LUZ ESPÍRITA
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Página 2 de 4 Anterior  1, 2, 3, 4  Seguinte

Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 11:15 am

- Tem algum parente aqui também?
- Não. Vim apenas conhecer e ajudar, se puder.
- Ah!
Olhou-me, procurando penetrar até o fundo dos meus pensamentos.
- Pensa em trabalhar como assistente? Tem prestígio com os nossos maiores?
Um brilho interessado luziu em seus olhos. Apressei-me a desfazer o equívoco.
-Não. Não tenho prestígio nenhum. Vim como amigo e estudioso. Depois, escrevo para a Terra, sou repórter.
Olhou-me com ar de desprezo.
- Odeio repórteres. Estão sempre farejando notícias. Arrasam a vida de todo mundo. Se você é repórter, pode ir saindo. Assunto acabado.
- Calma, posso explicar. Sou repórter aqui e garanto que minhas intenções são as mais sérias e honestas possíveis. Escrevo para a Terra contando como é nossa vida aqui, nossos costumes, nossos problemas.
- Para quê?
- Eu acho que na Terra muitos gostarão de saber. A experiência ensina. Eles poderão aprender connosco evitando cometer os mesmos erros, procurando melhorar-se moralmente. A senhora não acha, que se tivesse conhecido a verdade quando ainda estava lá, tudo poderia ter sido diferente?
Ela permaneceu pensativa, e alguns segundos depois considerou:
- Talvez. Mas é difícil acreditar que alguém, consiga escrever para a Terra e que eles vão acreditar. Lá as coisas são tão diferentes!
- Mas é verdade. Tenho conseguido que alguns poucos me ouçam. Já é alguma coisa.
Ela sacudiu os ombros.
- Isso é verdade. Mas olhe, moço - baixou a voz, falando ao meu ouvido -, se quer obter êxito, não diga por aqui que é repórter. Não sei se sabe, mas aqui vivem muitos homens que foram perseguidos pela imprensa na Terra.
Criminosos, ladrões, ex-presidiários e, segundo sei, alguns há que há muito desejam pôr as mãos em cima deles.
- Por quê? - indaguei, admirado.
- Ainda pergunta? Já reparou como são exagerados? Quem gosta de ver-se exposto nos jornais com requintes de crueldade? Ao pobre coitado que sofre problemas mentais e que comete um crime, em vez de procurarem tratá-lo como louco ou desequilibrado, apenas lhe colocam alcunhas descaridosas: “o monstro sangrento”, “o vampiro em acção”, coisas assim. Siga meu conselho.
Aqui, não convém dizer que é repórter Eu entendo que o senhor não é desses, mas eles! Até explicai; pode ser tarde.
Fiquei intrigado.
- Eles, aqui, ainda conservam ideias de violência? Não estão arrependidos?
- Bem se vê que não conhece os que se recolhem aqui. Muitos já estão lúcidos, e esses têm crises de arrependimento; outros ainda sofrem crises periódicas, atravessando momentos violentos entremeados de melhoras ocasionais. Outros ainda conservam a mente presa aos erros cometidos e, o que é pior, aos erros de que foram vítimas, e não conseguem perceber a realidade. Vivem entre a depressão extrema e o desejo de vingança. Existem aqui celas nas quais ninguém pode entrar, a não ser os responsáveis, e onde alguns se encontram segregados.
- Prisioneiros? - perguntei, assustado.
- Sim. São como loucos perigosos. É preciso mantê-los aqui para que não prejudiquem os outros.
- Tem certeza disso?
- Claro. Por isso venho vindo aqui todos esses anos. Meu filho é um deles, e o que posso fazer senão esperar? Tenho rezado por ele, mas isso não me tem valido de nada.
Olhei-a de frente, estava sendo sincera.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 11:15 am

-A prece sempre nos ajuda: dá-nos forças para suportar as lutas.
- Fala como nosso instrutor, mas comigo não funciona. De que me serve rezar se quem tem de melhorar é ele?
- Faz tempo que ele está aqui?
- Faz. Desde que eu o descobri aqui, tenho vindo visitá-lo, na esperança de que melhore. Sou mãe. Sabe como me sinto. Na Terra, fiz o que pude por ele.
Éramos pobres, mas nunca lhe deixei faltar o essencial. Não tive sorte na vida.
Conheci muitos homens e nenhum prestava. Com o pai do Mário eu vivi mais tempo. Nem sei por quê. Era bêbado e vagabundo. Só fazia brigar com todo mundo, um inferno. Eu nem podia ter amigas. Punha todas a correr. Eu trabalhava, e o pão de cada dia era pouco, mas suficiente, nunca nos faltou.
Mário não quis ir à escola. A custo fez o primeiro ano. Saía cedo, passava o dia na rua e às vezes trazia algum dinheiro. Juntava jornais, vendia. Mas, apesar disso, não era mau, e muitas vezes defendia-me quando o pai queria me bater Falava que queria trabalhar muito para me dar conforto, uma casa melhor, boas roupas, E, de fato, quando cresceu, começou a trabalhar duro. Nossa vida começou a melhorar. Mário era como pai dos irmãos. Matriculou todos na escola. Mas tinha raiva do pai, e os dois acabaram brigando feio.
Mário pôs ele pra fora de casa. Não queria sustentar vagabundo. Ele foi, bancando o orgulhoso, sumiu, mas morreu na sarjeta, bêbado e desmemoriado.
Isso pouco me importa, quem mandou beber daquele jeito.
Eu procurava não demonstrar surpresa. Fazia tempo que não tomava contacto com problemas tão terrenos. Ela, mais animada, prosseguiu:
- Mário era moço bonito. Não é por ser meu filho não, mas era alto, bem feito e jeitoso com as mulheres. Trouxe a Mariinha pra morar em casa.
Gostava dela, mas o dinheiro não dava para casar, nem sustentar duas famílias.
Depois o José já estava quase com dezoito anos e já trabalhava, as duas meninas tomavam conta da casa e eu também lavava roupa para fora. Mariinha era muito bonita. Passava o dia inteiro se enfeitando e o Mário era muito ciumento. Brigavam. Eu dava conselhos para ela. Por que mulher quer cantar de galo? Sempre se dá mal. O jeito simples da minha interlocutora deixava-me saudoso das andanças terrenas. Ela prosseguiu:
- Tudo ia bem, até que um dia, quando acabei mais cedo o serviço, voltei para casa, e ao entrar, ouvi risadas no quarto. Alguém estava lá com Mariinha.
O Mário não era. Pé ante pé, fui até a parede de madeira que dividia a sala e por um buraco espiei. O que vi quase me matou: Mariinha, quase sem roupas, aos beijos com meu filho José. Pode imaginar o choque?
Concordei com a cabeça. Ela prosseguiu:
- Fiz um escândalo. Entrei no quarto e dei umas bofetadas no José e alguns safanões na desavergonhada. Eles ficaram muito assustados, tentaram explicar-me que não tinha acontecido nada, que era a primeira vez. Que José estava com dor de dente e tinha saído cedo do serviço. Começaram a conversar e a tentação... Eu estava indignada. Imploraram para eu não contar nada ao Mário e eu concordei. Ele era violento. Juraram que não aconteceria de novo. Passei a vigiá-los, mas eles não me deram mais motivos para desconfiança. O tempo foi passando, até que um dia, quando Mário chegou do trabalho, a Mariinha não estava. As duas crianças deles na vizinha e dela, nem sinal. No quarto, um bilhete que Mário mal conseguiu ler. Precisou minha filha explicar o conteúdo. Ela tinha escrito: “Não dá mais para viver com você. Vou embora. Não me procure mais. Mariinha”. Ele ficou como louco. Foi ao quarto, quebrou tudo, cama, cómoda, os vizinhos precisaram acudir e só o pronto-socorro deu jeito com injecção para dormir. Mas o pior ele não sabia ainda. O José também tinha sumido. Eu, apavorada, tinha ido ao emprego dele e soube que ele se demitira, recebera o dinheiro, bem no dia em que ela tinha ido embora. Não tive dúvidas, eles tinham fugido juntos. Como contar ao Mário?
Uma onda de emoção passou por seus olhos aflitos.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 11:16 am

- Continue - pedi, contagiado pela sua apreensão.
- E claro que não consegui esconder durante muito tempo. Quanto ele se deu conta da verdade ficou como louco. O José sempre fora um bom filho e bom irmão. Por ele Mário fizera muitas horas extras, para que não lhe faltasse escola, roupas, alimento. Fora o pai que ele não tivera, o irmão e o amigo.
Muitas vezes vi Mário chorar do outro lado do tapume sem que pudesse fazer nada. Como mãe, eu sofria muito e muitas vezes me perguntava por onde José andaria. Tinha saudades dele, mas não podia falar. Se tentava tocar em seu nome, Mário revoltava-se, revelando um ódio profundo e o desejo frio de vingança. “Um traidor como ele vai morrer abandonado como um cão. Ele que não me apareça, porque se o encontro, mato-o com minhas próprias mãos”, dizia ele. Imagine o meu horror. Um irmão matando o outro! Quis o destino que aquela mulher leviana, a quem eu culpo de tudo, enjoasse do José e o deixasse por causa de outro. Ele deu para beber e ficou jogado na rua. Fui procurada por pessoa conhecida me avisando que o José estava no hospital como indigente e muito mal. O que fazer? O médico disse-me que ele não tinha muito tempo de vida e precisava de ambiente calmo, cuidados especiais. Não podia ficar no hospital. Ele era meu filho. Tinha errado muito, mas estava arrependido. Pedia perdão a todos nós e queria reconciliar-se com Mário.
Tinha sofrido muito. Estava uma sombra do que tinha sido, magro, envelhecido. Decidida, falei com Mário. Ele precisava perdoar. Ficou furioso, alegou que se eu o trouxesse para casa ele iria embora para sempre. Eu dependia dele. Estava velha, doente, não podia trabalhar. Minhas filhas, uma tinha se casado e lutava com dificuldades; a outra trabalhava como doméstica e ganhava pouco. Havia os netos na escola, depois eu não queria que ele se fosse. Chorei muito, mas foi inútil. Arranjei um pequeno quarto de madeira, não muito distante, e com a ajuda de amigos levei para lá o meu José, sem que Mário soubesse. Sorrateiramente, levava-lhe comida, cuidava do seu asseio.
Ele estava inconsolável. Sofria muito. Queria ver o irmão. Até que em um dia de triste memória, ao entrar no barracão, encontrei meu José morto. Tinha se enforcado. A partir desse dia Mário nunca mais foi o mesmo. Ficou perturbado das ideias. Tinha crises de loucura. E precisamos interná-lo em um hospício.
Só muito tempo depois, quando já estávamos todos aqui, descobri o que tinha acontecido. Mário tinha descoberto a presença do irmão e, num acesso de ódio, o tinha enforcado.
Senti um arrepio percorrer-me a espinha.
- Faz isso mais de trinta anos. José perdoou e já está bem. Tem trabalhado em favor dos outros aqui mesmo neste hospital. Seu maior desejo é reconciliar-se com Mário.
- E ainda não conseguiu?
- Não. Mário passa a maior parte do tempo em crise. Ora revive seu amor com aquela infeliz, ora sua desilusão e seu ódio por José, a quem culpa de tudo, ora o horror de seu crime. A presença de José o coloca em crise por muitos dias.
Suspirei, penalizado. Olhei a beleza suave do parque, a fisionomia fatigada daquela mãe e senti, um aperto no coração.
-Não desanime. Um dia tudo vai mudar e a reconciliação se fará. Deus é grande!
- Assim espero. Por isso venho todas as semanas. Às vezes posso vê-lo, falar-lhe, mas hoje, por exemplo, só pude vê-lo de longe enquanto, trancado em um quarto, brigava com o irmão tentando enforcá-lo. Por quanto tempo terei ainda de esperar?
Lágrimas rolavam-lhe pelos olhos, e eu senti que os meus também se humedeciam. Olhei-a, comovido.
- Coragem. Deus não abandona ninguém. O espírito é eterno. Um dia ele vai acordar e a senhora poderá ensiná-lo de novo a viver melhor.
- O senhor acha?
- Tenho certeza!
A luz da esperança brilhou em seus olhos tristes e eu saí, andando devagar, pensando, pensando...
Como é difícil perdoar. Algum dia chegaremos todos a aprender?
E a brisa cariciosa me envolveu. Olhei o céu azul, a natureza tão linda, tão amiga, tão fraterna, as árvores tão firmes, frondosas, os pássaros cantando alegres, e todos pareciam dizer-me.
- Sim. Um dia todos nós vamos crescer.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 11:16 am

O REBELDE
Eu estava lá em tarefa de auxílio, na posição de informante. No desejo de escrever para a Terra, de ser repórter fiel e sincero do bem, estabelecendo um traço de união entre dois mundos, recebi a incumbência de cooperar nas tarefas de socorro.
Vocês sabiam que, aqui, nada se pode fazer sem que o objectivo seja o de auxílio ao próximo?
Pois é. Se alguém pensa em vir para cá bisbilhotar e fazer sensacionalismo para reportar à Terra em manchetes espectaculares, está muito enganado.
Embora as notícias sejam por si mesmas extraordinárias, a nossa ambição de dar os “furos” fica muito reduzida quando condicionada ao benefício, ao auxílio que podemos prestar aos outros.
Tudo deve ter sua utilidade, e para compreender isso é que cursamos aqui várias disciplinas.
Desde o início, logo que demonstrei desejo de colher dados para reportar, fui convidado a trabalhar como informante das equipes de socorro. Se você quer descobrir coisas, casos interessantes, assuntos para registrar e reportar à Terra, tudo bem, mas já que é tão curioso, já que deseja tanto esmiuçar, por que fazer isso de qualquer jeito, sem orientação?
Foi o que me disseram, e eu confesso no momento não ter recebido a ideia muito bem, porquanto ao repórter interessa apenas o fato, a notícia, a informação. Mas, como não me foi dada outra opção, e a permissão para trabalhar veio condicionada ao meu engajamento a um grupo de socorro, aceitei.
Dão-me um nome, endereço, e meu trabalho consiste em ir verificar o que está acontecendo com aquela pessoa.
Uma vez anotado o caso em ficha correspondente, há um espaço para que eu apresente sugestões sobre as providências que acho indicadas ao caso.
Depois, entrego esse relatório ao assistente, que se encarrega, junto com os trabalhadores designados para esse fim, de tomar as providências que eles acham necessárias.
Eu apenas levava permissão para ajudar, com algumas providências calmantes, os casos graves e imprevistos, enquanto aguardava a chegada da equipe que, em caso de extrema necessidade, eu poderia chamar.
A princípio, julguei um tanto infantil o meu papel. Afinal, lá estava eu, sentindo-me como um office-boy que, timidamente, ingressa em uma grande empresa. Sem direito a nada e não ser levar os recados, despachar a correspondência, obedecer ordens.
Quem diria que eu, o médico, o escritor, o artista, transformar-me-ia um dia em office-boy fantasma?
Apesar de achar que eles não estavam me aproveitando como eu merecia, que meus talentos estavam sendo desperdiçados, aceitei o papel, a ponta que me era oferecida, e como extra apagado, compareci ao elenco para a estreia.
As providências eram discutidas, e eu não entendi muito bem a movimentação dos companheiros. Mas, quando chegou minha vez, o assistente André explicou-me o que eles esperavam que eu fizesse. Entregou-me um nome, um endereço. Tinha de visitar essa pessoa, observar tudo quanto pudesse e anotar os dados mais importantes. Podia dar sugestões, mas sem permissão para tomar nenhuma providência, a não ser chamá-los se o caso requisitasse atendimento imediato. Esse atendimento estava condicionado aos casos graves de crimes, suicídios ou acidentes em perspectiva. Para isso eu podia ir só. Tinha não mais do que uma hora para tanto.
Devo esclarecer que estávamos na Terra e que esse trabalho atende à solicitação das pessoas encarnadas que frequentam um Centro Espírita. Lá, nesse local, funciona a minha equipe de socorro.
Era preciso ir, ver e retornar trazendo as informações precisas. Para alguns casos que não eram novos, os informantes recebiam informações mais detalhadas e alguns itens específicos para observar.
Saí. Lembro-me que fui como alguém que vai diligente ao trabalho, mas sem muito entusiasmo. Logo ao entrar, percebi que as coisas não iam bem. Várias pessoas discutiam em uma sala sem se entenderem. Espíritos desencarnados em tristes condições estavam instalados comodamente naquele lar, e a vibração do ambiente era densa e desagradável. Lá dentro, apesar de não ser visto, não pude concentrar-me para observar melhor as causas que deram origem àquele estado de coisas.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 11:16 am

A pessoa a quem procurava estava estendida em um sofá, enquanto na vitrola música barulhenta e desagradável, em tom muito alto, electrizava ainda mais o ambiente, dificultando a minha permanência no local.
Tentei ver seus pensamentos. Tratava-se de um jovem, vinte anos, cuja mãe solicitara auxílio. A queixa era de que ele, preso de obsessão, envolvido por espíritos infelizes e desregrados, entregara-se à viciação e à ociosidade, recusando-se a estudar e a trabalhar, tornando-se agressivo e rebelde com os pais.
O pedido de uma mãe merece nosso respeito, assim fiz o possível para aguentar a agressividade do ambiente e não sair dali correndo desarvorado.
Afinal, aos office-boys da Terra não se exige tanto esforço. Mas eu, que sou teimoso por índole, lutei, orei, pedi, até que consegui acalmar-me um pouco.
O jovem estava em estado lastimável. Espíritos ainda ligados aos problemas de sexo desregrado colavam-se a ele, enquanto ele, por sua vez, olhos semicerrados, dava livre curso à fantasia, compondo cenas eróticas e imaginando sensações infelizes.
Sem saber o que fazer, percebi que realmente não tinha o que indicar como solução, porquanto não conseguia perceber quem assediava quem, tal a simbiose.
Lembrando-me das lições que tinha recebido, procurei um apoio dentro do lar Vocês sabem o que é isso?
Todos os lares sempre possuem um. Há sempre um membro da família em nível melhor, que tem alguma virtude, que ora, que procura melhorar Afinal, a mãe deveria estar ansiosa para ajudar o filho em desajuste.
Fui até a cozinha. A mãe estava conversando alto para poder vencer a algazarra geral, com uma vizinha. As moscas voavam insistentes sobre a louça encostada na pia, e as duas, sentadas confortavelmente, conversavam animadas.
- Ontem eu fui ao centro. Afinal, já fiz de tudo. O Nelsinho não melhora mesmo. Ah! Que triste sina a minha! Um filho preso nas garras dos espíritos malfeitores. Já fui a vários lugares, mas lá, agora, acho que vai dar certo.
Também é a última vez. Se falhar, deixo essas besteiras de lado. Não adiantam mesmo.
- É - fez a outra -, tem razão. Afinal, faz tempo que você está dando chance a eles de fazer alguma coisa. Mas, sabe, tenho uma novidade!
- É? — os olhos dela brilharam, curiosos.
- A loura do 202. Vai separar-se do marido. Eu soube que ele anda de caso com uma moça de dezoito anos. Ela vai ter um filho dele. Não é uma pouca vergonha?
- Que horror! Essas moças desavergonhadas! Vivem tirando marido das outras. Meu marido tem uma prima que saiu de casa e foi morar com um homem casado. Acha que tem cabimento?
Respirei fundo, procurando desligar-me delas. A maledicência tem tentáculos perigosos, e lutei para não me envolver. Afinal, minha curiosidade não é desse tipo.
Fiquei agoniado. Quais as providências a serem tomadas?
De repente lembrei-me da orientação que tinha recebido. O guia espiritual daquele lar por certo poderia informar melhor. Minha cabeça andava à roda como há muito eu não me recordava de ter sentido. Foi então que procurei localizá-lo. Não estava.
Meu tempo foi-se escoando e não consegui nada mais. Foi com dificuldade que preenchi o relatório e retomei ao grupo de auxílio. Estava cansado.
Parecia-me ter trabalhado o dia todo exaustivamente.
André ouviu minhas reclamações, leu o relatório, calmo e sereno, e informou com voz firme:
- Não agrave o problema dos nossos amigos com seus pensamentos tumultuados. Jamais pode envolver-se em julgamentos dos actos alheios, se deseja ajudar. Você, além de absorver resíduos do ambiente, ainda não conseguiu observar profundamente o caso. Acredito que tenha feito treino para essa penetração. Você possui acuidade, perspicácia, que são qualidades preciosas para o exercício dessas actividades. Mas não conseguiu usá-las devidamente.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 8:52 pm

Decepcionado, ajuntei, qual menino apanhado em falta:
- Mas o caso é muito grave e eu não encontrei a solução adequada para sugerir.
- Nem sempre podemos entender os problemas alheios e muito menos solucioná-los. Todavia, guardamos possibilidades de observar com amor e de poder ministrar o auxílio quando necessário.
Curioso, perguntei:- Mas, nesse caso, o que fazer? A casa parece um barco sem leme, onde cada um faz o que lhe parece, sem responsabilidade ou disciplina. Como evitar a presença de irmãos que se afinam com esse ambiente?
- Parece-lhe que o caso não oferece campo para a ajuda imediata?
Um pouco sem jeito, murmurei:
- É isso. Acho difícil qualquer providência nesse sentido por enquanto.
Ele abanou a cabeça.
- É, à primeira vista, parece que não há ali nenhum ponto onde nos possamos apoiar para iniciarmos nossa internes- são de auxílio. Todavia, guardamos o recurso de semear sempre, confiando em Deus. Para ilustração nossa, gostaria de voltar lá comigo?
- Claro - respondi, entusiasmado.
Saímos. Eram 23h, e em poucos segundos adentramos o lar do jovem necessitado. A casa agora estava menos barulhenta e, no quarto, o casal dormia, enquanto os três filhos menores, na sala, assistiam à televisão. Os “Intocáveis” estavam duelando a tiros e eles nem piscavam.
Nosso jovem estava preparando-se para sair. Procurando dinheiro, não achou suficiente e foi ao armário, de onde retirou de uma gaveta duas notas de mil. Saiu, apanhou o carro e ligou o tape no mais alto volume.
O carro arrancou cantando os pneus e, aboletado no assento traseiro, não pude furtar-me a sensação de medo. Olhei o rosto de André, calmo e sereno. Afinal, o que poderia acontecer-me? Corpo de carne eu não tenho. Por que temer?
E começou para nós, fantasmas bem-comportados e sérios, uma verdadeira maratona. Fomos a bares, circulamos por inferninhos, assistimos a cenas deprimentes, infelizes criaturas em busca de sensações nos dois planos da vida. O que fazer?
O dia amanhecia quando retomamos ao lar. Nosso jovem parecia sem sono, apesar da dose de tóxico que ingerira: estava eléctrico. Permanecia envolvido por uma corte de espíritos infelizes.
Foi para o quarto e então uma crise de insatisfação, de desespero, o acometeu. Estirado no leito, chorou, chorou, e eu, que durante horas o julgara empedernido e leviano, senti confranger-me o coração.
André informou:
- Agora é o momento de agirmos. Vamos adormecê-lo. Vamos orar.
Coloquei todo meu empenho naquela prece sentida. O pranto sempre me comoveu. André aplicou-lhe passes, e logo percebi que uma substância viscosa saía-lhe do bulbo.
- Vim para socorrê-lo - disse André ao jovem aflito. - Adormeça, não tema.
O corpo jovem cerrou os olhos, e logo seu espírito desligado surgiu-nos diante dos olhos. Olhou-nos assustado e com olhar fixo.
André, fixando-o com firmeza, disse-lhe com voz clara:
- Ouvimos o seu pranto. Desejamos ajudá-lo.
Pude observar que os espíritos infelizes que o acompanhavam recolhiam-se a um canto, pálidos e assustados como se tivessem visto fantasmas. Será que eles sabiam que também estavam no rol das almas do outro mundo?
Nosso jovem olhava para eles com evidente terror e para nós com assombro. André continuou:
- Nelson, conheço o que se passa com você. Sei por que tem-se entregado a esse desespero, a essa vida sem objectivos. Posso ajudá-lo, mas é preciso que você queira.
Olhei meu companheiro admirado. Como podia saber o passado dele?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 8:52 pm

O jovem olhava indeciso, e André continuou:
- Vamos recordar o passado. Você foi um senhor feudal que morreu assassinado por seus vassalos em tremenda revolução. A partir daí, não aceitou a derrota e a perda dos bens. Tornou-se um rebelde à disciplina e às leis divinas, ao bem geral. Espera que lhe devolvam a posição a que julga ter direito e mantém essa rebeldia, que atinge a todos os que o rodeiam.
Entretanto, tem conseguido apenas atingir a você mesmo. Afina-se com espíritos infelizes, a quem domina e conduz a troco de sensações infelizes. Há muitos anos que o acompanhamos, esperando uma chance para ajudá-lo. E que é preciso compreender que para tudo há uma causa justa. Deus não erra.
Esqueça o passado e tente sinceramente recomeçar Essa posição não lhe tem dado felicidade. Quando renasceu, tinha compreendido e formulado o propósito de mudar. Por que agora não quer cumprir? Por que não luta para progredir?
Lágrimas escorriam-lhe pelas faces pálidas, e eu, comovido, orava em silêncio. Os espíritos infelizes, a um canto, rostos pálidos e tristes, estavam assustados e indecisos.
André continuou:
- Agora pense no que eu disse. Amanhã, quando sua mãe lhe falar para ir ao Centro Espírita, aceite. Lá é que poderemos assisti-lo melhor. Mas leve o propósito de esquecer o passado e aprender a recomeçar. Ele concordou, e André ainda lhe disse:
- Olhe aqueles nossos irmãos infelizes. Esperam pela sua ajuda. Roguemos a Jesus por eles. Agora, descanse. Amanhã será um novo dia.
O jovem acomodou-se de novo no corpo adormecido e pareceu-me mais calmo, tranquilo.
André ainda orou em favor dos irmãos necessitados, que por sua vez acomodaram-se calmos e adormeceram também.
Saímos. Eu estava curioso. As perguntas fervilhando na mente. Meu companheiro sorriu e esclareceu:
- Convidei-o a assistir os primeiros socorros para que possa avaliar como é importante para nós o trabalho que você vai desempenhar e para que se adestre melhor na observação profunda dos nossos tutelados.
- Agradeço sensibilizado. Hoje aprendi enorme lição. Mas, uma coisa me intriga: por que ele pôde receber tanto auxílio? Pelo que pude observar, é ele quem atrai os espíritos infelizes, e se existe obsessão, é ele quem a exerce.
Sua mãe, apesar de ter ido ao Centro pedir ajuda, está muito distanciada das verdades espirituais, e acredito que tem contribuído para que a situação se agrave. O pai é indiferente. Pelo que aprendi, o auxílio precisa de um ponto de apoio.
- Certo. Se você não se chocasse tanto com as aparências teria percebido que ele é um rebelde ferido em seu orgulho, que não aceitou ainda a disciplina regeneradora da vida. Mas teria percebido também que ele estava cansado, exausto, entediado, e se tivesse se aprofundado mais, teria percebido que ele já tinha feito votos de melhoria antes desta encarnação. Já se arrependera e se propusera a mudar, mas por condições da lei natural, reencarnado entre aqueles que lhe tinham tirado a vida em outras épocas, a força do passado o envolveu. Agora tentamos acordar seu espírito para os compromissos livremente assumidos.
- Quer dizer que ele amanhã comparecerá ao tratamento espiritual e conseguirá equilibrar-se?
-Não sei. Essa resposta só Deus possui. Ele vai escolher. Se aceitar, temos todo um programa de auxílio para colocar em execução. Nosso amigo guarda boas possibilidades de trabalho mediúnico. E, se aceitar os postulados da Doutrina Espírita, por certo se libertará, iniciando a própria regeneração.
Mas, lembre-se, isso só acontecerá se ele quiser! Até lá, vamos esperar.
Saímos. A noite estrelada, a beleza da luz acariciava-me o coração. Aceitei o emprego, feliz. Ser office-boy por aqui não é fácil. E, se eu quero exercer bem a nova profissão, tenho muito que treinar e observar. Afinal, o trabalho exercido com amor é fascinante.
Não acham que fiz bem em aceitar?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 8:52 pm

A EXPERIÊNCIA
Vocês já viajaram em um disco voador? Creio que não, porque apesar do muito que se tem falado na Terra sobre tais eventos, raros, muito raros são aqueles que tiveram essa chance.
Confesso que, quando na Terra, principalmente nos sítios ermos, muitas vezes pesquisei o céu pela noite alta, esperançoso de ser raptado por um deles e devassar o mistério fascinante desses objectos não identificados que há anos vêm fazendo desafio à curiosidade humana. Nunca consegui. Não sei se por não despertar neles nenhum interesse para pesquisas ou por eles andarem ocupados com assuntos mais interessantes do que eu, o facto é que nunca os vi, por mais que perscrutasse o nosso céu estrelado e belo..
E natural que, ao chegar aqui, a curiosidade daqueles tempos voltasse a incomodar-me e o interesse por esses aparelhos curiosos reaparecesse. Afinal, então eu estava de posse de novas lentes. Podia enxergar o que os homens não podiam, saber o que aos homens é negado pelos limites da carne. Eu podia, então, descobrir o segredo palpitante dos discos voadores que tanto vem intrigando os estudiosos na Terra.
E claro que exultei. Eu seria o primeiro a dar o “furo” a respeito, contando a vocês a verdade nua e crua sobre esse mistério que vem desafiando a Ciência dos homens.
A princípio, tentei pesquisar por mim mesmo. Assim que pude, já que agora desfruto de liberdade dentro da nossa área de acção, saí, perscrutando o horizonte e pensei: Será que esses engenhos curiosos saíram do nosso plano? Será, que por uma combinação de energia, nossos cientistas não teriam descoberto a maneira de materializar na Terra nossos aparelhos de locomoção tão ágeis e perfeitos?
Eles possuem todas as características dos chamados “discos”. Muitos deles, segundo observei, são esféricos e podem parar no ar, subir e descer verticalmente com velocidade incrível.
Já pensaram, por exemplo, na celeuma que aconteceria se eles, de posse de nova descoberta, materializassem esses aparelhos na Terra por uma hora ou duas?
Resolvi começar aí minhas investigações. Depois do que tenho visto aqui, meus conceitos sobre actividades científicas têm mudado muito.
Em minha hora de lazer dirigi-me a um campo onde circulam esses aparelhos. Era um local maravilhoso, e vendo o bem-cuidado gramado, fiquei um pouco decepcionado. Não vi as tão faladas queimaduras de mato que os discos deixam na Terra como sinal de sua aterrissagem. Mas não podia desistir sem ir até o fim.
Havia um prédio térreo, simples e agradável, onde muitos iam e vinham, alguns com o uniforme de piloto. E que ali havia o adestramento para os condutores do veículo.
Entrei. No hall, um balcão. Aproximei-me. Uma senhora atendeu-me com fisionomia agradável. Fui logo ao assunto:
- Sou repórter - esclareci. - Escrevo para a Terra e desejo visitar este centro de trabalho. Quero escrever para os meus amigos.
Ela sorriu, admirada:
- Você tem conseguido?
- Tenho.
- Acha que esse assunto irá interessá-los? Não acha que será difícil para eles entender e aceitar?
- Não sei. A maioria aqui pensa assim, mas as coisas por lá estão indo depressa. Tem tido notícias?
- Ela balançou a cabeça:
- Não muitas. Desde que regressei, e isso já faz mais de sessenta anos, raras vezes fui até lá. Meus familiares também já regressaram e, no momento, meus interesses estão mais aqui. As poucas tentativas que fiz foram tão improdutivas que desisti.
- Pois eu não. Ainda estou muito ligado à Terra. Amo-a tanto que vivo dividido.- Ela olhou-me, curiosa.
- Como assim?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 8:53 pm

- Metade aqui, metade lá. A metade que está aqui pensa como os daqui, mas a outra metade ainda pensa como se estivesse lá. Deu para entender?
- Deu - fez ela, admirada. - Mas, ainda assim, acho que eles não vão se interessar pelos nossos veículos. Como explicar-lhes as leis físicas do nosso plano?
- Não penso em entrar nesse campo. Não entendo nada do assunto. Acho que não saberia.
- Então, o que pretende?
- Saber como funcionam, isto é, seu raio de acção. Por exemplo: acha que eles têm-se deslocado até a atmosfera terrestre?
- Ela balançou a cabeça.
- Não saberia dizer. Nunca pensei nisso. Aliás, para que iriam mergulhar em atmosfera tão densa? Com que fim? Que eu saiba, eles fazem simplesmente o transporte rápido entre os umbrais e as nossas cidades, sem pretensão ou outras atribuições.
- Será? indaguei, com ar misterioso.
- Ela franziu o cenho, surpresa.
- Acho que sim. Isto é, nunca pensei nisso.
- Gostaria de conversar com alguém que pudesse esclarecer-me. Posso?
- Vamos ver. É a primeira vez que aparece um repórter da Terra por aqui.
Um momento, vou perguntar.
- Satisfeito, aguardei.
- Ela afastou-se e entretive-me observando os que passavam. Havia muito movimento de pessoas, alguns de fisionomias alegres, outros preocupados e tristes, mas todos escoltados, invariavelmente, pelo piloto e por um assistente.
- No campo, as aeronaves, ou melhor, as espaço-naves, ou ainda, as naves, nomenclatura mais adequada, os possíveis discos voadores, iam e vinham, sem grande ruído mas com regularidade. Entretanto, para os meus olhos curiosos e observadores de repórter, não apareceu nenhum ser diferente de anteninhas atentas, nem os famosos homens verdes tão conhecidos dos ufólogos terrenos. Quem sabe, pensei, se eles, quando vão à Terra fantasiam-se para não serem confundidos com os outros homens? Quem sabe se eles não conseguem ainda manifestar-se no ambiente da Terra de forma diferente?
- Eu precisava descobrir. Tinha visto muitas fotografias dos discos voadores e confesso que a semelhança era grande. Achei que estava na pista certa.
- Ela voltou indicando-me a direcção:
- Siga pelo corredor à direita, a segunda sala. Procure pelo assistente Alberto. Poderá atendê-lo por quinze minutos.
- Agradeci e, rápido, dirigi-me à sala indicada. Alberto recebeu-me afável, mas sério. Gestos pausados, olhar firme.
- Disseram-me que você é repórter. Tem aval?
- Tenho - afirmei, tranquilo.
- Por certo, se eu não tivesse permissão para trabalhai; não me atenderia.
- Muito bem, em que lhe posso ser útil?
- Não conheço bem nossos meios de transporte. Gostaria de aprender.
Escrevo para a Terra.
- Muito bem. Disponho de quinze minutos. Vamos sair Desejo mostrar-lhe nossa organização.
- Esses aparelhos são fabricados aqui?
- Não - respondeu ele, calmo. - Há um centro de pesquisa que os idealiza e depois um outro que os fabrica. Aqui só mantemos a estação central, de onde as naves saem para as diversas actividades do nosso plano.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 8:53 pm

Saímos. Passamos por salas diversas de trabalho, com painéis, botões, luzinhas e gráficos, como devem ter todos os “nave-portos” que se prezam.
- Quais os limites dessas naves? - inquiri, curioso.
- Elas gravitam em determinada faixa de nosso plano e não conseguem circular senão dentro desses limites, aliás, como todos os engenhos desse tipo.
- Poderiam excursionar até a crosta terrestre?
- Sim. Poderiam, e muitas vezes o fazem, transportando pessoas dos postos de socorro e atendendo trabalhos urgentes.
- Ah! - fiz, pensativo.
- Mas não é comum chegarem a tanto. Para isso dispomos de veículos mais simples, de tração mais pesada, e que se assemelham muito aos veículos terrenos.
- Alguns homens encarnados poderiam “ver” essas nossas naves?
- Claro. Como você deve saber, há na Terra muitas pessoas que são sensíveis a nossa dimensão de vida e conseguem não só perceber como até visitar nosso ambiente. Nesses casos...
- Refere-se aos médiuns?- Sim.
- Ah!... E, não sabe se por um acaso nossos cientistas já conseguiram materializar na Terra um desses veículos?
- Com que finalidade?
- Isso não sei. Para pesquisar melhor, para despertar o interesse da ciência para as coisas do nosso mundo. Muitos deles, como você, ainda são materialistas.
- Ele olhou-me curioso. Naquele momento, senti-me um pouco ridículo.
Como aquele homem equilibrado e sóbrio poderia compreender e justificar minha suposição?
- Respondeu sério:
- Não. Acho que não. Seria um esforço inútil e muito dispendioso.
Gastariam muitas horas, muita energia, muito esforço, muito trabalho para conseguir tão pouco que não os acredito dispostos a tentar.
- Acha que provar a nossa existência, solapar o materialismo do mundo não seria um bem?
- Claro. O materialismo tem sido causa de muito sofrimento, de muita perda de tempo, de muitos erros dos homens. Mas, não acha que a vida guarda recursos mais eficientes e mais oportunos para fazer isso?
- Fiquei pensativo. Ele prosseguiu:
- O homem só compreende quando sente, só aprende quando experimenta.
- Então, não há nada a fazer com os materialistas, os negadores inveterados?
- Nada a não ser esperar pela acção do tempo. Afinal, a morte tem sido, em todas as épocas, eficiente meio de mostrar essa verdade. Mas, você já reparou que alguns nem assim conseguem acreditar?
- Era verdade. Muitos, até depois de mortos na carne, não conseguiam perceber o espírito eterno. Fiquei sem assunto. Ele, cortesmente, ofereceu:
- Gostaria de viajar em um dos nossos veículos? Já experimentou?
- Não. Ainda não tive ocasião.
- Muito bem. Meu tempo esgotou-se e preciso ir. Vou apresentá-lo a um dos nossos pilotos.
- Acenou para um deles que passava, apresentando-me e dizendo:
- Acho que ele vai pelo seu roteiro. Em todo caso, leve nosso amigo para conhecer seu itinerário todo, se é que ele dispõe de tempo.
- Obrigado - agradeci, apertando-lhe a mão.
- Meu nome é Mário - apresentou-se o piloto.- O meu é José - respondi, contente.
- Afinal, eu ia viajar num daqueles fabulosos aparelhos. Fiquei emocionado.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 8:53 pm

Bem que ele poderia mesmo ser um disco voador.
- Aproximamo-nos do veículo em forma de esfera, com uma plataforma ao redor, como um anel de material semelhante ao metal, ao aço da Terra. Não estava no solo, conservava-se a um metro do chão. “Talvez seja por isso que ele não queime a grama”, pensei, esperançoso.
- Pequena escada de material leve dava acesso à porta que, levantada, aguardava nossa entrada. Convidado a subir, entrei com entusiasmo.
- Afinal, estava ingressando em um disco voador que podia não ser dos mesmos que aparecem na Terra de vez em quando, mas que era muito parecido, lá isso era.
- Dentro era mais espaçoso do que se podia perceber do lado de fora.
Algumas poltronas no centro e ao redor, cabinas e painéis de comando, com aparelhagem específica e complicada que não saberia descrever.
- Algumas pessoas sentadas, algumas senhoras, três cavalheiros e dois adolescentes. Em um canto, uma maca, alguns aparelhos para socorro. Duas enfermeiras.
- Fiquei agradavelmente surpreso. Mário apresentou-me, atencioso. Depois esclareceu:
- Nossa rota agora é especial. Precisamos transportar alguns amigos em precárias condições e estamos equipados para isso. Nossos irmãos médicos, as enfermeiras e alguns familiares dos nossos tutelados.
- Quer dizer que esta nave destina-se ao socorro?
- Sim. Vamos descer a um pronto-socorro nas proximidades da Terra. Uma ambulância transporta já os nossos amigos. Desencarnados violentamente, já há algum tempo, foram assistidos em uma casa de socorro na Terra mesmo.
- Agora, estando desligados dos vínculos mentais mais fortes, foram colocados na ambulância, e nós devemos resgatá-los.
- Esqueci-me dos discos voadores e de tudo o mais.
- Casa na Terra? Poderia ser mais claro?
- Por certo. Um trabalho de socorro em um Centro Espírita. Você que escreve para a Terra não conhece isso?
- Ah! - respirei, aliviado. - Claro.
- Então. Eles fizeram o trabalho de desligamento sob a direcção dos nossos
maiores, e agora compete-nos recolhê-los.- Todos os que desencarnam violentamente são recebidos assim?
- Claro que não. Esses dois irmãos que vamos buscar desfrutam de intercessão do mais alto, em virtude das boas obras que fizeram. Estão unidos ao nosso plano, de onde saíram para reencarnar, e durante sua estada na Terra nos prestaram serviços apreciáveis.
- E por que desencarnaram de forma violenta?
- Era necessário. O passado sempre cobra suas contas. Aliás, eles concordaram. Estava no programa deles.
- Ah! - fiz sério, diante da importância do trabalho que íamos desempenhar.
- Olhei pela janela, a paisagem era densa já, e a neblina envolvia a nave.
- A paisagem é sempre essa, assim, sem visibilidade? - Inquiri, curioso.
- Não, claro que não. Observe, vamos sair dessa faixa. Estamos chegando.
- De fato, a claridade já se fazia filtrar pela neblina, que foi escasseando, e o céu azul e límpido surgiu brilhante.
- Estamos na Terra? - perguntei, curioso, olhando o casario lá embaixo, já visível.
- Quase. Mas não vamos baixar até lá. A densidade e o magnetismo terrestre podem desajustar nossos instrumentos.
- Não diga! E não descobriram meios de controlar isso?
- Talvez. Mas não temos necessidade de chegar lá. Nossas ambulâncias chegam até nós.
Sorri admirado. Ambulâncias aéreas! Nunca teria imaginado.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 8:53 pm

Mas era verdade. Havia uma estrada onde baixamos nossa nave e onde já nos aguardava uma ambulância.
Simpáticos assistentes nos atenderam com satisfação. E vi quanto eles faziam o transporte dos feridos, olhei para baixo. Lá, bem lá embaixo, a cidade terrena, e nós, lá em cima, no sagrado ministério do socorro.
Podem imaginar como me senti? Que disco voador poderia oferecer-me tanta admiração, tanta alegria, tanta devoção?
E, na viagem de regresso, enquanto o atendimento se processava com aqueles companheiros, não pude deixar de orar, de participar, de agradecer.
Poderia haver felicidade maior?
Quando deixei a nave, depois de transportados os doentes ao hospital, e de despedir-me dos amigos, senti-me feliz, muito feliz.
Afinal, não tinha ainda descoberto o mistério dos discos voadores para contar a vocês, mas, será que não descobri algo melhor?
Também não posso afirmar taxativamente que nossos veículos não sejam os instrumentos não-identificados que por vezes têm sido vistos na Terra. Afinal, ainda não consegui descobrir ao certo. Mas, conhecendo-me como me conhecem, não acham que de qualquer forma vou continuar a investigar?
Assim que souber, voltarei para contar.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 8:54 pm

A REQUISIÇÃO
Em que pese a nossa auto-suficiência, há sempre um dia, uma hora, um momento em que nos encontramos na contingência de pedir.
Por mais orgulhosos que sejamos, por mais independentes que pretendamos ser, há momentos em que tudo isso cai por terra e nos vemos qual folha batida pelo vento, sentindo o peso da nossa própria indigência, diante da necessidade de buscar a ajuda do semelhante.
Assim, a hora do pedido, da dor, da realidade e da necessidade soa sempre para cada um, fazendo-o compreender seus próprios limites, e, por que não dizer, sua dependência.
Sei que alguns não vão concordar comigo, porque vão dizer que podem viver sozinhos, que têm dinheiro ou que jamais precisaram pedir o que quer que seja nem a Deus.
Essa posição o tempo se encarregará de modificar, e é por isso que os fantasmas conscientes, que já estão a serviço do bem, socorrendo as almas “atormentadas” do mundo, têm nele o grande aliado. Coloca-os muitas vezes na posição de espectadores interessados e atenciosos, a aguardar o precioso momento em que seus tutelados tomam consciência da realidade.
Por outro lado, enxameiam os pedintes de todos os quadrantes, dependentes acomodados, a tecer longos discursos numa lista infindável e sempre renovada de necessidades, como se seus protectores desencarnados possuíssem uma varinha mágica. Muito deles dirigem-se sem pejo nem consideração aos santos famosos e bem-aventurados, cujas imagens cultuam religiosamente, benzidas e iluminadas com velas semanais, exigindo isso ou aquilo, como se eles tivessem a obrigação de resguardar o próprio prestígio atendendo-lhes as rogativas.
Claro. Imaginam que um santo famoso que se preze precisa manter sua fama e deve produzir um milagre de vez em quando, e zelar pelos seus adeptos como um superpai, naturalmente, já que é um ser que possui poderes e graças.
Irritam-se se por acaso seus rogos não são ouvidos, e alguns mais indignados “castigam” o santo, suprimindo as velas por algumas semanas, ou colocando suas estátuas amarradas e em incómodas posições. Se ainda assim não conseguem seus intentos, mudam de devoção. Afinal, para que existem tantos santos na calendário?
E o que dizer daqueles que repartem seus lucros financeiros com percentagem para os espíritos e até para Deus?
Até que ter um santo forte como sócio nos negócios pode ser mesmo muito rentável. Quem teria coragem de pôr olho gordo com um sócio dessa estirpe?
Que negócio iria falhar com um parceiro luminar?
Depois, ele por certo não reclamará das percentagens recebidas; afinal, para eles, interessados nos bens espirituais, tudo está bem.
Há ainda os que pedem a intervenção divina em seus problemas prometendo em troca as mais inusitadas compensações que, em última análise, apenas beneficiarão a si mesmos. “Se eu conseguir o que desejo, prometo deixar de fumar”; ou então, “se eu conseguir o que quero vou a pé de tal a tal lugar”; ou ainda, “Se alcançar esta graça dou tanto para os pobres.” Querem “emprestar” a Deus, como se ele estivesse necessitado, e como se o pedinte tivesse algo para “emprestar”.
Nessa hora eu gostaria de perguntar: Quem está endividado, já em concordata e em vias de falência, tem algo que seja para pagar as dívidas?
Mas esses dependentes contumazes não sabem que as orações são medidas não pelas palavras, não pelas oferendas, não pelos sacrifícios que lhes trarão benefícios, e por certo não comprarão os favores divinos, mas sim pelo teor dos sentimentos, pelas reais necessidades do pedinte, pelo interesse que demonstre em lutar, reagir, trabalhar, melhorar e ajudar os outros.
Esse conjunto de sentimentos é que produz um grau de vibração que alcança os planos mais elevados e que determina o atender, como e quando, de que maneira, a solicitação.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 8:54 pm

Eles possuem condições de examinar a situação e resolver, de maneira justa, certa, oportuna, como actuar. Por isso, na Terra, muitos cansam-se de pedir, rogar, e apesar de seus protectores estarem circulando ao seu redor tentando auxiliar, não conseguem ser atendidos.
Conhecedor de tais problemas, resolvi ir ao centro de registro da nossa comunidade, em uma tarde de sábado, quando dispunha de algumas horas de lazer, para observar ali como funcionavam nossos serviços de atendimento às rogativas.
Fui atendido por uma moça atenciosa que me recebeu muito bem.
- Sou repórter - comecei, como sempre. - Escrevo para a Terra.
- Ela não estranhou. Disse com simplicidade:
- Tarefa difícil. Tem tido boa receptividade?
- Estou tentando. Os amigos gostam e aceitam o que escrevo. Mas o futuro dirá se terei sucesso.
- Já calibrou sua receptividade?
- Como assim?
- Testar o grau do seu aparelho receptor e depois o reflexo do percentual que conseguiu filtrar nas pessoas que o lêem.
- Não - respondi, admirado.
- Jamais me passara pela cabeça munir-me de aparelhagem especial para esse tipo de teste.
- Pergunto porque aqui possuímos aparelhos de simples manejo que podem decodificar tudo, registrar as emoções, seleccioná-las e revelar em detalhes o que precisamos saber.
- Abanei a cabeça um tanto embaraçado:
- Não diga! Mas, por agora não pretendo realizar essa pesquisa. Afinal, eu não saberia, e o meu trabalho é muito modesto. Estou apenas começando.
- Ah! - tornou ela, olhando-me firme, como que querendo penetrar meus mais íntimos pensamentos.
- Sustentei o olhar, e ela esclareceu:
- Muito bem. Vou designar uma pessoa para atendê-lo e conduzi-lo às nossas dependências.
- Obrigado - respondi, satisfeito.
- Depois de alguns minutos veio ao meu encontro um homem forte, aparentando meia-idade, alto, vestia avental branco e tinha um crachá na lapela.
- Sou Osmar - apresentou-se. - Fui designado para acompanhá-lo em sua visita.
- Obrigado. Eu sou José. Escrevo para a Terra.
- Eu sei. Já o conheço.
- Um calor aqueceu-me o coração. Era evidente que ele tinha sido brasileiro. Ter-me-ia visto na Terra como artista?
- Ele esclareceu:
- Sei que foi famoso por lá, mas não foi do meu tempo. Eu vim para cá há mais de trinta anos. Naquela época não havia televisão. Eu trabalho nos registos de recepção da nossa cidade e posso dizer que já recebi algumas de suas solicitações. Você sempre pede com muita veemência, e se falar adiantasse, teria conseguido tudo quanto pediu.
- Olhei-o curioso. Por mais que viva por aqui não me acostumo com essa penetração íntima que me parece adivinhação sobrenatural e que sempre me causa estupefacção.
- Sempre tive argumentos para falar - comentei, sem saber o que dizer.
Quantas preces tinha formulado, quantos pedidos havia feito desde que acordara no outro lado da vida?
- O que gostaria de visitar? Nosso centro é grande e precisamos centralizar nossa actividade para ser produtiva.
- Sempre tive curiosidade de ver um centro de registro das rogativas.
- Muito bem. Venha comigo.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 25, 2024 8:54 pm

- Acompanhei-o pelos corredores espaçosos e claros onde suave melodia em surdina enchia o ar. Entramos em uma sala onde, na penumbra, alguns atendentes observavam alguns aparelhos, colocando fichas, recolhendo-as, seleccionando-as atenciosos. Minha curiosidade aumentou. Por que essa penumbra?
- Osmar conduziu-me até um aparelho que se assemelhava a um computador terreno. Estava desligado.
- Este é meu sector de actividades. Estou em hora de descanso, mas vou trabalhar para que você veja como tudo funciona.
- Por que a sala está tão escura?
- Para não destruir as energias ténues. Na obscuridade elas se tornam visíveis. É preciso muito cuidado para não se cometer nenhuma injustiça. Se por acaso falharmos em nossa tarefa, o que é difícil, somos convidados a deixar o centro e ir ajudar o caso em que prejudicamos, até repor nossa interferência e compensar a falha cometida.- Ah! - fiz, admirado. - Você já teve um caso desses?
- -Já. Tive de organizar um grupo de socorro e trabalhar arduamente para consertar meu descuido.
- E depois pôde voltar ao trabalho naturalmente.
- É. Eles acham que o erro, quando visto com responsabilidade e corrigido, nos ajuda a ser mais firmes e seguros.
- Ah! - foi o que pude dizer.
- Veja, vou ligar o aparelho. Observe.
- São pedidos da Terra?
- Não obrigatoriamente. Devo esclarecer que a maioria dos pedidos comuns da Terra não chegam até aqui. São absorvidos pelos postos que estão mais perto, coexistentes com a crosta. E preciso certo poder mental, certo teor de vibração para conseguir chegar aqui em nossos registros. E note que nosso plano ainda é muito terreno.
- Ele ligou alguns botões e logo as fascinantes luzinhas coloridas começaram a piscar, e em um painel começaram a aparecer energias coloridas em ritmo cadenciado, que eu podia perceber serem equivalentes à voz humana.
- Este registro é de uma pessoa da Terra.
- Se chegou aqui é porque tem força!
- E, tem força de vontade, sentimentos, fé. Vamos ver.
- E aí, que maravilha, em uma tela junto ao painel apareceu a figura de um jovem de uns dezoito anos mais ou menos. Estava em um quarto, e orava comovido. De sua cabeça saíam jactos de luz que alcançavam nosso aparelho, e eu pude sentir, emocionado, o impacto da sua vibração altamente espiritualizada. O ambiente era de classe média, no leito um homem agonizava. Ao redor, uma mulher abatida e duas crianças assustadas.
- Osmar, embora comovido, tomou:
- Pede pela vida do pai. Vamos ver.
- Rapidamente accionou alguns botões e apareceu na tela um casal jovem e, maravilha, o espírito do jovem em oração despedindo-se dos amigos para renascer.
- Seja feliz na sua tarefa - dizia-lhe um assistente espiritual.
- Só peço que não me dêem facilidades para que eu não venha a fracassar.
- Fique tranquilo. Quando chegar a hora você assumirá a família. Estará ocupado.
- Que não seja muito tarde, porquanto espero escapar das tentações da mocidade.
- Está vendo? - ajuntou Osmar. - Ele pediu, foi programado. Vamos falar com seu guia espiritual.
- Ele accionou o aparelho e um rosto simpático apareceu na tela.
- Aqui é o posto três de escuta. Recebemos a rogativa do seu tutelado. O que nos pode dizer? Quais as providências que solicita?
- Estou comovido. Mas o desenlace está programado. Peço ajuda para a esposa, que não tem ainda muito entendimento. Nosso amigo está bem. Já providenciamos um grupo espírita para socorrê-lo e iniciá-lo na tarefa.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 11:32 am

Tudo em paz, na graça de Deus. Ele terá de trabalhar duro para sustentar a família e deixará os estudos por enquanto, conforme o que foi programado.
- Muito bem. Mandaremos o pedido, e pode aguardar nossa assistência.
- Osmar recolheu uma ficha, desligou o aparelho e colocou-a em uma abertura por onde ela desapareceu.
- Eu estava curioso e emocionado.
- E então? Quer dizer, que apesar de todo seu merecimento, ele não vai ser atendido em sua rogativa?
- Ao contrário. Ele vai ser atendido. Não em seu pedido actual, mas no pedido que fez como espírito de posse de toda sua lucidez!
- Que maravilha!
- Mas vamos dar-lhe toda a cobertura. Não lhe faltarão os recursos do trabalho honesto para o pão de cada dia, nem saúde, nem apoio espiritual.
Terá a luz da Doutrina Espírita a esclarecer-lhe o caminho e a consolá-lo nas lutas da Terra. E ainda desenvolverá suas potencialidades espirituais pela mediunidade, atendendo vasto serviço de benefícios ao próximo em nome do Cristo. Terá ajuda segura em tudo isso, desde que não se afaste dos caminhos a que se propôs no Plano Maior.
- E, se isso acontecer?
- Buscaremos alertá-lo. Mas foi por isso que ele pediu as dificuldades. Para evitar o período mais perigoso, que é o da adolescência e da primeira mocidade.
- Ah! - fiz, emocionado.
- Vamos sair. Nosso tempo esgotou-se, tenho outros compromissos daqui a pouco.
- Agradeço muito sua atenção. Deve ser maravilhoso viver como você.
Penetrar tantas almas e conhecer os segredos da ajuda real e verdadeira. - Saímos em silêncio. Fora, ele me disse:
- Não pense que eu seja um privilegiado. Estou aqui para aprender o valor da verdadeira prece. Quando na Terra, fui pedinte contumaz. Não fazia nada sem dividir a responsabilidade com os outros, com os santos, e até com Deus.
Cobrava sempre, exigente e revoltado quando não conseguia o que pretendia.
Aqui, depois de servir em várias áreas, compreendi que não me libertava da dependência e pedi para trabalhar nesta tarefa a conselho dos nossos maiores.
Comecei em um posto na Terra mesmo, onde o peditório é mais confuso e difícil. Depois, com o tempo, consegui vir para cá. Pode ter a certeza de que aprendi muito. Já não peço coisas desnecessárias e impossíveis. Só requisito o que preciso depois de muito pensar, e raramente. Afinal, Deus sabe o que é melhor para mim.. Ele não dorme em serviço.
Sorri à brincadeira, agradeci e saí, preocupado com as requisições que vinha fazendo ultimamente.
Mas, de uma coisa tenho certeza e não abdico: a vontade de escrever a vocês. E..., se eles estão deixando é porque acham que estou aprendendo e sendo útil de alguma forma.
- Não pensam como eu?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 11:32 am

O DESENCARNE
O relógio bateu dez horas e levantei-me esperançoso. Havia duas horas que me encontrava no quarto do hospital e o quadro não oferecia mudança. O mesmo problema difícil do desprendimento, da hora extrema em que o espírito, atordoado e inseguro, habituado às amarras carnais durante anos e anos de dependência, receia o salto para o outro lado.
Não se recorda da outra vida, carrega laços de afectividade alimentada durante sua permanência na Terra. E, como sempre acontece, por mais que nós, seus amigos do outro mundo, tentemos transmitir pensamentos de calma e de confiança, o enfermo em vias de libertação prefere agarrar-se ao mundo com unhas e dentes e retardar o momento do desligamento, mesmo ao preço doloroso dos achaques e mazelas da carne em disfunção.
O que fazer? Nós também fizemos o mesmo quando nos tocou a vez. Por mais que nos falem sobre a outra vida ou sobre a vida que continua em outra dimensão, não podemos nos furtar, lá no fundo, no fundo, ao receio do desconhecido. Depois, como dissociar o corpo físico do nosso eu, se durante tantos anos ele foi uma extensão nossa e tanto nos amoldamos a ele no comando de suas funções como instrumento de nossas manifestações e percepções no mundo? Receamos, ao ficar sem ele, não ter mais possibilidade de usufruir da mesma lucidez e do mesmo grau de consciência.
Ilusão, tudo ilusão. Mas é tão forte que às vezes se torna preciso ajudar o desligamento com algumas providências especiais.
Espiei o rosto de Ernesto. Estava pálido e emagrecido. Sua respiração era irregular, porém o coração resistia, impávido, aos atropelos e dificuldades de um corpo já desgastado e com seus sistemas comprometidos.
Eu o tinha conhecido quando estava no mundo e apreciava-o, apesar da timidez do seu carácter introvertido. Sempre pobre de palavras. Era cumpridor de suas obrigações como funcionário da seção de Divertimentos Públicos do Estado, onde expedia os alvarás para as casas de espectáculos.
Gostava de teatro, e como tinha entrada livre, quase sempre comparecia aos meus espectáculos. Nossa amizade datava daquela época, e agora, em minhas actividades periódicas de socorro, eu fora designado pela nossa equipe para uma visita, para verificar por que ele ainda não tinha conseguido desvencilhar-se dos laços carnais.
Havia um atraso em sua chegada e seu guia espiritual, que o vinha assistindo, pedira auxílio; e eu ali estava para averiguar o que estava acontecendo.
Apesar de muito mudado, logo ao entrar o reconheci. E, com emoção, recordei nosso relacionamento amistoso, com funda saudade.
De repente, a vida nos prega peças, colocando-nos comovidos e emocionados frente a nossas lembranças guardadas com carinhosa emoção.
Bons tempos aqueles. Não que agora eu não esteja bem, muito pelo contrário, a vida aqui é ampla, plena, intraduzível. A felicidade, o sentimento, a certeza do futuro melhor, nos balsamizando o espírito. Voltar a renascer na Terra nos assusta muito, mas a recordação daqueles tempos acalenta meu coração, acelerando suas batidas, e reconheço que me sensibiliza até as lágrimas.
Eu estava ali havia duas horas. Logo à chegada, Manoel, o assistente de Ernesto, que o vinha acompanhando há anos e com o qual mantinha laços de ligação entretecidos em vidas passadas, recebeu-me atencioso.
- Ainda bem que veio. Estava já preocupado. Ernesto não quer ouvir-me.
Tenho tentado fazer-me visível, mas ele agarra-se ao corpo, repudia meu pensamento e nada consegui. Penalizam-me seus sofrimentos. Já devia ter-se libertado, porém, não quer aceitar o desligamento. Por isso pedi ajuda. Quem sabe nossos maiores possam ajudá-lo?
- Vamos ver o que se passa - ajuntei, interessado. - Vamos nos concentrar.
Fixei meu pensamento no frontal do enfermo. Ernesto pensava:
- Quero viver! Não vou morrer! Não quero. Isto não vai acontecer comigo.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 11:32 am

- Acalme-se Ernesto. Confie em Deus. A morte do corpo não é o fim. Vim para provar-lhe isso.
Ele nem pareceu ouvir. Agarrado ao corpo, seu pensamento dominante era de resistência.
Esse não era o primeiro caso que eu assistia. Tinha presenciado muitos outros, e havia várias formas de persuadi- lo. Mas Ernesto parecia irredutível, não dava o mínimo acesso a qualquer ajuda possível do nosso plano. Cortara voluntariamente todos os elos de ligação mental com o nosso mundo.
Todavia, seu corpo físico estava tristemente descomposto, e os médicos não podiam compreender como Ernesto não morria. Quando parecia que ele ia exalar o último suspiro, de repente novo sopro de vida se lhe aparecia, causando espécie não só nos médicos, como até na família.
Sem ter conseguido modificar o quadro a que assistia e percebendo que a situação era de urgência, apelei para o meu superior que assistia às actividades do nosso grupo. Chamado ao local, prontificara-se a comparecer às 10 h, e eu aguardava sua presença sempre oportuna e operosa.
Não tive que aguardar muito. Jaime entrou no quarto em companhia de uma jovem senhora. Seu rosto era tão agradável que eu não saberia dizer se por causa da extrema beleza de seus traços ou das radiações de simpatia, de alegria que transmitia.
- Essa é nossa amiga Cora.
- Muito prazer - respondi, contente.
Jaime aproximou-se do leito, colocou a mão sobre a testa do enfermo durante alguns instantes e depois tornou:
- De fato, está mal. Vamos ajudá-lo.
Duas enfermeiras do nosso plano entraram, colocando- se ao lado do leito.
Jaime esclareceu:
- Eu podia desligá-lo já, cortando os laços mentais que o prendem ao corpo, mas seria muito melhor se contássemos com alguém encarnado que pudesse ajudar.
- De que forma? - indaguei, curioso.
- Esclarecendo-o. Recusa nosso pensamento, agarra-se ao corpo, mas por certo ouvirá o que uma pessoa encarnada lhe disser.
- Mas ele não está em coma? Como poderá ouvir?
- Não vai ouvir através do corpo, mas como espírito. Acredito que não se recuse a entender.
- O que vamos fazer? - perguntei, interessado. Como encontrar alguém encarnado que lhe fale o que precisa ouvir?
- Deixe comigo - disse Cora. - Vou resolver isso.
Saiu, e logo depois, uma enfermeira encarnada entrava no quarto. Cora a acompanhava. A enfermeira aproximou- se do enfermo com sentimento de piedade.
- Pobre homem - pensava. Como sofre. Melhor seria que partisse. Seu espírito está preso ao corpo. Como ajudar?
Passou os olhos pelo quarto e, decidida, aproximou-se mais dele.
- Só Deus pode ajudá-lo — pensou. E proferiu comovida oração em favor do enfermo.
Cora, satisfeita, acercou-se dela, colocando sua mão direita sobre sua testa.
- E se eu conversasse com o espírito dele? - pensou a enfermeira. - Talvez dê resultado.
Em voz baixa, porém firme, começou dirigindo-se a Ernesto:- Sr. Ernesto. Pode ouvir-me? Quero socorrê-lo. Sou sua enfermeira.
Quando chegou aqui, conversamos muito. Não se recorda?
Apesar de não perceber nenhuma alteração no doente, continuou:
- Desejo seu bem. Confie em Deus. Descanse seu espírito. A vida é eterna.
Não tenha medo. Seu corpo está no fim. O que espera ainda dele?
Nós permaneceríamos em prece fervorosa. Vi quando o espírito de Ernesto ergueu-se um pouco do corpo, procurando perceber a enfermeira. Jaime aproveitou e emitiu energia sobre ele, que por alguns instantes saiu do torpor em que se encontrava, fixando a enfermeira.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 11:32 am

Ela continuava:
- Sei que amigos dedicados o esperam do outro lado da vida. Por que se recusa a seguir?
- Tenho medo! - tornou ele, trémulo.
Assistida por Cora, ela continuou:
- Seu medo não se justifica. A vida continua. Largue esse pobre corpo que já lhe serviu tanto tempo. Deixe-o agora e verá como vai ficar bom. Todo seu mal vai desaparecer. Ficará forte e curado. Olhe ao seu redor e veja.
Naquele momento, ajudado por Jaime e Cora, ele olhou para mim:
- Dr. Silveira! - gritou, assombrado. - Estarei sonhando? O senhor está vivo?
- Sim - respondi, alegre. - Estou vivo. Vim buscá-lo. Logo você estará curado e feliz como eu. Venha comigo, deixe esse lugar de sofrimento. Quero mostrar-lhe o nosso mundo, a beleza da vida, a luz da alegria e a bênção do amor!
Fixou-me comovido e respondeu com esforço:
- Sim. Eu quero ir. Quero viver. Quero ir com o senhor.
E desfaleceu. Foi então que Jaime, trabalhando rápido, assistido pelas duas enfermeiras do nosso plano, desligou definitivamente o espírito de Ernesto, enquanto a enfermeira encarnada, após comovida prece, percebeu que o seu doente acabara de morrer.
E enquanto nossa equipa, com carinho e presteza, atendia às últimas providências ao espírito do Ernesto adormecido, eu, a um canto, agradeci a Deus por ter podido participar. Não me envergonho de dizer que naquele momento não consegui conter o pranto e, emocionado, comecei a chorar.
Será que poderão compreender o que senti?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 11:33 am

O RECRUTA
Navegando em berço esplêndido, ninguém pensa na dor enquanto ela não aparece. Mas, assim que ela aponta, procuramos atacá-la de todas as formas para nos libertarmos o mais depressa possível.
Tanto as dores físicas quanto as dores morais têm sido combatidas, embora se apregoem pelo mundo suas virtudes e sua utilidade.
Dor? Nunca! Deus, apesar de permiti-la, permitiu também que se descobrisse o analgésico que tem ajudado o homem nessa luta contínua. Mas se as drogas atuam no corpo e às vezes embotam as percepções da alma, ainda não existe remédio seguro para as dores profundas do espírito.
Por mais que o homem mergulhe no álcool ou nos alucinogénios até a inconsciência, sempre voltará às feridas dolorosas que guarda no íntimo.
E eu pergunto: O que adianta o analgésico se o tumor está lá? De que valem os paliativos se a moléstia permanece?
O homem adora paliativos. Sempre tenta panaceias, desde que o mundo é mundo. E, o que lhe tem valido? Por acaso elas resolveram seus problemas?
Acredito que não.
O medo de enxergar sua ferida, de corajosamente tentar curá-la, tem sido agravante maior dessa situação calamitosa em que muitos se debatem.
Se tivéssemos essa coragem, será que a Terra seria esse “vale de lágrimas” que muitos acreditam? Será que essa imagem dolorosa não seria vencida em definitivo?
Talvez. Esses casos de valentia, de coragem, são pouco numerosos, e o medo em todas as suas faces tem acompanhado a maioria, limitando seu progresso e seu amadurecimento, retardando sua libertação.
Por isso, muitos companheiros chegam aqui em nosso mundo completamente derrotados, desiludidos, tendo lutado a vida inteira para fugir de todas as dores, trazendo-as ainda como bagagem volumosa nessa viagem compulsória e indesejada. Se o medo da verdade, de conviver com a dor, de entendê-la em sua função libertadora era constante quando na carne, aqui, onde tudo obedece às leis das quais ele se encontra distanciado e esquecido, é ainda pior.
Se na Terra o homem era escravo do medo, aqui corta e fecha as possibilidades da ajuda e do esclarecimento.
Há de ver-se o trabalho que desenvolvem nossos companheiros no socorro e no atendimento dos que chegam, muitas vezes requisitando providências trabalhosas para que aceitem o novo estado.
As vezes fico pensando. Será que o medo constante de sofrer, de ter dor, não a fortalece? Será que, pensando nela, tendo a vida inteira lutado para derrotá-la, não a alimentamos? E o que sinto quando vejo aqui irmãos nossos que, apesar de terem se libertado da carne, ainda cultivam ódios, mágoas, ambições, e cristalizam a mente no passado doloroso que alimentam e revivem.
Parece masoquismo, mas é assim mesmo. O medo pregando-nos essas peças. Embota-nos as ideias e deturpa os acontecimentos.
Por isso é que os estudiosos modernos, os psicólogos, os terapeutas, os sociólogos, registando esses problemas no comportamento humano, estudam as fobias, procurando entender-lhe os meandros para tentar ajudar a humanidade.
Entretanto, não é fácil, porque cada um guarda nas profundezas de sua personalidade nuanças e traumas, fatos vivenciados, desejos reprimidos, fantasias e deturpações, associações e conceitos tão diversificados que qualquer regra se perde nesse emaranhado transformado em círculo vicioso.
Não que isso seja impossível. Claro que um dia eles vão conseguir ajudar, e alguns até, instruídos pelos amigos espirituais interessados em seus pupilos, vão acertar, mas o campo é vasto e requer principalmente que o próprio interessado deseje sinceramente e se empenhe em varrer o medo e cooperar.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 11:33 am

Pensando em observar melhor, inclusive para poder resolver problemas que me preocupam, visitei, em uma tarde de domingo, um Centro de Socorro, onde se reúnem os mensageiros antes de sair no desempenho de suas tarefas.
Meu amigo Jaime desempenha nesse agrupamento tarefas de assistente e, por isso, obtive permissão para essa pesquisa. Fiquei ao lado dele enquanto recebia os grupos e os trabalhadores que estavam em actividades, trazendo suas dificuldades para que ele os ajudasse, ou seus projectos para serem estudados.
Jaime ouvia-os com atenção e seriedade. A maioria era experimentada e eficiente nas técnicas da assistência e todos demonstravam vontade de ajudar.
O que me emocionou muito foi perceber-lhes o amor pelos que estão ainda na Terra em vias de desligamento dos vínculos carnais.
Cada um atravessa essa hora única e intransferível acreditando-se sozinho e perdido nas próprias emoções, mas é puro engano. Amigos generosos e dedicados velam por nós e nos assistem carinhosamente. E, se sofremos mais os desacertos do depois, é porque não confiamos e não nos entregamos com fé a Deus.
A figura que estava diante de Jaime era um pouco diferente das demais.
Baixo, troncudo, braços musculosos, moreno, tímido, tinha entrado devagar, como que um pouco assustado. Notei que Jaime o fixava com bondade.
- Finalmente cheguei aqui. Posso falar-lhe?
- O que deseja? - inquiriu o assistente, fixando-o com firmeza.
Ele sustentou o olhar enquanto dizia:
- Sei que o senhor autoriza ir à Terra em missão de ajuda. Eu preciso ir.
- Percebi pelo seu modo de falar que ele não era habituado às tarefas de socorro. Jaime objectou:
- Por quê?
- E a Marilda. Soube que atravessa período doloroso na Terra. Deve desencarnar dentro em breve. Preciso ajudá-la. O senhor compreende, ela é minha única filha! - Lágrimas caíam-lhe pelas faces. - Como saber que a moléstia devora- lhe as carnes sem que eu possa fazer nada?
- -Já experimentou orar?
- Ele olhou-nos um pouco admirado.
- O senhor acha que adianta?
- Percebendo-lhe a atitude mental, compreendi que ele não pertencia ao Centro de Actividades em que estávamos. Jaime levantou-se. Aproximou-se dele e tomou:
- Gostaria que se acalmasse. Deus é Pai amoroso, e sua filha está sendo assistida pelos mensageiros do bem.
- Tenho recebido seus pensamentos angustiados. Chora, sofre, tem crises de dor e chama-me. Eu quero ir ajudá-la.
- -Achaque teria condições? Emotivo e preocupado, descontrolado e aflito, não iria sobrecarregar ainda mais as angústias dela, juntando as suas?
- Ele chorava descontrolado. Jaime abraçou-o. Em seus olhos havia um brilho de emoção.
- Por que não procura esperar com alegria pela sua chegada? Por que não se preocupa em preparar-lhe uma acolhida agradável, dentro do que já pode obter?
- Ele olhou-o admirado.
- Não tinha pensado nisso. Poderei trazê-la para o meu lado?
- Vamos ver o que se pode fazer. Você não é da nossa colónia. Como veio aqui?
- Ele ficou um pouco embaraçado.
- E verdade. Fui recolhido em um Posto de Refazimento, depois de ter ficado durante muitos anos no navio onde passei os últimos anos de minha vida. Fazia a faxina e nunca passei disso. Nosso navio foi afundado em 1942 por causa da guerra. Quando recebemos ordem para deixar o navio, eu fui ao alojamento pegar alguns pertences.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 11:33 am

Fiquei fechado lá. Meus companheiros não perceberam que a porta se tinha travado, não sei bem, mas eu não pude abrir.
Apavorei-me. Gritei com todas as forças. Foi em vão. O medo tomou conta de mim, fechado ali, esmurrando a porta, até que as águas invadiram tudo e eu, sufocado, sem ar, desesperado, senti- me morrer. Tenho pavor da morte! Por isso, quando soube que Marilda está à morte, fiquei desesperado. Não quero que ela sofra. Pobre filha! E horrível!
- Jaime objectou, sereno:
- Calma. Ela não vai sofrer o que você passou. E outra pessoa e a situação dela é diferente da sua.
- A morte é pavorosa. Eu custei muito a sair daquele estado, no navio. Até hoje, tantos anos depois, ainda sinto aquela sufocação, aquele desespero, aquela falta de ar.
- Não melhorou com o tratamento?
- Melhorei. Porém esquecer é difícil. Não suporto portas fechadas, Agora mesmo, essa porta aqui está me dando angústia.
- Ela não está impossibilitada de abrir - tornou Jaime, calmo.
- Eu sei. Mas, não posso vencer o medo. Que fazer?
- Fale-me mais sobre o assunto - fez Jaime, com bondade. - Como foi socorrido?
- Nem sei. Acordei em um hospital, onde minha mãe tratava-me com carinho. Assustado, soube que, apesar de tudo, continuava vivo. Ela intercedeu muito por mim e com seguiu que eu ficasse lá, em Campos Novos, trabalhando e recebendo tratamento. Fiquei até alguns dias atrás, quando soube que Marilda estava à morte. Pedi, implorei para ir ajudá-la, mas não fui atendido.
Eu tinha ouvido falar deste Centro de Socorro e, por isso, trabalhei duro e consegui ser destacado para uma visita aqui. Era a oportunidade que eu esperava. Chegamos ontem e agora eis-me aqui. Achei que saberiam entender minha dor. Por favor, quero ver Marilda.
- Muito bem. Venha comigo.
- Admirado, acompanhei-os à sala contígua. Jaime accionou um daqueles mágicos botões e na tela da parede apareceu um quarto de hospital na Terra e uma mulher de meia- idade, deitada, adormecida.
- Marilda! - tornou ele, emocionado.
- Ao lado do leito alvo, duas enfermeiras do nosso plano estavam velando atenciosas.
- Ela está dormindo. Deram-lhe um sedativo. Veja como está amparada.
Deus é Pai amoroso. Não tema.
- Não posso ir vê-la?
- Sua angústia não lhe faria bem. Por que não tenta trabalhar para estar bem quando ela chegar? Por que não lhe prepara um local onde ela possa refazer-se?
- Acha que conseguirei?
- Vou ver o que posso fazer. Vai depender de você. Procure acalmar-se e confiar em Deus, que vela por todos nós. Volte para Campos Novos, trabalhe, lute para equilibrar-se e, quando for oportuno, mandarei um mensageiro a sua procura.
- Ele tomou as mãos de Jaime tentando beijá-las. Jaime abraçou-o.
- Por que me agradece se é você quem vai conseguir isso?
- Vim desesperado e agora já estou bem. Deus lhe pague.
- Vá em paz.
- Ele saiu e eu fiquei pensativo. Depois perguntei:
- Quando ele reencarnar, continuará com medo de portas fechadas?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 11:33 am

- Provavelmente. Não só de portas fechadas, como de água, ou talvez quem sabe, do jogar do navio. Isso vai depender das associações que fará em seu íntimo ligando esse passado ao presente. Mas, com certeza, será portador de fobia que dificilmente alguém na Terra poderá entender sem o conhecimento dessa encarnação onde o problema originou-se.
- Acha então que isso pode ser até uma fatalidade?
- Como assim?
- Qualquer pessoa que tivesse tido esse tipo de morte, passado o que ele passou, teria ficado com esse trauma?
- E difícil dizer. Não se pode generalizar nunca. Mas um espírito que tivesse fé na justiça de Deus e na continuidade da vida, talvez tivesse conseguido não gravar o problema com tanta profundidade. Porque se a vida em sua justiça deu-lhe esse género de morte uma vez, e ela teria durado talvez alguns minutos, o medo, o terror, a falta de fé do nosso amigo multiplicaram esses momentos, alimentando-os, e agora, sabe Deus quando ele conseguirá libertar-se deles.
Compreendi. Agradeci e sai. Fiquei pensando. Como seria bom aceitar, compreender, superar, absorver as dores que não se podem evitar. Ter a fé, a certeza como antídoto do medo.
Será que um dia vamos conseguir? Acho que sim. Em todo caso, não acham que sempre vale a pena tentar?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 11:34 am

O RECALQUE
Ensimesmado e taciturno, olhos no chão, fisionomia triste, ele andava imerso nos próprios pensamentos, fechado em suas preocupações.
Chamou-me a atenção, porém, seu aspecto inteligente, seu rosto expressivo, e por que não dizer, sua própria introspecção, contrastando com os demais que, despreocupados, descontraídos, circulavam pelo salão.
Estávamos em uma festa e nada mais agradável do que uma reunião como essa onde já dispomos de mais sinceridade e onde as convenções e a velha hipocrisia social já não nos incomodam.
Vocês estão admirados? Festa no plano espiritual? E a curiosidade logo aguçada criará na fantasia de cada um uma festa muito à moda da Terra, com bebidas e canapés, enquanto outros, mais cerimoniosos e sisudos, imaginarão sermões, preces e lágrimas arrependidas pelos pecados cometidos, com votos de renovação e progresso.
Tenho certeza de que não faltarão os que, associando a alegria ao prazer maléfico, criarão uma festinha infernal com todas as tentações e queda dos pobres pecadores.
Mas nada disso é verdade. Nossas festas, sejam de recreação ou de comemorações - retorno de amigos da Terra, partidas para a reencarnação, aniversários de vitórias colectivas do grupo onde estagiamos, homenagens a visitantes ilustres de outros planos, a companheiros que partem para outros grupos - têm como motivo o divertimento puro e simples.
Aqui, voltamos ao antigo costume da conversa inteligente, das reuniões de salão, onde se pode fazer música, mostrar o talento, ou simplesmente dançar, conversar.
Acredita-se, por aqui, que o entretenimento sadio, a convivência, a extravasão dos nossos dotes de espírito possibilitam a melhoria da nossa personalidade, e eu confesso que adoro essas tertúlias, onde comparecem pessoas interessantes, as mais distintas, com as quais podemos nos relacionar, trocar ideias, etc.
Por isso, quando disponho de uma hora ou duas, frequento esses salões de entretenimento. Se não fosse o receio de escandalizar os mais circunspectos, eu diria que é como um clube. Um clube de pessoas em determinado nível espiritual, conservando, porém, características ainda bem terrenas.
E uma delícia circular pelos lindos salões, escrupulosamente limpos e lindamente decorados (tudo é mantido pelos associados), ver rostos amigos, inteligentes, alguns até famosos na Terra, a trocar ideias, a mostrar sua arte, a alimentar sua alegria.
Muitos acreditam que nossa vida aqui seja um constante entre-choque com os problemas de consciência ou com nossos resgates, e que estejamos sempre sofridos e sóbrios, como convém a espíritos como nós, que precisam penitenciar- se pelos enganos cometidos.
Na verdade, todos estamos mais conscientes dos nossos enganos e desejosos de lutar, melhorar, progredir. Mas, ao mesmo tempo, compreendemos melhor os valores espirituais que nos compete desenvolver e as vantagens do enriquecimento do nosso espírito em reuniões fraternas, onde a alegria sincera, a exteriorização dos nossos talentos como pessoa, a reciprocidade da amizade, o enriquecimento da troca de experiências nos ajudam e nos fortalecem.
Terei conseguido fazer-me entender? Uma festa de fantasmas, um clube um pouco à moda antiga, talvez possa preocupar os mais místicos. Porém, como o misticismo aqui representa um perigo do qual sempre procuramos fugir, posso sem remorsos dizer que nos reunimos para desfrutar de entretenimentos que nos serenam o espírito e alimentam a alma.
Por isso, as pessoas trazem na face a alegria, a calma, a emoção agradável e, às vezes, aquela saudade indefinida, a esperança em dias melhores e a confiança no futuro.
Como entender a presença daquele homem triste, em meio a tantos rostos distendidos e alegres? Observei-o. Teria entrado ali sem autorização? Por certo que não. O sistema de controlo automático e sem possibilidade de enganos afastava essa ideia. Se ele estava ali é porque tinha preenchido todos os itens necessários.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 26, 2024 11:35 am

Aprendi que a velha história do “jeitinho” não funciona. A gente logo percebe que a melhor maneira de viver por aqui é através da sinceridade. Os velhos jogos psicológicos, tão em moda na Terra, são tão conhecidos aqui que não nos resta senão deixá-los de lado, se quisermos conseguir alguma coisa em nosso favor.
Ele estava ali. Não conversava, não participava de nenhum grupo ou actividade. Mantinha-se engolfado em seus pensamentos íntimos, e embora andasse de um lado a outro, parecia-me que estava longe do nosso ambiente.
Movido pela curiosidade, aproximei-me. Afinal, eu queria ser fraterno.
- Você é novo aqui? - inquiri, procurando ser cortês. Ele olhou-me, e seus olhos profundos e escuros impressionaram- me um pouco.
- Não - respondeu com simplicidade.
- Pensei. Tenho vindo aqui regularmente e não me recordo de tê-lo encontrado. Permita que me apresente: sou José. Regressei há mais de quinze anos, mas venho aqui há uns cinco ou seis.
- Ele fixou-me o rosto com seriedade.
- Eu sou Octávio. E faz tempo que não venho por aqui.
- Nosso homem não era loquaz. Contudo, insisti:
- E muito agradável este lugar. Frequentado por pessoas interessadas em conviver bem e em trocar energias positivas.
- Ele suspirou.
- É verdade. E muito bom quando se pode usufruir desse convívio... lava a alma.
- Também acho. Tenho saído daqui renovado e alegre. Disposto a enfrentar o dia-a-dia com mais coragem.
- Infelizmente não posso dizer o mesmo. Há muito não consigo reaver a antiga alegria.
- -Não quer sentar-se? - convidei com gentileza.
- Tínhamos caminhado até um terraço florido de onde se avistava os lindos jardins iluminados por graciosos lampiões, e o céu recoberto de estrelas.
- Ele sentou-se em um banco e eu fiz o mesmo. Vendo-o em silêncio, arrisquei:
- Você não sabe, mas eu escrevo para a Terra. Reúno experiências de pessoas daqui e faço reportagens para lá.- Ele olhou-me admirado. Senti que pela primeira vez saía da sua própria preocupação para olhar-me. Tinha olhos magnéticos e fortes. Um pouco enleado, esclareci:
- Você sabe, através de médiuns.
- Ah! - disse ele - Acha que vale a pena?
- Acho. Já que tenho permissão dos nossos maiores, quero contar um pouco da nossa vida aqui, da nossa experiência, para acordá-los. Não acredita que pode confortá-los conhecer a verdade?
- Aos que puderem ver, sim. Mas será que você não está apenas querendo impor a eles sua personalidade, suas ideias, em suma, continuar a ter sua plateia, seus aplausos, seu público?
- Fiquei mudo. Não esperava essa resposta. Como sabia minha vida?
Sobressaltei-me. Teria ele razão? Estaria apenas deixando-me levar pela vaidade, pela necessidade de auto- afirmação, pela vontade de continuar vivo na Terra, na memória dos meus amigos e familiares?
- Não encontrei palavras para responder. Ele continuou:
- Eis o que me preocupa. Durante anos e anos estudei o comportamento humano. Pesquisei, trabalhei com as pessoas, entreguei-me de corpo e alma ao afã de compreender o lado oculto de cada um. A verdade que se esconde atrás de cada atitude, e que nem o próprio indivíduo consegue perceber.
- Foi psiquiatra? - arrisquei, satisfeito por afastar de mim sua atenção inquisidora.
- Não. Fui professor. Mas durante toda a vida, tenho sido um estudioso do comportamento humano. Descobri que o homem é interesseiro e agressivo e nada faz sem que tenha vantagens.
- E um conceito muito forte - aduzi, um tanto preocupado.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122635
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto - Página 2 Empty Re: O mundo em que eu vivo - Silveira Sampaio/Zibia Gasparetto

Mensagem  Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 2 de 4 Anterior  1, 2, 3, 4  Seguinte

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos