LUZ ESPÍRITA
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Os Andarilhos - Luiz Sérgio Gomes

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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 1:27 pm

Os Andarilhos

Romance, espírita de Luiz Sérgio Gomes

(Baseado em factos verídicos)

Nota Editora - O presente livro aborda dois assuntos que devem ser devidamente esclarecidos.
Primeiramente falaremos sobre regressão de memória feita por um dos personagens como parte do tratamento de uma doença. Queremos deixar claro que esse recurso só deve ser utilizado por profissionais devidamente preparados, com profundos conhecimentos do assunto. Empregada com indicação e método adequados, essa prática é uma valiosa ajuda a inúmeras pessoas.
A segunda questão é sobre a dor de cabeça de Octávio, um dos personagens principais deste livro. Trata-se de um caso excepcional, pois nem todas as dores de cabeça sem solução clínica são consequências de vidas passadas. A maior parte, quando não é resolvida com tratamento médico, é solucionada com a educação mediúnica, principalmente nos casos em que o doente é um médium que se comprometeu no plano espiritual a desenvolver esse dom, que passa a ser fundamental para o resgate de suas faltas e sua consequente evolução espiritual. A doença é, então, uma maneira de chamá-lo às suas responsabilidades.
A partir do momento em que a pessoa começa a pôr em prática seus dons mediúnicos no auxílio dos mais necessitados, estudar e vivenciar os ensinamentos cristãos, geralmente as dores desaparecem.


Palavras do Autor
Estimados leitores:
Este livro não tem heróis nem vilões. Nele, a própria vida encarrega-se de exercer o papel de personagem principal. Concentra-se na grandeza do ser humano comum em seu aprendizado diário na escola terrena. Viajor da eternidade, o homem encontra na. matéria o abençoado laboratório onde pode realizar suas experiências em busca de maior conhecimento. Acompanhando Henrique em suas viagens de estudo ao lado de irmão Pierre, vamos entrar em contacto com criaturas de carne e osso como qualquer um de nós. Seja pelos seus sonhos seja pelas suas angústias e incertezas, iremos por certo nos identificar com eles.
O nome dos personagens foram propositadamente alterados, visto que estão encarnados.
A vida deles irá naturalmente se encadear dentro de uma trama abrangente que as mãos invisíveis do destino vão tecendo subtilmente, sem nos darmos conta. Neste modesto trabalho não queremos demonstrar nenhuma tese de grande monta, a não ser a de que estamos no momento crítico do grande salto de qualidade rumo a uma civilização mais equilibrada e justa.
A palavra de ordem é tomar consciência, assumir o papel que nos cabe como agentes transformadores do caos social por meio de nossa própria mudança interior. Isso feito, em meio à aventura do quotidiano, haveremos por reconhecer magnífica e resplandecente a inteligência suprema do Criador, iluminando os caminhos que nos conduzirão à paz e à felicidade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 1:27 pm

Apresentação
Em primeiro lugar vamos à apresentação aos leitores.
Henrique está desencarnado há algum tempo, em tarefa de aprendizado na Colónia Espiritual Vinha de Luz. Como já é de conhecimento da maioria, existem, nas adjacências espirituais do planeta, diversas instituições destinadas a abrigar aqueles que chegam ao plano etéreo, retomando das lutas reencarnatórias. Tais colónias recebem os recém-desencarnados assim que suas próprias condições lhes permitem, tratando-os e auxiliando-os a restabelecer seu equilíbrio emocional e energético. A partir daí são convidados a participar de programas de estudo que abrirão o coração e a mente para a compreensão da vida. Então, descortina-se a visão do que deveriam ter feito e do que efectivamente realizaram na jornada terrestre. Nesse processo de julgamento das próprias atitudes, são auxiliados por mentores amorosos que os estimulam a reconstruir a vida, elaborando um novo programa para um futuro mergulho de retorno às sombras da matéria.
E assim, com as bênçãos de Deus, caminham rumo à perfeição na senda evolutiva, escolhendo, pelo exercício do livre-arbítrio, os panoramas floridos e suaves ou as escarpas íngremes e pedregosas que comporão o cenário em que escreverão a própria história.
Henrique voltou da sua última existência há cerca de 40 anos. Vivendo em terras lusitanas, exerceu a profissão de professor de história, pois muito o fascinava, como aliás ainda fascina, entender os mecanismos pelos quais o homem vai caminhando ao longo de sua jornada. Procurava entender em profundidade a relação entre o indivíduo e a colectividade, acreditando que ninguém pode existir sozinho no universo. Embora tendo sido criado em família católica, não dispensou às questões religiosas nenhuma importância, além das visitas esporádicas à igreja, atendendo aos deveres da convivência social. Após o desencarne, ocorrido aos 62 anos, provocado pela ruptura de um aneurisma, tivera a graça de ser recolhido pelos companheiros da colónia, enfrentando, como todos, um período mais ou menos longo de convalescença e readaptação à nova realidade.
Na fase actual de aprendizado, além das aulas ministradas no grande anfiteatro por dedicados mentores sobre os mais variados temas do conhecimento humano, faz parte de pequeno grupo que recebe a supervisão do irmão Pierre em suas actividades socorristas junto aos encarnados. O objectivo de tais estudos é acompanhar na prática os ensinamentos recebidos nos cursos, principalmente os que tratam das inter-relações dos espíritos com os encarnados.
E é em meio a tais actividades que vamos levar aos leitores algumas notícias de um grupo de pessoas em seu cotidiano terrestre. Pierre dedica-se especialmente a acompanhar os passos de Roberto, discípulo que o segue já há muitos séculos e que actualmente encontra-se na matéria exercendo a profissão médica. Em sua última encarnação, no século passado, Pierre também fora médico em território francês. Após retornar ao plano espiritual, vem se dedicando, como tantos outros abnegados, à difusão entre os médicos da Terra da realidade espiritual, contribuindo dessa maneira para a implantação de uma ciência iluminada pelo reconhecimento da real natureza humana.
Durante o aprendizado, o grupo acompanhará Beto - assim era mais conhecido o jovem doutor Roberto Pinheiro de Assumpção em suas actividades profissionais. E assim, lá estão todos a postos, procurando aprender um pouco mais. O pequeno grupo é formado por Henrique, Diogo — jovem simpático e brincalhão - e Marisa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 1:28 pm

1 - Os Andarilhos
Ao atingir a idade de 16 anos, Giuseppe e seu amigo inseparável, Paolo, fascinados pelo espírito de aventura e saturados da vidinha monótona que levavam, não tiveram grandes dificuldades em ir embora de suas casas, em busca de novos horizontes. Numa noite sem luar, enquanto todos dormiam, os dois caíram no mundo, começando assim uma vida de peripécias e confusões.
Giuseppe era magro e franzino, mas de personalidade forte, arrojado e impetuoso.
Paolo, totalmente ao contrário, era grandalhão e parecia ser bem mais velho que o amigo, tendo um temperamento calmo e tranquilo. Caminharam bastante durante a noite e só pararam exaustos para dormir um pouco, embaixo de enormes pedras que se assemelhavam a uma gruta. O vento e o frio fustigavam-lhe o corpo, mas o coração batia descompassadamente, inebriado pela aventura e pelo desconhecido. Assim que o sol começou a despontar, levantaram-se e continuaram a marcha durante todo o dia. Caminharam sem se deter nos pequenos vilarejos que encontravam. Ao anoitecer, bastante cansados e famintos, chegaram às imediações de uma pequena cidade, batendo à porta de uma modesta casa à beira do caminho.
- Senhora, senhora - gritou Giuseppe. - Pode nos dar um prato de comida e deixar que pousemos aqui?
A velha, com pena dos rapazes, aceitou e deu-lhes abrigo, recomendando que dormissem num cómodo nos fundos. Depois de comerem um prato de sopa quentinha ofertada pela bondosa senhora, caíram em sono profundo.
Algumas horas foram suficientes para reanimar os rapazes, que não tardaram a seguir adiante. Logo encontraram um grande castelo em que foram procurar trabalho, sendo logo aproveitados para limpar as cavalariças.
Ali passaram alguns meses, conhecendo novos amigos e belas raparigas, pois que, apesar de jovens, ambos já se haviam iniciado nos mistérios do amor.
Certa noite, numa pequena taverna, a música alegre embalava os sonhos daqueles homens e mulheres simples em meio à ruidosa conversa. De forma inesperada, alguém provocou Giuseppe, que, impulsivo, após ter bebido bastante, partiu para cima do desafiador, engalfinhando-se em luta corporal. Os presentes tentaram apartá-los, acabaram se envolvendo e a outrora alegre taverna transformou-se em verdadeira batalha campal.
Paolo, que até então se mantivera quieto tia mesa em que estavam bebendo, observando a briga se generalizar, não pensou duas vezes: levantou-se e partiu em defesa do amigo.
Com o avantajado corpanzil, conseguiu em pouco tempo afastar os agressores e, amparando Giuseppe pelo braço, gritou em tom desafiador:
, Está bem, vamos embora daqui, mas que ninguém se atreva a atravessar nosso caminho!
Todos se calaram, enquanto o grandalhão saía carregando o amigo cambaleante, que sangrava em várias partes do corpo.
Chegando ao pequeno quarto que ocupavam, Paolo jogou o amigo na rústica cama e o advertiu severamente:
- Rapaz, você só sabe arrumar confusão! Quando vai parar com essa mania de querer ser o valentão e provocar os outros? Já estou ficando cansado de apartar brigas e livrá-lo de encrencas. Se continuar assim, chegará o dia em que virarei as costas e deixarei você sozinho!
Embora com o' corpo todo dolorido pelos socos e pontapés, Giuseppe percebeu que Paolo não estava brincando. Realmente o velho amigo, com seu físico privilegiado, já o salvara de muitas situações difíceis. Com seu temperamento tranquilo, ao contrário de Giuseppe, procurava sempre encontrar uma solução para os problemas por meio do diálogo e da conversa.
- Está bem! Está bem! - Giuseppe murmurou entre os dentes, percebendo a zanga do amigo.
Prometo que nunca mais vou arrumar encrencas, mas agora me deixe dormir um pouco.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 1:28 pm

2 - Novamente na Estrada
Assim que o dia amanheceu, Paolo foi acordado por Giuseppe.
- Paolo, acorde, vamos embora, rápido.
- Por que você quer ir embora daqui? - Perguntou Paolo. - Estamos bem instalados; apesar de tudo, temos trabalho, pensei que iríamos ficar por aqui.
Giuseppe, ainda com o corpo dolorido, pôs-se de pé e começou a arrumar a pouca bagagem que possuíam, enquanto falava.
- Não podemos ficar aqui. Ontem à noite, lembra-se daquele sujeito que brigou comigo? Ele é da guarda e garantiu que não me deixará em paz enquanto não acabar comigo.
- Logo com quem você foi se meter, hem?
- O que eu posso fazer? Não sabia quem era ele. Posso usar o sapato hoje? - Perguntou Giuseppe, sabendo que não era o seu dia de usar o único par que servia para os dois.
- Pode usar o sapato, mas e se o soldado vier atrás de nós?
- E por isso que quero sair o mais rápido possível dessa cidade.
- Está bem, só que depois vou usar o sapato três dias seguidos. - Disse Paolo, provocando o amigo.
- Você não vai fazer isso comigo, vai? - Perguntou Giuseppe, com cara de preocupado.
- E claro que não, seu bobo. Vamos embora.
Saíram a andar pelo caminho rústico que deixava a cidade. Caminhavam devagar e, naquela ocasião, os dois possuíam apenas um par de sapatos velhos e surrados, e como, apesar da diferença de altura, calçavam quase o mesmo número, fizeram uma pitoresca combinação. Cada dia um andaria calçado, enquanto o outro percorreria a estrada descalço.
E assim foram, perambulando pela região, até que chegaram a Todi. Logo se sentiram atraídos pela cidade e, perguntando a um e outro habitante, acabaram, sem grandes dificuldades, conhecendo o senhor Moringoni, um homem que trabalhava com cavalos.
Após contarem suas qualidades de forma naturalmente exagerada, o ferreiro sentiu-se condoído e, mesmo sem acreditar muito no que diziam, resolveu dar-lhes uma oportunidade.
- Vocês podem ficar aqui trabalhando, mas vão ter de dar duro. Em troca, terão casa e comida.
Paolo e Giuseppe se entreolharam e caíram no solo de joelhos, numa cómica cena de agradecimento. O senhor Moringoni, sem lhes dar muita atenção, virou-se e saiu dizendo:
- Chega de pilhérias e vamos ao trabalho! Embora brincalhões e até certo ponto irresponsáveis, os dois jovens possuíam bom coração e estavam sinceramente agradecidos ao seu benfeitor. Precisavam parar um pouco com suas andanças e a cidade lhes pareceu bastante acolhedora, principalmente porque no caminho já haviam visto três tavernas e cruzado com lindas raparigas.
Naqueles tempos, a vida era extremamente dura. Toda a riqueza estava concentrada na mão de poderosos senhores feudais que esmagavam os camponeses com pesados tributos, suprimindo-lhes toda e qualquer possibilidade de emancipação. O trabalho na terra era a ocupação da maior parte daquelas pessoas simples e sem nenhuma cultura.
Apesar de trabalharem arduamente, os métodos de agricultura eram primitivos e a escassez de alimentos era constante pelo aparecimento frequente de factores adversos, como pragas ou invernos rigorosos. Era comum a fome, a miséria e a falta de higiene. A subnutrição acabava provocando surtos epidémicos de doenças que dizimavam grande parte da população.
Aos poucos, entretanto, algumas cidades começavam a se estruturar de forma mais organizada, ganhando até mesmo um incipiente comércio baseado na troca de mercadorias.
Começaram a surgir alguns pontos onde as pessoas se reuniam e que mais tarde dariam origem a movimentados mercados.
O espírito humano traz em si contradições que o tornam belo e admirável.
Assemelhando-se a um pássaro de asas ligeiras, anseia constantemente por voar, explorando novos céus e desconhecidos horizontes. Entretanto, por outro lado, clama por segurança e estabilidade, desejando fincar raízes e estabelecer um território onde possa viver em paz e tranquilidade. Assim também ocorria com Giuseppe e Paolo. Ambos já estavam conhecidos em Todi, tinham em Antónia e Francesca, jovens camareiras do castelo, duas belas namoradas; mas sem perceber começavam a se inquietar com a tranquilidade em que passavam os últimos meses.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 1:31 pm

Até mesmo Giuseppe vinha, com algum esforço, é claro, tentando cumprir a promessa feita de não mais se envolver em brigas e confusões. E a vida seguia seu ritmo monótono, até que um acontecimento novo viria desencadear profundas alterações na vida de nossos personagens.
- Giuseppe, você viu os novos moradores que chegaram de Orvieto? Ele chama-se Gustavo e tem como companheira uma rapariga de rara beleza, cujo nome é Frederica. É um pequeno mercador e negocia com tecidos que manda vir do Oriente. Acho que vão abrir uma barraca lá no mercado.
- Não havia reparado, mas vou prestar atenção - respondeu Giuseppe, distraído, enquanto tentava consertar um vaso.
Com suas economias, os dois conseguiram montar uma casinha simples, mas confortável, que lhes dava razoáveis condições de vida. Com isso, o velho hábito de não parar em lugar algum estava sendo gradativamente substituído pela vontade de se assentar.
Passados alguns dias, o inquieto jovem percorreu as barracas do movimentado mercado onde eram realizados todos os tipos de transacções. A gritaria era imensa e as pessoas se avolumavam, tomando a locomoção bastante difícil. Ágil, o jovem não demorou muito a deparar com a barraca de Gustavo, o novo morador da cidade, onde estavam expostas belíssimas peças de tecido que chamavam a atenção de longe. E lá estava a linda jovem de nome Frederica, que lhe provocou irresistível atracção. Sem importar-se com a presença do marido, dirigiu-se à moça, perguntando-lhe o preço de diversos tecidos expostos. A mulher percebeu os olhares sensuais com que Giuseppe a envolvia e ficou ruborizada.
Gustavo, que estava nos fundos da barraca, percebeu a postura atrevida do rapaz e perguntou-lhe um tanto irritado:
- O que deseja, senhor?
Giuseppe tentou disfarçar e perguntou o preço de uma bela peça de tecido, que acabou levando para casa. A partir de então, o jovem passou a vigiar discretamente os hábitos do comerciante, estudando os horários em que Gustavo não ficava na barraca e, nesses momentos, ia à procura de Frederica, sempre se desculpando em adquirir novos tecidos. Sua conduta foi percebida por Paolo, que um dia acabou perguntando:
- Giuseppe, acho que você está ficando com os miolos moles. Por que vem entupindo nossa casa com tantos tecidos? Dessa maneira, logo vai acabar com nossas economias e também não teremos onde dormir.
- Paolo, Paolo, estou apaixonado! - Giuseppe falou, fazendo gestos teatrais.
- E daí, só por causa disso vai ficar comprando todos esses tecidos?
Vai dar para Francesca fazer dúzias e dúzias de vestidos.
- Seu burro! Eu não estou falando de Francesca, estou me referindo à Frederica, a linda mulher de Gustavo, o mercador de tecidos.
Paolo coçou a cabeça num gesto característico que sempre fazia quando estava preocupado com alguma coisa.
- Giuseppe, não me venha com mais uma de suas loucuras... Esqueça essa moça e agradeça a Deus por ter encontrado Francesca, que é uma boa mulher e tem a enorme paciência de lhe aguentar!
- Paolo, Paolo, meu velho e estimado amigo, o amor não tem explicação! Quando meu olhar pousou sobre aquele delicado rostinho, o coração disparou de forma incontrolável.
Não é possível abafar o fogo abrasador de uma paixão. No começo, a linda jovem ficou arredia às minhas investidas, mas agora já começa a sorrir de forma sedutora, e em pouco tempo, tenho certeza, celebrarei mais uma conquista - falou suspirando profundamente.- Meu amigo, não vá se meter em encrencas! - Pediu Paolo, preocupado em abrir os olhos do incorrigível conquistador. - Não quero vê-lo aparecer boiando sem vida nas águas do ribeirão. Lembre-se de que um marido traído pode ser muito violento.
Giuseppe soltou uma gargalhada, desdenhando os conselhos sensatos do amigo.
* - - Rapaz, se eu tivesse medo de marido traído, já estaria morto há muito tempo!
E, além disso, tudo vale para conseguir conquistar aquela jóia preciosa.
E assim o tempo foi passando.
Numa manhã ensolarada, Giuseppe se aproximou com expressão de calculada humildade e abordou Paolo:
- Amigo, vou hoje ao mercado tentar conquistar aquela coisinha linda. Não quer vir comigo para se distrair um pouco?
- Rapaz, vai meter-se em encrencas para conquistar a mulher alheia. E digo mais: se brigar ou causar qualquer tumulto quero estar longe.
Giuseppe, percebendo que o amigo acordara de mau humor, saiu de perto, deixando para o dia seguinte as suas arremetidas amorosas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 1:31 pm

3 - Encrencas
Naquele ano, o inverno estava sendo extremamente rigoroso. A noite, agasalhados, Paolo e Giuseppe procuraram a Taverna dos Arcos, onde a acolhedora lareira aquecia o ambiente, enquanto o brilho e a agitação das belas mulheres enchiam o ar de alegria e sensualidade, o que trazia excitação a todos aqueles homens. Naquela noite, entretanto, os acontecimentos tomariam um rumo diferente que acabaria por mudar de forma radical a vida de nossos personagens. Sentados numa mesa e embalados pela música fervilhante, começaram a beber e logo o inquieto Giuseppe percebeu Gustavo, o marido de Frederica, sentado em mesa próxima a conversar com um grupo de amigos. Lá pelas tantas, entre uma música e outra, alguém resolveu provocar e falou num tom de voz que permitia que todos ao redor pudessem ouvir: - E então, Giuseppe, todos têm lhe visto frequente- mente no mercado comprando tecidos na barraca do senhor Gustavo, principalmente nas horas em que ele não está. Você está virando um coleccionador de tecidos ou seu interesse é outro?
Giuseppe reconheceu de pronto a figura de Teodoro, um boémio leviano que vivia pelas tavernas aprontando confusões. Antes que pudesse responder, Paolo puxou-lhe, segredando ao ouvido:
- Rapaz, não entre nessa provocação. Teodoro é um pobre coitado. Não revide, principalmente porque o senhor Gustavo está em uma mesa próxima.
Apesar de ponderadas, as advertências de Paolo foram infrutíferas. Giuseppe, não conseguindo controlar o temperamento impulsivo, levantou-se enfurecido e foi tomar satisfação com seu ofensor. No mesmo instante, Gustavo também saiu de onde estava e caminhou em direcção a Giuseppe, abordando-o de forma bastante rude.
- Ouvi o que esse pobre infeliz disse e quero explicações imediatas do senhor! - Falava, encarando ameaçadoramente o rapaz.
O vinho consumido por ambos já havia causado efeito e não tardou a provocar um princípio de briga, pois, deforma inesperada, Gustavo conseguiu derrubar Giuseppe ao solo com um murro que lhe acertou o rosto em cheio. Caído, ao passar a mão na mandíbula dolorida, percebeu o sangue escorrendo de sua boca e a cabeça girando sem parar. Em poucos segundos, levantou-se e, sem pensar, ágil como um felino, tomou do ferro da lareira que lhe estava próximo e partiu para cima de Gustavo, atingindo-o com um golpe certeiro.
O comerciante caiu pesadamente, o sangue começou a jorrar de sua cabeça. A gritaria era geral e Giuseppe, numa fracção de segundos, recobrou a razão e correu a socorrer o adversário estendido no chão.
- Senhor Gustavo, senhor Gustavo, fale comigo! Não lhe queria ferir tanto! Apenas fui me defender da sua agressão. Perdoe-me, não lhe queria fazer mal.
Enquanto falava, um filete de sangue escorreu da boca do comerciante, enquanto seus olhos fechavam-se para sempre. Gustavo estava morto. Giuseppe, desesperado, começou a gritar:
- Eu não queria matá-lo, eu não queria matá-lo, só fui me defender!
Seus gritos histéricos ecoaram sem resultado na taverna, pois Gustavo não mais pertencia ao mundo dos vivos.
Nos instantes seguintes, os amigos do comerciante, vendo o resultado trágico da briga, levantaram-se, rodeando ameaçadoramente Giuseppe, que logo percebeu as intenções vingativas daqueles homens rudes e agressivos. Ainda teve tempo de olhar em silêncio para Paolo, como que suplicando sua ajuda, mas este, já saturado das confusões do amigo trapalhão, voltou-lhe as costas batendo em retirada, despedindo-se com essas palavras:
- Dessa vez você foi longe demais, agora vai ter de aguentar sozinho as consequências!
E foi embora sem olhar para trás, deixando Giuseppe nas mãos da turba enfurecida, que, sem nenhuma compaixão, aplicou-lhe violenta surra, esmurrando-o sem parar. Em alguns minutos, ali estava estendido no chão mais um corpo sem vida. Giuseppe também estava morto ao lado do corpo de Gustavo.
Os instintos, impulsos inerentes à natureza humana, sempre existiram, desde o princípio dos tempos, assegurando a possibilidade da preservação da espécie em épocas primitivas, em que a luta pela sobrevivência e a reprodução eram factores indispensáveis. Entretanto, à medida que vai evoluindo por meio do mecanismo natural das reencarnações, o espírito pouco a pouco tende a ir abrandando a intensidade de tais instintos, embora não os perca, e vai aprendendo a desenvolver a capacidade de sentir e ter emoções, o que o capacita a viver em grupo, experienciando o colectivo na multiplicidade das relações interpessoais. Esse é o caminho percorrido por todos nós desde os tempos escuros das cavernas até os dias actuais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 1:32 pm

4 - No Plano Espiritual
Desesperado, as emoções em desalinho, Giuseppe não se deu conta de que já não fazia parte do mundo físico e ali permaneceu gritando ensandecido:
- Eu não o matei... Eu não quis fazer isso! Senhor Gustavo, fui apenas me defender...
Foi o senhor que me agrediu!
Quanto tempo assim permaneceu? Prisioneiro dos próprios pensamentos, o espírito tema capacidade de plasmar1 a realidade em que se situa com o colorido das energias que traz dentro de si. Embora não fosse uma pessoa de índole má, tendo até um coração bastante generoso, o jovem deixou-se vencer pelo temperamento impulsivo e inconsequente, que acabou arrastando-o aos trágicos acontecimentos.
Cansado de gritar sua inocência, viu chegar um grupo de homens, todos vestidos de branco, que muito calmamente se encaminharam em sua direcção. Um deles, tomando a dianteira, estendeu-lhe as mãos, convidando-o suavemente;
- Giuseppe, venha, vamos levá-lo juntamente com o senhor Gustavo para serem medicados, pois ambos estão muito machucados2.
- Senhor, não quis matá-lo, acredite! Só quis me defender!
E assim falando, chorava desesperado, agarrando-se à alva túnica do mensageiro espiritual que, afagando-lhe o cabelo em desalinho, confortava-lhe em tom paternal:
- Calma, meu filho, o momento requer apenas que você se desligue desses acontecimentos. Está bastante cansado. Entregue-se aos nossos cuidados e nada de mau lhe acontecerá. Deixe o sono tomar conta de você, relaxe, durma.
Pouco a pouco, o comando hipnótico foi funcionando e o jovem entregou-se a profundo sono. Leonardo, o chefe da expedição de resgate, acostumado ao trabalho de recolhimento dos recém-desencarnados em situações difíceis, fez um sinal meneando a cabeça e de repente dois outros elementos da equipe colocaram Giuseppe adormecido sobre uma espécie de maca, levando-o com destino ao hospital da Colónia Espiritual Vinha de Luz.
Ao acordar, sentiu-se mais disposto. Apalpou o próprio corpo, constatando que não estava mais ferido.
Ficou um tanto confuso.
- O que será que aconteceu? Onde estou? Quem me socorreu?
As indagações fervilhavam em sua mente sem que obtivesse as respostas necessárias.
Tentou se levantar, mas percebeu que estava extremamente fraco. Nesse momento, a porta se abriu e uma jovem vestindo túnica azul-celeste aproximou-se de Giuseppe, envolvendo-o em sorriso extremamente doce e confortador.
- Bom dia! Vejo que acordou bem-disposto! Meu nome é Juliana e sou colaboradora da Colónia Vinha de Luz.
Giuseppe sorriu, parecendo aliviado. Pensou consigo mesmo:
“Que bom que fui socorrido a tempo. Lembro apenas da turba enfurecida correndo em minha direcção. Tentei explicar que não queria machucar o senhor Gustavo, mas estavam loucos e não quiseram me ouvir, depois tudo ficou confuso, escuro.”
- Jovem, por favor, você pode explicar-me o que está acontecendo?
- Giuseppe - falou ternamente Juliana, esboçando um largo sorriso -, você precisa preparar-se para viver uma nova etapa em sua vida. Preste bastante atenção em tudo que vou lhe dizer. Quando atingiu o senhor Gustavo, os amigos do comerciante que lá estavam correram até você e começaram a lhe agredir impiedosamente, não atendendo às suas súplicas de inocência. Depois de algum tempo, seu corpo ficou muito machucado, não resistiu aos ferimentos e você acabou desencarnando. Mas a morte é uma ilusão, pois apenas deixamos de lado a vestimenta física, retomando ao plano espiritual revestidos do corpo energético. Foi isso que aconteceu com você. Durante um tempo razoável permaneceu ali, prisioneiro daquela cena, sem que pudéssemos fazer nada para lhe ajudar, um dia, entretanto, lembrou que Deus existe e suplicou com a voz do coração a ajuda do Pai. Essa sua atitude foi a brecha que nos possibilitou acesso à sua alma e, aí sim, pudemos providenciar sua assistência e remoção para este local, onde está sendo tratado e iniciará a adaptação à nova etapa de vida aqui no plano espiritual.
- Então quer dizer que morri? - Giuseppe estava atónito. - Mas me sinto mais vivo do que nunca, apesar de um pouco cansado. Então morrer é só isso? - Perguntou, fazendo uma expressão de espanto.
- E, Giuseppe, morrer é assim mesmo. Agora procure descansar. Se precisar de ajuda é só chamar, que sempre estarei por perto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 1:32 pm

Aos poucos irá compreender a nova realidade em que se encontra. Durma e lembre-se de que amanhã é sempre uma oportunidade de renovação e crescimento.
Aos poucos, Giuseppe foi se adaptando e conhecendo novos amigos, que também retomaram da vida física e encontravam-se em convalescença na colónia. Com seu jeito irreverente e brincalhão, conquistava a todos com grande facilidade. Em breve deixou o hospital e passou a residir em um alojamento, onde aprendeu que o espírito, por meio das sucessivas reencarnações, vai coleccionando experiências ao longo do caminho, desenvolvendo dessa forma todas as potencialidades que o remeterão de volta ao regaço do Pai.
Embora fosse bem tratado e vivesse num ambiente onde a natureza exuberante o fazia recordar constantemente a grandeza divina, não eram poucos os momentos em que se sentia extremamente solitário, chorando lágrimas carregadas de saudade do tempo em que vivia como um andarilho, de vilarejo em vilarejo, em busca de aventuras e divertimento. Sentia uma certa mágoa de Paolo, o velho amigo que acabou abandonando-o numa hora difícil.
Mas esse sentimento vinha mesclado de um grande amor e por isso mesmo não doía tanto.
Reconheceu que sempre teve um temperamento impulsivo e relembrou as inúmeras ocasiões em que o grandalhão lhe salvara de situações embaraçosas. A verdadeira amizade supera todos os reveses e resiste até mesmo ao tempo, que é implacável. Não conseguia esquecer os momentos felizes que desfrutaram juntos, as farras, as bebedeiras e as belas raparigas. Certo dia, enquanto aguardava o início de uma das inúmeras palestras que assistia em companhia dos demais desencarnados, reencontrou Juliana, a jovem trabalhadora do hospital que o acolhera de forma tão amorosa. Após um gostoso abraço, Giuseppe tomou a iniciativa da conversa.
- Juliana, sinto-me muito feliz por estar recebendo valiosas informações de nossos instrutores e, graças a essa ajuda inestimável, já consigo compreender um pouco melhor a minha situação actual. Não posso negar que sinto falta de muitas coisas que tinha quando encarnado, principalmente a possibilidade de andar sem rumo em busca de aventuras. Aqui me sinto um tanto restrito e até compreendo que assim seja, pois preciso reeducar-me na
disciplina e na objectividade. As vezes penso em Gustavo e tenho vontade de saber o que lhe aconteceu depois dos trágicos acontecimentos em que nos vimos envolvidos.
- Giuseppe, o senhor Gustavo foi também assistido por amigos espirituais e aos poucos está conseguindo recuperar o equilíbrio. Graças a Deus, sua maior preocupação agora é cuidar-se para ajudar a esposa, Frederica, que ficou inconsolável com a morte dele. Ao ouvir isso, Giuseppe sentiu uma ponta de tristeza toldar seus olhos e pensou consigo mesmo que o temperamento aventureiro fez com que não criasse raízes, uma família, um lar, um refúgio onde pudesse voltar sempre que sentisse vontade. Sua casa era o mundo e seus horizontes, ilimitados. Com esse jeito, deixou que o coração seguisse vazio de sentimentos verdadeiros. Apenas Paolo era o amigo fiel, e a maioria das pessoas passara pela sua vida sem que delas restassem grandes lembranças. A visão da mãe correndo e gritando para lhe pôr de castigo surgiu em sua tela mental e naturalmente duas lágrimas silenciosas brotaram de seus olhos.
Juliana, como que entendendo o que lhe ia no íntimo, despediu-se com um beijo na fronte, deixando-o imerso em suas recordações.

1 - Plasmar: criar algo por meio do pensamento, manipulando a energia cósmica (Nota do Editor).
2- Após o desencarne, até tomar consciência de que deixou o corpo físico, o espírito ainda tem a aparência e a sensação que tinha ao desencarnar (N.E.).
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 1:32 pm

5 - Planos futuros
Vinte e cinco anos terrenos haviam se passado após aqueles acontecimentos.
No plano espiritual, Giuseppe tornou-se um novo homem.
Mais amadurecido, aguardava com certa ansiedade a entrevista agendada com o irmão Cipriano, responsável pelo sector de planeamento reencarnatório da colónia.
O ambiente era simples e despojado.
Móveis brancos davam um toque de pureza ao ambiente.
Em cima da mesa redonda, um lindo vaso de margaridas trazia um pouco de vida ao lugar.
Irmão Cipriano convidou Giuseppe a acomodar- se em confortável poltrona.
- Querido irmão - começou a falar, olhando Giuseppe fixamente -, você já está connosco há vários anos e nesse tempo vem se dedicando com afinco e interesse aos estudos e ao trabalho que lhe foi confiado. Agora chegou o momento em que a vida maior lhe cobra o prosseguimento do aprendizado. Para isso você deverá voltar à crosta planetária, em novo mergulho reencarnatório. Está capacitado para desempenhar com sucesso suas tarefas na nova existência. Iremos acompanhá-lo com carinho e dar-lhe toda a assistência necessária em sua nova encarnação. Como espírito ligado a essa colónia, finda a nova etapa física, o que deverá acontecer quando você estiver com a idade de 53 anos, retornará ao nosso convívio.
Giuseppe escutou atentamente as palavras do instrutor.
- Irmão Cipriano, além de outras situações, preocupa-me o compromisso que assumi com Gustavo quando, num impulso tresloucado, acabei por tirar- lhe a vida física. Nessa próxima encarnação encontrarei condições para apagar essa mancha que me atormenta a consciência?
Cipriano, pondo a mão sobre o ombro do jovem, falou amorosamente:
- Meu amigo, a bondade de Deus é infinita e seu amor, inesgotável. Dessa forma, concede sempre a seus filhos as oportunidades benditas de rectificar os tropeços do caminho.
Por sua dedicação e empenho sincero nesses anos em que está aqui na colónia, você conquistou o direito de adiar a quitação dessa dívida, o que constitui medida francamente favorável ao seu êxito, pois, apesar de esclarecido, ainda poderia encontrar dificuldades na resolução de semelhante questão. Aproveite todas as oportunidades que a vida lhe apresentar e voe, voe sempre em direcção à luz. Cise positivamente o temperamento aventureiro para descobrir em cada irmão que cruzar o seu caminho um ser ao qual possa amar incondicionalmente. Deixemos para o futuro o compromisso com Gustavo.
Agora vá, pois amanhã deverá ingressar no sector de reencarnação. Que Deus lhe proteja, caro Giuseppe!
Giuseppe, em algumas encarnações seguintes, sempre com trabalho e dedicação, foi acumulando conhecimento e adquirindo experiência ao aproveitar com eficiência as oportunidades oferecidas. Sempre, ao findar cada etapa reencarnatória, voltava à colónia espiritual, reencontrando seus velhos amigos, entre os quais Faolo, o grandalhão, foi se juntar. Aos poucos, o antigo aventureiro inconsequente e solitário foi aprendendo a amar e a construir novas relações a cada nova vida e, assim, o tempo foi avançando. Na colónia, mais uma vez a cena se repetiu no gabinete do irmão Cipriano: Giuseppe acompanhado de seu inseparável amigo Paolo, ouvindo as equilibradas orientações do velho instrutor.
- Amigos, na próxima encarnação que se aproxima, vocês terão a oportunidade de trabalhar entre os seguidores da nova doutrina que já está, desde meados do século passado, entre os homens com o objectivo de resgatar-lhes a espiritualidade e abrir-lhes o coração para a prática do bem, do amor e da caridade. Refiro- me à Doutrina Espírita, codificada na França pelo professor Rivail, mais conhecido como Allan Kardec, e que agora se disseminou profundamente no território brasileiro. Terão condições de conhecer o Espiritismo e trabalhar em suas fileiras. Também se encontram em condições de resgatar o velho débito do passado, em que Giuseppe pôs fim à vida de Gustavo, e Paolo o abandonou à própria sorte.
“Pelos mecanismos sublimes da reencarnação - continuou Cipriano -, Gustavo nascerá primeiro e receberá Giuseppe como filho. Paolo também reencarnará, novamente encontrando o velho amigo e dando continuidade à bela amizade que os une, e irá ajudar firmemente nas provas e expiações. Frederica, a antiga companheira de Gustavo, voltará ao cenário terrestre novamente casada com o comerciante e recebendo Giuseppe como filho querido.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 1:32 pm

Naturalmente, a reunião de todos poderá despertar energias e sentimentos adormecidos que deverão, dessa vez, ser superados para sempre. Poderão acontecer dificuldades no relacionamento entre pai e filho, mas tudo se resolverá com o exercício do amor, da tolerância e do perdão incondicional. Para isso foram preparados demoradamente.
Esse é o objectivo maior dessa programação, superar de vez as velhas amarras do passado.
Giuseppe terá de superar algumas dificuldades e, a partir de determinada idade, ser-lhe-ão despertadas energias que acabarão por originar complexa dor de cabeça a lhe afligir por alguns anos. Se bem aceita e compreendida, essa dor o levará ao encontro da Doutrina Espírita, em que, por meio de amigos do passado, terá acesso ao caminho da cura para o corpo por meio da eliminação do sintoma e do equilíbrio da alma, à medida que se dedicar ao serviço nobre da mediunidade abençoada.”
Percebendo certo ar de apreensão nos dois amigos, Cipriano reforçou suas últimas palavras:
- A misericórdia divina não desampara nenhum de seus filhos. De certa forma, vocês tiveram a oportunidade merecidamente conquistada pelo trabalho e dedicação de adiarem a quitação desse débito. Agora, fortalecidos, encontram-se em condições ideais de vencer o desafio. Daqui estaremos velando por vocês! Orem, confiem e trabalhem. Em breve nos veremos mais uma vez, quando o retorno acontecer. Aí, então, nos abraçaremos felizes pela vitória conquistada.
Que Deus lhes abençoe!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 6:41 pm

6 - Aborrecimentos
Eu não aguento mais! Essa minha vida está virando um inferno! Se continuar assim, acho melhor romper definitivamente com meu pai. Ele não me entende e sua intromissão nos meus assuntos particulares vem causando profundos aborrecimentos... Assim não dá para continuar!
E Octávio deixou-se cair pesadamente no sofá da sala, a cabeça entre as mãos, sentindo-se cansado com aqueles desentendimentos com o pai, que se vinham arrastando desde a infância. Sónia, sua esposa, já conhecendo o carácter irritadiço de Octávio, interveio de forma carinhosa:
- Querido, não se exalte. Se continuar com esse nervosismo, à noite acabará tendo outra crise de dor de cabeça. Procure respirar calmamente enquanto vou preparar um suco de maracujá bem gelado.
Octávio tentou sorrir e deitou-se no sofá, procurando seguir as sugestões da esposa e se acalmar. Aos poucos a raiva foi cedendo lugar às lembranças do passado, que surgiam dos confins de sua alma. Desde que se entendia como gente, o pai era Figura constante a lhe afligir. Percebia claramente quanto protegia os outros irmãos. Lembrou-se dos castigos pesados e até das surras que recebia, muitas vezes sem sequer saber por que estava apanhando. Recordou-se da mãe, o anjo de doçura em sua vida, sempre procurando protegê-lo dos maus-tratos do progenitor.
- Pronto, querido! Aqui está o suco. Coma também essas bolachinhas, e vamos assistir um pouco de TV - propôs Sónia, sorridente.
Naquela noite, como vinha acontecendo com frequência nos últimos meses, sempre que se aborrecia Octávio era acometido de fortes dores de cabeça, que o obrigavam a ir ao pronto-socorro em busca de uma medicação de emergência. Já havia procurado diversos médicos, feito vários exames, sem que achassem a origem do sintoma que tanto o atormentava.
No dia seguinte, ainda um pouco atordoado, mas sem sentir dor, levantou-se cedo, pois tinha de viajar por causa do seu trabalho de vendedor.
- Sónia, não sei o que seria de mim se não fosse a ajuda do compadre. José está sempre pronto a nos auxiliar. E um grande sujeito, você não acha?
- Concordo, querido. Ainda bem que o temos como amigo - disse Sónia, acelerando os preparativos para o desjejum.
Da cozinha, um delicioso aroma de café estimulou o apetite de Octávio. E assim teve início mais um dia na vida do casal.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 6:43 pm

7 - No Trânsito
EM aquele ano o verão estava muito quente. Já pela manhã, o céu azul sem nuvens e o ar parado faziam Roberto transpirar dentro do carro. O trânsito, como todos os dias, era quase sempre congestionado, fazendo com que o rapaz levasse meia hora até o apartamento de Priscila, sua namorada, e de lá outro tanto para chegar ao hospital em que ambos trabalhavam, ele como médico e ela como assistente social.
Enquanto acompanhava o lento deslizar dos carros pela avenida, seu pensamento divagava como um pássaro a voar em plena liberdade. Embora fosse um cirurgião plástico, trabalhava no sector de emergências daquele hospital da capital paulista havia três anos.
Jovem, com seus 29 anos incompletos, possuía razoável experiência em lidar com a dor humana nos momentos mais trágicos e desesperadores, como os que quotidianamente aportavam naquele pronto-socorro.
Desde pequeno acalentava o sonho de ser médico. Filho mais velho de uma família de classe média do interior do estado, ficou órfão de pai quando tinha 15 anos, fato esse que o obrigou a trabalhar para ajudar no sustento da mãe e de seus dois irmãos menores. O pai, funcionário ferroviário aposentado, desencarnara repentinamente vítima de um enfarte. Apesar das dificuldades, o carácter empreendedor e optimista de Roberto ajudou-o a alcançar seu objectivo e, aos 26 anos, formou-se em medicina, tendo a oportunidade de logo ser contratado para o quadro de funcionários do pronto-socorro.
Nascera em família espírita e, desde menino, frequentava as actividades de evangelização no Centro Espírita de sua cidade, habituando-se a aceitar com naturalidade os conceitos da Doutrina codificada por Allan Kardec. Dotado de sensível personalidade, sempre foi atraído pelo sentido estético da vida, enxergando a beleza em todos os lugares por onde passava. Ao ingressar na faculdade, sentiu-se atraído pela cirurgia plástica, como um artista que procura a perfeição das formas. Em seu caso, buscava, como médico, propiciar oportunidade para que as pessoas pudessem recuperar a auto-estima, apreciando melhor seu corpo, e, como espírita, procurava plantar sementes de felicidade no coração de seus clientes, querendo vê-los bonitos por fora e por dentro. Pensando dessa forma, também sentia grande interesse pela psiquiatria e psicologia, lendo bastante sobre o assunto. Actualmente, além de trabalhar como plantonista, fazia também residência médica com renomado cirurgião e, nas poucas horas que lhe sobravam, frequentava o Centro Espírita Sementes da Verdade, sendo valoroso colaborador em diversas actividades, das quais a que mais lhe agradava era o serviço de entrevista e encaminhamento dos assistidos que acorriam ao Centro em busca de consolo e orientação.
O trânsito fluía lentamente e o jovem médico continuava imerso em suas divagações.
Estava observando que, nos últimos tempos, um número cada vez maior de pessoas buscava a casa espírita. Cansadas, tensas, angustiadas, maltratadas por multidão incontável de problemas e dores, vinham em busca de um pouco de paz. A Doutrina Espírita, com sua mensagem de encorajamento e esperança, trazia alívio àqueles seres. Além de bálsamo e consolo, também lhes abria as comportas da alma, oferecendo o remédio definitivo para todos os seus problemas, estimulando-os ao auto-conhecimento e à reforma interior.
“Mas - pensava - grande número dos que procuram o Centro Espírita, assim que obtém alguma melhora, afasta-se do tratamento, não querendo assumir maiores responsabilidades em relação à vida". Lembrava-se do dia em que, de forma impaciente, queixou-se a seu Valentim, o velho dirigente dos trabalhos, e dele ouviu a orientação que nunca mais esqueceu:
“Meu menino, não se apoquente ao ver as inúmeras desistências e justificativas daqueles que ainda não estão amadurecidos para a renovação. Lembre- se da parábola evangélica do semeador que lançou as sementes em diversos tipos de solos, uns férteis e outros áridos.
Somos apenas semeadores, nossa função é jogar as sementes; os resultados, entretanto, não nos pertencem. Portanto, nada de desânimo e mãos à obra, pois o trabalho aumenta a cada dia!”
Sua atenção retornou ao trânsito, pois agora já se aproximava do destino. Em poucos minutos estava na frente de imenso edifício, onde a namorada já o esperava.
- Bom dia, querido! Que bom vê-lo já de manhã. Você está tão bonito!
Afirmou sorridente a jovem Priscila.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 6:43 pm

- São seus olhos, querida, são seus olhos! - Exclamou Beto, sorrindo e admirando a bela mulher à sua frente.
Partiram então rapidamente em direcção ao hospital. O trânsito, ainda congestionado, fez os jovens aproveitarem o tempo em alegre conversa.
- Sabe, Priscila, enquanto vinha para cá, estava pensando naqueles que vão ao Centro Espírita em busca de auxílio e logo após as primeiras melhoras desaparecem sem deixar vestígio.
- E, Beto, as pessoas relutam em dar o grande salto de qualidade ao assumir a responsabilidade e o poder sobre a própria vida, julgando mais fácil transferir essa tarefa a alguém de fora. Mas acredito que cada um tem o seu momento de enxergar as coisas e, mais cedo ou mais tarde, a necessidade de transformação interior visitará a consciência de todos nós.
- Enquanto você falava, estava lembrando a noite em que nos conhecemos. Você chegou ao Centro trazendo seu pai doente e eu tive a alegria de estar trabalhando como entrevistador, lembra?
- Como poderia esquecer, se desde aquele momento seu doce olhar me enfeitiçou para sempre?
Brincou Priscila, fazendo um carinho nos cabelos do namorado.
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8 - Vida em Família
Sónia não via a hora de chegar a sexta-feira. O feriado prolongado iria ser óptima oportunidade para ela e Octávio descansarem um pouco. Reconhecia que o marido vinha trabalhando em ritmo intenso a fim de manter o orçamento doméstico, apesar de ela, com
seu salário de professora, também contribuir para as despesas. Mas a vida estava difícil e aquele feriadão seria excelente para curtirem um pouco mais as crianças.
O dia esperado chegou e o veículo saiu da garagem abarrotado de utensílios, os mais diversos. Parecia até que iriam ficar fora por uns dois meses e não apenas três dias. Octávio, vendo o carro entupido daquele jeito, reclamou com a esposa:
- Sónia, por que levar tantas coisas? Assim não vai sobrar espaço para os meninos.
Sónia, desafiadora, pôs as mãos na cintura e respondeu de modo indiscutível:
- Não mexa em nada do que vou levar! Tudo terá sua utilidade. E pare de reclamar igual um velho, pois eu não entendo mesmo é por que o senhor vai levar cinco pares de ténis para a praia. Você não acha um “pouquinho” exagerado?
- Não mexa nos meus ténis! Gosto deles e pronto. - Respondeu Octávio com ares de mal-humorado.
Sónia ia retrucar, lembrando ao esposo os outros cinco pares de ténis velhos que ele tinha a mania de guardar, mas achou melhor ficar calada. Afinal, o dia estava lindo e todos iam divertir-se. Em vez de continuar sua argumentação, soprou um beijo da palma da mão para o marido.
- Seu maluco, vamos embora e chega de papo furado!
E, assim, lá se foram o casal e as crianças em busca de descanso e diversão. Após vencerem a batalha do congestionamento na estrada, finalmente chegaram à praia!
A cidadezinha litorânea estava repleta de turistas. Acolhedora e simples, havia muitos anos era o local escolhido por Octávio e Sónia sempre que dispunham de condições para umas férias. No sábado, enquanto se preparavam para o almoço, viram um cartaz afixado no quadro de avisos da pousada:
O Centro Espírita Arautos da Verdade anuncia palestra sobre o tema: Os mecanismos da Lei do Carma. Todos estão convidados.
- Então, querido, que tal irmos a essa palestra? Parece que vai ser algo interessante. Já ouvi falar disso em algum lugar... Acho que foi a Elvira, lá da escola.
- Sónia, nós viemos aqui para descansar e não quero pensar em nada! A minha vida já é cheia de problemas, imagine se vou querer saber de problemas de vidas passadas!
Isso não me interessa, mas se você quiser, vá que eu fico com as crianças - respondeu Octávio, encaminhando-se para o restaurante. Diante da reacção do marido, Sónia acabou desistindo da ideia.
E os belos dias de sol foram acontecendo, e Octávio respirando a brisa marinha e curtindo o calor da família, foi recuperando sua energia e retornou feliz e revigorado ao trabalho do dia-a-dia.
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9 - O Plantão
Quando Roberto parou o carro no estacionamento do hospital, Henrique, irmão Pierre, Marisa e Diogo já estavam lá havia cerca de uma hora a esperá-los. Nesse tempo, Henrique observou com atenção o ambiente ao seu redor, surpreendendo-se com o burburinho e a movimentação em ambos os lados da vida. No plano espiritual, viam-se espíritos que ainda desconheciam sua condição de desencarnados, tentando comunicar-se com os enfermeiros em busca de auxílio, enquanto companheiros socorristas amparavam aqueles que já permitiam ajuda, encaminhando-os para tratamentos específicos3. Em um canto da extensa enfermaria, quatro entidades de aspecto sujo, exalando fétido odor, debruçavam-se sobre um senhor estendido em uma maca, sugando-lhe as energias, quais verdadeiras aves de rapina. Ante o espanto de Henrique, Pierre interveio:
- Esse irmão - e apontava para o doente encarnado - enredou-se nas malhas subtis das bebidas alcoólicas e encontra-se muito próximo de um coma. Em seu desequilíbrio, exala fluidos que são disputados por essas entidades que você vê como verdadeiros vampiros a sugar sua presa.
um tanto indignado, Henrique tentou argumentar:
- Não podemos fazer nada para o ajudar?
E se expulsássemos esse grupo de aproveitadores?
Irmão Pierre sorriu compreensivo e argumentou:
- Henrique, tudo no universo obedece a leis precisas e ajustadas. Ao se fixar no padrão doentio da dependência alcoólica, o companheiro encarnado criou as condições que facultaram o assédio desses irmãos dementados. Aí encontramos, portanto, uma sintonia perfeita. Se os retirássemos, certamente outras entidades de igual teor vibratório viriam saciar-se no campo mental/energético de nosso doente, que só conseguirá livrar-se de tais assédios à medida que conseguir ganhar a luta contra o alcoolismo, rectificando seu padrão e modificando sua postura interna. Evidentemente, levar avante tal empreitada é tarefa das mais árduas, o que explica o grande número de alcoólatras que, apesar de todo esforço, não conseguem mudanças significativas. Mas, se com todo o empenho conseguir abandonar o vício, terá fechado os “plugues” que permitem a acção predatória desses desencarnados.
“O facto de morrermos - continuou irmão Pierre, depois de pequena pausa - e deixarmos a vestimenta física não significa mudança imediata, apenas a transferência da individualidade para outro plano vibracional. Continuamos a carregar os mesmos valores que nos caracterizavam a personalidade quando vivos. Sentimos as mesmas necessidades que os hábitos condicionados impuseram-nos ao longo dos anos de vida na matéria. Dessa forma, aqueles que desencarnam presos à dependência dos alcoólicos sentem, desesperados, a necessidade compulsiva de beber e procuram, pela lei de sintonia, os ambientes onde certamente irão encontrar os encarnados que se lhe comunguem as preferências. Unem-se à sua psicosfera4 e passam a viver em verdadeira associação, em que não mais se distingue a vontade de um ou de outro. Tal processo de vampirização não ocorre apenas nos casos de alcoolismo, mas em quaisquer situações nas quais as criaturas se apeguem a padrões de desequilíbrio, tais como outras dependências químicas, o sexo desvairado, a gula compulsiva e tantas outras mazelas que ainda caracterizam o nosso estágio evolutivo.”
Enquanto reflectia sobre a importância de tais questões, Pierre convidou o grupo a retornar ao portão principal, de onde observaram com atenção os encarnados em seus movimentos. Na portaria do pronto- socorro, inúmeras pessoas se aglomeravam à espera de atendimento. A sala do serviço social, onde Priscila trabalhava, ficava bem próxima à enfermaria de emergência, o que facilitava ao casal trabalhar em conjunto em muitos casos.
- Bom dia, Beto! - Falou sorridente Joel, o colega que estava saindo do plantão. - Olha, por enquanto as coisas estão mais ou menos calmas. Temos no leito cinco a dona Eulália, com um quadro de edema pulmonar, mas que está melhorando e provavelmente poderá retornar para casa. Atendi um casal que chegou de madrugada após um acidente de carro.
A moça sofreu uma fractura simples e o rapaz ainda está no centro cirúrgico, sendo operado devido a uma ruptura de baço. O caso dele é um tanto delicado. É, acho que é só. Agora vou para casa tentar descansar um pouco... um abraço, garoto!
As horas foram passando vagarosas, trazendo casos e mais casos. Roberto e os demais colegas da equipe tentavam superar a falta de material e as condições precárias de trabalho, empenhando-se heroicamente como idealistas incansáveis.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 6:44 pm

Lá pelas tantas, Priscila foi até o namorado solicitar ajuda.
- Beto, quero que você acompanhe um caso que acabou de chegar às minhas mãos.
- O que foi, querida? - Perguntou Roberto, interessado.
- Trata-se de uma adolescente com 14 anos que foi estuprada e acabou ficando grávida.
Estava já no quarto mês de gestação e, pressionada pela família, acabou tentando fazer um aborto. Agora está semiconsciente, com hemorragia intensa e foi trazida pela mãe. Suas condições financeiras são precárias, moram num barraco na periferia da cidade.
Roberto prontamente socorreu a menina, tomando as primeiras providências e encaminhando-a para a sala de cirurgia, a Fim de fazer uma curetagem. Enquanto agia, sua namorada ouvia a mãe da menina contar uma história triste de miséria, abandono e ignorância semelhante a tantas outras que surgiam em seu quotidiano de assistente social.
Na hora do almoço, os dois jovens se encaminharam ao restaurante defronte ao hospital.
Enquanto isso, no plano astral, o grupo socorrista de irmão Pierre aproveitava o tempo disponível para aplicar passes nos enfermos.
- Sabe, Beto, fiquei muito sensibilizada com aquela menina que abortou... Tão jovem!
Cima criança ainda e já tão perturbada! Embora esteja acostumada a ver casos como esse, não sei por que, mas ela me tocou profundamente.
- E, querida, o momento que estamos atravessando é muito difícil. A miséria e a falta de informação fazem com que um número cada vez maior de adolescentes fiquem grávidas. E é mesmo um absurdo, já que hoje temos veículos de comunicação de massa, como a televisão, que deveriam ser instrumentos de esclarecimento e educação para toda essa gente.
- Mas o caso dela ainda é pior, porque foi estuprada enquanto voltava da escola. - Priscila continuou sua argumentação. - Aonde vamos parar com tanta violência? Parece que estamos sem saída, por onde dirijo o olhar, percebo desigualdade, abandono, doença, corrupção, desonestidade. Às vezes fico até com um certo medo de viver.
O jovem afastou seus belos olhos do rosto da namorada e fitou o céu azul pela janela do restaurante. Por alguns momentos, ambos ficaram calados, pensativos.
- Querida - falou Roberto, quebrando o silêncio -, concordo que estamos atravessando mesmo momentos tormentosos em nossa civilização. Outro dia, lá no Centro, estávamos estudando A Génese, um livro escrito por Allan Kardec em 1868 com a colaboração dos espíritos que, em sua visão mais abrangente dos passos da humanidade, falavam que estaríamos prestes a iniciar uma grande mudança de ciclo em termos planetários.
- E então - Priscila mexeu-se curiosa na cadeira -, como os espíritos nos explicam essa loucura toda que estamos vivendo?
- Eles nos falam que os tempos difíceis preditos em profecias de todas as eras estão sendo vividos em nossos dias. Dizem que tudo no universo está submetido à lei da evolução e do progresso, inclusive os planetas, e aí incluem a Terra, nossa morada cósmica. Essa evolução se processa em dois níveis: fisicamente, pela transformação dos elementos materiais que compõem tais globos, e moralmente, pela melhoria da humanidade encarnada e desencarnada que os habitam. Essas mudanças, querida, obedecem a ciclos evolutivos que muitas vezes podem ser extremamente longos, o que de certa forma acaba extrapolando a nossa percepção de tempo. E ainda nos relatam os espíritos que estamos já em meio a essa grande transformação, que por certo não poderia acontecer sem convulsões de toda sorte.
Assim, presenciamos todo tipo de miséria se espalhando velozmente, os valores éticos subvertidos e a violência dominando tudo e todos, como monstro insaciável. E o tempo em que se vai operar a separação das ovelhas do rebanho. Priscila acompanhou atenta as explicações do namorado, e seus olhos brilharam de curiosidade.
- Mas, Beto, diga-me o que podemos fazer para não nos deixar influenciar por todo esse clima. Que tipo de atitude devemos ter diante de tais situações?
- Em primeiro lugar, precisamos compreender que nada no universo acontece por acaso, e se aqui estamos encarnados a viver esta época de grandes transformações, é porque isso tem um significado para nossa evolução. Devemos procurar nos manter em sintonia com o plano espiritual superior, buscando, através da prática salutar da oração e de exercícios de meditação, permanecermos conectados com os amigos desencarnados que aí estão autorizados pela bondade divina a nos guiar e intuir.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 6:45 pm

Também precisamos tomar consciência de que o sofrimento hoje, é global e não podemos comodamente fechar os olhos a tudo que está acontecendo e infantilmente achar que não somos responsáveis por nada.
A humanidade está prestes a atingir sua maturidade espiritual e essa fase se caracterizará pela percepção de que todos estamos intimamente interligados no tecido da sociedade, e que é impossível ser feliz sozinho.
É um tempo que nos estimula à fraternidade e ao exercício do amor.
Enquanto isso, Diogo, integrante do grupo de estudos, perguntou ao irmão Pierre:
- No caso dessa menina, não vemos aí uma vítima inocente dos desatinos que campeiam à solta na sociedade desestruturada da actualidade?
O instrutor, lançando um olhar repleto de amorosidade em direcção à jovem, quase criança, que agora dormia sob efeito de sedativos, falou mansamente:
- Precisamos alargar muito nossa visão, ainda presa às circunstâncias da matéria, para entender os mecanismos cósmicos que regem a vida. Aparentemente, Clarisse, esta menina pobre, é realmente uma vítima da violência e do infortúnio. Entretanto, se abrirmos a percepção para seu passado, vamos encontrá-la em diversas encarnações usando a sexualidade em experiências nas quais se envolveu com inúmeros homens, arruinando-lhes a vida conjugal e provocando, com sua sensualidade, a desarmonia de muitas pessoas.
Sempre que desencarnava, retornando de tais vidas desastrosas, era paciente e amorosamente orientada por seus mentores, interessados em que rectificasse a marcha tortuosa. Clarisse, entretanto, não dava ouvidos às palavras de advertência e, ao retornar em nova vida, continuava excitando a sensualidade em meio a instintos ainda bastante animalizados, tendo inclusive praticado diversos abortos sem o menor sinal de arrependimento. O que lhe importava era sempre o prazer e o gozo a qualquer custo.
“Com essa conduta distorcida - continuou ele a explanação -, inevitavelmente semeou o que agora colhe; um futuro de dor e restrições exactamente na área da sexualidade, na qual não soube manter o equilíbrio. Não quero, com tal argumentação, em absoluto, justificar a atitude criminosa e condenável do homem que a submeteu a semelhante crueldade. Esse pobre infeliz também inscreveu mais um débito em sua própria consciência, que um dia, mais cedo ou mais tarde, irá ter que rever. Se não fosse dessa forma, nossa menina iria padecer de algum tipo de restrição, uma doença incurável ou limitante, por exemplo, na área sexual. Os mecanismos insondáveis da vida se aproveitam de nossas atitudes, boas ou más, para compor o imenso quebra-cabeça da evolução” - concluiu Pierre enquanto afagava a cabeça da menina, transmitindo-lhe reconfortadoras energias.
Terminado o almoço e após um breve descanso em que aproveitaram para fazer uma caminhada em arborizado parque nas imediações do hospital, enquanto saboreavam um delicioso sorvete, Roberto e Priscila retomaram à agitação do hospital. Uma ambulância chegou, sirene ligada, e rapidamente os atendentes trouxeram uma senhora de meia-idade, aparentando uns 50 anos, vestida com uma camisola, os cabelos em desalinho e parecendo estar desacordada.
- O que foi? - Perguntou Roberto à acompanhante da mulher.
- Minha mãe sofre de depressão e ontem discutiu violentamente com meu pai; que acabou saindo de casa. Hoje de manhã, sem que ninguém percebesse, mamãe ingeriu todos os comprimidos de calmantes que tinha em seu poder. Acho que uns 30 ou 40, não sei ao certo. Eu havia saído para o colégio e quando voltei encontrei-a desacordada.
Fiquei desesperada e procurei por socorro, chamando imediatamente a ambulância que a trouxe para cá.
Enquanto escutava o relato da informante, Roberto procurava verificar os dados vitais da senhora, providenciando junto à enfermagem os procedimentos necessários para uma lavagem gástrica. Simultaneamente, suas mãos ágeis trabalhavam com rapidez, enquanto reflectia:
“Mais um ser angustiado que pretende fugir desesperado pela porta ilusória do suicídio!
Ah, se as pessoas entendessem que a morte não existe e que não podemos nos subtrair das lutas e conflitos que representam o exercício, muitas vezes difícil, mas sempre necessário ao amadurecimento da alma. Se soubessem o sofrimento e a dor daqueles que retornam precocemente ao plano espiritual pela atitude impulsiva de terminar com a própria vida!”
Enquanto pensava, a lavagem gástrica era executada com sucesso, tendo sido eliminada grande quantidade de medicamento de seu estômago.
- Moça, sua mãe vai ficar em observação essa noite aqui connosco. Mas fique tranquila que ela está fora de perigo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 6:46 pm

Precisa com urgência de um acompanhamento psiquiátrico, pois seu estado mental carece de tratamento de longo prazo.
- É, doutor, ela chegou a tratar-se durante algum tempo, mas dizia que já estava bem e havia decidido não mais ir ao doutor Jorge Luiz, que é seu médico.
- Não deixe, em hipótese alguma, sua mãe abandonar a ajuda médica. - Roberto insistiu.
- Muitas pessoas, após sentirem algumas melhoras iniciais, acham que já estão bem e podem seguir sozinhas. Mas isso é perigoso. Só o profissional capacitado poderá dizer a hora correta de terminar um tratamento, principalmente quando se tratar de um trabalho psicológico.
Enquanto Roberto falava com a filha da paciente, Pierre envolvia o jovem médico em generoso abraço, e lhe insuflava ideias que iam sendo absorvidas imediatamente.
Novamente víamos a lei de sintonia em acção, só que dessa vez com o objectivo de ajudar o próximo. Lembrei-me do grupo de vampiros5 unido ao infeliz alcoólatra e concluí que as leis perfeitas que regem o universo podem ser utilizadas de acordo com os propósitos bons ou maus que cada um carrega dentro de si. Pierre pensava e Roberto recebia as influências mentais de seu protector, perguntando à menina:
- Sua mãe tem alguma religião, frequenta alguma igreja?
- Somos católicos, mas há muito tempo não vamos à missa.
- Essa é outra medida muito importante. Sua mãe precisa voltar a frequentar a igreja, tentando resgatar a religiosidade e fortalecer a fé. Nenhum ser humano pode viver desconectado de Deus. Qualquer que seja a religião, todas são úteis na tentativa de religar o homem ao Criador.
Nesse ponto, Roberto interrompeu o diálogo, pois Priscila o chamou para ir embora.
Enquanto os jovens tomaram o rumo do vestiário onde trocariam de roupa para retomar à casa deles, Henrique aproveitou a ocasião para indagar a Pierre sobre algumas questões que surgiram diante da situação daquela senhora que atentara contra a própria vida.
Reflectia consigo mesmo: “Por que tantas pessoas na actualidade sofrem de depressão? O que está ocorrendo?” Como que lendo seus pensamentos, o instrutor sorriu e comentou:
- Caro Henrique, realmente assistimos hoje a um número crescente de pessoas debatendo-se nas malhas de processos depressivos da mais variada intensidade. Na origem de tais casos, vamos encontrar múltiplas causas, que vão desde alterações bioquímicas6 nos processos do funcionamento cerebral, disfunções essas que já estão sendo estudadas pela medicina tradicional, até aquelas criaturas que desistiram de viver, descrentes de si próprias, desconectadas de sua luz interior. A sociedade actual, de certa forma, estimula as criaturas a buscar realização apenas nos valores materiais, estimulando-as a um consumismo desenfreado e cego. A fim de satisfazer tais necessidades artificiais, os homens se engalfinham num processo selvagem de competição voraz, no qual apenas os mais fortes ou espertos sairão vencedores. Nessa luta contínua em que transformam a vida, deixa de haver espaço para valores fundamentais como fraternidade, cooperativismo e ajuda, imperando a lei do “cada um por si e salve-se quem puder”. Nesse cenário dominado pelo egocentrismo, a solidão acaba imperando, e mesmo cercado de posses e riquezas materiais, o ser humano descobre o coração vazio do calor do afecto, combustível indispensável para a alma. E no vazio emocional, acaba perdendo o sentido da existência, entregando-se às malhas da depressão, que lhe tinge os céus da vida com matizes escuros e sombrios. Como Beto bem assinalou, o acompanhamento médico muitas vezes se faz imprescindível no soerguimento desses indivíduos. Agentes medicamentosos associados a um tratamento psicológico que restaure o amor-próprio são a chave para o reequilíbrio.
- Mas e a religião, também não é importante, conforme Beto assinalou? - Perguntou Henrique, querendo aprofundar o tema.
Pierre ouviu com atenção e continuou:
- Naturalmente. Na sociedade actual, repleta de valores materialistas, a verdadeira fé perdeu-se nos subterrâneos das religiões ultrapassadas e fanatizadas. O homem precisa retirar o espírito vivo da verdadeira religiosidade dos destroços das religiões carcomidas por vícios milenares. Necessário se faz que todos contribuam para banir as trevas que se abatem sobre a humanidade, acendendo dentro de si a luz da fé e da esperança nos desígnios do Criador. Nesse processo, como você poderá ter oportunidade de verificar, por meio do trabalho que realizaremos em conjunto com Beto, o Espiritismo vem apresentar inestimável contribuição para a grande mudança que se avizinha. Trombeteando a realidade do espírito, a doutrina codificada por Allan Kardec retira o véu da ilusão material que cega os homens e os faz andar em círculos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 6:46 pm

3 - De facto há espíritos que inconscientemente não permitem que companheiros da espiritualidade ajudem, por manterem a mente fixada em determinado acontecimento.
Por isso, não conseguem enxergar ou prestar atenção ao que dizem os amigos espirituais (N.E.).
4 - Psicosfera: tonalidade energética de cada indivíduo, formada pelo conjunto do seu carácter e dos seus pensamentos.
A reunião de diversas pessoas com o mesmo objectivo e com pensamentos idênticos forma também uma psicosfera colectiva, ambiental (N.E.).
5 — Vampiros: espíritos desencarnados que sugam (vampirizam) energias vitais das criaturas que obsediam.
Esse processo de obsessão é muito comum especialmente nos casos de viciações, como o alcoolismo, as drogas, os jogos, etc.
Também nas esferas espirituais e nos umbrais particularmente, espíritos podem vampirizar os recém-desencarnados para sugar-lhes energias ou escravizá-los (N.E.).
6 - Bioquímica: ramo da química que trata das reacções passadas nos organismos vivos (N.E.).
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 17, 2022 6:46 pm

10 - Roberto e Priscila
Mais uma semana se passou, e Roberto e Priscila continuaram suas actividades profissionais. Apesar do plantão cansativo, os jovens ainda encontravam forças para ir ao shopping fazer algumas compras. Estavam bastante animados com a aproximação da data do casamento, dali a oito meses. Conheceram-se havia alguns anos, quando Priscila levou o pai a um tratamento no Centro Espírita em que Roberto trabalhava como entrevistador.
Almas afins, caminhando juntas havia muitas existências, imediatamente sentiram a afinidade que os ligava e a atracção mútua foi natural e espontânea. Em pouco tempo estavam namorando. Aos poucos, Roberto foi incentivando Priscila a 1er obras espíritas, o que conseguiu sem muito esforço, pois a jovem mostrava-se vivamente interessada, devorando os livros que via pela frente. Entusiasmada, não perdia também nenhuma palestra que regularmente acontecia na casa espírita.
O tempo foi passando. O pai de Priscila, que sofria um processo obsessivo de difícil resolução, foi conseguindo equilibrar-se e, aos poucos, ela passou também a ser colaboradora incansável, ao lado do namorado, nas tarefas do Centro. Por ser assistente social, naturalmente se identificou com o trabalho de atenção às famílias carentes, revelando-se excelente trabalhadora. Dentre as pessoas que frequentavam as actividades do Centro Espírita, um casal, André e Márcia, logo fez amizade com Roberto e Priscila, convidando-os a saírem juntos e visitarem sua casa. André era bancário e Márcia, professora. Ambos jovens, foram transferidos do Rio de Janeiro, onde ainda tinham familiares.
Certa noite, um pouco antes do início dos trabalhos, André mostrou animado um pedaço de jornal para Roberto.
- Amigo, veja o que achei aqui. No próximo sábado haverá palestra na Associação Médico-Espírita, aberta ao público em geral, sobre saúde e doença numa abordagem holística7. O expositor, doutor Flávio, é um médico bastante conhecido. O que acha de irmos assistir? Depois poderíamos sair e comer uma bela pizza, não?
Antes que Roberto pudesse responder, Priscila, acompanhando a conversa, se adiantou:
- Óptima ideia! Sugestão aceita! Será um bom programa para o próximo sábado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 18, 2022 9:12 am

11 - Medicina holística
A semana passou rapidamente e no sábado os dois casais se encontraram no casarão onde funcionava a Associação Médico-Espírita. Quando chegaram, o amplo salão já estava quase todo tomado, à espera do ilustre conferencista. No plano espiritual, numerosas entidades também lotavam o recinto, em busca de novos aprendizados. Feitas as apresentações de praxe, o doutor Flávio tomou a palavra. De aparência madura, óculos e cavanhaque, transmitia sensação de segurança e conhecimento. Com voz pausada e tranquila, iniciou sua exposição.
-Prezados irmãos, que a paz de Jesus esteja entre nós! Vamos hoje abordar o tema saúde e doença numa visão holística. Em primeiro lugar, precisamos ter em mente que o conceito de saúde é muito vasto, podendo abranger diversas áreas da vida do ser humano. A própria Organização Mundial de Saúde, compreendendo a amplitude do conceito, o define como sendo o bem estar biopsicossocial8 do homem. Mas, o que é, em última análise, o ser humano? Sobre essa pergunta, os filósofos de todas as eras têm se debruçado sem, até hoje, encontrar uma resposta definitiva. O homem desenvolveu magnificamente o conhecimento científico e, aparelhado com sofisticados recursos tecnológicos, explorou os confins do universo, mas, apesar disso tudo, continua ignorante de si próprio, desconhecendo sua natureza mais íntima.
“Se voltarmos os olhos ao passado, vamos perceber que o conhecimento humano veio se desenvolvendo sectorialmente desde as mais remotas eras. Na Antiguidade, relembramos os antigos filósofos gregos desenvolvendo especulações acerca da natureza humana. Em seguida, o conhecimento se associou ao domínio da religião, e durante muitos séculos o homem estagnou o impulso de crescimento intelectual, bitolado nos corredores estreitos do fanatismo radical e dogmatizante. Apesar disso, o impulso implacável do progresso rompeu as amarras impostas pela religião oficial e levou o ser humano a redescobrir o belo no movimento da renascença. O intelecto associou-se à estética e os grandes mestres surgiram trazendo-nos maravilhas na pintura e na escultura. Por fim, cerca de uns 300 anos para cá, assistimos ao surgimento da moderna ciência, alicerçada inicialmente nos conceitos do filósofo francês René Descartes e do físico inglês Isaac Newton. A partir de então, o conhecimento assentou suas bases na ciência mecanicista ! passou a desenvolver-se dentro do modelo newtoniano, que conceituava ser a realidade tudo aquilo que tem existência objectiva mensurável e ocorrência previsível, ou dizendo em palavras mais simples, a realidade seria apenas tudo que pudesse impressionar os sentidos físicos. E, assim, os pesquisadores foram desenvolvendo suas teorias e experimentos até que, no início deste século, a ciência chegou à nova encruzilhada. Com o desenvolvimento da física quântica e com a teoria da relatividade de Albert Einstein9, os estudiosos começaram a questionar a matéria e a energia e, a partir de então, assistimos a uma verdadeira revolução no campo científico, em que a própria realidade observada dependeria de quem a estivesse observando.
Nasce então o modelo ou paradigma holístico (do grego holos = todo) no qual o conhecimento não é mais sectorizado e sim integrado numa tentativa de visão global.
“Essa visão ultra-moderna captada pelos teóricos da física quântica está em perfeita concordância com os conhecimentos milenares das religiões orientais. Sob a óptica do modelo holístico, podemos dizer que o homem encarnado é a manifestação de sua essência imortal nos diversos planos do existir. Com tal entendimento, a definição da OMS poderia ser ampliada e lida da seguinte forma: saúde é o bem estar biopsico-social-energético e espiritual do homem. Partindo dessa visão, diríamos que o ser humano possui diversos corpos subtis de energia, catalogados na codificação kardecista sob a denominação global de perispírito. Nesse terreno subtil, encontramos vórtices energéticos10 denominados chacras, palavra sânscrita11 que significa roda. Esses pontos de concentração energética estão intimamente associados ao sistema nervoso e ao sistema glandular, funcionando como uma orquestra sob a direcção do grande maestro, que é o próprio espírito, chama etérea e imortal.
“Os médicos e terapeutas holísticos, aceitando a fisiologia subtil do homem, abrem espaço para que em breve tempo possa ser desenvolvida uma metodologia e uma propedêutica12 que alcancem a totalidade da natureza humana. Até agora, o estudo de tal fisiologia oculta permaneceu reservado aos clarividentes13; entretanto, estamos no limiar de uma ampliação dos conceitos médicos em que seremos capazes de vasculhar as origens das moléstias, antes mesmo que venham a se manifestar no corpo físico.
“A visão holística beneficia em larga escala as ciências psíquicas, notadamente a psiquiatria e a psicologia, porque abre campo para a catalogação de distúrbios tais como a obsessão14, as doenças cármicas e a mediunidade15 em desequilíbrio, devolvendo ao próprio indivíduo a responsabilidade por sua saúde ou pela sua doença.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 18, 2022 9:12 am

Não mais poderemos projectar nossos fracassos e insucessos nas condições exteriores adversas ou em outras pessoas. A visão integral do ser nos transforma em adultos espirituais, e tal maturidade, se abre portas a novas realizações e conquistas, igualmente nos confere responsabilidade por nossos actos e decisões.
“E, para encerrar essa breve exposição, gostaria de apresentar algumas sugestões para que possamos ter uma vida mais saudável, em concordância com o conceito ampliado da saúde integral:
“Primeira: não poluir o mundo (material e energeticamente).
“Acho desnecessário estender-me sobre a necessidade de evitarmos a contaminação ainda maior dos recursos de nossa mãe Terra. Entretanto, é importante falar da poluição energética na medida em que a mente é usina funcionando ininterruptamente a fabricar pensamentos dos mais variados matizes. Precisamos vigiá-los e procurar elevar sua qualidade, pois tudo que criamos em nossa mente permanece vivo e actuante na mente do universo.
“Segunda: entrar mais em contacto com a natureza.
“Em nossas cidades civilizadas apartamo-nos da natureza, aceitando viver em ambientes de concreto onde o verde aparece apenas em poucos parques espalhados pelas cercanias.
Necessitamos de ar puro, pisar descalços na terra, reconectarmo-nos com as nossas origens.
“Terceira: fazer mais exercícios físicos.
“Consequência do item anterior, deveríamos nos mexer mais, pois a vida actual nos impõe um ritmo sedentário, que pouco a pouco deteriora a saúde, contribuindo para o envelhecimento precoce e para o surgimento de diversas moléstias do aparelho cardiorrespiratório.
“Quarta: prestar mais atenção no que comemos.
“O modo de vida moderno nos obriga a horários rigorosos e uma correria desmedida, em que, quando muito, ‘engolimos’ um lanche qualquer. O corpo é o sagrado instrumento de manifestação da alma e merece nosso respeito, principalmente na observação de como nos alimentamos. Comer melhor, procurando fazê-lo numa atitude mental relaxada, é receita preciosa para uma digestão satisfatória e uma saúde equilibrada.
“Quinta: descobrir o outro (dialogar mais).
“O mundo actual satura seus habitantes com enorme quantidade de informações. A era da televisão e da informática transformou o planeta numa grande comunidade; entretanto, nunca como nos dias atuais o homem sentiu-se tão solitário. Redescobrir o prazer de conversar, perdendo alguns minutos de nosso precioso tempo a ouvir os que nos rodeiam, é oportunidade abençoada para desenvolver a simpatia e a comunhão com os semelhantes.
“Sexta: estimular o potencial criativo.
“A sociedade ocidental, com seu pensamento imediatista, hipertrofiou as funções mentais, fazendo com que perdêssemos o potencial de realização das coisas voltadas para a intuição e para o sentimento, como as artes, a música, a dança e o teatro. Se procurarmos ouvir nosso corpo, estaremos abrindo excelente canal para expressar os sentimentos que nos habitam a alma e com isso teremos mais prazer na convivência com o próprio eu e com nosso semelhante.
“Sétima: praticar o exercício do amor.
“Finalizando a exposição, trazemos agora a última sugestão que julgamos a mais importante, porque tentar vivenciar o amor no seu sentido mais amplo é entrar em sintonia com o que poderíamos denominar de Pensamento Divino. Falo aqui não do amor minúsculo, escravizado ao sentimento de posse que ainda nos aprisiona uns aos outros. Refiro-me ao amor que liberta, aquele que o apóstolo Paulo eternizou em sua famosa Epístola aos Coríntios: ‘Ainda que eu fale a linguagem dos homens e dos anjos, ainda que tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios, ainda assim, se não tiver amor, nada serei’.”
Envolvido em intenso facho luminoso, doutor Flávio encerrou sua brilhante palestra, sendo aplaudido pela plateia entusiasmada. No plano espiritual, os espíritos presentes também vibravam com aquelas palavras, certos de que, em breve tempo na crosta planetária, os médicos começariam a exercitar a medicina do homem integral, abrindo o coração para a realidade maior da natureza humana. Não mais a fria abordagem tecnológica, enxergando o paciente como um conjunto de sistemas e órgãos a ser rectificado, mas um ser humano, corpo, energia e espírito, com todas as suas emoções e sentimentos a serem compreendidos e amados.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 18, 2022 9:13 am

Após a palestra que muito impressionou o jovem médico, seu amigo André fez um convite.
- Beto, será que você e a Priscila não aceitariam passar o domingo connosco?
Receberemos mais dois outros casais amigos e a presença de vocês irá nos dar muita alegria. Aceitam o convite?
Priscila, adiantando-se ao namorado, argumentou:
- Puxa, André, gostaríamos muito de ir, mas já nos comprometemos com meu pai a passarmos em sua casa. Quem sabe numa outra oportunidade possamos ir?

7 - Medicina holística: trata o indivíduo como um todo e ressalta a interacção entre o corpo vivo e o espírito.
Sustenta que é a resistência, diminuída por hábitos erróneos e pelo estresse físico e mental, que toma o organismo susceptível à doença.
Assim, a doença é considerada um desequilíbrio entre forças sociais, pessoais e económicas, assim como o resultado de influências biológicas (N.E.).
8 - Biopsicossocial: visão que engloba os aspectos biológicos, psicológicos e sociais do ser humano (N.E.).
9 - Albert Einstein: físico alemão naturalizado americano, premiado com o Nobel de Física em 1921 (N.E.).
10 - Vórtices energéticos: concentrações de energia parecidas com redemoinhos (N.E.).
11 - Sânscrito: uma das mais antigas línguas clássicas da índia (N.E.).
12 - Propedêutica: introdução de uma ciência (N.E.).
13 - Clarividente: pessoa dotada da faculdade de ver os espíritos (N.E.).
14—Obsessão: actuação maléfica que um espírito exerce sobre um desencarnado.
Apresenta-se de muitas formas, desde a simples influência moral, sem sinais exteriores perceptíveis, até a perturbação completa do organismo e das faculdades mentais.
Para conhecer melhor o assunto, leia O Livro dos Médiuns, cap. 23 (N.E.).
15 - Mediunidade: é a capacidade de nos comunicarmos com o mundo espiritual, seja em sonho, por meio de intuição ou de outra maneira.
Todos somos médiuns, pois a influência dos espíritos se exerce sobre nós sempre de alguma forma (N.E.).
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 18, 2022 9:13 am

12 - Novos Personagens
O domingo chegou e André acordou cedo para ultimar os preparativos para o almoço.
Desde jovem gostava de cozinhar e o fazia tão bem quanto Márcia, sua esposa. Naquele dia, o cardápio eleito seria peixe assado ao molho de alcaparras. Depois de algum tempo chegaram os convidados, José e Berenice, essa também professora, que leccionava na mesma escola de Márcia, Octávio e Sónia, compadres de José. Após os cumprimentos, a conversa aconteceu gostosa e descontraída. Os assuntos fluíram sem direcção, passando pela política, futebol, actualidades, até que, sem saber muito o porquê, comentou-se sobre saúde e doença.
- Meus amigos - disse Octávio -, já que estamos falando deste assunto, eu mesmo sofro, já há vários anos, de terrível dor de cabeça, que me atormenta a ponto de altas horas da noite ter de telefonar ao compadre José para me acompanhar ao pronto-socorro, onde preciso tomar fortes sedativos que, se não curam de todo, pelo menos aliviam durante um tempo o terrível sintoma.
- Mas, Octávio - Márcia perguntou curiosa -, você não procurou um tratamento específico?
- Procurei diversos médicos, já fiz todos os exames neurológicos: electroencefalograma, tomografia computadorizada, ressonância magnética e todos apresentaram resultados dentro da normalidade. A dor de cabeça é resistente a quase todos os medicamentos. Já não estou suportando mais! Toda semana tenho duas ou três crises fortíssimas.
Isso para mim não é vida!
André ficou preocupado ao perceber a tristeza que se estampou na face de Octávio.
- Meu amigo. Não quero ser importuno nem indelicado, mas vejo que seu sofrimento é grande e por isso tomo a liberdade de lhe dar uma sugestão. Mas, veja bem, é apenas uma sugestão de amigo. Não sei se José já comentou, mas eu e Márcia somos espíritas e frequentamos uma instituição onde existe um trabalho de atendimento a pessoas com todos os tipos de problemas, inclusive físicos. Você não gostaria de ir até lá e fazer uma entrevista?
- Sabe, André, agradeço seu interesse e vou aceitar a sugestão, mesmo porque não vejo muitas alternativas. Diga-me como fazer e irei até lá com você.
O restante do domingo transcorreu em paz, num clima de alegre descontracção entre aqueles três casais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 18, 2022 9:13 am

13 - A Entrevista
Na quinta-feira, Roberto, como sempre, estava em seu trabalho de entrevistador.
Após fazer uma prece pedindo o auxílio dos amigos espirituais, por alguns instantes o jovem deixou-se ficar reflectindo sobre o seu trabalho. Mentalmente, reviu grande números daqueles que entrevistara havia pouco tempo. Vinham arrastando-se pela vida,' trazendo os mais variados problemas de ordem material, afectiva ou de saúde. Todos, entretanto, tinham algo em comum: haviam perdido o amor-próprio e a crença em algum poder superior que os amparasse. Desconectados de uma fé, de um objectivo maior, prosseguiam a marcha como zumbis errantes, agarrando-se desesperadamente a qualquer coisa que se lhes acenasse
como uma possibilidade de salvação. Prisioneiros da ilusão, ali desfilavam, trôpegos e cabisbaixos, a rogar alívio para seu coração amarfanhado e triste.
Assim pensando, não pôde deixar, mais uma vez, de agradecer as bênçãos que recebera reencarnando numa família espírita, que desde cedo lhe ensinara os princípios pelos quais agora, já adulto, vinha pautando sua vida.
- Com licença? - Perguntou André, pondo a cabeça dentro da sala e dando um enorme sorriso.
- Vamos entrando - respondeu o jovem médico, bem-humorado.
- Estou trazendo hoje um amigo, o Octávio, que está atravessando algumas dificuldades.
Gostaria que o orientasse, encaminhando-o a um tratamento em nossa casa. - Assim falando, André retirou-se da sala, deixando Roberto e Octávio a sós.
Habituado a conhecer as pessoas, o jovem médico percebeu de imediato a inquietação e angústia de Octávio, procurando deixá-lo bem à vontade para expor seus problemas. O rapaz aproveitou a acolhida e passou a narrar em detalhes a estranha dor de cabeça que tanto o afligia. Após ouvi-lo atentamente, Roberto perguntou:
- Você repara se a dor de cabeça acontece a qualquer momento ou só em situações especiais?
- É, realmente tenho reparado que as crises têm alguns momentos específicos. Aparecem geralmente durante o sono, quando chego a novas cidades, pois viajo muito a serviço, ou quando recebo notícias de meu pai, com o qual não tenho um bom relacionamento.
Também aparecem em momentos de extrema alegria ou quando tomo alguns goles de vinho.
- Octávio, você já fez todos os exames que poderiam detectar os sintomas da doença?
-Sim - respondeu Octávio -, fiz todos os exames possíveis e nenhum acusou dano físico.
- Vou encaminhar seu caso para o diagnóstico espiritual, com o qual poderemos obter orientação sobre as causas do problema. Isso irá demorar alguns dias. Enquanto aguardamos, sugiro que você assista às palestras que são realizadas regularmente em nossa instituição. Aproveite essas ocasiões para, após a palestra, tomar passe, o que ajudará no reequilíbrio de suas energias. Octávio retirou-se satisfeito, deixando Roberto, que percebeu intuitivamente ser a situação daquele moço bastante séria, sendo necessário um tratamento profundo.
Fez sua prece e encerrou os trabalhos da noite.
A seu lado, Pierre, que já havia pesquisado o caso, falou sério:
- Beto tem razão, a história de Octávio vai propiciar excelentes ensinamentos a todos nós.
Sugiro que o coloquemos como prioridade em nossos estudos.
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