LUZ ESPÍRITA
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Espiritismo Uma Religião Brasileira / José Luís dos Santos

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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 07, 2024 11:29 am

5 - EXPRESSÕES DO MOVIMENTO ESPÍRITA
A disseminação do espiritismo foi marcada por expressões próprias. Estas foram tanto derivadas de suas difíceis relações com as leis e com a medicina, como no recurso à expressão baixo espiritismo e na criação de hospitais, quanto emanaram da dinâmica interna do movimento, como no apoio ao idioma esperanto e na publicação de livros atribuídos a espíritos.

A PSICOGRAFIA
Entende-se que a psicografia é uma manifestação de mediunidade pela qual os espíritos se comunicam por meio de certas categorias especiais de médiuns, que, em estado de transe, escrevem mensagens ou mesmo textos volumosos.
Ao longo do século XX, a psicografia firmou-se como uma importante concepção de mediunidade para o espiritismo brasileiro. E bem compreensível que assim seja, se considerarmos o alto valor que têm o texto escrito e a actividade editorial no movimento espírita do país.
A conceituação de psicografia já aparecia com clareza na obra de Allan Kardec, comportando três modalidades básicas, segundo a maior ou menor consciência do médium no ato de escrever sob influência de espíritos. Por médiuns mecânicos entendia-se os que realizavam essa actividade sem qualquer consciência do que escreviam. A categoria dos semi-mecânicos dizia respeito àqueles cuja consciência daquilo que escreviam viria na medida em que escrevessem. Finalmente, os médiuns intuitivos seriam aqueles que receberiam em pensamento as comunicações dos espíritos para em seguida escrevê-las.
Nos três casos, o médium psicógrafo é entendido como um instrumento de comunicação dos espíritos, o que também se aplica ao médium receitista.
Essas duas formas de mediunidade, tão importantes para a história do espiritismo no país, têm assim um aspecto comum: os médiuns são entendidos como veículos directos do plano espiritual. Diferem de outros tipos de médiuns que contribuem com seus próprios fluidos, associados aos dos espíritos, como pode ocorrer, por exemplo, com aqueles que curam por aplicação de passes (imposição de mãos).
No Brasil, a psicografia tem presença antiga no espiritismo, tendo sido conhecida desde os primeiros núcleos. Num episódio famoso, o próprio Allan Kardec teria se manifestado em 1889, pelo médium Frederico Júnior, e assim traçado as directrizes para a expansão do movimento no Brasil. No início, os médiuns recolhiam mensagens que circulavam entre os espíritas ou até mesmo serviam de base para a elaboração de tratados espíritas. De facto, seguindo o método sugerido por Kardec em O livro dos espíritos, muitas das sessões se concentravam em questionários que eram apresentados aos espíritos para elucidar aspectos tidos por importantes.
Actualmente, as obras psicografadas têm forte presença no movimento, ocupam lugar de destaque em sua dinâmica interna e divulgam o espiritismo entre adeptos de outras religiões e o público em geral. Obras de médiuns consagrados, que se afirma serem de autoria de espíritos reconhecidos, orientam questões doutrinárias do espiritismo. Esse é o caso, por exemplo, das obras psicografadas por Francisco Xavier.

Os FUNERAIS DA SANTA Sé
As obras psicografadas estão também associadas a autores importantes da língua portuguesa. Foi a partir de meados da década de 1920 que a psicografia começou a incorporar essa feição, que se tornaria depois recorrente. Em Belém do Pará, a médium América Delgado passou a psicografar textos atribuídos ao espírito de Guerra Junqueiro, poeta português que revelara algumas preocupações místicas e que falecera em 1923. Tinha-se então uma obra literária atribuída ao espírito de um importante autor, cujo estilo, supostamente, seria reconhecível.
A obra, intitulada Os funerais da Santa Sé, foi publicada pela Federação Espírita Brasileira em 1932, causando impacto, mesmo porque Guerra Junqueiro (espírito) revelava-se francamente favorável às teses rustanistas do espiritismo brasileiro, enfatizando uma visão mística de Cristo, sua essência imaculada, seu carácter sobrenatural.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 07, 2024 11:29 am

0 PARNASO DE ALÉM-TÚMULO
Em outra parte do país, no Triângulo Mineiro, o jovem médium Francisco Xavier começava a desenvolver actividades na mesma direcção. A partir de 1931, quando tinha 21 anos, psicografou uma colecção de poemas atribuídos a 14 espíritos de literatos, como Casimiro de Abreu, Augusto dos Anjos e Castro Alves.
Publicado pela Federação Espírita Brasileira em 1933, o livro Parnaso de além-túmulo foi recebido com curiosidade e causou debates dentro e fora dos meios espíritas. Intelectuais como Agripino Grieco e João Dornas Filho fizeram comentários ácidos a respeito da qualidade dos textos atribuídos aos espíritos dos literatos, que seriam inferiores aos que haviam produzido em vida.
Outros livros psicografados por Francisco Xavier foram em seguida publicados. Muitos eram associados a Humberto de Campos, escritor maranhense que alcançara amplo sucesso como cronista, memorialista e contista e que falecera em 1934.

BRASIL, CORAÇÃO DO MUNDO, PÁTRIA DO EVANGELHO
Um dos livros atribuídos ao espírito de Humberto de Campos, publicado em 1938 e com prefácio assinado pelo espírito Emmanuel, intitulava-se Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho. Psicografado por Francisco Xavier, era uma espécie de versão espírita da história do país, para o qual estaria estabelecida uma missão: a de consolidar o espiritismo e propagá-lo entre os povos.

0 CASO HUMBERTO DE CAMPOS
Em 1944, a viúva de Humberto de Campos decidiu processar o médium e a Federação Espírita Brasileira.
Argumentava que, se os livros publicados por Francisco Xavier fossem mesmo de seu falecido marido, a família tinha direitos autorais a receber. Caso contrário, o uso do nome de Humberto de Campos era abusivo e a Justiça deveria proibir essa prática.
A decisão da Justiça foi desfavorável à família, uma vez que não poderia aceitar que Humberto de Campos continuasse a escrever depois de morto. Além do mais, os direitos criados após a morte de uma pessoa não poderiam ser protegidos por acção judicial. Para todos os efeitos, o autor das obras era Francisco Xavier. Este continuou a psicografar textos atribuídos a Humberto de Campos, mas depois do processo o espírito passou a ser identificado como Irmão X.

PSICOGRAFIA E LITERATURA
O mais importante médium psicógrafo do país, Francisco Xavier, tem centenas de livros e milhões de exemplares publicados.
Seu sucesso foi importante para firmar esse tipo de mediunidade no movimento espírita e facilitou a divulgação de obras de outros médiuns psicógrafos.
O tipo de literatura resultante associou o espiritismo a autores consagrados que fazem parte da vida intelectual e da formação escolar no Brasil. Assim, ao lado de nomes desconhecidos, são apresentados como espíritos inspiradores dessas obras psicografadas escritores como Antero de Quental, Victor Hugo, Cruz e Sousa, Cornélio Pires, Tomás António Gonzaga e muitos outros.
Ao mesmo tempo, é uma literatura que veicula mensagens espíritas na forma de versões religiosas de estilos produzidos pela literatura leiga.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 07, 2024 11:29 am

NOSSO LAR
No conjunto, essas obras acrescentam novos elementos doutrinários às concepções espíritas.
Nesse sentido, a obra de maior impacto foi o livro de Francisco Xavier intitulado Nosso lar, publicado originalmente em 1944 e atribuído ao espírito André Luís (que se supõe ter sido o médico Oswaldo Cruz), que traz concepções novas sobre o que seria a existência dos espíritos não-encarnados.
No livro é apresentada uma cidade espiritual com cerca de 1 milhão de espíritos, localizada sobre a cidade do Rio de Janeiro. Tratar-se-ia de um lugar de transição para espíritos a caminho do aperfeiçoamento e teria sido fundada no século XVI por espíritos de portugueses distintos que haviam falecido no Brasil.
A cidade é descrita em suas actividades rotineiras. Suas edificações e estrutura urbana são apresentadas, bem como seus sistemas de educação, saúde, governo, trabalho, lazer, economia. Tudo funcionando adequadamente.
Assim, os espíritas eram informados, em 1944, que, sobre a então capital do Brasil e numa outra dimensão, uma sociedade se desenvolvera, paralela no tempo à própria existência do país, atingindo alto grau de organização, dotada de um sistema administrativo eficiente e onde estavam disponíveis amplas possibilidades de evolução espiritual.
O livro foi, e continua sendo, um grande sucesso. O espiritismo a partir daí tinha não só uma história no Brasil, mas dispunha também de contribuições doutrinárias originais surgidas no próprio país.

0 ESPIRITISMO E A LEI
O caso Humberto de Campos ganhou fama, gerou debates, foi matéria de muitas reportagens e marcou a história do movimento espírita.
É de se notar que a FEB e Francisco Xavier foram processados porque a família do escritor reivindicava direitos sobre a obra, e não por prática do espiritismo.
De facto, por ocasião desse processo, a prática do espiritismo já não era mais constrangida legalmente.
O Código Penal, reformado em 1940, deixara de incriminar essa prática, embora continuasse penalizando o curandeirismo e o exercício ilegal da medicina.
Até 1940 permanecera a situação ambígua que o movimento espírita apontara desde o início: a Constituição garantia a liberdade religiosa, mas o Código Penal condenava o espiritismo e gerava desdobramentos.
Em 1904, por exemplo, o Regulamento da Saúde Pública da capital do país reprimira explicitamente a prática do espiritismo.
Quando acusado, então, o espiritismo se apresentava como religião e reivindicava seus direitos constitucionais; estes acabavam por prevalecer, isentando os espíritas de condenações.
Mesmo as actividades de cura dos espíritas, que motivavam acusações de prática de curandeirismo, eram por vezes incorporadas aos direitos constitucionais de liberdade de crença e culto.
Outras vezes, a Justiça concluía serem as acusações improcedentes por falhas formais nos inquéritos em que os processos se baseavam.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 07, 2024 11:30 am

PROCESSOS CONTRA MÉDIUNS
Um caso exemplar, nesse sentido, ocorreu em 1904-1905 no Rio de Janeiro, com a aplicação do Regulamento da Saúde Pública mencionado.
Após a morte de uma mulher pobre de 29 anos, que contraíra varíola e fora medicada segundo a prescrição do médium Domingos Filgueras, este foi autuado pela polícia em sua casa, onde prescrevia em estado mediúnico e onde eram distribuídos os respectivos medicamentos.
Como consequência, foi aberto um processo contra Filgueras e contra a FEB, na pessoa de seu presidente, Leopoldo Cirne.
A denúncia contra Cirne foi julgada improcedente e sua actividade como presidente de uma instituição religiosa, considerada de acordo com a lei. Filgueras foi inocentado por não haver nos autos provas que o associassem aos medicamentos apreendidos e que pudessem caracterizar a prática do curandeirismo. Muitas vezes os casos contra os espíritas não chegavam a ser julgados. Assim, o sucesso das actividades espíritas de Barsanulfo deu origem a uma reacção regional contra ele. Em 1917 foi denunciado por prática de espiritismo e curandeirismo, de acordo com o Código Penal de 1890. A denúncia partiu do Círculo Católico de Uberaba.
O movimento espírita contava na região, como em toda parte, com a participação e a simpatia de pessoas influentes. Após a abertura do inquérito policial, os espíritas articularam-se rapidamente para repudiá-lo, em Uberaba e outras cidades da região, recorrendo a artigos na imprensa e a protestos públicos. O inquérito seguiu sem muito entusiasmo e a denúncia acabou tornando-se inócua. Logo no ano seguinte foi arquivado pelo juiz de direito de Uberaba.

ESPIRITISMO E BAIXO ESPIRITISMO
A despeito de coroar seguidamente com decisões favoráveis da Justiça, o espiritismo continuou por várias décadas vulnerável à acção policial respaldada no Código Penal de 1890.
O movimento espírita tinha, no entanto, condições de amenizar a repressão policial devido ao prestígio de que gozava nos círculos sociais influentes, como mostrou a mobilização a favor de Barsanulfo em 1917. Já quando da entrada em vigor do Código Penal, um de seus autores tentara explicar que nada tinha contra o espiritismo e que as acções policiais deveriam orientar-se contra o que chamou de baixo espiritismo.
A expressão baixo espiritismo passou a ser usada desde então, e, embora seu significado seja um tanto escorregadio, ela ainda é corrente.
É uma noção que, na origem, fora utilizada para canalizar medidas repressivas do Estado e diminuir a pressão sobre um espiritismo tido por superior e isento.
Quando entrou em uso, na passagem do século XIX para o XX, a expressão baixo espiritismo parecia se referir a práticas que estivessem fora do âmbito do espiritismo organizado. Trata-se de uma discussão que surgiu no Rio de Janeiro, travada num momento em que as várias tendências do movimento espírita, reconhecendo o perigo da nova legislação, procuravam unir-se no âmbito da FEB.
Baixo espiritismo fazia, pois, referência a cultos ou a práticas de adivinhação e cura que implicassem, de algum modo, noções de comunicação com espíritos e que eram externos aos grupos e tendências circunscritos à FEB. Dizia respeito tanto a indivíduos isolados que se filiavam a tradições espiritualistas europeias como a indivíduos ou grupos que expressavam em suas práticas legados culturais de origem africana.
Estabelecia-se, assim, uma linha de separação no âmbito das concepções e práticas de comunicação com espíritos. De um lado estariam aquelas que contavam com a legitimação de sectores da elite da sociedade; de outro, aquelas que ficavam à margem dos sectores sociais dominantes. Sobre estas, um rótulo de inferioridade era imposto com a denominação de baixo espiritismo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 07, 2024 11:30 am

Com o tempo, tal expressão encontrou novas acepções. Passado o momento breve de defesa comum perante as ameaças da República nascente, as dissensões internas no movimento espírita continuaram a mantê-lo desunido. Com base naquele critério de considerar espiritismo o que estivesse organizado, era difícil traçar uma linha divisória.
Em São Paulo, no Rio de Janeiro e em outros Estados, várias ligas e federações disputavam o controlo do movimento durante a Primeira República. Não havia consenso sobre concepções e práticas dentro do movimento espírita.
Ocorria, também, uma mudança no panorama das religiões mediúnicas, com a combinação do kardecismo com práticas e concepções de origem africana. Era uma situação que se tornava frequente e desafiava o movimento.

ESPIRITISMO FORA DA DOUTRINA?
Bem ilustrativo das dificuldades do movimento espírita em lidar com esse assunto foi o tratamento que lhe deu, em 1926, a reunião do Conselho Federativo da Federação Espírita Brasileira ao discutir as manifestações de "caboclos e pretos" que ocorriam em certos centros.
A primeira deliberação foi a de aceitá-las e ao mesmo tempo sugerir que não se transformassem em norma. Após maiores debates se decidiu definir essas práticas como espiritismo, negando-se, entretanto, que estivessem de acordo com a doutrina espírita.
A tendência foi então considerar como baixo espiritismo esses sistemas e práticas mediúnicas associados a rituais de origem africana.
A expressão era aplicada a eles, não partia deles, fazendo, pois, sentido para as tendências espíritas kardecistas e rustanistas, uma vez que as diferenciava dessas outras práticas mediúnicas.
O emprego dessa expressão se propagou mesmo entre os críticos do espiritismo. O médico Afrânio Peixoto, por exemplo, prefaciando um livro abertamente contrário ao espiritismo, viu-se na necessidade de distinguir o espiritismo do baixo espiritismo. Embora tentasse registrar semelhanças apontando "o mesmo fundo, a mesma metodologia, os mesmos resultados", acabou por assinalar no baixo espiritismo diferenças de "gradações da cultura e da moralidade".

REPRESSÃO NO ESTADO NOVO
A partir de 1937, com o Estado Novo, aumentaram os episódios de perseguição ao espiritismo. Em Recife, por exemplo, eles tornaram-se bem ostensivos. Havia tolerância, porém, para as sociedades espíritas localizadas no centro da capital, as quais tinham em suas directorias pessoas importantes da sociedade local, incluindo membros do governo. No Rio de Janeiro, em 1941, uma portaria da polícia determinou a suspensão indiscriminada na capital de todos os centros espíritas e locais em que se praticavam cultos de origem africana.
No caso do espiritismo, embora o Código Penal não mais o visasse directamente a partir de 1940, a repressão era feita com argumentos médicos, como a defesa da saúde pública.
A repressão sobre outras práticas mediúnicas foi, no entanto, muito mais violenta e constante. Já em 1934, uma lei determinara que os "grupos religiosos de inspiração africana" deveriam ficar sob a jurisdição do Departamento de Tóxicos e Mistificações da Polícia.
O espiritismo kardecista e o rustanista continuavam contando, naqueles anos de ditadura, com o apoio de sectores sociais expressivos para se opor às perseguições da polícia.
De facto, durante o Estado Novo houve uma movimentação de profissionais espíritas no sentido de se organizarem sectorialmente. Assim, em 1939, era realizado o Primeiro Congresso Brasileiro de Jornalistas e Escritores Espíritas; em 1941, foi fundada a Sociedade de Medicina e Espiritismo do Rio de Janeiro; e, em 1944, surgia a Cruzada dos Militares Espíritas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 07, 2024 8:22 pm

ESPIRITISMO, MEDICINA E LOUCURA
A medicina também se organizava e procurava se expandir no país nas primeiras décadas do século XX, ciosa do monopólio do tratamento de doenças que lhe era garantido pelas leis e por suas instituições de ensino e pesquisa.
Da perspectiva das instituições médicas, os médiuns espíritas faziam parte de um amplo leque de praticantes ilegais da medicina, junto com outros tipos de curadores religiosos, curiosos, práticos e charlatães.
Se a relação institucional entre espiritismo e medicina era tensa, entre espíritas e médicos havia situações atenuadoras, que derivavam do fato de ter o espiritismo conseguido se fixar nas mesmas camadas sociais em que eram recrutados os médicos. Vários dos primeiros espíritas brasileiros eram médicos e sempre se constatou a presença desses profissionais entre os espíritas.

HOSPITAIS ESPÍRITAS
Isso ajuda a entender como, a despeito dos condicionamentos do Código Penal e da existência de uma exclusividade legal para a prática da medicina, o espiritismo ampliou suas áreas de actuação em relação à doença. Buscou institucionalizar-se no âmbito da própria medicina praticada no país, com a criação de hospitais espíritas, que funcionavam com médicos formados e onde podiam ser praticadas modalidades de cura espírita a par da medicina alopática ou homeopática.
Instituições desse tipo foram criadas em várias partes do país.
Foram fundados, por exemplo, a Casa de Saúde Allan Kardec, em Franca, no interior de São Paulo, em 1921, o Hospital Espírita de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 1926, e o Hospital Espírita Pedro de Alcântara do Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro, em 1945.
Essas relações de certa ambiguidade com a medicina eram reconhecidas até por críticos severos do espiritismo. Assim, em sua obra Criminologia, Leonídio Ribeiro dizia que os espíritas se reuniam "acintosamente em sessões públicas" e mantinham "consultórios, enfermarias, ambulatórios, e até hospitais que funcionam, às vezes, com a cumplicidade de médicos diplomados".
O mesmo autor criticava a criação de uma Sociedade de Médicos Espíritas, julgando que sua principal finalidade seria "unir os charlatães diplomados com os curandeiros sem escrúpulo, para mais fácil exploração do grande público".

LOUCURA E OBSESSÃO
Os espíritas foram particularmente activos no atendimento a doentes mentais. São recorrentes na história do espiritismo as informações sobre a entrega desses doentes a médiuns e líderes espíritas para tratamento. Isso ocorreu no caso de Batuíra, de Barsanulfo, de Schutel, entre inúmeros outros.
Muitas das instituições espíritas de saúde, como a Casa de Saúde Allan Kardec, em Franca, surgiram da necessidade de alojar esses doentes adequadamente.
Ocorre que os espíritas dispunham de teorias explicativas próprias para as aflições dos doentes mentais e propunham-se a tratá-los por meio da doutrinação e da colaboração de espíritos.
Para o espiritismo, desde Allan Kardec, os "elementos constitutivos do homem" são três: o corpo, o espírito e o perispírito. Este último é explicado como o corpo fluídico de cada espírito, que o acompanha nas reencarnações e que serve de intermediário entre o espírito e o corpo. O perispírito seria "o órgão de transmissão de todas as sensações".
As relações entre corpo, espírito e perispírito de uma pessoa poderiam ser afectadas para o bem ou para o mal por espíritos desencarnados.
No caso de influência negativa, "o envoltório fluídico dos maus espíritos penetra e embaraça o das vítimas", ou seja, a vítima seria afectada a partir de seu perispírito.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 07, 2024 8:23 pm

São as obsessões, termo que o espiritismo prefere a doenças mentais, denominando-se obsidiados os que as sofrem. Quando a dependência dos maus espíritos torna-se absoluta, o kardecismo explica que os obsidiados se tornam possessos.
O tratamento para esses casos, chamado de desobsessão, consiste em convencer o espírito obsessor a abandonar sua vítima — é como se fosse uma versão espírita do exorcismo católico. Isso dependeria fundamentalmente da "autoridade que deriva da superioridade moral" e poderia ser conseguido por meio da força de vontade do obsidiado "fazendo o bem e confiando em Deus" e da colaboração de doutrinadores evoluídos e espíritos superiores.
Nas décadas que marcaram a expansão do movimento espírita no Brasil, a associação entre espiritismo e loucura também foi colocada de maneira bem diferente, a partir das instituições médicas.

ESPIRITISMO E LOUCURA
O espiritismo foi acusado de fabricar loucos ou de ser praticado por pessoas com problemas mentais. Vários trabalhos médicos foram escritos para tratar do assunto.
Os médicos Leonídio Ribeiro e Murilo de Campos, num estudo (1931) sobre o espiritismo, apontavam como "evidentes os malefícios das sessões públicas de espiritismo".
Consideravam que o espiritismo não era "por si mesmo um agente de loucura", mas que as práticas espíritas favoreciam, em certos indivíduos, "a desagregação psíquica".
No livro Misticismo e loucura, publicado em 1939, o médico do hospital psiquiátrico paulista do Juqueri, Osório César, informava com base em extensa bibliografia que "a maior parte dos neuro-patologistas consideram os médiuns como psicopatas, mitómanos". Assinalava que "em geral as práticas espíritas são efectuadas por indivíduos embusteiros em lugares convenientemente preparados", ainda que numa pequena nota de rodapé explicasse: "falamos aqui do baixo espiritismo". A despeito da ressalva, César definia o médium como "indivíduo discrásico e por isto (...) sugestionável e mitómano, geralmente de mentalidade medíocre e que apresenta sintomas histéricos". Cita uma estatística de 1925, segundo a qual 10% dos internados no Instituto de Neuropatologia da Assistência a Alienados lá estavam em consequência do espiritismo.
Este era visto como "uma prática moderna das religiões dos povos primitivos".
A questão frequentava há tempos os debates das associações científicas.
Em 1927, por exemplo, o Dr. Xavier de Oliveira apresentara um trabalho sobre "Religiões em Psiquiatria" perante a Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal, assegurando que 95% dos casos que chamou "delírio episódico" tinham no espiritismo sua origem. O mesmo autor escreveu, em 1931, um livro intitulado Espiritismo e loucura, no qual, "deixando aos teólogos seu lado religioso, e à polícia seu lado explorador", estuda a feição patológica do espiritismo, concluindo que o mesmo tinha efeitos danosos sobre a saúde mental.
Chega a comparar 0 livro dos médiuns à cocaína. Considerava que, depois da sífilis e do álcool, era o espiritismo o "terceiro factor de alienação mental" no Brasil.
Esses trabalhos deixavam completamente de lado as propostas espíritas de explicação de doença mental, desenvolvidas já nos livros de Kardec e que foram objecto de consideração do espiritismo brasileiro desde seus primórdios. Um dos livros de Bezerra de Menezes que continua a ser publicado, A loucura sob novo prisma, trata dessa questão.
Embora o espiritismo se considerasse também uma ciência, suas reivindicações nesse campo não foram aceitas. Essa auto-definição de ciência do espiritismo era conhecida de seus críticos, como o já citado Leonídio Ribeiro, e totalmente recusada. O psiquiatra paulista Franco da Rocha (1864-1933), um dos luminares da ciência brasileira, afirmava sobre o espiritismo em carta dirigida a Leonídio Ribeiro:
"Como doutrina científica nada há que mereça confiança".
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 07, 2024 8:23 pm

A oposição da medicina e da psiquiatria nunca levava em consideração as teorias espíritas, mas somente suas práticas. Para os psiquiatras, de fato, eram criticáveis suas sessões religiosas em geral, associadas ou não a propósitos de cura. Assim dizia Afrânio Peixoto: "De minha observação concluí que os centros espíritas do Rio de Janeiro eram laboratórios de histeria colectiva (...)".
Quando muito, esses trabalhos procuravam dar explicações para os fenómenos que povoavam o espiritismo, explicações em termos do saber médico dominante e segundo as quais, por exemplo, poderiam existir médiuns sinceros praticando, sem o saber, fraude subconsciente.
Assim, ao mesmo tempo que o espiritismo consolidava sua actuação no campo da cura em geral e da doença mental em particular, as instituições médicas transformavam o espiritismo em objecto de investigação, associando-o aos problemas mentais da sociedade.

0 APOIO AO ESPERANTO
O movimento espírita avançou na primeira metade do século XX a despeito das dificuldades e oposições aqui apontadas. Foi influindo na formação cultural do Brasil contemporâneo na medida em que divulgava suas ideias e práticas e propunha alternativas às concepções dominantes, como a evolução pessoal em vez da salvação divina, a cura obtida por meio do médium e não do médico, a obsessão no lugar da loucura.
Até mesmo para o latim do catolicismo, o espiritismo encontrou uma resposta adequada: a partir de 1912, a FEB passou a dar apoio à divulgação do esperanto no país, com publicações e cursos.
O esperanto era, e continua sendo, a mais bem-sucedida de uma série de línguas artificiais inventadas a partir do final do século XIX.
Criado em 1887 pelo médico polonês Ludwig Lazar Zamenhof, o esperanto chegou ao Brasil na virada do século. O grupo esperantista Suda Stelaro (Constelação do Sul), criado em 1906 em Campinas, São Paulo, consta como o primeiro a ser constituído formalmente no país; mas já em 1907 era criada, no Rio de Janeiro, uma entidade de âmbito nacional, a Brazila Ligo Esperantista (Liga Esperantista Brasileira).
Nos anos de 1910, quando a FEB aderiu ao esperanto, este já tinha grupos constituídos em vários outros Estados, como Ceará, Minas Gerais e Santa Catarina.
No movimento espírita era enfatizado o carácter neutro e internacional dessa língua, adequado para a antevisão de uma humanidade unida, com uma só língua e uma só religião: o espiritismo.
O apoio dos espíritas a esse idioma aumentou em 1936 com a criação do Departamento de Esperanto na FEB. A presença do esperantismo no movimento espírita tornou-se bastante comum, e em 1944 começaram a ser editados livros espíritas nesse idioma, como Vocoj de poetoj el la spirita mondo (Vozes de poetas do mundo espiritual), de Francisco Valdomiro Lorenz.
Actualmente, a maioria dos livros publicados em esperanto no Brasil é espírita ou patrocinada por instituições espíritas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 07, 2024 8:23 pm

6 - A DELIMITAÇÃO DO MOVIMENTO
O espiritismo crescia e se tornava conhecido. Ao mesmo tempo, ameaçava diluir-se, pois era associado a práticas muito variadas. Essa situação foi ressaltando a necessidade de delimitar o movimento, de decidir o que podia e o que não podia ser considerado espírita.

FENÓMENOS ESPÍRITAS
Nas primeiras décadas do século XX, diversos médiuns se tornaram muito conhecidos. Personagens públicos cujos nomes circulavam de boca em boca eram objecto de reportagens na imprensa e tema de livros; sua fama às vezes ecoava em outros países.
Os fenómenos que causavam tamanha repercussão iam além do que faziam os médiuns receitistas e psicógrafos: envolviam levitações, transporte de pessoas e objectos a distância, materializações de espíritos.
Destacam-se estas últimas, que consistiriam num fenómeno em que um espírito podia tornar-se visível por meio de uma substância chamada ectoplasma, que seria formada graças à utilização de uma porção da energia vital de médiuns em transe. Comuns no Brasil durante muito tempo, as sessões de materialização continuam a ocorrer, embora em menor escala.
A possibilidade de tais fenómenos acontecerem era admitida pelo espiritismo e tratada na obra de Kardec como resultante de formas de "mediunidade de efeitos físicos".
Eram tidos como produto da combinação "do fluido universal com o fluido que o médium libera, próprio para esse efeito". O fluido seria a matéria do perispírito — elemento entre o espírito e o corpo, conforme Kardec —, do qual o médium faria uso; quanto ao fluido universal, este seria mobilizado pelo espírito que estivesse agindo em associação com o médium. As leis que garantiriam a ocorrência desses fenómenos, como o da levitação, por exemplo, seriam desconhecidas:
"E que o homem está longe de conhecer todas as leis da Natureza; se as conhecesse todas, seria Espírito superior", ainda segundo Kardec.
Alguns médiuns tinham associação maior com um ou outro desses fenómenos. Assim, por exemplo, o médium carioca Peixotinho, que na década de 1940 organizava sessões regulares no Rio de Janeiro e se tornara conhecido pelas materializações luminosas.
Outros ficavam famosos por um único fenómeno de grande repercussão.
Um desses foi o médium Francisco Antunes Bello, de Pindamonhangaba, São Paulo, que teria realizado uma operação espiritual em 1945 perante público numeroso.
Essa operação teria sido conduzida por um espírito, o do padre Zabeu, materializado por meio da mediunidade de Bello.
Para realizar a operação, o espírito teria se munido dos instrumentos cirúrgicos apropriados, como pinças e bisturi, e extraído o apêndice inflamado de um paciente, fazendo depois a respectiva sutura do corte. Exames médicos e radiografias foram acrescentados aos relatos desses trabalhos com o fito de confirmá-los. Tal fato foi amplamente divulgado pela imprensa brasileira da época.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 07, 2024 8:23 pm

UM MÉDIUM DE SUCESSO
Em matéria de repercussão e cobertura pela imprensa, o médium Carmine Mirabelli foi, sem dúvida, muito bem-sucedido. Paulista nascido no interior, de origem italiana e humilde, Mirabelli desenvolveu intensa actividade como médium durante cerca de 30 anos, a partir da década de 1910. Estabeleceu bases em São Vicente (no litoral de São Paulo), Niterói e Rio de Janeiro e, principalmente, em São Paulo. Entre os que o apoiavam estavam comerciantes, advogados, militares e intelectuais, os quais contribuíram para que Mirabelli estabelecesse várias instituições, como a Academia de Estudos Psíquicos César Lombroso, em São Paulo, e o Instituto Psíquico Brasileiro de Niterói, no Rio de Janeiro.
Embora a comunicação com espíritos, ideias de reencarnação e os apelos à prática da caridade fossem comuns em suas actividades, essas instituições não estavam preocupadas com o estudo sistemático das obras de Allan Kardec nem com a propaganda organizada do movimento espírita.
Tudo girava em torno de Mirabelli, que era procurado pelos pobres como médium receitista; por pessoas das camadas médias urbanas, curiosas com os fenómenos que promovia; pela polícia, que chegou a encaminhar processos contra ele por prática de curandeirismo e extorsão; e por jornalistas e escritores em busca de material para seus textos.
Mirabelli inovou na organização das sessões em que actuava como médium e que eram assistidas por pessoas que esperavam vê-lo receber comunicações espirituais ou induzir a materialização de espíritos.
Procurava realizá-las em salas amplas, com boa iluminação natural ou artificial, o que contrastava com o ambiente de meia-luz em que, por exemplo, as materializações como a de Bello ocorriam.

XENOGLOSSIA
Entre as habilidades mediúnicas pelas quais Mirabelli era famoso ressaltava a psicografia em idiomas estrangeiros, que os espíritas denominam xenoglossia. Seus seguidores afirmavam que ele recebia comunicações espirituais em mais de 40 línguas, do chinês a dialectos africanos, passando pelos idiomas russo, italiano, inglês, tcheco, hebraico, alemão, persa, grego antigo, japonês, albanês, catalão e muitos outros. Essas comunicações eram atribuídas a espíritos de personagens famosos, como Galileu, Kepler, Leonardo da Vinci, Lombroso, Moisés, Shakespeare, Demóstenes ou Alexandre, o Grande. Compunham um leque de temas variados, que incluía desde as habituais exortações à moralidade do espiritismo até questões históricas, jurídicas ou relativas às funções do capital e do trabalho.

FOTOS E ACTAS
Muitas materializações eram fotografadas, segundo os livros que na época foram escritos a seu favor e que, no entanto, não as reproduziam com frequência. Numa dessas fotos, a legenda informa conter a imagem de um espírito materializado e levitando a quatro metros de altura. Outra foto publicada apresenta três pessoas, que são identificadas como Mirabelli, um de seus seguidores e, entre eles, o espírito materializado do poeta italiano Giuseppe Parini; neste caso, o termo espírito aparece entre aspas, por ser o livro de autoria de Leonídio Ribeiro, médico e criminologista contrário ao espiritismo.
Segundo aqueles livros, as sessões eram registradas em atas e assinadas por seus participantes, vários deles ilustres. Infelizmente para os pesquisadores, muito desse material foi dado por perdido num incêndio em 1930.

CASOS IMPRESSIONANTES
Relatam-se casos impressionantes envolvendo a figura de Mirabelli.
Conta-se, por exemplo, que em sua presença um violino tocara sozinho, um automóvel com amigos seus se levantara na rua a dois metros de altura e por dois minutos, bolas haviam se movido sobre o pano de bilhar sem que ninguém as tocasse, objectos haviam se deslocado, além de ter o próprio médium coberto em 15 minutos, através de transporte mediúnico, os 90 quilómetros que separavam São Paulo de São Vicente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 07, 2024 8:24 pm

VIDA POLÉMICA
A fama de Mirabelli tinha conseguido bases amplas em 1916, quando dois jornais paulistanos lançaram séries de reportagens a seu respeito. A Gazeta adoptava uma postura contrária, e o Correio Paulistano, favorável.
Ambos recolhiam comentários, cartas e entrevistas respectivamente contra ou pró Mirabelli e os fenómenos a ele associados. A querela durou cerca de um mês, entre junho e julho daquele ano, incluindo matérias de capa concebidas para causar impacto.
A celeuma fez aumentar a circulação dos dois jornais, mas os resultados quanto aos poderes do próprio médium foram inconclusivos.
Convidado para reproduzir, publicamente e sob controlo, os fenómenos pelos quais era conhecido, Mirabelli não o conseguiu, alegando que o ambiente desfavorecia sua concentração. Muitas outras reportagens sobre o médium seriam a partir de então publicadas em jornais e revistas brasileiros.
Entre 1923 e 1937, nove livros foram escritos por seus seguidores. Espíritas e pesquisadores europeus e americanos interessaram-se por seus feitos. Mirabelli também serviu de tema para intelectuais que atacavam o espiritismo, como Leonídio Ribeiro ou o médico Silva Mello, que na década de 1940 escreveu um livro intitulado Mistérios e realidades deste e do outro mundo, em que classifica os fenómenos associados a Mirabelli de "palhaçada".
O médium, segundo o próprio Silva Mello, jamais foi pego em fraude. Contando com boa defesa, que soube sempre apontar erros processuais e falta de provas, foi inocentado nos processos a que teve que responder na Justiça.

CAUTELA DO MOVIMENTO ESPÍRITA
Todo esse sucesso contribuiu para tornar mais conhecida e corriqueira a ideia de comunicação com os espíritos. A Academia de Estudos Psíquicos César Lombroso, fundada pelo famoso médium, foi arrolada em 1931 no Anuário Espírita do Brasil, publicação da Federação Espírita Brasileira, como uma instituição espírita. As lideranças espíritas procuravam, no entanto, guardar cautelosa distância do médium, de seus fenómenos espectaculares e dos problemas que tinha com a polícia.
Carlos Imbassahy, um importante intelectual espírita que o conheceu, não nega sua mediunidade, mas trata-o com curiosidade, sem atribuir-lhe importância exagerada.
Na história que os espíritas escrevem sobre o próprio movimento, Mirabelli ocupa poucos parágrafos em flagrante desproporção com o sucesso público que alcançou como médium.

0 MOVIMENTO FEDERATIVO
Os fenómenos espíritas causavam impacto, os centros multiplicavam-se, assim como os periódicos e as editoras próprias. A partir da década de 1930 começaram a se tornar comuns programas radiofónicos de espiritismo em várias partes do país, notadamente no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Rio Grande do Sul. No entanto, entre os próprios espíritas não havia consenso sobre o que era o espiritismo no Brasil. Além do mais, as reportagens sobre espiritismo, na grande imprensa, traziam muitas matérias que lhe eram contrárias e o envolviam com fraudes e assuntos policiais.
A necessidade de interligar, de federar os centros e as iniciativas espíritas manifestava-se de maneira reiterada. A preocupação que dera origem à FEB repetia-se com frequência no movimento espírita.
Eram muitas, no entanto, as associações e federações, sem referência a um sistema comum.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 07, 2024 8:24 pm

FEDERAÇÕES REGIONAIS
Até 1940, organizações desse tipo já estavam constituídas em vários Estados, como Pará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Paraná, Rio Grande do Sul. Em alguns, mais que uma. Em Pernambuco, por exemplo, existiam a Federação Espírita e a Liga Espírita. A segunda fora formada para defender os centros espíritas perseguidos a partir de 1937, atitude que acusavam a Federação de não tomar. A par dessas questões políticas locais, a oposição entre ambas se firmava com base numa outra e mais antiga: a Federação tinha uma tradição rustanista, enquanto a Liga Espírita adoptava uma programação kardecista para a divulgação da doutrina.

KARDECISTAS E RUSTANISTAS
A disputa entre kardecistas e rustanistas era um dos entraves internos à coordenação unificada do movimento. A FEB tinha sido assumida pelos rustanistas na virada do século XIX para o XX e assim permaneceu.
Nem a FEB, a despeito de sua condição de referência nacional do espiritismo, escapou de um confronto directo quanto as suas pretensões federativas.
Em 1926, espíritas descontentes com a FEB convocaram uma Constituinte Espírita Brasileira. O motivo alegado de insatisfação foi a inacção da FEB quando da reforma parcial da Constituição, ocorrida no ano anterior, ocasião em que uma corrente clerical do poder legislativo havia apresentado emendas favoráveis à Igreja Católica, dispondo sobre o ensino religioso nas escolas e a definição do catolicismo como a religião do povo brasileiro.
A FEB foi acusada de omissão, e a oposição espírita às emendas, que não foram aprovadas, ficou por conta de iniciativas individuais.
Reunida no Rio de Janeiro, a Constituinte Espírita resultou na criação da Liga Espírita do Brasil com propósitos de unificar o movimento em âmbito nacional. Apresentava-se, assim, como uma alternativa à Federação Espírita Brasileira e, ao contrário desta, suas lideranças eram kardecistas.
A FEB reagiu convocando, no mesmo ano de 1926, a primeira reunião de seu Conselho Federativo, composto de representantes de centros e associações a ela filiados.
Procurava com isso manter sua posição de referência para o espiritismo nacional e propunha objectivos mais ambiciosos para os debates da reunião: "para que a Terra de Santa Cruz se desobrigue da missão que lhe coube na obra de disseminação da verdade espírita pelo mundo". A Liga Espírita do Brasil, por seu turno, continuava suas actividades, tentando organizar ligas espíritas nos Estados, com fins federativos.
Um aspecto importante desse período de expansão é que o espiritismo cresceu mais com base no kardecismo do que no rustanismo.
Em Estados que iam assumindo peso no movimento espírita, como São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul, a presença do rustanismo foi discreta, ainda que não tenha deixado de influir no movimento federativo.
Assim, em São Paulo foi criada em 1933 a União Federativa Espírita Paulista, de perto associada à FEB e a suas posições doutrinárias.
Na época já existia a União Espírita do Estado de São Paulo, organizada em 1908 por Batuíra.
Em 1936, os kardecistas formaram a Federação Espírita do Estado de São Paulo. Após a criação da Liga Espírita do Brasil foi fundada uma Liga Espírita do Estado de São Paulo com propósitos federativos.
As várias entidades competiam pela filiação dos centros espíritas existentes, e a Federação Espírita logo conseguiu firmar-se como a principal iniciativa federativa do Estado.
Como os rustanistas não negavam a obra de Allan Kardec, antes pretendiam acrescentar a ela a de Roustaing, os livros de Kardec tornavam-se referência comum para os espíritas. A questão rustanista era assim uma questão interna do movimento.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 07, 2024 8:24 pm

RUPTURAS NO MOVIMENTO ESPÍRITA
O movimento espírita, a par dos sucessos que registrava em sua expansão desde o começo do século XX, esteve também sujeito a rupturas: uma, mais radical no discurso, resultou na formação do racionalismo cristão; outra, de impacto mais profundo, na constituição da umbanda.
Ambas surgiram entre adeptos do espiritismo, no Rio de Janeiro.

0 RACIONALISMO CRISTÃO
A partir de 1910, foi organizado o espiritismo racional e científico.
Luís de Matos, seu fundador, lançou um novo sistema de concepções com base em uma crítica violenta ao kardecismo, às sessões espíritas em família, à Federação Espírita Brasileira e aos espíritas em geral. Acusou os kardecistas de gerar ódios e atrocidades com seu sectarismo religioso.
Quanto aos médiuns kardecistas, tinha-os como "a pior praga que na Terra existe". Suas concepções reafirmam a existência de espíritos, a reencarnação e mantêm o eixo evolucionista do espiritismo.
Luís de Matos pretendeu, porém, fazer uma nova síntese do homem e do universo a partir das ideias de força e matéria e atribuiu muito valor ao pensamento, concebido como "vibração do espírito, manifestação da inteligência, poder espiritual". A obra fundadora, Racionalismo cristão, foi apresentada como um trabalho "de pesquisa e elucidação" e não segue o método kardecista de questionários apresentados a espíritos que se supõe incorporados por médiuns; aliás, Kardec nem é mencionado na obra, ao contrário de Platão, Horácio, Krishna, Hermes, Cícero, Jesus, Descartes, do espírita francês Gabriel Délanne e de um médico carioca, António Pinheiro Guedes.
Luís de Matos organizou seus centros em várias cidades do país, cada qual denominado Centro Espírita Redentor, num sistema homogéneo a partir do Rio de Janeiro, distanciando-se da autonomia dos grupos locais praticada pelo movimento espírita. Embora o racionalismo cristão, como também era conhecida essa tendência, mantivesse a denominação espírita, sua ruptura com o kardecismo colocou-o à margem do movimento espírita.

A UMBANDA
Surgida nos anos de 1920, a umbanda foi organizada por membros da classe média do Rio de Janeiro, que, segundo a antropóloga Diana Brown, eram "espíritas insatisfeitos e entediados", contra a "ênfase doutrinária super-intelectualizada do espiritismo". Esses espíritas aproximaram-se de práticas e concepções religiosas de origem africana, comuns entre a população mais pobre da capital, que envolviam fenómenos análogos aos do espiritismo, como a crença na manifestação de espíritos por intermédio de pessoas em estado de transe.
O resultado foi uma religião sincrética, cujas entidades principais são divindades africanas, caboclos (espíritos de índios) e pretos-velhos (espíritos de antigos escravos), as quais comandam linhas, por sua vez divididas em legiões e estas em falanges também divisíveis, englobando uma quantidade enorme de espíritos que podem se manifestar em seus trabalhos.
Os umbandistas aceitavam os princípios kardecistas da reencarnação e da comunicação com os espíritos, adoptavam uma concepção evolucionista, mas se apresentavam como uma quarta revelação, que superava a terceira revelação proposta por Kardec, que, por sua vez, viria em sequência às de Moisés e Cristo. Não aderiram ao moralismo usual no movimento espírita.
Os umbandistas, no entanto, não se colocaram contra o kardecismo como o fizera o racionalismo cristão.
Houve, e continua a haver, muita variação no panteão umbandista; assim, não existe acordo sobre exactamente quais entidades espirituais comandam suas linhas. No entanto, o modelo básico permaneceu, e sua concepção de falanges que se dividem e subdividem permite incorporar de maneira dinâmica, entre os espíritos que se manifestam, personagens da vida quotidiana, como trabalhadores, prostitutas, migrantes.
Até hoje, por exemplo, é comum que os umbandistas se definam como espíritas. Nas décadas de 1930 e 1940, tendiam mesmo a enfatizar a denominação espírita em suas associações, para que inclusive a acção repressora da polícia as visasse menos.
Várias vezes se colocou a questão das relações do movimento espírita com a umbanda, e, embora esta tenha adquirido uma dinâmica própria, manteve relações tensas com o movimento espírita durante décadas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 07, 2024 8:24 pm

A UMBANDA É ESPIRITISMO?
A umbanda não atacava directamente as ideias de Kardec, daí uma certa ambiguidade de associações espíritas e de suas federações para com ela; as lideranças estavam propensas, no entanto, a considerá-la fora do movimento espírita.
Do espiritismo não raro partiam definições dos caboclos e pretos-velhos da umbanda como espíritos inferiores. Dirigentes espíritas incomodavam-se com as características rituais da umbanda envolvendo imagens, sons, cores, fumo, bebida e oferendas rituais conhecidas como despachos. Mesmo assim, a decisão de excluir os umbandistas demorou a se consolidar.
Em 1953, a Federação Espírita Brasileira declarava que os umbandistas podiam ser considerados espíritas, afirmando então que "todo aquele que crê na manifestação dos espíritos é espírita".
Essa abertura sofreu forte combate interno, e, em 1958, o Segundo Congresso Brasileiro dos Jornalistas e Escritores Espíritas opunha-se à umbanda em nome do rigor doutrinário. Por fim, em 1978, o principal órgão da imprensa espírita, O Reformador, definia como "imprópria, abusiva e ilegítima" a prática que tinham os umbandistas de se denominarem espíritas.

POR UMA BASE COMUM
Racionalistas cristãos, umbandistas, rustanistas, kardecistas, todos se diziam espíritas, mas para os dois últimos grupos esse uso amplo do termo era alarmante e reiterava uma directriz da história do movimento: a necessidade de alguma forma de organização comum que o circunscrevesse. Do mesmo modo, era necessário quebrar a associação que o público fazia entre o movimento e os aproveitadores que agiam sem controlo. Assim, por exemplo, o Anuário Espírita do Brasil de 1931 trazia um "Aviso aos incautos", alertando contra os exploradores da credulidade, que exibiam "falsas faculdades, recorrendo a artifícios de toda espécie para melhor iludirem a boa fé dos incautos".
No dizer de Paulo Alves de Godói, um historiador do movimento, a doutrina era desvirtuada "por força de interpretações capciosas e individualistas", e a falta de orientação kardecista favorecia a "disseminação de práticas exóticas (...) e cerimónias religiosas de aspecto estranho".
A repressão policial do Estado Novo tornou ainda mais evidente a necessidade de unificação. Essa repressão sintonizava com trabalhos de cientistas que na época se dedicavam ao estudo das questões espíritas. Era o caso de Leonídio Ribeiro e Murilo de Campos, que haviam apresentado um trabalho sobre espiritismo na Segunda Conferência Latino-Americana de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal, no qual afirmavam ser "indispensável praticar o exame psíquico sistemático dos médiuns exibidos nos centros espíritas e promover a responsabilidade penal das suas directorias, quando se provar que aqueles são doentes mentais". Isso além de recomendarem pura e simplesmente "a interdição das sessões públicas de espiritismo".
Com o fim do Estado Novo e com a liberdade religiosa consagrada na Constituição de 1946, as condições para iniciativas de unificação do movimento espírita tornaram-se mais favoráveis.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 07, 2024 8:25 pm

7 - O ESPIRITISMO SE CONSOLIDA
A história do movimento espírita brasileiro teve um momento importante no final da década de 1940, quando suas principais correntes chegaram a um acordo de unificação.
As novas disposições constitucionais e legais colocavam o movimento espírita numa situação mais confortável, embora permanecessem áreas potenciais de atrito, uma vez que práticas de cura pelo espiritismo continuavam passíveis de enquadramento como curandeirismo ou exercício ilegal da medicina.
Predominavam, no entanto, os benefícios do novo quadro legal.
O espiritismo passava a gozar de uma tranquilidade inusitada em sua existência no país.

A UNIFICAÇÃO ESPÍRITA
A proposta de organizar os espíritas regional e nacionalmente numa estrutura federativa data da primeira gestão de Bezerra de Menezes na FEB, em 1889. Na falta dessa estrutura, o nome de Bezerra de Menezes permaneceu associado ao ideal de unificação, como um património comum do movimento espírita brasileiro, frequentemente accionado. O impulso para implementar um sistema federativo partiu, na década de 1940, da dinâmica das associações paulistas, que disputavam a filiação dos centros espíritas.

A INICIATIVA PAULISTA
No final de 1945 reuniram-se as principais entidades federacionistas do Estado de São Paulo, a Federação Espírita do Estado de São Paulo, a Liga Espírita do Estado de São Paulo e a União Federativa Espírita Paulista. O objectivo era criar uma estrutura de unificação que não interferisse nas federações existentes. A solução que encontraram foi formar um órgão específico de unificação do qual todas fariam parte. Num primeiro momento chamaram-no de Movimento de Unificação Espírita e, logo no início do ano seguinte, de União Social Espírita, a USE.
Num movimento de cima para baixo, os centros espíritas foram então comunicados da criação da USE e conclamados a reproduzirem o modelo federativo em escala municipal, formando Comissões Espíritas Municipais, depois rebaptizadas de Uniões Municipais Espíritas, as UMEs. Mais de 550 instituições de todo o Estado aderiram e muitas UMEs começaram a ser estabelecidas.
Na capital montou-se uma estrutura de Uniões Distritais Espíritas, depois integradas num Conselho Metropolitano.
Montada essa estrutura, tratou a liderança espírita paulista de convencer outros Estados sobre suas vantagens. Esses propósitos foram definidos em 1947 no Primeiro Congresso Espírita do Estado de São Paulo, que, visando a "dinamização da unificação dos demais Estados", decidiu convocar um Congresso Espírita Centro-Sulino, realizado na capital paulista em 1948, com representantes de 15 Estados.

A PARTICIPAÇÃO DA FEB
A Federação Espírita Brasileira (FEB) acompanhava de maneira distanciada esses desdobramentos liderados por São Paulo. Os participantes do Congresso de 1948 conceberam uma solução engenhosa para incorporar a FEB às propostas de unificação. Não a queriam como líder nacional, pois, devido às velhas rivalidades, ela não correspondia à proposta unificadora que estava em andamento. Decidiram então propor a criação de um novo órgão dentro da FEB, o Conselho Federativo Nacional, cujos membros seriam representantes dos órgãos estaduais de unificação; diferente, portanto, do Conselho Federativo da FEB, cujos participantes eram os órgãos filiados a ela. Esse novo conselho teria por atribuição específica a condução da unificação em âmbito nacional, e não se confundiria com a direcção da FEB.
Menos fácil era convencer a FEB, mesmo porque muitos órgãos federativos estaduais estavam de relações rompidas com ela. A oportunidade surgiu em 1949, durante a realização, no Rio de Janeiro, do Segundo Congresso Espírita Pan-americano, quando representantes das federações de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul decidiram discutir o assunto com tal Federação.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 08, 2024 11:04 am

LINS DE VASCONCELOS (1891-1952)
Coube à federação gaúcha estabelecer os contactos preliminares com a directoria da FEB e, para tanto, recorreu à intermediação de Lins de Vasconcelos.
Empresário e político de renome, Lins de Vasconcelos era um espírita com actuação em vários Estados, notadamente Paraná, Paraíba e Rio de Janeiro, e colaborador das obras assistenciais espíritas.
Participara activamente da Coligação Nacional Pró-Estado Leigo (1931-1946), da qual chegou a ser presidente no começo da década de 1930. A Coligação fora fundada logo após a chegada de Getúlio Vargas ao poder por pessoas de várias correntes de opinião, temerosas de que o novo regime restaurasse vínculos entre a Igreja Católica e o Estado.
Essas qualificações eram amplamente reconhecidas no movimento espírita e deram a Lins de Vasconcelos condições de participar dessa costura política entre vários grupos do movimento.

0 PACTO ÁUREO
Após a intermediação de Lins de Vasconcelos, os representantes das federações estaduais puderam finalmente se reunir com o presidente da FEB, e, no início de outubro de 1949, as partes celebraram um acordo a que deram o nome de Pacto Áureo. Por ele a FEB ficava no centro do processo de unificação e aceitava a instalação de um Conselho Federativo Nacional com representantes dos Estados. Estabeleceu-se também que a obra de Kardec seria a referência básica do movimento espírita. Nada se disse, porém, sobre Roustaing.
Partiram então os espíritas para a generalização, por todo o país, do modelo de unificação adoptado.
Já em 1950 organizaram a Caravana da Fraternidade para os Estados do Norte e Nordeste, fundando inclusive algumas federações estaduais.
Até 1952, a estrutura nacional da unificação, tal como definida pelo Pacto Áureo, estava montada: o Conselho Federativo Nacional contava com representantes de cada Estado e do Distrito Federal, então no Rio de Janeiro.
O movimento de unificação reconheceu situações regionais específicas na montagem dessa estrutura.
Na maioria dos Estados, as tarefas da unificação ficaram a cargo das federações preexistentes. Em Pernambuco, onde havia duas federações, chegou-se a um acordo para que a mais antiga delas, a Federação Espírita Pernambucana, centralizasse os trabalhos de unificação. Em São Paulo a tarefa ficou a cargo da União Social Espírita, órgão criado pelas três principais federações locais antes mesmo do Pacto Áureo. A Liga Brasileira de Espiritismo, que disputara com a FEB a hegemonia nacional, ficou como instância de unificação para o Distrito Federal.

PARTICULARIDADES DA UNIFICAÇÃO ESPÍRITA
O Pacto Áureo foi um acordo de lideranças, com articulação garantida dentro do movimento, dado que partia das tendências associativas e federativas já tradicionais no espiritismo brasileiro. Conseguia, assim, chegar às suas bases: os centros espíritas e os denominados grupos familiares de espiritismo.
O objectivo da unificação era atingir a totalidade do movimento espírita, resguardando a pureza doutrinária, afastando desvios e equívocos. A estrutura nacional montada a partir do Pacto Áureo garantia bases de trabalho para a unificação ao mesmo tempo que diminuía as tensões internas e as canalizava para um objectivo comum.
Esse processo de unificação ocorria, no entanto, dentro de certas peculiaridades quanto à natureza dos centros espíritas, quanto ao uso então corrente do termo espírita e quanto às questões doutrinárias.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 08, 2024 11:04 am

FILIAÇÃO VOLUNTÁRIA
Assim, a filiação de centros e grupos espíritas não era compulsória.
Um centro espírita, para dar início a suas actividades, não precisava, como hoje não precisa, fazer parte de uma federação, associação ou instância federativa. Cumpridas as formalidades legais, o centro pode funcionar como uma associação civil sem fins lucrativos e declarar-se ou não espírita, de acordo com as definições de seus fundadores.
Essa deliberação está não só de acordo com a lei, mas com as próprias tradições do espiritismo brasileiro, que se implantou e cresceu com base na iniciativa de inúmeros grupos de pessoas espalhados pelo país.
O Pacto Áureo não cogitou alterar essa situação. Ao contrário, o modelo federativo desde Bezerra de Menezes buscava preservá-la, pois dela emanava a força do espiritismo e sua capacidade de disseminação.
Ao mesmo tempo, para cumprir os objectivos de unificação, era necessário chegar aos núcleos e centros espíritas e influenciá-los efectivamente a partir das deliberações das instâncias estaduais e nacional de unificação.

DESAFIOS DA UNIFICAÇÃO
Unificar o movimento espírita, sem criar uma religião hierárquica, foi um desafio para a estrutura montada pelo Pacto Áureo, mesmo porque as bases de práticas e concepções religiosas do espiritismo sempre foram autónomas. Isso se procurou resolver dando ênfase ao trabalho de propaganda dentro do próprio movimento, com a actuação de conferencistas comprometidos com a unificação e com uma intensa actividade editorial. Ao mesmo tempo, multiplicaram-se encontros, congressos e reuniões visando atravessar horizontalmente os centros e núcleos espíritas e inseri-los em referências e debates comuns.
A unificação também podia gerar novas dificuldades. No Estado de São Paulo, a constituição de uma nova entidade federativa, a União Social Espírita, deu margem a novas tensões e problemas operacionais.
A USE passou a actuar directamente sobre os centros espíritas e, procurando envolvê-los no movimento de unificação, acabou causando atrito com as federações já existentes.

CONTRA AS MISTIFICAÇÕES
Outras questões demandavam consideração. Para muitas das lideranças espíritas comprometidas com a unificação, o termo espírita tinha um uso por demasiado amplo. Eram comuns os casos de pessoas que se diziam espíritas e afirmavam ter mediunidade capaz de provocar factos espectaculares, o que gerava muita discussão e desconfiança. Por conta desses e de outros factos, o espiritismo era particularmente vulnerável a acusações de mistificação e fraude.
Em 1949, um grupo de jornalistas espíritas foi responsável por uma série de 70 reportagens no Diário da Noite de São Paulo, na qual inúmeros médiuns conhecidos foram acusados de fraude.
Foi um episódio importante: o movimento espírita mostrava iniciativa e capacidade de estabelecer limites para o que pudesse ser considerado prática espírita. A denúncia pública, por parte de espíritas conhecidos, de fraudes praticadas em nome do espiritismo trazia respeitabilidade para o movimento e estabelecia indicações claras para seu público interno.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 08, 2024 11:05 am

A DOUTRINA ESPÍRITA
Havia uma esfera, porém, em que a situação era mais delicada. Ela dizia respeito a questões doutrinárias.
O Pacto Áureo tinha sido firmado entre kardecistas e rustanistas, correntes que durante décadas haviam se oposto e cuja própria existência tornara as propostas unificadoras mais difíceis de serem realizadas. A solução, no dizer de Herculano Pires, importante intelectual espírita, foi o silêncio.
Concordou-se que a obra de Kardec seria a referência comum do movimento. Obras subsidiárias seriam admitidas, sem que fossem especificadas.
Como as diferentes federações continuavam autónomas, nada impedia que Os quatro evangelhos de Roustaing fosse considerada obra subsidiária ao kardecismo.
Quanto às questões específicas que opunham kardecistas e rustanistas brasileiros, como a natureza do corpo de Cristo, nada foi definido.
As obras de Kardec que o Pacto Áureo mencionava como fundamentais eram O livro dos espíritos e O livro dos médiuns. E interessante notar que O evangelho segundo o espiritismo não era mencionado.
Essa omissão permitia incorporar ao movimento espírita mesmo aquelas tendências que, ao contrário da dominante, davam uma ênfase menor à vinculação do espiritismo às religiões cristãs.
A tendência religiosa dominava, porém, amplamente. Nela, a antiga disputa pró ou contra Roustaing permaneceu latente, a despeito da hegemonia do kardecismo. Ainda em 1973 era publicado um livro de Herculano Pires e Júlio de Abreu Filho, O verbo e a carne, que contestava as ideias de Roustaing. Há no livro até mesmo comunicações atribuídas ao espírito do escritor português Guerra Junqueiro, esclarecendo seu envolvimento nessa disputa.
Como se recorda, o livro Os funerais da Santa Sé, psicografado em 1932 por América Delgado, que teria servido de médium para aquele espírito, defendia posições rustanistas.
Após todos esses anos, segundo O verbo e a carne, o espírito decidira manifestar-se novamente, desta vez pelo médium Jorge Rizzini, desfazendo o equívoco e atribuindo-o a dificuldades da médium original em transmitir correctamente sua mensagem:
o poema "Os quatro evangelhos", atribuído ao espírito de Guerra Junqueiro e psicografado por Rizzini, revelava-se agora inteiramente de acordo com a doutrina de Kardec.
A fixação das obras de Kardec como base doutrinária tem um potencial dogmático capaz de gerar tensões internas no movimento. E que novas concepções só podem ser aceitas se não conflituarem com o disposto nas obras de Kardec. Isso estabelece um condicionamento prévio para as obras de psicografia — tão importantes no espiritismo brasileiro —, o de só serem efectivamente aproveitáveis se estiverem de acordo com O livro dos espíritos e com O livro dos médiuns, ou seja, se forem realmente kardecistas.
Estabelecer como referência fundamental obras de meados do século XIX pode implicar contradição com as próprias concepções espíritas.
Ocorre que, segundo estas, o conhecimento dos espíritos superiores seria transmitido conforme a contínua evolução da humanidade, tanto no aspecto moral como no que tange a sua capacidade de compreensão.

POSSIBILIDADES DE DISSENSO
A referência comum a Kardec não é suficiente para evitar que concepções divergentes se desenvolvam dentro do movimento. Supõe-se que os médiuns trabalhem em associação com os espíritos e que uns e outros possam errar ou se equivocar, dependendo da evolução dos espíritos e da capacidade maior ou menor de os médiuns expressarem as comunicações espirituais.
No entanto, na falta de uma estrutura hierárquica compulsória, quem, ou que instância, pode definir como legítimas as doutrinas emanadas do trabalho de médiuns psicógrafos?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 08, 2024 11:05 am

Abrem-se assim amplas possibilidades de dissenso interno. Médiuns com obras às vezes volumosas dão origem a tendências dentro do movimento. Assim foi com Pietro Ubaldi, médium italiano que escreveu sua Grande síntese ouvindo uma entidade que ele chamava de A Voz. Do mesmo modo, o médium paranaense Hercílio Maess deu origem à nova corrente interna, com a publicação de obras que afirmava inspiradas por um espírito de nome Ramatis.
O espiritismo brasileiro revive assim um aspecto próprio das religiões mediúnicas: a dificuldade de manter coeso um sistema de crenças ao qual médiuns têm acesso, individualmente, à comunicação com espíritos, deuses, seres sobrenaturais.
É difícil controlar com determinações organizativas e sistemas burocráticos as possibilidades de variação e ruptura que a prática generalizada desse acesso espiritual abre.
Esses médiuns podem proclamar a legitimidade do além e buscar adeptos para as ideias que propagam a partir dessas comunicações.

MÉDIUNS DE REFERÊNCIA
No movimento espírita brasileiro das últimas décadas, essas tendências dissociativas inerentes a seu carácter mediúnico têm sido contra-balançadas pela extraordinária receptividade interna que alguns médiuns conseguem para seus feitos. Os casos principais dizem respeito a dois médiuns mineiros, Arigó e Francisco Xavier. As actividades mediúnicas de ambos empolgaram o movimento espírita e repercutiram amplamente na sociedade, tornando-os famosos e admirados dentro e fora do movimento espírita.
Arigó ficou conhecido pelas operações mediúnicas que realizava, durante as quais, explicava, era instrumento do espírito de um médico que identificava como Dr. Fritz. Já Francisco Xavier, ainda que actuando continuamente na cura como médium receitista, é conhecido principalmente pela psicografia de centenas de obras. Ambos enfrentaram problemas com a Justiça, mas apenas Arigó chegou a ser condenado e preso por suas actividades mediúnicas.

As OPERAÇÕES DE ARIGÓ
José Pedro de Freitas, o Arigó, nascido em 1921 e falecido em 1971, viveu em Congonhas, Minas Gerais, onde começou, em estado mediúnico, a atender doentes nos anos de 1940. Sua fama tornou-se nacional nas décadas de 1950 e 1960. Nesse estado, falava com sotaque alemão e apresentava-se como o espírito do Dr. Adolf Fritz, cirurgião alemão da Primeira Guerra Mundial que chefiaria uma "equipe de médicos do espaço", entre os quais o oftalmologista francês Gilbert Pierre e o cirurgião japonês Takahashi.

ALOPATIA E CIRURGIA
Aos doentes, os quais atendia individualmente, o médium Arigó receitava medicamentos alopáticos e comunicava diagnósticos; ia, portanto, além da actividade usual dos médiuns receitistas. O que causava mais impacto, porém, eram as operações mediúnicas que realizava, durante as quais, utilizando instrumentos precários, como tesouras, colheres e facas cegas, extraía tumores ou retirava cataratas sem preocupação com assepsia.
As curas espectaculares de Arigó davam, de certo modo, continuidade a uma tradição brasileira de curas religiosas capazes de envolver multidões. Ao atingir fama nacional, Arigó substituía conhecidas figuras associadas a fenómenos como o padre Donizetti, de Tambaú, ou, antes deste, o padre Eustáquio, de Poá, ambos municípios do Estado de São Paulo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 08, 2024 11:06 am

POLÍTICA LOCAL
Durante muitos anos, as relações de Arigó com a Igreja Católica local foram tranquilas. Elas complicaram-se quando, em 1954, Arigó foi candidato a prefeito de Congonhas. Contava com o apoio do sindicalismo e tinha por oponente um tio seu, apoiado pelos padres da cidade. Arigó perdeu a eleição e ganhou a oposição sistemática da Igreja; de nada adiantava segurar, como sempre fizera, um crucifixo quando em estado mediúnico ou manter uma placa colocada na frente de sua casa com a frase: "Nós somos contra o baixo espiritismo".

PUBLICIDADE E PROCESSOS
Algumas das operações de Arigó foram filmadas, ampliando a fama do médium, que, na década de 1960. atendia a milhares de pessoas por mês no Centro Espírita Jesus Nazareno, em Congonhas, provenientes de todo o Brasil e do Exterior.
A desenvoltura com que o médium actuava e a publicidade de suas cirurgias resultaram em processos e condenações por curandeirismo e exercício ilegal da medicina. Condenado em 1958. foi indultado pelo então presidente Juscelino Kubitschek, médico e mineiro, não chegando a ir para a prisão. Em 1964 foi novamente condenado; desta feita, os apelos feitos ao regime militar então instalado no país não evitaram que Arigó fosse enviado para a prisão de Conselheiro Lafaiete. As condenações de Arigó deixavam claro um balizamento para o espiritismo no Brasil. A legislação posterior a 1946. como explica o promotor Djalma Barreto em seu livro Parapsicologia, curandeirismo e lei, ampara o espiritismo como religião, mas pune o espiritismo enquanto medicina. A despeito da tolerância com que essa regra viesse sendo aplicada, as cirurgias mediúnicas de Arigó haviam configurado uma situação limite para a Justiça e para as instituições médicas.

A IMPORTÂNCIA DE FRANCISCO XAVIER
Nascido em 1910 em Pedro Leopoldo, Minas Gerais, Francisco Cândido Xavier, aqui citado várias vezes, dedicou sua vida a uma intensa actividade mediúnica. Contava para isso com a assistência, segundo ele próprio, de três espíritos principais: Emmanuel, seu pai espiritual, que teria sido em sua última encarnação o padre Manuel da Nóbrega (1517-1570); André Luís, que para muitas pessoas do movimento é o espírito Jo sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917); e Bezerra de Menezes. Os nomes de Emmanuel e André Luís aparecem frequentemente relacionados às obras publicadas pelo médium. Já Bezerra de Menezes estaria associado às prescrições homeopáticas em suas actividades de médium receitista. Inúmeros outros espíritos também estão associados às actividades mediúnicas de Francisco Xavier. '

MILHÕES DE LIVROS
Até 1989 eram contabilizados 327 títulos de livros do médium Francisco Xavier, alcançando o total de 15 milhões entre os 50 milhões de exemplares de livros espíritas que se calculava tivessem circulado no Brasil até então. Esse total superava em 3 milhões o número de exemplares dos livros de Allan Kardec editados no país.
Seus títulos cobrem uma ampla gama de estilos literários. A preocupação com a doutrinação espírita é constante e muitas textos são especificamente voltados para o esclarecimento de aspectos das concepções do espiritismo.

APOIO AMPLO
Quando, na década de 1930, Francisco Xavier começou a ter seus livros publicados, era forte a divisão interna do movimento. Sua mediunidade, no entanto, foi amplamente aceita pelos espíritas.
Tanto a Federação Espírita Brasileira quanto o movimento espírita paulista promoveram seus livros.
Em sua obra estão ausentes os pontos de atrito entre rustanistas e kardecistas, e as informações que agrega ao espiritismo, como a existência de colónias espirituais, que descreve na obra Nosso lar, ou os procedimentos adequados para tratar a obsessão, apresentados em vários livros, não conflituam com os postulados fundamentais do kardecismo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 08, 2024 11:06 am

PERCALÇOS
A aceitação da mediunidade de Francisco Xavier não transcorreu, contudo, sem algumas dificuldades.
Uma delas, já discutida, foi o processo que a viúva de Humberto de Campos moveu contra ele, o qual não resultou em condenação.
Em 1958 foi lançada sobre ele a suspeita de fraude, quando seu sobrinho Amauri Pena, conhecido como médium psicógrafo, deu declarações à imprensa, dizendo que tanto ele quanto seu tio eram os autores do que escreviam e que a atribuição das obras aos espíritos não passava de mistificação.
Francisco Xavier não fez qualquer declaração sobre o assunto.
Abandonou, porém, sua cidade natal, indo fixar-se de maneira definitiva na cidade de Uberaba. Tempos depois, problemas pessoais de Amauri foram invocados para explicar o episódio, o qual foi esquecido.
Em Uberaba, Francisco Xavier envolveu-se com as sessões de materialização promovidas pela médium Otília Diogo. Em 1964, uma série de reportagens na imprensa, liderada pela revista O Cruzeiro, denunciou como fraudulenta a médium responsável pelas materializações.
Posteriormente, Francisco Xavier, decidindo atender ao conselho que atribuiu ao espírito Emmanuel, não mais voltou a participar dessas actividades, considerando ser a psicografia sua missão principal.

VATICANO DO ESPIRITISMO
Esses percalços não impediram que a fama e a influência de Francisco Xavier crescessem constantemente ao longo de suas actividades no movimento espírita. Um episódio marcante foi uma entrevista sua em 1965 a um programa de televisão denominado Pinga-Fogo, que elevou de 2% para 35% o índice de audiência. Cópias do programa, numa época em que não havia transmissão simultânea em rede, foram vistas por todo o país.
O reconhecimento público do médium teve desdobramentos inesperados.
Em 1991. por exemplo, ocorreu que uma carta por ele psicografada, supostamente de autoria de uma mulher assassinada em Mato Grosso, ajudou a inocentar o marido desta da acusação de homicídio doloso (intencional). O acontecimento teve repercussão no Exterior: o jornal francês Liberation publicou o fato como algo não só inusitado, mas também inimaginável.
Situação análoga já ocorrera em Goiás em 1979. Ainda que episódicos, esses casos revelam a capacidade de penetração e a respeitabilidade do médium e do espiritismo no Brasil.
Personagem conhecido e respeitado nos meios políticos e culturais, Francisco Xavier tem sido uma presença importante na consolidação do espiritismo. A tal ponto que a revista Realidade referiu-se, em 1971, à Comunhão Espírita Cristã de Uberaba, onde o médium atendia, como o "vaticano do espiritismo".
Em muitos centros espíritas, suas obras são mais conhecidas e estudadas que as do próprio Allan Kardec.
A ampla aceitação de Francisco Xavier ao longo de várias décadas teve grande relevância na dinâmica de unificação do espiritismo brasileiro.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 08, 2024 11:06 am

8 - DESAFIOS DA UNIFICAÇÃO
O espiritismo é uma religião de leigos. Seus praticantes e especialistas são donas de casa, professores, advogados, médicos, enfermeiras, bancários, assistentes sociais, comerciantes, comerciários, funcionários públicos, militares, aposentados. Não há um clero espírita.
As bases do movimento caracterizam-se pela organização autónoma e giram em torno de centros espíritas espalhados por todo o país.
O movimento de unificação espírita tem sido mais fácil em seu arcabouço nacional e estadual de federações e órgãos derivados do Pacto Áureo do que em suas bases efectivas. Nem todos os centros espíritas se filiam e, entre os que o fazem, há os que adoptam práticas e disseminam concepções que as lideranças da unificação consideram inadequadas ou condenáveis.

AUTONOMIA E DESVIOS
Para os espíritas, é delicado o limite da interferência que se deve operar em suas bases. Tem-se por aceito que não existe modelo único para os centros espíritas e que mesmo as actividades que costumam se repetir, como as sessões de comunicação com espíritos, as reuniões de estudo ou os trabalhos de desobsessão, adquirem, em cada centro, aspectos que lhe são próprios. Ao mesmo tempo, há uma literatura espírita específica que aponta o que seriam desvios, incluindo desde questões administrativas até o uso de imagens de santos nos centros.
Os órgãos federativos têm uma nítida preocupação com a organização dos centros espíritas. No Estado de São Paulo, por exemplo, campanhas e publicações vêm se desenvolvendo nesse sentido há mais de três décadas. A despeito das reiteradas manifestações a favor da autonomia dos centros espíritas, é notória a busca de uma maior homogeneidade, tanto em sua organização como em suas práticas.
A autonomia pode ser assumida de maneira radical pelas lideranças dos centros espíritas perante as admoestações dos doutrinadores da unificação. O dirigente espírita Wilson Garcia relata um caso em que o médium principal e líder de um centro afirmava prender em garrafas os espíritos obsessores que expulsava. Ao tentar convencê-lo da impropriedade do procedimento, Garcia recebeu como resposta: "O moço fala bonito, mas quem manda aqui sou eu. E o espírito que não obedece, eu prendo".
Esse é um caso extremo. O espiritismo cresceu no país enfatizando a leitura, as referências a textos, o aperfeiçoamento pelo conhecimento da doutrina, a circulação de mensagens espirituais, e, se, de um lado, em certas situações esses valores tornam-se ténues, de outro, continuam a favorecer uma ampla disponibilidade para a comunicação interna. Esse é um aspecto que favorece as iniciativas da liderança, para a qual grande parte dos centros funciona de maneira adequada e é acessível a eventuais sugestões.

MOTIVOS DE PREOCUPAÇÃO
Permanecem, porém, motivos de inquietação para a unificação espírita.
Uma das principais áreas de preocupação desses líderes é evitar formalidades, rituais, símbolos, preces padronizadas, comuns em outras religiões. No rol de práticas tidas por inadequadas incluem-se a purificação de ambientes, banhos, defumações, a realização de novenas, os pedidos de graça divina e salvação, a realização de casamentos e baptizados, a proibição de entrada de mulheres de calças compridas nos centros.
Outra área de preocupação diz respeito a concepções espíritas tidas por equivocadas, constatadas nas práticas dos centros. Assim, por exemplo, pode ocorrer de nas sessões espíritas estarem homens e mulheres intercalados em torno da mesa dos trabalhos, sob a alegação de terem aqueles corrente positiva e estas, negativa; ou então de se supor possuírem os parentes fluidos idênticos, razão pela qual são separados antes do início da sessão. As concepções em que essas práticas se assentam são criticadas por não terem fundamento na doutrina. Também não haveria fundamento em tentar mandar nos espíritos, que, supõe-se, manifestam-se de acordo com suas vontades próprias.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 08, 2024 11:06 am

Desse modo, não seriam justificáveis práticas como determinar que nas sessões se manifestem primeiro os espíritos-guias dos médiuns para que só então outros espíritos possam se comunicar; ou mandar que os espíritos se manifestem segundo uma ordem decidida pelo dirigente da sessão, por exemplo, na sequência de médiuns da esquerda para a direita em volta da mesa; ou ainda ordenar que um espírito passe de um médium para outro. Os doutrinadores relacionam tais impropriedades ao conhecimento insuficiente da doutrina ou então a sua interpretação equivocada.

CONTROLAR A DIVERSIFICAÇÃO
Assim, nas bases do espiritismo há ocorrências que podem descaracterizar o movimento, no entender de seus dirigentes.
Por um lado, há casos que indicam aproximação do espiritismo com as religiões com que convive, tais como concepções e práticas do catolicismo e da umbanda, por exemplo.
Por outro lado, verifica-se às vezes uma transmissão horizontal, de centro a centro, das práticas e concepções envolvidas, ou seja, com a multiplicação dos grupos espíritas, a criação de novos centros pode tomar por modelos os já existentes.
Muitas das práticas e concepções assim difundidas têm origem não na doutrina de Kardec, mas em comunicações atribuídas a instruções de espíritos via médiuns de prestígio local.

PARÂMETROS
Os órgãos unificadores procuram estabelecer parâmetros de práticas para enfrentar essas variações. Estes incluem a organização das sessões, os cuidados com a comunicação com os espíritos e a aceitação de suas mensagens, os procedimentos de desobsessão, as técnicas de passe, entre os mais relevantes.
Com relação à doutrina, preocupam-se com a interpretação que julgam correta. Tudo isso gera um grande esforço de publicações e cursos específicos. A unificação caminha assim para definir o que é legitimamente espírita.
Nessas preocupações por uma maior homogeneidade nos moldes do que as lideranças da unificação consideram correctos, há uma constante ênfase no equilíbrio e na moderação. São criticados os centros místicos ou fanáticos, aqueles que se dedicam demasiadamente ao trabalho assistencial, aqueles que abusam das sessões de materialização, os que enfatizam demais as consultas médicas, os que banalizam a vidência, os que usam linguagem inadequada ou optam por tratamento violento em situações em que identificam espíritos malévolos.
Os dirigentes dos centros espíritas também oferecem motivo de reflexão para as lideranças do movimento de unificação. Constata-se uma tendência de o dirigente permanecer por muitos anos em seu cargo, tornando difícil a renovação de quadros, e critica-se o facto de muitas vezes ser ele ao mesmo tempo o médium principal.
Os dirigentes, até mesmo por essa força nos centros, tornaram-se alvos privilegiados da unificação e são muitas as iniciativas visando incorporá-los de maneira mais efectiva ao movimento. A unificação tenta assim montar uma estrutura de lideranças que se estenda do Conselho Federativo Nacional até as bases organizadas do movimento.
Esse processo desenvolve-se lentamente desde o Pacto Áureo e não se faz sem tensões. A homogeneização a partir de órgãos centralizados traz implícitas as possibilidades de hierarquização e dogmatização do movimento, o que colide com as características de sua história e produz reacções de repúdio. No dizer de Salvador Gentile, director do Anuário Espírita: "(...) os princípios espíritas (...) não se prestam a novas estruturas teológicas que se encarreguem de distribuí-los às massas sob medida".
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 08, 2024 11:07 am

MOVIMENTO COM REFERÊNCIA COMUM
Conforme vimos, o espiritismo consolidou-se como uma religião com soluções próprias de organização.
E uma religião sem clero e sem hierarquia de suas instituições.
O que mais se aproxima de uma hierarquia é a estrutura de suas entidades de unificação criadas a partir do Pacto Áureo. No entanto, o Conselho Federativo Nacional toma deliberações para terem validade nacional, mas não dispõe de poder coercitivo para impô-las às suas bases.
Os órgãos federativos estaduais e municipais dependem da concordância dos centros para implementar suas iniciativas. Acresce que as federações e associações de centros têm liberdade de acção. Os centros espíritas podem escolher as associações, as federações ou iniciativas de que vão participar, ou ainda não participar de nenhuma delas.
Trata-se de uma situação sui generis entre as religiões brasileiras.
A estrutura de unificação tem, a despeito daquelas características, uma grande importância. Serve de instância comum dentro de um movimento amplo, com diversificações internas, de limites às vezes pouco claros, sempre sujeito aos sobressaltos de novas revelações mediúnicas, às quais pode faltar consenso interno.
A expansão do espiritismo até meados do século XX criara fortíssimas linhas de tensão interna.
A oposição doutrinária entre rustanistas e kardecistas teve o efeito de reiterar a inserção do movimento espírita no quadro das religiões do Brasil. Como religião, o espiritismo enfrentou novas dificuldades: internamente, cisões; publicamente, associações ao fantástico e espectaculoso, em virtude dos médiuns que se propunham a realizar prodígios de efeitos físicos e materializações.

ACORDO POLÍTICO INTERNO
O Pacto Áureo criou, entre as lideranças, um acordo político que permitiu estabelecer princípios de ordem dentro do movimento, redefinir seu âmbito de existência na sociedade brasileira. Após esse acordo, o movimento esteve voltado para a consolidação do espiritismo no Brasil, priorizando antes o trabalho interno do que a expansão do movimento. Um bom exemplo está na intensificação das actividades voltadas para os filhos dos espíritas, visando infância e juventude nos centros espíritas e em âmbitos regionais, estaduais e nacional.
Nesse trabalho de consolidação interna, o espiritismo fez uso de seus instrumentos tradicionais, ou seja, a actividade editorial e a propaganda.
Intensificou as palestras, os encontros, as conferências, tendo em vista as bases do movimento, seus dirigentes; ou categorias específicas, como jovens, crianças, mulheres, pais; ou então categorias profissionais, como jornalistas, escritores, médicos, professores, psiquiatras.
A própria estrutura da unificação estabelece limites para essas iniciativas, como vimos. Nem as lideranças preocupadas com a unificação pretendem uma homogeneização plena, nem essa seria de facto possível, dada a autonomia dos centros e a sujeição das actividades destes a instruções obtidas mediunicamente.

UNIFICAÇÃO E DIVERSIDADE INTERNA
Essa estrutura, no entanto, tem-se revelado flexível e adequada para lidar com uma realidade multifacetada, onde se abriga uma variedade de práticas e de concepções doutrinárias, ainda que de ambas existam conjuntos bastante recorrentes.
A estrutura montada a partir do Pacto Áureo e o consenso em torno de Allan Kardec constituem a referência comum do movimento, cujas lideranças procuram tornar mais homogéneo. Conseguem-no em grande medida, mas não o conseguem totalmente.
Essa situação é reconhecida internamente sem dificuldades. Explicam-na comummente com critérios evolucionistas: o próprio movimento estaria em evolução, aperfeiçoando-se; a falta de consenso sobre práticas e concepções seria fruto do inadequado conhecimento da doutrina e das imperfeições humanas. O próprio movimento dependeria, para superação de suas etapas, da evolução espiritual de seus participantes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 08, 2024 11:07 am

CONTESTAÇÕES AO ESPIRITISMO
A Igreja Católica adoptou uma oposição oficial ao movimento espírita. O episcopado brasileiro, reunido em 1915, condenou formalmente o espiritismo. Em 1917, a Santa Sé manifestou-se, proibindo expressamente que se assistisse a sessões ou manifestações espíritas. Em 1948, em novo documento, os bispos reafirmaram essa posição, que foi mais uma vez reiterada na reunião da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil de 1953.
Pelas definições dos bispos brasileiros, os católicos que se envolvessem com o espiritismo mereceriam a definição de hereges e a exclusão dos sacramentos até que "reparem os escândalos dados, abjurem o espiritismo e façam a profissão de fé". Isso abrangia, sem distinção, todas as variedades de religiões mediúnicas que se organizavam no Brasil nas primeiras décadas do século XX. Para o catolicismo não havia baixo espiritismo ou espiritismo kardecista: eram todos igualmente condenáveis.

PROTESTANTISMO X ESPIRITISMO
A história da expansão do espiritismo registra também alguns episódios esparsos de confronto com religiões protestantes. A partir de 1925, em Aracaju, um pastor protestante norte-americano publicou uma série de artigos contrários ao espiritismo, os quais foram respondidos por um líder espírita local; a polémica continuou até 1930. No Rio de Janeiro, no final da década de 1930, grupos protestantes distribuíram um folheto antiespírita intitulado O espiritismo e o evangelho. A resposta ao folheto veio em forma de uma carta aberta de autoria de Benedito Fonseca, que acabou sendo publicada como livro pela FEB: O protestantismo e o espiritismo.

OPOSIÇÃO COMO NORMA
A despeito desses e de outros episódios envolvendo protestantes, foi o catolicismo que se opôs de modo mais explícito ao movimento espírita. Caracterizou-se como uma oposição emanada da hierarquia e comunicada como norma ao clero, e por este aos fiéis. Um religioso, no entanto, destacou-se no combate católico directo ao espiritismo: frei Boaventura Kloppenburg. Ele começou dirigindo suas críticas à própria Igreja, lamentando que os padres não tivessem sido mais vigilantes no bloqueio ao avanço do espiritismo.
As críticas de frei Kloppenburg se faziam em termos religiosos, e ele escolheu como instrumento de luta uma actividade muito cara aos espíritas, a editorial. Seu livro mais importante, O espiritismo no Brasil, foi publicado em 1960 e, com sucessivas alterações e acréscimos, vem sendo editado desde então, agora com o título Espiritismo — orientação para os católicos.
Frei Kloppenburg contesta o espiritismo em termos teológicos, argumentando contra a ideia de reencarnação, condenando a tentativa de comunicação com os espíritos dos mortos (que denomina necromancia), e contrapondo ponto a ponto as concepções católicas às espíritas. Faz também considerações de carácter moral contra o espiritismo ao afirmar, por exemplo, a ocorrência frequente de fraudes mediúnicas, e quando acusa Allan Kardec de oportunista, exemplificando com a recusa deste em discutir a questão da Santíssima Trindade e com o facto de ele não ter publicado em vida seu estudo crítico sobre Jesus.

PARAPSICOLOGIA E ESPIRITISMO
A Igreja Católica apoiou a difusão da parapsicologia para se contrapor ao espiritismo.
A parapsicologia ocupa-se em aplicar o método experimental ao estudo de fenómenos, tais como telepatia, vidência, acção da mente sobre objectos, reconhecendo sua possibilidade e postulando a existência de leis e funções mentais ainda inexplicadas pela ciência.
Estudos desse tipo vêm se realizando desde as últimas décadas do século XIX, já como uma resposta ao espiritismo e ao interesse público por tais fenómenos, os quais, ao longo do século XX, foram pesquisados em muitos países, inclusive na extinta União Soviética.
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