LUZ ESPÍRITA
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O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 11:01 am

O mundo em que eu vivo
Zibia Gasparetto

- (Silveira Sampaio)


Índice
Prólogo

O Indiferente
O Jardineiro
O Viciado
O Sufrágio
O Porteiro
O Mestre
A Reconciliação
O Rebelde
A Experiência.
A Requisição
O Desencarne
O Recruta
O Recalque
A Calvície
O Arquitecto
O Juiz
O Romântico
A Teimosia
A Polidez
A Diferença
O Tempo
A Inspiração
O Apêndice
O Arquétipo
A Destruição
O Chefão
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 11:01 am

Prólogo
Sempre achei o bate-papo um entretenimento delicioso. O diálogo oferece ocasião a sentirmos o pensamento do outro, e o que é mais agradável, a exteriorização do nosso próprio pensamento. Por isso, sempre optei pela conversa a dois, ainda que em um vídeo de TV ou num palco de teatro.
Quando estava só, procurava, tal qual o menino solitário no faz-de-conta, o diálogo desejado e interessante representando o parceiro, fazendo os dois papéis.
E isso é uma delícia. Dar asas à imaginação, poder perguntar sem reservas, sem convenções, sem preconceitos, e colocar respostas na boca do outro. A tal ponto podemos chegar nesse jogo que às vezes somos surpreendidos pelas respostas inesperadas e interessantes.
Como fazemos isso? Talvez liberando lados ocultos do nosso inconsciente, porque se nós “não podemos ser” dessa ou daquela forma, falar isso ou aquilo, o outro pode, a responsabilidade é dele. Nossa censura não interfere. Podemos nesse jogo criar vários personagens diferentes. Vocês já experimentaram?
Claro que sim. Quem, na expectativa de uma entrevista importante de cunho profissional, sentimental ou até desagradável, já não imaginou com antecedência como ela se desenrolaria, colocando-se no lugar do interlocutor e criando o diálogo?
Mas, aqui, um prolongamento da sociedade terrena, fazemos a mesma coisa. Tanto nas colónias, ou cidades dos que estão mais ligados ao plano superior fora da faixa terrena, como nas proximidades da Terra, até na sua crosta, em meio aos encarnados e em suas profundezas no submundo, o homem é o ser do diálogo, da expressão, e não fala só através do verbo, mas de atitudes, de gestos, por vezes mais autênticos do que suas palavras.
Assim, eu amo o diálogo, adoro conhecer gente, aprender a enxergar dentro do ser humano. Continuei a procurar aqui, da mesma forma que quando encarnado, entrevistar, conhecer, dialogar, e embora não consiga ainda deixar de divagar, colocando respostas na boca dos meus personagens, constatei que às vezes a realidade, isto é, o diálogo a dois - onde cada um assume sua posição - supera a mais fértil imaginação.
Se na Terra nos deparamos com pessoas defendendo os mais incríveis pontos de vista, e talvez isso represente uma das belezas do nosso mundo terreno, aqui encontramos criaturas tão originais que tornam insignificantes as nossas mais ousadas fantasias.
Desde que fui liberado para entrevistar, e consegui material para reportar aos homens o nosso mundo fantasma, tenho consumido todas as minhas horas de lazer em procurar conhecer pessoas das mais variadas camadas sociais.
Como? Também aí, no além, existem camadas sociais? — perguntarão os mais beatos, sonhando com o dolce far niente da vida contemplativa, ou imaginando que sejam de imediato impostas aos recém-desencarnados posições definidas e irreversíveis.
Não é bem assim. O livre arbítrio continua a ser para nós uma determinante.
E a confusão que anda pelo mundo sobre tal coisa se deve por certo à imaginação um tanto fértil de cada um, que a seu modo idealiza a vida depois da morte.
Mas eu posso afirmar que o inevitável, logo de início, assim que regressamos, é contactar nossa realidade. Dada a natureza do nosso corpo espiritual, fora da densidade da carne, isso é o que acontece de pronto. Há também a materialização rápida do nosso pensamento, livre das barreiras carnais. Na Terra, pensamos e não vemos de imediato a acção da nossa mente, mas aqui, ao pensar, já percebemos a materialização da ideia. Essa diferença tem confundido os homens na Terra a imaginar coerção ou férrea disciplina. A escola aqui é outra. Quando voltamos e nos vemos tal qual somos, e, às vezes, o que temos sido em outras vidas, naturalmente nos chocamos. Se na Terra
fantasiamos a nosso respeito, procurando até artifícios subtis para nos enganarmos pelos caminhos da nossa mente, criando uma imagem que gostaríamos de ser e encobrindo o que somos, é óbvio que enxergar essa realidade temida e quase sempre não muito agradável provoca reacções dolorosas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 11:01 am

Aí então, nesse momento, o recém-desencarnado escolhe seu caminho. O amor divino, através de mãos compassivas, o espera na chegada, mas quase sempre ele prefere mergulhar na fantasia e, entre apelos da realidade que encontra a cada passo, atraindo desafectos de outros tempos e o desejo de fugir, perde-se nos umbrais da perturbação e do sofrimento. Mas, quando se decide realmente a aceitar sua realidade, então, pode ser auxiliado e outra vez tem possibilidade de escolher entre submeter-se à sábia orientação dos nossos maiores - aí a disciplina é obrigatória - ou continuar livremente ao sabor das forças que atraiu.
Mas eu disse tudo isso para que possam entender um pouco como se vive aqui.
Há sociedade, hierarquia, e em alguns lugares é interessante observar o comportamento de cada um. Com excepção dos planos mais altos, onde o equilíbrio é mais constante e as comunidades socializadas em alto padrão, há cidades onde as criaturas, mesmo convivendo em paz e preparando-se para voltar a reencarnar com proveito, conservam costumes adquiridos durante vidas consecutivas, que lhes é difícil modificar.
Assim, os que já desenvolveram o senso de beleza, e usufruíram de dinheiro na Terra, morando em residências bem decoradas, aqui construíram suas habitações com gosto e requinte. Vestem-se com apuro e bom gosto, e procuram ocupar-se com tarefas intelectuais ou condizentes com sua maneira de ser. E há os que, ao contrário, tendo tido suas últimas encarnações na pobreza ou ocupando posições mais humildes na sociedade, constroem suas casas sobriamente, com poucas acomodações, e procuram trabalhar nas ocupações mais modestas, que requerem menos esforço mental.
Estão admirados? Então não existe nenhum “Cinderelo”, que da noite para o dia sai do borralho terreno para o palácio do príncipe encantado?
Não existe. E explico por quê. Cada um escolhe o rumo que quer seguir. Assim como o mendigo não entra em um luxuoso magazine porque não se sente à vontade, ao chegar aqui ele tem poucas ambições, e o pouco já lhe parece muito. São fases de cada um. O duro é sair do luxo e renascer na pobreza, e isso pode acontecer, porque, às vezes, certos de que precisam alcançar o próprio equilíbrio, ao inverso da Cinderela, os príncipes resolvem nascer no borralho, e aí sim é que vão sofrer.
É que eles pretendem valorizar as coisas, e por isso necessitam sentir a necessidade de cada uma. Escolhem a mudança, e o que é fácil aqui, devido à visão mais real, torna-se difícil aí, onde se medem as pessoas pelas aparências.
Mas o livre arbítrio é mantido sempre.
Eu falava do diálogo e pretendia dizer que, circulando nessa cidade muito próxima da Terra, onde me é agradável estar, tanto que às vezes me parece estar ainda na carne, conheci pessoas interessantes com as quais tive os mais curiosos contactos e aprendi muito de suas experiências.
Antes que eu me esqueça, gostaria de esclarecer que o fato de estarmos muito próximos à Terra não significa que esta cidade seja uma região de acerbos sofrimentos, onde habitem espíritos infelizes e atrasados. Não! Isso é fantasia de cada um. Claro que há os agrupamentos dos desajustados. Mas, há também, tanto quanto na Terra, comunidades, que dentro do seu relativismo natural, trabalham e estudam, lutam e se esforçam para progredir, levando vida normal e operosa como grande parte da população encarnada.
O que há de estranho nisso? Se aí é assim, por que aqui não pode ser também, já que somos os mesmos?
É uma delícia poder travar relacionamento com o outro, e trocar ideias, renovar nossos conceitos ao toque das alheias experiências.
Assim como eu, que nas minhas horas de lazer gasto o meu tempo em busca de um bom bate-papo, pensando em escrever essas experiências, os outros também procuram, em suas horas de lazer, os lugares de sua preferência, conforme seus planos para o futuro.
Há os que pensam em voltar à Terra, e aqui todos pensam, procuram actividades que os ajudem a atender, ao reencarnar, o programa que idealizam.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 11:02 am

Há os que procuram estudar Direito, Filosofia, Política, leis dos países onde pensam renascer. Os que pretendem prestar socorro vão estudar Enfermagem, Medicina. Há os escritores, poetas; há os que procuram o comércio e a indústria, interessados em resolver seus problemas passados, contribuindo ou repondo os danos na Terra, construindo empresas que accionem o progresso e proporcionem trabalho, meios de subsistência. Há os artistas que procuram mergulhar cada vez mais nas maravilhas da natureza para levar aos homens beleza, alimento espiritual e, porque não dizer, alegrar, entreter, tornar a vida na Terra mais agradável e bela.
Nos múltiplos departamentos onde podemos circular em nossas horas de lazer existe sempre a preparação para a reencarnação, e em muitos deles há os aparelhos de testes, a avaliação das probabilidades que fariam inveja ao mais sofisticado computador do mundo.
E eu circulei por esses lugares maravilhosos, encantados, onde a realidade supera em muito a mais ousada fantasia do homem encarnado.
Tenho muitas coisas a contar das entrevistas que fiz, dos diálogos que travei, dos bate-papos amigos onde não coloquei palavras na boca do outro, mas ouvi, admirado e atento, curiosas ideias que eu jamais teria imaginado, experiências reais e objectivas dos inexplicáveis e fascinantes caminhos do psiquismo humano.
Vocês não acreditam? Pois eu prometo que voltarei para contar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 11:02 am

O INDIFERENTE
Era tarde de domingo e eu estava de folga. O céu azul e sem nuvens se estendia sobre a praça como na Terra! Que saudade!
Procurei alguém para dividir minha alegria. Um homem elegante, de certa idade, roupa distinta, sentado em um banco, lia um volume encadernado, com circunspecta postura. Aproximei-me, sentei-me a seu lado:
- Com licença - murmurei, já como início de conversa.
Ele balançou a cabeça e continuou a leitura. Não parecia disposto ao diálogo, mas eu estava curioso. Enviesei o olho para o livro tentando ver o título.
- Pirandelo - tornou ele, imperturbável.
Sorri. Há momentos em que me esqueço que se pode perceber o pensamento. Entusiasmado, retruquei:
- Maravilhoso! Gosta de teatro?
Ele levantou o olhar fixando-me sério através do pincenê. Tinha olhos inteligentes, fisionomia austera, como toda sua roupa.
- Não.
Fiquei desconcertado. Por que lia Pirandelo?
- Ah — fiz, sem saber o que dizer.
Continuou mergulhado na leitura. Se ele pode ler meu pensamento, pensei, por que não tento ler o dele? Assim, não o interrompo e saberei o que se passa. Mas, para surpresa minha, ele fechou o livro e disse:
- Quem é o senhor e o que deseja?
Senti-me desarmado. Ele era formal e não facilitava as coisas.
- Desculpe. Acho que perturbei seu entretenimento. Sou apenas um repórter, escrevo para os amigos da Terra e procuro conhecer as pessoas, relatar a vida aqui.
Ele olhou-me com firmeza:
- Não estou me entretendo. Já lhe disse que não gosto de teatro. Leio por necessidade.
- Ah!
- Já vi que sua curiosidade não nos dará sossego. Estou fazendo um curso de sensibilização. Devo reencarnar em breve. Se possível, dentro de um ano ou dois.
Interessei-me. Tentei ser amável.
- Na Terra fiz teatro, escrevi peças, admiro Pirandelo. Por isso interessei-me pela sua leitura. Depois, confesso, olhando o céu tão lindo, este jardim tão agradável, fiquei saudoso do mundo terreno... Precisava conservar com alguém, por isso sentei-me a seu lado; desejava um amigo para trocar ideias.
Ele alçou o olhar para cima, admirado.
- Não tinha reparado no céu. Afinal, que diferença faz?
Fiquei sem resposta.
- Se não aprecia o teatro nem Pirandelo, por que está lendo?
- Preciso. Durante toda minha vida na Terra, nunca me preocupei com o mundo que me cercava, nem com as pessoas que faziam parte da minha vida.
Era materialista. Cultuava o cifrão como Deus e o poder como consequência da inteligência bem aplicada. Desde a infância surpreendia meus mestres com a argúcia do meu pensamento e o desejo de progredir. Era sempre o primeiro da classe e não me satisfazia com menos. Graduei-me em Advocacia de maneira brilhante e, ainda muito jovem, utilizando o capital de meu pai e os recursos da minha própria capacidade, construí uma empresa que a cada dia crescia mais e mais, e veio a tornar-se a razão de ser de minha vida. Ao casar-me, somei o capital de minha mulher, moça rica e de sociedade, aos bens que possuía, e prossegui, sempre lutando para ser o primeiro, na conceituação da maioria, e cheguei à idade avançada entre a admiração de todos e a satisfação própria de ter em mãos a maior rede empresarial do meu país, sendo consultado por chefes de governo, estadistas, homens de negócios.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 11:02 am

Calou-se por alguns segundos, e observando que eu o ouvia com atenção, continuou:
- Eu era o líder, o homem que conhecia a fundo o mundo dos negócios e a astúcia de impor-se, encontrando soluções para as crises, saindo das armadilhas comerciais com atitudes inesperadas e inteligentes. Para isso eu governava com mãos de ferro. Colocara meu objectivo na conquista desse poder, e tudo quanto se dissociasse dele não me interessava. Todas as minhas forças, todos os meus actos, caminhavam para isso. Foi como um grande homem que fechei os olhos na Terra, homenageado por todos com honras e bandeiras, caixão espelhado por dentro, ricamente recamado de prata. Os jornais lamentavam em grandes anúncios a minha morte. As empresas mandaram rezar missas, apesar da minha condição de materialista, aproveitando-se de que eu não podia impedir. Pensavam salvar minha alma de herege.
Tirou o pincenê, passou um lenço em suas lentes e, recolocando-o sobre o nariz, continuou:
- Não o estou cansando?
- Absolutamente. Continue, por favor.
- É claro que dormi muito tempo entre pesadelos e mergulhos na inconsciência. As ideias embaralhavam-se em minha cabeça, e por mais que eu me esforçasse, não conseguia concatená-las. Eu, que aprendera a arte do raciocínio, desenvolvera técnicas de memorização, que estudara a fundo o comportamento das massas para poder manejá-las, que comandava tudo, não conseguia sequer dominar minhas ideias. Quando finalmente acordei, julguei que, por algum engano qualquer, ainda estava vivo, e que os médicos não estavam acertando com minha doença. Só uma coisa me apavorava: o caixão luxuoso no qual eu às vezes me via deitado como morto. Estava preocupado com minhas empresas e queria voltar para casa. Vi alguns enfermeiros que me queriam convencer a segui-los para um tratamento, mas eu não queria.
Precisava voltar aos meus negócios, e de qualquer forma. A situação era estranha. As ruas eram desertas, e por mais que procurasse um meio de transporte, nada conseguia. Para mim, a morte era o fim de tudo. Assim, eu não podia perceber que meu corpo tinha morrido e eu continuava vivo. Em meio a essa exasperação, algumas vozes vibravam no silêncio da minha mente.
Queixas e mais queixas, que me surpreendiam, e que eu considerava injustas.
Ouvia a voz de minha mulher repetindo:
- Era um egoísta. Só pensava nele. Eu tive de arcar com todos os problemas do lar e dos filhos sozinha!
Eu tentava argumentar:- Egoísta, eu? Sempre lhe dei respeito, dinheiro, posição, conforto. Por que egoísta?
Depois meus filhos, cada um por sua vez:
- Eu nunca tive pai. Sou órfão de nascença. Nasci num cofre. - Ou: - O dinheiro foi feito para gastar. Vou gastar tudo que o velho me deixou. - Meu pai jamais gostou de mim; tive de aprender a viver sem ele - e assim por diante, surpreendendo-me e deixando-me em triste estado de loucura. Foi minha mãe que um dia conseguiu arrancar-me da triste confusão em que me encontrava. Eu estava muito confuso para entender, mas foi um alívio descansar a cabeça no seu colo e poder gozar de um pouco de calma. Quando me viu melhor ela me contou a verdade, e eu, entre a decepção e o arrependimento, lutei para me ambientar. Novamente o desejo de progredir me acometeu, a vontade de estudar e conseguir resolver meus problemas, agora que eu já conhecia a destinação da vida. Apliquei-me tanto, que em pouco tempo tinha conquistado de novo a lucidez e a ligeireza do raciocínio. Estava ansioso para voltar à Terra. Mas não obtive permissão para reencarnar. O que consegui foi a participação em um grupo de socorro que atua 11a crosta e assiste os desencarnados em sofrimentos. Fiquei decepcionado, mas não tive outro remédio senão aceitar. O sofrimento sempre me incomodou, e eu fugia dele como o diabo da cruz. Mas o que fazer? Fui. Seria longo enumerar os casos que presenciei, os conhecidos que encontrei e o proveito que tirei desse trabalho, realizado sob a orientação de esforçados assistentes. Mas a surpresa maior me esperava quando obtive permissão para voltar ao lar. Tudo estava mudado. Meu filho mais velho, a quem eu colocara no mundo dos negócios, largara tudo e vivia de rendas, viajando pelo mundo como um cigano. O outro, de posse da herança que lhe coubera, gastara tudo e vivia afogando no álcool e na sarjeta o seu desprezo pelo dinheiro e por mim. Minha filha, casada muito cedo com um homem rico mas muito mais velho, abandonara o lar para viver sem eira nem beira.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 11:02 am

Minha mulher, esclerosada, entregava-se ao sexo sem disciplina, obrigando os filhos a interná-la em casa de saúde. E o mais incrível, todos me odiando, me acusando, me culpando.
Eu ouvia com atenção. Ele de novo tirou o pincenê, limpou-o pausadamente e prosseguiu:
- Fiquei revoltado. Eu pensava justamente o contrário. Enquanto eu estava com eles, tudo estava nos eixos; assim que ficaram livres, fizeram as besteiras.
Eles eram culpados, não eu. Desesperado, tentei dizer-lhes o que pensava, correndo entre eles, ora com um, ora com outro. Tudo inútil. Das empresas, do meu império, nada mais existia, transformadas e divididas por conceitos modernos. Foi em desespero que novamente minha mãe me arrancou da triste situação trazendo-me de volta para uma casa de tratamento. Fiz terapia com um assistente que me fez perceber o quanto me tinha omitido dos problemas dos outros. Eu jamais percebera o que se passava no íntimo dos meus familiares. Eu, que controlava as massas, não tivera percepção das lutas, dos sofrimentos, das necessidades da minha própria família. Foi então que compreendi que fracassara redondamente na tarefa de pai, de esposo, de filho, de irmão, de amigo e de homem de bem. Caí em depressão. Julguei-me um fracassado, mas fui amparado pela solidariedade e pelo carinho dos companheiros, que espontaneamente gastavam seu tempo para me animar, me ouvir e me levantar o ânimo. Senti que era isso o que devia fazer. Mas eu não tinha sensibilidade. Não percebia os problemas morais dos companheiros, e isso me dificultava muito. Assim, fui aconselhado a um Curso de Sensibilização.
- Ah! Que interessante...
- E uma das maneiras é a leitura de peças teatrais, onde analisamos os personagens e, depois, escolhemos um papel para representar em grupo.
- Terapia de grupo? - arrisquei, surpreso.
- É. Acho que é. Eu escolhi aqui um jovem menestrel, sem eira nem beira.
Quem sabe, ao representá-lo em nossa reunião, eu possa entender meu filho, que, como ele, leva uma vida irresponsável.
Olhei a fisionomia séria e severa do meu interlocutor. Conseguiria entender tal personagem? Eram tão distantes um do outro, estavam em campos opostos.
- Você acha difícil, mas eu vou tentar. Afinal, preciso progredir, melhorar. Agora deixe-me estudar, tenho um longo texto a decorar.
Concordei com a cabeça, agradeci e saí. Se eu estivesse na Terra, por certo acreditaria visitar um sanatório de doentes mentais. Mas, por outro lado, quantos estão ainda no mundo escravos não só do cifrão como do materialismo, da indiferença, da cegueira à beleza da vida?
Olhei o céu tão azul, senti a brisa suave, admirei o verde maravilhoso das folhas e senti pena dos que não podem ainda perceber a grandeza de Deus, do homem e da natureza. Não pensam como eu?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 11:03 am

O JARDINEIRO
Apesar de estar por aqui há bastante tempo, sempre me emociona olhar para um jardim florido e perfumado.
Hoje, sentindo a beleza da tarde em declínio, fico imaginando a cara assustada e surpresa dos amigos da Terra, se pudessem de repente passar uma vista de olhos por esta encantadora paisagem.
Parece-me ver o ar de incredulidade:
- Jardim no além, com campos, flores e tudo? Como?
E os mais detalhistas, denotando conhecimento:
- Onde encontrar terra no alto das nossas cabeças para plantar? Será que por trás de uma nuvem?
E os comentários dos “cientistas” e intelectuais, acompanhados da incredulidade e do riso, não me permitiriam mostrar-lhes a verdade.
Mas será mesmo verdade? Eu mesmo muitas vezes tive de beliscar-me para comprovar que estava vivo e acordado.
Olhando este jardim, sentindo seu aroma, a frescura de suas alamedas, posso assegurar que, não fossem algumas particularidades, como o brilho luminoso das flores e a delicadeza persistente e penetrante dos aromas, a leveza da brisa delicada, quase compondo música suave no ambiente, eu diria estar na crosta da Terra mesmo, num lindo dia de verão.
Mas não. Eu já desvesti a armadura de carne há anos e, agora, posso usufruir desta maravilha e aspirar longos haustos vitalizantes e extremamente agradáveis do ar deste jardim. Não acreditam? Que pena! Mas o que posso fazer senão contar que isto aqui é uma delícia e lamentar que não estejam comigo?
Apesar de tudo, a Terra é terra para nós e andamos nela, como fazíamos no mundo. Com tal naturalidade que nos esquecemos de perceber que, por uma decorrência do nosso novo estado, não mais temos nossos pés no chão poeirento do mundo. Estamos no Além. Além do quê? Além da imaginação.
Isto faz lembrar TV. Mas confesso que agora estou achando a imaginação do homem muito pobre. Se vocês soubessem o que se pode ver por aqui!!
E que aí o homem materializa parcela mínima do seu potencial. Tudo é mais difícil, dada a densidade material. Mas aqui, aquele que tiver criatividade e descobrir o jeitinho de utilizá-la, fará coisas do arco-da-velha, superando em muito a mais arrojada ficção do homem terreno.
Mas é assim mesmo. Dizem os nossos instrutores que, para aprender a utilizar-se de suas próprias forças e conhecer sua própria capacidade, é preciso experimentá-las. Há grupos que se dedicam às mais variadas e inusitadas actividades, e desde que respeitadas as leis sociais da comunidade e o direito do outro, têm liberdade de acção.
Na Terra há os clubes mais diversos; há quem pratique os mais inusitados desportos, coleccione selos, chaveiros, estátuas, postais, etc. Aqui também, embora a finalidade seja sempre aquela, principalmente nesta comunidade em que estou agora, de melhorar suas condições com vistas a vencer problemas das últimas vidas na Terra.
Não que viver aí seja mais importante do que viver aqui. Pelo contrário, porque aqui é que a vida assume seu carácter integral. Mas nascer na Terra é como ir a uma guerra, onde se pode matar ou morrer. Vencer ou fracassar. E pode-se até ficar perdido durante muitos anos no sofrimento e na dor.
Mas nós, aqui, reconhecemos que renascer na Terra representa uma boa experiência para aferir nossos valores e accionar nosso progresso.
As fases de vida que vivemos, do berço ao túmulo, favorecem nossa sensibilidade e revelam nossa força interior. Por isso é que há tanto interesse em preparar-se para reencarnar.
Há os que acreditam que devem exercitar tanto as virtudes até transformá-las em reflexos condicionados, de tal sorte que, na densidade da carne, elas se exteriorizem no momento oportuno.
Pena que às vezes, e apesar disso, as paixões e as lutas inesperadas fazem surgir, em vez delas, impulsos selvagens adormecidos, e o treinamento se torne inútil. Eu disse pena, força de expressão, porque sempre chega um momento em que a vida arranca o véu e a verdade de cada um se revela.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 11:03 am

Mas os jardins são lindos. Posso andar por suas alamedas e posso até dizer aos meus amigos incrédulos que a energia aqui criou para nós condições de vida tão reais que eles nunca me acreditariam.
Depois do jardim, o campo, e sentado à beira da estrada, um homem, enxada ao lado, pensativo. Aproximei-me alegre:
- Boa tarde.
- Boa tarde.
- Que beleza de lugar! Estou encantado com este jardim.
Ele olhou-me um pouco desconfiado. Querendo ser amável, indaguei:
- E o jardineiro?
- Sou. Trabalho aqui.
- Ajudou a fazer este jardim?
- Eu?! Não. Sou só ajudante. Tenho a incumbência de cuidar das plantas, tirando o mato e regando.
- Ah! - observei curioso. - Mato? Não tinha pensado nisso. Pensei que não tivesse mato por aqui.
- Por que não? Todo jardim tem mato.
Lembrei-me que a mentalização do nosso plano reflecte a experiência da Terra. Seria por isso.
- Deve ser muito agradável trabalhar aqui - tornei, com um sorriso. Ele deu de ombros.
- E o que me deram para fazer. Não me queixo. Sei que preciso submeter-me à disciplina. Preciso melhorar.
- Parece que não gosta muito daqui.
- Não é isso. Estou lutando para me acostumar. Mas se quer mesmo saber, gostaria de estar em outro lugar.
Fazer algo mais activo, mais dinâmico.
- Como assim?
- Isto por aqui é muito parado - levantou-se, olhos brilhando. - Na Terra, sempre morei na cidade. Sou da era moderna, do cimento armado, do progresso. Esse negócio de jardim, plantinhas e flores só é bom para criança, mulher e velho. Mas eu estou na melhor forma física.
- Pelo visto, não escolheu esta actividade.
- Bom, escolher eu escolhi, mas não por prazer. Sou da velocidade, do som e da máquina voando, a secura na boca, a ânsia, a emoção! Isso é vida!
- Eu estava admirado.
- E por que agora escolheu coisa tão diferente?- Por necessidade. Um dia, um defeito qualquer, uma pequena falha na máquina e o desastre. Fiquei como louco. Deixei o corpo aos 35 anos, em plena saúde física, uma jovem esposa, um filho de três anos. Foi uma loucura.
Minha mãe definhou até abreviar seus dias com insidiosa moléstia cardíaca.
Meu pai abandonou os negócios e entregou-se à depressão, bebendo de quando em vez para esquecer. Eu era o único filho homem e tinha uma irmã menor. A vida da família parou depois que eu parti. A esposa foi a única que refez a vida, desposando outro homem, me esqueceu. Fiquei atormentado. Não esperava encontrar o que encontrei. Estive muito doente. O estrondo da máquina ficou durante muito tempo na minha cabeça, e ainda hoje, tantos anos depois, quando me aborreço, o ouço de novo.
- Deve ter sido muito doloroso - aduzi, solidário.
- Foi. A mudança foi muito violenta. Experimentei anos e anos de loucura quando perambulei pela Terra querendo retomar o fio da vida que eu rompera antes do tempo pela minha loucura. Mas como você deve sabei; não era possível. Gastei vinte anos nessa atitude inglória. Queria ajudar minha mãe, aproximar-me dela, mas a via abatida; pedir perdão a meu pai, mas, também, só conseguia afundá-lo mais na depressão. Odiava minha mulher; a quem culpava de traição, e várias vezes ataquei meu rival, provocando-lhe medo e às vezes até impotência. Mas Celeste, minha ex-mulher, suspeitou da minha presença e foi a um Centro Espírita. Tentei impedi-la. Sentia um medo horrível, não sabia do quê.
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O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 11:03 am

Quebrei o carro dela, levei amigos a sua casa na hora de sair, tudo inútil. Ela foi. Lá eles a receberam com carinho e, para minha surpresa, deram-lhe razão, não a consideravam adúltera. Revoltado, notei que eles não mais aceitavam minha influência e passaram a viver melhor.
Um dia, eu também fui lá tomar satisfação, exigir o que eu achava de direito.
Minha mulher me tinha traído. O rival abraçava meu filho como dele, e eu estava esquecido. Percebi que havia uma pessoa que sentiu minha presença e aproximei-me dela. De repente recobrei as forças, como quando estava na carne. Foi uma sensação de desafogo. Pude gritar minha dor, a desilusão, a revolta, o desespero, meu drama. Reclamar meus direitos. Mas, então, alguém conversou comigo, falou-me da vida eterna, do bem, da necessidade de perdão. Orou por mim, e bendigo a hora que aquele coração generoso me amparou. Chorei. Senti que por um capricho jogara fora minha vida, vi minha infância tão querida, os pais que tudo me deram, a jovem que me deu toda sua ternura, que suplicava que eu abandonasse as pistas de corrida e orava sempre enquanto eu arriscava a vida inconsequentemente. Senti que ela tinha o direito de amparar-se e a meu filho no amor de alguém que pudesse conduzi-la pelos caminhos do mundo, já que eu a abandonara pela minha leviandade. Vi meus erros, arrependi-me sinceramente. E, no aconchego daquela casa humilde, onde eu encontrara alívio e socorro, pedi para ficar.
- Fez ligeira pausa, e vendo-me atento, prosseguiu:
- Durante mais de dois anos assisti às palestras de Evangelho, às sessões mediúnicas, onde vi e aprendi muito com a experiência dos outros. Aulas sobre a vida espiritual, e a cada dia mais e mais percebia e extensão dos meus erros. Quis ajudar, fazer alguma coisa, então os nossos instrutores me aconselharam a vir agasalhar-me aqui nesta comunidade para preparar-me para uma nova encarnação.
- E por isso está aqui.
- E. Mas não sei quando poderei voltar. Sabe, eu sou ainda muito dinâmico.
Quero fazer tudo depressa. Tenho de desenvolver a paciência e a calma. Viver cada minuto. Aprender a valorizar a vida.
- Faz tempo que cuida do jardim?
- Cinco anos. Mas confesso que ainda não consigo ver a beleza que você vê.
Acho tudo monótono. Nada acontece.
- Olhei aquela maravilhosa manifestação de vida, cheia de cores, perfume, movimento, acção, beleza. Por que ele não conseguia ver? Como mostrar?
Calei-me. Com ar triste, ele completou:
- Eles me disseram que esta experiência me faria bem, e eu quero melhorar.
- Por quanto tempo ainda ficará aqui?
- Acho que tão cedo não sairei. Tenho um canteiro onde devo cultivar meu próprio jardim. Mas acho que não tenho jeito pra coisa, porque me esforço, planto, mas ele não vai pra frente, e as pragas, as doenças, dizimam tudo.
Enquanto não conseguir que elas vicejem, ficarei por aqui experimentando.
Afinal, o que eu quero mesmo é voltar à Terra e não escorregar - sorriu parecendo animar-se. - Agora vou voltar a trabalhar.
Sobraçou a enxada e se foi, balançando seu corpo forte e passando a mão pelos cabelos revoltos.
Olhei a paisagem bucólica e agradável. Será que se eu estivesse ainda na carne poderia enxergar?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 8:07 pm

O VICIADO
As grandes aventuras da vida começam, por vezes, impensadamente. O gesto inesperado, o momento imprevisto, a ocasião especial, e eis que mergulhamos sem pensar na maratona das sensações, na experiência viva dos sentimentos.
Será isso uma decorrência da nossa imprevidência? Ou será a ânsia de mudar, de crescer ou de experimentar? Não posso dizer porque até agora ainda não consegui entender. Observando certos casos por aqui, fico a pensar por que uma pessoa racional, instruída, aparentemente equilibrada, consegue enveredar pelos difíceis caminhos dos vícios que por certo conduzem ao desespero e à loucura.
Vocês estranham meu modo de falar? Se tivessem visto o que eu vi, iriam por certo compreender.
Na verdade, se o drama das drogas destrói o equilíbrio físico e acaba cortando a própria vida na Terra, o caso se torna mais grave depois que o espírito, livre do corpo, continua preso e dependente dos alucinogénios. Vocês sabiam que, nesse processo, o cérebro consegue embaralhar as imagens, subvertendo a ordem natural que estabelece a memória e a lucidez e, por isso, na mente do corpo espiritual as imagens e os fatos de vidas passadas se misturam ao presente, ocasionando a loucura?
Vocês já imaginaram anular a bênção do esquecimento do nosso passado mais remoto e rever passagens difíceis? Fico arrepiado só de pensar...Explicou-me um assistente amigo, habituado a socorrer esses casos, que o primeiro engano do viciado é que ele sai para a aventura da “viagem” a outra dimensão, mas ignora que essa dimensão seja dentro dele mesmo, numa introspecção que não seria tão dolorosa se nosso passado fosse equilibrado, mas que pode ser, e sempre é, apavorante. Vocês sabiam que à medida que se toma maiores doses é que se mergulha mais e mais nas profundidades do tempo?
Estou falando sobre isso porque fui convidado para visitar um campo onde se recebem esses espíritos para recuperação.
E um lugar maravilhoso, muito sol, muito verde, muitas flores. Só destoam do lugar os homens pálidos e as mulheres esquálidas, que transitam por ali amparados por enfermeiras diligentes e atentas, muitos deles parecendo em estado de hipnose. Confesso que me comovi, porque a maioria não aparenta ir além da casa dos trinta anos. Alguns, já melhores, olhos tristes, guardando ainda a palidez, mostravam no rosto macerado um ricto de amargura.
Com a devida permissão, saí para um giro pelo magnífico jardim, desejoso de buscar respostas para as indagações que me acudiam à mente. Afinal, de quem era a culpa?
Alguém deveria ser responsável pelo mergulho de um jovem, de um ser humano, no drama doloroso do vício. Tive a atenção despertada por um moço, olhos inteligentes, cabelos castanhos e revoltos, que sentado frente à pequena mesa em delicioso recanto, escrevia em um caderno. Seu rosto sério denotava concentração. Fiquei observando-o um pouco, depois aproximei-me com gentileza.
- Bom dia. Gostaria de falhar-lhe alguns minutos.
Ele olhou-me com certa indiferença:
- Sobre o quê?
- Com licença. Vou sentar-me aqui. Sou repórter, escrevo para os amigos da Terra.
- Ele olhou-me com certa incredulidade:
- Da Terra? Que eu saiba não há correio para lá. Eu mesmo até agora não consegui corresponder-me com ninguém.
- Sorri.
- Acho que não soube me explicar. Eu escrevo para a Terra através de um médium. E um correio maroto, mas não dispomos ainda de outro recurso.
- Isso é bobagem. Nunca acreditei nessas besteiras de Espiritismo.
- Não quero convencer ninguém, nem falar sobre Espiritismo. Mas acredite, é através de um médium que eu me correspondo com a Terra.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 8:07 pm

- Isso me parece muito fantasioso.
- Mas não é. Você sabe que quando chegamos aqui, todos desejamos contar a eles o que nos aconteceu. O que é difícil, porque a maioria não consegue nos ouvir. Mas há os que são dotados de sensibilidade apropriada, e quando conseguimos permissão e sintonia, podemos transmitir nossas ideias e notícias.
- E tem conseguido?
- Tenho. Por isso estou aqui. Gostaria de contar a eles como é a vida do lado de cá, ilustrando com casos reais.
- Ele ficou pensativo, rosto entristecido.
- Para quê? Só podemos contar tristezas. A vergonha não nos permite desnudar nossos actos passados.
- -Vergonha? Eis um sentimento doloroso que não ajuda em nada.
- É, mas não posso evitar.
- Olhei-o e me comovi. Era um belo jovem, alto, rosto bem-feito, olhos expressivos.
- O erro pode levar-nos ao enriquecimento do espírito pela experiência vivida. Só a dor amadurece e imuniza para o futuro.
- E verdade. Mas veja bem, quando eu estava na Terra ouvi várias teorias para explicar o mergulho nas drogas. Todas nos colocavam na posição de vítimas sociais, e atiravam a responsabilidade nos outros.
- Como assim?
- Uns, porque os pais eram separados, ou não viviam bem, outros porque não eram aceitos pelo meio, outros porque tinham traumas da infância. Havia até os que achavam que esse trauma viera do tempo da geração do corpo, e havia também os que falavam em QI superior à média como causa do desajuste.
Interessado, inquiri:
- E você, o que acha?
- Eu acho que não somos vítimas, mas responsáveis. Durante muito tempo usei esses conceitos como escudo ou pretexto. Explorei-os ao máximo. Tirei proveito deles despudoradamente.
- De que forma?
- Veja você o meu caso. Filho de pais amorosos, compreensivos, amigos, classe média alta, apesar de ter mais duas irmãs, tinha tudo. Afecto, atenção, boas roupas, frequentava bons ambientes, bom colégio. Além do quê boa aparência, saúde, era o que se podia chamar de bonitão. Mas mesmo assim, sem trauma nem desgosto, entrei na aventura.
- Como foi? Alguém o induziu?
- Ele olhou-me com certo ar irónico.
- Vê! Você também procura atenuantes. Acha que eu forçosamente teria sido influenciado por algum traficante ardiloso. Entretanto, por incrível que pareça, nem essa defesa eu tenho. Acho que fui arrastado pelo meu orgulho, pela vaidade. Só eu tenho culpa, só eu sou responsável pela minha derrocada. A primeira vez que vi um grupo de jovens fumando maconha eu tinha treze anos.
Vi-os, sob o efeito da droga, realizar proezas, principalmente com mulheres.
Quis experimentar, e me lembro que eles relutaram. Eram mais velhos e várias vezes me alertaram. Diziam que eu era criança e que era melhor não começar.
Mas eu, cada dia, ficava mais atraído. Até que um dia consegui. Inútil dizer que a experiência não foi muito agradável, mas foi excitante, e eu continuei, guardando comigo a intenção de usar apenas algumas vezes e largar. Eu achava que era forte, e se quisesse largar, largava. Mas acontece que não larguei. No começo tudo era novidade, e eu gostava da euforia que me fazia sentir como um semideus. Guardava a impressão que conhecia mais do que os outros. Era superior. Porém, com o tempo, a dependência, o orgulho sufocando o medo, a necessidade sempre maior, as picadas, a falta de dinheiro, o abandono da escola, os truques para com seguir a droga, o mercado abominável do qual você acaba participando, o horror, o medo, o irreal tomando o lugar do real, as alucinações, a perversão dos valores, os psiquiatras que a família coloca em nosso caminho, onde comparecemos como vítimas, porém sem vontade real de sair da dependência. Depois a loucura, o terror, a morte, e aí então o mergulho na lucidez, em meio às hediondas crises que não se pode minorar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 8:07 pm

- Há quanto tempo está aqui?
- Há quase dez anos. Agora estou melhor. As crises ainda aparecem, porém eu as aceito com paciência. E a única forma de eliminar os resíduos da intoxicação passada e de reequilibrar meu sistema nervoso.
- Pelo que vejo, tem progredido bastante.
- Não tanto. A solidão é dura, e eu não sei ainda por quanto tempo terei que suportá-la. Tive tudo e joguei fora. Lar, amigos, amor, carinho, posição, tudo.
Deixei a Terra aos 35 anos, depois de arrasar com a alegria dos meus. Agora não quero perturbá-los mais. Preciso recuperar-me. Depois que estiver bem, quero trabalhar muito para torná-los felizes. Mas, para isso, já fui informado que terei de reencarnar na triste condição de orfandade. Tudo me será dificultado para que eu aprenda a valorizar o que atirei fora.
- Olhei-o com respeitosa admiração.
- -Vejo que é corajoso. Acho que vai conseguir.
- Eu espero, apesar de saber que serei portador de disritmia cerebral e de algumas imperfeições neurológicas. Coma graça de Deus, ainda tenho algum tempo para melhorar, e espero que essas deficiências até lá possam ser minoradas.
- Olhei-o com admiração.
- O que gostaria de dizer aos jovens da Terra?
- Que assumam a responsabilidade de suas vidas. Que não atirem o peso das suas fraquezas sobre os outros, principalmente sobre os pais, que já lhes deram a oportunidade de viver! E que lutem, lutem mesmo, contra o orgulho, a pretensão, o desejo de ser o melhor, de saber mais. Tudo isso é ilusão. Nossa força está em resistir ao mal, não em utilizá-lo. Ainda um lembrete. As leis de Deus são muito velhas, antigas, mas representam a perfeição e ensinam a verdade. Que eles as estudem, essa é a verdadeira força. Agora eu sei. Se me permite, vou continuar a escrever.
Afastei-me. A vida também é uma grande aventura. Eu não esperava, ali, aprender o que aprendi.
Olhando aqueles rostos lívidos que passavam por mim, alheios à beleza da vida, senti a consoladora certeza de que um dia, enriquecidos e serenos, à luz da bondade e do amor de Deus, eles também serão felizes.
- Não acham que a vida é maravilhosa?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 8:08 pm

O SUFRÁGIO
Vocês já ouviram falar em sufrágio? Certamente que sim. E até uma palavra bastante usada na Terra. Mas, aqui onde eu vivo, nesta dimensão, soou-me um tanto estranha.
O povo aglomerava-se na praça, e segundo pude observar, era isso mesmo.
Haveria um sufrágio.
Bem, aí eu quis ver como era isso. Pensei que votação, política, eleições, só existissem em nosso querido mundo, e me recordo dos políticos, suas disputas, seus comícios, sempre tão pitorescos.
Apressei o passo, porque não queria perder nada. Fiquei pasmo. Um palanque fora armado no meio da praça, e lá, um grupo de pessoas assistia e ouvia a um homem que, do palanque, rodeado por correligionários, falava com fluência e entusiasmo.
Parei e procurei entender o que ele dizia. Ao largo do palanque, na parte inferior, um cartaz com os dizeres: Alistamento. Fiquei curioso. Alistamento para quê? Mas o melhor seria mesmo ouvir o que ele estava dizendo:
- Meus correligionários. E preciso ser previdente. E preciso pensar no futuro, no nosso futuro. O que nos espera? A vida na Terra, sem apelação ou revolta. Todos nós um dia vamos enfrentar a dor de renascer! Os tristes meses da elaboração do novo corpo, as limitações do desenvolvimento na infância.
Quem não se recorda com horror dos- momentos terríveis que vivemos, ficando na dependência dos pais da Terra, que jamais conseguem perceber do que precisamos ou o que nos é necessário? Eles nos conduzem à insegurança, aos erros de outras vidas, ou truncam nosso programa tão exaustivamente elaborado antes do nosso nascimento! Não!... Enfrentar nova vida na Terra, não!! O túnel estreito do esquecimento, enfim, quem ainda se sente com tanta coragem?
Eu estava intrigado Jamais vira a reencarnação por aquele ângulo. Fiquei um pouco assustado, e confesso que um frio me passou pela espinha. De facto, a reencarnação é problema sério. Ele continuava:
- Sem falar dos professores nas escolas, que nos fazem perder um tempo enorme com coisas sem importância, que somos forçados a engolir porque estamos contidos em um corpo ainda em adaptação. E, depois, quando poderíamos estabelecer um lar conforme as nossas necessidades espirituais, tem sempre um amigo, um “parente” ou mesmo os pais que nos confundem as ideias ainda embotadas e nos induzem a um casamento “conveniente” à moda da Terra. Chega! Basta! E nem para morrer temos paz. Existe o médico que ainda não conhece as nossas reais necessidades e nos mata, querendo ajudar a viver; às vezes acha que está sendo misericordioso “aliviando” a dor, apressando o desenlace. Sem falar das piadas e gracinhas nos enterros, sem nenhum respeito ao nosso desvalimento, ali, expostos no processo de desembaraçarmo-nos das carnes que vestimos. Não. Agora tudo será diferente.
Se votarem em mim, eu saberei como ajudá-los nesses transes. Minhas ideias não podem falhar.
Eu estava tão admirado que queria descobrir o que significava tudo aquilo.
Aproximei-me de um senhor que na entrada do palanque ouvia embevecido e perguntei-lhe em voz baixa:
- O senhor pode dar-me um pouco de atenção?
Olhou-me admirado e tomou:
- Psiu. Não vê que agora é impossível?
- Olhou-me de tal forma que me senti como um criminoso. Afastei-me para um canto, mais disposto a obter a informação desejada. Uma senhora ao lado pareceu-me simpática, e arrisquei:
- A senhora poderia dar-me um pouco de atenção?
- Claro - tornou ela, olhando-me com ar tranquilo.
- O que está acontecendo aqui?
- É um comício.
- E. Isso eu já percebi. Mas vai haver eleições?
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O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 8:08 pm

- Ela sacudiu a cabeça, interdita.- Acho que vai.
- Interessante. Para quê?
- O senhor não sabe?
- Sacudi a cabeça negativamente, e ela continuou:
- Bem, a história começou há alguns anos e agora parece que chega a um ponto importante.
- Como assim?
- Nosso orador, em sua última encarnação, foi político na Terra, onde conseguiu realizar carreira brilhante que o teria conduzido ao posto de chefe da Nação se ele não tivesse usado mal sua força de persuasão. Contam aqueles que o conheceram no Brasil que quando falava empolgava as massas e conseguia sempre ganhar as eleições. Era o rei do sufrágio. Esse foi o apelido colocado por alguns oposicionistas das suas ideias. Porém, quando chegou aqui, sentiu-se triste, e a vida lhe parecia muito vazia; então resolveu criar um partido. A princípio ninguém lhe deu atenção, mas depois, aos poucos, o povo foi-se aglomerando para ouvi-lo, e suas ideias começaram a ter adeptos. Luta por uma reencarnação mais humana e por mais equilibrados.
- Não me contive e perguntei:
- Ele tem oposição? Se vai haver eleições, para que será?
- Não sabemos ainda se vai haver, mas vendo que ele conseguiu aglutinar forças e muitos o seguem, outros também começaram a fazer comícios, e assim as ideias começaram a tomar corpo.
- Eu estava curioso.
- De que forma?
- Por exemplo: há um outro político que não concorda com ele e prega uma reencarnação mais realista, onde se possa aprender mais. Para isso, acha a dor elemento indispensável quando diz: “O que são alguns anos de dor na Terra se com eles alcançamos nosso objectivo com mais rapidez?”.
- Acho que tem poucos adeptos - arrisquei, na convicção do comodismo que trazemos.
- Até que não. Sabe, aqui tudo se nos apresenta fácil e simples. O difícil é lá.
- E mesmo. E as autoridades, o que dizem?
- Consentem que se exercitem como treinamento.
- Ah! - fiz, pensativo.
- Nosso homem continuava veemente:- Se votarem em mim, eu prometo que darei cobertura a todos os passos que derem quando da próxima reencarnação na Terra. Eu e meus correligionários estamos treinando assistentes para acompanhá-los. E uma garantia à realização dos nosso objectivos e do sucesso da nossa reencarnação. Quem poderia oferecer o mesmo? Enquanto outros acenam com a dor, o sofrimento, eu aceno com uma reencarnação melhor orientada, supervisionada, pois meus técnicos sabem inspirar pensamentos com perfeição e irão envolver todos que forem responsáveis por cada um. Assim o sucesso será garantido.
- Alguém gritou:
- Quem nos garante que você também não irá renascer?
- Ele respondeu seguro:
- Fui informado que minha presença ainda é necessária aqui por dois séculos, mas se houver uma modificação, qual será minha garantia senão meus homens, dedicados amigos que tão bem quanto os senhores poderão assistir-me? Se eu tivesse de reencarnar amanhã, me entregaria sem medo, com meus homens na retaguarda!
- Muito bem! Muito bem! Apoiado!
- Foi aí que reparei na sua fisionomia, e a luz se fez em minha mente. Claro, quem poderia ser senão ele? Olhei e vi a um canto conhecido amigo espiritual que observava calmamente a cena. Aproximei-me dele, e depois das saudações de praxe, indaguei:
- Continua o mesmo, ainda aqui?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 8:08 pm

- O que quer, meu amigo? - respondeu-me ele, sorrindo. - Afinal, tudo continua.
- Mas ele está prometendo coisas que não vai poder cumprir.
- O que fazer? Sempre há os que querem ouvir e esperam que os outros façam o que lhes compete.
- Como assim?
- O esforço da evolução. A modificação. Assim como há os que pretendem buscá-la com o menor esforço, através de favores dos políticos, copiando os vícios que mantinham na Terra, há os que se prevalecem disso, explorando a brecha, para tentar manter sua posição de poder e de domínio.
- Olhei admirado o nosso orador sendo abraçado e cumprimentado pelas pessoas presentes e a fila que se formava ao lado, perto de uma pequena mesa, onde um correligionário anotava os nomes e as adesões, procedendo ao alistamento.- É incrível - comentei, admirado. - Apesar de tudo, ainda consegue obter adeptos.
- O assistente ponderou, calmo:
- Esse é um dos seus talentos.
- Isso não preocupa nossos directores? Não irá ele conduzir essas criaturas ingénuas a novos erros? Alguns poderão tomar-se fanáticos.
- É. Mas os líderes também evoluem. Assim, os que desenvolveram o próprio carisma, e o usam em proveito próprio, nada mais fazem senão aprender para o futuro.
- -Ele?
- Também. Alicia pessoas para sentir-se poderoso sem perceber que assume a responsabilidade quanto ao futuro delas.
- Mas quanto ao sufrágio, vai ou não acontecer?
- Depende deles. Se resolverem fazê-lo, é um direito que nossos maiores reconhecem e não vão impedir.
- E se ele quiser realmente supervisionar as reencarnações?
- O assistente sorriu, alegre:
- Seria uma maneira de eles aprenderem. Quantas vezes corremos atrás de um objectivo e a vida nos conduz a outro? Cada um tem o direito de experimentar para aprender. E, depois, meu caro amigo, que melhor maneira de reconduzir ao caminho do bem aqueles que desviamos senão trazendo- os ao nosso convívio e sob nossa orientação?
- Fiquei pensativo.
- Quer dizer que os líderes continuam líderes sempre?
- Certamente. A não ser quando eles mesmos, por abusos, se tornam temerosos e pleiteiam reencarnação, onde se lhes bloqueia essa característica.
- De que forma?
- Nascendo como idiotas ou excepcionais, o que algumas vezes é motivo de muito sofrimento, porquanto o grupo que estava ligado a ele continua a assediá-lo mesmo assim.
- Senti um arrepio de horror. Não, eu não dou para a política. Meu temperamento é outro. O assistente concluiu:
- Não se preocupe. Depois de uma reencarnação dessas quase sempre retomam à liderança e, mais equilibrados, tentam ajudar os que a ele se ligaram. As promessas formam vínculos que só se rompem à medida que vão sendo cumpridas.- Olhei o grupo que se movimentava ainda, com mais respeito. Afinal, o sufrágio é coisa muito séria mesmo. E, pensando bem, considerando minha última vida na Terra, minhas andanças do lado de cá, não escolhera um grupo para me alistar? E você, meu amigo, já pensou em que grupo está sufragando?
Ou será que o nome a ser sufragado é o seu?
- Essa história de sufrágio deu voltas à minha cabeça, não acham?
- Sabem de uma coisa? De agora em diante, por via das dúvidas, vou votar no nome certo. Sabem qual o meu candidato? E o J.C., sem dúvida. Não acham que assim estou seguro?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 8:09 pm

O PORTEIRO
Ontem foi domingo e eu aproveitei para ir a um museu. Sim. Aqui também descansamos aos domingos e buscamos a recreação como derivativo dos problemas do quotidiano.
Não acreditam? Acham que fantasma não tem mais problemas? Enganam-se, por certo. Eles nos buscam o coração, em todo lugar, fazem parte de nós, e aqui se tomam mais evidentes.
Mas o museu que escolhi para visitar é muito curioso. Localizado em belíssimo prédio em grande parque, possui vários departamentos, onde se pode conhecer História Natural, História da Civilização Extra-terrena e até as origens remotas dos agrupamentos humanos que reencarnaram na Terra. Há uma secção da História das Religiões e da Revelação Divina, e eu não saberia enumerar tudo porque ainda não consegui percorrê-lo inteiramente.
Mas o que eu gostaria de relatar é o sistema diferente que existe por aqui.
Os visitantes adentram às salas em grupos, e elas se fecham, começando então as demonstrações da sua matéria. As luzes se apagam e depois, como se estivéssemos em um teatro, ou participando da cena, assistimos ao vivo ao fato que desejamos conhecer. E o curioso é que a cena é tão real que nossas emoções afloram, como se estivéssemos presentes no momento do acontecimento, reagindo, sentindo o olfacto, a atmosfera, tudo.
Assisti ao Sermão do Monte, proferido por Jesus, e confesso que as lágrimas de emoção e a profunda reverência pela figura humana do Mestre me banharam o coração enternecido. Como explicar esses momentos de introspecção e ternura? Como descrevê-los?
Vi também Moisés, e apesar de a tradução ser bem-feita, não senti a mesma coisa. Ele me pareceu assustador, e seu magnetismo era tão forte que me senti como um pássaro atraído por uma serpente, e aqui a serpente não vai como um ser atrasado, mas apenas como polo de atracção magnética. Estarei escandalizando? Mas foi o que senti.
Chorei com a doçura de Maria Nazaré quando a vi ninando o filho querido nos braços.
Já pensaram o que sentiriam se de repente vocês se encontrassem em uma sala com ela, podendo sentir o hálito da sua respiração, o cheiro de sua habitação, ver sua radiação luminosa e penetrar até seus pensamentos?
Vocês pensariam que tudo estava acontecendo naquele momento e que eles estivam ali, ao vivo. Mas, na verdade, trata-se apenas de um museu, cujo processo eu não saberia explicar como funciona. Dizem nossos maiores que a percepção dos visitantes não é semelhante para todos. Ela varia conforme as aquisições e o desenvolvimento de cada um.
Discordei a princípio, mas depois compreendi que, mesmo na Terra, ao assistir um espectáculo, cada um vê e percebe coisas diferentes, fixando-se em determinados pontos, mais ou menos.
Aqui não poderia ser diferente. Mas esse museu é algo extraordinário. Gostaria que vocês pudessem visitá-lo.
Uma das curiosidades dele, e que muitos procuram, é assistir aos factos históricos da época em que viveram 11a Terra, para compreender melhor os acontecimentos do seu tempo. Sem os artifícios e os enganos que os envolveram.
Há, ainda, os que, no estudo das probabilidades, buscam uma curiosa secção do museu onde os acontecimentos são previstos para 0 futuro e onde são demonstrados de várias formas, conforme as variáveis de comportamento humano que irão influenciar, que você escolhe e coloca para conhecer os resultados.
Eu também quis ver o futuro do nosso querido Brasil e adentrei uma cabina, individual, onde um painel de cerca de um metro de diâmetro se encontrava na parede, e embaixo, botões variados com ano, lugar, área, e as listas de influências variáveis e o resultado.
Entusiasmado, comecei a brincadeira. Situei no Rio de Janeiro, ano 2000, centro da cidade, e deixei ao Natural, mas o resultado não aparecia, até que comecei a accionar a lista das variáveis. Então sim o painel acendeu-se e, eu, emocionado, vi um Rio de Janeiro diferente. Por incrível que pareça, mais calmo, povo mais tranquilo, muito calor e pouca roupa, poucos automóveis e muita paz. Senti-me realizado. Por alguns segundos conduzira o destino da minha Terra e o fizera muito bem. Se eu fosse o governador, já pensaram como eu transformaria aquela cidade?
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O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 8:09 pm

Mas esqueci-me de dizer que, ao colocar as influências variáveis, eu escolhi trabalho, honestidade e amor. Não é uma fórmula sábia?
Mas esse museu é uma atracção incrível. Gastei lá, sem perceber, todo o meu tempo de lazer, e só desisti quando deu o sinal para fechar. Por certo os artistas merecem o descanso nas ondas vivas do tempo.
Fui saindo ainda meio fora da realidade, perdido nas minhas emoções e embalado pelo parque frondoso. Demorei tanto que, ao me aproximar do portão de saída, o porteiro, impaciente, me instava a sair.
Apressei-me.
- Desculpe o atraso.
- O sinal avisava que alguém ainda estava aqui, mas eu não consegui localizá-lo. Não sabe que temos horário e que preciso ir-me embora?
Sem jeito, qual menino apanhado em falta, atravessei o portão e tentei explicar:
- É a primeira vez que visito o museu. Perdi a noção do tempo.
- É, mas nosso sinal avisa sempre com antecedência.
- Desculpe. Não desejava causar transtorno.
- Ele não respondeu. Limitou-se a fechar a porta da sala ao lado do portão e saiu por sua vez, cerrando-o com gestos precisos.
- Olhei-o curioso. Homem aparentando uns 45 anos, alto, rosto moreno, boné, roupas simples, figura semelhante à de um trabalhador da classe operária. Sério e compenetrado, mas com certa impaciência no olhar.
- Está aqui há muito tempo? - perguntei, querendo iniciar uma conversa. '
- Estou - respondeu lacónico.
- E sem mais, começou a andar. Acompanhei-o.
- Importa-se se eu o acompanhar?
- Ele deu de ombros.
- Sabe, sou repórter - ajuntei, procurando observar-lhe as reacções. - Escrevo para a Terra.
- Ele parou e olhou com incredulidade:- Não acredito!
- É verdade.
- Não me venha com essas histórias. Sei que esse correio não funciona.
- Engana-se. Não é dos melhores, por certo, mas como é o único possível, eu me utilizo dele.
- De que forma?
- Usando um médium.
- Expliquei-lhe mais ou menos o processo. Ele pareceu divertir-se.
- E curioso. Acha que eles vão levar a sério? Se eu estivesse lá não acreditaria.
- E. Acho que muitos não acreditam. Mas, sabe, eu acho que a limitação é deles. Eu me sinto muito feliz em relatar o que vejo por aqui. Depois, posso observar o que acontece. E como um jogo. Emociona, mas eu tenho permissão dos nossos maiores e não posso dizer só o que eu quero. Há a censura.
- Logo vi. Na Terra achamos que, ao morrer, vamos nos libertar de tudo quanto nos oprime, mas ao chegarmos aqui, vamos perceber que tudo continua na mesma. E eu posso dizer que fica até pior Lá eu estava acostumado, desde que me tomei adulto, a fazer o que queria. Aos catorze anos saí de casa para não suportar as imposições do meu pai e o palavrório de minha mãe. Levei vida livre. Trabalhava duro, é verdade, mas sempre fiz o que quis. Era livre.
Ninguém me dobrava. Nem patrão, nem família, nem mulher; nem amigos. Era dono de mim.
- Olhei-o curioso. Estava como que modificado. Em seus olhos havia novo brilho.
- Foi feliz? - aventurei.
- Ele parou um pouco, pensativo. Continuamos a caminhar, e ele continuou.
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O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 8:09 pm

- Feliz? Agora acho que fui, mas, naqueles tempos, eu não me dava conta.
Não conseguia parar. Estava sempre insatisfeito e procurando novidades. Era trabalhador, conseguia emprego sempre, mas não parava muito neles, ansiava mudar. Assim como mudava de emprego, mudava de mulher. Com isso tive vários filhos com diferentes mulheres, sem que a insatisfação íntima fosse afastada. Isso me perturbou muito. Sempre quando eu iniciava um emprego ou um amor, parecia-me afinal ter encontrado o rumo definitivo, mas algum tempo depois vinha o tédio, a desilusão, o anseio de mudança. Isso começou a me tomar muito infeliz, principalmente porque os outros não confiavam em mim, chamando-me de orgulhoso e fútil. Acabei a vida na Terra pobre, só e desiludido. Cheguei aqui completamente arrasado. Gastei anos no umbral a ouvir as reclamações daqueles a quem eu envolvera na minha leviandade, despertando afectos e compromissos que abandonei, e chorei amargamente o tempo perdido.
- E depois?
- Bom, depois, que podia fazer? Pedi ajuda, trabalhei, e principalmente desejei saber a causa do meu problema íntimo. Descobri, através da ajuda de um instrutor amigo, que eu, durante várias encarnações, quando tivera posição e dinheiro, me habituara a exigir tudo dos outros sem nada dar em troca.
Assim, viciando os centros da afectividade, não encontrava mais prazer em dar, e ao mesmo tempo fechando as comportas das energias vitalizantes da vida que renovam e alimentam o espírito, fui ficando fraco e sem capacidade de absorver as forças vitais superiores. Procurava nas satisfações materiais o que só as aquisições soberanas do espírito me poderiam dar.
- E agora? Você me parece conhecer bem o seu problema.
- É. Tenho procurado estudá-lo. Por agora faço um curso de desenvolvimento da Paciência que me tem ajudado a compreender muitas coisas.
- Que interessante! Como é esse curso?
- Não percebeu? Sabe o que significa ficar dez horas por dia, ou às vezes mais, como porteiro daquele museu? A monotonia que é ver pessoas entrando, pessoas saindo, horário, rotina, tudo? A princípio pensei não suportar, largar tudo, procurar outra coisa, mas, depois, reconheci que é isso exactamente o que eu preciso. O cumprimento dos compromissos assumidos livremente, a noção de responsabilidade. Então, eu continuo, pontualmente, ali, todos os dias, inclusive aos domingos. E isso exactamente há dez anos e meio; para ser mais exacto, há 3.833 dias, 42.526 horas.
- Olhei-o com profundo respeito. As cifras sempre me impressionaram.
- Deve ter aprendido muito - aduzi, mais à guisa de consolo.
- Nem tanto. Tenho atravessado sérias crises de impaciência. Hoje mesmo fui indelicado com o amigo.
- Fiz um gesto de protesto.
- Mas me esforço, creia. É que é difícil.
- Vai ficar ainda muito tempo nessa tarefa?
- - Como porteiro? Bem, não vou pedir demissão. Aguardo que nossos maiores me transfiram, isso é ponto de honra para mim. Acho que cheguei ao meu destino. Tive prazer em conhecê-lo. Apareça no museu quando quiser, e se escrever para a Terra não esqueça de salientar que a paciência é virtude tão importante e difícil de se conquistar que quanto antes procuramos desenvolvê-la melhor será. Adeus!
Acenou a mão e se foi.
Fiquei parado, pensando, pensando. Será que eu teria paciência para ficar naquele portão tanto tempo sem me rebelar? E vocês, seriam capazes?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 24, 2024 8:10 pm

O MESTRE
Em que pese o meu desejo de aprender, naquele domingo eu não estava nem um pouco disposto a fazer qualquer tipo de esforço. Queria vagabundear sem rumo, sentindo a vida, vibrando dentro e fora de mim e numa integração constante e agradável com a natureza, gozar a alegria de viver, de estar bem comigo mesmo, com Deus, com tudo.
Vocês já se sentiram assim? É delicioso podermos registar a própria força da vida, sem remorsos, nem pena, sem receios ou frustrações. Isso é a vida!
Isso é gozar plenamente dos bens que todos podemos desfrutar quando nos integramos às forças maravilhosas da criação.
Pareço lírico? Pode ser. Mas, sinto, sem ser anjo nem nada, a delícia de mergulhar nas energias vivificantes e belas, radiosas e naturais que nos circundam.
Vocês estarão pensando que eu já tenha conseguido purificar-me para tanto, ou que esteja blefando. Posso provar que se enganam.
Na Terra mesmo, no escafandro pesado do corpo, vocês podem gozar os mesmos benefícios. Como? Querendo. Basta querer. E sabem por quê? Porque essas forças de vida, divinas e superiores, estão em toda parte. Fazem parte da criação. Estão no ar que respiramos, nas formas de matéria, nos astros que nos rodeiam.
Duvidam? Posso explicar melhor. Nos vegetais, nos animais, nossos irmãos inferiores, na brisa que passa, na chuva, na água, nos raios solares, nas forças astrais, porque a vida é força divina em acção e jamais para. Vai transformando os espíritos, elucidando, esclarecendo, mostrando, exigindo, dando, restringindo, tudo, tudo, sob a força do Pai que nos ama e abençoa.
E nós, os homens, não temos essa força, essas energias? Claro que temos, e aí é que entra a nossa parte. E preciso aprender a senti-las, e a mergulhar nelas procurando aprender suas leis de harmonia e de progresso. Acham difícil?
Pois eu não. Já estou descobrindo a maneira de senti-las, e quanto mais consigo ouvi-las ou percebê-las, mais compreendo a bondade de Deus e sua perfeição.
Preciso ser anjo para isso? Não preciso. Preciso ser um homem acordado para os reais valores da vida, para a natureza e para a vontade de progredir E se eu disse um homem, apesar de ser fantasma desossado e descarnado, características que por vezes fazem um homem, não posso ignorar que ainda pertenço à categoria hominal, não só pela forma e pela aparência, que faço tudo para melhorar e manter, mas porque ainda, algum dia, que eu espero não seja breve, voltarei a vestir o escafandro de carne e a descer com ele ao fundo do mar encapelado do mundo.
Mas sentir a força da vida, a beleza da natureza, respirar a peito aberto, com alegria, as forças vivas que nos rodeiam é delicioso. Já experimentaram?
Já notaram como essas forças estão ao redor de nós? Para senti-las é preciso não esquecer que vocês também a possuem. Fazem parte da natureza. Estão dentro de cada um, é só procurá-las. Claro que nas coisas positivas, na beleza, na luz, na alegria, na esperança, na confiança em Deus e no futuro.
Acham que estou feliz? Estou. Hoje, eu quero ser feliz, quero misturar-me à natureza, ao canto dos pássaros, nada fazer senão sentir e observar a doce alegria de viver.
Saí, respirando a largos haustos e me sentindo menino de novo, com o coração cheio de esperança.
As ruas estavam cheias de passantes. Outros companheiros, tanto como eu mesmo, iam e vinham aproveitando as belezas da tarde amena e tão bela.
As casas da nossa cidade são curiosas, e observando o local em que eu estava, podia perceber claramente o estilo colonial português, com seus ladrilhos coloridos à moda da Terra.
As ruas arborizadas e largas, escrupulosamente limpas e os jardins graciosos e floridos, muito à moda do mundo, revelavam o saudosismo de seus moradores ainda presos ao magnetismo terreno.
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O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 11:14 am

Enveredei por algumas travessas mais tranquilas e mergulhei deliciado na beleza e nos detalhes das moradias, das flores e dos jardins. Estava embevecido. Parei sem sentir. Um delicioso perfume de jasmim fez-me recordar a infância, quando havia um jasmineiro na minha rua. Que delícia!
Respirei com força.
- Gosta de flores?
Arrancado do meu mundo íntimo, procurei fixar a figura do ancião que de dentro do jardim me fixava sereno.
- Adoro - respondi, convicto. Esse seu jasmim me recordou a infância na Terra...
Ele olhou-me com atenção. Seu rosto, apesar de aparentar beirar os setenta anos (na cronologia terrena), era liso, e corado.
- Eu também o aprecio muito - tornou calmo -, mas quem o cultivou foi minha mulher, Ana. Ela é que o adora. Agora ela está na Terra e eu cuido dele até que ela regresse.
- Ah! - fiz, já curioso.
- Não quer entrar? Já que aprecia as flores, gostaria de mostrar-lhe um exemplar raro que minha filha conseguiu em planos superiores e que, mercê de Deus, temos conseguido manter aqui.
Aquele assunto era totalmente novo para mim. Trazer mudas de plantas de outras cidades em planos mais altos, eu nunca tinha ouvido falar. Acedi de bom grado. Passei pelo portão gracioso e fomos andando devagar pelo jardim.
Eu estava ansioso por conhecer as raridades. Mas ele fez questão de mostrar-me antes as outras, e eu, apesar de admirá-las, mal podia esperar. Chegamos por fim a um canto onde uma cerca de tela delicada delimitava a passagem.
- Precisamos colocar esta tela para filtrar os raios grosseiros, porquanto lhes seriam fatais.
-Ah! - exclamei, admirado. - Mas, explique-me, como as conseguiu?
- Minha filha reside lá nessa cidade onde, por mérito ao seu esforço, vem desenvolvendo delicada tarefa de amor ao próximo. Vem de vez em quando visitar-me, porquanto eu vivo só aqui, já que minha Ana teve de reencarnar e eu não pude. O amigo deve saber como é dolorosa a solidão!
- Mas você não exerce alguma actividade? Sempre ajuda.
- E. Eu sou professor. Dou aulas para os adolescentes no colégio. Mas, quando volto para casa, fico só e triste. A Ana me faz imensa falta. Mas que fazer? É preciso esperar.
- E as flores? - eu estava curioso para vê-las.
Ele parecia sem pressa.- Bem, minha filha me trouxe certa feita e me disse: “Pai, essas flores possuem energias especiais. Quando você se sentir só, aproxime-se delas e ore. Respire fundo e verá que se sentirá melhor, revigorado. Mas para que elas vivam aqui, precisa dispensar-lhes cuidados especiais. Tratá-las quase como um ser humano, porque além de água elas precisam de suas energias de amor e paz. Todos os dias, você deverá estar com elas para doar-lhes forças positivas; caso contrário, elas perecerão”.
- Eu fiquei preocupado - prosseguiu ele -, porque naquela fase eu andava nervoso, mal-humorado e até meio revoltado, por que não dizer? Sabe de uma coisa? Eu na Terra não fazia nada sem Ana.
Seus olhos brilhavam intensamente. Ele continuou:
- Ela é uma mulher extraordinária. Sempre disposta, sempre bondosa.
Cuidava de mim como de uma criança. Levava-me café na cama, preparava-me o banho, a roupa, que aliás escolhia com muito carinho. Sabia o que eu devia comer, o que era melhor para mim, e o que me fazia mal à saúde. Até no meu trabalho eu não a podia dispensar, porque me ajudava na correcção dos cadernos, nas notas dos alunos. Era tão eficiente que eu não fazia nada sem ela. Nossa filha era mais independente e, por isso, não precisava tanto dela quanto eu. Aliás, Ana muitas vezes queixou- se do comportamento de Aurélia, porque esta não lhe seguia as directrizes. Mas o que fazer? Os jovens são mesmo assim hoje em dia. Nossa filha seguiu carreira como médica e, contrariando a vontade da mãe, foi clinicar em outra cidade. Apesar de vir com frequência visitar-nos, não se importou com o sofrimento de Ana, que queria dedicar- se a ela tanto quanto a mim.
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O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 11:14 am

- Não é essa filha que está agora residindo em planos mais altos?
- E. E isso eu não posso compreender. Porque Ana chorou muito por causa dela não lhe obedecer. Mas nosso instrutor garantiu que Aurélia tinha prestado
relevantes serviços na Terra, onde se dedicara com amor ao próximo em sofrimento, e eu fiquei feliz vendo-a tão bem e tão linda. Você sabe que aqui nossos superiores não erram. Devem estar certos.
- Claro - fiz com convicção. Eles sabem o que fazem.
- Pois é. Quando Ana morreu, foi o caos. Eu estava aposentado e cumprimos mais de cinquenta anos de vida em comum. Não pude resistir. Apesar de minha filha ter-me oferecido tudo, e me levado para sua casa, não era a mesma coisa.
Eu não conseguia viver sem Ana. Depois de dois anos de sofrimentos, desencarnei. Parece que fiquei desmemoriado durante muito tempo no umbral, chamando por Ana, sem conseguir encontrá-la. Quando fui socorrido, no hospital, não me conformava com sua ausência. Então, depois de muito pedir e rogar, ela foi trazida para junto de mim, e mal posso descrever a emoção desse momento.
- Posso imaginar! - concordei, à guisa de consolo.
- E. Melhorei logo. Com Ana tudo estava bem. Ao sair do hospital tivemos permissão para voltar ao trabalho, só que Ana deveria também leccionar para as crianças e eu ajudá-la nos afazeres do lar.
- Por quê? - indaguei, admirado.
- Eles exigiram. Disseram que só assim poderíamos ter nossa casa de novo.
Concordamos. Afinal, Ana entendia mesmo de aulas, mas eu é que não sabia nada das actividades do lar. Mas se a questão era essa, tinha de aprender. E assim, vivemos durante vinte anos. Quando Aurélia desencarnou, pensamos que viesse morar aqui, mas não. Ela foi para mais alto. Enfim, Deus a proteja.
Sempre nos vinha ver, alegre, luminosa. Ana a olhava com muito respeito. Até que Ana foi ficando triste, desanimada, doente. Eu nunca a vira assim.
Assustei-me. Nada conseguia devolver-lhe a antiga disposição. Consultados nossos instrutores, eles nos disseram que só a reencarnação na Terra poderia ajudá-la, porquanto alguns compromissos adquiridos em vidas passadas buscavam solução. Ela concordou agoniada. Mas eu não obtive permissão para acompanhá-la. Pode imaginar o meu desespero? Adoeci. Mas nada valeu.
Minha filha convenceu-me que era para o nosso bem. Que eu deveria renunciar por algum tempo a sua presença para que ela pudesse resolver seus problemas e voltar a ser como antes. Concordei. Eu a amo muito. Mas tem sido duro. No começo foi terrível. Foi nessa época que Aurélia me trouxe a plantinha milagrosa e, com a graça de Deus, tenho conseguido cultivá-la. Tenho melhorado muito por causa dela. Como eu disse, para se aproximar dela, é preciso colocar o pensamento positivo e melhorar nossas condições íntimas, porque senão as energias negativas poderão matá-la. Pode imaginar o meu esforço? Com o coração partido, ter de criar pensamentos positivos para alimentá-las?
- E conseguiu? indaguei admirado.
- Sim - tornou ele com orgulho. - Está viçosa e linda. Vamos vê-la. Porém, pensamentos bem luminosos, por favor.
Apesar de sentir-me muito bem, esforcei-me para melhorar ainda mais o teor dos meus pensamentos. Meu anfitrião cerrou os olhos e seu rosto como que se iluminou. Estava outro, cercado por belo halo de energia brilhante. Eu mal podia esperar para ver tão poderosa planta rara. - Agora podemos entrar - disse ele alegre. - Se permito sua presença é porque o amigo também aprecia a natureza. Vamos.
Entramos, e atrás daquela tela delicada, em um canteiro muito bem cuidado, estava lindo e cheio de flores um pé de maracujá.
A surpresa me emudeceu. Estaria meu companheiro fora da realidade?
Vendo-lhe a fisionomia enlevada e iluminada, não quis quebrar o encanto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 11:14 am

- Você já viu coisa tão linda? - perguntou, feliz.
- Não - respondi, encabulado.
Um enigma tinha-se formado em minha cabeça. Como uma planta tão comum possuía ali tantos poderes?
Vendo-lhe a alegria, calei as dúvidas e indagações íntimas. Aprendera a respeitar os sentimentos dos outros. Conversamos mais algum tempo e, quando saí, duas horas mais tarde, levava a certeza de que o professor era um homem, ou um fantasma lúcido e equilibrado.
Não pude compreender seu caso, e quando, dias mais tarde, conversava com meu instrutor espiritual e amigo, mencionei-o, ansioso por uma explicação. Anselmo sorriu e respondeu:
- Conheço o caso do Mestre António. Tive oportunidade de conhecer-lhe os detalhes. Como você sabe, ele viveu em Portugal, e deixou-se dominar pelo espírito de Ana, sua mulher, aproveitando-se dela, comodamente, entregando-se a que ela resolvesse todos os seus problemas como um parasita na árvore que. o abriga. Foi uma simbiose, uma obsessão mútua, difícil e dolorosa de desfazer. Aqui, eles, apesar dos esforços dos nossos maiores, continuavam a nutrir-se mutuamente, e só o processo de reencarnação pôde separá-los temporariamente. Como você sabe, a vida tem suas exigências, e Ana foi sacudida pela necessidade urgente de mudança. Mas, apesar de ela ter reencarnado, o pensamento dele aqui continuava a buscá-la na Terra, e várias vezes Ana esteve à beira do desencarne por causa disso. Não desejava viver e refugava instintivamente as energias vitais. Foi então que Aurélia, espírito lúcido e superior, teve a ideia da planta, que, como você viu, não é de planos mais altos, mas é réplica da Terra mesmo, aliás, do nosso amado Brasil.
- E. Fiquei estupefacto.
- Imagino. Mas é assim que ele tem conseguido reunir pensamentos positivos para alimentar a planta rara que o pode sustentar e ajudar, sem perceber que é seu próprio esforço que o tem melhorado e alimentado. Está satisfeito?
- Estou - respondi, alegre. Afinal, sempre gostei de flor de maracujá. E se você se recorda, sua fruta é calmante comprovado, utilizado largamente no mundo. E - observei diante do seu olhar admirado - quem nos garante que enquanto ele vibra e melhora seu padrão mental para doar ao pé de maracujá, este por sua vez não lhe responde ao apelo com energias balsâmicas e calmas?
Vocês não acham que Aurélia, como espírito superior, pode saber disso?
Será que foi intencionalmente que ela escolheu o maracujá?
Se a encontrar algum dia, perguntarei, e se descobrir, prometo contar-lhes.
Mas hoje, estou feliz. Não querem também como eu sentir a alegria de viver, a beleza da vida, a bondade de Deus?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 11:15 am

A RECONCILIAÇÃO
Nas alamedas do parque eu caminhava pensativo. Nas penitenciárias do mundo, muitas vezes eu havia surpreendido dolorosos problemas de relacionamento que, se não justificavam as faltas e os erros cometidos pelos detentos, pelo menos podiam fazer-nos compreender por que um ser humano pode descer um a um, e rapidamente, todos os degraus da ruína moral, física e, consequentemente, espiritual.
Problemas existem que desafiam os mais acurados observadores, que tentam minorar o sofrimento e ajudar.
Enquanto na Terra, em raras ocasiões se pode observar com profundidade e com acerto as causas determinantes das falhas humanas, do mergulho no erro, na crueldade e no crime. Para nós, os “focas” improvisados, os fantasmas bem- intencionados que sempre se aproximam, não à cata de sensacionalismo à moda da Terra, mas como aprendizes humildes e pobres, imbuídos do mais sincero desejo de socorrer e ajudar, as situações tornam-se mais claras, mercê de Deus, possibilitando providências e assistência com bons resultados, sempre comandados pelos nossos maiores.
Na maratona da vida na Terra, os caprichos e o orgulho vêm desempenhando papel de relevância nesses casos em que a inversão de valores, o despreparo e a indiferença daqueles encarnados que poderiam fazer alguma coisa, acentuam.
Na semana passada fui a um debate de companheiros estudiosos do assunto que, habituados a anos e anos de trabalho nas tarefas de socorro aos homens encarnados na Terra, desejava apurar melhor as causas, as influências do meio como determinantes de aprendizagem, etc. E a pergunta era: Até que ponto um homem se deixa influenciar pelo meio?
Confesso que me interessei. Sem ser estudioso do assunto, apenas como amador, ou observador.
As opiniões foram as mais diversas. E, como sempre acontece nesses debates, raramente chegam ao mesmo denominador. Enquanto alguns acusavam o meio como factor preponderante na infância, principalmente do fortalecimento das tendências inferiores, quando ele é pervertido e congrega em sua maioria espíritos atrasados, justificando assim muitos deslizes cometidos pela sua influência, outros afirmavam que, embora o meio seja pervertido e possa trazer à tona a inferioridade do espírito que nele vive, ele sempre pode, se quiser, encontrar a maneira de sair anulando ou vencendo as influências do meio e procurando situar-se honestamente. Como exemplos citavam muitos casos de espíritos reencarnados nesses meios e que não se tinham deixado influenciar. Muito pelo contrário, tinham valorosamente mostrado sua tenacidade e esforço na prática do bem.
Saí pensando. Não me atrevi a interrompê-los ou a emitir opiniões, mas o inverso também acontece. Quantas vezes observei criaturas que, cercadas de pessoas bondosas e honestas, tendo vivido em um meio que podemos considerar bom, moralmente falando, como ovelhas negras acabam transviando-se, de nada valendo os conselhos, as lágrimas e o esforço daqueles que os amam. Não é verdade isso?
Enquanto eu caminhava absorto em meus recônditos pensamentos, nem sequer observara a beleza das árvores frondosas e amigas, o cheiro delicioso de mato misturado de quando em vez com um perfume delicado de alfazema.
Como é difícil compreender... Mas, se o meio pode exercer influência no comportamento humano, acho que mais importante do que ele são as virtudes ou as ilusões que trazemos connosco. Diante de tantos problemas complexos e variados que influenciam o nosso comportamento, quem teria condições de julgar? Qual de nós, depois de meditar sobre esses assuntos, poderia exercer a função de juiz?
Senti-me como um menino ignorante da vida ensaiando os primeiros passos, temeroso e burro.
Por isso, tinha deliberado naquela tarde de lazer visitar o recolhimento onde espíritos sofridos, desajustados, doentes e infelizes tinham sido agasalhados e eram assistidos por companheiros dedicados e pela misericórdia de Deus. Profundo sentimento de respeito e de afecto banhava-me o coração. Nunca tinha estado naquele pavilhão de socorro, apesar de serem permitidas as visitas e muitos dos meus amigos dedicarem-se a esse piedoso dever.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 11:15 am

Porém, minha hora soara. Meu coração se tinha tocado e ali estava eu, procurando levar um pouco da compreensão que me banhava a alma àqueles amigos sofredores.
O edifício simples e bem-cuidado, as flores colocadas com delicadeza por toda parte, os assistentes de fisionomia calma, o contínuo movimento, o trabalho activo sem ruídos, sem pressa, deu-me logo de início a sensação de paz e bem-estar. Cores suaves por toda parte.
No hall parei, interdito. Uma assistente atendeu-me:
- Veio visitar alguém em particular?
- Não - respondi um pouco sem jeito -, é a primeira vez que venho aqui.
Gostaria de ser útil de alguma forma.
Ela olhou-me nos olhos com atenção, depois tornou:
- Esta bem. Talvez prefira conhecer nossa casa primeiro. Os pacientes em melhor estado estão no pátio. Pode circular à vontade...
- Obrigado - respondi, contente.
Em seguida atravessei o corredor e saí para o enorme pátio, transformado em belíssimo jardim, tão amplo que eu não conseguia ver-lhe os limites. Sabia que eles eram fechados. Muros altos e bem protegidos por sistema de alarme rodeavam a casa, embora estivessem cobertos por heras graciosas e bem cuidadas.
Fora, havia muitas pessoas conversando, passeando, alguns ainda em cadeiras de rodas, outros ainda pálidos e tristes, indiferentes ou chorosos. Os visitantes misturavam-se a eles, e eu comecei a caminhar por entre as alamedas graciosas, admirando a bondade de Deus e dos corações amorosos que tinham cercado de flores e de beleza aquele recanto de refazimento e de paz, apesar das feridas e das dores que seus tutelados traziam ainda dentro de si.
Em meio à graciosa clareira, sentada em um banco, uma mulher um tanto idosa, olhos fixos num ponto qualquer, parecia alheia ao ambiente. Um rito de amargura vincava-lhe o rosto um tanto envelhecido.
Aproximei-me:
- A senhora permite?
Ela nem pareceu ouvir-me.
- A senhora permite que eu me sente? - repeti, firme. Ela pareceu sair de sua abstracção, olhou-me com certa indiferença.
- Disse alguma coisa?
- Posso sentar-me aqui?
Ela deu de ombros.
- Para quê?
- Estou me sentindo muito só hoje. Tenho vontade de conversar. Sabe como é. Tem dias que precisamos de alguém para trocar ideias e nos ajudar.
Ela retorquiu:
- Acho que procurou a pessoa errada. Se quer sentar, o banco é grande, mas eu não estou em condições de conversar. E, além do mais, tenho já muitos problemas para ouvir ainda os problemas dos outros.
Sentei-me um pouco contrariado. Afinal, eu quisera apenas ser gentil. Mas ela não compreendera a delicadeza das minhas intenções.
- Às vezes os nossos problemas melhoram quando podemos desabafar.
- Se isso adiantasse eu já teria resolvido todos eles. Mas, como não adianta...
- A senhora parece-me preocupada. Reside aqui?
- Eu? Não. Mas há mais de dez anos que venho aqui religiosamente todos os domingos. Nunca me viu?
- Hoje é minha primeira visita.
Ave sem Ninho
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