LUZ ESPÍRITA
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Eu, Espírito Comum - Domingas/Carlos A. Baccelli

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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 13, 2024 8:46 pm

— Eu sempre tive muita pena das mulheres - continuou, com lágrimas suspensas nos olhos que brilhavam das que se fazem esposas abnegadas, mães extremosas, avós que se transformam em anjos de ternura na vida dos netos... Oprimida e marginalizada pela sociedade, a mulher é o sustentáculo espiritual da família - sem a sua renúncia de todos os dias, o lar não existiria! Cortava-me o coração, quando um marido, quase sempre um tirano doméstico, chegava para internar a esposa no Sanatório... A minha vontade, confesso, era a de trancafiá-lo, e não a ela, que, na maioria das vezes, se conturbara mentalmente sob as torturas afectivas a que fora submetida pelo homem que recebera para ser pai de seus filhos.
Fez ligeira pausa, enxugou os olhos molhados, com a ponta do próprio jaleco, e aduziu:
— As nossas queridas Modesta, Geralda, Nair e Domingas ainda trazem feridas abertas no coração...
Sabemos quanto lhes custou o testemunho. Sem a mulher espírita, o Espiritismo, ou melhor, o Movimento Espírita seria um jardim desprovido de flores. Não estou me referindo à graciosidade feminina... O ideal do amor é muito mais forte na mulher do que no homem! São elas, em maioria, os instrumentos mais dóceis da Espiritualidade Superior - são elas, Odilon, que incorporam os espíritos sofredores, que se dispõem à abençoada tarefa do passe, que sustentam as obras assistenciais na casa espírita, que evangelizam as crianças... O homem, não! O homem quer brilhar na tribuna, conflituar-se por cargos administrativos, polemizar por detalhes doutrinários de somenos, exibir-se mediunicamente - com excepções, é claro! Mas, dentre os homens, as excepções, quase todas, ficam por conta de almas sensíveis, ou seja, daqueles cujo psiquismo não se caracteriza propriamente pela sua condição de macho da espécie - os seus espíritos já começam a transcender os limites da forma...
O Dr. Odilon e o Sr. Manoel Roberto permaneciam em silêncio, tocados, tanto quanto nós, pelas enérgicas palavras do Dr. Inácio.
— Mesmo entre os espíritas, impera certo machismo... Cita-se, com frequência, o nome de veneráveis Mentores, esquecendo-se, por exemplo, de se relacionar Anália Franco, Isménia de Jesus, Benedita Fernandes, Yvonne do Amaral Pereira, Adelaide Câmara, Corina Novelino, Antusa Ferreira Martins... A lista é infindável.
Para mim, D. Amélie Boudet sempre esteve no mesmo patamar do Prof. Rivail, o nosso Allan Kardec! A renúncia daquela senhora é comovente, a sua defesa da Doutrina, inclusive sentando-se no banco dos réus, no famigerado processo movido contra os espíritas na França... Esquece-se isto com facilidade. Não podemos! A mulher espírita é a alma da própria Doutrina. Se os homens que estão no poder, corrompendo-se e fazendo guerra, destruindo a Natureza e comprometendo o futuro da Humanidade, cedessem lugar às mulheres, tudo haveria de ser diferente - a paz seria realidade na Terra e não sonho que, infelizmente, nos parece cada vez mais distante.
— Obrigadas, Doutor, pela defesa veemente que o senhor está fazendo de nós...
— Não, Domingas... Ainda há pouco brincamos; agora, porém estou falando sério. Nós, os homens, é que precisamos imitá-las, e não vocês a nós! Foi anónima pitonisa, em Delfos que despertou Sócrates para a missão que viera cumprir no campo da Filosofia; Emmanuel, em verdade, era o tutor espiritual de Chico Xavier, mas quem, primeiro, lhe incutiu a fé em Deus, ensinando-o a orar, foi D. Maria João de Deus... Dizem que atrás de um grande homem há uma grande mulher. Eu diria: uma grande mãe!
Uma grande esposa! Uma grande avó! Enfim, uma grande companheira!...
Olhou o relógio, bateu com ambas as mãos nos joelhos, preparando-se para levantar, e, como não poderia deixar de ser...
— Não pensem, todavia - disse -, que eu queira ser mulher na próxima encarnação!
— Ah, Doutor!, eu já estava pensando...
— Eu sei, Manoel, o que se passa na sua cabeça. Por isto me antecipei... Como mulher, eu seria um desastre; se bem que mamas avantajadas eu tinha...
— O seu tórax, Inácio, é que era estreito para elas!
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 13, 2024 8:46 pm

— Obrigado, Modesta! Você sempre me protegendo, não é? Mas, depois dos 70, beirando os 80 de idade (você havia desencarnado), cheguei a pensar que ia ter que usar sutiã, pois as mamas despencaram de tal forma, que fiquei traumatizado!
— De qualquer maneira, mamas o senhor já tem...
— Mamas e ancas, Domingas!
— Então, na próxima, é perigoso, Doutor...
— Esconjuro-te!
__Inácio_ perguntou o Instrutor, com o objectivo de dar ao amigo ensejo de se explicar - como você pode, de repente, subir tão alto, com uma dissertação tão linda, e, de repente...
— ...descer tão baixo, com comentários tão rasteiros?
Respondo a você, Odilon: é um problema de gravidade - não de gravidez, hem! Há uma força no centro da Terra que, a toda vez que quero subir, me puxa para baixo!“
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 13, 2024 8:46 pm

27 - “Céu Espírita”
Domingas, continuando tudo bem como está - disse o Dr. Odilon na próxima semana, faremos uma visita ao “Liceu”.
Que alegria! Gostaria, sim, imensamente. Desde que li o livro de autoria do nosso Paulino — o “Liceu da Mediunidade” —, fiquei apaixonada... Não mereço, mas será uma bênção. Estarei ansiosa... Será que poderei frequentá-lo com regularidade? Será? Meu Deus, como é bom desencarnar!... Isto é estar no Céu - no Céu Espírita!
— Calma, minha filha! Nem tudo são flores por aqui... Vamos com calma!
— Certo, mas depois do que passei, tudo é lucro...
Diversas vezes, estive a ponto de me complicar e, graças a Deus, saí apenas chamuscada... Eu quase virei alcoólatra, adúltera. Não tenho vergonha de falar, não; o senhor sabe...
— Domingas, a desencarnação não nos altera o mundo íntimo... Carecemos de vigiar, sempre. A vida continua e os desafios também, os obstáculos não superados, as fragilidades à espreita... Por enquanto, tudo lhe está sendo festa para os olhos e para o coração. Eu sei que você não teme o trabalho, gosta de servir, no entanto...
— Ué!...
— Aqui ainda é a Terra! Quando nasce, a criança não faz ideia muito precisa do que a espera. À medida que vai crescendo, é que as lutas e as provas a requisitam.
Deste Outro Lado, é semelhante... Desafectos antigos aparecem de improviso. O espírito, a cada passo, pode se complicar, a menos que, dentro de si, não mais ofereça receptividade ao mal.
— Não é o meu caso; seria uma temeridade afirmar que já me sinto isenta... De modo algum! Se, por exemplo, começarem a me elogiar muito, eu acredito... Está aí a vaidade dentro de mim. De uma a duas alfinetadas, eu aguento, mas, da terceira em diante, não garanto nada!
— Vejamos o que Jesus enfrentou - Ele, que, por assim dizer, era um espírito perfeito perseguição, abandono, injustiça, humilhação... Ninguém se ilumina para se transformar numa estrela! A função da luz é levar claridade às trevas... A incompreensão não nos é tão-somente oriunda do carma. O verdadeiro amor é aquele que se imola pela felicidade de quem tudo fez para não ser amado! Quem mais tiver mais será chamado a doar. As tarefas mais sacrificatórias são reservadas aos espíritos que, a rigor, não teriam mais que se submeter a nenhuma espécie de sacrifício.
—É, preciso me controlar no entusiasmo - concordei.— O pastor do rebanho não descansa, enquanto uma só de suas ovelhas permanece tresmalhada... Conquistar afeições, Domingas, é ampliar responsabilidades. Os amigos nos reconfortam; igualmente, necessitam de reconforto. Como nos mantermos indiferentes aos que se atrasam na jornada? A ingratidão é uma das piores características de nossa imperfeição espiritual. Você se deparará por aqui, em nosso meio, com incontável número de espíritos que, com base em seus méritos, poderiam ter ascendido a outros planos... Por que não o fizeram ou não o fazem? Ora, se Jesus veio, todo o mundo se sente na obrigação de ficar, até que possamos ir juntos...
— Quer dizer?...
—A consciência do general condecorado pela vitória no campo de batalha jamais o galhardoa, caso ele tenha abandonado um só dos seus à mercê dos inimigos. O Amor quer todos para si! Os que sobem a Planos Maiores, constrangidos pelo exemplo do Cristo, periodicamente descem às regiões inferiores, em socorro a retardatários.
— De quão grandes e profundos significados se revestiu a vinda de Jesus à Terra! - exclamei, maravilhada.
— Quando passa pela cabeça de um espírito que ascendeu a ideia de não voltar - admitindo que tal seja possível -, ao pensar em Jesus Cristo, ele reconsidera...
Digo “admitindo que tal seja possível”, raciocinando sob hipótese, porque o espírito que realmente se eleva sabe para que está se elevando...
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 13, 2024 8:46 pm

— Então?...
— Então, Domingas, o “Céu Espírita” é estar onde o Senhor nos admite a seu serviço, embora as nossas imperfeições.
— O senhor fala de um jeito, que eu tenho vontade de me precipitar nas trevas...
— Antes, porém, minha filha, a fim de não nos confundirmos com elas, precisamos de acender uma luzinha...
— É verdade - disse -, estou me lembrando de Irmão Jacob, em “Voltei”... Estou bem, mas obscura - meu Deus, que ainda não tinha reparado! Onde a resplandecência do meu corpo espiritual? Os espíritos nos diziam que ele transluz...
— Na maioria de nós outros, os desencarnados, a luminosidade do perispírito só existe em função da obscuridade do corpo de carne!
Despedimo-nos. O Dr. Odilon tinha mais que fazer.
Todavia, o que aquele primeiro culto me rendera em matéria de lição dava para reflectir, no mínimo, pelo resto do tempo que passasse no Além, na condição de espírito relativamente liberto.
No outro dia, pela manhã, Afrânio e Celina me visitaram.
— De nossa parte - informaram-me -, a senhora está de alta; a respiração praticamente se normalizou, os pulmões se expandiram, está tudo bem...
— Sentirei falta de vocês, de nossas caminhadas matinais.
— Soubemos que está começando uma reunião, um culto do Evangelho e, se possível, gostaríamos de participar - solicitou Celina.
— Será uma alegria! Não há problema.
— O Sr. Manoel Roberto nos orientou que falássemos com a senhora.
— Óptimo! Espero não ser muita pretensão minha, mas, aos poucos, planejo organizar pequeno grupo de trabalho, e... simpatizei-me com vocês.
—E nós com a senhora - redarguiu Afrânio. — Creio que nos estava faltando encontrar alguém assim - a sua sinceridade nos tocou o coração. Nada é mesmo por acaso; com tantos fisioterapeutas por aqui, fomos agraciados pela oportunidade de atendê-la...
— Vocês foram excelentes funileiros - brinquei, tímida, ante as referências elogiosas do casal. — Cheguei com a lataria amassada, enferrujada, pior que a de um Fiat que eu tinha em minha garagem. Pensei que o meu destino seria o ferro-velho...
— D. Domingas - adiantou-se Celina -, vamos dar uma última volta, tendo a senhora como nossa paciente?
Assim, poderemos desfrutar um pouco mais de sua agradável companhia.
— É claro! A manhã está linda!
— Choveu durante a noite, mas agora o Sol está brilhando...
—E os pássaros estão fazendo aquela festa... É época de acasalamento! - emendou o gentil rapaz.
— Chuva durante a noite, Sol brilhando de manhã, pássaros se acasalando... Quem diria! Tudo tão simples, natural, tão dentro do lógico contexto da Vida!
Saímos e, de fato, o dia estava esfuziante. Pássaros, pequenos e maiores, brincavam nas cascatas e nos chafarizes, fazendo a corte uns aos outros, mostrando as suas belas plumagens ao Sol; borboletas voejavam sobre a corola das flores; o vento brando flauteava por entre a copa das árvores mais altas, que se inclinavam, parecendo bailar ao ritmo de invisível orquestra... De repente, não mais que de repente, como disse o poeta, ergui-me, sem perceber, alguns poucos centímetros do chão.
— Meu Deus - perguntei - o que está acontecendo?
Segurem-me!
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 13, 2024 8:47 pm

Celina e Afrânio sorriram, puxando-me para baixo.
— Será uma nova crise de labirintite? Estou no ar...
Sinto-me leve, leve! Que sensação esquisita!...
— A senhora volitou - explicou Celina.
— Eu?!... Não, não é possível! Está certo, perdi uns quilos, mas nem tanto... Cruzes! - ri-me. — Eu sairia voando por aí, feito uma “aleluia” sem rumo... Fiquei com medo. Segurem-me! Meu coração disparou...
— A sua leveza de espírito...
— Que leveza, que nada, Afrânio! A minha pressão deve ter caído, não? Eu estava tão embevecida, identificando-me com a Natureza...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 10:33 am

28 - “Cigana”
— E planou! - confirmou Celina. — A senhora volitou! Nós vimos... Estamos aqui há muito mais tempo e, connosco, ainda não aconteceu.
— Meu Deus, que coisa! É bom e ruim; acho que mais ruim do que bom... E se eu saísse por aí? Rastejo há milénios e, de repente... Certa vez, sonhei que estava voando, fazendo acrobacias no ar, mas era sonho - passei num rasante sobre uma floresta, um lago, desviei-me com facilidade de alta montanha, parecendo que, em mim, havia sido instalado um radar de morcego...
— Pouquíssimos, D. Domingas, por estas paragens conseguem “voar”... É uma bênção! - disse Afrânio, eufórico.
— Pode ser uma bênção, meu filho, mas... eu sou uma lagarta - sou do chão, não sou do ar! Vou ter que conversar com o Dr. Odilon, com o Dr. Inácio... Talvez ainda seja sequela do aneurisma. Eu, Domingas, volitando?... Não, é alguma peça que estão querendo me pregar... Pesada como sempre fui, eu mal conseguia levantar o pé do chão.
Não tivemos tempo para levar o assunto adiante, porque, caminhando por um dos pátios da Instituição, observando a movimentação de dezenas de pacientes em condições um pouco melhores - o Hospital, um prédio de imensas proporções, possui diversas alas e pavimentos, inclusive no subsolo -, fui abordada por uma irmã que, assim que me viu, caminhou ao meu encontro.
— D. Dominga! - chamou-me pelo nome, suprimindo o s. — Até que enfim, um rosto que conheço!... A senhora está lembrada de mim? Fui muito na sua casa, pedir as coisas... Eu não sei o que houve: senti uma dor no peito e me trouxeram para cá... Acho que desmaiei na rua. Isto aqui é o Hospital - Escola da Faculdade de Medicina? Estou estranhando...
— Cigana, mas é você?! - perguntei, identificando naquela irmã a pedinte que sempre me procurava.
— Sou eu, D. Dominga! A senhora emagreceu... Ouvi falar que estava doente, com câncer, é verdade? Não vai pegar o meu nome pra cesta de Natal?... Não sei do meu povo... Levantaram acampamento e foram embora - me esqueceram para trás, D. Dominga! Ingratidão... Sou eu que levo o sustento pra casa. Estava no centro da cidade, oferecendo para ler a sorte das pessoas... A senhora quer?
Deixa ver a sua mão...
— Cigana, minha irmã, os nossos destinos parecem estar entrelaçados...
— Com o destino, a gente não brinca, D. Dominga!
O que está escrito, ninguém muda... Eu sei ler, as outras não sabem, não - só querem saber de dinheiro, são muito namoradeiras, tomando “os marido das muié”... O meu deve ter fugido com uma delas; a senhora sabe, estou velha, perdi o meu dente de ouro - caí lá na Praça Rui Barbosa, bati com a boca no chão... O meu dente foi embora no ralo...
— Cigana - falei, esboçando um sorriso -, você está me fazendo lembrar de uma amiga minha que diz ou dizia - não sei se ela já “morreu”: — “Desgraça pouca é bobagem!...”
— A senhora fala na morte, como se morrer fosse nada... Tem medo, não?
— E adianta, Cigana, ter medo? Eles vêm de disco voador e sequestram a gente...
— Esconjuro! Não, não quero morrer agora, não...
Aqui, neste lugar, todo o mundo vive falando em morte.
Credo! - disse, apertando uns colares coloridos dependurados no pescoço.
— Cigana, você é uma felizarda!...
— Felizarda, se eu tivesse na companhia do meu marido, debaixo da nossa lona... Ah, D. Dominga!, será que mataram o meu véio por conta do carro?... Já tinham me roubado um tacho de cobre... Cresceram o olho em cima de nós. A senhora anota o meu nome pra cesta de Natal?
— Anoto, Cigana, vou anotar - aliás, nem preciso anotar, não é? Estamos internadas juntas...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 10:33 am

— Então, estamos mesmo doentes? A senhora emagreceu tanto!... Não foi coisa feita, dona Dominga?
Uma mulher tão boa!...
— Você gostaria, quando saíssemos, de trabalhar comigo?
— Trabalhar?!... Fazer o quê? Cigano não trabalha na casa dos outros - uma hora, a gente está aqui; outra hora, a gente está ali... Posso ajudar a senhora por uns tempos, se a senhora estiver precisando. A sua casa é pequena, não é? Nunca entrei, mas já vi...
— Pequena e pobre, quase uma barraca de lona. Você não vai estranhar...
— Tenho tudo direitinho aqui, mas quero ir embora.
Tem um doutor que sempre vem me ver: conversa, conta piada... Ele me parece muito bonzinho, não sei o que está querendo. Namoro não pode ser...
— Não, Cigana, com certeza não é namoro.
— Dr. Inácio Ferreira... Não é aquele antigo, lá do hospital dos doidos? Ouvi dizer que ele tinha morrido...
Isto está muito esquisito! Tem gente que fica andando o dia inteiro, de um lado para outro, parecendo... Como é mesmo, aquela palavra?
—Zumbi!
— Isto mesmo, zumbi! Eu sentia muita dor no peito, falta de ar, fumava muito... Cabeça ruim não tenho, D. Dominga!
— Cigana, ninguém morre...
—Eh! essa conversa da senhora... Está me cheirando mal. Não me diga que está querendo me dar alguma notícia ruim!... O meu caso é grave? Da derradeira vez que me viu, o doutor, esse Dr. Inácio, falou que aqui está todo mundo morto... Verdade, D. Dominga? Ele troça demais com a gente, caçoa com um, caçoa com outro...
— Quem morre não conversa, Cigana.
— É...
— Penso que o que pode ter acontecido...
— O quê? A senhora é espírita, eu não sou; respeito tudo quanto é religião, mas gosto mais da Igreja... Não quero ofender ninguém.
— Acho que deixamos o corpo!
— Ah! difícil de acreditar... A senhora me perdoa, não acredito, não! Tudo igualzinho assim? Minhas roupas, minhas pulseiras, tudo?... Morte sem Céu, sem Inferno?!...
Nem Purgatório isto aqui é... A gente come, bebe, dorme! D. Dominga...
—Não tiro a sua razão, minha irmã: é difícil mesmo.
O nosso problema não é câncer, não é dor no peito - o nosso problema é pensamento! As religiões nos fizeram assim: nos colocaram para “dormir”, e acordar não vai ser fácil...
— Que pena, a senhora, uma mulher tão boa, que nunca fez pouco da gente!... Ficou fraca da cabeça?
— Fiquei, Cigana, fraquinha de tudo...
— Toma remédio, fala com o doutor...
— Voltaremos a conversar, depois.
— Coitada de D. Dominga! Vou pedir a Nossa Senhora Aparecida... Não esqueça do meu nome - faltam poucos dias para a repartição, não é? Com certeza, até lá já saímos daqui...
E, vendo passar, rente a nós, um senhor bem aparentado, Cigana se despediu e foi atrás dele com as mãos estendidas, oferecendo-se com insistência:
— Quer ler a sorte? Cigana enxerga o seu futuro...
Aprendi com a minha avó. O preço é barato... Deixa ver as linhas da mão, deixa!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 10:34 am

Celina e Afrânio olharam-me intrigados, na expectativa de meus comentários subsequentes.
— Recordo-me dela e de tantos outros... É uma pena!
Recrimino-me por não ter conversado mais, explicando-lhes as coisas do Mundo Espiritual. A gente ajudava, sim, mas estava sempre com pressa... Doava comida, roupa, remédio, algum dinheiro, e se julgava quite com a caridade; sob o pretexto de não forçar ninguém ao nosso modo de crer, ignoramos a carência espiritual de nossos irmãos... A prática do bem integral é façanha que, de fato, nos é quase inacessível ainda! As nossas limitações são tantas, as nossas mazelas e inferioridades tantas, que nos encontramos impedidos de amar... É uma prova para o coração!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 10:34 am

29 - Na Periferia da Caridade
— Então, uma prova, D. Domingas, a nossa incapacidade de não lograrmos fazer o bem em toda a sua extensão? - indagou Celina.
— Considero que sim, minha filha, pelo menos no meu caso. Procure entender: eu ajudava, mas não passava, digamos, daquela quantidade e daquela qualidade - daquele tanto de paciência, de atenção, de tempo... A gente vive, no mundo, reclamando até com certa indignação: — “Preciso de um tempo para mim... Assim, não é possível!
Eu também sou humana, tenho as minhas necessidades...”
Tudo isto é engodo para a consciência, tentativa inútil de nos justificarmos em nossos desmandos. O tempo verdadeiramente consagrado a nós é o que devotamos aos outros; quem não trabalha pela felicidade alheia não constrói a felicidade própria...
Ante o interesse do casal, arrisquei continuar:
— Nós nos sentimos envaidecidos, quando, não atinando com a indigência espiritual que nos diz respeito, somos procurados pela necessidade de nossos irmãos, daqueles que nos descobrem o endereço e, com frequência, nos batem à porta... Confesso-lhes que me sentia em certa situação confortável, quando alguém, por exemplo, me parava na rua e me estendia a mão suplicante - abria a bolsa, vasculhando-a pela nota menor...
— É incrível! A gente é assim! - exclamou Afrânio.
— Pois é, meu filho, abrimos a bolsa, a carteira, mas não abrimos o coração... Como é difícil, meu Deus, sermos genuinamente bons! Sempre as conveniências da hora, as circunstâncias da vida material...
— D. Domingas, como, no entanto, vamos nos despojar de tudo? Não podemos...
— Celina, sinceramente, não sei como haveremos de resolver esta questão de foro íntimo; por exemplo, a única coisa que sei, que constato em mim mesma, a cada dia que passa, é a minha insatisfação pessoal na vivência das lições do Evangelho - eu conhecia o suficiente para ter feito bem mais do que fiz!
Fiz pequena pausa e, enquanto caminhávamos, acrescentei:
—A Cigana... Auxiliei-a incontável número de vezes - auxiliei-a, não, eu ganhava as coisas para dar... De meu mesmo, devo lhe ter dado poucos centavos; o que era de minha propriedade, eu lhe soneguei... Não me recordo de ter orado por ela, mais do que uma ou duas vezes - um “Pai Nosso”, feito às pressas, sem muito envolvimento sentimental... Comprava, não raro, vários exemplares de “O Evangelho Segundo o Espiritismo” e os distribuía graciosamente. Discriminei-a, não dei um livro a ela, achei que não valia a pena o investimento...
— A senhora não está sendo rigorosa, em excesso, consigo mesma?
— Não, Celina - respondi -, estou sendo, sim, absolutamente honesta, tão honesta quanto não pude ser ou, o que é mais provável, evitei ser! Quem sabe estas nossas reflexões possam despertar alguém, não é? Estou rascunhando algumas palavras e o tema é relevante, vocês não acham?
— Nossa, se é! - concordou Afrânio. — Nunca me senti tão inútil em toda a minha vida! Chego à conclusão de que, em matéria de caridade...
— Mesmo quando eu não me externava - interrompi o jovem fisioterapeuta -, o meu pensamento, toda vez que tinha oportunidade de doar alguma coisa a alguém, era mais ou menos este: — “Os nossos Benfeitores Espirituais haverão de me recompensar o desprendimento...” Ora, que podemos almejar além da alegria e da paz interior que a prática da caridade nos proporciona de imediato? Qualquer esforço no bem, por mais diminuto, é recompensado na hora... E eu ficava na expectativa de que viesse mais - de que ganhasse na loteria, de que conseguisse um emprego de alto salário, de que jamais viesse a adoecer... Usava os pobres para barganhar com Deus!
— Nossa, D. Domingas!...
— É verdade, Celina!
— Eu sei, mas é duro escutar isto.
— Até quando, minha filha, preferiremos a ilusão?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 10:34 am

Quase ninguém quer ser recompensado espiritualmente...
A gente deseja coisas concretas, palpáveis. Como somos bobos! Em vez de luz, sabedoria, equilíbrio, queremos dinheiro... Damos um centavo, na expectativa de ganhar um milhão!
— A senhora pretende colocar estas ideias no papel?
- perguntou Afrânio.
— Vou colocá-las porque, lá embaixo, há muita gente, muitos amigos meus, perdendo a oportunidade de agir no bem com maior conhecimento de causa. Trabalham na periferia da caridade, imaginando que trabalham em seu cerne!
— Caridade periférica!...
— Vão chegar a este Outro Lado de mãos mais ou menos vazias, como as minhas! Eu nunca conversei tanto com a Cigana como instantes atrás; em dois minutos, eu a despachava: está aqui o que você quer, pronto, acabou...
— A senhora disse - observou Celina ...está aqui o que você quer...” A verdade é que muitos de nós só queremos isto mesmo, a senhora não acha? Conselho, palavra boa, convite para reuniões de oração...
— O seu raciocínio é perigoso, minha filha. Se Jesus pensasse assim, não teria vindo à Terra! Ele não hesitou em semear em terreno árido... Recomendou-nos não atirar coisas santas aos cães, mas as deu!... Queria preservar-nos, mas não preservou a Si. Ofertou-nos pão à fome do corpo e luz à fome do espírito! A rigor, até hoje, passados dois milénios, não estamos preparados para o Evangelho...
O nosso comodismo é grande: concordamos em gastar, em ceder do que temos, todavia relutamos em doar do que somos. Vejamos a lição que Ele nos transmite nas Bodas de Caná, segundo João, 2:10: “Todos costumam pôr primeiro o bom vinho e, quando já beberam fartamente, servem o inferior; tu, porém, guardaste o bom vinho até agora”...
— A senhora conhece a Bíblia de cor? - perguntou-me Afrânio.
— Não, meu filho, eu não sei de onde me veio esta lembrança agora, pois sempre tive péssima memória.
Intrigada, porém não querendo interromper o curso das ideias, prossegui:
— Jesus não hesitou em nos servir o bom vinho!
Será que só temos caneca de vinagre para oferecer aos outros? O vinho que tinha acabado na festa e que sempre acaba é o que fora destinado a embebedar os convivas...
Será que somos apenas capazes de destinar espórtulas a corpos perecíveis? (Espórtulas? Que palavra é esta, meu Deus, que saltou do nada para a minha cabeça?!)
Precisamos pensar... Não somos detentores de algum outro valor, além de poucos trocados? E muita pobreza, a nossa!
Queremos estar próximos daqueles que podem nos retribuir intelectualmente a presença, evitando os que definimos como “pobres de espírito”...
— Tem razão - concordou, em uníssono, o casal amigo.
— Nas bodas de Caná, na Galileia, o Cristo, transformando a água em vinho de excelente qualidade, nos valorizou, não fazendo pouco de nós outros. Ele nos ofertou o que possuía de melhor, mesmo sabendo que, àquela altura da festa, possivelmente alcoolizados, não saberíamos distinguir o bom do mau vinho: foi o mestre-sala quem o fez!... Quantas vezes nos movimentamos na caridade, com a ideia de que, para os necessitados, qualquer coisa serve? Desfazemo-nos do supérfluo do supérfluo, ou seja, do que costuma tomar espaço em nossa casa, dos objectos e das coisas que destinaríamos à lata de lixo... A qualidade da doação fala da condição espiritual do doador.
— A senhora está indo fundo - considerou Celina.
— Estou, minha filha, efectuando uma autocrítica, nada mais.
— Os que, antes de Jesus, vieram ao mundo, missionários do Bem e da Verdade, nos brindaram com lições de transcendente conteúdo, mas nenhum deles nos teve em tão alta estima quanto Jesus! A Humanidade não teve para lhe oferecer mais do que uma esponja embebida em fel, na hora da cruz... “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque quanto ouvi de meu Pai, vos tenho dado a conhecer”. Quando é que tratamos um indigente na condição de amigo? Tratamo-lo talvez como uma oportunidade de exteriorizar generosidade, nada mais!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 10:34 am

30 - Conhecendo Labélius
Fui para casa profundamente tocada pelas minhas próprias palavras, contrariada comigo mesma, pois, afinal, deixara escapar excelente chance de maior expansão espiritual - praticamente, eu convivera com irmãos carentes a vida inteira e me mantivera na superficialidade das atitudes. Estendera a caridade, mas não a entendera!
Beneficiara, todavia não me beneficiara... Ficara, sim, faltando qualidade no gesto.
Imersa nestas reflexões, que tentava rascunhar no papel, recebi a visita providencial do Dr. Inácio.
— Como é, Domingas? - saudou-me à chegada, acompanhado de um amigo que não deveria ter um metro de altura. — Que luta, hem? Você está pior do que eu!
Que papelada no chão!... Tem mais livro na lata de lixo do que fora... E para você sentir na pele o que a gente passa:
escrever daqui para a Terra é um parto quase impossível; se não providenciarmos uma cesariana na cabeça do médium, a criança não nasce...
— Deus me livre! Estou escolhendo palavras e assuntos com a prudência necessária, para não magoar, não escandalizar...
— A verdade, minha cara, quando não estamos totalmente preparados para ela, sempre soará aos nossos ouvidos de maneira ofensiva. Por mais tente abordar a realidade com a preocupação de não ferir susceptibilidades, você não evitará o melindre dos que preferem viver na ilusão.
— Quem é o companheiro? - indaguei curiosa, ante a figura simpática e extremamente cativante do anãozinho, que não tirava de mim o olhar.
— Você o conhece; trata-se de Labélius...
— Labélius, o elemental?! - redargui. — Sim, eu sei quem é você na obra do Dr. Inácio, “Do Outro Lado do Espelho”... Paulino Garcia, em “Espíritos Elementais”, também faz referências a você. Que alegria! Eu tinha muita vontade de conhecê-lo... Dá-me um abraço!
Aquele - permitam-me a expressão carinhosa - pequeno “ET”, com os olhos brilhando, avançou na minha direcção e, com os seus braços de criança tema, estreitou-me de encontro ao coração, que senti pulsar junto ao meu.
— Há muito não sou abraçada assim...
— Labélius - brincou Dr. Inácio -, a nossa irmã é comprometida e o marido foi soldado. Vá com calma...
— É abraço de irmão, não é, D. Domingas? -
respondeu, sorrindo, aquele entezinho que, sinceramente, tive ímpetos de segurar no colo e não soltar.
— Como você é meigo! Como você é bonito!...
— Epá, alto lá! Declaração de amor na minha frente...
— Dr. Inácio, o senhor sabe que eu achava...
— O que muita gente acha: que inventei o Labélius, não é?
— Eu ficava querendo que ele existisse...
— Eu existo! - protestou o elemental, tocando-me a face com delicadeza, fixando nos meus os olhos grandes e amendoados, desproporcionais ao tamanho de seu rosto.
— Não sou uma ficção!...
— Desculpe-me, Labélius; cheguei ainda há pouco da Terra e sou muito ignorante das coisas de Deus. Nós, humanos...
— Sei mais ou menos como são: eu já fui humano, muitos de nós o fomos, noutras vidas, como vocês já foram o que chamam de dementais.
—Por que regrediu, ou melhor, por que preferiu voltar à antiga forma? - perguntei.
— Sinceramente, pelo que os homens andam fazendo, é preferível ser considerado sub-humano... A senhora considera que Jesus, um ser completamente angelizado, tenha regredido ao deliberar tomar a forma humana?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 10:35 am

— Não! Eu nunca havia pensado nisto...
— Domingas - interveio o Dr. Inácio -, o Labélius é extremamente estudioso; é um filósofo; tenho aprendido muito com ele, e não apenas sobre as forças da Natureza.
Desconfio até...
— Dr. Inácio, não é verdade - eu sou o que sou!
E, virando-se para mim:
__ Ele acha que eu não sou o que aparento...
__ Bem, ainda não me convenci, todavia, agora, não é relevante.
__ Labélius, existem seres dementais encarnados como homens? - questionei.
— Sim, em trânsito definitivo para a condição humana, estão em fase de adaptação... O processo é complexo.
— Seriam os nossos selvagens?
— Alguns; outros, não. D. Domingas...
— Chame-me apenas Domingas- solicitei.
— Irmã Domingas, existem humanos de bela aparência, cujos corpos escondem...
— Espíritos-répteis, espíritos que, quando desencarnam, se revelam com suas deformações, fruto de suas mentes enfermas e da maldade no coração - esclareceu o bravo médico espírita.
— Eu fico pensando - disse - na questão perispiritual... O perispírito não é molde para o corpo?
— Não nos apeguemos à letra, Domingas. Para muitos, o corpo representa uma camisa-de-força... A matéria tanto é submetida, quanto submete; o espírito superior influencia; o inferior é influenciado. Se, literalmente, fôssemos nos reflectir no corpo de carne...
— O mundo seria cenário de estranhas aberrações, no que tange à forma.
— Exacto! Vejamos o exemplo da lagarta, que, após se transfigurar em borboleta, volta a ser lagarta... A rigor, houve regressão evolutiva? Não. Nenhuma conquista se fixa, sem repetição de experiência.
— 0corpo físico nem sempre...
— Nem sempre é o retrato fiel de nosso psiquismo, graças a Deus!
— A beleza espiritual?...
— Não tem a ver com os padrões de beleza adoptados para o corpo perecível. Sócrates, dizem, era feio: baixo, obeso, faces macilentas, nariz abatatado...
— Chico Xavier...
— Quanto à beleza, coitado do Chico!
— Quando jovem, Doutor, ele era até bonito...
— Quando jovem, Domingas, até eu; depois, veja a que me reduzi... O Labélius é mais belo do que eu!
— Sinto-me confortada...
— Eu sei.
— ?!...
— Não que você não seja simpática - não me interprete mal.
— Não careço de interpretar, porque o senhor foi claro.
— Você tem outros dotes, minha filha... Lembre-se do correto aforismo que diz: “O que é bom é belo”.
— Está consertando, não é?
— O nosso Labélius: é feio e lindo, ao mesmo tempo! - falou, apertando, de leve, a bochecha do dementai. Beleza é uma coisa que, vindo de dentro, não costuma sair para fora...
Não contive a gargalhada.
— Voltando a falar sério, o que, reconheço, é um ponto difícil no meu caso, a questão de o perispírito ser molde para o corpo... O fenómeno transcende. Alguém seria capaz de dizer qual é a forma do elemento água?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 10:35 am

— H2º! - respondi, ingénua.
— Não estou me referindo à fórmula, Domingas, mas à forma!
— A água não tem forma, o ar também não, a luz...
— Ela toma a forma do espaço que ocupa. Alguns espíritos plasmam a forma; outros são plasmados por ela...
— E, no princípio, como era?
— Os primeiros espíritos que habitaram corpos considerados humanos, do ponto de vista psíquico, eram os mais evoluídos. Depois, foram reencarnando espíritos que, pela sua condição superior, deram um impulso à Genética - legaram à Humanidade, não apenas a sua herança espiritual, intelecto moral, mas igualmente biológica!
— Que interessante! Quer dizer que alguns dos genes do Cristo?...
— Infelizmente, Ele não se casou, porque senão estariam por aí, em seus descendentes - pelo menos, haveria tal possibilidade. A condição do Cristo era tão superior, que não pudemos herdar Dele, biologicamente. Para o espírito que Ele era e é, a nossa carne é fraca!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 10:36 am

31 - “O Código Da Vinci”
— Eu nunca havia pensado nisto, Doutor! - exclamei.
— Eu também não!
— Tem muita lógica...
— O Cristo, tanto no aspecto espiritual quanto material, físico, não era um homem comum.
— O seu corpo?...
— Era, deixemos claro, constituído de carne, todavia os elementos materiais que o formavam não se assemelhavam aos da criatura comum.
— Doutor, permita-me perguntar. Posso?... O senhor não se aborrecerá?
— É evidente que não.
— Quanto ao corpo do Cristo: tem certeza de que era de came ou o senhor apenas supõe que assim fosse?
— Domingas, para ser sincero, em nossa esfera de acção, a respeito de Jesus não sabemos muito além do que sabem os homens; no entanto, os Espíritos que nos visitam periodicamente, provindos de Dimensões superiores, não endossam a tese do corpo fluídico...
— A tese roustainguista?
— Sim. Pessoalmente, compreendo que os nossos irmãos adeptos de Roustaing talvez pretendam homenagear o Senhor, atribuindo-lhe uma condição sobre-humana...
Desnecessária, diga-se de passagem, porque o maior mérito Dele foi o de se submeter às condições de vida vigentes no Planeta - da Manjedoura ao Calvário, não assistimos a uma encenação!
— Os roustainguistas que ficaram furiosos com o senhor da primeira vez, quando abordou o assunto em suas obras, haverão de ficar uma segunda vez...
— Que fiquem pela terceira, pela quarta, pela quinta, não importa! Eu os respeito; que eles me respeitem! Eu não consigo entender a encarnação de Jesus de maneira diferente... Pode escrever isto, Domingas.
— Eu também não creio que Ele tivesse sido um agênere, desde o berço!
— E você, Labélius? - perguntou o Dr. Inácio, incentivando o amigo, que permanecia em silêncio.
— Quem sou para entrar numa discussão de tamanha transcendência?! Nós, os dementais, gostamos de pensar que o Mestre se identificava e se identifica igualmente connosco, os que nos encontramos nos últimos lugares da escala evolutiva... Ele não nos humilharia com a sua angelitude, como muitos humanos nos humilham com a sua humanidade! Ora, vocês, para nós, não são agéneres:
são feitos de carne e osso... Por que, para vocês, Jesus Cristo haveria de ser uma figura irreal? E, depois, desculpem-me, o assunto é irrelevante - um verme não pode entender a natureza do Sol!
—Não desculpo, não, Labélius; você está nos dando uma lição de moral... Onde já se viu um entezinho como você nos chamar aos brios?...
O elemental sorriu e, daquela hora em diante, comecei, a respeito dele, ter a mesma desconfiança do Dr. Inácio: de quem se tratava aquele espírito de aparência tão primitiva?
— Labélius, interessante - voltou a falar o médico e benfeitor-: você se referiu ao Sol... Ocorreu-me uma ideia:
o Sol é um astro agênere ou fluídico? É claro que não!
Trata-se de um orbe consistente, que os nossos sentidos percebem.
— Mas a matéria de que se constitui?...
— Isto, Domingas: o Sol e a Terra, Jesus e os homens!...
— O Criador na criatura e a criatura no Criador!
—Labélius, pare de filosofar... Um elemental é quase uma pedra; você não pode pensar! Com muita sorte, você é uma árvore... No máximo, um bicho da floresta!
— Uma criança nascendo... - aparteei.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 10:36 am

— “Deixai virem a mim os pequeninos...”
— Está vendo, Domingas, o que você arranjou, em promovê-lo a quase gente? Daqui a pouco, os dementais somos nós: eu e você...
Com receio de que ambos se retirassem de minha presença, perguntei com o propósito de novos esclarecimentos e de conservá-los mais um pouco comigo:
— Dr. Inácio, o senhor estava se referindo à genética do Cristo...
— Ah, sim! A descendência de Jesus sobre a Terra é espiritual - embora não pareça, a cada dia, a família do Evangelho se expande. Se Ele, por exemplo, tivesse se casado...
— Um livro, “O Código Da Vinci”, que anda fazendo muito sucesso por lá...
— Trata-se de uma ficção literária. Se Ele, repito, o Senhor, tivesse constituído família própria, teria, consequentemente, privilegiado alguns espíritos, concorda?
— Aí, o preconceito racial dos judeus...?
— Estaria justificado!
— Compreendo.
—Passados dois mil anos, alguém estaria carregando no corpo o património genético do Cristo. Por um aspecto, até que seria providencial a tese, mas...
— Por que providencial? - indaguei.
— Porque, do ponto de vista materialista, haveria a hipótese de que, de repente, os cromossomos se arranjassem, como outrora se arranjaram, e um novo Cristo nascesse... Coitados de nós, que nem com esta única chance, num infinito número de vezes, podemos contar!
— Doutor, o senhor pensa demais...
— Eu não gostaria, não, mas o que posso fazer? As vezes, a vontade que tenho é de pegar uma vara e ir para a beira de um rio pescar — invejo a minhoca e o peixe!
— O peixe come a minhoca, o homem come o peixe... - fui dizendo.
— Deus tem uma fome, não é, Domingas? Fale alguma coisa, Labélius! - insistiu o Dr. Inácio com o amigo, que esboçara um sorriso.
— Eu já o convidei, Doutor, para ser um de nós...
— Acho que vou acabar aceitando, porque aguentar os humanos e os espíritas!... É uma pena, a metempsicose não ser viável; se fosse, na próxima, eu haveria de ser um bichano!...
— O senhor pode se transfigurar, não pode? - perguntei.
— Posso, minha filha, mas como, se o Senhor me entregou esta turma aqui para tomar conta?
— Ser gente é a sua prova, Doutor! - gracejou Labélius com timidez.
— Se ouvi bem, o senhor falou em “aguentar os humanos e os espíritas”... Os espíritas não são humanos, Doutor?
— Eu já esperava o questionamento. Tem espírita que acha que não, Domingas. É melhor eu ficar quieto, você não concorda? Tem excepções, tem excepções...
— Quais?...
— Com certeza, não estão na Terra, nem por aqui!
— Nem por aqui?...
— Estou falando de mim, de você e... do Labélius.
— Doutor, eu não sou espírita: eu sou cristão - explicou-se o elemental.
—Então, Domingas, diante das evidências, sobramos nós dois... Ah, o Manoel Roberto não está presente, mas o incluo também.
— O senhor me inclui em quê, Doutor? - perguntou o próprio, acabando de chegar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 8:41 pm

— Na lista...
— Que lista?
— Na lista, cor-de-laranja, que eu e a Domingas estávamos elaborando.
— Lista cor-de-laranja?!
— Manoel, você dê à lista a cor que você quiser... A lista dos espíritas que não são humanos - são divinos!
Médiuns, dirigentes, oradores, enfermeiros...
— Médicos, dentistas, psicólogos, advogados...
— Meu Deus!
— Pedreiros, ourives, alfaiates...
— Então, escapa pouca gente!
— Nós, os espíritas, somos tão personalistas, que quem escapar vai reclamar - observei. — Quero defender a minha turma: a dos pedagogos!
— Muito bem defendido, minha filha...
— Os autodidactas, Doutor, não podem ficar de fora...
— Não, de forma nenhuma, não podem; seria uma grande injustiça, Manoel! Os autodidactas espíritas são dos mais lídimos representantes da classe...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 8:41 pm

32 - Abrindo um Parêntese
Aprender com o Dr. Inácio Ferreira é uma tarefa extremamente agradável; com o seu modo peculiar de ser, o querido amigo sempre fala as verdades que precisamos ouvir, ensejando-nos reflexões em tomo de nossa própria conduta - os assuntos mais sérios e complexos são tratados por ele com amenidade, sem que descambe, é lógico, para a vulgaridade. Eu o entendo perfeitamente e, de minha parte, confesso-lhes que prefiro, mil vezes, um instrutor com as suas características, que um mentor de natureza moralista, que não se nivela com os aprendizes.
As críticas efectuadas por ele, mormente ao Movimento Espírita, evidenciam a sua paternal preocupação com os rumos da Doutrina, que nós, seus adeptos, às vezes, equivocadamente, lhe imprimimos. Digo-lhes que, no Dr. Inácio, jamais surpreendi, nem ao tempo de nossa convivência na Terra, o menor senão, algo que lhe desautorizasse a palavra e a opinião. Sempre pronto a estender a mão, dá-me a impressão de que se habituou a gracejar, com o propósito de ocultar a própria timidez.
Faço questão de efectuar esta ressalva, para que ninguém se iluda quanto à nobreza de seus sentimentos de verdadeiro cristão. No Sanatório Espírita de Uberaba, comovia-me vê-lo no trato com os pacientes e funcionários, como se cada um deles se lhe integrasse a família do coração. Enérgico, sim, quando precisava, mas, se com uma mão lhes puxava as orelhas, com a outra lhes afagava a cabeça, sem que ninguém lhe ousasse contestar as decisões.
— Domingas - disse-me ele, ao correr os olhos sobre estas linhas -, não se preocupe, minha filha, em fazer a minha defesa.
— Doutor - expliquei-me -, temo que algumas pessoas possam distorcer as suas palavras ou interpretá-lo de maneira errónea... Só quem conversa com o senhor, olhando-o nos olhos, para saber quem, de fato, é o senhor!
— Eu tenho receio de quem me olhe nos olhos... Vou lhe contar um segredo. O assédio afectivo sobre mim sempre foi muito grande. Não sei o motivo - com certeza, devia ser realmente um galã, não é? Ou será porque lidava com gente atrapalhada da cabeça?...
— Doutor, não querendo ofendê-lo...
— A segunda hipótese é a mais provável?
— É, os seus dotes intelectuais e morais são inegáveis...
— Eu nunca me propus ser nenhum Clark Gable!
Fez um muxoxo, em lamento, e continuou:
— Bem, vamos ao que interessa. Domingas, minha prezada, a mulherada...
— Eu sei...
— Não, não sabe. Havia uma que vivia querendo se internar, só para estar na minha presença!... Que escolha me restava, se não fechar a cara e transformar tudo numa piada?
— O senhor era muito... encantado, não é?
— Óptima palavra - encantado! Sim, eu sempre fui muito encantado: pessoalmente, por carta, por telefone...
Graças a Deus, desencantei todo o mundo, sem magoar ninguém.
— Deve ter sido difícil...
— Certa vez, uma me disse: — “Você vive me chamando de minha filha... Ora, eu não o sou; tenho idade para ser um pouco mais...” — Tem - respondi -, para ser minha neta! Eu estou com quase 70, e você, pela sua ficha, com 25...
— E ela? - perguntei.
— Domingas, uma mulher rejeitada...
— Vira inimiga, Doutor, e começa a falar horrores.
— Horrores?!... Não lhe digo nada. Ainda bem que nunca tive excesso de hormônio feminino no corpo, pois, caso contrário...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 8:42 pm

— Console-se comigo: muita gente achava que eu fosse um homem reencarnado... Ora, filha de um pai muito rígido, esposa de militar - sempre tive a maior admiração pela polícia —, aquele corpanzil... Com uma pitada de maledicência espírita, pronto!
—Fico imaginando o que, neste sentido, Chico Xavier não terá passado...
—Ah!, ele era muito mais encantado que o senhor...
— E mais feio do que eu - conseguia o prodígio de ser mais feio do que eu!
— O senhor acha?
O Dr. Inácio sorriu e retrucou:
— Domingas, você é um páreo à altura...
— Em todos os sentidos, quem me dera! O senhor é o belo, eu sou a fera...
— Retomando o assunto, para me defender, tive que adoptar um certo mimetismo espiritual: carrancudo, respostas rápidas e incisivas, quase ríspidas...
— Senão?...
— O lobo mau teria deglutido a vovozinha, ou melhor, o vovozinho!... Senão, minha filha...
—Doutor, eu também tenho idade para ser um pouco mais...
— Sim, concordo, você pode ser minha mãe!
— Danadinho!...
— Senão - prosseguiu, em sequência ao raciocínio -, eu teria arranjado para mim um carma sem tamanho! Resisti bravamente, heroicamente, aos encantos do sexo oposto.
Digo assim, porque os assédios sexuais ousados partiam de senhoras casadas...
— Conheço muitos médiuns, Doutor, homens e mulheres, que têm se complicado neste aspecto...
— Melhor não comentarmos, mas é verdade.
— A mulherada assedia mais... Por que será?
— Carência!
— Sexual?...
— Não; sinceramente, não creio; as mulheres procuram um relacionamento estável, anseiam por protecção, companheirismo... O homem é de natureza mais volúvel. A mulher é romântica, sonhadora... O sexo é complemento! Ponto final. A ratoeira não quer o queijo; a ratoeira quer o rato... Desculpe-me a comparação, mas é por aí. O sexo é pretexto. O prazer é efémero; o amor perdura...
— O senhor acha que ninguém está atrás de sexo?
—Em essência, não! O homem, minha filha, quer ser amado - o homem e a mulher. O verdadeiro amor transcende qualquer tipo de conjunção carnal. O sexo é primitivismo - é bom, mas é primitivismo! Estamos a caminho de sensações superiores...
— Quão longe!
—Não importa; a evolução não admite retrocessos...
Um dia, chegaremos.
— O que teria a dizer aos nossos irmãos que se encontram expostos a tantas tentações?
— A única coisa que posso dizer: Evitem o carma!
Um relacionamento afectivo conturbado pode ser um problema para muito tempo... A promiscuidade é doença.
Evitem-na!
— O senhor, algum dia, esteve a ponto de sucumbir?
— Muitas vezes.
— A Doutrina o salvou?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 8:42 pm

— Não coloquemos as coisas assim... Agente é salvo da gente mesma, não dos outros. Ora, por que nunca nos colocamos na condição de pedra-de-tropeço no caminho de alguém? O outro é sempre o instrumento do mal, a possibilidade de escândalo... E nós, que, não raro, agimos com maior frieza e astúcia?! Usamos, abusamos e abandonamos... Ocupamos o tempo e a vida de uma pessoa, lhe consumimos a juventude, interferimos em sua programação cármica, impedindo que receba por filhos espíritos com os quais tenha compromisso... Isto não nos sairá de graça, concorda?
— Não tem jeito: tenho que concordar.
—Houve uma senhora, extremamente simpática, que levando a irmã para uma consulta comigo, voltou, depois, dizendo que estava disposta a deixar tudo por minha causa -uma rica fazendeira de jóias, cujo marido era alcoólatra...
Mudaríamos para o Rio de Janeiro e ela construiria um hospital para mim.
— Que teste, hem? Como o senhor se safou?
— Disse que agradecia o interesse dela por mim, mas que, infelizmente, devido às minhas precárias condições de saúde, não poderia me comprometer com ninguém.— Precárias condições de saúde?...
— E, expliquei que havia feito um exame de sangue e constatara que estava com sífilis... A mulher que, ao me cumprimentar, apertava a minha mão e não largava, levantou-se e nem “até logo”. Dessa vez, fui salvo pela sífilis!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 8:42 pm

33 - Os Elementais
O Dr. Inácio, devendo sair, deixou-me conversando com Labélius e o Sr. Manoel Roberto. Eu estava admirada da presença do dementai (não gosto deste termo e, se o emprego, é apenas por falta de um outro mais adequado à compreensão do leitor), mesmo porque ali, no Hospital, não havia nenhum outro que se lhe assemelhasse em aparência; os dementais, em sua forma característica, não costumam conviver e se relacionar abertamente com os humanos: vivem em comunidades afastadas, em contacto mais estreito com a Natureza, sendo que muitos habitam o interior da Crosta, os pântanos, as cavernas...
— Labélius - perguntei -, afinal, a que dimensão da Vida pertencem propriamente os seres dementais?
— Minha irmã - respondeu com tema inflexão de voz, revelando atilada sabedoria que, dificilmente, eu viria a surpreender em uma pessoa comum -, pertencemos, por assim dizer, à dimensão contígua à dos nossos irmãos humanos. Seria difícil explicar, mormente para os que ainda se encontram encarnados. Trata-se de uma região espiritual intermediária, que nos possibilita acesso ao orbe físico quanto à dimensão que lhes é imediata à morte do corpo; podemos, assim, muitos de nós, transitar livremente e mais livremente de acordo com o grau de consciência que temos de tal possibilidade - o curioso é que, salvo excepções, o humano não pode atravessar as fronteiras que nos delimitam o universo particular...
— Interessante! Quer dizer que vocês?...
— ...vivemos, em maioria, dentro do nosso próprio universo, onde dispomos, naturalmente, de tudo o que nos é necessário à existência.
— Parece ficção! - exclamei.
—Além da forma, o que nos difere? Você, para mim, é um ser humano e não uma inteligência sub-humana, como já ouvi certas referências, inclusive da própria literatura espírita.
— Uma maior predominância do instinto, dos impulsos, a limitação do pensamento - somos, ainda, mais emoção que razão.
— Nos seres humanos, também observamos algo semelhante...
—Embora em corpos mais aperfeiçoados, estão mais perto de nós do que da espécie humana em que se encontram estagiando, assim como muitos de nós mostram maior identificação com os animais, os seres que, na escala evolutiva, nos são imediatamente inferiores.
O diálogo seguia proveitoso, tomando-me ainda mais reverente à sabedoria da Criação Divina, cuja infinita grandeza, sinceramente, me confundia - a cada novo conhecimento adquirido, eu me sentia como um grão de areia, perdido na imensidão do Universo!
— Vocês - arrisquei indagar - se reproduzem?
— Por que seria diferente? É claro que nos reproduzimos. Nascimento e morte não são fenómenos que se circunscrevem apenas à esfera das criaturas que mourejam na carne. Todas as coisas e todos os seres são dotados de relativo dom de criar, a partir de si mesmos. Se as próprias células se reproduzem, os átomos, os vegetais, por que não nos reproduziríamos?! Espiritualmente, a nossa filiação é divina, ou seja, o princípio inteligente não é capaz de gerar-se, todavia no que tange à forma...
— Permita-me ser mais clara e directa: o espírito não cria o espírito, mas o que é oriundo da matéria?...
— “O espírito não procede do espírito”... - já o dissera Jesus a Nicodemos. O princípio inteligente, que começa a estagiar nas formas mais rudimentares da Vida, em sua expressão material, emana do Criador.
— Então, vocês têm uma vida normal?
Labélius sorriu e esclareceu:
— Minha irmã, não se sinta ofendida, mas a espécie humana... De que parâmetros você se utiliza para definir algo como sendo normal? A imperfeição é uma anormalidade... Todos estamos em transição. A espécie humana, de forma alguma, pode ser tomada como padrão de normalidade. Digamos melhor: vivemos tão anormalmente como vivem os homens!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 8:42 pm

Agora, se deseja saber se comemos, se bebemos, se dormimos, se sentimos atracção sexual uns pelos outros, etc., a resposta é sim!
— A espécie humana?...
— No corpo e fora do corpo, é apenas e tão-somente uma das infinitas nuances da vida, em suas infinitas formas de expressão no cenário da Criação. Vocês, os humanos, devem parar de tomar a Terra como único ponto de referência da Vida Universal, pois semelhante concepção lhes bloqueia a capacidade imaginativa, predispondo-os à negação sistemática de tudo quanto se revelem incapazes de conceber.
— Como, desculpe-me, um elemental como você pode saber tanto? Eu, humana, me sinto completamente leiga - só sei o que o Espiritismo tem me ensinado...
— E assim mesmo, Domingas - ponderou o Sr. Manoel Roberto —, sujeito às nossas interpretações pessoais, não é?
— Eu não sei, minha irmã, quase nada - respondeu Labélius. — Em mim, o que existe é vontade de saber, de aprender... Procuro me conservar sempre de espírito receptivo - se é que vocês me permitem o emprego do termo espírito para mim; muitos, talvez, venham a considerar isso uma aberração, um atrevimento de minha parte...
— Um erro doutrinário, Labélius!
— D. Domingas, os espíritos não habituados à luz, quando a vislumbram, disputam-lhe a primazia...
— O que você está querendo dizer?
— Que quase todo espírita deseja para si a exclusividade da Verdade - antecipou-se o Sr. Manoel.
— Fico pensando que se a gente soubesse um pouquinho mais do que já sabe...
— Se a ponta do véu se erguesse um pouco mais?
Enlouqueceríamos de vez... Definitivamente, não estamos preparados. Os primitivos cristãos só aceitaram morrer pelo Evangelho, em vez de por ele matarem, porque Jesus exemplificou com o próprio sacrifício no lenho infamante. Mesmo assim, quando Dele se distanciaram no tempo...
— ...deixaram de morrer e começaram a matar!
— Os espíritas, conforme costuma dizer o Dr. Inácio, ainda estão sujeitos às enfermidades mentais decorrentes do fanatismo religioso...
— ...embora a nossa fé seja raciocinada!
— Sim, mas numa cabeça doente, a fé...
— ...se contagia! Precisamos tratar a nossa cabeça, não é?
— O Dr. Inácio ensina que o tratamento da cabeça doente começa pelo coração - os nossos sentimentos enfermos é que, a rigor, nos enfermam o espírito. Vejamos:
incompreensão, falta de piedade, ódio, amargura, ressentimento, desejo de vingança, ciúme, inveja, enfim, todo o séquito de nossas principais mazelas procede do coração, da esfera das emoções.
— Por este motivo, o Evangelho...
— ...se dirige mais ao coração que à inteligência!
— O espírita, para saber além do que sabe, com maior proveito...
— ...precisa amar além do que tem amado!
— Quando no corpo, temos uma sede de saber; ansiamos por revelações mediúnicas...
— ...rotulando de repetitivas as páginas de conteúdo moral!
— Ultimamente, Sr. Manoel Roberto, os livros neste sentido nem têm sido valorizados - o pessoal quer novas e incessantes informações sobre o Mundo Espiritual...
— É o que tenho me preocupado em falar com o meu povo - interferiu Labélius -, concitando-os ao cultivo dos valores do coração, para que, mais tarde, sejam melhores seres humanos. A docilidade e a ternura evitam que o espírito se complique em suas experiências reencarnatórias.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 8:43 pm

Digo a eles: entre escolher o caminho da inteligência e o do coração, escolham o do coração primeiro... O intelectual dificilmente se mostra disposto a capitular em seus equívocos!
— A criança tem ido à escola para aprender a ler e a escrever, mas também deveria ir para aprender a amar!
— Nem em casa os pais estão ensinando isto...
— E altamente preocupante, Domingas, pois o futuro da Humanidade está em jogo. A vida sem amor toma-se impossível em qualquer parte do Universo.
— Os seus irmãos o escutam, Labélius? - perguntei.
— Infelizmente, alguns poucos.
— Cuidado! - brinquei, ingenuamente, sem saber o que estava dizendo. — Eles poderão crucificá-lo...
Deixando a mim - entenda quem o puder - completamente estarrecida e basbaque, o elemental mostrou-me, no dorso de ambas as mãos, chagas que ainda estavam por cicatrizar-se...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 8:43 pm

34 - Graças a Deus!
Lágrimas que não pude conter rolaram-me dos olhos.
Voz embargada, não consegui acrescentar palavra.
Labélius, despedindo-se com gentileza, retirou-se, enquanto, emocionalmente, procurava me recompor.
Respeitando-me o silêncio, o Sr. Manoel Roberto, que permanecera ao meu lado, esperou que eu tomasse a iniciativa de algum comentário a respeito.
— Sinto-me aturdida...
— Domingas, em todos os níveis em que a Vida se manifesta, há sempre alguém chamado a sacrificar-se para que a própria Vida se eleve. Na verdade, não avançaríamos para diante, sem o espírito de renúncia e sacrifício daqueles que precedem na caminhada...
— “Em todos os níveis em que a Vida se manifesta”?... Quer dizer?!...
— Que é igualmente assim em todos os reinos, inclusive, minha irmã, dos elementos inorgânicos; partículas atómicas e subatómicas se destacam umas em relação às outras, como se lhes estivesse “ensinando” a superação de si mesmas...
— Seria por este motivo que algumas sementes...
— ...produzem e outras, não! De modo geral, o ser não é apenas produto do meio em que vive; existem factores intrínsecos determinantes no aperfeiçoamento de tudo! A predisposição íntima, aliada às influências externas, é a força propulsora da evolução.
— Então... - balbuciei, reticente, sem lograr concluir o raciocínio.
— É assim, repito... Disse-nos Jesus que, se o grão de trigo não morrer, não se tomará pão! Alimentamo-nos reciprocamente. Em qualquer grupo de espíritos, um será chamado a ser luz para os demais, no sentido de subtraí-los à escuridão... Vejamos: quase todos os missionários do progresso da Humanidade pagaram pesado tributo à ignorância dos homens!
— Críticas, incompreensão, tormentos...
— Injúrias, flagelos físicos e morais e, não raro, a crucificação! Não há como ser de outro modo...
— Labélius?...
— Um espírito avançado demais para o seu povo...
A Misericórdia Divina de nada e de ninguém se esquece.
Os que sobem devem descer, com a finalidade de promover a ascese dos retardatários. Não é fácil ensinar aos que não querem aprender...
— Como a Vida é linda! Que coisa, meu Deus!...
— Por este motivo, ninguém deve se queixar, chamado a se doar incessantemente através do perdão e da paciência, no sustento daqueles que ainda não se fizeram suficientemente fortes e esclarecidos. As vítimas inocentes, Domingas, são espíritos que se imolam no intuito de provocarem drama de consciência nos que jazem de mente cristalizada na indiferença...
— O quê?!...
— É isto mesmo. Se hoje já nos mostramos relativamente despertos para o Bem, é porque o mal que nos cansamos de praticar ontem nos impôs graves dramas de consciência; arrependidos das lágrimas que fizemos verter, procuramos enxugá-las e, para tanto, não hesitamos em derramá-las por nossa vez... Assim como a rosa nasce entre espinhos, o verdadeiro afecto emerge do sofrimento.
— Nossos verdugos e perseguidores de agora...?
— ...serão, amanhã, inevitavelmente, nossos benfeitores! É da Lei que venhamos a reparar o menor dano que tenhamos causado ao próximo. O episódio do Calvário é um drama que pesa sobre a consciência da Humanidade inteira!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 8:43 pm

Quanto mais elevado o espírito, maior o seu âmbito de actuação na colectividade. Não podemos, é óbvio, como Jesus, arcar com um lenho além de nossas possibilidades de transportá-lo - a tarefa do Mestre é a da redenção de todas as criaturas! -, mas somos convocados a carregar as nossas cruzes particulares, no testemunho àqueles que permanecem na expectativa de nossa exemplificação.
— E quantas vezes, olvidamos as nossas obrigações familiares, não é?...
— Voltaremos a elas, Domingas, a elas e a eles, os espíritos que a nós se vincularam pelos laços da consanguinidade — não os evitaremos!
— Não?...
— De forma alguma! Se não conseguimos suportar-lhes a convivência, haveremos de nos preparar melhor, a fim de que nos disponhamos a ser para os de casa o que, de hábito, somos para os de fora.
— Não haverá - perguntei - nenhuma valvulazinha de escape? - perguntei. — Como, por vezes, nos pesa o fardo que os nossos familiares nos impõem! A gente luta, peleja... Não nos compreendem, nos ironizam, não acreditam em nós...
—Nenhuma válvula de escape, minha irmã, por mais insignificante: teremos que amá-los e ensiná-los a nos amar!
A família é a nossa Humanidade a ser redimida!... E, pensando bem...
— O quê?...
— O problema é que sempre consideramos as nossas lutas e provas maiores que as dos outros. A convivência não é fácil para ninguém. Em família, nós já estamos no acerto dos detalhes de nosso reajuste - conhecemos e somos conhecidos. Viver ao lado de estranhos nos parece mais agradável, porque nós não os conhecemos e nem eles a nós; mas espírito imperfeito é tudo igual - com o tempo, começam a surgir as arestas... Não nos iludamos!
— Sr. Manoel, o senhor tem razão: no centro espírita, formamos uma pequena família e, volta e meia...
— E ninguém passa muito tempo, um ao lado do outro!
— E a gente se reúne para orar!...
— Melhor, pois, minha irmã, você não concorda?,
que fiquemos com os nossos conhecidos problemas de relacionamento...
— Já nos acostumamos com o peso daquele pé em cima do nosso calo de estimação; com aquela lenga-lenga de todos os dias; com aquela cara feia de quando a gente sai e de quando chega...
—O tempo vai passando, os problemas envelhecem...
— Família nova?...
— E sinónimo de problema novo!
— Ouvia de muitos amigos: “Na outra encarnação, não quero voltar com fulano ou sicrano...”
— Isto, minha irmã, como diz o Dr. Inácio, é porque ele não conhece beltrano...
— Sr. Manoel, o senhor está quase me convencendo a pedir todos os meus familiares de novo comigo, na próxima existência...
— Será que eles irão querer você?
— Nossa! Não precisava também ser assim tão incisivo... Agora, o senhor faltou com a caridade! - brinquei, deixando o amigo desconcertado.
—Mas não é, Domingas?!... Essa deve ser a pergunta que nos devemos fazer: será que eles, nossos familiares, estarão dispostos a nos aguentar noutra encarnação?...
— Sinceramente, eu não me atreveria a responder por eles. Não sei, não... Penso que, para uma resposta positiva, vou ter que agradar a muitos, fazer promessas que, depois, não sei se cumprirei.
— Pela cabeça de muitos de nós não passa a ideia de que os insuportáveis somos nós!
— Os sistemáticos, os enjoados, os cheios de mania, os custosos, os obsidiados...
— Nós, os espíritas, principalmente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2024 8:44 pm

— Os outros são espíritos atrasados... Eu, pelo menos, sempre achei o meu povo muito atrasado.
— Quem vive com “O Evangelho” nas mãos e não melhora?
— Eu não sou... Você deve estar se referindo aos evangélicos, não é? Espírita é tudo bonzinho... Faz sopa para os pobres, costura, transmite passes, recebe espíritos e... briga, briga a valer. Se, em matéria de religião, fôssemos maioria!... Custou-me entender por que nós, os espíritas, temos que ficar por baixo.
— Lamentável constatação! O Dr. Inácio costuma dizer que espírita bom é o que apanha o dia inteiro e, à noite, vai cuidar das próprias feridas no centro.
— O pior, Sr. Manoel, é que se o espírita é quem mais apanha é também quem mais bate...
— Com uma diferença: quem bate não apanha; quem apanha não bate!
— Preferível apanhar - conclui, satisfeita. —Apanhei tanto, que não tive ânimo de bater em ninguém, graças a Deus! Estou repleta de feridas. O que o chicote cantava no meu lombo!... Graças a Deus! Graças a Deus!... - repeti, pausadamente.
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