso de terapia ocupacional?
Que tal, como se sentiriam?
Maravilhados, certamente, como eu que vivo cada minuto, cada instante dessa maratona extraordinária.
Que beleza! A vida continua. O passado, o presente se fundem. Estou feliz.
Sou curioso? Quem não é? .Será isso um mal? Não sei. Só acho que precisamos controlar a língua e evitar a maledicência. Afinal, todos queremos melhorar.
Mas saber será ruim? Por agora só posso perguntar, vocês não pensam como eu?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 21, 2024 8:21 pm

INÉRCIA
Às vezes fico encabulado pensando em certas coisas. Vocês não? Já repararam como temos medo das coisas novas?
Pois é. Nós cristalizamos conceitos, ideias, verdades que condicionamos como tais pressionados por mil forças, livros, cultura, cinema, meio ambiente, nível cultural, etc. Essas coisas todas, misturadas à nossa preguiça mental, criam caraminholas nas nossas cabeças e nós nos julgamos os donos da verdade.
Confesso e me penitencio hoje de ter sido assim. Que fazer? É duro mudar.
É tão gostoso pensarmos que somos equilibrados, que alcançamos grau superior de conhecimento quando, de peito inchado e olhos marejados, recebemos nosso canudo universitário.
Mudar! Como?!... Eu, já me graduei, já acabei os estudos. Agora é ganhar dinheiro, compensar os anos penosos de faculdade (sempre exageramos esses “anos penosos”) e valorizar nossa conquista.
Reformular conceitos? Alguém será louco de agir assim? Rever opiniões, estabelecer novas bases de vida, raciocinar, eu? Mas se os outros já fizeram isso por mim. Os génios já sofreram para nos legar a maior prova do progresso humano, digerível em súmulas e verbetes, nossa grande amiga a Enciclopédia.
Pois é. Pra que vamos nós arranjar problemas complicados, coisas difíceis?
Depois, a. nossa amiga Enciclopédia não exige nada de nós. Presta seus serviços graciosamente e não implica com nossa vida particular e moral.
Esse negócio de espíritos, que vêm falar sobre morte, que nos concitam à responsabilidade, que salientam deveres, mostram nossas falhas, não, eu não quero crer. Para quê?
Deixar de ser o homem culto, descer do alto da minha própria conceituação de pessoa privilegiada e erudita para tornar-me um servidor humilde do bem, trabalhando pelo semelhante, eu? Não. Eu não acredito não. Essa história de espíritos é puro engodo, vocês não acham? Afinal não convém mesmo acreditar. Vamos ficar como estamos. Mostrar meus erros é humilhante, ainda mesmo que seja apenas para reconhecê-los no âmago da própria consciência.Também pensei assim. Nós aqui compreendemos perfeitamente. Afinal, por que o homem da Terra haveria de querer enxergar? Já imaginaram como é bom sonharmos com as nossas próprias virtudes? Por certo nós não somos tão maus assim, e eu até me vejo candidamente com um aro luminoso ao redor da cabeça.
A realidade é outra? Não, não me diga isso se é meu amigo. Você me ofende. Bom mesmo é ficar como está, e só o futuro vai mostrar como é que fica.
Pareço decepcionado? Absolutamente. Esquecem- se de que viemos daí? E se as pressões por aqui não tivessem sido tão reais e convincentes, talvez até hoje eu continuasse com esse modo de pensar. Mudar, eu? Para quê? É isso mesmo. Por incrível que pareça, eu estou aqui, fantasma ignorado e inoperante, mas que já percebe certas coisas e finalmente aceita a ideia de mudar.
Estão surpreendidos? Pois é, eu também. Mas se alguém receia, eu posso dizer que a' alegria de saber, o prazer de conhecer, a beleza de encontrar, a grandeza de ser, de continuar a viver, de existir, compensa qualquer luta, qualquer esforço para acordar.
Se vocês vissem o que eu vi, vivessem o que eu vivi, pensariam como eu, Não acham que eu tenho razão?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 21, 2024 8:21 pm

BATE-PAPO
— Escravos somos todos!
Rebelei-me. Escravo, eu? Paladino da liberdade sempre me ufanei de haver sido. Afinal, temos livre arbítrio. Disciplina, eu entendo, é necessária, mas escravo, lá isso era muito forte.
Olhei a figura irrequieta à minha frente, curvada ainda na reminiscência de seu corpo de carne terreno, posição a que se habituara pelos muitos anos em corpo meio cervical.
— Alto lá — atalhei um pouco picado — Nem todos!
Ele sorriu com finura, lançando-me seu olhar maroto e penetrante.
— Por que não? Por acaso você é excepção?
— Nem tanto, mas protesto. A liberdade é a mais completa realização que o homem deve defender.
Ele riu, sua risadinha personalíssima:
— Então, você acredita em liberdade!
— Claro! —respondi sério.
— É. Liberdade. Você sabe o que é isso? Todos gostam dela, mas ninguém sabe o que é... Acreditam alguns que seja fazer tudo quanto desejem, sem peias nem obrigações. Você é desses?
— Claro que não. Como poderemos? Há pessoas que se aproveitariam para abusar.
— Ah! O abuso! O homem alguma vez deixou de abusar?
Calei, pensativo. Era verdade. O homem alguma vez deixou de abusar?
Não, ele sempre abusa. Abusa do fraco, do forte, do bom, do mau, do progresso, da guerra, da paz, do sábio, do ignorante, do erro, do ódio, do amor, da saúde, da doença. Na verdade, o homem nunca deixou de abusar.
Meu interlocutor olhou-me com olhinhos matreiros e penetrantes.
Casquilhou:
— Se você fosse o dono do mundo por algumas horas, com poderes de governador máximo, quais as providências que tomaria?
Cocei a 'cabeça, pensativo. Eu sempre gostei de política. Sempre sugeri soluções, usei a crítica bem-humorada, o dito jocoso despertando raciocínios.
Mas se eu fosse o governador do mundo...Deslumbrei-me. Quê beleza! Acabar com a fome, com a miséria, com o sofrimento. Vi-me sentado em vasta sala, presidindo reunião solene, rodeado de assessores, deliberando sobre os destinos do mundo.
Acabaria com a alegria dos déspotas e do ditadores, instituiria a paz a qualquer custo, apoiaria a medicina na profilaxia das moléstias.
Ah! Se eu fosse o governador! Liberdade nas prisões, transformaria o mundo em uma grande escola, cheia de alegria e de fraternidade.
Expus minhas ideias com entusiasmo. Toulouse colocou sua mão nervosa em meu braço.
— Muito bem. Você faria tudo isso. Então você estaria utilizando plenamente o seu direito de liberdade.
— Isso mesmo — concordei triunfante. — Eu seria um líder da liberdade no mundo e a daria a todos.
Os olhinhos dele riam como uma criança travessa, apesar do seu rosto se manter sério:
— E será que todos no mundo pensariam como você?
— Como assim? — objectei surpreendido.
— Isso mesmo. Você estaria sendo livre, mas e os outros homens? Estariam realizando também seus ideais de liberdade?
Calei, interdito. Ele prosseguiu:
— Para eles, a liberdade poderia ser fazer exactamente o contrário do que você deseja. E aí? O que faria? Iria obrigá-los a aceitar seu ponto de vista?
Não querendo demonstrar minha decepção, tentei consertar:
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 21, 2024 8:21 pm

— Não. Claro que não. Teriam liberdade para agir conforme desejassem.
— Mas então, seria você quem teria que mudar, agir diferente.
— É... — tartamudeei meio sem graça. — Afinal, eu nunca seria um bom governador mesmo. Melhor não tentar.
Ele sacudiu a cabeça, satisfeito.
— É isso mesmo. Antigamente, quando estava na Terra, eu pensava ter conquistado essa dama indomável. Podia pintar o que quisesse e muitas vezes ferir o preconceito rançoso dos dissimulados. Mas hoje, sei que mesmo na arte nós estamos delimitados pela forma, pelo conceito de vida, pelos cinco sentidos, etc. Afinal, de um jeito ou de outro somos todos escravos. Escravos das paixões, do egoísmo, do poder, da necessidade de afecto. Sim, somos todos escravos. Concorda?
Balancei a cabeça, contrafeito.
— Você é mestre em argumentar. Mas ansiamos pela liberdade. Esse conceito de escravidão não vai nos deixar deprimidos e pessimistas?
— É assim que você acha? Se não podemos ser livres por incapacidade nossa, somos empurrados para a depressão? Não é um conceito pouco louvável para com Deus, que dispôs tudo isso?
Esse Toulose Lautrec consegue embatucar-me. Eu, que sempre usei a verve com facilidade, sinto-me manejado por ele como uma criança. Mas confesso que me deixo levar com humildade, subjugado pelo seu magnetismo impressionante. Protestei:
— Não. Quem sou eu para criticar a Criação?
— Ora, meu caro. Quem é você? Um homem. Embora fora da Terra.
— É, mestre Toulose. Eu sou apenas um homem.
Cabisbaixo, senti as limitações que ainda tenho. Ele de repente pareceu-me galvanizado por energias novas:
— Um homem não é um rato!
Olhei-o surpreendido.
— Um homem não precisa ser cultuador do pessimismo quando há tanta beleza à sua volta, tanta glória a ser compreendida, tanto progresso a ser conquistado.
Vibrei de alegria. Ia pegá-lo agora:
— Você então acha que somos felizes?
— Não. Acho que nosso destino é a felicidade. Você já foi a outros mundos nesse espaço imenso? Já viu as cores, a luz, a energia disciplinada gerando campos de força e possibilidades de progresso com felicidade para todos? Já pensou que tudo isso nos pertence? Já pensou que é nosso por misericórdia e obra de Deus?
Entusiasmei-me. Realmente, a vida, o mundo, os seres, tudo é maravilhoso.
— Mas você não disse que somos todos escravos?
— E somos. Somos mesmo. Porque, tendo à nossa frente tudo isso, teimamos em colocar uma venda diante dos olhos e empacar feito mula de estrada que só a chibata no lombo consegue-se fazer caminhar.
Ri gostosamente. É uma delícia esse Toulouse. Poderia ouvi-lo durante horas. Peguei-o pelo braço e sussurrei-lho ao ouvido:
— Sabe de uma coisa? Você fez-me lembrar da última vez que empaquei e das duras pancadas que a vida me deu no lombo para que eu andasse de novo.
Olhe, para ser franco, acho que não deveríamos cogitar tanto de liberdade, ou de resolver problemas de filosofia. O bom, o prudente, seria mesmo não empacar. Andar devagar, com calma, com lentidão mesmo, mas andar. Com cautela para não errar o rumo nem o caminho, mas não parar. Será que assim poderíamos nos furtar aos açoites e suavizar nossas vidas?
— Não acham que é um bom tema para pensar?
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