LUZ ESPÍRITA
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Série André Luiz - E A VIDA CONTINUA...

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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 30, 2012 8:32 pm

E advertiu:
— Minha filha, eu aqui, praticamente, não sei da vida de ninguém.
— Mas escute, por favor.
Sabe onde estamos? em que instituto?

A matrona achegou-se mais para perto de Evelina que, a seu turno, recuou para junto de Fantini, e cochichou:
— A senhora não sabe?

Ante o assombro indisfarçável da senhora Serpa, dirigiu o olhar penetrante para Ernesto e aduziu:
- E o senhor?

— Nada sabemos — comunicou Fantini, cortês.
— Pois alguém já me disse que estamos todos mortos, que já não somos habitantes da Terra...

Fantini sacou o lenço do bolso para enxugar o suor que passou a escorrer-lhe abundantemente da testa, enquanto Evelina cambaleou, prestes a desfalecer.

A desconhecida estendeu os braços à companheira e recomendou, preocupada:
— Minha filha, contenha-se.
Temos aqui dura disciplina.
Se mostrar qualquer sinal de fraqueza ou rebeldia, não sei quando voltará a este pátio...

— Repousemos — interveio Ernesto.

E dando o braço a Evelina, ao passo que a dama prestimosa ajudava a escorá-la, rumaram os três para largo assento próximo, sob grande fícus, onde passaram a descansar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 30, 2012 8:33 pm

7 - Informações de Alzira

— Conversemos — convidou a nova amiga.

Receosa, ante os serviços de vigilância, manifestava a intenção de despistar.
Dispunha-se a todo custo demonstrar naturalidade, temendo que alguém pudesse haver assinalado o choque da companheira.

Fantini compreendeu e esmerou-se a coadjuvá-la.
Pretendendo ignorar a lividez com que a senhora Serpa os ouvia, fez as apresentações com aparente serenidade.

— Sou Alzira Campos — identificou-se a matrona, recém-chegada ao grupo —, e moro em São Paulo.

Deu o endereço, reportou-se à família, caracterizou o bairro em que residia e adiantou:
— Desde que caí em casa, trouxeram-me desacordada para este hospital e, pelas contas que faço, há quase dois meses espero alta.

Estabeleceu-se o diálogo entre ela e Ernesto, enquanto Evelina se reasserenava, lentamente.

— A senhora já se sente restabelecida?
— Completamente.

— Já travou relações com alguma autoridade que lhe possa orientar com indicações precisas, quanto ao futuro?
— Sim. A irmã Letícia, que me assistiu, de início, nos banhos medicinais, avisou-me anteontem que não está longe o dia em que me será possível decidir, relativamente a permanecer aqui ou não...

— Que terá ela desejado dizer com esse «permanecer aqui ou não»?
— Realmente, sabendo-se quanto anseio voltar a casa, muito me encabulei ao receber-lhe esse apontamento.

— Nada mais indagou?
— Sim. Roguei mais claras instruções, pedi minudências.
Ela, contudo, apenas me disse, gentil:
- «Você compreenderá melhor, mais tarde».

— Dona Alzira — sussurrou Ernesto, com firmeza — a senhora não acredita que estamos numa organização de saúde mental, num asilo de loucos?

A matrona relanceou o olhar em redor, à feição de doente amedrontada com a vigilância de guardas severos, e opinou:
— Se vamos examinar assuntos graves, não nos convêm isolar a companheira.

Nossa amiga Evelina pode acelerar o próprio refazimento.
Peçamos para ela um tónico adequado.

Conjugando acção à palavra, premiu diminuto botão que se incrustava à mesa e surgiu um rapaz de serviço, diligenciando saber em que lhes poderia ser útil.

Alzira encomendou refresco para três.
— Qual o sabor?
— Maçã.

Num átimo, o portador trazia três taças com róseo líquido aromatizado em safirina bandeja.

— Este, a meu ver, é o melhor refrigerante que encontrei aqui, até agora, porque tem pretensões a sedativo — avisou a dama quando se viram, de novo, a sós.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 30, 2012 8:33 pm

Evelina sorveu um gole, avidamente, com a impressão de haver bebido um néctar, mais vaporoso que líquido.
O inesperado reconstituinte revigorava-lhe as forças, ao mesmo tempo em que lhe reacomodava os pensamentos.

— Estou melhor — notificou de súbito —, graças a Deus!...
Alzira sorriu e confirmou a disposição de palestrar, dando aos amigos todos os esclarecimentos que se lhe fizessem possíveis.

Fantini segredou:
— Voltando ao assunto, não considera a senhora que nos achamos sob assistência especializada, do ponto de vista da mente?

— A princípio — aclarou Alzira —, também pensei assim.
Notem que nos sentimos aqui de pensamento mais leve e cabeça sempre mais clara por dentro.
As ideias fluem com tanta ligeireza e espontaneidade que parecem tomar corpo, junto de nós.

Concordo em que nos encontramos num tipo de vida espiritual diferente, muito diferente daquela em que vivíamos, até a nossa vinda para cá.

Apesar disso, porém, não creio estejamos nós num manicómio.
Certamente já sabem que estamos rodeados por vida citadina muito intensa.
Residências, escolas, instituições, templos, indústrias, veículos, entretenimentos públicos...

— Quê?... — disseram Evelina e Ernesto a um só tempo.
— É como lhes digo.
Isto aqui é uma cidade relativamente grande.
Nada menos de cem mil habitantes e, ao que dizem, com administração das melhores.

— A senhora já conseguiu alguma experiência lá fora?
já se afastou alguma vez destes muros? — interrogou Ernesto, a desfazer-se em curiosidade.

— Sim, na semana finda, obtive permissão para visitar uma família que não conhecia, acompanhando duas amigas.

Até agora, essa foi a única vez em que me ausentei do hospital.
E posso afirmar que a excursão foi realmente deliciosa, conquanto o pasmo de que me vi tomada, ao fim do passeio...

— Que viu e a quem viu? — sondou Ernesto.
— Não se aflijam.
Vocês conhecerão tudo a seu tempo.
A cidade é linda.

Uma espécie de vale de edifícios, como que talhados em jade, cristal e lápis-lazúli.
Arquitectura original, praças encantadoras recamadas de jardins.
Creiam vocês que caminhei, fascinada, de rua em rua.

O irmão Nicomedes, pois assim se chama o dono da casa, acolheu-nos com muita gentileza.
Apresentou-me a filha Corina, uma bela jovem, com quem para logo simpatizei.

Intima de uma das amigas que eu seguia e com a qual entraria em combinação sobre assuntos de serviço, salientou a alegria festiva do lar, falando-nos de esperados júbilos domésticos.

Mostrou-nos os lustres novos, as telas e os vasos soberbos...
Tudo seguia num crescendo de doces surpresas para mim, quando surgiu a bomba...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 30, 2012 8:33 pm

Achávamo-nos no terraço, admirando um canteiro de jasmins suspensos, quando ouvimos o «Sonho de Amor», de Liszt, tocado ao piano.

Corina informou-nos de que o pai dedilhava o instrumento com grande mestria.
Enterneci-me de tal modo que manifestei o desejo de ouvi-lo, mais de perto.

A nossa anfitriã conduziu-nos, de imediato, à sala de música. E foi um deslumbramento.

O irmão Nicomedes, absorto, revelava-se num mundo de alegrias profundas, que se lhe irradiavam da vida interior, em forma, de melodias, das notáveis melodias que se sucediam umas às outras.

Em dado momento, apontei:
«ele parece mergulhado num longo êxtase, toca como quem Ora», ao que a filha respondeu:
«estamos efectivamente muito felizes;
minha mãe, ao que sabemos, deverá chegar nesta semana».

«Ela está de viagem?» perguntei.
Com a maior naturalidade, a moça esclareceu:
“minha mãe virá da Terra.

Quando ouvi isso, experimentei horrível choque, como se acabasse de receber uma punhalada no peito.
Faltou-me o ar, entrei, desprevenida, numa terrível crise de angústia...

Á simples ideia de que nos situávamos em lugar fora do mundo que sempre conheci, me fazia voltar às dores anginosas que, desde muito tempo, não registava.

Corina me entendeu sem palavras e trouxe um calmante.
Meu estado de perturbação, ao que observei, se comunicou a todo o ambiente, porque o dono da casa interrompeu-se, de improviso, quando executava um belo nocturno...

Via-me prestes a desmaiar, O pequeno grupo congregou atenções junto de mim e fui levada para o ar livre.

Sentaram-me numa poltrona de pedra, semelhante ao mármore.
Tacteei com força o espaldar da curiosa cadeira e, ao verificar a dureza do material sob minhas mãos, comecei a tranquilizar-me...

Em seguida, olhei para o céu e vi a lua cheia, fulgindo com tanta beleza que me asserenei de todo.

Percebi a sem-razão do meu susto.
E reflecti, de mim para comigo:
«porque não existirá uma cidade, uma vila, um lugarejo qualquer de nome Terra?»

O quadro que me cercava era positivamente um recanto do mundo...
Indiscutivelmente, a esposa de Nicomedes estaria sendo esperada de alguma aldeia anónima...

Ruminava minhas conclusões, quando o chefe do lar indagou, compadecido:
«há quanto tempo nossa irmã Alzira está connosco ?»
«Pouco mais de dois meses», participou uma de minhas guardiãs.

Nada mais se comentou a meu respeito.
A visita foi encerrada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 30, 2012 8:33 pm

De retorno ao hospital, as irmãs a quem seguira, por sinal duas excelentes enfermeiras, não fizeram a mínima referência ao meu sobressalto...

— Não tem trocado ideias com mais ninguém? — objectou Fantini, interessado.
- Apenas durante os banhos, ouço uma que outra companheira.
Em cada uma, encontro a dúvida, pairando...
A maioria supõe que nos vemos defrontados por outra vida...

— Nenhuma delas tem certeza absoluta? — interveio a senhora Serpa.
— Unicamente a senhora Tamburini se mostra plenamente convencida de que não mais nos situamos no domicílio terrestre.

Contou-me que vem frequentando um gabinete de estudos magnéticos, aqui mesmo em nossa organização hospitalar, e sujeitou-se a testes que lhe deram a confirmação de que não está de posse do corpo físico.

Escutei-a com atenção e ela acabou convidando-me para algumas experiências, mas agradeci a gentileza, sem aceitá-la.

- Essas histórias de clarividências e reencarnações não se afinam com a minha fé católica.
— Ah! a senhora é católica? — interrompeu-a Evelina.
— Oh! sim...

— E já que respiramos no clima de grande cidade, não temos aqui sacerdotes?
— Sim, temos.

— Já se entendeu com algum deles?
— Estou convidada para visitar uma igreja e farei isso, logo obtenha permissão.
Devo, porém, dizer-lhe que, segundo informações de boa fonte, os padres são muito diferentes nestas paragens...

— Em que sentido?
— Dizem que são sacerdotes médicos, professores, cientistas e operários e não se restringem aos serviços da fé.
Prestam socorro espiritual, eficiente e positivo, em nome de Jesus.

Fantini observou que o pátio esvaziava.
Todos os doentes se recolhiam.

Alzira, a nova amiga, apalavrou novo encontro para depois, enquanto cumprimentava às despedidas.

Logo após, Ernesto e Evelina regressaram aos aposentos, na expectativa de se reverem no dia seguinte.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 30, 2012 8:34 pm

8 - Encontro de cultura

Ernesto Fantini e a senhora Serpa usufruíam horas e horas de confortadora intimidade no pátio, mantendo interessantes conversações.

Mais de quinze dias haviam transcorrido sobre o primeiro reencontro. Evelina, tanto quanto o amigo, já se familiarizara com os banhos terapêuticos e ambos já haviam entrado em contacto com a senhora Tamburini, que Alzira indicava como sendo a pessoa mais culta de suas relações.

Essa prestimosa criatura lhes hipotecara a promessa de conduzi-los, tão logo possível, ao Instituto de Ciências do Espírito, que funcionava ali mesmo, num dos recantos do grande jardim.

Sem qualquer dúvida, para os dois, as considerações da senhora Tamburini eram, até então, as mais esclarecedoras que tinham ouvido.

No tête-à-tête quase diário, solicitava-lhes maior reflexão em torno da matéria, a escalonar-se em diversos graus de condensação, e mais amplo exame das percepções da mente, a se alterarem, conforme os princípios de relatividade;
noutros lances dos repetidos entendimentos, rogava-lhes estudar neles próprios a extrema leveza de que se viam possuídos, a agilidade do corpo subtil que envergavam agora e a maneira singular em que exprimiam o pensamento, como se as ideias se lhes esguichassem do cérebro, em forma de imagens, acima das suas possibilidades habituais de contenção.

Que se detivessem também a perquirir naquele novo clima de vida as ocorrências telepáticas, a se erigirem, ali, em fenómeno corriqueiro, apesar de não prescindirem da linguagem articulada.

Bastava maior grau de afinidade, entre as pessoas, para que se entendessem harmoniosamente, em derredor dos assuntos mais complexos, com o mínimo de palavras.

Acolhiam satisfeitos as judiciosas apreciações da senhora Tamburini, que aceitava plenamente a convicção de serem criaturas desencarnadas em algum departamento do Mundo Espiritual;
entretanto, não obstante o respeito que lhes mereciam, não logravam admiti-las por verdade inconteste.

Evelina, sentada no chão relvoso, ao pé de Fantini que se acomodava num pequeno escabelo, iniciou o diálogo, avaliando, cismarenta:
— De facto, a cada dia me sinto mais leve, sempre mais leve.

E, com isso, vou perdendo o controle de mim mesma.
Noto que os meus sentimentos sobem do coração para o cérebro, à maneira das águas de um manancial profundo ao jorro da fonte...

Na cabeça, observo que as emoções se transfiguram em pensamentos que me escorrem imediatamente para os lábios em forma de palavras, a partirem de mim, quais as correntes líquidas que se estendem, para além do nascedouro, terra avante...

— Bem lembrado.
Você definiu com precisão meu próprio estado de espírito.
- Mas, escute Ernesto — advertiu a moça, tocando a base de árvore robusta —, que vê aqui?
— Um tronco.

— E ali, no canteiro mais próximo?
— Cravos.

— Seria este o Mundo Espiritual se a matéria e a natureza estão presentes em tudo, segundo as conhecemos?
— Concordo em que para nós dois, que não possuímos estudos claros, com referência às nossas actuais condições, tudo isto aqui é absurdo, alucinante, mas...
— Mas?...

— Sim, nada podemos afiançar, de afogadilho.
— Você está influenciado pelas ideias da Tamburini?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2012 9:17 pm

— Não tanto. Faço minhas próprias ilações.
- Ouça, Ernesto.

Se estamos mortos para os entes que amamos, porque não nos vieram ainda buscar os seres queridos de nossas famílias, aqueles que nos precederam na vida nova?
Nossos avós, por exemplo, e os amigos íntimos que todos vimos morrer?...

— E quem disse a você que eles já não terão vindo?

— Como justificar esta alegação?
— Recorde, Evelina, as lições elementares de casa.
Um televisor capta imagens que não vemos e no-las transmite com absoluta lealdade.

Um rádio-mirim assinala mensagens que não escutamos e no-las entrega com a maior clareza.
É muito provável estejamos sendo vistos e ouvidos, sem que tenhamos, até agora, despertado a faculdade precisa de escutar e enxergar neste plano.

- Ernesto, e as orações?
Se somos Espíritos libertos do chamado corpo carnal, alguém no mundo ter-se-á lembrado de nós em prece...
Sua senhora, sua filha, meus pais, meu esposo...

— Não conhecemos o mecanismo das relações espirituais, nem temos qualquer estudo de ciências da alma.
Quem afirmará que não estaremos ambos sendo sustentados pela força das orações daqueles que amamos ou daqueles outros... que ainda nos amem...

— Que quer dizer?
— Que contas já nos foram apresentadas neste hospital?
A que e a quem devemos os cuidados e gentilezas que nos são dispensados, diariamente?

Não compramos as nossas roupas novas e nem as utilidades que usufruímos...
Você, tanto quanto eu, já endereçamos a alguma enfermeira aquela conhecida pergunta: «quem paga»?

— Já indaguei...
— Qual foi a resposta?
— «Aqueles que vos amam.»

— Quem são esses, no seu modo de ver?
— Em meu caso, meu esposo e meus pais...

— Tenho minhas dúvidas.
De início, supus estivéssemos em recuperação num instituto de saúde mental;
entretanto, cada dia que passa nos surpreende em nível mais alto de consciência, no que diz respeito aos nossos raciocínios.

Se nos demorássemos num hospício, depois de algum colapso nervoso, a nossa restauração não se faria assim tão rápida...

Quebrou-se, porém, o fio da interessante conversação.
A senhora Tamburini abordou-os, à pressa, a fim de avisar que o encontro de cultura espiritual estava marcado para a noite que se avizinhava e urgia se aprestassem.

Munidos do necessário consentimento, ei-los que se dirigem para a organização, às sete da noite, junto da amiga, que os recomenda à estima do mentor em serviço, o Irmão Cláudio.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2012 9:17 pm

Acolhidos com simpatia no recinto, onde se instalavam vinte e três pessoas, notaram a presença de enorme globo que, decerto, se prestaria como ponto de partida para valioso aprendizado.

O orientador principiou a reunião, notificando que a turma estaria em aula dialogada e que não era, ali, senão um companheiro dos demais, com erros, hipóteses, aproximações e acertos, em tudo aquilo que viesse a dizer.

— Qual é o tema, professor? — sindicou senhora distinta.
— “Da existência na Terra.”

Em seguida ao esclarecimento, o director do grupo teceu preciosos comentários, em torno das funções do orbe terrestre na economia cósmica, e prosseguiu:
— Reflictamos, meus amigos.

Quem de nós, na actualidade de nossos conhecimentos incompletos, conseguirá deitar sabedoria, no campo da inteligência, tão-só pelo testemunho das impressões pessoais?

Não ignoramos que a Terra é um gigantesco engenho no Espaço, transportando consigo quase três biliões de pessoas físicas, conduzindo-as pelas vias do Universo, sem que saibamos, ainda, ao certo, em que base de força se dependura, informando-nos únicamente de que semelhante colosso realiza, ao redor do Sol, uma órbita elíptica com a velocidade média de 108.000 quilómetros por hora;

enquanto certas regiões do Planeta se encontram aprumadas perante o zénite, em outras, as criaturas se acham de cabeça para baixo, diante do nadir, sem que ninguém dê por isso;

até ontem, qualquer pessoa asseverava que a matéria densa de uma paisagem se constituía de elementos sólidos em repouso;

hoje, porém, qualquer jovem estudante sabe que essas impressões são imaginárias, de vez que a matéria, em toda parte, se dissolve num misto de eléctrons, prótons, neutrons e deuterons, encerrando-se em energia e luz;

qualquer homem reside num corpo do qual se faz inquilino, respira e atende aos impositivos da nutrição, sem maior esforço de sua parte.

De que maneira dogmatizar afirmativas sobre causas, processos, acrisolamento e finalidade de nossa existência terrestre pelos acanhados recursos dos sentidos comuns?

Estabelecendo-se comprida pausa, aventou um cavalheiro:
— Professor, com estas deduções, o senhor quer dizer...
— Que a vida na Terra deve ser interpretada como um trabalho especial para o espírito.

Cada qual nasce para determinada tarefa, com possibilidades de evolver para outras, sempre mais importantes, e que, por isso mesmo, não será possível arrebatar às criaturas os princípios religiosos de que dispõem, sem prejuízos calamitosos para elas próprias.

A ciência avançará, desvendando segredos do Universo, resolvendo problemas e suscitando desafios novos a sua capacidade de investigação;
no entanto, a fé sustentará o homem nas realizações e provas que é chamado a atravessar.

O Espírito renasce no mundo físico, tantas vezes quantas se façam necessárias para utilizar-se, aperfeiçoar-se, lucificar-se;
e, à medida que se aprimora, vai percebendo que a existência carnal é um ofício ou missão a desempenhar, de que dará ele a conta certa ao término da empreitada.

O explicador revelava tamanha altura cultural, através da exposição em andamento, que raros apartes se fizeram ouvir.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2012 9:18 pm

Sem desviar, por isso, a espinha dorsal da prelecção que pretendia, indubitavelmente, preparar os ouvintes para a aceitação pacífica do novo estado espiritual a que se haviam transferido, comentou:
— Se as leis do Senhor se manifestam claras e magnânimas, em todos os departamentos da experiência física, estaríamos, acaso, desprezados por Deus, quando ultrapassamos as fronteiras da morte?

Referimo-nos, aterrados, ao aniquilamento das vidas humanas, quando as guerras varrem a face do Planeta;
entretanto, que concluir acerca dessas mesmas vidas humanas, a se extinguirem, metodicamente, nas épocas de paz?

Conservar-se-ia o Senhor indiferente aos nossos destinos, em algum lugar do Universo?

Ele, que inspira a graduação do alimento para a criança e para o adulto, relegaria ao abandono a criatura desencarnada, quando a criatura vestida de agentes físicos vive e age numa esfera de acção, na qual os factores de previsão e protecção oferecem, todos os dias, os mais belos espectáculos de grandeza?

Ninguém, ali, penetrava, a fundo, o carácter sibilino daquelas alegações.

Os circunstantes, pelo menos em maioria, não se apercebiam de que estavam sendo adestrados, delicadamente, a fim de admitirem a realidade espiritual, sem barulho.

Surgindo mais ampla quota de silêncio, em virtude de achar-se o professor interessado em averiguar posições geográficas, no globo à vista, Evelina cobrou ânimo e perguntou:
— Irmão Cláudio, todas as pessoas registarão sensações iguais entre si, depois da morte?

— Não. Cada qual de nós é um mundo por si e, em razão disso, cada individualidade, após largar o carro físico, encontrará emoções, lugares, pessoas, afinidades e oportunidades, conforme desempenhou o oficio, ou melhor, os deveres que lhe competiam durante a existência, na Terra.

Ninguém pode conhecer o que não estuda, nem reter qualidades que não adquiriu.

Cláudio entreteceu, ainda, apontamentos ricos de beleza e de lógica e, ao término da brilhante tertúlia, Ernesto e Evelina estavam reconfortados e felizes, ao modo de viajantes, sedentos de valores da alma, depois de se abeberarem numa fonte de luz.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2012 9:18 pm

9 - Irmão Cláudio

Finda a aula e, recomendados pela senhora Tamburini, que não pudera acompanhar a reunião, Fantini e a senhora Serpa se demoraram em companhia do Irmão Cláudio, que os recebeu carinhosamente na intimidade.

Não residia ali, explicou.
O Instituto desdobrava serviços em todo o prédio, ocupando-lhe as dependências.

Ainda assim, que os amigos se sentissem convidados para alguns dedos de prosa, em casa, onde, junto da esposa, teria prazer em recebê-los.

Já que a senhora Tamburini o indicara, como sendo um explicador capaz de prestar-lhes informes, em torno de problemas que reputavam importantes, punha-se-lhes à disposição para atender no que lhe fosse possível, conquanto se reconhecesse inabilitado a satisfazer como desejaria.

Tudo isso era dito, cortesmente, em recinto enluarado, no jardim da instituição, onde pequenos grupos de estudantes se espalhavam, aqui e além.

Ladeando mesa fixa, conversava o trio, animadamente.
Tão grande e tão manifesta a familiaridade em pauta, que nada faria supor estivesse integrando um quadro que não fosse essencialmente terrestre.

Em razão disso, não obstante a fisionomia cismativa de Ernesto, exprimindo incerteza e ansiedade, via-se Evelina senhora de si, absolutamente convencida de que se achava num recanto autêntico do mundo que sempre lhe fora habitual.

— Compreendo que se proponham a saber algo da nova residência — expôs Irmão Cláudio, imperturbável —, porquanto a irmã Celusa Tamburini notificou que estão ambos despertos no hospital, de alguns dias para cá.

— Sim, é bem isso — confirmou Ernesto —, e somos gratos pela atenção que nos dispensa.
— Professor — interveio a senhora Serpa, confiante —, são tantos os comentários absurdos que já ouvimos, em nossos poucos dias de contacto com o novo meio, que, de minha parte, estimaria estar informada se dispomos da liberdade de perguntar ao senhor tudo, tudo o que nos causa espécie.

— Oh! claramente. Indaguem tudo, embora não me veja capaz de a tudo responder.

Convocado a exprimir-se pelo olhar percuciente do amigo, volveu Ernesto à palavra:
— Evelina, quanto me ocorre, tem o espírito dominado por uma questão capital.

Isso lhe parecerá, talvez, uma criancice de doentes mentais, que, às vezes, temos ambos a impressão de ser, mas temos escutado, em circunstâncias diversas, a afirmativa de que somos mortos em recuperação num ambiente que não mais pertence aos homens de carne e osso...

A princípio, rimo-nos francamente, categorizando isso à conta de grossa tolice;
entretanto, as opiniões se avolumam.

A própria senhora Tamburini está certa de que já cruzámos as fronteiras da morte, como quem vara uma noite de sono...
Que nos diz a isso, professor?

Irmão Cláudio esboçou significativa expressão facial, em que a admiração se misturava à piedade e obtemperou, sem cerimónia:
— Estarão vocês em condições de acreditar em minha palavra, se lhes ratificar a notícia de que respiramos em plena Esfera Espiritual?

— Mas, professor... — clamou Evelina, lívida.
— Entendo — certificou ele, sorrindo —, a senhora, muito mais que o nosso irmão Ernesto, opõe firme recusa mental à verdade, à vista de suas convicções religiosas, louváveis mas provisórias, convicções que jazem solidamente estruturadas em seu espírito...

Apesar de tudo, porém, tenho a obrigação de assegurar-lhes que não mais pisamos a Terra que nos era comum e sim um departamento da Vida Espiritual.
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E ela:
— Meu Deus, como pode ser isso?
— Irmã Evelina, trabalhe com a própria mente.
Se não abordássemos a Crosta Planetária pelo regaço materno, com o período da infância, logo após, constrangendo-nos a longos serviços de readaptação, não seria a mesma coisa?

— Mas, a Terra... eu conheço.
— Puro engano. Classificamos a paisagem terrestre e os pertences que lhe dizem respeito, submetidos aos conceitos de quantos estiveram nela antes de nós, ocorrendo análogas circunstâncias no ambiente a que nos acolhemos agora, e onde contamos com geólogos e geógrafos eméritos...

Na realidade, porém, tanto lá quanto aqui, conhecemos, na essência, muito pouco acerca do meio em que vivemos.
Em suma, analisamos e reanalisamos coisas e princípios que já encontrámos feitos...

— Entretanto, no mundo, como entendemos o mundo, guardamos a certeza de permanecer sobre bases de matéria sólida...

— Irmã Evelina, quem lhe disse que não moramos lá, na arena terrestre, detidos igualmente num certo grau da escala de impressão do nosso Espírito eterno?

Qualquer aprendiz de ciência elementar, no Planeta, não desconhece que a chamada matéria densa não é senão a energia radiante condensada.

Em última análise, chegaremos a saber que a matéria é luz coagulada, substância divina, que nos sugere a omnipresença de Deus.

— O senhor quer afirmar mesmo que não estamos agora domiciliados no plano físico? — voltou Fantini a manifestar-se.

— Chame-se a este mundo em que existimos, neste momento, «outra vida», «outro lado», «região extra-física» ou «esfera do Espírito», estamos num centro de actividade tão material quanto aquele em que se movimentam os homens, nossos irmãos ainda encarnados, condicionados ao tipo de impressões que ainda lhes governam, quase que de todo, os recursos sensoriais.

O mundo terrestre é aquilo que o pensamento do homem faz dele.
Aqui, é a mesma coisa. A matéria se resume a energia.

Cá e lá, o que se vê é a projecção temporária de nossas criações mentais...
— Então, morrer?... qual a novidade em torno disso? qual o maior interesse em nos reconhecermos redivivos?

— As incógnitas da vida exterior, com os desafios delas resultantes, são as mesmas;
entretanto, se a criatura aspira efectivamente a realizar uma tomada de contas encontra neste novo mundo surpresas, muito fascinantes, no estudo e redescoberta de si mesma.

Somos, cada um de nós, um astro de inteligência a perquirir e a aperfeiçoar por nós próprios.

Ernesto sustentou o interrogatório
— Todos os mortos estarão em todos os lugares da Terra, em condições idênticas às nossas?

— Impossível.
Revejamos, superficialmente, a Humanidade encarnada em si e perceberemos algo do assunto.

Contamos na Terra, de onde somos egressos, milhões de pessoas sensatas e espiritualmente desequilibradas, sadias e enfermas, instruídas e ignorantes, relativamente sublimadas e outras tantas ainda excessivamente animalizadas, confiantes e descrentes, amadurecidas na evolução ou iniciantes nela.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2012 9:19 pm

Impraticável categorizá-las, depois da morte, segundo um critério exclusivo.
Cada qual estará em seu grupo e cada grupo em sua comunidade ou faixa de afinidades.

Nada fácil padronizar as situações dos Espíritos desencarnados.

Basta recordar que 150.000 pessoas, aproximadamente, por dia, saem da circulação do ambiente físico, na média flutuante de 100 por minuto, largando afectos, realizações, compromissos, problemas...

Ora, todos são filhos de Deus e recebem de Deus atenções e providências, análogas do ponto de vista do amor com que somos envolvidos na Criação, embora diversas nos modos múltiplos em que se exprimem.

Razoável reconhecer que por muito se enfeitem, externamente, com as honras que lhes são prestadas pelos entes queridos, quando se despedem do mundo, os homens, quaisquer que sejam, chegam aqui como são...

Porque hajam desencarnado, o louco não adquire o juízo, de um dia para outro, e nem o ignorante obtém a sabedoria por osmose.

Depois da morte, somos o que fizemos de nós, na realidade interna, e colocamo-nos em lugar compatível com as possibilidades de recuperação ou com as oportunidades de serviço que venhamos a demonstrar.

— Estamos diante de trabalho imenso... — anotou Fantini, espantado.
— Sim, no mundo dos homens, uma criatura não se modifica, de improviso, por haver atravessado o oceano, de um continente para outro...
Acontece o mesmo, nos domínios do espírito.

— Há tempos — sublinhou Ernesto — li mensagens de entidades desencarnadas, merecedoras de crédito, relacionando os sofrimentos e conflitos que experimentaram em regiões inferiores, individualidades, aliás, que me pareceram assenhorear largo património de recursos intelectuais.

— Nada de admirar.
Por imposição de nossas necessidades, nós mesmos estamos residindo em zona dessas, na vizinhança das criaturas encarnadas.

— Refiro-me às regiões tenebrosas ou infelizes, relativamente às quais ouvi tantas dissertações e onde se desarvoram tantos irmãos nossos...

— Fantini, precisamos certificar-nos — clareou o mentor — de que esses lugares não são infelizes, de vez que infortunados são os irmãos que os povoam...
Os jardins e pomares que enriqueçam um manicómio deixarão de ser jardins e pomares porque existam enfermos a desfrutar-lhes as emanações nutrientes?

— ?
— Pois é, meu caro, as áreas do espaço, às vezes enormes, ocupadas por legiões de criaturas padecentes ou desequilibradas, estão circunscritas e policiadas, por maiores que sejam, funcionando à maneira dos sítios terrestres, utilizados por grandes instituições para a recuperação dos enfermos da mente.

Você não ignora que existem doentes da alma, consumindo larga faixa da existência nos hospícios acolhedores da Terra.

Isso acontece aqui também.
Ladeando o nosso vilarejo, temos vasto território, empregado no asilo a irmãos desajustados, aos milhares, mantidos e vigiados por muitas organizações de beneficência, que trabalham no socorro fraternal.

Evelina, que não acreditava no que ouvia, objurgou, insatisfeita:
— Mas... se nos achamos num plano espiritual, que dizer das construções sólidas, vinculadas à arquitectura terrestre, com que somos defrontados?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2012 9:19 pm

— Nenhum espanto, quando ponderarmos que os edifícios no mundo dos homens nascem do pensamento que os esculpe e da matéria que obedece aos projectos elaborados.

Aqui verificamos o mesmo processo, diferindo apenas as condições da matéria, que se evidencia mais intensivamente maleável à influência da ideia dominante.

Reflictamos no progresso da indústria de plásticos, na actualidade do plano físico de onde viemos e perceberemos, com mais segurança, as possibilidades imensas para as edificações delicadas e complexas em nosso domicílio de agora.

Naturalmente, também aqui estamos subordinados ainda às técnicas, às vocações, às competências pessoais e às criações estilísticas, no círculo das conquistas espirituais de cada um.

O arquitecto que planeia uma casa e o obreiro que lhe cumpre as ordens, não servirão, de imediato, em lugar do director da manufactura de tecidos e do operário que lhe atende as determinações.

Ainda aqui, o escritor não faz a obra do músico, em acção de improviso.
Somos criaturas em evolução, sem havermos atingido ainda a posição dos génios polimorfos, apesar de esses génios existirem igualmente aqui.

A senhora Serpa não conseguia ocultar a incredulidade.
— Tudo parece inverosímil — asseverou.

— Nada se nos afigura mais inverosímil que a verdade — objectou Irmão Cláudio —;
no entanto, porque prefiramos, por muito tempo, a ilusão em lugar dela, a realidade não deixa de ser o que é.

O professor discorreu, ainda, por dilatados minutos, referentemente à vida e às condições da estância em que se demoravam, mas, por fim, Evelina se viu entontecida, fatigada, provisóriamente inabilitada a mais amplas ilações, e, moça de fé profunda, valeu-se de um intervalo na conversação, procurando saber:
— Irmão Cláudio, não posso duvidar de suas afirmações, embora me custe a crer que estamos na posição de pessoas desencarnadas, conforme as suas expressões.

Esteja certo de que não desejo perder, de modo algum, a sua orientação;
contudo, gostaria de tomar contacto com um sacerdote, um padre católico, por exemplo...

Ficaria feliz se pudesse entregar-me à prática da confissão, permutar ideias livremente com um director da fé que me formou o carácter, sem qualquer constrangimento da vida social...

O amigo bondoso sorriu compreensivo e esclareceu:
— A Igreja aqui está positivamente renovada, posto que possamos encontrar representantes de todas as religiões terrestres, aferrados a dogmas, concepções estreitas, preconceitos e tiranias diversas do fanatismo, nas áreas vizinhas em que se congregam milhares e milhares de inteligências rebeldes e perturbadas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2012 9:19 pm

Aqui, própriamente, os sacerdotes não a ouviriam em confissão de natureza religiosa.
Enviá-la-iam a um dos nossos institutos de psiquiatria protectora, em que a irmã pode e deve ter a sua ficha para receber a assistência necessária...

— Para tratamento? — aparteou Fantini.
— Tratamento e auxílio.

Uma carteira de identificação para serviços de amparo e análise, numa casa de supervisão espiritual das que me refiro, é valioso documento para que não estejamos aqui, nos primeiros tempos de adaptação, num lugar intermediário entre planos inferiores e superiores, sem a assistência justa.

É indispensável nos poupemos, tanto quanto possível, a dissabores desnecessários.

— Oh! — exclamou Ernesto, entusiasmado —, esse tipo de confissão me interessa... Se estamos mortos...
— O seu se — obtemperou o mentor bem-humorado — demonstra que você e Evelina me consideram um contador de histórias inverídicas...

Vocês ambos estão desencarnados com raízes pregadas no chão da Terra;
todavia, isto é natural. Aguardemos o tempo.

Em meio de puras vibrações de confiança e simpatia, a senhora Serpa e o amigo solicitaram o apoio do mentor, a fim de que pudessem realizar contactos com alguma das instituições psiquiátricas da cidade, ficando estabelecido que atenderiam a isso, tão logo a administração do hospital o consentisse.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2012 9:19 pm

10 - Evelina Serpa

Devidamente credenciados, Evelina e Ernesto, após ligeiro trajecto pelas ruas da cidade que se lhes figurou encantadora, alcançaram o Instituto de Protecção Espiritual.

Acolhidos carinhosamente pelo Instrutor Ribas, dedicado à clínica psiquiátrica, no departamento assistencial que lhe dizia respeito, sentiam-se tão à vontade, do ponto de vista do habitual, como se estivessem visitando moderno consultório terrestre.

Em tudo, simplicidade, conforto, segurança.
Atendentes à vista. Fichários.
Aparelhos diversos para registo do pensamento.

Depois das apresentações, o instrutor médico entrou no assunto:
— Estamos informados de que se ficharão aqui em nosso gabinete e podemos começar por nossa irmã.

Ato contínuo, acenou para um funcionário a quem nomeou por Irmão Telmo, e, obedecido pelo auxiliar, designou Ernesto a ele, anunciando:
— Ficarão juntos, enquanto ouço a irmã Evelina...

E para Fantini, bem impressionado:
— Nada tema. Toda conversação em nosso Instituto está subordinada ao encorajamento e à saúde.

Nada de pensamentos negativos.
Tão logo termine o entendimento inicial com a nossa amiga, teremos nosso encontro.

Revestia-se aquele quadro íntimo de tamanha espontaneidade, que os dois recém-chegados não conseguiram atinar com a verdadeira situação.

Estariam no Mundo Espiritual ou na Terra mesmo, na Terra que lhes era familiar, em algum sítio desconhecido, onde se lhes falava do espírito libertado com alguma finalidade terapêutica? — pensavam os dois.

E chegavam quase a admitir que talvez tivessem estado loucos, achando-se agora em recuperação.

Acalentando semelhantes dúvidas, Evelina acompanhou, docilmente, o médico, e, chegados a uma sala, mobilada com distinção e singeleza, assentou-se na poltrona que ele lhe indicou, explicando, atencioso:
— Esteja tranquila. Nosso Instituto se consagra à protecção e ao tratamento de seus tutelados.

Primeiro, a cobertura socorrista, depois, o reajustamento, se necessário.
Em razão disso, teremos tão-só um entendimento fraternal.

Nada de cerimónias. Conversaremos simplesmente e todos os seus informes serão gravados para estudos posteriores.

A bem dizer, funciono aqui quase que apenas na condição de introdutor dos clientes, de vez que os nossos analisados possuem vasta colecção de amigos na retaguarda, amigos que lhes examinarão as palavras e reacções, de modo a saber em que sentido e até que ponto lhes prestarão o auxílio de que se mostrem carecedores.

Diante de Evelina admirada, a um gesto do mentor grande espelho se fez visível, junto à poltrona, dando a ideia de que a peça fora ligada ao sistema eléctrico, por disposições especiais.

— Nossa palestra será filmada.
Simples recurso para que os seus contactos com a nossa casa sejam seguidos com segurança, no capítulo da assistência de que não prescindirá em seus primeiros tempos de vida espiritual.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jul 01, 2012 9:20 pm

Tranquilize-se, compreendendo, porém, que todas as suas perguntas e respostas se revestem da maior importância para seu benefício.

Por suas indagações, a autoridade do Instituto identificará a sua posição no conhecimento e, por suas respostas, saberá o montante de suas necessidades.

Conversemos.
Perante aquele olhar, brando e enérgico ao mesmo tempo, reconheceu-se Evelina qual criança de letras primárias, ante examinador experiente, e, concluindo que não lhe seria licito recusar a prova, perguntou com respeitosa coragem:
Instrutor Ribas, conquanto o senhor tenha feito referências a meus «primeiros tempos de vida espiritual», é verdade que somos Espíritos desencarnados, pessoas que não mais habitam a Terra?

— Perfeitamente, embora a irmã não consiga ainda certificar-se disso.
— Porque semelhante inadaptação?

— Falta de preparo na vida física.
De modo geral, a sua posição de surpresa é comum à maioria das criaturas terrestres, em virtude da ausência de integração real com as experiências religiosas a que se afeiçoam.

— Se estamos efectivamente mortos, acredita o senhor que eu, na condição de católica, devo apresentar ou deveria apresentar um índice mais completo de comunhão com a verdade espiritual que não estou conseguindo entender?
— Claramente.

— Como assim?
— Se a irmã, durante a sua existência no corpo denso, pensasse firmemente nos ensinos de Jesus, o Divino Mestre que se reergueu do túmulo para a demonstração da vida eterna, se meditasse na essência dos ofícios religiosos de sua fé, todos eles dirigidos a Deus e, depois de Deus, aos mortos sublimes, como sejam Nosso Senhor Jesus-Cristo, sua Augusta Mãe e aos Espíritos heróicos que veneramos por santos da vida cristã, decerto não experimentaria o assombro que, até agora, lhe insensibiliza os centros de força, apesar da elevação e da delicadeza de suas aspirações.

Viu-se Evelina, de repente, transportada pelas molas mágicas da imaginação, ao seu velho templo religioso...
Recordou as preces, os cânticos, as novenas e os rituais litúrgicos de que partilhara, como se únicamente ali, naquele gabinete de análise espiritual, pudesse penetrar-lhes o sentido.

Como não se inclinara a interpretá-los, antes, por invocações ao Mundo Espiritual?
como não lhes percebera, até aquela hora, a função de canais de comunicação com as Forças Divinas?...

Em pensamento, aspirava a rever-se em São Paulo, caminhar para o recinto de sua devoção religiosa e saudar na própria crença o ponto mais alto da vida, aquele, através do qual, lograva entregar-se à protecção do Todo-Misericordioso, com as suas dores e alegrias, aflições e ânsias mais íntimas...

Lembrou-se de Jesus, fosse nas esculturas ou nos painéis, nas pregações e conversações, como sendo um Espírito Divino a bater-lhe, debalde, às portas do coração, tentando ensinar-lhe a viver e a compreender...

E, ao reflectir no Mestre de paciência infinita, a cuja magnanimidade recorria em todas as dificuldades e tribulações, sem se dar ao trabalho de perquirir-lhe as lições e acompanhar-lhe os exemplos, entrou em crise de lágrimas, qual se a fé cristã, excelsa e piedosa, se lhe transfigurasse em juiz nos recessos da alma, exprobrando-lhe o comportamento.

— Oh! meu Deus!... — inferia em pranto — porque precisei morrer para compreender? porquê, Senhor? porquê?...

Ali comparecia para retratar-se moralmente, falar de si própria, prestar contas;
entretanto, que trazia na própria bagagem senão o vazio de uma existência que lhe parecia então inútil?
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2012 8:54 pm

Tinha a ideia de que as trancas mentais que a isolavam das realidades eternas se haviam rompido, de chofre, na leveza de pensamento que passara a desfrutar, e aquele Jesus que adorara por fora lhe ganhava agora a intimidade do coração e lhe perguntava com infinita doçura:
«Evelina, que fizeste de mim?»

A senhora Serpa, algo descontrolada, chorou convulsivamente diante do Instrutor que a seguia, paternal.

O generoso amigo deixou que ela mesma estancasse a fonte das lágrimas e, ao vê-la asserenar-se, falou, comovido:
— A depressão momentânea lhe faz bem.
A dor moral nos mede a noção de responsabilidade.
Seu sofrimento de espírito, ao recordar-se do Senhor Jesus, evidencia a sua confiança nele.

Em tom mais afectuoso, o Instrutor imprimiu novos rumos à análise em andamento, participando à jovem senhora que, praticamente, a sua ficha de identificação estava pronta, de vez que, antes de sua vinda, o estabelecimento de saúde, através do qual ingressara na cidade, fora consultado sobre a sua procedência e filiação na Terra.

Ainda assim, acrescentou:
— O seu depoimento aqui, porém, será valioso, porquanto, de posse dele, estaremos mais amplamente informados quanto à nossa tarefa de auxílio.

— Posso saber que auxílio será esse?
— Sim, por seus apontamentos, ser-nos-á possível aquilatar o tipo de amparo que lhe será ministrado.

— Entretanto, Instrutor, não serei conhecida no Mundo Espiritual?
não temos, acaso, todos nós, guardiães na existência terrestre?

— Perfeitamente.
E todos aqueles que nos conhecem possuem determinada versão de nossas experiências para uso deles próprios.

Em nossos estudos, todavia, a sua versão pessoal é muito importante, considerando-se que as suas anotações autobiográficas se lhe jorrarão da própria consciência.

Há que promovermos um auto-encontro, no plano das realidades da alma, para o balanço preciso de nossas necessidades imediatas.

Certamente, em outros lugares, a irmã comparecerá nas citações de muitos companheiros, retratada nas impressões que lhes terá causado;
no entanto, em nosso instituto, recolheremos a sua projecção individual, intransferível.

Logo após, ante a expectação da cliente espantada, o benfeitor solicitou-lhe rememorasse, de viva voz, alguns traços da própria história, a começar das reminiscências mais antigas.

Que evitasse um relatório exaustivo e sim procurasse sumariar notícias e lembranças, tanto quanto possível.

A senhora Serpa narrou, humilde:
— Minhas memórias principiam, confusamente, ao perder meu pai.

Era uma criança tenra, quando escutei os gritos de minha mãe, agarrando-se a mim, a dizer-me que eu estava órfã...
Pouco tempo decorrido, minha mãe deu-me um padrasto bom e amigo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2012 8:54 pm

Realizado o segundo matrimónio, ela e meu segundo pai resolveram abandonar a região em que morávamos, decerto no intuito de fugir a recordações indesejáveis.
Apesar da ternura do homem que passara a chefiar nossa casa, sentia falta instintiva de meu pai;
entretanto, a respeito dele, as notícias foram para mim sempre escassas.

Acerca do seu falecimento, nada mais pude colher de minha mãe, em matéria de esclarecimento, senão que ele morrera de modo repentino, quando se achava num passeio...

Mais crescida, compreendi que ela reprimia comentários, em torno do pretérito, esquivando-se a conflitos possíveis com o marido que, seja dito em louvor da verdade, lhe dedica, até hoje, enternecido afecto.

Aos doze anos de idade, fui internada num educandário católico, no qual me diplomei para o magistério, sem exercê-lo em tempo algum, porque, desde o baile de formatura, me vi requestada por dois rapazes, ao mesmo tempo, Túlio Mancini e Caio Serpa.

Confesso que, muito moça e muito irresponsável ainda, deixei que o meu coração balançasse, entre os dois, prometendo fidelidade a ambos, simultâneamente.

Quando admiti minha escolha definitiva na pessoa de Caio, que veio a ser meu esposo, Túlio tentou o suicídio e, ao vê-lo salvo, pensei no sacrifício a que se dera por minha causa e, de novo, me inclinei para ele...

Quando me dispunha a requisitar de meu noivo a exoneração de qualquer compromisso, Túlio matou-se com um tiro no coração...
Depois da terrível ocorrência, casei-me...
Caio e eu fomos felizes, por alguns meses, até que vimos frustrado o anseio de possuir um filhinho...

Abortei, logo ao engravidar-me.
Em seguida, caí em deperecimento orgânico progressivo.

Talvez em virtude da enfermidade que me acometeu sem pausa, Caio procurou nova companheira, uma jovem solteira, com quem passou a conviver, simulando vida conjugal na cidade grande...

A vexatória situação em que me achei passou a me arrasar.

As humilhações incessantes a que me vi exposta, dentro de casa, amargaram-me a existência... desde então, nada mais tenho a confessar senão sofrimento moral e desânimo de viver, com a enfermidade de que me vejo em tratamento até hoje...

O Instrutor fitou-a, comovido, e perguntou:
— A irmã chegou a desculpar o esposo infiel e a compadecer-se da rival?

A senhora Serpa reflectiu alguns momentos e inter-calou com amargura:
— De modo nenhum.
Estou numa confissão em que tomo a Jesus por minha testemunha e não posso mentir.

Nunca pude perdoar a meu marido pela deslealdade com que me afronta e nem tolerar a presença da outra em nosso caminho.

O benfeitor, longe de alterar-se, interpôs, afectuoso:
— Compreendemos os seus sentimentos humanos e podemos encerrar a sessão de hoje.

A irmã tem problemas difíceis a enfrentar e o nosso Instituto verificará até que ponto conseguirá propiciar-lhe a devida cobertura.

Permaneceremos em contacto e prosseguiremos conversando em futuras reuniões.

Evelina retirou-se, sendo substituída por Fantini cujo exame ia começar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2012 8:54 pm

11 - Ernesto Fantini

Chegada a vez de Ernesto, que tomou a poltrona de analisando algo desconcertado, o Instrutor formulou as explicações anteriores, solicitou-lhe articular perguntas e acendeu o espelho de gravação.

Fantini, um tanto mais à vontade, iniciou o interrogatório:
— Posso falar, como se estivesse realmente morto, como me fazem crer?

O mentor sorriu, ao escutar aquela frase de materialista inteligente, e abjugou sem aspereza:
— Fale tudo o que deseje, na convicção de que a teoria do corpo se está longe agora de nós.

Estamos efectivamente desencarnados, encontrando a nós mesmos...

— Instrutor, se deixei meu corpo na Terra, sem lembrar-me disso, não é o caso de ter voltado ao ambiente natural do Espírito, com a obrigação de retomar a memória do tempo em que vivia, na condição de Espírito livre, antes de envergar, entre os homens, o corpo de que me desfiz?
Porque motivo isso não acontece?

— A existência no carro físico, além de ser um estágio para aprendizagem ou cura, resgate ou tarefa específica, é igualmente um longo mergulho no condicionamento magnético, em que agimos, no mundo, induzidos ao que nos cabe fazer, O livre arbítrio, na esfera da consciência, permanece vivo e intocado, porquanto, em quaisquer posições, a criatura encarnada é independente para escolher os próprios rumos;
no entanto, as demais potências da alma, no período da encarnação, jazem orientadas na direcção desse ou daquele trabalho, segundo os propósitos que tenha assumido ou que tenha sido constrangida a assumir.

Isso determina o obscurecimento das memórias pregressas que, aliás, não é senão uni fenómeno temporário, mais ou menos curto ou longo, conforme o grau de evolução que tenhamos atingido.

— Teríamos sofrido, enquanto no plano físico, uma dilatada hipnose?

— Até certo ponto, sim.
A passagem pelo claustro materno, o novo nome escolhido pelos familiares, os sete anos de semi-inconsciência no ambiente fluídico dos pais, a recapitulação da meninice, o retorno à juventude e os problemas da madureza, com as responsabilidades e compromissos consequentes, estruturam em nós — a individualidade eterna — uma personalidade nova que incorporamos ao nosso património de experiências.

É compreensível que no espaço de tempo, que se nos sucede, imediatamente à desencarnação, a memória profunda esteja ainda herméticamente trancada nos porões do ser.

Isso, porém, é francamente transitório.
Gradativamente, reaveremos o domínio de nossas reminiscências...

— O senhor quer explicar que, nesta cidade, sou ainda Ernesto Fantini, a personalidade humana com o nome que me foi imposto na existência que deixei, largando o estudo de minhas memórias anteriores para depois?

— Perfeitamente. Cada um de nós permanece aqui, em núcleos de trabalho e renovação, na vizinhança do plano físico, sob a mesma ficha de identificação, através da qual éramos conhecidos nela.

Até que nos promovamos por merecimento próprio a círculos mais altos de sublimação, quedar-nos-emos entre a Espiritualidade Superior e o Estágio Físico, operando no aperfeiçoamento pessoal, da internação no berço à liberação para a vida espiritual e regressando da liberdade na vida espiritual a nova segregação no berço. Entendeu?
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2012 8:55 pm

— Aqui somos então examinados pelo que fomos, nas acções praticadas, no tempo de retaguarda mais próximo de nós...
— Isto.

— Somos como éramos, na ficha individual, até...
— Até que as circunstâncias nos indiquem nova imersão no corpo carnal, como recurso inevitável aos objectivos de burilamento a que todos visamos, nas lides da vida eterna.

— Somos quais éramos, em tudo, até mesmo na sinalização morfológica?
— Não tanto. Quaisquer sinais morfológicos se modificam na pauta das ordenações mentais.

Isso ocorre, habitualmente, na própria Terra dos Homens, quando a ciência, sem maiores dificuldades, modifica os implementos da máquina genésica da criatura, de acordo com os impulsos psicológicos que a criatura apresente, harmonizando o binómio corpo-alma.

Além disso, não nos será lícito esquecer os serviços multiformes da plástica cirúrgica, que consegue efectuar prodígios no envoltório carnal das pessoas, quando essas pessoas mereçam as melhoras com que a ciência terrestre lhes acena, generosa e optimista.

Fantini se mostrava agradavelmente surpreendido pela destreza mental com que o Instrutor sabia colocar-lhe os esclarecimentos precisos na cabeça faminta de luz.

— Caro amigo — tornou ele à inquirição.
Embora o assunto de que vou tratar já tenha sido objecto de consideração na palestra que mantive com o Irmão Cláudio, estimaria recolher-lhe os avisos no mesmo tema...

Acontece que ouvi falar de mortos, e de mortos cultos, que atravessaram anos e anos atormentados em zonas inferiores, antes de reconquistarem lucidez e tranquilidade;
porque não me ocorreu isso, se estou efectivamente desencarnado e se sou um homem consciente das culpas que carrega?

— O estado de tribulação a que se refere é pertinente ao espírito e não ao lugar.
Muitos de nós, os desencarnados, suportamos tempos difíceis, em paisagens determinadas que nos reflectem as próprias perturbações íntimas.

Essa anomalia pode perdurar por muito tempo, de conformidade com as nossas inclinações e esforço indispensável para que nos aceitemos, imperfeitos como ainda somos, conquanto não ignoremos a necessidade de burilamento que as leis da vida nos estabelecem.

Somos, por agora, consciências endividadas ou expoentes de evolução deficitária, ante a Vida Maior, carregando o dever de podar os nossos defeitos em trabalho digno e incessante.

Enquanto estejamos em desequilíbrio, após a desencarnação, desequilíbrio que é sempre agravado pela nossa inconformidade ou rebeldia, orgulho ou desespero, ameaçando a segurança dos outros, permaneceremos compreensivelmente internados ou segregados em faixas de espaço, junto de quantos evidenciem perturbações ou conflitos semelhantes aos nossos, à maneira de doentes mentais, afastados do convívio doméstico para tratamento justo.

— Então, as ideias do castigo de Deus...

— Razoável que as abracemos, até que aprendamos que a Divina Providência nos governa através de leis sábias e imparciais.

Cada um de nós pune a si mesmo, nos artigos dos Estatutos Excelsos que haja infringido.
A Justiça Eterna funciona no foro íntimo de cada criatura, determinando que a responsabilidade seja graduada no tamanho do conhecimento...
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Série André Luiz - E A VIDA CONTINUA... - Página 2 Empty Re: Série André Luiz - E A VIDA CONTINUA...

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2012 8:55 pm

— Instrutor Ribas, como definir, desse modo, o inferno engenhado pelas religiões no Planeta?

— Reportemo-nos a isso com o respeito que o assunto nos reclama, porque para milhões de almas o desconforto mental a que se entregam, ao lado de outras nas mesmas condições, é perfeitamente comparável ao sofrimento do inferno teológico, imaginado pelas crenças humanas.

A rigor, porém, e atentos à realidade de que Deus jamais nos abandona, o inferno deve ser interpretado na categoria de hospício, onde amargamos as consequências de faltas, no fundo, cometidas contra nós mesmos.

Fácil perceber que a área de espaço em que nos demoremos nessa desoladora situação venha a retratar os quadros mentais infelizes que criamos e projectamos, ao redor de nós.

— Ouso aprofundar-me em tantas inquirições, por achar-me convencido de que, positivamente, não mereço a generosidade com que me acolhem...

Tenho desfrutado aqui uma tranquilidade que não esperava, porquanto transporto comigo doloroso problema de consciência...

— Uma das funções de nosso Instituto é precisamente apoiar os irmãos desencarnados que surgem aqui, sem qualquer prejuízo na própria integridade moral, mas carreando consigo complexos de culpa, susceptíveis de arrojá-los em alterações de maior vulto. O socorro de nossa casa faz-se tanto mais eficaz quanto mais força de fé patenteie a criatura na possibilidade de superação das fraquezas que nos são peculiares.

A sua estrutura psicológica imunizou-o contra os delírios de muita gente boa e digna que, às vezes, se obriga a muito tempo nas aflições purgativas dos grandes manicómios a que nos referimos, sanando os desequilíbrios a que se despenham, em muitos casos por haverem dado orientação falsa ao amor de que se nutriam.

Entregou-se Ribas a ligeira pausa, sorriu e alegou:
— Ainda assim, apesar do seu índice admirável de resistência, o irmão não está seguro contra os resultados de seus próprios actos e deve aprestar-se a fim de ser defrontado por eles.

— Esclareça-me, por favor.
— Queremos dizer que você necessita revestir-se de calma para comparecer diante daqueles que deixou no mundo, de modo a compreender-se e compreendê-los...

Na esfera física, muitas vezes ouvimos a afirmativa de que é preciso coragem para ver os mortos e ouvi-los!...

A situação aqui não é diferente, em relação aos chamados vivos.
De maneira geral, todos nós, imediatamente depois da desencarnação, somos levados a cursos preparatórios de entendimento, para ganhar o ânimo indispensável, a fim de rever os vivos e escutá-los de novo, sem danos para eles e para nós...

Os olhos de Ernesto fizeram-se esbugalhados nas órbitas ao assinalar aquelas advertências.

Lágrimas grossas deslizaram-lhe na face, enquanto que, como se sofresse a pressão de molas invisíveis, constrangendo-o a lançar para fora de si as ideias de culpa, que remoía nos recessos da alma, ajoelhou-se à frente do benfeitor, qual criança atemorizada e gritou:
— Instrutor, segundo creio, meu delito é um só;
entretanto, é suficiente para criar muitos infernos em meu espírito.

Matei um amigo, há mais de vinte anos, e nunca mais tive paz...
Sabia-o no encalço de minha esposa com intenções menos dignas, a espreitar-lhe os passos e atitudes...

Via-o sondar minha casa, em minha ausência...
Algumas vezes, registei frases inconvenientes da parte dele para com aquela que me partilhava o nome...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2012 8:55 pm

Um dia, tive a impressão de surpreender nos olhos da companheira certa inclinação afectiva para com o inimigo de minha tranquilidade e, muito antes que minhas suposições se confirmassem, aproveitei o momento que se me figurou oportuno e alvejei-o durante uma caçada a codorniz...

Atirei para acertar e, satisfeito o meu intento, ocultei-me na folhagem, até que o outro companheiro, pois éramos três homens no entretenimento, deu alarme ao esbarrar com o cadáver...

A vítima, porém, caíra ao solo em condições tais que a versão de um acidente assenhoreou a convicção de todos os circunstantes...

Aterrado perante o meu crime, qual me achava, aceitei, aliviado, a falsa interpretação...

Jamais, no entanto, recuperei o sossego íntimo...
Ele, o homem que eliminei, era casado, tanto quanto eu mesmo, e não mais tive coragem de procurar-lhe a família, que, para logo, abandonou a região do terrível acontecido, sequiosa de esquecimento...

Esse esquecimento, contudo, não veio para mim...
A morte que provoquei, como que me trouxe o temido desafecto para dentro de casa...

Desde a ocorrência dolorosa, passei a sentir-lhe a presença no lar, à feição de sombra invariável que me ironiza e me insulta sem que os outros percebam...

Em meu círculo doméstico, reconheço-me algemado a ele, como se o infeliz estivesse mais vivo e mais forte, a cada dia...

Rara a noite em que não lutava com ele em sonho, antes da cirurgia que motivou minha vinda para cá...
Então, acordava, como se houvéssemos travado um duelo mortal, para continuar a vê-lo, com os olhos da imaginação, compartilhando-me a vida quotidiana!...

Oh! Instrutor Ribas! Instrutor Ribas!...
Diga-me, por Deus, se há remédio para mim!...

Esperava encontrar, depois da morte, um lugar de punição onde as potências infernais cobrassem de mim a falta que ocultei à justiça da Terra;
entretanto, estou usufruindo uma protecção exterior que me agrava o tormento íntimo!...

Oh!.. meu amigo, meu amigo, que será então de mim, que não mais consigo suportar a mim mesmo?
Assim dizendo, Fantini abraçou-se ao mentor, soluçando qual menino desamparado, suplicando refúgio.

O Instrutor acolheu-o no regaço paternal e consolou-o:
— Serena-te, meu filho!...

Somos espíritos eternos e Deus, nosso Pai, não nos deixará sem arrimo.
Os olhos de Ribas mostravam lágrimas que não chegavam a cair.

Dir-se-ia que ele, o competente orientador, conhecia por si semelhante martírio da consciência, porque, longe de repreender, afagou-lhe a cabeça fatigada, que se lhe abrigara sobre os joelhos, e rematou simplesmente:
— A justiça de Deus não vem sem apoio na misericórdia. Confiemos!.

E sem maior delonga, o amigo espiritual ergueu-se, sensibilizado, apagou o espelho de serviço e encerrou a sessão.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2012 8:56 pm

12 - Julgamento e amor

Transcorridas algumas semanas, Ernesto e Evelina achavam-se menos bisonhos no ambiente.

Conquanto as afeições que prosseguiam entesourando, sentiam-se cada vez mais vinculados um ao outro.

Sensivelmente melhorados, demoravam-se ainda no hospital, mas domiciliados em pavilhões de convalescentes, cada qual no departamento próprio, de vez que as referidas construções abrigavam homens e mulheres, em vasta agremiação de lares-apartamentos para uso individual.

Desfrutavam a devida permissão para se movimentarem na cidade, como quisessem, apenas com a observação de que somente lhes seria lícito visitar os arredores, onde se acomodavam milhares de Espíritos infelizes, com assistência adequada.

Efectivamente os dois começavam a experimentar necessidade de serviço disciplinado e regular, mas, se pediam trabalho ou qualquer actividade no antigo lar terrestre que ainda não haviam logrado rever, as respostas da autoridade competente eram ainda invariáveis.

Que aguardassem mais tempo, que seria justo atender à imprescindível preparação.

À vista disso, frequentavam bibliotecas, jardins, instituições e entretenimentos diversos, figurando-se-lhes a vida, ali, uma fase longa de repouso mental em tranquila colónia de férias.

Chegara porém, o dia em que Evelina realizaria um dos seus maiores anelos naquele ninho de bênçãos.

Fantini prometera conduzi-la, com o preciso consentimento dos benfeitores, a um templo religioso para assistirem ao ofício da noite que se constituiria de uma pregação sob o título Julgamento e Amor», préviamente anunciada.

Ambos ardiam em curiosidade, porquanto ansiavam conhecer de perto como se processavam as criações religiosas, naquele mundo para eles extremamente belo e novo.

À noitinha, puseram-se em marcha.
A senhora Serpa recordava em caminho as visitas de outro tempo ao santuário de sua fé e albergava no coração as mais doces reminiscências...

Sensibilizada, monologava intimamente:
«como perdera o convívio dos entes mais caros e porque se apoiava, ali, no braço de um homem que vira na Terra tão-somente uma vez?»

Em torno, o vento brando carreava o perfume de jardins e praças em flor.
A Lua, a erguer-se do horizonte, era o mesmo espectáculo de majestade e beleza a que se acostumara no mundo...

De quando em quando, permutava com Fantini uma que outra frase, observando que outros ranchos simpáticos caminhavam na mesma direcção.

Transcorridos alguns minutos de alegre peregrinar, ei-los diante do templo que primava pela simplicidade, figurando-se enorme pombal edificado com franjas de neve translúcida, defendido, aqui e ali, por densas faixas de arvoredo.

No interior, tudo espontaneidade e harmonia.
A fila extensa de bancos deixava ver o púlpito à frente, que assumia a feição de enorme liliácea, esculpida em mármore alvíssimo.

Na parede muito branca, diante da assistência, sob as legendas “Templo da Nova Revelação”, “Casa Consagrada ao Culto de Nosso Senhor Jesus-Cristo», ao invés de quaisquer símbolos ou esculturas, jazia apenas uma tela, recordando o semblante presumível do Divino Mestre, cujos olhos na excelsa pintura pareciam falar de vida e omnipresença.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2012 8:56 pm

Sentada com Fantini, lado a lado, a senhora Serpa fitou os rostos, serenos uns e ansiosos outros, que os cercavam em profundo silêncio, e mergulhou o coração em prece muda.

Em dado instante, qual se se materializasse inesperadamente na tribuna ou até ali fosse ter, através de porta oculta à observação do auditório, um homem, envergando túnica lírial, surgiu e saudou a assembleia, reverente.

Logo após, dirigiu-se para o Alto e, em oração comovedora, rogou as bênçãos de Jesus para os ouvintes expectantes.

De seguida, aproximou-se de grande exemplar do Novo Testamento, aberto sobre delicado porta-livros e leu os versículos números 1 a 4, do capítulo sete do Evangelho do Apóstolo Mateus:

«Não julgueis para não serdes julgados, pois, com o critério com que julgardes, sereis julgados;
e, com a medida com que tiverdes medido, vos medirão também.


Porque vês tu o argueiro no olho de teu irmão, sem notares, porém, a trave que está no teu próprio?
Ou, como dirás a teu irmão:
«deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu?»

Terminada a leitura, deteve-se o ministro em dilatada concentração, qual se buscasse inspiração nas profundezas da própria alma.

Ernesto e Evelina, porém, viram surpresos, que, ao revés, o pensamento dele se exteriorizava, em forma de larga auréola de luz, que se lhe alteava da cabeça, à maneira de chama, elevando-se cada vez mais...

A curto espaço de segundos, clarões jorravam de cima, lembrando as chamadas línguas de fogo do dia de Pentecostes, e o sacerdote simpático iniciou a pregação de que respigaremos apenas alguns trechos que lhe definem a textura de sabedoria e beleza:
— Irmãos, até ontem éramos parte integrante da colectividade humana — a nossa bendita família da retaguarda — e acreditávamos no poder de julgar-nos uns aos outros.

Encastelados nas ideias religiosas que supúnhamos escravizar a serviço de nossas paixões, imaginávamos adversários e transviados quantos não pensassem por nossos princípios.~

Interpretávamos os ensinamentos de Nosso Senhor Jesus-Cristo, conforme o nosso arbítrio, exigindo que o Senhor da Vida se nos fizesse rebaixado servidor, na estrada sombria e tortuosa que não nos cansávamos de palmilhar;
entretanto, despojados hoje do corpo de matéria mais densa que nos acalentava as ilusões, aprendemos que todos somos consciências deficitárias perante a Lei.
E compreendemos agora, para felicidade nossa, que apenas o Senhor dispõe de recursos para avaliar-nos consideradamente, porque, em verdade, ser-nos-á possível tão-somente examinar a nós próprios.

O que tenhamos sido no imo do sentimento, enquanto na existência do corpo terrestre, somos aqui.

Neste pouso de luz que o Senhor nos faculta por moradia temporária, percebemos, sem qualquer constrangimento de ordem exterior, que todos os apetrechos mantedores das aparências que nos disfarçavam no mundo, para o desempenho do papel que nos cabia na ribalta humana, nos foram retirados, a fim de que sejamos aqui, na esfera da realidade espiritual, quem nos propusemos ser, com tudo o que tenhamos ajuntado em nós de bem ou de mal, durante o estágio na escola física!...

Muitos de vós outros carregais ainda hábitos e enganos da experiência carnal que, gradativamente, perdereis por não encontrarem neste meio qualquer significação...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jul 02, 2012 8:56 pm

Vossos palácios ou casebres, títulos convencionais ou qualificações pejorativas, privilégios ou cativeiros, honras familiares ou desconsiderações públicas, vantagens ou prejuízos de superfície, todos os condicionamentos mentais que vos centralizavam na ideia de direitos supostos ou imaginárias reclamações, com o abandono dos deveres naturais de aperfeiçoamento espiritual para a vida eterna, desapareceram no dia em que os homens, por força da desencarnação, vos impuseram ao nome um atestado de óbito no Planeta, senhoreando-vos os patrimónios e analisando-vos os actos, para, ao depois, muitos deles, varrer-vos do pensamento, com a falsa convicção de que vos podem desterrar da memória para sempre!...

Quantos de vós viestes escutar aqui as vozes da verdade para as quais tantas vezes selastes os ouvidos do corpo terreno?

A Divina Providência não pergunta o que fostes, porque nos conhece a cada um em qualquer tempo...
Entretanto, é justo investigue sobre o que fizestes dos tesouros do tempo, concedido a nós todos em parcelas iguais...

Sábios, em que aplicastes os dotes do conhecimento superior?
Ignorantes, onde colocáveis o talento das horas?
Ricos, em que trabalho dignificastes o dinheiro?

Irmãos destituídos de reservas douradas, mas tanta vez detentores de bênçãos maiores, que realizastes com as oportunidades de paciência e serviço, compreensão e humildade na esfera da obediência?

Jovens, que operastes com a força?
Companheiros encanecidos na marcha do quotidiano, em que boas obras convertestes o clarão de vosso entendimento?

Não vos iludais!...
Qual ocorreu a nós outros, os que habitamos actualmente o Plano Espiritual desde longas décadas, trouxestes para cá o que efectuastes de vós mesmos...

Aprendestes o que estudastes, mostrais o que fizestes, entesourais o que distribuístes!...
Em suma, atravessada a Grande Fronteira, somos simplesmente o que somos!

Reconhecereis, assim, no curso do dia-a-dia, neste domicílio das realidades excelsas, que todos os disfarces que nos encobriam a individualidade real no mundo se extinguem naturalmente, expondo-nos à vista a esfera íntima.

Fora das constrições carnais, cada espírito se revela por si.
Mecanicamente, na residência ancestral da alma, estampamos nas atitudes e palavras os sentimentos e pensamentos que nos são peculiares, sem que nos seja mais possível qualquer recurso à simulação.

Patenteando de todo o que somos e o que temos, nos recessos do ser, terá chegado para cada um de nós a hora do julgamento, porquanto a Divina Misericórdia do Senhor nos oferece ainda, aqui como em tantas outras estâncias da Espiritualidade, esta cidade-lar, como sendo antecâmara de estudo e serviço, possibilitando-nos valiosos aprestos para a ascensão à Vida Maior, em cujas províncias nos aplicaremos à conquista de dons inefáveis, na continuação da luta bendita pelo aperfeiçoamento próprio.

Quantos, porém, desprezarem as sublimes oportunidades do tempo, no clima de recomposição a que nos acolhemos agora, decerto que, por eles mesmos, recuarão para os distritos vizinhos, onde se afinam os agentes da perturbação e das trevas — doentes voluntários, seviciando-se, em lamentável regime de reciprocidade — até que, fatigados de rebeldia, roguem à piedade das Leis Eternas a preciosa dádiva das reencarnações de sofrimento regenerativo para o retorno a estes sítios, Deus sabe quando!...
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