LUZ ESPÍRITA
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Série Lúcius - EXILADOS POR AMOR / Sandra Carneiro

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Série Lúcius - EXILADOS POR AMOR / Sandra Carneiro - Página 4 Empty Re: Série Lúcius - EXILADOS POR AMOR / Sandra Carneiro

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 13, 2014 9:03 am

CAPÍTULO 18

As pedras eram sobrepostas cuidadosamente.
Cortadas com medidas precisas e instrumentos projectados e construídos especialmente para essa finalidade (sob orientação do próprio arquitecto), assombrava aos escravos e aos assessores egípcios a engenhosidade das técnicas empregadas por Amenhotep.

Os escravos trabalhavam desde o amanhecer até noite alta;
muitos deles não suportavam a jornada exaustiva e tombavam sob o peso da labuta infindável.

Nitetis não podia ignorar o que se passava à sua volta.
Dedicava-se à pintura com desvelo, mas corria em socorro dos escravos assim que percebia que um deles estava exausto demais.

Rapidamente ela conquistara a simpatia de Amy, que fingia não notar como tratava os escravos.
Sem condições de ajudá-los pessoalmente, pois tinha de cumprir as ordens de Amenhotep, ele deixava que Nitetis atendesse a todos que necessitassem de ajuda.

Amenhotep, por outro lado, entregue à paixão desenfreada por Iaret, tornava-se dia a dia mais distante e insensível.
Afastava-se da irmã, dificultando a convivência que ela tanto havia desejado; viam-se pouco, e quando conversavam era na construção, sempre ocupados com as pinturas e as esculturas em andamento na câmara mortuária. Nessas raras oportunidades, Nitetis procurava aproximar-se o mais que podia do irmão, recordando algum episódio agradável da infância, ou a imagem querida dos pais.

Quase nunca obtinha sucesso, porque pouca atenção Amenhotep dava às lembranças de família.
Parecia hipnotizado e dominado por Iaret e pela própria ambição de poder.

Naquela tarde, Nitetis trabalhava em uma das ilustrações do faraó, diante da efígie dera, numa sequência de imagens que pretendiam retractá-lo como enviado e escolhido dos deuses.

Amenhotep chegou sem que ela percebesse e ficou avaliando a perfeição do trabalho da irmã.
Encantou-se com a maestria com que ela transferia para as pedras a história do Egipto e de seu povo.
Analisou detidamente cada detalhe, demorando-se em notar a perfeição das vestes do faraó, seus adornos e traços fisionómicos.

Totalmente compenetrada, entregue à tarefa que executava, Nitetis estava linda, esplendorosa.
Amenhotep a observava enlevado.
Pouco reparava na irmã, porém naquele momento, tendo a atenção despertada pelo trabalho grandioso que ela desenvolvia, percebeu como era, e pensou que parecia uma deusa trabalhando no paraíso.

Subitamente, Nitetis sentiu a presença do irmão e virou-se para ele perguntando, surpresa:
- Há quanto tempo está aí, me olhando?
Ele sorriu e respondeu:
- Faz bastante tempo.
Você está divina, tão compenetrada no trabalho;
e sua pintura está admirável!

É muito mais talentosa do que eu havia imaginado!
Fiz muito bem em traze-la para cá. Está maravilhoso, Nitetis.
O resultado de sua arte é perfeito, como se viesse directamente das mãos dos deuses.

Achando graça no entusiasmo do irmão, Nitetis respondeu:
- Ora, Amenhotep, está ficando bonito, mas também não é tudo isso que está dizendo!
- Como não? Ninguém encontrará uma obra tão linda em todo o Egipto!
Você me surpreendeu, Nitetis!

Feliz por ver o irmão satisfeito, ela abriu um lindo e sincero sorriso e afirmou, com sua peculiar simplicidade:
- Você exagera, meu irmão!
Amenhotep abraçou-a com carinho e ralhou:
- Pare de se diminuir! Seu trabalho é esplêndido!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 13, 2014 9:04 am

Os dois sorriam, abraçados, enquanto examinavam os detalhes da pintura, quando atrás deles ouviram a voz irritada de Iaret:
- Alguma coisa de bom você devia ter, Nitetis;
do contrário seu irmão já a teria mandado daqui para bem longe.
Não é, Amenhotep?

Imediatamente ele soltou a irmã e afastou-se dela.

Em seguida falou, aproximando-se de Iaret:
- O que faz aqui?
Andar no interior da obra pode ser perigoso.
Temos pedras subindo e descendo em todos os lados.
Vamos, é melhor que volte para o palácio.

Estacando à frente de Nitetis e mantendo o olhar fixo na irmã do poderoso ministro-chefe, Iaret mediu-a de alto a baixo e, com desprezo, interpelou-os:
- Quando termina seu trabalho?

Nitetis buscou com os olhos apoio do irmão, que permaneceu calado, sem olhar para ela.

A jovem, então, respondeu:
- Não sei dizer ao certo;
creio que ainda deve demorar um pouco, pois a construção é grande...
- Acho melhor se apressar, pois o faraó manda avisar que deve chegar em breve.

Amenhotep tomou Iaret pelas mãos e insistiu:
- Venha, Iaret, temos muito que conversar.
Ela, entretanto, olhou firmemente para Nitetis, dizendo:
- Acho que teria sido melhor você ir embora enquanto pôde.

Quando Nitetis fez menção de responder, Iaret colocou a mão sobre a de Amenhotep, e encerrou:
- Vamos! Quero que faça um relatório minucioso do andamento da obra!
Meu marido quer encontrar tudo de acordo com o planeado!

Amenhotep acompanhou Iaret sem olhar para Nitetis, que ficou a observá-los abandonando a construção, até finalmente desaparecerem.

Sem poder acreditar na conduta de Amenhotep, suspirou e voltou-se para a pintura em que estivara trabalhando.
Diante da imagem de Ra, que havia ilustrado com primor; tocou suavemente a figura e ergueu os olhos ao céu rogando aos deuses pelo irmão;
especialmente ao Deus de Raquel, que em segredo amava e respeitava.

Era naquele Deus que ela pensava diariamente;
era a ele que dirigia suas preces e seus mais sinceros sentimentos.

Algumas semanas se escoaram velozmente.
Aproximava-se o dia do retorno triunfante do faraó.
Ele havia conquistado novos territórios, expandindo as fronteiras de seus domínios para além do deserto de Zim, e trazia grande número de escravos para servirem ao reino do Egipto.

Nitetis dedicava-se com maior intensidade ao trabalho, na certeza de que Amenhotep esperava que a obra estivesse bem adiantada para receber Djoser.

Naquele dia, no entanto, ela estava inquieta.
Olhava para a porta com frequência, como se esperasse alguém.
Não conseguia concentrar-se e sentia-se mais cansada do que de hábito.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 13, 2014 9:04 am

Amy não pôde deixar de notar a agitação da moça e perguntou:
- Você está bem, Nitetis?
Parece apreensiva.
- Sinto-me angustiada e não sei explicar o porquê.
- Não seria melhor tirar o dia de folga, para descansar um pouco?
Tem trabalhado em excesso, Nitetis.

- De modo algum! Ainda tenho muito que fazer!
Sabe quando chegará o grande Djoser?
- Muito breve.
- Pois então! Como poderia esmorecer logo agora?
- Mas se não descansar, pode até cair doente de exaustão.

- Não se preocupe, meu bom amigo Amy; não cairei.
Após a pequena pausa, prosseguiram com o trabalho.

Pelo meio do dia, um dos escravos caiu, desfalecido.
Nitetis, prontamente, correu até ele e ajoelhou-se ao seu lado, tentando avaliar seu estado.

Entretanto, ao ser tocado, ele a agarrou e puxou com toda a força para o chão;
deitou-a, beijando-a com sofreguidão, enquanto dizia:
- Não posso mais viver sem você!
Deixe os outros, fique somente comigo!

Debatendo-se para soltar-se do rapaz, Nitetis repetia:
- Pare com isso! Solte-me!
Está me machucando!
- Você é que me machuca!
Quero-a só para mim! - ele insistia.
- Do que é que está falando? - perguntou Nitetis, tentando desenvencilhar-se do jovem escravo.

Novamente foi beijada à força, até que enfim conseguiu livrar-se e se levantou depressa, limpando as vestes.

Deparou, então, com a rude figura do sumo-sacerdote, em companhia de Iaret, que com sorriso maldoso e olhar fulminante falou:
- Eu não o preveni, Rudamon?
Essa mulher está desrespeitando o túmulo do faraó!
Quero que seja expulsa imediatamente!

Nitetis tentou explicar:
- Está havendo algum engano...
Rudamon interrompeu-a, ríspido:
- Cale-se! Eu não podia acreditar até ver com meus próprios olhos!
Que imundície! Saia já e não ponha mais seus pés sujos neste santuário.

- Mas...
- Saia e não diga nem mais uma palavra, se não quiser morrer aqui mesmo!

Assustada e humilhada diante de todos, Nitetis saiu cabisbaixa e muda.

Quando estava fora da câmara, ainda tentando entender o que se passava, Rudamon saiu e ordenou a dois soldados:
- Levem-na para a prisão.
Depois decidirei o que fazer.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 13, 2014 9:04 am

Nitetis gritou:
- Por favor, senhor, não fiz nada!
Está havendo algum engano.
Aquele escravo agarrou-me à força!
- Sei bem o que os meus olhos viram.
Cale-se e obedeça!

Ao retornar ao interior do templo, dizia:
- Que ideia, deixar uma mulher fazer o trabalho que pertence aos homens!
Só poderia vir de um homem como Amenhotep.

Iaret olhou de revés para Rudamon, observando-lhe as reacções, depois disse:
- É aviltante! É melhor que fale com o irmão dela!
Amenhotep precisa saber o que andava fazendo quando ele não estava por perto!

Nitetis gritava, desesperada, enquanto era levada pelos guardas:
- Por favor, deixem-me falar com Amenhotep!
Está havendo um engano muito grande, por favor!

Escutando o som abafado da voz de Nitetis, a distanciar-se da construção, Iaret sorriu satisfeita, e já se dirigia à saída quando Rudamon perguntou:
- O que realmente deseja, senhora?
Ela virou-se, mediu Rudamon de alto a baixo e respondeu:
- A glória absoluta do faraó!

E afastou-se depressa, à frente de seus guardas pessoais.
Rudamon a acompanhou com os olhos, depois contemplou o monumento inacabado e sorriu, exultante.
A obra estava parada e isso certamente prejudicaria Amenhotep.

Ao receber notícia do ocorrido, o arquitecto indignou-se.

Foi o próprio Amy quem lhe trouxe as informações.
- Não posso crer, Amy! Minha irmã!
- Não consigo compreender, senhor.
Nitetis sempre foi tão comedida e recatada;
não posso imaginá-la fazendo aquilo de que a acusaram.

Amenhotep pensou por instantes e perguntou:
- Levaram-na para a prisão?
- Sim.
- Não dá para acreditar!
Agora, a obra está parada!

Sem dizer mais nada, Amenhotep saiu nervoso e foi directo para o quarto de Iaret.

Esta, que já o esperava, ao ser interrogada respondeu ardilosa:
- Ela se encontrava com eles às escondidas.
Ninguém nunca viu, mas tenho meus súbditos fiéis, que não deixam nada passar despercebido.

Assim que soube como ela estava se comportando, tomei as medidas necessárias para protegê-lo, meu querido.
Se o facto se espalhasse, poderia prejudicar a construção de Djoser.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 13, 2014 9:04 am

E abraçando-se a ele, continuou:
- Mande-a para longe daqui.
Os eunucos terminam o trabalho que ela começou.
Não perca mais tempo com ela.
Liberte-a, pois é sua irmã, e mande-a embora.

Ela improvisou ligeira pausa e em seguida, acariciando-lhe a mão, deu o golpe final:
- Ou, melhor ainda, deixe comigo.
Eu mesma vou pedir clemência a Rudamon, em seu nome.
Você nem precisa desgastar-se indo até ele.

O tempo corre e Djoser está para chegar.
Não perca mais tempo, Amenhotep.
Deixe que agora eu resolvo a situação.
Mando-a embora e logo o caso estará esquecido.

Após breve reflexão, Amenhotep concordou:
- Está bem. Não estou em condições de me indispor com minha irmã.
Mande que meus soldados a levem para casa.

E saindo do quarto de Iaret, beijou-a com paixão e disse:
- Tenho pouco tempo e muito que fazer.

Sorrindo, Iaret falou baixinho, enquanto ele se afastava:
- Isso mesmo, Amenhotep, deixe que eu resolvo seus problemas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 13, 2014 9:05 am

CAPÍTULO 19

Quando alcançou os portões de sua casa, Nitetis ainda trazia os olhos vermelhos do pranto derramado por horas.
Chegou sozinha e caminhava como se trouxesse sobre os ombros pesado fardo.

Ao avistá-la, Raquel correu ao seu encontro:
- Nitetis! O que houve?

A jovem abraçou-se à amiga e mais uma vez deixou que as lágrimas lhe inundassem a face.
Raquel emudeceu e a deixou desabafar.

Quando se acalmou, Nitetis perguntou:
- Onde está Iuseneb?
- Seus irmãos estão viajando.
- Os três?
- Sim, estão trabalhando na construção de um palácio, ao sul.
Como a estiagem se prolongou, acharam melhor partir e garantir o sustento dessa maneira.
Não devem retornar tão cedo.

- Eu posso ficar, Raquel?
- Querida Nitetis, o que me pergunta?
É claro que pode ficar!
Não importa o que tenha acontecido, você tem em mim uma amiga, e sabe disso.
Venha, vamos entrar.
Vou preparar-lhe alguma coisa para comer. Parece faminta.

Nitetis sorriu levemente, ao confirmar:
- E estou mesmo!

Aconchegando-se no confortável ambiente doméstico, Nitetis contou em pormenores o que vivera.
Falou da alegria que sentia na companhia do irmão, e das raras oportunidades em que haviam podido conversar.

Enxugando as lágrimas, ela disse:
- Foi tudo tão rápido... Mal posso acreditar que tenha acabado dessa forma.
Eu tinha tantas esperanças, Raquel...
Desejava muito ajudar meu irmão.
Infelizmente, acho que não será possível.

Agora entendo a tristeza que vi nos olhos de meu pai, pouco antes de partir.
Ele sentia imenso pesar por não ter conseguido auxiliar Amenhotep.
Sentia-se como que responsável pelo caminho que ele escolhera trilhar.

Naquele momento eu não compreendia o que hoje entendo.
É doloroso ver alguém que amamos tomar um caminho que, sabemos, irá levá-lo à dor e ao sofrimento e não podermos fazer nada!
É um sentimento enorme de impotência...
A única coisa que me anima, Raquel, é pensar no seu Deus.

Quando me sinto frágil e sem esperanças, penso nele e minhas forças se renovam.
Fico revigorada e cheia de alegria de viver.
Seu Deus é também o meu Deus, Raquel.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 13, 2014 9:05 am

Eu posso percebê-lo em tudo à minha volta;
no céu cheio de estrelas, na manhã radiante de luz, no anoitecer suave que tudo envolve em serenidade.
Posso senti-lo em seu abraço, minha amiga, e em seu sorriso meigo.

Raquel enlaçou a amiga com lágrimas nos olhos.
As duas permaneceram abraçadas em doce permuta de amor e carinho.

Depois, Raquel propôs:
- Agora é melhor descansar um pouco.
Seus últimos dias foram muito agitados.
Venha, depois preparo um jantar do jeito que você gosta e amanhã, com certeza, sua disposição será completamente diversa.

Nitetis acompanhou a amiga até o quarto, que continuava exactamente como o havia deixado.
Sorriu ao ver que estava intacto.

Raquel disse:
- Não permiti que seus irmãos tocassem em nada.
Surpreendentemente, eles não me contrariaram.
Acho que também queriam tê-la de volta.

- Não sei, Raquel.
Iuseneb foi bem enfático quando me proibiu de retornar.
- Estava nervoso. Assim que você saiu, ele se sentou e, inconformado, quase se pôs a chorar.
Só não o fez por minha causa, para não demonstrar fraqueza.

Eu acho que você não precisa se preocupar com isso.
É claro que ele não vai admitir, e pode até ser ríspido com você, quando chegar, mas no fundo sei que deseja que fique.
Penso mesmo que ele sentiu ciúme de Amenhotep e de seu carinho por ele.

- Ciúme, Raquel?
- Por que não? É bem comum entre irmãos.
Ela reflectiu por alguns segundos e disse:
- Você pode ter razão.

E ajeitando-se na cama, confessou:
- É muito bom estar em casa, Raquel.
- Agora descanse.

Ao voltar de seu exaustivo dia de trabalho, Amenhotep passou pelo cómodo vazio, que a irmã havia ocupado.

Sentou-se e acariciou as roupas que ela deixara jogadas sobre a cama.
Recordou-a por poucos instantes, pois foi interrompido por ruídos junto à porta de seu quarto.
Ao sair, deparou com Iaret.

- Meu amor! Tive muita saudade.
- Não podemos nos arriscar, Iaret.
Rudamon anda à espreita.
- Eu sei, não se preocupe; sei muito bem cuidar de Rudamon.
Agora venha comigo, vamos para o meu quarto.
- De forma alguma, é muito perigoso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 13, 2014 9:05 am

Indiferente aos apelos de Amenhotep, ela o arrastou até seu quarto.
Embora a construção da pirâmide continuasse sem grandes problemas, tal como ocorria com as actividades do ministério, Amenhotep sentia-se aflito.
Iaret percebia certa tristeza no amante, e buscava distraí-lo fazendo o que mais sabia: cobrar-lhe maior atenção.

Todavia, ele se mostrava distante e preocupado.
Passava longos períodos sentado à varanda, meditando.
Amenhotep não compreendia a razão dessa perturbação:
as coisas pareciam caminhar conforme desejava;
tinha tudo o que queria.

Mas sentia estranha inquietude.
Era como se algo indefinido estivesse para acontecer.
As paredes da câmara mortuária de Djoser subiam dia a dia, com elaborada e perfeita sobreposição de pedras.

O trabalho de pintura prosseguia, conforme os planos deixados por Nitetis.
A olhos mais atentos seria notada a mudança na qualidade dos traços, porém a olhos menos treinados certamente o detalhe passaria despercebido.
Amenhotep estava satisfeito com o resultado.

Caminhava por entre os escravos, observando atentamente o trabalho que faziam, quando Amy anunciou a chegada de um mensageiro:
- Ele o aguarda na entrada do templo.
- Que espere! Terminarei a verificação e então o atenderei.

Ao acabar de inspeccionar a construção, Amenhotep saiu e recebeu o mensageiro, que informou:
- Venho da parte do grande faraó.
Ele manda avisar que em duas semanas estará de volta.
Trará consigo mais escravos, para dar rápido andamento à obra.
Está muito satisfeito com as notícias que tem recebido sobre a edificação da pirâmide.

Amenhotep convidou o mensageiro a averiguar pessoalmente os progressos da elaborada construção, para que pudesse manter Djoser informado.

Depois se despediu e retornou ao palácio, não sem antes notificar seu supervisor:
— Amy, o faraó estará aqui em duas semanas.
Quero que ponha todos os escravos para trabalhar até caírem, está me entendendo?
Que trabalhem inclusive à noite;
quando um cair, você o coloca de lado.
Quero que o faraó se surpreenda com a construção.

- Mas ele já não está contente com o que tem escutado sobre a obra?
- Já disse que desejo surpreendê-lo.
E não diga a ninguém que estamos trabalhando nesse ritmo acelerado.

Amy balançou a cabeça em sinal afirmativo e retirou-se, obediente.
Apesar de não concordar com as ordens de Amenhotep, não ousava questioná-lo.

Assim que voltou ao palácio, Amenhotep foi directo aos aposentos de Iaret.
Porém, antes de alcançá-los, encontrou Rudamon no corredor, como se o aguardasse.

O sacerdote o segurou pelo braço e perguntou:
- O que faz aqui?
Por que não está em sua construção?
O faraó logo chegará.
Por certo irá tentar impressioná-lo com suas bobagens.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 13, 2014 9:05 am

- Como sabe que ele está para chegar?
- Por que acha que eu não saberia?
Se meu senhor, meu faraó, está chegando, é claro que posso senti-lo.
Bem como outras coisas que aconteceram em sua ausência.

Rudamon proferiu essas palavras olhando para o final do corredor - a porta do quarto de Iaret.

Depois soltou seu braço e falou:
- Vá, pode ir, ela o espera.
Sem saber como agir, Amenhotep olhou fixamente para os olhos de Rudamon e perguntou:
- Por que me odeia tanto? O que foi que lhe fiz?
Tenho procurado colaborar com você em tudo. Não compreendo.
- Vá, aproveite sua glória passageira.

Sem dizer nada, Amenhotep seguiu até o quarto de Iaret.
À porta, virou-se, mas Rudamon já desaparecera.

Quando Iaret o recebeu, ele disse:
- Rudamon sabe de tudo.
- É claro que sabe.
- E como você conserva toda essa calma?
- Ele é o sumo-sacerdote de Ra, é claro que sabe.
Rudamon sabe de muitas coisas, assim como você, meu amor!

- Iaret, é sério. Ele poderá entregar-nos a Djoser.
- Acalme-se, Rudamon não fará isso.
Tem seus segredos e seus planos.
Eu conheço alguns e sei como utilizá-los a meu favor.
Já disse que não se preocupe com ele.

Iaret sentou-se sobre a confortável cama coberta de grandes almofadas e, ajeitando-se, indagou:
- O que o trouxe aqui a esta hora?
- Djoser está a poucos dias do Egipto;
seu mensageiro acaba de retornar.
- Muito bem. Faremos uma grande festa para recepcioná-lo.
Vou organizar tudo junto com Rudamon.
Eu mesma dançarei para o faraó.

- Você?
- E por que não? Uma surpresa assim o encantará.
- Você se arrisca demais, Iaret.
- Eu gosto do perigo. Ele me instiga.
- Que bom que pensa desse modo.

Observando intrigado a reacção de Iaret, ele disse:
- Parece feliz com a notícia da chegada do faraó.
- Já tinha conhecimento de seu breve regresso.
Mas estou feliz porque tivemos todo esse tempo para estar juntos.
Djoser continuará mais interessado em suas conquistas e na construção de seu monumento do que em qualquer outra coisa.
Teremos tempo para nos vermos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 13, 2014 9:06 am

Amenhotep despediu-se de Iaret e retomou suas tarefas.
Seu coração ainda estava pesado e triste.
Depois de receber a notícia da volta de Djoser, a esposa do faraó não descansou um só minuto.

Preparava com cuidado a celebração da vitória do poderoso rei.
Pensou em todos os pormenores:
a exibição das melhores dançarinas, a comida preferida do marido, a certeza de ter os convidados apreciados pelo faraó.

Montou para si as roupas especiais com que se apresentaria diante dele e criou uma coreografia sensual e provocante.
Na véspera da chegada do marido, foi ter com Amenhotep, vestindo a roupa de sua apresentação.

Ao abrir a porta do quarto, ele ficou atónito.
Iaret estava deslumbrante.

- Quero dançar só para você nesta noite.
- Está maravilhosa, Iaret, mas é muito perigoso.
Por favor, volte para o seu quarto.
O palácio está agitado com os preparativos da festa.

- Justamente. Todos estão muito ocupados para prestar atenção em nós.
- Não Rudamon. Irritada, ela retrucou:
- Já disse para deixar o sacerdote comigo. Você não me escuta!
- Não devemos nos arriscar.
Ele nos vigia; não quero que tenha nenhuma prova contra nós.

Empurrando Amenhotep para dentro do quarto, ela fechou a porta e disse:
- Meus eunucos o estão vigiando.
- Você pensa em tudo... - ele respondeu, sorrindo.
- Em tudo.

Na tarde seguinte, o salão estava repleto de convidados de honra;
muitos haviam vindo de outros reinos, para celebrar a vitória de Djoser.
Após breve descanso da longa jornada, o faraó tomou seu lugar no trono, cercado por Rudamon, Amenhotep e os demais ministros.

Notou a ausência de Iaret, mas logo lhe comunicaram que ela faria uma surpresa.
A festa era uma das mais grandiosas já vistas naquela dinastia.

A dança de Iaret causou no faraó profunda admiração.
Assim que terminou, ele a convidou para sentar-se ao seu lado.
Depois, agradeceu aos visitantes de regiões distantes e convidou-os ao jantar.

Antes, porém, elogiou efusivamente o trabalho de Amenhotep:
- Estou honrado com esta magnífica festa, e muito impressionado com seu trabalho, Amenhotep.

Sorrindo, o arquitecto curvou-se ligeiramente em reverência ao faraó.

- Seu trabalho ficou conhecido em toda parte.
Não foi somente de meus mensageiros que recebi notícias da construção e de suas acções cuidando do Egipto.
Sua previsão de estiagem e estocagem prévia de alimentos garantiu a fartura dos grãos para o povo e o tornou famoso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 13, 2014 9:06 am

- Fico feliz que esteja satisfeito, senhor.
- Satisfeito?
Você é o melhor ministro-chefe que um reino já teve!
É nossa melhor arma, Amenhotep!

Rudamon irava-se com cada palavra que ouvia.
Quando o faraó concluiu seu pequeno discurso de agradecimento, sentaram-se todos à mesa e o sacerdote ocupou lugar em frente a Amenhotep.

Este, sentado ao lado do faraó, tinha dificuldade em desviar os olhos dos de Rudamon.
O sacerdote manteve-se calado durante a noite inteira.
Amenhotep brilhava, feliz pelo triunfo que obtivera.

Era madrugada alta quando a comemoração terminou.
Ao se recolher, já deitado em sua cama, Amenhotep sorriu realizado.
Depois, lembrou-se de Iaret dançando, do olhar raivoso de Rudamon e de como evitara fitá-lo por toda a noite.

Procurou acalmar a mente para descansar.
Adormeceu. Seu curto sono foi agitado e antes que o sol raiasse ele já estava acordado.
Vestia-se, quando Iaret apareceu.

Ela o abraçou e depois, vendo uma grande mancha em seu ombro, perguntou:
- O que é isso? Essa mancha no seu ombro.

Ele olhou a mancha avermelhada, apertou-a e não sentiu nada.

- Estranho, não sinto nada.
A pele está dormente.
Essa mancha não estava aí ontem.

- Deve ter se machucado na construção e não percebeu.
Ele respondeu enquanto se vestia, encobrindo a mancha:
- Decerto foi isso.
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Série Lúcius - EXILADOS POR AMOR / Sandra Carneiro - Página 4 Empty Re: Série Lúcius - EXILADOS POR AMOR / Sandra Carneiro

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 13, 2014 9:06 am

CAPÍTULO 20

Ajoelhada no meio do jardim, Nitetis retirava delicadamente cada planta indesejada que crescia entre as abundantes flores e folhagens.

Raquel apareceu na porta da casa e olhou em volta, em busca da amiga.
Ouvindo a sua voz, percebeu que ela estava no jardim, mas não conseguia vê-la e na ponta dos pés a procurava.

Quando finalmente a achou, aproximou-se e comentou:
- O jardim está lindo, Nitetis.
Somente suas mãos poderiam torná-lo tão belo outra vez.
Seu pai amava sentar-se aqui, sob as árvores, para contemplá-lo.
Lembro como costumava ficar horas apreciando as flores.

Nitetis, que se levantara, caminhando em direcção a Raquel, disse:
- Ora, você também tratou bem dele, durante minha ausência.

- Nem de longe tenho esse talento com as plantas.
Suas mãos são mágicas.
Sob seus cuidados, as flores são fartas e viçosas;
as folhagens ficam verdes e bonitas.
Tudo ganha beleza. Não, eu não sou tão talentosa...

Nitetis a olhou com carinho e sorriu, mas Raquel a conhecia bem:
- Noto certa tristeza em seu olhar.
Ainda Amenhotep?
- Embora me esforce para esquecer tudo o que ocorreu, fico preocupada com ele.
Será que está tudo bem?

- E por que não haveria de estar, Nitetis?
Ele é um dos homens mais importantes do Egipto.
- Eu sei, e é isso o que me inquieta:
quanto mais poder, mais perigo.
- Precisa esquecer o que houve.

- Não consigo. De vez em quando até sonho com ele, e em meus sonhos está sempre precisando de mim.
- Mesmo que fosse verdade, ele nunca admitiria precisar de ajuda;
Amenhotep é muito orgulhoso.
Acha-se auto-suficiente.

- É verdade, ele nunca pediria ajuda.
-E você não pode fazer mais nada.
Agora precisa esquecer o que aconteceu e voltar a ser a nossa alegre Nitetis.

A jovem sorriu e abraçou a amiga, sentindo-se animada pelo carinho que recebia dela.
Na manhã seguinte, as duas tomavam o desjejum quando escutaram conversas ruidosas próximo à casa.

Os irmãos de Nitetis regressavam.
Ineni e Ikeni entraram primeiro.
Ikeni dirigiu a Raquel ligeira saudação, depois olhou firme para Nitetis, que apreensiva o fitava quase sem poder respirar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 13, 2014 9:06 am

Temia por sua reacção ao vê-la.

Por fim ele disse, risonho:
- Dava para saber que você tinha voltado só de olhar o jardim lá fora.
Fez muita falta, Nitetis!
Envolvendo a irmã num abraço apertado, ele continuou:
- Senti sua ausência!

Ineni também se aproximou da irmã e abraçou-a com carinho.

Depois olhou para Raquel, aprovador:
- Agiu bem ao deixá-la ficar.
Nitetis foi quem respondeu:
- Espero que Iuseneb pense como vocês.
Ele foi muito claro quando me falou que não retornasse nunca mais.

E abraçada aos dois irmãos, acrescentou, entre lágrimas:
- Vocês são minha família, e eu os amo muito.
Como poderia ficar longe?
Iuseneb deu a resposta, já dentro da casa:
- A escolha foi sua.
Você preferiu Amenhotep à sua família.

Os dois irmãos se afastaram um pouco, enquanto Nitetis levantou-se para receber o irmão mais velho.

Limpando as lágrimas que lhe desciam pela face, ela se defendeu:
- Ele precisava de mim, Iuseneb.
Qualquer um de vocês que necessitasse teria de mim carinho e dedicação iguais.
Mas todos aqui estão bem, posso ver claramente, e fico feliz por isso.
Era ele quem precisava mais de mim.

- E de que adiantou, Nitetis?
Ela baixou a cabeça e, com o semblante entristecido, respondeu:
- De facto não deu certo.
- Eu sabia! - disse Iuseneb, quase exultante - Amenhotep desconsidera sua família.
Não temos importância alguma para ele.

- Justamente porque não está bem, Iuseneb.
Nosso pai tinha a mesma preocupação.
- E morreu desgostoso.

Colocando pesadas bolsas sobre a mesa, ele considerou:
- Muito bem, você voltou, afinal.
Eu deveria mandá-la embora imediatamente, como disse quando partiu.

Os dois irmãos olhavam para Iuseneb, quase implorando que não expulsasse a irmã.

Nitetis pediu:
- Por favor, Iuseneb, não tenho para onde ir.
Vocês são minha família.
Ikeni reforçou o pedido:
- Por favor, seja condescendente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 13, 2014 9:06 am

luseneb sinalizou com a mão para que Ikeni se calasse e consentiu:
- Poderá ficar, com uma condição.

Nitetis ouvia o irmão atentamente.

Ele prosseguiu:
- Terá de me obedecer, de hoje em diante.
- O que quer de mim?
- Quero o melhor para você.
E para ficar connosco terá de prometer que irá me obedecer, acatar o que lhe pedir.
Sou o irmão mais velho e vocês devem confiar em mim.
Então, posso esperar que acate minhas posições?

Ela respondeu, sorrindo:
- Sempre teve meu respeito e meu carinho.
- Quero mais do que isso.
Quero que me obedeça.
Caso contrário, pode ir já!

- Está bem, Iuseneb, você venceu.
O que quer de mim?
- Nada, por enquanto.
Logo que tiver decidido o que fazer com você, eu aviso.
Agora vou descansar.

Ineni, por favor, guarde as provisões das sacolas;
precisamos das sementes.
As cheias estão apenas no início, e logo que o Nilo baixar suas águas começaremos a plantar.

Sem falar, os dois irmãos levaram as sementes para o lugar seguro da casa.

Iuseneb entrou no corredor que levava aos quartos e Nitetis correu a abraçar Raquel:
- Acho que ele vai me perdoar!
- Espero que sim, Nitetis.

Algumas semanas se passaram.
As águas do Nilo baixaram lentamente e a plantação começou com intensidade.
O húmus deixado pela cheia do rio, rico em nutrientes, proporcionaria farta colheita, se aproveitado no momento certo.

Os três irmãos dedicavam-se de sol a sol à plantação, contando com o auxílio de mais alguns camponeses.
Nitetis e Raquel cuidavam da casa e ajudavam os irmãos no tempo que lhes sobrava.

Ao chegarem em casa, naquela tarde, Iuseneb disse:
- Nitetis, quero que saiba que contratei com Bek e sua família o casamento de vocês.

Nitetis olhou atónita para os irmãos e para Raquel, que baixou os olhos.

Iuseneb continuou:
- Assim que a época de semear terminar, vocês se unirão.

Nitetis não sabia ao certo o que dizer.
Gostava muito de Bek, porém não se encontravam desde a sua partida para a capital.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jun 13, 2014 9:07 am

Finalmente, falou:
- Mas por que tanta pressa, Iuseneb?
- Para evitar que faça outra besteira.
- Eu quero me casar com Bek!
- Que bom, desse modo será melhor para você!

- Só que desejo fazer isso na ocasião oportuna.
Não precisa demorar, não é isso;
mas também não precisa ser às pressas.
Por favor, Iuseneb, deixe que nós dois conversemos para resolver.

- Vamos recebê-los aqui amanhã à noite, e já está tudo decidido.
Bek concordou em perdoá-la e recebê-la como esposa.
Fique feliz, Nitetis. Ele é melhor do que eu, que não a perdoaria!

luseneb não esperou pela resposta da irmã, desaparecendo casa adentro.

Nitetis, sentada à mesa, disse a Raquel:
- Não compreendo a pressa!
Raquel sorriu, afagando os sedosos cabelos negros da bela Nitetis:
- Será melhor para você.
Terá sua própria família, filhos... Seu lar...

Nitetis tentou sorrir para a amiga.

Depois meditou por alguns instantes e comentou:
- É estranho, Raquel, nunca pensei em ter filhos.
Sempre amei as crianças, mas jamais me imaginei sendo mãe.
- E por que não? Será uma mãe maravilhosa!
Bek sabe bem o que está fazendo; ele é um rapaz sério.

- Por que diz isso?
- Ele não quer perdê-la.
Soube que o pai dele ficou um pouco inseguro pela sua decisão de acompanhar Amenhotep para Mênfis, e foi Bek que o convenceu.
Acho até que foi ele quem procurou Iuseneb.

- E por que não procurou a mim, a maior interessada?
- Acho que por medo.
- Medo de quê?
- De perdê-la outra vez, Nitetis.
Os homens usam meios um pouco atrapalhados para expressar seus sentimentos.
Tenho certeza de que Bek a ama e quer seu bem.

Nitetis fitou Raquel e afirmou, séria:
- Não pretendo me casar agora.
Concordo em me casar com Bek, mas não vai ser do jeito de Iuseneb.
Será à minha maneira.

- Não vá criar problemas com seu irmão!
- Não, de forma alguma, não se preocupe.
Se foi Bek quem primeiro procurou meu irmão, saberei convencê-lo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 14, 2014 9:07 am

CAPÍTULO 21

Amenhotep voltou mais cedo da construção, naquela tarde, e se trancou no quarto.

Estava muito aflito com as feridas que aumentavam e se espalhavam por todo o seu corpo.
Sentou-se na varanda e observava atento as manchas pelos braços e pernas.
Tocava-as com os dedos sem nada sentir.

Levantou-se e entrou no quarto, para logo retornar à varanda trazendo nas mãos uma faca.
Sentou-se de novo e, decidido, enfiou-a na pele, superficialmente, sobre uma das manchas.

Esperou pela dor, que não veio.
Ergueu-se, desesperado, andando de um lado a outro, sem saber o que fazer.
Depois, vestiu-se e foi até o templo de Ra, onde ajoelhado rogou ajuda aos deuses.

Ali permaneceu por horas, suplicando auxílio.
A situação o preocupava, não apenas por não sentir dor, mas porque as manchas estavam aumentando.
Ele já vira alguns escravos com doença parecida, e alguns poucos egípcios haviam relatado casos semelhantes.

Todos se tinham revelado incuráveis.
Era noite alta quando regressou ao palácio e deitou-se;
queria sair bem cedo pela manhã.
Assim que o sol raiou, ele acordou e em vão tentou levantar-se;
um mal-estar súbito o prendeu na cama.

Com muito esforço, sentou-se e vestiu-se, temeroso de que alguém chegasse e visse as feridas.
Estava acabando de se vestir quando bateram à porta com insistência.

Ouviu a voz abafada de Iaret, que pedia:
- Abra, Amenhotep, quero falar-lhe.
Apressando-se em cobrir as manchas dos braços, ele respondeu:
- Só um instante, Iaret.

Tão logo ele entreabriu a porta, Iaret enfiou-se no quarto.

Fechando a porta e abraçando-se a Amenhotep, disse:
- Meu amor, abrace-me.
- O que houve, Iaret? Parece preocupada.
- É verdade, estou muito preocupada.

- O que aconteceu?
- É que...
- O quê? Fale!

Ela acariciou a barriga e olhou para ele de modo provocante:
- Vamos ter um bebé.
- O quê?
- É o que acabou de ouvir. Vamos ter um bebé!
- Tem certeza de que está grávida?
- Absoluta certeza de que estou grávida e de que o filho é seu.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 14, 2014 9:07 am

- Como sabe que não é de Djoser?
- Ora, Amenhotep, as mulheres sabem dessas coisas.
- Então não tem certeza?
- Claro que tenho.
Estou com mais de dois meses de gravidez e Djoser regressou há apenas um;
portanto, o filho não pode ser dele.

- E como está certa quanto ao tempo de gestação?
- A parteira de minha mãe veio ver-me em segredo.
Ela já trouxe ao mundo mais de duzentas crianças e conhece bem cada fase.
Garantiu que a criança já tem dois meses.

Amenhotep sentou-se na cama, apoiou a cabeça nas duas mãos e ficou quieto, a meditar.

Iaret ajoelhou-se perto dele:
- O que foi, querido, não está feliz? Vai ser pai!
- Não sei o que dizer, Iaret.
Por um lado sinto-me feliz, mas sei que jamais poderei assumir a paternidade dessa criança.
E bem sabe o porquê.

Iaret fechou o semblante e sentou-se ao lado de Amenhotep;
suspirou fundo e concordou:
- Tem razão.
Djoser nunca me perdoaria, nem a você. A não ser...

- A não o quê?
- Que ele não fosse mais o faraó.
- Não estou entendendo, Iaret.
Com um brilho estranho nos olhos, ela sorriu desdenhosa, dizendo:
- Você não teria coragem, não é mesmo?

Amenhotep, compreendendo o que ela sugeria, ergueu-se de súbito e reagiu:
-Você enlouqueceu?
Jamais insinue isso novamente.
Segurou-a firme pelo ombro:
- Está indo longe demais com seus caprichos!
Não pode estar falando sério.
Diga-me que está apenas brincando...

- Pois não estou.
Se Djoser desaparecesse de nosso caminho, poderíamos viver plenamente nosso amor e cuidar de nosso filho juntos.
Seria maravilhoso, meu querido!

- Seria maravilhoso se fosse possível. Só que não é.
Você é a esposa favorita de Djoser e terá de criar essa criança como herdeira do trono do Egipto.
Não existe outra solução.

Irritada e inconformada, Iaret ergueu-se num ímpeto:
- Você é um frouxo!
Prefere renegar seu filho, deixar que ele cresça sem saber quem é o verdadeiro pai, a assumir comigo a melhor solução para nosso futuro.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 14, 2014 9:07 am

- Não podemos fazer uma coisa dessas, Iaret, é muito perigoso.
Se nos descobrirem, morreremos também.
E Djoser tem guardas junto dele o tempo todo;
não seria algo fácil de executar.

- Deixe que eu pense em um plano minucioso.
Preciso apenas ter a certeza de que poderei contar com você.
Hesitante, Amenhotep disse:
- Não quero que nos envolvamos nessa espécie de acção, Iaret.

- Quem sabe não seja você mesmo escolhido o próximo faraó?
- Djoser tem seus herdeiros.
- Todavia, você é muito apreciado pelos ministros;
pelo menos boa parte deles.
Não seria difícil convencê-los a mudar a dinastia de mãos.

- Acha que seria possível?
- Tenho quase certeza.
Muitos deles lhe têm demonstrado admiração e respeito, mais do que sinto que nutrem pelo faraó.
- Não, Iaret, seria muito arriscado.

E estreitando a bela jovem nos braços, ele continuou:
- Quero que tome conta de si e que cuide bem de nosso filho.
- Vou pensar em algo, um plano infalível para nos livrarmos do faraó.

Ele ia responder, quando sua escrava pessoal bateu à porta:
- O grande faraó quer vê-lo, meu senhor; seu mensageiro está aqui.
- Avise que logo estarei lá.
Olhando fixo para Iaret, ele pediu:
- Diga que não vai fazer nada sem falar comigo antes, por favor.
- Vou pensar em todos os detalhes.
Assim que souber o que fazer, conversaremos.

Ele acompanhou a jovem até a saída e reforçou o apelo:
- Não faça nada antes de falar comigo.

Assim que Iaret se retirou, Amenhotep certificou-se de que ninguém os vira e então foi directamente ter com o faraó.
Djoser o aguardava na sala do trono, cercado pelos ministros e por alguns dos sacerdotes.
Ao adentrar o recinto, Amenhotep estranhou a presença de todos naquela reunião.

E extremamente preocupado ficou quando notou o olhar triunfante que Rudamon lhe dirigia.
De imediato imaginou que haviam sido descobertos seu romance com Iaret e a gravidez dela.
Temeroso, controlou as emoções e se aproximou do faraó, fazendo reverência.

Djoser lhe ordenou:
- Levante-se, Amenhotep.
O ministro-chefe mostrou intenção de chegar mais perto, sendo detido por Djoser:
- Pode ficar aí mesmo, onde está.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 14, 2014 9:07 am

Ele estacou, ainda mais assustado.

O faraó prosseguiu:
- Amenhotep, tenho muito a lhe agradecer pelos serviços prestados ao Egipto.
Confiei-lhe meu reino e você não me decepcionou em momento algum.
- Sou eu quem agradece, grande faraó.
- O meu túmulo está ficando magnífico e tenho certeza de que você será lembrado como o maior arquitecto de meu reinado.

Amenhotep escutava quase sem respirar a manifestação do faraó:
- Gosto de você, Amenhotep, sempre admirei seus conhecimentos.
Você é especial.
Entretanto, fui informado de que está envolvido em um problema muito sério.

Amenhotep ergueu a cabeça devagar, buscando na mente um jeito de desmentir qualquer acusação referente ao seu relacionamento com Iaret.

O faraó prosseguiu:
- Infelizmente, se o que me informaram for verdade, você não poderá continuar no palácio;
sequer poderá entrar nas redondezas da cidade.
Mais que isso: sinto muito, Amenhotep, mas será banido do Egipto.

Amenhotep fazia menção de caminhar em direcção ao trono quando Rudamon esticou seu cajado, desenrolando-lhe a veste de um braço e deixando algumas de suas manchas à vista de todos.

Então disse:
- Está doente, Amenhotep, e já deveria ter se afastado do palácio por sua própria vontade.
Não pode colocar em risco um só dos ministros e muito menos nosso grande faraó.
-Não creio que seja uma doença grave.

E ajoelhando-se diante do faraó, ele asseverou:
- Senhor, as manchas começaram a aparecer há algumas semanas.
Só preciso me tratar, para ficar curado.
Se me expulsarem do Egipto, não mais terei acesso aos medicamentos e certamente a recuperação será impossível.
Rogo que não faça isso comigo, faraó.
Permita-me permanecer, com restrições, eu as aceito, porém autorizado a ser atendido e medicado.

Foi Rudamon quem respondeu:
- Sua doença é incurável e letal.
Embora leve algum tempo, mata invariavelmente.
Sei de várias pessoas que apresentaram esse mal e não tiveram esperança.
Console-se, pois irá viver junto delas.

- O quê?
Rudamon sentenciou, satisfeito:
- Há um lugar em Hermon onde vivem muitos que têm essa praga.
Será levado para lá. É o mais seguro a fazer.
- Faraó, não pode fazer isso comigo, preciso tentar a cura!

Ajeitando-se no trono, Djoser falou austero:
- Sinto muito, Amenhotep.
Não gostaria de decidir isso, mas não tenho alternativa.
Como disse Rudamon, é o mais garantido a fazer.
Alguns servos de minha guarda pessoal o seguirão a distância para ter certeza de que irá para o lugarejo onde ficam os degredados.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 14, 2014 9:08 am

Amenhotep sentiu as forças lhe fugirem do corpo.

De joelhos, enfraquecido, envergonhado, humilhado e desamparado, suplicou:
- O Egipto é minha vida!
Rudamon olhou-o fixamente e disse:
- Sua vida acabou.

Amenhotep levantou-se e ameaçou avançar sobre Rudamon, no que foi impedido pelos guardas do faraó.

Djoser ordenou:
- Levem-no. Deixem-no ir até o quarto e recolher seus pertences pessoais.
Nada além disso. Ele não deve sair do quarto pondo outros em risco.
Agora podem ir; ele deve partir imediatamente.

Desesperado, após ser largado em seu quarto, Amenhotep andava de um lado a outro sem saber o que fazer.
Não podia acreditar no que lhe estava acontecendo.
Andava e procurava uma forma de impedir que o levassem.
Pensou então em Iaret. Decerto o ajudaria.

Mas como encontrá-la?
Sentou-se na cama, avaliando como poderia falar com a jovem esposa do faraó.

Foi até a porta e viu os guardas postados ao longo de todo o corredor.
Mais de quinze homens o vigiavam.
Dirigiu-se à varanda e deparou com outros três guardas.

Um deles lhe disse:
- Depressa, temos ordens de levá-lo sem demora. Tem pouco tempo.
Se não estiver pronto logo, irá sem seus pertences.
Em extrema aflição, Amenhotep gritava:
- Não podem fazer isso comigo!
Não podem! Eu sou Amenhotep!
Não podem fazer isso!

Sua atitude era dramática.
Os guardas permaneciam imóveis, observando-o.

Ele, então, implorou:
- Permitam que fale com Iaret, por favor!
- A esposa do faraó? Para quê?
- Ela conhece meu trabalho, poderá defender-me junto ao grande Djoser.
- Nem pense em vê-la.
Não pode sair desse quarto, a não ser para abandonar o Egipto.

Ele continuou a suplicar:
- Pelo menos levem a ela meu recado.
Por favor, digam o que está acontecendo e peçam que interceda por mim.
Penalizado com a situação do notável arquitecto, o chefe dos guardas cedeu:
- Muito bem, vou enviar um mensageiro até ela.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 14, 2014 9:08 am

Amenhotep entrou e sentou-se na beira da cama em angustiosa espera.
Algum tempo se passou.
Desolado, ele viu quando o mensageiro retornou e conversou em segredo com o guarda.

Este, então, trouxe-lhe a informação:
- Iaret mandou dizer que não o conhece a ponto de intervir junto ao faraó em seu favor.
Disse que sabe de seu trabalho e que lamenta a constrangedora situação;
no entanto, entende que o melhor que lhe cabe fazer é obedecer ao faraó, partindo imediatamente.

Amenhotep ajoelhou-se outra vez no chão, rasgou as roupas que vestia, deixando à mostra as feridas que lhe cobriam o corpo, e gritou num lamento incontrolável:
- Não! Pelos deuses, não!

* * * *
Carregada por vários escravos, a Uteira conduzindo Amenhotep seguia bem atrás aos soldados, a uma distância que consideravam segura.

Dentro dela, o grande arquitecto chorava como criança.
Seu coração estava dilacerado pela dor e pela vergonha;
fora humilhado e abandonado.

A mulher que o procurara momentos antes daquela hora nefasta agora o desprezava, dizendo que nem o conhecia.
Amargurado, derramava doloroso pranto.
A viagem até a região de Hermon durou muitos dias.

Assim que se avizinharam do destino, puderam ver ao longe homens e mulheres miseráveis, que ocultavam suas chagas sob restos de vestes rotas e paupérrimas.
O séquito parou. A lacónica ordem dada aos soldados por um dos guardas do faraó, os escravos abandonaram suas posições e dispararam na direcção contrária à entrada dos rochedos.
Queriam regressar com os demais.

Todavia o chefe comunicou:
- Vocês ficarão aqui, ou poderão ir para onde quiserem. Estão livres.
Um deles gritou em desespero:
-E de que adianta a liberdade, num lugar destes?
Por que não nos deixaram morrer na tumba do faraó?
Que faremos agora? Morreremos neste local, junto com os banidos.

O soldado argumentou:
- No entanto, podem ir para onde quiserem.

Os escravos se entreolharam e alguns saíram em disparada, distanciando-se dos soldados e de Amenhotep.
Os soldados igualmente partiram em retirada, abandonando a liteira bem próximo à área onde estavam os leprosos.
Alguns dos habitantes do lugar, curiosos, começaram a se aproximar da peça que transportara o arquitecto.

Amenhotep permanecia em tamanho desalento que não percebera a movimentação dos escravos nem dos soldados.
Ainda tinha o pensamento longe e o rosto banhado em lágrimas, quando notou a face oculta por panos de alguém que o observava, em silêncio.

Ele olhou para o rosto parcialmente coberto e gritou, assustado:
- O que é isso? Quem é você?

Era uma mulher que não respondeu, apenas continuou a encará-lo.
Logo outros rostos curiosos vieram juntar-se ao dela.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 14, 2014 9:08 am

Amenhotep, imóvel, ante aqueles olhos semicobertos a fitá-lo, de novo gritou, apavorado:
- Pelos deuses, onde estou?
Quem são vocês?
Para onde foram os soldados e os escravos?
A mulher que há algum tempo o olhava enfim respondeu:
- Todos se foram.
- E quem são vocês? Que lugar é este? - perguntou Amenhotep, saindo da liteira.

Ao vê-lo descer, os que estavam mais perto se afastaram.
Ele caminhou olhando desconfiado ao redor, enquanto os outros o examinavam atentamente.

Perguntou, irritado:
- Afinal, alguém pode me dizer onde estamos?
O que todos vocês fazem aqui?
Parecem doentes! O que está acontecendo?

Um homem sisudo acercou-se dele e indagou:
- Não sabe para onde o trouxeram? De onde veio?
- De Mênfis, no Egipto.
- Pois é hora de saber que foi abandonado, como prisioneiro deste lugar.

- Como prisioneiro? Não vejo os guardas.
- Na entrada de todas as cidades encontrará sempre um soldado para impedir nossa passagem.
- E por que não podem sair daqui?

Abrindo os panos que o envolviam, o homem deixou que o recém-chegado lhe visse os braços purulentos.
Amenhotep não suportou e se pôs a vomitar.

Quando por fim conseguiu se controlar, olhou para as pessoas à sua volta e gritou:
- O que são vocês? Onde estamos?
Por que não saem daqui e procuram ajuda?
- Somos prisioneiros nestes rochedos.
- Insistem nisso, porém não vejo os guardas.

- Não precisam colocar guardas aqui.
Há soldados em todas as cidades que poderíamos alcançar;
todos devidamente instruídos a nosso respeito, para impedir-nos a passagem.
Para chegarmos a regiões mais distantes, precisaríamos de provisões, obtidas nas províncias mais próximas.
E isso é impossível. Logo, somos prisioneiros.

- E por que foram deixados aqui?
Afinal, que doença é essa?
- Em minha terra a chamam lepra - disse uma senhora no fundo do povaréu.
- Já experimentaram as ervas?

- Esta doença não tem cura.
Todos nós vamos morrer aqui, como muitos já morreram.
- E não procuram fazer alguma coisa?
Buscar socorro em outra parte?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 14, 2014 9:08 am

- Não escuta? É inútil.
Muitos já tentaram e acabaram morrendo no caminho ou sendo mortos pelos soldados quando se aproximavam da cidade a que se dirigiam.
Aceite seu destino. Estamos condenados a viver aqui até o fim de nossos dias.
E para muitos, os dias de vida neste lugar esquecido se tornam bastante reduzidos.
Quem sabe você tem a sorte de ser um deles?

- Não é possível que não haja algo a fazer.
Não acredito! Tem de haver um modo de sair daqui.
Uma mulher com o rosto parcialmente envolto em trapos achegou-se um pouco mais ao pequeno grupo que se fizera em torno do recém-chegado, e disse:
- Moço, acho que ainda não compreendeu sua real situação.

Ela abriu os trapos que tampavam seu rosto e deixou que todos vissem as profundas chagas que lhe desfiguravam o semblante.

Depois, cobrindo-se novamente, continuou:
- Não podemos mais viver entre os sãos.
Quem aceitaria viver ao lado de seres humanos que se deformam a cada dia?
Tornou-se impossível. É melhor aceitar logo sua condição e acomodar-se à nova vida.
Assim os dias lhe serão menos penosos.
Se é que isto é vida.

Caindo em si, Amenhotep perdeu o resto das forças que o animavam e sentou-se no chão, vencido e cansado.
Lembrou-se de suas feridas e da reacção de repugnância do faraó e de todos os seus ministros.
Por mais que lhe doesse concordar, por mais que desejasse lutar contra a situação em que se via, tinha de admitir que a mulher estava certa.

Ele fora banido.
Aquele mal que o acometera transformara para sempre sua vida.
Nunca mais seria a mesma.

Sentado no chão, ele colocou a cabeça entre os joelhos e entregou-se a profundo e sentido pranto, enquanto os outros se afastavam em silêncio.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 14, 2014 9:09 am

CAPÍTULO 22

A noite estava clara e antes de se deitar Nitetis contemplava o luar, sentada no jardim de sua casa.

Raquel se aproximou suavemente e, notando o ar distante da jovem, perguntou:
- Você está bem, Nitetis?
- Sinto-me triste hoje, como se algo doloroso me atingisse.
- Não seria a questão do casamento que a preocupa?

- Não, Raquel, conversei com Bek e ele está propenso a me atender.
Preferia casar-se logo, é bem verdade.
Por ele, até já nos teríamos casado, conforme Iuseneb desejava.
Mas Bek me respeita e vai aguardar que eu diga qual o momento certo.

- E quando será esse momento, Nitetis?
O que está esperando? Bek a ama.
Suspirando fundo, Nitetis respondeu:
- Eu sei, e também gosto muito dele.

- Gosta?
- Sim, aprecio bastante a sua companhia.
Para mim isso já é suficiente para compartilharmos a vida. Bek é óptima pessoa.
- Então não compreendo o que está esperando.
Alguém a quem ame mais do que a ele?

- Não sei, Raquel.
Seja como for, você tem razão, eu já deveria ter me decidido;
só que algo me impede e não sei explicar o que é.

Abraçando ternamente a amiga, Raquel lembrou:
- Seu coração é complicado, Nitetis;
muitas vezes eu não a entendo.
Mas, como seu pai sempre dizia, sua alma é especial, e está além de nossa compreensão.

Deixando-se envolver pelo abraço reconfortante, após alguns instantes de silêncio Nitetis falou:
- Hoje, em particular, sinto-me atormentada.
Meu coração está opresso e entristecido.

Levantando-se e estendendo as mãos para a jovem, Raquel pediu:
- Vamos dormir, querida.
Quem sabe amanhã se sentirá melhor?
Seu noivo vem vê-la, não é certo?

- Sim, logo pela manhã.
É melhor mesmo ir dormir;
preciso estar bem disposta para argumentar contra seus apelos veementes para apressarmos o casamento.

As duas seguiram enlaçadas para o interior da casa.
Nitetis acomodou-se no leito e, não obstante o pensamento que insistia na figura de Amenhotep, logo adormeceu.
Assim que seu sono se fez pesado, desprendido do corpo denso seu corpo espiritual surgiu, nimbado de intensa luz rosa e azul.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 14, 2014 9:09 am

Próximo de seu leito ela viu Jonefá, que a saudou atencioso:
- Olá, minha irmã, recorda-se de mim?
Abraçando com ternura o aliado de tantas jornadas, ela respondeu:
- E como esquecer o irmão querido?
Parece que ficamos muito tempo sem nos encontrarmos.

- Sim, faz algum tempo.
Não foi necessário antes, visto que você vem cumprindo com excelência sua missão.
- Porém, fracassamos outra vez.
- De maneira alguma.
Nosso irmão é chamado agora à sua experiência mais difícil.
Desejamos que Deus lhe dê muita força para aproveitar a lição que está para iniciar. Lembra-se?

- Imprecisamente.
- Amenhotep adoeceu gravemente e foi levado para o lugar dos enjeitados, onde ficam os leprosos.
Neste momento, está desolado, pensando em tirar a própria vida.

- Não podemos permitir, Jonefá.
- Fique tranquila, temos muitos amigos de nosso plano com ele, amparando-o e sustentando-o nesta hora dolorosa.
Não obstante, urge que ele receba ajuda directa, do plano terreno.

- Estou pronta para ir ao seu encontro.
- Sabe dos riscos implícitos, minha irmã?
- Sei e estou disposta a aceitá-los.

Abraçando-a outra vez com imenso carinho, ele disse:
- Pois bem, que Deus a ampare e abençoe.
Vá, minha irmã, vá ao encontro de nosso irmão.

Nitetis despertou e sentou-se na cama, sobressaltada.
Não se lembrava de todos os detalhes do sonho que acabara de ter, mas com clareza ecoava em sua mente a frase:
Amenhotep adoeceu gravemente e foi levado para o lugar dos enjeitados, onde ficam os leprosos.

Levantou-se, caminhou até a sala de refeições e tomou um pouco de água fresca.
Sentou-se em um dos bancos, tentando organizar os pensamentos e raciocinar sobre o que deveria fazer.
Ainda meditava quando Iuseneb aproximou-se sem fazer barulho.

Ao vê-la distraída, disse:
- Deveria estar dormindo.
Seu noivo chega em algumas horas e vem para decidir tudo.
Eu próprio quero participar dessas decisões.
Você está protelando de novo esse casamento e seu noivo deixa que o domine.
Pretendo esclarecer que, a menos que tome uma atitude depressa, ele terminará por perdê-la de vez.

Nitetis ouvia Iuseneb, sem conseguir parar de pensar em Amenhotep e na frase que se repetia em sua mente.
Ela precisava saber se aquilo era verdade.
Precisava descobrir se ele de facto estava doente e se tinha sido levado para longe. Mas como?
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