LUZ ESPÍRITA
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Série André Luiz - E A VIDA CONTINUA...

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Série André Luiz - E A VIDA CONTINUA... - Página 4 Empty Re: Série André Luiz - E A VIDA CONTINUA...

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 05, 2012 9:14 pm

A senhora justificou-se, assegurando-se convencida, quanto às preferências do esposo.

Ambos, em suave tête-à-tête, já pisavam o bairro do Ipiranga, onde Evelina esperava encontrar o companheiro na mesma casa que lhe fora teatro à ventura.
De chofre, eis que se lhe transfere a alegria para a inquietação.

À medida que se avizinhava do ninho antigo, oprimia-se-lhe o peito.
Mesclava-se-lhe o regozijo com imprevista angústia.

E se Caio não estivesse na altura em que ela o situava, amoroso e fiel?
A dúvida cravou-se-lhe no espírito, como estilete envenenado que lhe varasse as entranhas.

— Ernesto, você tem alguma intuição, quanto ao que nos espera?
Imagine você que, justamente agora, estou amedrontada, tenho as pernas bambas...

— Emoção.
— Que mais?

Fantini deitou um olhar de funda gravidade para a companheira e glosou:
— Evelina, você recorda nossas lições para Mancini?
— Como não? Mas, que tem isso a ver com o nosso problema?

— Meditemos.
Por meses e meses, temos falado a Túlio, você de modo especial, relativamente às coisas da alma...
Abnegação, compreensão, serenidade, paciência...
Ensinamentos dados e recapitulados, ilações e repetições...

— Sim...
— Você não admite que o Instrutor Ribas, com tantas explicações sobre amor e casamento, serviço e espiritualidade, para nós dois, não terá feito o mesmo, a nosso benefício?
não acredita que ele, o dedicado amigo, conversando, às vezes de maneira exaustiva, não estaria sendo para nós um professor, enxergando longe?

— É... é...
— Estejamos preparados para mudanças...

A senhora desconversou. Mudou de assunto.
Asseverou-se receosa, algo fatigada.
Se possível, aceitaria algum descanso.

Não desejava acercar-se do marido com qualquer indício de mal-estar.
Ernesto propôs alguns minutos de repouso nos jardins do Museu. (2)

Rumaram para lá, acolhendo-se ao pé de fonte amiga, cujas águas pareciam guardar o poder de serenar-lhes os pensamentos.

Como que contagiado pelos temores da companheira, Fantini, de repente, acusou-se amuado.
No exacto instante em que se abeirava da mulher e da filha, esmorecia-lhe o entusiasmo que a romagem lhe causava.

Ensimesmou-se. Evelina percebeu e passou a falar de alegria e esperança, encarecendo o mérito das ideias positivas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 05, 2012 9:14 pm

Assinalava ele as frases de vigorosa confiança a se derramarem no verbo da moça que se lhe fizera irmã e amiga, incapaz de alhear-se da taciturnidade que o acometera de súbito.

A senhora Serpa, discreta, silenciou e, por fim, declarou-se disposta ao trecho final da viagem.

Cavalheiroso, Fantini prometeu assisti-la, em seu primeiro contacto com o lar.

Que ela verificasse o ambiente doméstico.
Se tudo lhe respondesse à expectativa optimista, viesse até ele que lhe aguardaria, nos arredores, o aviso conveniente e, então, deixá-la-ia com o esposo, até o dia imediato, enquanto que, ao mesmo tempo, se arrancaria para a Vila Mariana, onde contava rever a família.

Evelina concordou;
não lhe aprazia ficar a sós, nem lhe prescindia do apoio.
Seis horas da tarde.

A moça não mais via o céu paulistano, nem o casario, nem os transeuntes.
Coração aos pulos, aproximou-se do lar.
Atravessou o pátio de acesso e tacteou a porta de entrada que lhe facilitou a passagem.

Algo lhe dizia no íntimo que Serpa estava em casa e seguiu à frente.
Tremia, assustada. Inspeccionou a peça em torno.
A sala era a mesma, com pequenas alterações no mobiliário do seu tempo.

Ao lado, o estreito escritório do esposo, entremostrando as cortinas abertas.
Penetrou aí com a unção de quem avança, passo a passo, pelos recantos de um santuário.

Os livros em ordem. De inopino, surgiu-lhe à observação, atalaiada por diminuto vaso de flores, uma foto de mulher.

Vasculhou as paredes, buscando o retrato dela própria, segundo velhas lembranças, mas não viu nem sinal.

Acusou-se apunhalada por impressões negativas.
Turvou-se-lhe o raciocínio. Fora substituída, decerto.

Sentia a cólera prestes a explodir-se em crise violenta de lágrimas;
no entanto, ganhou forças para rearticular nos próprios ouvidos as palavras do Instrutor:
«portem-se na base do novo entendimento».

Contrafeita, alcançou o interior, surpreendendo pequeno jardim de inverno, que ela mesma instalara junto à copa, e o quadro de amor com que não contava: Serpa e a jovem da fotografia que examinara momentos antes.

Caio acariciava a destra da moça entre as mãos, num gesto de ternura que ela, Evelina, conhecia à saciedade.

Entre revolta e pesar, ensaiou movimento de recuo.
Terríveis calafrios lhe agitavam as fibras da alma, qual se estranha lipotimia a subjugasse de todo, anunciando-lhe nova morte.

Quis correr e denunciar-se, ao mesmo tempo, gritar e afastar-se, para esconder a imensa dor no peito de Fantini, mas não pôde.

Sem ser percebida pelos dois namorados, não teve outro remédio senão se acomodar em cadeira próxima, intentando refazer-se.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 05, 2012 9:15 pm

Inquirições contraditórias lhe subiam à cabeça.
Quem era a desconhecida?
a mesma que lhe torturara o espírito, com os bilhetes endereçados a Serpa, adornados com beijos coloridos a carmim?

Caio protestara-lhe amor eterno, durante os últimos dias da sua permanência no lar e a que título rompera os votos que ela mantinha por relíquias do coração?

A que laços novos ter-se-ia entregue o companheiro?
Estaria casado ou se conservava menos responsável, à maneira do homem que brinca com os sentimentos alheios, menosprezando a vida?

Que lhe reservava o futuro?
Fitou ambos os circunstantes, francamente assombrada com a indiferença que revelavam diante dela.

Pela primeira vez, depois da grande libertação, verificava que os sentidos físicos se enquadravam a limites rigidamente determinados, porquanto Caio e a companheira, muitas vezes, pousavam nela o olhar sem que a vissem;
era, no entanto, obrigada a enxergá-los e ouvi-los, como qualquer pessoa terrestre comum, desde que não se arredasse dali.

A senhora Serpa agoniava-se.
Apesar do anseio de omitir-se, desertar, a emoção como que lhe interceptava os movimentos.

De alma ferida, notou que o marido dirigia à outra aqueles mesmos olhares de carinho envolvente que lhe haviam pertencido.

E mais. Reconheceu o fio de pérolas que lhe fora presente de noivado, oferecido por ele mesmo, enfeitando o colo da rival. Chorou, irritada.

Evelina, no entanto, embora trouxesse os pensamentos conflagrados, não mais lograva desfazer-se da subtil vinculação com ensinamentos da cidade espiritual que passara a se lhe erguer em residência.

Por isso mesmo, percebia-se analisada no aproveitamento das lições que aprendera ao contacto de Ribas e de outros amigos da Vida Maior.

Lembrou-se de Túlio, a quem tão repetidamente ensinara o desapego afectivo, e admitiu-se em condições de egoísmo e inconformidade, talvez muito piores que as dele.

Recorreu à prece, diligenciou humilhar-se, lutou contra si própria, concluindo que Caio desfrutava o direito de ser feliz como desejasse.

Aos poucos, muito aos poucos, conseguiu acalmar-se, de algum modo, e começou a escutar o diálogo que se desdobrava, activo, rente a ela.

— Você, Vera — blasonava o advogado, risonho —, achou em mim um homem pacato e sincero, deve orgulhar-se disso.
E como explica você o caso daquela dama indesejável no escritório?

— Não me venha com ciúmes.
Um causídico não selecciona clientes à porta, sou um homem do povo e não posso negar-me.

— Quer dizer que não tenho o direito de zelar por nossas relações.
— Quem falou isso?
— O telefonema que recebi dessa lambisgóia me deixou arrasada;
o que ela me disse de você...

— Se dermos atenção a tudo o que se comenta a nosso respeito, a vida seria impraticável.
— Mas eu não estou aguentando mais.
— Ora, ora, aguentando o quê?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 05, 2012 9:15 pm

A jovem que Serpa designava por Vera caiu em pranto.

Ele atraiu-a de encontro ao peito, sob os olhos espantados de Evelina, e sussurrou-lhe aos ouvidos, depois de beijá-la, várias vezes, na face:
— Tolinha! A felicidade não é flor que se adube com lágrimas.
Anime-se! sou seu e você é minha... E daí?

— Se ao menos estivéssemos casados, se ao menos pudesse usar seu nome, saberia como proceder com essas mulheres que infernizam a nossa vida...
— Bobagem!...
Você exagera tudo, já disse que caso com você; não sou homem sem palavra...

— Há quanto tempo espero!
— E há quanto tempo, também eu, aguardo solução ao problema de sua casa?
Você não há de querer que eu viva carregando uma sogra louca!...

— Minha mãe é uma infeliz, não podemos desampará-la...
Já falei.

Meta essa velha no hospício, que ela já aproveitou a vida dela, agora temos de viver a nossa...
Hoje, iremos ao Guarujá, quero ver o negócio por mim mesmo.

A jovem chorava copiosamente por resposta.
Enquanto Serpa lhe acarinhava os cabelos, tentando consolá-la, Evelina cobrou ânimo e arrastou-se para fora.

Tinha sede da presença de Ernesto, ansiava retomar-lhe a companhia.
Impossível demorar-se no lar que reconhecia haver perdido, para sempre.

Balda de autocrítica, à face da super excitação de que se via possuída, tão logo se viu na rua clamou pelo amigo em voz estentórica, e, quando Fantini repontou à frente, atirou-se-lhe aos braços, qual criança desarvorada.

— Ah! Ernesto, Ernesto!... Não suporto mais!...

O companheiro conduziu-a discretamente para um banco do pátio, compelindo-a a voltar caminho andado e, sentando-a junto dele, escutou a narração de toda a ocorrência que a senhora, amarrotada, fazia entre soluços.

Fantini compadeceu-se, procurando olvidar as próprias apreensões.

Não atinava com as razões da ternura que o levava irresistivelmente para a senhora Serpa;
no entanto, aquele tempo de graves experiências, vividas por ambos em comum, convertera-o, para ela, num amigo incondicional.

Ouvindo-a, compartia-lhe a dor, tomava-lhe o partido.
Esquecia-se.

Enternecido, esforçou-se por serena-la, expondo, conselheiral:
— Justo que assim seja, Evelina. Caio é jovem.
Você e ele não formavam um casal de velhos, qual me acontece com Elisa.

Admito que ele terá um lugar no coração, particularmente reservado para você, mas decerto experimenta as necessidades do homem comum...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 05, 2012 9:15 pm

— Mas a moça que está com ele é a mesma Vera que lhe escrevia os bilhetes de meu conhecimento.
A mesma!...
Isso mostra que ele era infiel antes de nossa separação e prossegue infiel até hoje...

Ernesto, afagando-lhe a cabeça num gesto paternal:
— Tenho pensado... pensado...

Não acredita você que a morte nos entregou a nós mesmos e que Deus nos concedeu benfeitores abnegados, e estes nos ampararam e esclareceram a fim de podermos enfrentar as verdades que hoje estamos vivendo?

que teremos feito da existência no mundo?
um curso de egoísmo ou um aprendizado de abnegação?
A voz dele estava encharcada de pranto íntimo.

— Teria você um esposo para amar ou para converter num objecto de enfeite?
Falamos tanto em devotamento, quando jungidos ao corpo terrestre!...
Não será depois da morte o tempo mais propício à demonstração de nossas juras?

Não haverá chegado o instante em que Serpa mais necessita de consideração e carinho?
Não tanto pelas palavras, mas pelo tom em que foram ditas, viu-se a moça inclinada à piedade.

Na tela da imaginação, começou a julgar o marido sob novo prisma.
Caio era um homem jovem e os desígnios do Senhor mantinham-no vinculado ao envoltório físico.

De que modo reclamar-lhe um roteiro de austeridade afectiva para o qual se achava ainda tão longe?

Estivera reclusa, no Mundo Espiritual, por dois anos, sem revê-lo sequer.
Como criticar-lhe a conduta?
E porque hostilizar a menina que o seguia?

Não lhe vira as lágrimas de sofrimento, em registando os sarcasmos do esposo irreflectido e volúvel?

Acaso, não conseguia enxergá-la, ocupando-lhe o lugar junto dele, recolhendo-lhe a dedicação incompleta e herdando as aflições que ela própria atravessara!...

Fantini desfez a pausa e arrancou-a da ligeira elucubração, justificando, sensato:
— Evocando as lições de Ribas, concluo de mim para comigo que os nossos instrutores impeliram você, à excursão corrente, para que você aprenda a perdoar e... quem sabe? Talvez que essa moça...

— Talvez o quê? — objectou Evelina, ante as desmaiadas reticências.
— Talvez que essa moça seja a pessoa a quem você deva implorar a graça de ser nova mãe para Túlio.

Temos estudado temas complexos de paixão e reequilíbrio, culpa e reencarnação, induzindo-nos a pensar e pen......

Por outro lado, Ribas mostrou-nos as necessidades de Mancini, sem oferecer-nos quaisquer sugestões;
no entanto, sabemos que o rapaz está por nossa conta, na presente fase de reajuste, depois de haver perdido o corpo físico pelo tiro de Serpa...

Não admite você que Caio deve restituir-lhe a experiência terrena com a devoção e a ternura de um pai?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 05, 2012 9:16 pm

E que melhor ocasião encontrará você, além da de agora, para exercitar os ensinamentos de Jesus, amando aquela que considera inimiga e transformando-a em instrumento de auxílio, a benefício do homem endividado que você ama?

A companheira compreendeu o alcance de semelhantes ponderações e caiu nos braços do amigo, em copioso pranto, exclamando:
— Oh! Ernesto!... Ernesto!...

Alguns instantes mais e um carro despontou da garagem, conduzindo o casal.
Sustando os soluços, Evelina informou ter ouvido que os dois se dirigiriam ao Guarujá.

Enquanto o moço causídico deixava a direcção do veículo para atender ao fechamento da casa, Fantini contemplou-lhe a jovem parceira e fez-se lívido.

Então, mais profundamente chocado talvez que a senhora Serpa, gaguejou, arrasado de angústia:
— Evelina, Evelina, escute!...

Esta moça... esta moça é Vera Celina, minha filha!...

(1) Rodovia entre as cidades de Santos e São Paulo. — Nota do autor espiritual.
(2) Museu do Ipiranga, em São Paulo. Nota do autor espiritual.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 06, 2012 9:10 pm

19 - Revisões da vida

Os dois amigos desencarnados ignoravam como definir a estupefacção que os empolgara.

Fantini, desarvorado, recordou-se, num átimo, da casa rústica que possuía na praia, e, sem pestanejar, convidou Evelina a tomarem juntos o carro acolhedor, na poltrona traseira.

Amargas conclusões passaram a dominá-lo.
Então, aquela era a jovem a que tanta vez se reportara a senhora Serpa!...

Vera Celina! Sua própria filha!...
O auto começou a deslizar e lágrimas grossas lhe molhavam a face.

A companheira, como a reconfortá-lo sem palavras, segurou-lhe a mão num gesto de carinho.
Percebia-lhe a dor de pai.

Ele fitou-a pelo véu de pranto e disse apenas:
— Entende como sofro?
— Acalme-se — sussurrou Evelina, compassiva —, somos agora mais irmãos.

Transcorridos alguns momentos sobre a arrancada, os ocupantes da frente iniciaram a troca de impressões quanto a banalidades da marcha, até que um e outro assinalaram mentalmente a influência dos acompanhantes invisíveis.

Lembrando-se, às súbitas, de Evelina, a rival arriscou uma alegação:
— Caio, às vezes cismo indagando de mim mesma se você não é um apaixonado pela memória de sua esposa...

— Eu? era o que faltava...
— Sempre ouço, em torno dela, as melhores referências.
— Não era má.
— E você não tem saudades, não a sente no coração?

Caio riu-se e mofou:
— Não tenho vocação para conviver com os mortos.
— Não digo isso. Quero falar de sua mágoa natural ao perdê-la.

— Você sabe que Evelina estava morta para mim, muito antes que o médico lhe atestasse o óbito...
— Em muitas ocasiões, surpreendo-me, ao analisar-lhe o retrato...
Aquela fisionomia doce, aqueles olhos grandes e tristes...
Impossível que você não houvesse casado por amor!...

— Sim, casei-me por amor;
no entanto, a vida tem as suas sequências.
Primeiro, a paixão e, muitas vezes, depois... o desinteresse.

— Mas, você pode precisar o motivo pelo qual se desencantou?
— Você quer saber?
— Sim.

— Bem, guardava a ambição de ser pai;
Evelina, porém, era fraca, doente.
Creio que carregava taras de família.
Enquanto não abortou, não lhe vi os defeitos...

Entretanto, depois que se revelou enferma e incapaz, o laço do casamento se fez para mim pesado demais...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 06, 2012 9:11 pm

Nos últimos tempos da vida, era mulher rezadeira e chorona...

Ao fim de risada franca:
— O remédio era inventar viagens para estar com você...

A senhora desencarnada apoiava-se mais fortemente em Ernesto, buscando escora para suportar com denodo semelhantes irreverências.

Vera, dando a ideia de quem não desejava descambar para o desrespeito, desviou o rumo da conversação, perguntando:
— Caio, não poderemos, por nossa vez, sonhar com uma casa enriquecida de filhos?

Ele lançou-lhe rápido mas expressivo olhar, furtado ao volante, e contestou:
— Depende...
— Depende de quê?

— Quanto a casar, sei que nos casaremos, mas pense, Vera.
Negócio de criar filhos não é brincadeira.
A saúde de sua mãe não me encoraja, aquelas manias, aquelas crises.

Qual se fora sacudido pelos pensamentos do sogro desencarnado a se lhe projectarem na mente, partindo da retaguarda, Serpa contrapôs:
— Que me diz de seu pai?

A jovem perspicaz lembrou-se imediatamente de que o progenitor encontrara a morte em condições idênticas às da senhora Serpa, mas, temendo falar nisso, mentiu com intenção, asseverando:
— Meu pai era homem robusto, de saúde impecável, sempre moço, passava, para muita gente, como sendo meu irmão...

— Que lhe teria marcado o fim?
— Operou-se de umas verrugas sem importância e não teve o cuidado preciso.
Antes da cicatrização perfeita, começou a caboucar no jardim, cortou-se e adquiriu a infecção que o levou...

— Tétano?
— Isso mesmo.
— Psiquicamente, como era ele?
— Um homem muito inteligente e, às vezes, folgazão qual você mesmo, embora tomasse a vida muito a sério...

— Compreendo que ele terá tido por você uma afeição toda especial. Filha única!...
— Engana-se. Meu pai decerto que me estimava, mas era corretor de muitas actividades, ocupadíssimo, quase sem tempo para a casa...

A não ser a criatura providencial, do ponto de vista económico, que se esmerava para que o dinheiro não nos faltasse, como pai não me lembro de algum dia em que se sentasse ao meu lado para ouvir-me ou aconselhar-me em assuntos do coração...

E nos meus casos de menina, bem que necessitei, mas...

— Não dispunha de uma hora ou outra para isso?
— Pelo menos, era o que dizia, nunca pude contar-lhe nem mesmo os meus problemas de colégio...

Fantini escutava, acusando-se humilhado, abatido, a confessar para si próprio que daria quanto lhe fosse possível, a fim de voltar atrás, de modo a ser para a filha o pai afectuoso e vigilante que não buscara ser.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 06, 2012 9:11 pm

O diálogo, porém, prosseguia:
— Certamente, em compensação, você contou com o carinho materno...
— Também não. Desde cedo, percebi que minha mãe é irritadiça, desanimada.
Gosta de estar só e, conquanto não me negue atenção, até hoje manda que eu me decida, em tudo, por mim mesma.

— Ela e seu pai viviam bem?
— Nada disso. Minha mãe, aos meus olhos, sempre pareceu tolerar meu pai, sem amá-lo, embora se esforçasse, diante dele, para mostrar o contrário.
— O infeliz chegava a perceber? — tornou Caio, galhofando.
— Acredito que não.

— Como explica você a perturbação da velha, depois que ele se foi?
não será isso a dor de perdê-lo?

— Duvido... Assim que meu pai morreu, ela foi tomada de terrível transformação, como se o odiasse às ocultas.
Queimou-lhe os objectos de estima, quebrou-lhe o relógio de bolso, rasgou-lhe os retratos...
Imagine .... Nem orações quis por ele...
E foi piorando, piorando...

Agora, é como sabemos, recusa tratamento, isola-se, fala sozinha, ri, chora, lamenta-se e ameaça o silêncio e a sombra, julgando ver e ouvir os mortos...

— Estranha situação!...
Embora reconfortado pela simpatia de Evelina, Ernesto dava curso às lágrimas.
Guardava os apontamentos da filha, qual se a desconhecesse até então.

Verdade que não fora homem de explosões afectivas;
entretanto, nem de leve supunha fosse detestado no lar.
Teria a jovem razão?

porque se teriam alterado as faculdades mentais de Elisa?
que haveria ocorrido naquele longo pedaço de ausência?

Enquanto os dois desencarnados se identificavam sob rigorosa análise naquele retrospecto, esvaiu-se o tempo e o carro fez parada no ponto terminal:
a casa singela, docemente iluminada dentro da noite.

Excitado, mas cauteloso, Fantini instalou Evelina em sítio vizinho, de vez que, assim como sucedera com ela própria, expressou o desejo de consultar, a sós, o ambiente doméstico.

Depois disso, decidiria quanto à viabilidade de colocá-la na rota familiar.
A posição de Vera, junto de Serpa, não lhes encorajava, de imediato, um avanço a dois.

Evelina concordou.
Aproveitaria o ensejo para orar, reflectir...
Fantini, emocionado, penetrou o reduto que lhe falava tão alto à memória.

Na sala, tudo como deixara.
A mesa e as cadeiras surradas que ele mesmo trouxera da residência de Vila Mariana, os apetrechos de pesca, o armário de louça velha, os quadros humildes a penderem das paredes...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 06, 2012 9:11 pm

Registou, em pranto de comoção, o calor de outro tempo...
A pequena distância, enxergava o dormitório da filha, em que ela e o advogado se entregavam a animada conversação, mas, ali, a dois passos, rente a ele, quase tacteava o aposento em que tantas vezes repousara, ao lado da companheira, aspirando as aragens marinhas...

O relógio marcava alguns minutos, além das nove da noite.
Que surpreenderia por trás da porta cerrada?

— Indagava-se, inquieto.
Elisa doente? Desanimada?
Rememorou as lições recolhidas de amigos, na moradia espiritual de que chegava refeito para facear quaisquer surpresas, e orou.

Pediu forças à Divina Providência. Queria rever a esposa, com distinção e dignidade.
As alegações da filha, no automóvel, ditavam-lhe prudência, atenção.
Achava-se ali, não para queixar-se e sim para agradecer, ajudar, querer bem. Ansiava servir.

Com essa disposição, transpôs o limiar e encontrou-se dentro da câmara, que conhecia em todos os escaninhos.
Jamais faria ideia do quadro que se lhe abriu, de imediato, à visão.

Elisa descansava...
O corpo magro, o rosto mais profusamente vincado de rugas e os cabelos mais grisalhos...

No entanto, junto dela, estirava-se um homem desencarnado, aquele mesmo sobre o qual atirara, tantos anos antes, ao desvairar-se pelo ciúme!...

Estacou, aterrado...
Num átimo, recordou a última caçada que empreendera, integrando uma equipe de três companheiros, e na qual adquirira o remorso e o sofrimento que lhe haviam acompanhado grande parte da vida...

Sim, aquele homem sem corpo físico era Dedé, o colega de sua meninice, ou melhor, Desidério dos Santos, o assassinado, cuja sombra supunha ele haver removido para sempre da própria casa.

Acusou-se ralado de arrependimento, transido de angústia...
Como arrostar o adversário, a injuriá-lo no próprio tálamo?

Fantini chorava para dentro de si, ralado de desespero.
Motivos ponderosos tinha Ribas, o instrutor, delongando-lhe a volta.

Horas antes descobrira na filha a rival de Evelina, e ali, diante dele, ao pé de Elisa, se estendia o inimigo triunfante, dominador...

Aguentaria com êxito os desafios que a vida lhe propunha, depois da morte?
Decerto rentearia, por fim, com o homem que não suportava.

Ambos desencarnados se defrontariam agora, quais estavam, tais quais eram.
Diligenciou Fantini asserenar-se e estugou um passo adiante.

O antagonista, em silêncio, deitou-lhe um olhar sarcástico, ostentando a tranquilidade de quem se sabia num momento esperado, mas, com estupefacção para ele, Ernesto, a esposa anotou-lhe a presença e desferiu grito terrível:
— Maldito!... Maldito!... — rugiu ela, positivamente obsidiada, na penumbra do quarto, que o luar filtrado pela vidraça fracamente alumiava — fora daqui, Tinhoso!... Fora daqui, assassino!...
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Assassino!... Socorro, Dedé!...
Socorro, Dedé! Leva este infame para fora! Sai, Ernesto! Sai!
Matador!... Matador!...

Entrementes, Caio e Vera invadiram a peça, terrificados.
Fez-se luz forte.

A jovem acercou-se da progenitora que bradava impropérios, segurando a própria cabeça entre as mãos, num esgar de espanto, e tentou consolá-la:
— Mãezinha, que há? estamos aqui, não precisa temer...
— Ah! minha filha!... minha filha! — a enferma soluçou — é seu pai, aquele infeliz!...

Agarrou-se à moça, qual criança assustada, e esticou o clamor, dando a Serpa a impressão de uma alienada mental, no mais fundo desequilíbrio.

— Seu pai está aqui, aquele canalha!
Não quero vê-lo!... Defenda-me, pelo amor de Deus!
Voltemos para São Paulo, hoje mesmo!... Tire-me daqui!...

Dos olhos tristes de Ernesto o pranto jorrou em maré de angústia.
Tantas vezes acariciara projectos de reencontro!...

Tantas vezes imaginara-se pássaro distante do ninho, faminto de repouso na usina tépida!...
Entretanto, chegava até ali, na condição do hóspede indesejável, abominado pelos seus...

— Elisa! — implorou.

A conturbada esposa, que trazia as faculdades psíquicas desordenadas, não lhe lobrigava a figura espiritual, depois que a luz mais viva se derramou no ambiente; no entanto, lhe assinalava a voz comovida e firme, a repetir, suplicante:
— Elisa! Elisa, ouve!... eu sempre te amei...

Estabeleceu-se a conversação entre os dois, sem que a filha e o namorado conseguissem ouvir senão metade.
— Cala-te, infame! Recuso uma afeição que sempre detestei.
— Porque te alteraste assim?

— Sou hoje livre para dizer o que me vem à cabeça.
— Mas, quando juntos...
— Eu era a escrava algemada ao senhor...
— Entretanto, sempre afirmaste que me querias bem.

— Sempre te desprezei, isto sim...
— Oh! meu Deus!...
— Quem fala em Deus? Um assassino...
— Porque tanta crueldade?
— Dedé me falou que não passas de um matador!

Nessa altura do diálogo, fundamente estranho para os dois ouvintes reencarnados que o acompanhavam pelo meio, Serpa inquietou-se e, confessando-se incomodado ante o delírio da enferma, passou a esquadrinhar a casa, em busca de medicação que lhe sedasse os nervos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 06, 2012 9:12 pm

O entendimento, contudo, entre a obsidiada e o marido, prosseguiu, sem pausa.

— Ouve, Elisa! — mendigou Fantini, em pranto — não nego haver cometido grandes erros, mas invariávelmente por tua causa, pelo extremado apego ao teu carinho!...

— Balela! — gargalhou a interlocutora, entre a ironia e a demência — desde que arrasaste Dedé, passei a gostar dele...

A qualquer momento a que vinhas em casa, isso acontecia sempre para infelicidade nossa, porque vivíamos juntos aqui, antes de tua morte, e vivemos juntos depois...

Olha este quarto! Dedé está no lugar onde sempre esteve!...
Semelhantes declarações foram suplementadas de informes, sobre os quais pede a caridade se faça silêncio.

Ernesto chorava, ao passo que, defronte dele, o adversário desencarnado sorria, escarnecedor.
Nesse ínterim, o advogado surgiu trazendo a injecção calmante com que Vera socorreu a doente agitada.

Daí a instantes, a senhora Fantini atirou-se ao travesseiro, desfigurada, abatida.

E justamente quando Ernesto transpunha a porta em retirada, Desidério dos Santos, o inimigo, saltou do leito em que jazia parado e tomou-lhe a frente, desferindo brados terríveis.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 06, 2012 9:12 pm

20 - Trama desvendada

— Patife!... Celerado!... — vociferou o agressor — você não se afastará sem contas!...

Plantou-se à frente de Ernesto e, barrando-lhe o passo:
— Você acreditava que era só acabar comigo, hein?

Fique sabendo que, intentando privar-me do corpo, não obteve outra coisa senão colocar-me em sua própria casa...
Vivo aqui, moro aqui e sua mulher me pertence!...

Fantini, de sentimento apurado, qual se achava, depois de tantas refregas, implorou:
— Oh! Desidério! estou arrependido, perdoe-me!...

— Perdoar? Isso nunca. Estou longe do fim.
Vocês me pagarão, ceitil por ceitil...
Miseráveis!... Vocês ocultam aí na Terra o sangue do crime na capa do arrependimento e julgam que conseguem lavá-lo com lágrimas falsas.

Zombeteando:
— Ninguém morre. Vocês, bandidos, que burlam a justiça do mundo, serão punidos pela Justiça Divina!...

E a Justiça Divina, em meu caso, sou eu mesmo...
Espírito vingador, sim... Sou...
E quem me contestará esse direito?

A super excitação do desventurado provocava nele mesmo o corrompido pranto do ódio, e era igualmente chorando que profligava:
— Cretinos delinquentes!...

Perdi a existência, meu lar, minha esposa, minha filha... e vocês esperam de mim um prémio à crueldade com que me aniquila-.......

Então, vocês exterminam um homem e exigem que esse homem lhes beije as mãos?
Abusam da impunidade com que a terra do sepulcro lhes cobre os actos perversos e ainda reclamam o louvor das vítimas tombadas indefesas?...

Ernesto soluçava...
Ajoelhou-se, de mãos postas, diante do vencido de outro tempo, em sinal de humildade...
Ah! se soubesse que amargas provações lhe combaliriam a alma, nunca teria empreendido o retorno a casa.

Saberia tolerar as cruciantes saudades da esposa e da filha, acomodando-se a outros climas de luta!...

Entretanto, em dois anos de meditação e de estudo, aprendera que cada espírito recebe da vida, nas Leis de Deus, segundo as próprias obras.

Certificara-se de que criatura alguma logra desertar da própria consciência e que chega invariavelmente para o culpado o dia da expiação e do reajuste.

À face disso, recorria, intimamente, ao apoio da prece, suplicando a Jesus lhe revigorasse os ombros para carregar a cruz que ele mesmo talhara com os próprios erros.

À medida que ele se mantinha de joelhos, flectidos na areia da entrada, fitando o céu fulgente de estrelas, Desidério continuava:
— Covarde!... Levante-se para enfrentar as consequências de sua falta...

Somos agora dois homens, nas mesmas condições, sem a máscara do corpo, qual você me quis, há mais de vinte anos!...
Onde estão agora sua prosápia, seu sorriso de mentira, sua arma frouxa?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 06, 2012 9:13 pm

— Oh! Desidério, eu não sabia!...
— Pois saiba, canalha matador, que estou vivo!...
— Sim, sei... — gemeu Fantini, com estertoroso esgar — e rogo a Deus me perdoe pelo mal que lhe fiz...

— Se Deus existe, estará de meu lado...
Você não pode invocar o nome de Deus para acobertar-se...
— Reconheço... mas imploro a você, Desidério...

A frase, porém, desfaleceu na garganta que a dor sufocava.

— Implora o quê?
— Perdoe-me pelo amor que você tem a Elisa e que Elisa lhe tem!...
Ignorava que minha esposa o amasse tanto!...

Sou um réprobo, bem o sinto... entretanto, fiz-me criminoso por muito amar a esposa que o Céu me havia dado!...

O frio interlocutor pareceu comover-se, diante daquele testemunho de abnegação e humildade, mas, retornando à dureza em que se caracterizava:
— Porque não escolheu outro processo para remover-me do caminho?

Adoptando a violência, nada mais conseguiu senão atirar-me mais intensivamente para os braços de sua mulher...

E, enquanto você viveu nesta casa, após acreditar-me morto, partilhei sua mesa e sua vida...

Você supunha surpreender-me com os olhos da imaginação, na tela do remorso, mas via realmente a mim, a mim mesmo, Desidério dos Santos, com os olhos da mente, no espelho da consciência...

Hoje, chamam-me os amigos, sem corpo terrestre, de Espírito obsessor. .. que mais posso ser?
Sou quem sou, o homem ultrajado, o empreiteiro de minha própria vingança!...

— Oh! Deus de Misericórdia — lamentou-se Ernesto —, sou o culpado, o único responsável...

Nesse trecho do diálogo, o amargurado perseguidor desferiu ruidosa gargalhada e refutou:
— Não, não!... Você não é o único...

Você fez a ideia e o modelo do crime que me arredou da existência física, mas o verdadeiro homicida, aquele que se valeu de sua maldade para destruir-me, foi outro...

Ignoro a razão, mas tenho o destino entre verdugos!...

Você disparou o tiro contra mim, no intuito de afastar-me de sua esposa, e Amâncio, aquele canalha, observando que você errara o alvo, aproveitou a ocasião a fim de eliminar-me e apossar-se da minha esposa!...

Amigos tenebrosos, companheiros satânicos, quem os reuniu naquela terrível manhã, à feição de dois monstros, para liquidarem comigo!...

Recolhendo a revelação, não obstante o sofrimento que lhe revolvia as entranhas da alma, Ernesto rememorou o dia funesto em que ele e os dois companheiros se entregaram à busca de codornas.

Desidério, alegre e confiante, Amâncio preocupado com os dois cães especializados na descoberta e no levantamento das presas, e ele, Fantini, ensimesmado, arquitectando o delito.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 06, 2012 9:13 pm

Recordou que Amâncio se esmerava em conduzir os cachorros, absolutamente entretido com os possíveis resultados da empresa...

Depois de algumas pequenas incursões pela mataria, com balázios infrutíferos, Desidério escalara um tronco de árvore velha e cravara-se entre galhos robustos, de espingarda na mira das aves em voo...

Amâncio, de um lado, e ele, Ernesto, de outro, com reduzidas distâncias entre si.

Ao ver Desidério, sondando atentamente um dos pássaros que planava ainda longe, disparara contra ele e recuara espavorido, a ocultar-se no mundo verde, esperando os efeitos do gesto infeliz.

Não percebera qualquer grito, mas sim outros tiros que atribuiu, como era óbvio, à arma de Amâncio em acção de caça.

Decorridos nada mais que dois a três minutos, escutara os brados do companheiro, clamando por socorro...

Alarmara-se, agoniara-se;
todavia, arrastou-se quase até ao local em que o corpo de Desidério se retorcia no fim...

Transtornado, não conseguia mentalizar coisa alguma que não fosse o próprio terror, diante do erro cometido e, por isso, aceitou com alívio a versão imediata do amigo que anunciava em alta voz:
«acidente horrível!... acidente horrível!...»

Acidente!... Não era aquela a suposição ideal para inocentar-se?

O parceiro caçador dirigiu-lhe estranho olhar, como quem o responsabilizava sem palavras pela ocorrência, ao mesmo tempo que lhe propiciava mostras de compreensão e simpatia...

De chofre, lembrou-se de como a chumbada lograra penetrar sob a mandíbula, ganhando a região cerebral, o que lhe causara enorme estranheza;
no entanto, as circunstâncias não lhe permitiam quaisquer averiguações...

Aprovara a confusão que o favorecia e como que suavizara a dor da própria consciência ao ver que populares amigos compareciam junto dele, em pequenos grupos, admitindo a tese de desastre casual para o calamitoso acontecimento.

Omitira deliberadamente todas as dúvidas susceptíveis de impeli-lo à confissão do próprio delito.

E, de alma opressa, recordou-se de que, após o enterro da vítima, desligara-se para sempre de Amâncio, a pretexto de desgosto, e se empenhara, com todas as forças de que dispunha, a olvidar a esposa e a filha pequenina do assassinado cujos gritos, no dia inesquecível, lhe haviam conturbado o coração, convencido qual se achava de que fora ele o réu único...

Transido de assombro, Ernesto verificava que todas as cenas da tragédia se lhe reconstituíam na delicada película da memória, em apenas segundos, e Desidério, como quem o via nos lances mais íntimos daquela desesperada retrospecção, insistia, implacável:
— Lembre-se, miserável!...

Lembre-se de como vocês dois, cínicos matadores, me eliminaram...
Como afastar-me do corpo inerte, sem detestá-los?

Enlouquecido de sofrimento e revolta, recusei, enojado, os braços piedosos de enfermeiros que me buscaram para que outras terras, não sei...

Já que outra vida me surpreendia, depois da morte, não a desejava senão para a desforra...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 06, 2012 9:13 pm

Ainda assim, você não me encontra mais na furiosa aversão dos primeiros tempos, conquanto meu ódio ainda tenha suficientes reservas de fogo e fel para despejar-lhe no Espírito!...

Avalanchas de provação se abateram sobre mim;
entretanto, você, o suposto homem de bem, receberá agora, no tribunal da sua consciência, por minha vingança máxima, o peso inexorável de minhas acusações!...

Prosseguindo, num misto de crueldade e pranto, nojo e dor:
— Pense no martírio com que me reaproximei, desencarnado, da esposa jovem e da filha ainda tenra, para ver Amâncio, o assassino, assenhorear-lhes a existência...

Ah! Fantini, acredita você que, a princípio, eu quisesse tanto a sua mulher?
Não!... Eu era um homem sem qualquer princípio religioso e, por este motivo, sem qualquer orientação definida.

Possuía uma esposa e uma filha que adorava e punha meus olhos sobre Elisa, à maneira de um tolo entusiasmado por ver-se distinguido pelas atenções de tão devotada e distinta mulher...

Contudo, ao invés de uma palavra franca de companheiro, capaz de impor-me o lugar justo, você, ralado de ciúme, tentou abater-me como alimária no campo...

Com isto, você, Ernesto, me transfigurou numa fera sem a jaula dos ossos.

Abominando o invasor de meu lar, pois Amâncio deu-se pressa em desposar Brígida, a moça que eu deixara viúva e inexperiente, eu sentia em meu antigo refúgio caseiro a presença de um inferno que me expulsava...

Batido à maneira de um cão escorraçado e sem dono, sem a companheira que me retirou da lembrança e sem a filha que devia beijar meu algoz por segundo pai, vagueei pelas estradas de ninguém, entre as maltas das trevas, até que me instalei definitivamente ao pé de Elisa, sua mulher, cuja silenciosa ternura me chamava, insistentemente...

Aos poucos, do ponto de vista do espírito, ajustei-me a ela, como o pé ao sapato, e passei a amá-la com ardor, porque era ela a única criatura da Terra que me guardava na memória e no coração...

Ante a pausa de Desidério, que se impunha a curto silêncio para repouso, Ernesto quis implorar piedade, mas não pôde;
o verbo esmorecera-lhe na garganta asfixiada de desespero, enquanto lhe tremiam todas as fibras da alma, qual condenado ouvindo o próprio libelo, sem possibilidade de qualquer defensiva.

O adversário refizera-se e investia:
— Tudo isso porquê?
Porque o remorso deformou a sua vida mental de homem...

Você, desde a empreitada ominosa em que perdi meu corpo, andou buscando incessantemente uma fuga impossível...

Mergulhou o espírito em negócios e rendas, compromissos e corretagens, viajando e viajando, sem procurar saber se a esposa e a sua própria filha eram almas necessitadas de assistência e carinho!

Tudo isso fez de minha afeição por Elisa mais que afeição terrestre!...
Obsessor, oh! sou... Sou...
Mas sou também servidor incondicional de quem leva seu nome e aguentou sua frieza de coração...

Aprendi com sua mulher a paciência e o silêncio para esperar e esperar...
Você soube, algum dia, das enfermidades de sua filha na infância?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2012 10:18 pm

Conheceu-lhe as duras tentações nos dias primeiros da juventude?
Sabe que rapazes insensíveis lhe abusaram da confiança?

Por acaso enxergou, alguma vez, as lágrimas ardentes que lhe queimaram o rosto, depois dos pontapés daqueles mesmos jovens desalmados que lhe prometiam lealdade e ternura?

Ah! Fantini, Fantini!...
Você nunca desceu à faixa de suplícios do seu mundo doméstico, mas eu sei que calvários foram transpostos pela mulher que envelheceu gemendo e pela outra que se desenvolveu chorando!...

A que títulos retornou a esta casa?
Colher um amor que não plantou? pedir contas?

Ernesto, quebrado de aflição ante o libelo doloroso, conseguiu balbuciar:
— Oh! Desidério!...
Compreendo agora... Perdoe-me!.

O antagonista, cada vez mais excitado pelo martírio moral que patenteava em cada frase, retomou o ímpeto:
— Padeci por sua filha e pela outra, a pequenina que a morte me constrangera a largar...

Bloqueada na boa fé pelo patife que lhe absorvera a atenção, Brígida concordou em descartar-se de nossa filhinha, situando-a muito cedo em estabelecimentos de ensino, onde, se é verdade que recebeu educação esmerada, curtiu a falta dos pais, qual se fosse enjeitada no berço...

O que sofri, Fantini, o que sofri!...
Entretanto, minhas agonias não pararam nesses cuidados...

Minha infortunada filha, que cresceu triste e moralmente quase desamparada, a míngua da assistência paternal que você e Amâncio lhe furtaram, encontrou a morte, há precisamente dois anos...

Impelida pelo padrasto, interessado em livrar-se da responsabilidade de tê-la em custódia, casou-se muito cedo com um celerado que lhe destruiu todos os sonhos...

Oh! como trabalhei para evitar-lhe a comunhão com esse homem covarde!...

Caminhava incessantemente entre os seus e os meus, esmagado de desespero, dedicando-me a conjurar a tragédia que, afinal, se consumou...

Quando fui vê-la morta, junto de companheiros desencarnados, tão sofredores e tão desvalidos quanto eu mesmo, ajoelhei, diante do corpo imóvel que ainda lhe conservava o derradeiro sorriso, e jurei que me vingaria dos três mascarados que a rodeavam, Amâncio, o matador, Brígida, a ingrata, e o detestado genro, cuja presença me enoja!...

Em lágrimas, roguei a Deus a graça de ver minha filha libertada do sofrimento físico, a felicidade de ouvir-lhe a voz;
entretanto, piedosos enfermeiros espirituais me informaram que ela fora conduzida a estâncias de repouso e que somente me será concedido reencontrá-la quando sanar as chagas de revolta que trago dentro de mim, como se me fosse possível apagar o incêndio de mágoas que me calcina a mente infeliz!...

Pobre filha!...
Desposou um criminoso, qual se devesse compartilhar o meu destino de Espírito, extraviado ...
Ah! como extinguir as labaredas da inconformação que me devora? Impossível!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2012 10:18 pm

Ernesto soluçava...

Dando a ideia de quem se propusesse despejar, de uma só vez, todo o fel que portava na alma ulcerada, sobre o desditoso amigo, Desidério prosseguiu:
— Mas, é preciso que você saiba ainda...

Ao notar minha filha abatida e enferma pelos desgostos do lar, o marido lançou-se a novas aventuras e veio a conhecer Vera Celina, sua filha, de cuja afeição se apoderou...
Então, dominou-a, escravizou-a...

E, articulando gesto expressivo com o dedo indicador, apontou para o interior da casa, acrescentando:
— Este bandido está aí dentro... É Caio Serpa...
Ah!... Evelina! Minha filha!... Minha filha!...

Nisso, quando Fantini percebeu toda a trama desvendada, com a enunciação dos nomes de Evelina e do esposo, sentiu como se o cérebro lhe estalasse de angústia.

Deslocou-se de um salto e, embora suplicasse a bênção de Jesus e a protecção de Ribas, correu para matagal próximo, entre gritos dificilmente abafados, e arrojou-se no solo arenoso da ilha, à maneira de um cão espancado, ganindo de dor.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2012 10:18 pm

21 - Retorno ao passado[/i]

As advertências de Ribas e a presença de Evelina, a curta distância, foram argumentos que constrangeram Fantini a revigorar no autocontrole.

Finda a longa crise de lágrimas, ante a surpresa que situava a senhora Serpa, em nova posição, no mundo de sua alma, reconhecia-se outro.

Sofrera modificações nos mais recônditos mecanismos da mente.

A exposição de Desidério, franca e livre, sacudindo-o para reconhecer a extensão de suas próprias fraquezas, abatera-lhe o orgulho;
no entanto, clareava-lhe as entranhas do coração para buscar vida nova.

Não obstante algo atordoado, soergueu-se do chão e arrastou-se até ao local em que a moça o esperava.

Entretinha-se Evelina em amistosa conversação com desencarnados doentes, que visitavam o sítio, sob a vigilância de enfermeiros atentos, em busca das emanações nutrientes do mar.

Avistando, porém, o amigo que se aproximava, cambaleante, pôs-se-lhe correndo ao encontro.
— Oh! Ernesto, porque fatigado assim? — exclamou inquieta, ao mesmo tempo que o auxiliava a sentar-se na areia.

Ele não relutou em recolher-lhe o apoio e, tão logo a viu acomodar-se rente, colocou a cabeça entre as mãos, num gesto de quem sentia dificuldade para carregar o pensamento em fogo e tartamudeou, chorando:
— Ah! Evelina, Evelina!...
Concordo agora em que somos dos mortos que não tiveram as orações dos vivos...

Ai de mim!... Os corações que eu mais amava se fecharam para sempre com a
pedra que decerto me selou os restos físicos...
Torno de minha casa, como um réprobo!... Oh! meu Deus!... meu Deus!...

Empenhou-se a companheira a reconfortá-lo, rememorando a sua própria experiência de horas antes, mas o desolado amigo contraditou em profundo abatimento:
— Não, não!... Você foi vítima de ingratidão, ao passo que recebi a condenação que mereci...
Você ganhou o insulto, a mim coube o castigo!...

Ernesto ansiava rebentar-se em notícias do sucedido, confiar-lhe as revelações que passara assenhorear:
todavia, escasseavam-lhe as forças.

Apenas o pranto a deslizar-lhe em ondas.
Em poucos momentos, no entanto, a perplexidade e a aflição de ambos se viram atenuadas com a vinda do carro voador, que se transportara da Via Anchieta à Praia do Mar Casado (1), onde se achavam, a fim de conduzi-los a São Paulo.

Ribas escutara as súplicas do pupilo torturado e expedira ordens de carácter urgente para que os dois tutelados do Instituto de Protecção obtivessem imediata cobertura.

Evelina escorou o companheiro e instalou-o no veículo que se alçou a grande altura.
Por mais tentasse palestra, não colhia dele senão monossílabos.

Fantini silenciara, evidenciando, porém, através do olhar triste e esgazeado, o vulcão de sentimentos contraditórios que lhe explodia no peito.

Alguns minutos de voo e, atendendo-se a instruções de Ribas, foram os dois viajores internados, em departamento de repouso de uma das casas espíritas-cristãs, que honorificam a vida paulistana, onde Ernesto começou a receber os cuidados precisos, a fim de desenvencilhar-se do trauma de que fora acometido.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2012 10:18 pm

Convenientemente amparado, através de recursos magnéticos, em círculo de oração, acalmou-se para refazimento, sob a assistência da companheira e, então, rearmonizadas as energias, perguntou ele à amiga, com inflexão de infinita amargura:
— Evelina, seu pai tinha o nome de Desidério dos Santos e seu padrasto é Amâncio Terra?

— Sim. Meu nome inteiro é Evelina dos Santos Serpa.

Ernesto não vacilou.
Compreendeu que devia à jovem senhora uma confissão integral da própria vida e transferiu-se da ideia à acção, começando pelas memórias do casamento com Elisa.

E, à frente do espanto da companheira, embora pinceladas a traços ligeiros, as cenas do pretérito se desdobraram, uma por uma...

A aproximação com Desidério, desde a meninice;
o conhecimento superficial com Brígida, com quem se avistara poucas vezes;
a amizade com Amâncio, que sempre teimara em se conservar solteiro;

as visitas frequentes de Desidério ao seu lar, que ele, Fantini, não retribuía;
a atracção que o visitante exercia sobre Elisa, a esposa que amara ardentemente;
os ciúmes com que os via se abeirarem um do outro;

o plano de liquidar o amigo, a quem passara a detestar;
o despeito silencioso, que lhe envenenara os sentimentos;

a caçada funesta, o tiro intencional que disparara e as outras detonações que ouvira;
a morte de Dedé e os remorsos da existência inteira...

E, por fim, descreveu, passo a passo, as ocorrências do retorno ao lar, desde o instante em que registara as afrontas da esposa obsessa até a última declaração de Desidério, que o deixara aniquilado...

Evelina vasculhava inutilmente a cabeça, procurando expressões que lhe patenteassem o assombro.
Não que a narrativa a afastasse do amigo, a quem consagrava respeitoso e enternecido amor.

Estranhava, sim, o drama complexo de que eram protagonistas, sem saber.
Surpreendia-se com os meandros da peça que o grupo representava.

A par disso, acusava-se absorvida por extremada compaixão, perante os conflitos íntimos de todos os seus aliados de tragédia familiar, sentindo-se, aliás, dentre eles, a menos atingida pela dor.

Contemplou Ernesto e chorou...

Ao vê-la em silêncio, curtindo dignamente as dolorosas impressões que lhe azorragavam a alma, inquiriu ele, ansioso:
— Você também me acusa?

— Oh! Ernesto, estimamo-nos sempre mais...
Sou eu, sua irmã, quem lhe pede perdão por meu pai que tomou sua casa, indevidamente...

E Fantini, mais comovido:
— Não, ele nada furtou...
Protegeu a mulher e a filha que desprezei...
E se falamos de escusas, sou eu quem roga tolerância para minha filha que se lhe apossou do marido...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2012 10:19 pm

— Não, não!... — foi a vez da interlocutora justificar a jovem — estou compreendendo que Vera chegou ao meu caminho por benfeitora, ela propiciou a Caio a segurança que não lhe pude dar...

— Evelina — acentuou o companheiro, um tanto aliviado —, tenho hoje a ideia de que só pela vida depois da morte logramos desmanchar os enganos terríveis que acalentamos na existência terrena.

Ela aprovou e mantiveram-se em doce tête-à-tête, quando, por fim, Ernesto conseguiu conciliar o sono, dando-lhe oportunidade para retirar-se, em busca de ligeiro descanso.

Amanhecia...
No horário estabelecido para a volta, o veículo recolheu-os, de retorno.

A senhora Serpa ardia em desejos de rever o pai;
no entanto, o amigo julgava prudente não viesse a fazê-lo sem maior preparação.

Ambos se reconheciam melhorados, quase refeitos, tanto assim que em viagem, qual ocorria com os demais passageiros, debatiam temas fundamentais da existência, quais sejam o amor, a reencarnação, o lar, o imperativo do sofrimento...

Reinstalados na estância em que se domiciliavam, continuaram sonhando o futuro. Juntos conversavam. Juntos planeavam.

Não seria mais que desejável o renascimento de Túlio, entre Caio e Vera, cujo matrimónio lhes competia favorecer?

Generosa, lembrava-se Evelina do pai sofredor e acentuava que, se pudesse e se as circunstâncias permitissem, estimaria trabalhar igualmente para que o progenitor revoltado aceitasse a reencarnação, a fim de esquecer, esquecer...

Ela e Fantini maravilhavam-se agora de como queriam tempo e mais tempo para os entes amados no mundo. Orariam por eles.

Suplicariam a Deus lhes prolongasse a existência no mundo físico, no interesse da equipe familiar e deles mesmos.

A senhora Serpa já imaginava contemplar Mancini, no ambiente de Caio, para que se reconciliassem, e Ernesto concordava em que se fazia mister analisar a conveniência de uma aproximação, entre Amâncio e Desidério, a fim de que lhes fosse concedido transfigurar aversão em simpatia e discórdia em união.

Sonhavam, sonhavam.
Decorridos dez dias sobre o primeiro regresso a São Paulo, quando ambos já se admitiam plenamente refeitos, solicitaram audiência com Ribas, de modo a expor-lhe as ideias novas e comentar os acontecimentos havidos.

O mentor acolheu-os com a lhaneza de hábito, ouviu-lhes atenciosamente os projectos;
entretanto, com surpresa para os dois visitantes, sintetizou as respostas que ambos preferiam fossem mais longas:

— Meus caros, quando as súplicas de nosso Fantini chegaram até nós, não somente promovemos o socorro preciso como também solicitámos anotações de todos os eventos familiares de que se vêem partícípes.

Sabemos agora, em documentação adequada, tudo aquilo de que se informaram.
Quanto aos nossos deveres de ordem moral, já nos entendemos aqui suficientemente em dilatadas entrevistas. Orientação, possuímos.

Como é fácil de entender, alcançamos a faixa da acção plena no trabalho espiritual, que vocês, aliás, reclamaram, por reiteradas vezes.
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Série André Luiz - E A VIDA CONTINUA... - Página 4 Empty Re: Série André Luiz - E A VIDA CONTINUA...

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2012 10:19 pm

— Será justo continuar agindo, em favor dos nossos? — indagou Ernesto, no sincero propósito de acertar.
— Obrigação, meu amigo, isto é nossa obrigação — declarou Ribas —, os que conhecem precisam auxiliar os que ignoram e não apenas auxiliar simplesmente, mas auxiliar com muito amor.

— Acaso, ser-nos-á lícito mentalizar reencarnações para Mancini e meu pai, em futuro próximo? — abalançou-se a dizer Evelina, tímida.

— Como não, minha filha?
para isso, contudo, é indispensável estabelecer dados concretos, com planeamento exacto.

Sem dúvida, somos uma família só, perante a Divina Providência, e estamos todos interligados, com o dever da assistência mútua.

A evolução é a nossa lenta caminhada de retorno para Deus.
Os que mais amam vão à frente, traçando caminho aos seus irmãos.

— Estimaríamos alguma indicação, algum conselho para começar — aventou Fantini, evidenciando a preocupação de quem não desejava ser importuno.

O orientador resumiu:
— Estamos com esclarecimentos de dez dias passados.

Enviarei observador imparcial ainda hoje a São Paulo, para conhecer as condições gerais dos irmãos implicados no assunto, ao passo que vocês dois, amanhã mesmo, poderão visitar o sul paulista, buscando o necessário contacto com os familiares que ainda não puderam rever.

De volta, amanhã à noite, entraremos em estudos produtivos, de vez que disporemos de elementos esclarecedores, actuais e correctos.

O entendimento foi encerrado.
No dia seguinte, em condução regular da cidade espiritual para o mundo físico, os dois amigos atingiram a cidade, em cujos arredores Amâncio edificara o ninho doméstico.

Seguida por aquele que se lhe fizera irmão e benfeitor inseparável, Evelina transpôs os umbrais da antiga residência.

E foi um doce voltar aos dias da meninice...
Parecia-lhe estar regressando sequiosa de afecto ao domicílio solarengo, como nos tempos da juventude, quando se lhe abriam as férias escolares.

Além, o pomar farto;
aqui, a porteira vestida de trepadeiras silvestres...

Mais alguns passos, o pátio enorme, espraiando-se na direcção dos largos terreiros de tratamento do café...
Apoiando-se no braço do amigo, a moça caminhou até à porta de entrada, sob o império das reminiscências que lhe senhoreavam a alma...

Atravessou-a com o enternecimento de quem penetra um local profundamente sagrado ao coração...

O mesmo ambiente revestido de paz; a sala de visitas com o velho mobiliário que lhe falava tão alto à lembrança;
o relógio de parede que a progenitora se orgulhava de haver recebido dos avós;

os tapetes em peles dos bracaiás que Amâncio abatera, nos seus áureos tempos de caçador, quando de várias incursões em Mato Grosso;

o lustre de cinco lâmpadas a penderem do testo e o piano em que tantas vezes acompanhara, extasiada, os ágeis dedos maternos, nas interpretações de Chopin...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2012 10:19 pm

Uma surpresa banhou-a de júbilo.
Na parte superior do instrumento, ao lado de esquecidas composições musicais, jazia uma foto que a retratava na juventude e, junto a essa recordação de família, uma rosa desbotada lhe comunicava a ternura materna.

A moça correu para a varanda lateral, em que Amâncio e a esposa costumavam descansar, após as refeições, e ali os encontrou em serena palestra, cada qual em sua poltrona.

Então, dominada por indizível emoção, ajoelhou-se diante da progenitora, em cujo rosto descobria mais rugas, emolduradas por mais amplas faixas de cabelos brancos, e depondo a cabeça em seus joelhos, chorou convulsivamente como o fazia nas contrariedades e caprichos da infância.

Dona Brígida não lhe registou a presença, em sentido directo;
entretanto, parou o olhar cismarento no arvoredo próximo, sentindo, de súbito, intraduzíveis saudades da filha.

Represaram-se-lhe lágrimas que não chegavam a cair...
“Que vontade de rever minha querida Evelina!...”

E esta, que lhe captava os pensamentos. respondia:
“Mamãe! Mãezinha, eu estou aqui!...”

Escoados alguns minutos de silêncio, o dono da casa, que ainda se achava sob a curiosa observação de Ernesto a examinar nele os estragos do tempo, endereçou expressivo olhar à companheira e indagou:
— Porque parou a conversa, meu bem? pensando em quê?...

Carregava-se-lhe a voz da gentileza característica do homem que não se permite deteriorar a devoção pela mulher depois do casamento, surpreendendo Fantini pela delicadeza com que se vazava.

— Não sei explicar, Amâncio — anotou Brígida —, mas venho sentindo imensas saudades de nossa filha... Dois anos de ausência...

E mais concentrada:
— Porque haveria de partir, assim tão cedo?...
— Tolinha! — objectou o marido com admirável desvelo — o irremediável pede esquecimento, o passado não volta...

— Creio, porém, que haverá outra vida, na qual se encontrarão os que muito se amaram neste mundo...
— Os filósofos dizem isso, mas os homens práticos afirmam, e com razão, que nada se conhece dos finados, além da certidão de óbito...

Nesse momento, Ernesto tacteou-lhe a cabeça com uma das mãos, como a pesquisar-lhe as elucubrações imanifestas, e identificou-lhe cravadas na memória as cenas vivas do assassínio de Desidério, profundamente bloqueadas nos escaninhos da mente;
no entanto, algo lhe dizia no íntimo que lhe não era lícito convocar o espírito do companheiro a qualquer estado negativo, absolutamente inútil, quando tudo lhe fazia crer que Amâncio se transformara num esteio de trabalho respeitável para famílias numerosas.

Via-o, ali, não somente devotado e terno para com a mulher que lhe fora vítima, porquanto era fácil adivinhar-lhe igualmente a condição de administrador estimado e digno, através dos empregados tranquilos e felizes que se lhe aglomeravam, em derredor da casa.

Além disso, pensava, porque haveria de acusá-lo, se ele, Ernesto, apenas não exterminara Desidério por falta de pontaria?

Perante Deus e a própria consciência não seria tão criminoso quanto o amigo que tivera a infelicidade de atingir o alvo?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2012 10:20 pm

Semelhantes reflexões escaldavam-lhe a cabeça, quando escutou Evelina que se queixava, em pranto, para o coração materno:
— Oh! Mãezinha, sei agora que meu pai erra nas sombras da alma!...

Transformou-se num Espírito empedernido no ódio...
Que poderemos fazer nós duas para ajudá-lo?

Até aí, a mente de Brígida, fundamente distanciada de qualquer preocupação com o primeiro esposo, nada pôde registar em sentido directo, senão doloroso e vago impulso de retorno ao passado, sem permitir que a imagem de Desidério se lhe imiscuísse na lembrança, mas a filha insistiu:
— Auxilie, Mãezinha, auxilie meu pai para que volte à vida terrestre!...

Quem sabe?
A senhora e meu pai Amâncio vivem quase sós nesta casa!...
Um menino! um filho do coração!...

Nesse trecho da súplica filial, a progenitora deixou-se empolgar pela ideia de que estavam, ela e o segundo esposo, envelhecendo no corpo físico, sem qualquer descendente, e que uma criança perfilhada por eles seria talvez um apoio para o futuro.

Ao contacto das palavras de Evelina, cresceram-lhe os pensamentos nessa direcção e passou a reflectir, reflectir... Um menino!...

Alguém que lhes povoasse a existência de esperanças novas, alguém que lhes continuasse a sustentação dos ideais de trabalho naquele diminuto recanto de solo!...

Movida pelo entusiasmo da filha que lhe assimilava os pensamentos de adesão ao tema fundamental da mensagem de alma para alma, Brígida sondou o companheiro:
— Amâncio, muitas vezes penso em nossa velhice solitária, com tantas possibilidades em mão...
Não concordaria você em que tomássemos um garoto para ser o filho que não temos?

— Que ideia! Em nossa idade?
— Não somos tão velhos...
— Ora, Brígida, era o que faltava!
Você não acha esquisito terminarmos a vida fazendo mamadeira para criança?

— E se for o contrário?
Deus poderá conceder-nos dilatado tempo ainda na Terra...

E se deixássemos aqui um bravo rapaz, que nos administrasse a fazenda, dando continuidade à nossa organização?

Não tenho o seu optimismo — apontou o marido, com generosidade e carinho a lhe transbordarem da voz —, mas sempre admirei os seus caprichos.

Não me oponho aos seus desejos, mas exijo que seja um homenzinho, que venha para cá ao nascer, sem que os pais nos incomodem e que chore pouco...

Tudo isso, desde que você nada reclame da trabalheira...

— Oh!... Amâncio, que alegria!...

Ante o júbilo da esposa que se transfigurara, feliz, o interlocutor sentiu misteriosa ventura acariciando-lhe as entranhas do ser.

Levantara-se Evelina e avançara para ele, osculando-lhe os cabelos agrisalhados, ao mesmo tempo em que lhe estendia a destra sobre o tórax, qual se lhe afagasse o coração.

(1) Prata do Guarujá. — Nota do autor espiritual.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 07, 2012 10:20 pm

22 - Bases de novo porvir

No dia imediato, a conferência com Ribas.

Ernesto e Evelina confiaram-lhe sucinto relatório da visita realizada na véspera, a que o mentor deu ouvidos atentos.

Esmerando-se no aproveitamento das horas, o sábio amigo requisitou um grupo de fichas, alinhadas em arquivo próximo, e iniciou o trabalho mais importante da entrevista, analisando a situação de Túlio Mancini.

Considerou que o jovem realmente evidenciava reduzido progresso;
entretanto, isso não invalidava o compromisso da senhora Serpa, cujo auxílio junto dele não devia esmorecer, organizando-se-lhe o renascimento próximo.

Estabelecendo bases para o futuro, ele, Ribas, traçara um programa de acção imediata e mais claramente definida para os dois amigos, em cujo desempenho se lhes aplicassem as forças com a eficiência precisa.

Evelina permaneceria, a sós, ao pé de Mancini, continuando a presidir-lhe, quanto possível, a renovação mental, ao passo que Ernesto se encaminharia diariamente ao plano físico, de maneira a colaborar, no limite de seus recursos, a benefício de Desidério e de Elisa, carecedores de urgente e fraternal socorro.

Entendera-se com diversos directores de serviço, domiciliados em Esferas Superiores, e granjeara autoridade suficiente para funcionar na solução dos problemas alusivos aos renascimentos que se fizessem necessários, em favor do reequilíbrio do grupo.

A moça, porém, no registar-lhe as instruções, raciocinou, pesarosa:
— Instrutor Ribas, não me será concedido, então, visitar meu pai e abraçá-lo agora?
O senhor compreende as minhas saudades...

— Entendo, sim, mas a condição actual de Desidério não nos aconselha espontaneidade nas atitudes.
Para ajudá-lo com segurança, é imperioso examinar préviamente as nossas menores manifestações.

— Mesmo as minhas?
— Até mesmo as suas maneiras de filha entram em linha de conta.

Aquele rebelde e nobre coração que lhe serviu de pai possui qualidades notáveis, que serão desentranhadas em momento oportuno.
Convém, filha, não venhamos a estragar as oportunidades. Paciência...

— Como assim?
— Ele deve reencontrá-la em momento de mais alta compreensão.

Fantini assisti-lo-á, diariamente, através da palavra edificante, em tarefa idêntica ao apostolado doméstico que a sua dedicação desenvolve no amparo a Mancini, empenhando-se a despertá-lo para as alegrias da Espiritualidade Maior, ao mesmo tempo em que, nesse mister, ambos aprenderão a readquirir o respeito e o afecto mútuos...

Depois de um sorriso amistoso:
— Não é isso mesmo que sucede a você, em relação a Túlio?

Evelina aquiesceu, compreensiva.
— Isso, entretanto — prolongou-se o mentor —, não obstará sua intervenção nos acontecimentos, quando as circunstâncias no-la sugiram.

Você pode e deve efectivamente rever seu pai terrestre;
no entanto, a sua influência filial, a nosso ver, precisa ser usada em favor dele mesmo...
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