LUZ ESPÍRITA
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Ninguém Domina o Coração - Saulo / Maurício de Castro

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Ninguém Domina o Coração - Saulo / Maurício de Castro - Página 5 Empty Re: Ninguém Domina o Coração - Saulo / Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 13, 2018 9:19 pm

Procurou olhar ao redor em busca de ajuda, mas não havia ninguém.
Gotas de suor começaram a brotar em sua testa, estendendo-se também pelo pescoço e nuca.
Em poucos instantes, estava com a roupa encharcada pela intensa transpiração.
Naquele momento, sua angústia parecia não ter fim.
Tudo aconteceu em menos de um minuto, logo sua visão escureceu e ela desabou desfalecida, com metade do corpo no sofá e metade quase no chão.
Quando a mulher voltou com a água e deparou com a cena, deixou o copo cair e saiu gritando até a calçada pedindo ajuda para os vizinhos.
Logo várias pessoas vieram socorrer Rita.
Enquanto umas ficavam ao seu lado esfregando álcool em seus pulsos, outras corriam ao telefone em busca de um serviço de emergência que pudesse vir com urgência.
Eles a abanavam aflitos, pois perceberam que a situação era grave.
Ela não se movia, estava gelada e muito pálida.
Não tardou para que a equipe de socorro chegasse, e, depois de rápida análise da situação, concluísse que ela devia ser levada imediatamente para o pronto-socorro.
Colocaram-na na ambulância, deixaram o nome do hospital para onde iriam levá-la e se foram.
Todos ficaram na calçada vendo o veículo se afastar, sentindo-se impotentes e aflitos com a ausência de Luciana.
Ninguém sabia onde localizá-la e resolveram aguardar sua chegada para comunicar o ocorrido.
Rezavam para que nada de pior acontecesse.
Já havia anoitecido quando Luciana chegou carregando algumas sacolas e cantarolando feliz.
Ao entrar, a dona da pensão e mais duas hóspedes esperavam-na com a expressão sombria e não hesitaram em contar-lhe logo o que havia acontecido.
Temiam que ela chegasse ao hospital tarde demais.
A moça saiu desesperada, sem saber direito que caminho tomar, mas estava com pressa e tinha algum dinheiro, então decidiu tomar um táxi.
Não demorou a chegar e entrou quase correndo na recepção, onde uma moça de semblante muito tranquilo a atendeu com delicadeza.
Luciana quase não conseguia falar:
- Por favor, minha mãe foi trazida para este hospital.
Não sei direito o que aconteceu, eu não estava presente.
Mas disseram que a trariam para cá.
Por favor, eu preciso vê-la.
- Foi algum acidente?
- Não, ela estava em casa quando se sentiu mal.
Mas não sei o que foi.
Disseram-me que a situação é grave.
Pelo amor de Deus, deixe-me vê-la.
Após uma rápida consulta ao prontuário de internações, a moça indicou à Luciana que Rita estava internada na UTI - Unidade de Tratamento Intensivo, e que ela podia se dirigir até o local, apesar de não estar no horário de visitas.
Luciana agradeceu e correu para o andar mencionado.
Ao chegar, deparou com uma enfermeira próxima à entrada principal que a deteve:
- Desculpe, senhora, mas ainda não estamos no horário de visita.
A senhora é parente de algum paciente?
- Sim! Disseram-me que minha mãe está aí dentro.
O nome dela é Rita.
A enfermeira abriu uma grande pasta e consultou alguns papéis.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 13, 2018 9:19 pm

Disse em seguida:
- Sim, Rita.
Ela teve um enfarte.
Luciana ficou estática olhando para a moça à sua frente e seus olhos ficaram marejados:
- Enfarte? Como assim?
Minha mãe sempre teve uma óptima saúde.
Isso não é possível.
A enfermeira sentiu pena de Luciana.
Olhou em volta e disse:
- Olhe, o médico responsável pelo caso dela está ali.
Ele vai atendê-la, com certeza, e poderá lhe explicar melhor.
Luciana assentiu e foi até um jovem que estava de branco, parado em pé, próximo a um balcão.
Ela o achou jovem demais para que pudesse saber de alguma coisa, mas não tinha mais ninguém a quem pudesse recorrer.
Quando se aproximou, o jovem médico foi bastante solícito, e lhe explicou pacientemente que o caso de Rita era realmente grave.
O que a salvou foi o rápido atendimento, mas o quadro era preocupante porque ela já estava com outros problemas, como uma infecção renal, que já devia ter sido cuidada, e também com pneumonia.
Luciana disse que ela trabalhava como diarista e vivia muito cansada.
O médico afirmou que ela devia ter procurado ajuda logo nos primeiros sintomas de que algo estava errado.
Agora teria de ficar internada até a saúde se estabilizar.
Mas não queria enganar a moça:
a situação era séria e a moça deveria se preparar para qualquer desfecho.
Ela pediu para ver a mãe.
Ele olhou o relógio e disse que ela teria de esperar por uma hora, quando seriam abertas as visitas.
Sugeriu que Luciana fosse até a cantina do hospital para tomar um café enquanto aguardava.
E ela assim o fez.
Sentou-se sozinha em uma mesa e não aguentando a pressão, começou a chorar.
Isso não podia ter acontecido.
Sua mãe tinha de ficar boa logo.
Só tinham uma à outra e estavam começando uma vida nova e seriam felizes com o bebé.
Ao pensar nisso, tudo voltou à mente de Luciana:
as humilhações que Laís as fizera passar, os momentos de amor com Fabiano, a atenção de Arthur durante toda a vida e, depois, o desprezo de Fabiano, sua traição e preconceito apoiado pelo pai e pela madrasta.
A tristeza começou a dar espaço ao ódio que levava em sua alma e que havia sido um pouco esquecido.
"A culpa de tudo isso é deles!
Eles colocaram minha mãe nesse hospital.
Se algo pior acontecer a ela, eles serão os culpados!
Se não tivessem agido daquela forma, ainda estaríamos na casa, levando a vida tranquila que sempre tivemos."
Foi interrompida em seus pensamentos por uma funcionária que veio avisá-la de que poderia ver Rita naquele momento.
Acompanhou a moça até o leito onde a mãe repousava tranquila, sem demonstrar dor nem desconforto.
Luciana foi comunicada de que poderia ficar apenas quinze minutos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 13, 2018 9:19 pm

Aproximou-se.
Sentindo a presença da filha, Rita abriu os olhos muito devagar, mas eles brilharam de alegria ao ver Luciana.
- Minha filha, graças a Deus você está aqui.
Temia não conseguir mais vê-la.
Luciana ficou chocada:
- Como assim não me ver?
Claro que eu viria o mais rápido possível.
E logo a senhora vai sair daqui, não gosto desse tipo de conversa.
Rita a olhou com amor e serenidade:
- Minha querida, você está esperando um filho, uma grande bênção que recebe em sua vida.
Alegre-se, mesmo que algumas coisas não aconteçam como você gostaria.
Luciana a olhou indicando que não queria prosseguir naquele assunto, mas Rita insistiu:
- Talvez eu não possa estar mais ao seu lado por muito tempo, e você tem de ter em mente que agora uma vida dependerá única e exclusivamente de você, da sua força e coragem.
Segurava a mão de Luciana, que não se conteve, irrompendo em um pranto convulsivo:
- Você vai ficar boa, mamãe.
Logo sairemos daqui e teremos nossa própria casa.
Rita insistiu:
- Você precisa ser forte e encarar a realidade; sinto que não posso mais continuar.
Foram muitos anos de dedicação e muito trabalho na mansão do sr. Arthur.
Depois de todas essas preocupações, sinto que não tenho mais forças para prosseguir.
Mas você tem toda a vida pela frente, e agora a vida da sua filha também.
- A culpa é deles! - disse Luciana revoltada.
Eles vão me pagar muito caro.
Rita sentia muita pena da filha, mas tinha de ser firme:
- Não pense em vingança.
Viva sua vida sem alimentar essa revolta.
Quero ir em paz sabendo que você vai levar uma vida tranquila e refazê-la ao lado da sua filha.
Quem sabe até encontrando um bom homem por quem vai se apaixonar e a ajudar a criar a criança.
Seja feliz, minha querida.
Eu a amo e só quero seu bem.
Rita fechou os olhos e soltou seu último suspiro.
Luciana se desesperou, olhou para cima, dirigindo-se a Deus:
- Por quê?
Porque fez isso comigo?
E chorando muito, baixou o tom de voz, acariciou a cabeça de Rita e continuou baixinho:
- Eles vão me pagar, mamãe, não ficarão impunes.
Enquanto isso, Rita se viu volitando ao encontro de um casal que a esperava com imensa ternura e de braços abertos.
Havia muita luz ao redor deles.
Rita sentia-se segura e reconfortada por aquele brilho intenso.
Ela ainda olhou para a filha mais uma vez e se foi com eles.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 13, 2018 9:19 pm

quinze - Uma decisão dolorosa
Com a ajuda dos amigos da pensão e de alguns vizinhos, Rita foi enterrada em uma simples, mas comovente cerimónia.
Ela, apesar de estar na cidade havia tão pouco tempo, já era muito querida por toda a vizinhança.
Luciana estava extremamente abatida, e quando tudo acabou e todos retornaram para suas casas, Mirtes, a dona da pensão, preparou um chá bem forte de cidreira para ajudá-la a se tranquilizar.
Enquanto saboreavam a bebida, Luciana se abriu com a amiga:
- Ah, Mirtes, não consigo me conformar com tudo isso.
Ela era ainda tão jovem, tinha muito o que aproveitar.
Estava tão feliz com a chegada da netinha!
Mirtes lia muitos livros espíritas, e quando surgia uma oportunidade, gostava de aplicar seus poucos conhecimentos para ajudar as pessoas próximas:
- Luciana, sua mãe, assim como todos nós, estava nesta vida para trabalhar pelo seu progresso moral, e cada um está em maior ou menor grau de adiantamento espiritual.
Rita passou por esta encarnação como uma pessoa de bem, que procurava seguir a conduta de amor ao próximo e da rectidão de carácter e atitudes e, com certeza, já havia concluído essa etapa de seu aprendizado.
Como dizem, a missão de Rita entre nós foi cumprida.
Luciana, que nunca havia se aprofundado nesses assuntos, discordou:
- Não acho isso, não.
Ela ainda precisava fazer muitas coisas aqui.
Nem pôde conhecer a neta.
E ela era meu alicerce, não sou nada sem ela.
Mirtes prosseguiu sentindo dificuldade para se expressar:
- Quando falei em missão, isso inclui você.
Vamos ver se consigo me explicar:
Rita, como sua mãe, deu à luz e cuidou de você por muitos anos, dedicando-lhe atenção e amor.
Ela fez o que podia para fazer de você uma pessoa correta, e vejo que conseguiu.
Agora, com tudo o que você recebeu de sua mãe, vai seguir seu próprio caminho em busca do seu progresso, do aprimoramento do seu espírito.
Você tem o livre-arbítrio para seguir o caminho que quiser, mas se não usar todo o conhecimento que adquiriu com o auxílio de Rita para trilhar uma vida no bem, ela terá feito a parte que lhe cabia, mas você estará desperdiçando a oportunidade de crescer e evoluir.
Agora, a missão dela está cumprida, e você deve prosseguir com a sua, com a mesma coragem e fé de sua mãe.
É também uma forma de gratidão para quem tanto a amou.
A morte é o agente da mudança, por onde ela passa tudo se transforma, e como tudo o que Deus faz, ela é sempre para melhor.
- Não acredito que a morte seja para melhor.
Ela só espalha tristeza e dor.
- É porque você está observando-a pela visão materialista.
A morte não existe, ela é apenas uma viagem.
Quem morre vai viver nas outras dimensões do universo.
Dependendo do que fez na vida pode ir para lugares de luz ou abismos de trevas.
Luciana começou a se interessar pelo assunto.
- Então tenho certeza de que minha mãe está num bom lugar.
Foi a melhor pessoa que já conheci.
- Tenho certeza de que Rita agora está amparada pelos espíritos bons e foi conduzida a uma colónia espiritual onde poderá se recuperar, estudar, trabalhar e até ajudá-la.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 13, 2018 9:19 pm

- Onde você aprendeu tudo isso, Mirtes? - perguntou Luciana emocionada.
- Aprendi com o Espiritismo, uma doutrina que surgiu na França e foi organizada em livros por Allan Kardec.
- E como você pode comprovar que essa doutrina é verdadeira?
- Pela experiência.
Tenho absoluta certeza de que a vida continua depois da morte, que vivemos muitas vezes aqui na Terra e em outros mundos e que estamos reencarnados aqui para evoluir reparando os nossos erros do passado e passando pelas diversas provações da vida.
- Se isso é verdade eu e minha mãe fomos pessoas ruins em outra encarnação para estarmos sofrendo tanto - disse Luciana reflexiva.
Mirtes continuou, sentindo-se intuída pelo seu mentor.
- Pode ser que seja verdade.
Nós todos ainda somos ignorantes e maus, por tudo isso prejudicamos nosso semelhante atraindo para nossa vida o sofrimento reparador a fim de podermos avaliar nossa conduta e percebermos que só o bem produz sementes de felicidade e alegria, que um dia germinarão.
Se vocês estão sofrendo e não tem justificativa na vida presente, certamente estão harmonizando erros de outras encarnações, quando usaram a maldade para ferir, corromper, fazer valer a vaidade e o orgulho.
Nada fica impune, e o resultado de nossas acções voltará para nós onde quer que estejamos.
Ao sofrermos, devemos pedir perdão a Deus pelos actos praticados no pretérito e aprender o que a dor quer nos ensinar.
- A dor só me ensinou a ser mais amarga - queixou-se Luciana.
- A dor é nossa amiga, acredite Luciana.
Se passarmos por ela e não assimilarmos o que ela nos quer ensinar, permaneceremos devedores das Leis Divinas, que tudo faz para nosso progresso moral e espiritual.
- Isso tudo é muito novo para mim e não quero me aprofundar.
- Você tem todo o direito, mas eu a aconselho a estudar a vida espiritual.
Você se abalou muito com a morte de sua mãe, o que é natural, mas se conhecesse a vida astral e tivesse certeza da imortalidade, estaria sofrendo menos.
O conhecimento espiritual nos ajuda a atravessar os momentos de dor com mais coragem e fortaleza.
- O que devo fazer para ter esse conhecimento?
- Leia os livros de Allan Kardec e do espírito André Luiz.
Eles nos ajudam a entender como a vida funciona e nos torna seres mais lúcidos, amorosos e pacíficos.
A doutrina espírita explica os problemas do mundo.
Anomalias que nenhuma filosofia conseguiu desvendar, desigualdades de aptidões e oportunidades que nenhuma religião conseguiu explicar encontram resposta no Espiritismo.
Leia! Tenho certeza de que vai lhe fazer grande bem.
Luciana ficou pensativa por uns instantes, mas resolveu mudar de assunto:
- Lerei depois, agora preciso decidir o que fazer da vida.
O dinheiro que minha mãe deixou é pouco e não vou conseguir me manter por muito tempo.
Mirtes sentiu um desconforto diante das palavras de Luciana.
Ela sabia que não teria condições de ajudar a moça.
Estava numa situação delicada.
Falou constrangida:
- Isso é realmente um problema.
Eu não tenho como ajudá-la; você sabe que vivo do que consigo arrecadar aqui na pensão, que não é muito.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2018 9:26 pm

Eu posso deixá-la ocupando o quarto até o bebé nascer, mas depois, se você não tiver como pagar o aluguer, terá de desocupá-lo.
Eu vivo disso, preciso desse dinheiro. Sinto muito!
Luciana sentiu que o chão estava sumindo debaixo de seus pés.
Como ela conseguiria um trabalho em estado adiantado de gravidez?
E depois que a menina nascesse, como sair para procurar emprego?
Com quem deixaria a criança?
Mirtes, percebendo a angústia dela, procurou amenizar os factos:
- Agora não é momento para pensar nisso.
Foi um dia difícil e você precisa descansar.
Tudo vai se ajeitar, e Deus sabe de todas as nossas necessidades; portanto, a solução virá.
Você deve ir para o seu quarto.
Procure dormir um pouco.
Mais tarde, farei uma sopa bastante nutritiva para deixá-la forte e mais animada.
Luciana subiu para o quarto e se deitou.
Não conseguia dormir.
Pensava na mãe e lágrimas enchiam seus olhos.
Lembrou-se de Fabiano.
Como ele pôde agir daquela forma com ela?
Dizia que a amava, mas na hora de demonstrar seu amor, fugiu da responsabilidade sem sequer querer saber do bebé.
E Arthur? O que o fez tratá-las com tanta desconsideração?
Rita fizera de tudo por ele e pelo filho a vida toda e recebeu toda aquela ingratidão como pagamento?
Não era justo.
Sua cabeça estava confusa e ao mesmo tempo que sentia respeito e carinho pelo patrão, que sempre a tratara tão bem, um sentimento de repulsa cada vez mais forte pela atitude dele surgia em seu peito.
Com Fabiano era ainda pior; não o perdoava por fazê-la sofrer daquela maneira.
E Laís? No fundo ela era a grande culpada de tudo.
A lembrança da mulher fez com que Luciana sentisse o estômago revirar em uma náusea intensa.
Ela se levantou, saiu do quarto e foi ao banheiro.
Jogou um pouco de água no rosto e quando pegou a toalha e olhou-se no espelho, sua imagem era de uma mulher muito mais velha.
Os olhos estavam avermelhados e com olheiras profundas.
Sua expressão estava tensa e abatida.
Sentia-se feia e deprimida.
Voltou para o quarto lembrando-se das tardes em que passeava pelo jardim, folheando suas revistas de moda, esperando ver Fabiano chegar sempre agitado, lindo e feliz.
Pensou nas vezes em que se amaram, nos carinhos que trocaram e no quanto ele a fez feliz enquanto estavam juntos.
E novamente pensou em Laís.
Revirou-se na cama e sentiu a face rubra de ódio.
"Ela vai me pagar! Todos vão me pagar!
Eles mataram minha mãe. Vou me vingar.
Vão sofrer tudo o que sofremos durante todo esse tempo!"
Vencida pelo cansaço, adormeceu.
Os dias foram passando e Luciana procurava ajudar Mirtes no que podia.
A dona da pensão permitiu que ela ficasse sem pagar nada até o parto, mas depois teria de conseguir um trabalho.
E o dia do nascimento chegou.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2018 9:26 pm

Luciana foi para a maternidade municipal sozinha com suas dores.
Mirtes tinha de cuidar dos hóspedes e não pôde acompanhá-la, mas prometeu ir vê-la assim que estivesse livre de seus afazeres.
Luciana sentiu medo e solidão.
Não deixou de pensar na mãe e em Fabiano por um instante sequer, e sua filha veio ao mundo entre lágrimas de emoção e saudade.
Durante a gravidez, ela se divertiu lendo sobre o significado dos nomes.
Agora, olhando para sua pequena menina, tão linda e tão indefesa, escolheu o nome de Leila.
Era um nome de origem árabe, que significava negra como a noite, que era o sentimento de Luciana naquele momento, mas que também indicava uma pessoa independente e determinada, que alcançaria o sucesso em tudo na vida.
E ela ensinaria à filha a conquistar uma posição na qual jamais precisasse passar pelo que ela estava passando.
Mirtes, no dia seguinte, foi à maternidade buscar Luciana e Leila, levando-as para casa.
Prontificou-se a ficar com a menina enquanto Luciana saía em busca de trabalho, e assim foi feito.
Mas os dias passavam e a moça não conseguia o desejado emprego.
Não possuía experiência profissional e estava difícil conseguir uma oportunidade.
A dona da pensão, embora generosa, começava a se preocupar.
Além de deixar mãe e filha ficarem sem pagar o aluguel, ainda ajudava com as necessidades básicas da menina, como leite, fraldas e remédios, quando necessário.
Mas a situação começou a ficar insustentável, e ela precisava do quarto para alugar a outra pessoa.
Não tinha coragem de falar, mas deixava transparecer sua preocupação.
E Luciana se deu conta de que teria de ir embora.
Uma noite, quando todos já haviam se recolhido, Luciana perambulava pelo quarto sem saber o que fazer.
A realidade era cruel, e ela tinha consciência de que não teria condições de criar a filha.
Pensou em pegar a criança e levá-la até o pai.
Ele poderia dar à menina uma vida de princesa.
Mas logo deixou a ideia de lado, porque Laís deixou claro que a criança não seria bem-vinda por ninguém da casa.
A moça chorava copiosamente; não conseguia decidir o que fazer.
Leila dormia tranquila, linda e alheia a todo o sofrimento que a rodeava.
Como um autómato, Luciana começou a arrumar sua pequena bagagem.
Não tinha ideia para onde iria, mas tinha de partir.
Deixou um bilhete para Mirtes agradecendo por todo o apoio e se desculpando por sair daquela maneira.
Colocou o bilhete na mesa da sala e, sem fazer qualquer ruído, cruzou a porta para a rua rumo ao desconhecido, no meio da madrugada, com a filha nos braços.
Caminhou por horas sem saber para onde ir, até que, exausta, sentou-se em um banco de praça.
A noite estava fria e Luciana agasalhou a filha e a aconchegou carinhosamente nos braços.
Lançou um olhar desesperado para o céu e pensou:
"Meu Deus! O que eu fiz para ter uma sorte triste assim?
Sempre fui boa pessoa, nunca desejei mal a ninguém.
Porquê, meu Deus?
O Senhor não está sendo justo comigo.
Quem devia sofrer, quem faz mal aos outros, continua sua vida feliz e sem problemas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2018 9:26 pm

E eu, minha mãe, minha pequena filha... nós não merecíamos isso!
Onde está sua justiça?
Os bons sofrem e os maus ganham?
Enquanto pensava, Luciana já não conseguia controlar as lágrimas.
A revolta e o ódio cresciam dentro de seu coração.
Estava dilacerada, mas tinha de tomar a decisão mais difícil de sua vida!
Levantou-se e caminhou em direcção à maternidade onde dera à luz a Leila.
Ao lado do imponente, mas antigo prédio de quatro andares, havia um terreno vazio.
Estava cuidado e limpo e Luciana deduziu que alguém deveria cuidar daquele espaço com frequência.
Não sabia se a área pertencia ao hospital, mas com certeza não era um lugar abandonado e parecia seguro.
No muro da frente, que ficava na rua principal e que durante o dia era movimentada, havia uma porta que ficava um pouco recuada e que dava acesso ao terreno vazio.
Da calçada, existia um pequeno corredor de pouco mais de um metro, coberto com telhas bem cuidadas, e que levava à tal porta, que estava trancada.
Abrigada pelo telhado e oculta pela escuridão da noite, Luciana colocou suas coisas de lado e sentou-se no chão, abraçada à filha.
Leila começou a choramingar e Luciana a amamentou olhando a filha com ternura e amor.
Quando a menina voltou a dormir, Luciana a acomodou no pequeno cesto que havia ganhado de presente de uma conhecida, pegou um pedaço de papel, e escreveu um bilhete:
Meu nome é Leila.
Minha mãe me ama muito, mas não pode cuidar de mim.
Por essa razão, ela pede a Deus que alguém me acolha e me dê a segurança e o sustento que ela não pode me dar.
Obrigada! Que Deus abençoe a quem me ajudar!
Luciana pegou novamente a filha nos braços.
Sentia que ia morrer de tanta dor, mas não lhe restava opção.
Seu choro se tornou convulsivo e ela não conseguia largar a menina.
Olhou-a com as lágrimas turvando sua vista e disse:
- Meu amor, eu a amo muito!
Você foi a maior alegria da minha vida.
Não posso submetê-la a uma vida incerta e de privações.
Você nunca saberá o mal que lhe fizeram, que fizeram a nós.
Há-de aparecer uma alma boa e generosa que cuidará de você e vai lhe dar tudo o que eu jamais poderei lhe dar.
Deu um beijo na testa de Leila e a recolocou no cesto com o bilhete preso à sua roupinha com um alfinete.
Ajeitou a sacola com os pertences da menina ao lado do cesto, pegou sua bolsa e a pequena mala com suas roupas, olhou uma última vez para a filha e saiu correndo, desnorteada e arrasada, sem olhar para trás, porque sabia que se vacilasse, não conseguiria seguir em frente.
Não sabia para onde iria, pois o dinheiro que tinha era pouco e teria de ser economizado ao máximo.
Continuou vagando sem direcção até que chegou a uma rodovia, que ela não sabia o nome.
O dia começava a dar os primeiros sinais de amanhecer, mas ela não sentia nada, nem cansaço nem fome.
Parecia que depois de ter abandonado a filha, seu corpo todo se entorpecera, nem lágrimas mais havia em seu olhar.
Ficou em pé, na beira da estrada, sentindo que se morresse naquele instante, poderia descansar e acabar com todo o sofrimento.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2018 9:27 pm

Nesse momento, sentiu a vista ofuscada pelas luzes fortes dos faróis de um grande caminhão que vinha em sua direcção.
Instintivamente, fez sinal e o motorista parou, abrindo a porta e lhe oferecendo carona.
Sem relutar, ela entrou e sentou-se ao lado do desconhecido sem ter noção do seu destino.
Acostumado com a vida pelas estradas afora, o homem não fez perguntas e ficaram muito tempo em silêncio.
Só depois ele perguntou:
- Você não vai me dizer para onde quer ir?
- Não tenho querer.
Para quem não tem para onde ir, todo lugar é igual.
Tanto faz.
O homem a olhou com curiosidade:
- Não quer nem saber para onde estou indo?
Ela apenas fez um sinal negativo com a cabeça.
Ele percebeu que ela estava sem rumo, mas notou que era moça bonita, apesar do sofrimento estampado no rosto.
- Vai em busca de emprego? - tentou ele novamente buscando iniciar algum diálogo.
- Não tenho profissão e não consigo nenhum emprego.
O caminhoneiro era um homem vivido, maduro e logo viu que a moça estava perdida e desamparada.
A vida pelas estradas era repleta de aventuras e ele conhecia muita gente e muitas mulheres.
Luciana não sabia, mas estavam indo para o Rio de Janeiro.
Lá, ele conhecia Lourdes.
Ah, Lourdes!
Que mulher fogosa e quanta alegria dava a ele sempre que ia ao Rio de Janeiro.
Ela era dona de um bordel muito conhecido da cidade, e suas meninas eram bem mais jovens que ela, mas ele gostava das suas formas voluptuosas e de sua vasta experiência na arte do prazer.
Pensou que Lourdes gostaria de conhecer a moça:
bonita e jovem poderia render um bom dinheiro.
Ele mesmo estava tentado a investir naquele corpo que, indiferente ao seu lado, instigava-o pelo mistério.
Mas jamais se envolvia com nenhuma mulher durante o trabalho.
Entre uma carga e outra, divertia-se sem reservas e já perdera a conta das mulheres que passaram pelos seus braços.
Mas Lourdes, essa era a melhor.
- Tenho uma amiga muito íntima no Rio de Janeiro que talvez possa ajudá-la.
Quer que eu a leve até ela?
Luciana não demonstrava nenhum interesse em nada, nenhum sentimento ou emoção.
Apenas assentiu com a cabeça sem nem olhar para o homem.
Ele deu um sorriso de satisfação pensando que Lourdes seria ainda mais generosa com ele diante desse "presentinho", que estava levando para ela.
Olhou Luciana dos pés à cabeça e falou, para depois se calar até chegarem ao destino:
- Você vai gostar dela; vai ter casa, comida e ninguém vai se meter com você ou lhe fazer nenhum mal, porque essa minha amiga cuida muito de quem trabalha para ela.
Mas em troca, você terá de fazer seu trabalho direitinho!
Mas isso, tenho certeza, você fará - e riu baixinho satisfeito.
Luciana nem ouvia o que ele falava.
Apenas via em sua mente as imagens de Laís, Arthur e Fabiano.
Via sua mãe morta e sua filha abandonada no meio da noite.
Não sentia mais dor, nem saudade, nada.
Estava também morta por dentro, seca e sem viço.
Não sabia quem era Lourdes, não sabia o que iria encontrar, mas nada mais importava.
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Ninguém Domina o Coração - Saulo / Maurício de Castro - Página 5 Empty Re: Ninguém Domina o Coração - Saulo / Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2018 9:27 pm

dezasseis - Iniciando uma nova vida
Era domingo de manhã quando o caminhão encostou diante de um grande depósito próximo à Praça XV, no centro do Rio de Janeiro.
O motorista virou-se para Luciana, que permanecia alheia ao que se passava a sua volta, e disse com objectividade:
- É aqui que tenho de descarregar o caminhão.
Você pode me esperar aí mesmo onde está e depois eu a levo até a casa da amiga que lhe falei.
Vendo que Luciana permanecia impassível, continuou:
- Ou se quiser, pode descer e tomar o rumo que achar melhor, para mim tanto faz.
Ela o olhou com indiferença:
- Vou esperar aqui! - respondeu com a voz fraca e seca.
O homem se afastou e logo ela começou a ouvir outras vozes se aproximarem.
As pesadas portas da parte de trás do caminhão se abriram e ela sentiu a movimentação da retirada da mercadoria, que devia ser algo muito pesado, pois o veículo balançava a todo o instante e parecia ter muita gente fazendo aquela tarefa.
Talvez tenha sido a agitação do momento, mas Luciana pareceu acordar de um transe.
Finalmente começou a observar tudo à sua volta.
O lugar não era bonito.
Havia muitas portas de alumínio, como portas de garagem, mas a maioria estava fechada.
Um grupo de moradores de rua estava recostado a um canto, protegidos por uma marquise de um prédio muito antigo, que parecia até estar abandonado.
Havia homens, mulheres, crianças e dois cães.
Todos estavam muito malvestidos, e algumas crianças quase não usavam roupas.
Duas mulheres fumavam algo que Luciana não soube identificar, mas notou não serem os cigarros comuns que ela conhecia.
O lixo estava espalhado por alguns trechos da rua e também muito próximo daquelas pessoas, mas parecia que elas não se importavam.
Um mau cheiro invadia as narinas de Luciana e ela não sabia identificá-lo, mas depois teve a impressão de ser cheiro de peixe estragado.
Sentiu-se zonza por alguns instantes e só então se deu conta de que não sabia há quantas horas estava sem comer.
Ficou por mais de uma hora esperando sentada dentro do caminhão.
As pernas estavam dormentes e o corpo dolorido.
Assustou-se quando o homem abriu abruptamente a porta do lado do motorista e entrou esbravejando algo que ela não conseguiu entender.
Ele parecia muito aborrecido e por alguns instantes ela sentiu certo receio.
Ele ligou o motor e começou a movimentar o pesado veículo, dizendo para ela:
- Se eles trabalhassem como eu, não fariam corpo mole.
Para ganhar a vida é preciso trabalhar duro, e essa gente quer dinheiro fácil.
Não gosto de vagabundos.
Você não acha que estou certo?
Ela lhe dirigiu um olhar franzindo a testa, que ele respondeu com mais algumas palavras proferidas de forma ininteligível.
Depois, com um pouco mais de calma, concluiu:
- Estou faminto, e minha amiga detesta que cheguem à casa dela com fome.
Você também deve querer comer algo...
Luciana sentiu seu estômago roncar:
- Também estou com muita fome e sede - respondeu pela primeira vez de forma um pouco mais amigável.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2018 9:27 pm

O homem deu uma risada:
- Ora, ora, não é que a moça sabe se comunicar direitinho?
Ela fechou a cara emburrada, mas ele nem ligou:
- Tem uma padaria no fim desta rua que serve um café da manhã bom e barato, e o lugar é limpo.
Detesto ambientes sujos, embora eu pareça um grosseirão sem educação.
Vamos encher a barriga - e riu alto novamente.
- Depois vamos para a casa de minha amiga, que é aqui perto.
A padaria estava relativamente vazia e Luciana procurou um banheiro onde pudesse se lavar um pouco.
Ao voltar para o salão, o companheiro de viagem já a esperava a uma mesa com duas xícaras de café com leite, dois sanduíches de queijo com mortadela, e dois ovos mexidos.
Ela sentou-se de frente para ele e começaram a comer em silêncio, de forma voraz.
Quando já estavam quase terminando, ele tentou novamente iniciar uma conversa:
- Você me parece uma moça de boa educação e ainda muito jovem.
Acho até que é menor de idade - disse isso torcendo o nariz.
Não quero confusão para o meu lado; você não está fugindo de casa, não é?
Ela acabou de engolir o pedaço de pão e respondeu com segurança:
- Não sou menor de idade e não estou fugindo de casa, pode ficar tranquilo.
Ele a encarou com desconfiança:
- E onde está sua família?
Seus pais? Marido?
- Não tenho ninguém neste mundo.
Meus pais morreram e vivo só há muito tempo.
- E para onde queria ir quando a peguei na estrada?
Devia ter um rumo...
- Não ia para nenhum lugar...
Ou para o mundo!
- De onde você é?
- De São Paulo, mas saí de lá muito pequena, nem lembro mais como é a cidade.
Ele analisou as palavras dela e sua expressão, tentando decifrar o mistério escondido por trás daquela beleza tão jovem!
Mas ela havia criado uma barreira que parecia intransponível.
- Acho que você não quer falar muito, não é?
- Acertou. Não gosto de falar de mim.
Mas não sou mal-educada e quero agradecer-lhe pela carona.
- Não se preocupe com isso, na vida que levo isso é o que existe de mais natural.
Sempre dou carona para todo tipo de pessoa, e você não faz ideia do que já vi.
Ela finalmente se interessou em perguntar:
- Essa sua amiga...
Não vai se aborrecer de você chegar à casa dela comigo?
Como ela pode me ajudar?
Terá trabalho para mim?
O caminhoneiro coçou o queixo, depois a ponta da orelha, e foi directo ao assunto:
- Trabalho tenho quase certeza de que ela terá para lhe oferecer; só não sei se você vai querer.
Ela o interrompeu:
- Claro que quero.
Preciso muito de um trabalho.
- Ela é dona de uma casa de diversão para homens!
Luciana o olhou surpresa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2018 9:27 pm

E ele foi enfático:
- Ela é dona de um bordel.
Tem certeza de que vai querer trabalhar lá?
Você é jovem e bonita, vai conseguir muitos clientes, com certeza.
Mas tem de ter raça para aguentar essa vida.
Mas o dinheiro também é bom.
Lourdes é generosa com suas meninas.
Ela apoiou os cotovelos na mesa e segurou o queixo com as duas mãos, pensativa.
Por fim tornou:
- Leve-me até ela.
Vamos ver o que acontece!
Ele deu de ombros.
Ambos se levantaram, pagaram a conta e voltaram ao caminhão.
Em menos de quinze minutos, já estavam estacionando na frente da casa de Lourdes.
Luciana desembarcou olhando curiosa para o antigo imóvel em estilo colonial.
A fachada era pintada de azul-claro, a tinta era encardida e com jeito de que estava ali havia muitos anos.
Alguns pontos estavam descascando.
A casa possuía dois andares.
No térreo havia uma grande e pesada porta dupla de madeira e muito alta, de cada lado da porta havia uma vitrina fechada com grossas cortinas vermelhas que impediam a visão do interior do ambiente.
No andar de cima viam-se três sacadas com guarda-corpo de ferro trabalhado e portas de treliça, que lembravam as casas de fazendas antigas.
Pareciam quartos, contudo não era possível definir, pois tudo estava fechado.
Não havia movimento algum e Luciana achou que a casa estava vazia.
Mas quando o homem tocou a campainha, em poucos segundos uma mulher de aspecto muito esquisito veio atender.
Ela parecia muito velha, mas o corpo era franzino como o de uma menina de no máximo doze anos.
Quando viu quem estava à porta, abriu um grande sorriso:
- Quem é vivo sempre aparece!
Já vi que a função vai ser boa na casa hoje - completou dando um tapa no braço do visitante.
Ele gargalhou e falou alto:
- Deixe de ser uma velha fuxiqueira e chame sua patroa.
A mulher estava numa animação incontida e divertida:
- Antes de falar com ela, não quer ver a nova decoração do meu quarto? - ela o convidou com uma piscadela maldosa.
- Mas você está mesmo uma velha metida!
Mulher, se enxerga!
Desde quando Lourdes a tirou da cozinha para o salão?
Deixe de conversa e nos coloque para dentro de uma vez ou vai nos deixar na calçada o dia todo?
Só então, a mulher reparou em Luciana.
Olhou-a com tanta curiosidade que parecia virá-la do avesso.
- Hum! Carne nova no pedaço, é?
O homem gritou com ela:
- Vamos logo, mulher, ou digo para Lourdes tirá-la da cozinha e colocá-la para limpar latrinas - e riu, empurrando sem muita força a mulher para o lado e abrindo caminho para o interior da casa, por onde ele e Luciana entraram.
Assim que passaram, Luciana se viu diante de um salão com aspecto austero.
As paredes eram de madeira escura, e as cadeiras, poltronas e sofás eram recobertos com estofados da cor de vinho tinto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2018 9:27 pm

Quadros de gosto duvidoso adornavam algumas paredes, e algumas mesas ocupavam todo o espaço central.
Havia ainda um piano encostado em um canto, e Luciana achou que ele estava ali havia séculos, a julgar pela sua aparência envelhecida.
Todo o ambiente recendia a perfume barato, e ela torceu o nariz.
Lustres de vidro colorido, com ares de cristal, completavam a decoração com candelabros de péssimo gosto, que repousavam em cada uma das mesas.
Estava distraída observando tudo quando uma voz rouca, mas potente, invadiu o ambiente fazendo a moça se encolher:
- Então, o homem mais cheiroso do mundo sentiu saudades desse corpo que tanto o quer? - disse Lourdes se jogando nos braços do caminhoneiro.
Ele a abraçou forte e se agarraram tanto que Luciana sentiu-se constrangida.
E então, pelo canto do olho Lourdes a viu.
Afastou-se lentamente do parceiro e examinou a estranha com visível interesse.
- É sua amiga? - dirigiu-se ao homem sem tirar os olhos de Luciana.
- Eu a conheci na estrada.
Está sozinha e precisando de trabalho.
Achei que você gostaria de conhecê-la.
Lourdes aproximou-se e Luciana recuou um passo, agindo na defensiva diante da desconhecida.
A mulher percebeu o medo da garota e procurou acalmá-la:
- Não precisa ter medo.
Quero apenas conversar com você.
Como se chama?
Ela respondeu baixinho:
- Luciana.
E sou maior de idade! - disse isso, mas nem ela mesma sentiu convicção em suas palavras.
A mulher e o homem se entreolharam.
- Você já trabalhou na noite?
Ela respondeu negativamente com a cabeça.
- Pelo menos conhece os homens?
Já dormiu com algum?
Ou será que é virgem?
Se for, achei minha mina de ouro - riu e bateu palmas como se comemorasse o achado.
- Sinto muito, mas não sou sua mina de ouro.
- Hum, que pena!
Pode não ser, mas com certeza é a moça mais bonita que vi aparecer por aqui.
Tenho uns amigos que ficarão encantados com você.
Dê-me licença um instante - pegou a mão do homem que observava a tudo em silêncio e foram para a outra sala.
Luciana permaneceu em pé onde estava, e por alguns instantes, lembrou-se de Laís.
Reviveu em sua mente as humilhações que havia passado, a arrogância com que a outra a tratava, e uma fúria imensa foi voltando a dominá-la.
Quando Lourdes reapareceu, perguntou:
- Você está certa de que vai encarar o trabalho com a minha equipe?
Naquele momento surgiu uma pessoa decidida:
- Não só quero trabalhar com você, como serei sua melhor garota.
Quero seus melhores clientes!
Tenho boa cultura, sou bonita e educada, e ainda posso trazer muito dinheiro para você.
E também sei como dar prazer a um homem e fazer com que ele queira sempre mais.
Você não vai se arrepender.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2018 9:28 pm

Mas, em troca, minha comissão terá de ser muito compensadora.
Combinado?
A dona do bordel ficou boquiaberta:
- Nossa, onde está a mocinha tímida que entrou aqui há poucos instantes?
- Tenho contas a acertar com algumas pessoas!
Mas para alcançar meu objectivo tenho de ganhar muito dinheiro.
- Calma aí!
Não se iluda, você não vai ficar rica.
Terá uma boa vida, mas enricar aqui, só eu!
E jamais se esqueça de que vai trabalhar para mim.
- Uma mão lava a outra.
Aumento seu rendimento, mas você terá de me dar uma boa comissão.
Não vou me deitar com qualquer um por poucas moedas enquanto você enche os bolsos.
Lourdes olhou para o amante:
- De onde você tirou essa criatura?
Parece que a Bela se transformou em Fera!
O homem achava graça daquilo tudo.
Ninguém ousava falar com Lourdes daquela maneira.
Mas ele a conhecia bem e percebeu que o jeito abusado da garota havia fisgado a mulher direitinho.
Lourdes cruzou os braços e se pôs na frente de Luciana, mas a moça não se intimidou.
Finalmente, a mulher disse:
- Vou chamar Paulina para lhe mostrar seu quarto; você já a conhece, foi quem os recebeu.
As outras meninas saíram, e mais tarde vai conhecê-las.
Hoje e amanhã não abriremos.
Teremos tempo de conversar e acertar os detalhes.
Vai ajeitar suas coisas - disse isso e deu um grito:
- Paulina, venha cá!
Luciana se aproximou do homem, estendendo-lhe a mão:
- Acho que ainda nos veremos bastante.
Obrigada por tudo.
Ele sorriu sem jeito, também tinha sido fisgado!
Luciana subiu acompanhando Paulina.
*
O quarto de Luciana não tinha luxo, mas não deixava de ser confortável.
A decoração seguia o padrão que ela havia visto no salão do andar de baixo.
Uma cama de casal com muitas almofadas e travesseiros, uma poltrona em um canto, um guarda-roupa de duas portas com um aspecto um pouco mais novo e, para sua surpresa, um banheiro só para ela.
Um papel adornado com pequenas flores douradas recobria toda a parede, e na janela havia pesadas cortinas vermelhas que não deixavam a luz natural entrar.
Luciana as abriu, escancarou a janela e só então reparou no entorno da casa onde estava.
Era um lugar com muitos pontos comerciais e ela percebeu que a casa de Lourdes não era o único bordel do local.
Saberia mais tarde que estava próxima à Praça Mauá, no centro da cidade, lugar onde várias boates e inferninhos haviam se estabelecido pela proximidade com o cais do porto.
Os estivadores e marinheiros eram bons clientes e presenças constantes em cada uma das casas nocturnas.
Curiosa, abriu a porta do quarto e notando que tudo estava quieto, saiu para olhar os outros cómodos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2018 9:28 pm

Pelo que havia visto da fachada, não imaginava a grandiosidade da casa por dentro.
Era um casarão antigo, com muitos quartos e corredores compridos.
Chegou a abrir algumas portas e percebeu que todos possuíam o mesmo estilo de decoração, básica e escura.
Ouviu um barulho e correu de volta para seu quarto.
Entrou, fechou a porta e ouviu vozes femininas e muitos risos, que em instantes tornaram-se distantes até não serem mais ouvidos.
Estava colocando algumas roupas nas gavetas quando Lourdes bateu à porta e entrou.
- E então, já está com tudo em ordem?
- Já estou quase acabando.
- Venha cá, sente-se aqui - convidou Lourdes apontando para a cama.
Você acha que estará pronta para o trabalho daqui a dois dias?
Luciana respirou fundo.
Buscava determinação pensando em Laís:
- Sim, estarei.
Não se preocupe que farei tudo direitinho.
Você não vai se arrepender de me contratar.
- Minha intuição me diz que não me arrependerei mesmo.
Você tem um padrão diferente das outras meninas que trabalham comigo.
Tem mais educação, vê-se que teve preparo na vida.
As outras ficarão um pouco enciumadas, mas, para você, indicarei os clientes mais exigentes, pois sei que saberá se comportar à altura da classe deles.
Por esse tratamento diferenciado, você vai recebê-los aqui em seu quarto como as outras, mas se eles quiserem levá-la para qualquer outro lugar, terá autorização para sair.
Tem alguns clientes que vão querer levá-la até para festas e jantares, por causa da sua boa estampa.
A vaidade masculina não tem limites.
O pagamento é feito directamente a mim, e a cada semana separo o valor da comissão e entrego a todas o que lhes cabe, aos sábados.
No domingo vocês têm o dia livre para sair, mas na segunda, mesmo sem função à noite, todas têm de trabalhar na limpeza, compras etc.
Luciana sinalizava que estava entendendo tudo perfeitamente.
Lourdes continuou:
- Você falou em vingança e contas a acertar.
Não quero confusão no meu estabelecimento.
É algum problema com homem?
- Não e sim, mas não trarei meus problemas para dentro da sua casa, pode ter certeza.
Além do que, essas pessoas moram muito longe daqui, e não criarei nenhum tipo de confusão.
- Melhor assim!
Já coloquei algumas para fora por me criarem problemas.
Se eu tiver de fechar minha casa, todas vocês vão ficar sem ter onde morar e sem trabalho.
Portanto, preservar nosso ambiente é o mais importante.
Às oito horas esteja na copa para o jantar e aí conhecerá as outras.
O que você faz no seu domingo de folga é problema seu, mas durante todos os outros dias terá de prestar contas comigo.
Se eu desconfiar que estou sendo enganada ou pior, roubada, você está fora.
Namorado aqui é proibido.
Antigamente umas meninas arrumavam namorado e eles apareciam aqui na hora do trabalho e a maioria não suportava ver sua garota nos braços de outros, e sempre saía briga.
Então, nada de namorados aqui dentro.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2018 9:28 pm

Isso acho que é tudo.
Alguma dúvida?
- Não, nenhuma, tudo está muito claro!
Lourdes a olhou com uma expressão amigável e falou:
- Não sei da sua vida nem quero saber.
Não sou sua amiga muito menos sua mãe, não quero sentimentalismos nem me envolver com os problemas de ninguém.
Temos um negócio, e só isso.
Mas saiba - fez uma pequena pausa escolhendo bem as palavras -, gostei de você!
Mas isso só significa que a farei trabalhar bem para ganhar bem.
E ponto!
A mulher saiu e Luciana se deu conta da realidade que teria de enfrentar.
Sentiu medo, jamais imaginou levar a vida daquela forma.
Mas as tentativas de conseguir outro tipo de emprego foram todas frustradas, e viu naquele caminho sua única saída.
Iria juntar muito dinheiro e um dia procuraria a família Gouveia Brandão.
Ela não seria mais a empregadinha como Laís a chamava, e poderia finalmente se vingar.
Quando foi apresentada a todas as garotas, no início não se sentiu bem acolhida.
Como Lourdes previra, elas ficaram enciumadas e com inveja de sua beleza e educação.
Mas o jeito especial de Luciana logo as conquistou, e se não ficaram amigas, pelo menos não havia hostilidade.
Na primeira noite de trabalho, Luciana estava tensa, chegou a pensar em desistir.
Mas tinha um objectivo: vingança!
Esse era seu combustível para aguentar o que quer que fosse.
Olhou para a cama e viu a roupa que usaria na sua estreia e que foi providenciada por Lourdes pessoalmente.
Era um vestido preto muito curto e justo, com apenas duas tiras grossas de tecido que lhe cobriam os seios e eram amarradas em volta do pescoço.
As costas ficavam inteiramente nuas.
Um par de sapatos também pretos, de saltos finos e altos completavam o vestuário.
Para dar brilho, colocaria um par de brincos que imitavam brilhantes, uma grossa pulseira também de pedras e dois anéis que reflectiam a luz como diamantes.
Recebera a recomendação de como deveria ser a maquiagem e, assim, passou lápis preto contornando os olhos, muita sombra verde, uma quantidade generosa de blush e um batom encarnado, que fez sua boca sobressair.
As unhas estavam pintadas com um esmalte vinho tão escuro que parecia quase preto.
Colocou algumas gotas de perfume entregue por Paulina e o achou muito enjoativo, mas tinha de usá-lo.
Quando estava pronta, parou em frente ao espelho de corpo inteiro, olhou-se e não se reconheceu.
Sentiu um imenso nó na garganta e teve vontade de tirar tudo aquilo e fugir dali.
Mas várias imagens invadiram sua mente:
Leila, sendo deixada no cestinho no meio da noite; Rita, em seu último suspiro; Laís, Fabiano, a mansão, a festa na piscina... o tapa que levara da mulher de Arthur.
Seus olhos ganharam força e pareciam em brasa.
Aprumou a postura, ergueu com altivez a cabeça e saiu do quarto em direcção ao salão.
O motorista que a havia ajudado estava sentado no balcão do bar, e quando a viu não conseguiu esconder o fascínio que a nova imagem dela causava.
Lourdes se aproximou dele e murmurou em seu ouvido:
- Nem pense nisso! - e saiu dando um beliscão nas gordas bochechas do homem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2018 9:28 pm

Todos os olhares estavam voltados para a moça que observava tudo à sua volta.
Com as luzes, a música, as mulheres e os homens que circulavam, o ambiente já não parecia tão formal e escuro, mas adquirira um ar vulgar e festivo.
Luciana procurava não pensar nem julgar nada, pois se o fizesse, com certeza iria embora.
Em vez disso, ficava concentrada em seu objectivo: vingança!
Lourdes a pegou delicadamente pelo braço e a levou até um homem sentado em uma mesa mais ao fundo do salão.
Fez as apresentações e retirou-se.
Luciana o analisou:
deveria ter entre cinquenta e sessenta anos, mas estava bem conservado.
O cabelo era grisalho, mas bem cortado, e sua roupa era de qualidade.
Deveria ser alguém com posses.
Ele bebia vodca e já estava bastante entusiasmado.
Pegou Luciana pela mão e a colocou sentada em seu colo.
Não queria muita conversa, e logo começou a acariciar o corpo dela e beijar-lhe seguidamente o pescoço.
Luciana apertava os olhos sentindo nojo e repulsa, mas tinha de seguir em frente.
Ele lhe ofereceu um gole da bebida e quando ela recusou, ele insistiu, virando o copo em sua boca.
O homem estava impaciente e muito atrevido, colocando por diversas vezes as mãos por baixo de seu vestido sem cerimónia.
Foi então que ela percebeu que várias pessoas observavam tudo o que estava se passando com ela e que isso as estava excitando.
Sentiu um constrangimento sem tamanho e achou melhor sair dali e levar o homem para o seu quarto.
Sabia que teria de fazer seu trabalho, então que fosse logo para acabar rápido.
Passou pouco mais de uma hora com ele, e fez tudo exactamente como devia ser feito.
Durante todo o tempo fixava em sua mente os acontecimentos passados, só assim conseguiria prosseguir.
Quando o homem acabou de usá-la como bem queria, vestiu-se e disse:
- Você foi a melhor que peguei até hoje.
Parecia tímida, mas nossa...
Você sabe tudo! - falou com uma expressão de desejo.
Pegou a carteira e continuou:
- Sei que o pagamento deve ser feito lá embaixo com a cafetina, mas olha, você trabalhou tão direitinho que merece uma boa gorjeta!
Tome, guarde para comprar um perfume e ficar ainda mais cheirosa para mim - e jogou uma nota em cima da cama que daria para comprar uma caixa com vários perfumes.
Ele saiu do quarto e fechou a porta.
Luciana pegou o dinheiro e caiu em prantos.
Correu para o banheiro e tomou um banho esfregando uma esponja com força por todo o corpo enquanto as lágrimas escorriam por seu rosto de forma incontrolável.
Mal tinha saído do chuveiro e ouviu uma batida leve na porta.
Enrolou-se na toalha e quando a abriu, deparou com Paulina no corredor, acompanhada de outro homem, desta vez um tipo grosseiro, vestido de forma um tanto cafona, com colares e grossas pulseiras de ouro.
Luciana se assustou, mas nem teve tempo de esboçar nenhuma reacção.
Paulina foi logo dizendo:
- A madame lhe enviou esta visita.
É um amigo generoso dela e deve ser muito bem tratado.
Luciana apertou a toalha junto ao corpo e ficou segurando a porta, imaginando que conseguiria barrar a entrada daquele homem horroroso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2018 9:28 pm

Mas ele abriu um grande sorriso para ela, e foi entrando sem cerimónia, pegando-a pela cintura e fechando a porta com o pé, deixando Paulina na vontade de esticar o pescoço e ver um pouco do que aconteceria ali.
Sem a menor gentileza, o homem arrancou a toalha, jogou-a no chão, deitou Luciana na cama e usufruiu seu corpo por um tempo, que pareceu a ela uma eternidade.
Ela se deixou conduzir como se fosse uma boneca.
Fechou os olhos e não sentiu mais nada!
Após uma longa noite que parecia não terminar nunca, ela tomou seu último banho e desabou na cama.
Estava deprimida e cansada.
Sentia repulsa pelo próprio corpo e obteve a certeza de que, naquela noite, a jovem Luciana que um dia havia vivido feliz na mansão dos Gouveia Brandão com sua mãe, morrera para sempre!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2018 9:29 pm

dezassete - Óptimas notícias
Os dias de Luciana no bordel estavam começando a render um bom dinheiro.
A notícia de que havia uma nova mulher na casa, que além de jovem e linda, era educada, tinha boa presença e na intimidade levava os homens à loucura se espalhou rapidamente.
Como Lourdes havia previsto, homens ricos, fazendeiros, empresários e até políticos foram em busca de momentos de prazer ao lado de Luciana.
Ela já não atendia qualquer um que chegasse como nos primeiros dias, e Lourdes começou a cuidar da agenda da moça, onde os compromissos incluíam viagens para fim de semana, jantares e festas.
As roupas que usava agora eram escolhidas por ela, e Lourdes teve de admitir que a moça entendia de moda realmente, tinha muito bom gosto, e quem a visse pronta para um compromisso, jamais diria que ela era uma garota de programa.
Além da comissão que recebia, passou a ganhar gorjetas cada vez mais significativas, e já começava a ganhar presentes, entre eles, algumas jóias.
Tudo que recebia, Luciana guardava em uma caixa muito bem escondida em seu quarto e fechada com chave.
Mas quando resolvia contabilizar os ganhos, desanimava-se imaginando quanto tempo ainda levaria para alcançar a fortuna que desejava para poder enfrentar a família de Fabiano.
Mas sua determinação não tinha limites, e ela continuou conquistando cada vez mais ardentemente os homens, que lhe dariam o que ela queria e precisava para alcançar seus objectivos.
Já havia algum tempo que levava aquela vida, e o resultado de noites regadas a sexo e álcool já se faziam notar em sua aparência.
Perdera completamente a inocência que carregava no olhar e no sorriso.
A face trazia algumas linhas de expressão muito marcadas, a pele já não apresentava o mesmo frescor, mas continuava linda; talvez até mais, com um jeito mais maduro e sensual.
Sua sorte começou a mudar quando conheceu José Américo, um senhor de quase setenta anos, mas que aparentava estar ainda chegando aos sessenta.
Era bem alto, tinha um tipo nórdico, os cabelos brancos, muito bem cortados, e profundos e brilhantes olhos azuis.
Ele nunca fora à casa da Praça Mauá, não frequentava aquele tipo de lugar.
Mas chegou aos seus ouvidos a fama de Luciana, e ele mandou que seu assistente pessoal entrasse em contacto com a dona do negócio, solicitando uma entrevista em um lugar determinado.
José Américo era um homem muito rico, dono de várias empresas, que incluíam mineradoras, fazendas, restaurantes de luxo e uma das maiores fábricas de construção de iates do mundo.
Era viúvo; pai de uma única filha, casada com um dos directores de uma de suas empresas.
Não gostava do genro e reclamava pelo facto de ambos terem optado por não lhe dar netos.
O casal gostava de festas, Viagens e achava que uma criança atrapalharia a vida deles.
A filha não tinha uma relação amorosa com o pai, e a convivência deles beirava o formal.
Ela esbanjava muito dinheiro e vivia com o marido usufruindo muito mais do que necessitariam para ter uma vida já confortável.
Os gastos eram absurdos, e essa constatação incomodava muito o empresário, que trabalhou desde muito jovem para conseguir construir seu império.
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Ninguém Domina o Coração - Saulo / Maurício de Castro - Página 5 Empty Re: Ninguém Domina o Coração - Saulo / Maurício de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 14, 2018 9:29 pm

Quando Lourdes tomou conhecimento da identidade do cliente que queria conhecer Luciana, procurou agendar imediatamente a reunião, que foi marcada em um restaurante discreto onde ele não seria reconhecido.
Quando ela o viu sentado com elegância, vestindo um terno azul-marinho muito bem confeccionado e fumando com classe um cachimbo de aparência caríssima, quase caiu de costas.
Entre os frequentadores de sua casa, passavam homens com posição social elevada, mas nenhum que chegasse aos pés daquele que estava diante dela.
Quando a viu, levantou-se educadamente para recebê-la, o que a fez sentir-se uma pessoa importante.
Puxou a cadeira para que ela sentasse, e iniciou a conversa:
- Senhora Lourdes, é esse seu nome, não?
Ela estava se esforçando para manter a naturalidade, mas estava à beira de um ataque de ansiedade diante de tanto luxo.
Queria gritar de euforia.
- Sim, Lourdes Maria a seu dispor.
- Senhora Lourdes, não disponho de muito tempo e também não quero ser por demasiado inconveniente.
Agradeço ter aceitado meu convite e peço desculpas por fazê-la se deslocar para lugar tão distante de sua casa.
Ela mal conseguia respirar, imaginando o que viria a seguir.
Ele continuou:
- Soube que tem uma moça que trabalha para a senhora, de nome Luciana.
Estou certo?
Ela sorriu demonstrando orgulho:
- Sim, Luciana.
Uma beleza de moça, o senhor precisa conhecer.
Um espectáculo de tão linda.
E também é moça fina e de classe.
Antes que ela prosseguisse, ele a interrompeu:
- Por favor, senhora, agradeço seu empenho, mas já possuo todas as referências e informações de que necessito sobre a moça.
Sei que ela será muito adequada aos meus propósitos.
Ela lhe dirigiu um olhar inquiridor:
- Gostaria de saber quais são os seus propósitos.
Ele fez sinal para o garçom e pediu que trouxesse um scotch para ele e uma taça de vinho para sua acompanhante.
Quando o rapaz acabou de servi-los, José Américo virou-se calmamente para ela e disse:
- Sessenta mil reais é o que pretendo pagar por trinta dias de exclusividade com essa moça.
Esse propósito satisfaz sua curiosidade?
Lourdes achou que ia desmaiar.
Nunca vira tanto dinheiro assim e jamais com nenhuma de suas meninas tivera tal rendimento.
Diante dessa proposta, ela mal conseguia raciocinar.
Tremia dos pés à cabeça e custava-lhe acreditar que Luciana valesse tanto.
Antes que o homem mudasse de ideia, ela se apressou em responder com dificuldade, quase gaguejando:
- Satisfaz totalmente minha curiosidade.
Com certeza, satisfaz muito!
- Eu lhe darei cinquenta por cento no início do período e o restante quando ela terminar o serviço.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 15, 2018 9:50 pm

Lourdes apenas assentiu com a cabeça.
Quem era ela para discutir qualquer coisa numa situação dessas?
Ele continuou:
- Vou enviar meu motorista amanhã à noite para buscá-la, e ele levará o valor para a senhora pessoalmente.
Faça com que ela esteja pronta às nove da noite.
Ele vai levá-la a um hotel já escolhido, e lá ela permanecerá até o fim do período de seus serviços.
Irei encontrá-la mais tarde, e a senhora lhe recomende que me aguarde.
Isso é tudo que é necessário dizer neste momento.
Ela talvez faça alguma viagem comigo, mas não creio que a senhora vá colocar algum empecilho...
- Claro que não, de jeito nenhum, ela estará à sua disposição da forma que quiser.
- Que óptimo!
Tenho de me retirar agora.
Meu carro vai levá-la de volta a sua casa.
Muito boa tarde.
Ah! Ia me esquecendo:
tenho apenas uma exigência que se não for cumprida, desfaço o acordo.
Exijo sigilo absoluto.
Passar bem.
O elegante homem se retirou deixando a cafetina em estado de choque, não conseguindo assimilar a realidade da proposta que acabara de receber.
Sabia que havia feito um bom negócio ao pegar Luciana, mas jamais imaginou algo assim.
Estava muito satisfeita e em poucos minutos já fazia planos para utilizar a pequena fortuna.
Ao voltar para o bordel, foi ter com Luciana em seu quarto para lhe contar as novidades.
Luciana vibrou de alegria também, pois essa sua comissão seria espectacular, e era bem provável que ganharia mais jóias.
Mas ao mesmo tempo, estava intrigada com a situação:
- Lourdes, claro que estou achando tudo isso muito bom, mas não acha que é muito dinheiro para gastar com alguns dias de sexo?
Será que esse homem é normal?
- Ah! Você às vezes parece aquela menina ingénua que chegou aqui.
Eu lhe falei que a vaidade masculina nos surpreende.
Ele não quer apenas sexo.
Decerto vai apresentá-la aos amigos para deixá-los com inveja.
Ele a quer para desfilar e mostrar aos outros o quanto ainda pode ser viril.
E escolheu alguém como você porque não parece uma prostituta.
Luciana fechou a cara.
Ainda não gostava dessa expressão, e Lourdes notou o desagrado:
- Não adianta fugir, mocinha.
Um nome mais bonitinho não vai mudar o que você é.
Mas vamos deixar de bobagens, porque chegou a grande oportunidade da nossa vida.
E se não agarrá-la com unhas e dentes é porque é muito burra.
Quem sabe não consegue segurar o homem e acaba como mulher dele!
Soube que é viúvo.
Seja esperta. Terá o que quiser para o resto da vida.
- Não estou interessada em ter um homem fixo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 15, 2018 9:50 pm

Tenho um objectivo, e me prendendo a alguém meus planos teriam de ser desfeitos.
Lourdes suspirou:
- Olha só, por causa desse seu desejo de vingança, que até hoje não sei o que é, você está deixando as boas oportunidades passarem por sua vida.
Esqueça isso e trate de se arrumar.
Luciana foi taxativa:
- Jamais esquecerei, e essas pessoas ainda vão me pagar.
A cafetina deu de ombros e começou a ajudar Luciana a arrumar sua bagagem.
No dia seguinte, o motorista chegou e a levou.
Ele era muito discreto, e não conversaram durante o percurso.
Quando chegaram ao destino de Luciana, ela ficou pasma com o hotel:
cinco estrelas, extremamente luxuoso e enorme.
O motorista a acompanhou até a recepção, fez o check-in e a lembrou que o patrão chegaria mais tarde.
Ela subiu para o apartamento e quando entrou, quase caiu de costas.
Era uma suíte enorme, ricamente decorada, com uma varanda de frente para o mar de Copacabana.
Como ficaria ali por um mês, arrumou suas roupas no amplo armário e foi tomar um banho e se aprontar para esperar José Américo.
Estava muito curiosa para conhecê-lo e imaginava como seria se deitar com um homem já tão idoso; seria a primeira vez.
Os outros com quem deitara não eram todos jovens, mas nenhum na casa dos setenta anos.
Já passava das 22h30 quando bateram à porta.
Luciana trajava um elegante e discreto vestido salmão, que evidenciava seu belo corpo, mas sem parecer vulgar.
Ao contrário de outros tempos, a maquiagem era suave e apenas realçava seus traços mais bonitos.
O cabelo estava preso em um rabo de cavalo adornado por um elástico da cor do vestido.
Quando abriu a porta, o espanto foi mútuo.
José Américo ouvira falar de Luciana, mas não estava preparado para tanta beleza e elegância.
Já Luciana, que esperava ver um senhor idoso, admirou-se diante daquela figura máscula e imponente, um homem de idade, mas com o corpo forte e a postura altiva, e por que não dizer, muito bonito.
Ambos ficaram por alguns instantes inertes, ainda tomados pela surpresa, até que finalmente ela o convidou a entrar.
Serviu-lhe uma bebida e ambos se sentaram no sofá.
Luciana, que esperava ser de pronto seduzida e levada para a cama, achou aquela situação bastante singular, pois ele não parecia estar ali para isso.
Depois que deu o primeiro gole em sua bebida, ele falou com a voz baixa, mas impostada:
- Vejo que não mentiram ao me falarem de sua beleza.
Luciana pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se verdadeiramente lisonjeada e agradeceu com um sorriso.
Ele continuou:
- Acredito que essa situação esteja sendo um tanto diferente do que você imaginava, não é?
- Confesso que sim.
- Eu não a contratei para ter trinta dias de sexo com você.
Preciso que você realize um trabalho muito importante para mim, pelo qual será muito bem remunerada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 15, 2018 9:50 pm

Nesse momento, a curiosidade de Luciana se manifestou por inteiro.
Então de facto, aquela era uma situação muito especial e ela ficou de certa forma envaidecida por não ser apenas sexo, embora não tivesse ideia do que teria de fazer.
- Peço que jamais comente com ninguém sobre o que vou lhe contar.
Nem com sua cafetina - dizendo isso, José Américo se arrependeu, pois não parecia estar diante de uma prostituta.
Desculpe, não queria falar dessa maneira.
Luciana falou com suavidade:
- Não se desculpe!
Sinceramente não me ofendeu.
Prossiga, por favor.
- Eu preciso que você me ajude a desmascarar um bandido da pior espécie.
Ela sentiu um calafrio:
- Bandido? Como assim?
- Não se assuste!
Não é um marginal qualquer. É meu genro.
Ele é um homem sem escrúpulos e nunca aprovei o casamento de minha filha, mas não consegui impedi-la de cometer essa loucura.
Sei que ele tem várias mulheres, e não sei se ela finge não ver ou se é enganada mesmo.
Mas o pior de tudo:
acredito que ele vem me roubando há muito tempo, mas não tive ainda como provar.
Desconfio que, como director de uma de minhas empresas, ele tenha conseguido arrumar uma forma de desviar muito dinheiro para uma conta pessoal, e, se eu estiver certo, esse valor é realmente imenso.
- Que horror! Imagino sua angústia em saber que seu próprio genro é capaz de fazer uma coisa dessas.
Desculpe, senhor, mas apesar do meu trabalho, sempre primei pela honestidade e acho inadmissível uma conduta assim.
Ele sorriu satisfeito:
- Que óptimo!
Minha intuição mais uma vez acertou quando me indicou que você seria a pessoa certa para esse trabalho.
- Mas como poderei ajudá-lo?
- Como lhe falei, esse meu genro tem muitos defeitos e vícios, entre eles as mulheres, a ganância e a bebida.
O meu plano é que você seja vista como minha nova namorada.
Estará comigo em todos os lugares e será apresentada a ele numa ocasião qualquer.
Tenho certeza de que ele ficará louco para possuí-la e, no momento certo, você dará asas a ele para que pense que poderá alçar altos voos.
Sei que ele possui um apartamento onde costuma ter seus encontros com as amantes, e posso apostar que os documentos sobre esses desvios e depósitos em sua conta estão escondidos lá.
Você terá de ter livre acesso ao ambiente para tentar localizar esses papéis e trazê-los para mim.
- Mas, como sua namorada, o senhor acha que ele vai ousar se insinuar para mim?
- Não acho, tenho certeza.
Depois que enviuvei, claro que tive algumas namoradas, e ele sempre teve inveja da minha posição e porque, apesar da minha idade, tive a sorte de contar com a companhia de mulheres bonitas e que não estavam interessadas em meu dinheiro.
Ele sempre dava um jeito de flertar com elas discretamente, e elas acabavam me contando.
Sei que fará o mesmo com você.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 15, 2018 9:50 pm

O valor do desvio é realmente muito grande, e se você me ajudar a recuperar esse montante, serei generoso na sua recompensa.
- Mas Lourdes vai me dar a comissão pelo valor já pago a ela.
- Eu não quero que ela saiba dessa outra parte do trabalho.
Deixe que pense que você está aqui por outra razão.
Mas esse trabalho que fará para mim é extremamente importante.
Não é só pelo dinheiro que você vai me ajudar a recuperar, mas principalmente por me ajudar a desmascarar esse desclassificado e colocá-lo na cadeia, que é o seu lugar.
- Desculpe, senhor, mas sua filha vai sofrer!
Talvez fique até aborrecida com o senhor.
- Na verdade, acho que ela vai me odiar.
Mas tenho esperança de que enxergue a realidade depois; ainda é jovem e poderá refazer sua vida com alguém que realmente tenha carácter e, quem sabe, ainda me dar netos.
Luciana assentiu com um sorriso.
Estava ansiosa para saber qual o valor do roubo, sentia-se personagem de um filme de acção tipo James Bond.
Mas nem precisou perguntar, ele logo esclareceu:
- Pelos meus cálculos, ele já deve ter desviado algo em torno de trinta milhões de dólares.
A moça ficou estarrecida, mas ficaria ainda mais com o que ele falaria a seguir:
- Não creio que goste dessa vida que está levando.
Meu tino para os negócios aliado à minha intuição e sensibilidade me fizeram ser o homem que sou hoje.
E sei que você está fazendo esse tipo de trabalho naquele lugar movida por razões muito fortes.
Você vai me ajudar a pegar esse bandido, e quero ajudá-la a recomeçar sua vida.
Assim, ambos sairemos ganhando.
- Obrigada, senhor.
Mas por que esse interesse em me ajudar?
- Já disse, costumo ouvir minha intuição, e sei que escolhi a pessoa certa e que você merece uma oportunidade de refazer sua vida com dignidade.
Os olhos de Luciana ficaram marejados e ele aproximou-se dela com carinho desinteressado:
- Não fique assim.
Durante toda minha vida tive a sorte de também encontrar pessoas que me apoiaram em momentos difíceis.
Nem tudo foi sempre um mar de rosas.
E não entenda isso como um favor; você fará um trabalho sério para me ajudar e é justo que receba um valor à altura.
Ela enxugou uma lágrima que insistia em querer correr pelo seu rosto, quando ele finalizou:
- Quando tudo estiver terminado, você receberá três milhões de dólares, e poderá recomeçar sua vida onde quiser.
Sei que terá responsabilidade para levar uma vida correta e honesta.
E antes que eu me esqueça de dizer, acho pouco provável que eu a leve para a cama, fique tranquila, embora eu a considere muitíssimo atraente e sedutora.
Luciana quase desfaleceu e caiu em prantos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 15, 2018 9:50 pm

dezoito - Um abraço de ternura
José Américo combinou com Luciana de passarem quatro dias sozinhos fora do Rio de Janeiro.
Seria uma boa oportunidade para se conhecerem melhor e criarem a intimidade e cumplicidade necessárias para colocar o plano em prática.
Eles precisavam manter uma postura de natural proximidade, e com certeza esse tempo seria suficiente para se conhecerem melhor.
No dia seguinte, o motorista passou no hotel logo cedo pela manhã e pegou Luciana, que já o aguardava ansiosa para ir ao encontro do novo amigo.
Pelo menos era assim que ela o estava vendo.
Durante o trajecto para o local ainda desconhecido para ela, ficou admirando a paisagem da cidade e estava encantada com a beleza.
Sentia que aquele lugar lhe abriria novas portas, um mundo novo, onde poderia finalmente reconstruir sua vida e, acima de tudo, levar a cabo sua vingança.
Era essa agora a razão de todos os seus passos, de toda sua vida.
Não conseguia pensar em Laís sem que isso alimentasse cada vez mais o ódio dentro dela.
E quando se lembrava de Fabiano, a dor que sentia em seu coração era tão intensa que parecia física.
Apesar da decepção que sentira diante da atitude dele, ainda o amava profundamente, e não conseguia ter para com ele o mesmo ressentimento que tinha por Laís e Arthur.
Mesmo com relação a Arthur, a raiva não era tão intensa.
Ela não conseguira apagar de sua história tantas coisas boas que ele havia feito por ela.
Mas Laís era diferente.
Não devia nada àquela mulher, e ela com certeza sentiria a força do seu ódio com maior ferocidade.
E quando se lembrava de Leila, pedia sempre a Deus que estivesse bem e no aconchego de uma boa família que lhe desse amor, carinho e uma boa educação.
A velocidade do carro diminuiu e resgatou Luciana de suas lembranças, trazendo-a de volta à sua realidade.
Olhou atentamente pela janela em busca de José Américo, mas não o viu.
Estavam em algum lugar que lhe parecia uma marina, com vários tipos de barcos, todos muito luxuosos e bonitos.
O motorista estacionou, abriu a porta para ela e foi pegar sua bagagem no porta-malas.
Pediu que ela o acompanhasse e se dirigiram para o deck que os levaria até as embarcações que estavam atracadas uma ao lado da outra.
E foi de uma delas, um magnífico iate que devia ter uns quarenta metros de comprimento, que José Américo acenou para Luciana com um largo sorriso.
Ela acenou de volta e ele desceu pela rampa de embarque indo ao seu encontro.
- Senhor, que maravilha de iate!
É lindo!
Ele sorriu novamente fixando a expressão quase infantil de Luciana admirando a máquina à sua frente.
- Obrigado.
Realmente é um belo barco.
Você vai gostar dos dias que passaremos aqui.
Mas precisamos combinar uma coisa imediatamente:
pare de me chamar de senhor.
Acho que não é a forma de tratamento mais adequada entre um casal enamorado.
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