LUZ ESPÍRITA
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NA PRÓXIMA DIMENSÃO - INÁCIO FERREIRA / Carlos A. Baccelli

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NA PRÓXIMA DIMENSÃO - INÁCIO FERREIRA / Carlos A. Baccelli - Página 4 Empty Re: NA PRÓXIMA DIMENSÃO - INÁCIO FERREIRA / Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 13, 2012 8:51 pm

— Inácio Ferreira! — repetiu o interlocutor, captando o teor dos meus pensamentos, que, agora, haviam se asserenado, embora eu continuasse me sentindo incapacitado de pronunciar qualquer palavra.
O caminho para o Mais Alto começa sobre a Terra...

Por enquanto, lhe será inútil tentar compreender como vivemos;
em nós, nada mais resta senão resquícios do corpo espiritual, passível de transcender a si mesmo...
Não, ainda não nos despojamos totalmente das imperfeições e ansiamos por viver na Dimensão onde a única forma que prevalece é a do chamado corpo mental...
Mais acima, figuradamente alguns anos-luz de onde nos situamos, fica o Mundo das Essências.

— Que contraste com a nossa humilhante condição humana! — pensei.
— Abençoada condição humana, meu irmão, você deveria dizer...
Quem vê a semente de trigo atirada ao monturo não imagina que ela se transformará em pão;
quem anota singelo filete d’água correndo entre as pedras, ignora que ele seja o berço do rio caudaloso que corre na direcção do mar...

Não se permitam desalentar.
A ascensão é penosa mas repleta de surpresas maravilhosas...
Mesmo tendo que retomar o corpo de carne repetidas vezes, não se esqueça de que, onde estiveres, estarás a serviço do Senhor.

Nada mais magnífico do que a possibilidade de o Espírito plasmar a si mesmo!...

Ante o Comandante, que consultara o cronómetro, a entidade prosseguiu, solícita:
— Conflitos por aqui?
Sim, ainda os temos mas não oriundos de interesses pessoais;
as opiniões desencontradas em nossa Dimensão surgem da necessidade de melhor compreendermos a Verdade:
aqui, a Religião é a nossa Ciência, e vice-versa...

Ainda não somos detentores de todas as respostas;
divergimos na interpretação, mas não dissentimos na aplicação...
Não temos guerras e os nossos sistemas religiosos se unificaram;
temos um único templo de Fé, onde todos se dirigem ao Autor da Vida de acordo com os seus sentimentos...

— Vocês podem viajar à Terra? — quis saber, aproveitando a oportunidade que talvez me fosse única.
— Sim, raramente, no entanto a visitamos com frequência...

E, virando-se para Odilon, acrescentou:
— Nas Dimensões que nos antecedem, temos os nossos médiuns;
a mediunidade é a faculdade espiritual que funciona como traço de união entre todos os seres e todas as coisas, integrando-nos em Deus e na Vida!...

Ela é o nosso elemento de transição, em nível psíquico;
é, por assim dizer, o nosso primitivo instrumento de comunicação...
Graças à mediunidade, do Criador à forma mais rudimentar de vida, tudo se encontra interligado!

— Precisamos partir — comunicou Nielsen a Yuri.
— Não poderíamos — indaguei — caminhar um pouco?...
— Não nos convém, Doutor — respondeu-me o Comandante.
— Porque motivo?
— Correríamos o risco de não conseguirmos voltar...

— Talvez, de facto, fosse melhor ficarmos por aqui...
— Não nos adaptaríamos;
se não ensandecêssemos, haveríamos de pedir que se nos aplicasse algo para nos induzir ao esquecimento — esclareceu Nielsen, com propriedade.

— Eu sei — redargui —;
embora tudo que vejo e tudo que sinto, isto não deixa de ser estranho para mim...
Prefiro a minha cama, o meu pijama e, se ainda pudesse, o meu cigarro...
Ah, como eu tenho necessidade de me sentir humano!

A entidade, “ouvindo-me”, sorriu e comentou:
— Inácio Ferreira, você compreendeu!...
— Por quê você insiste em me tratar pelo nome? — indaguei, intrigado.
— Uma ponta de saudade de ser humano — disse-me, continuando a sorrir — mesmo para nós, ainda não é fácil perder as especificações...

Yuri, que nos antecipara no reembarque, já accionara a “Capitão Nebo”.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 13, 2012 8:52 pm

CAPÍTULO 38

Antes de partir, procurei comigo algo que pudesse deixar com a entidade à qual eu me afeiçoara;
tacteei o macacão, que não tinha bolsos e, em vão, olhei à minha volta...

Percebendo-me a intenção, a entidade, vindo em meu socorro, falou-me com ternura:
- Não se preocupe, mas se é este o seu desejo, pense e bastar-lhe-á pensar para que o objecto de seu desejo tome forma;
eu o auxiliarei a materializá-lo...

O que, porém, deixar-lhe como lembrança minha?
Naquele instante, não sei por que, veio-me à mente uma caixa de lenços, com as minhas iniciais com que a minha mãe me presenteara um dia...
E, bastou-me pensar naquele lenço azul, o meu preferido, que a minha mãe brigava comigo para poder lavar, e, no mesmo instante, como se tivesse saído do bolso do meu jaleco, o lenço com as minhas iniciais bordadas em prata estava em minhas mãos...

Espantado, estendi-o a ele, que, de volta, me ofereceu uma pétala fosforescente, à semelhança daquelas com que os espíritos amigos nos presenteiam nas sessões de materialização...

Adentramos a nave e tomamos assento.
A porta se fechou lentamente e aquele ser de luz, que havia se transfigurado para receber-nos, retomou a sua antiga forma:
uma esfera pulsante, iluminada, capaz de pensar, de sentir e de extraordinária força mental.

— O que você me diz, Odilon? — provoquei, na esperança de que o amigo me falasse que aquilo tudo não passava de um sonho.
- Inácio Ferreira! — respondeu-me, descontraído.
Você me desculpe, mas não sinto a menor vontade de conversar...
— Não?...
— Não!... Melhor que eu pense na turma do Liceu...
— E eu, nos meus doidos...
Desculpem-me! — solicitei a Nielsen e a Yuri, que me olharam sem entender.

Varando uma daquelas bolhas gigantes, pela qual havíamos entrado, atravessamos a fronteira e pude ver o Sol...

— Graças a Deus! — exclamei.
De volta para casa!...
Estou ansioso para voltar e ver os meus doentes.
Não me levem à mal — disse, dirigindo-me ao Comandante e ao seu Imediato — no entanto eu também daria tudo por uma xícara de café quente...

- Café quente, Inácio?
— Sim, Odilon — expliquei —, café quente...
Estou me lembrando de uma reportagem que li, certa vez, com o nosso Chico Xavier:
ele descreveu que Emmanuel o levara, em estado de desdobramento, para tentar compreender a posição de Jesus Cristo dentro do Sistema Solar;
acompanhado do Benfeitor, o médium começou a subir, deixando astros e estrelas para trás...

De repente, sentindo-se perdido no Infinito, solicitou que Emmanuel o reintegrasse, às pressas, no corpo de carne, pois ele preferia acordar e tomar um café quente...

Um tanto exaltado, conclui:
— A minha sanidade são os meus pacientes Odilon...
Deus meu, estivemos participando de uma película cinematográfica em terceira dimensão;
aquilo não existe...
Estou doido para caminhar com os meus pés!...

— Não existe, Inácio?
E esta pétala fosforescente em sua mão?

De facto, eu havia me esquecido;
o presente da fraterna entidade que, hoje, girando como relíquia dentro de pequena redoma, ainda brilhava na minha destra cerrada.

— Não se preocupe, Doutor — falou-me Nielsen — são comuns a passageiros esses estados de alteração em “marinheiro de primeira viagem”...

Quando a nave, finalmente, pousou, o Dr. Dawson e André Luiz vieram ao nosso encontro.
Eu estava me sentindo extremamente cansado e necessitei ser amparado por Odilon.
- Quantos minutos? — perguntou Nielsen ao Dr. Dawson.
— Pela cronologia terrestre, duas horas exactas...
Pela nossa, em “Nosso Lar”, foram vinte minutos — informou Yuri.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 13, 2012 8:52 pm

— Então, pela cronologia de DVI, dois minutos — comentou o Dr. Dawson com André Luiz.
Excelente marca;
a continuar assim, dentro de mais alguns anos de pesquisas, quem sabe conseguiremos dobrar ou triplicar o nosso tempo de permanência...

— Dr. Inácio, como é que o senhor está se sentindo?


Mal terminei de ouvir a pergunta que André me dirigia e desabei, para acordar, tempo depois (não me perguntem quando...), recebendo oxigénio puro em confortável cama hospitalar.
Não fora a viagem em si que me afectara o equilíbrio do corpo espiritual, igualmente sujeito a um sem-número de variações;
o que me abatera fora o inusitado da experiência, o imaginável tornado real, a minha falta de cabeça para organizar aquilo tudo dentro de mim...

Por um bom tempo, eu demoraria a me recuperar.

Sendo examinado por André Luiz, o médico amigo me aconselhou:
— Quanto mais depressa você voltar às actividades do hospital que dirige, mais prontamente se restabelecerá.
Assim sendo, quando pude caminhar, sem experimentar aquelas vertigens e aquele abafamento, o Dr. Dawson providenciou para que um aerocar nos reconduzisse à Colónia que habitamos.

Que beleza — confesso-lhes —, tomar “o caminho da roça”!...
E, enquanto regressava, meditava comigo: não dá para subir mais...
É daqui para a Terra de novo! ...
Não tenho cérebro para viver e respirar fora do meu ambiente...

E pensei:
“Meu Deus, o que Jesus Cristo não terá passado para viver entre os homens, há dois mil anos!...
Como é que Ele pôde se adaptar aqui?...”

Agradeci ao estimado Odilon pela companhia e pelos dias em que ele se manteve preocupado comigo.

- Você já se habituou a estes nossos problemas existenciais, não é, Odilon? — indaguei ao companheiro.
Como é que você consegue não se deixar afectar pelas coisas do Mundo Espiritual e mantém a serenidade?...
— Inácio — esclareceu-me —, no começo, eu também me sentia assim como você, mas depois...
Precisamos pensar nos nossos irmãos que, no mundo, vivem quase em completa inconsciência;
sugestionaram-se tanto a ser lagartos, que vivem se arrastando, esquecidos de que podem, por seu esforço, apressar o fenómeno da própria transfiguração.

Temos tanto a fazer, que, sinceramente, eu não me preocupo com outra coisa que não seja cumprir, o mais fielmente possível, com o dever de cada dia;
o resto é consequência, Inácio...
Foi bom termos participado da excursão que o nosso estimado André Luiz nos ensejou, no entanto não nos convém sonhar muito, sob pena de olvidarmos a realidade em que vivemos.

O pássaro, no ninho, não se apercebe de quando as asas lhe crescem e, se pudesse falar, com certeza não saberia explicar que tipo de força que o impulsionou para o primeiro voo...
Trabalhemos, cuidando das menores obrigações que nos dizem respeito, aprendendo a extrair de cada uma delas o seu conteúdo de alegria.

No momento assinalado pelas Leis Divinas, que presidem todo o processo evolutivo no Universo, ascenderemos.
Como poderíamos, simplesmente distanciar-nos daqueles que ainda ignoram, por completo, o pouco que já sabemos?...

- E o nosso Chico Xavier, Odilon?
O que diz a respeito?
Pelo que a entidade de DVI nos revelou, o seu espírito foi conduzido a Páramos Superiores...
Será justo esperar que ele retorne ou jamais voltará a palmilhar os caminhos que percorreu?

— De forma alguma, Inácio! — respondeu o Instrutor, incisivo.
O nosso Chico, como acontece a tantos outros espíritos que já se redimiram, não nos esquecerá;
assim que puder, teremos notícias suas, seja na Terra ou no Plano Espiritual, continuando a actuar pela causa do Evangelho Redivivo...

O lavrador que semeia a gleba não lhe volta as costas, sob pena de comprometer o resultado da semeadura.
De inúmeras maneiras, o nosso Chico prosseguirá cooperando com os irmãos de ideal bem intencionados e o seu espírito se estenderá sobre eles, inspirando-os e encorajando-os na luta que está longe de terminar...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 13, 2012 8:52 pm

CAPÍTULO 39

Assim que me viu restabelecido, as visitas de Odilon ao Hospital escassearam;
as suas actividades no Liceu o impediam de estar se ausentando com tanta frequência, pois, afinal, o seu trabalho na preparação de novos medianeiros para a Terra era de suma importância...

Precisávamos, sim, continuar lutando para que a crença na imortalidade da alma prevalecesse sobre o Materialismo e para que a Religião se libertasse de tantos dogmas que terminam por invalidá-la, porquanto impedem que o homem se volte para o cultivo de si mesmo.

Entre mim e Odilon, a amizade que tivera início no mundo se fortalecera na Vida Espiritual e fazíamos parte de diminuto grupo de companheiros dispostos a servir à Causa do Evangelho, sob a orientação do venerável Irmão José;
embora actuando em campos diferentes, estávamos e estamos sempre em contacto — eu, Odilon, Paulino Garcia, Manoel Roberto, Formiga, Maria Modesto, Alexandre de Jesus, Ademar, Luiz e tantos outros que se afinizam com o nosso modo de ser.

Retomando às minhas tarefas habituais, no diálogo constante com os enfermos sob a minha responsabilidade, assim que me recuperei, o primeiro que quis ver foi Nélio, o paciente de que lhes falara anteriormente.

- Dr. Inácio — disse-me — o que houve?
Ouvi dizer que o senhor andou doente?...
— Os médicos também têm o direito de adoecer — respondi, acomodando-me numa poltrona instalada em seu quarto.
— O que o senhor teve?
Comenta-se que teria voltado muito abatido de uma viagem...
Algum desgaste emocional?

— Mais ou menos, Nélio...
— Mas o senhor?...
- Por que não eu?...
Todos somos susceptíveis de sofrer determinadas crises, embora, no meu caso, não tenha passado de simples mal-estar...

— Decorrente de quê?...
— Pelo que estou percebendo, invertemos os papéis, não é?
Eu sou o paciente e você o médico...
— Desculpe-me, Doutor...
— Estou brincando, Nélio.
A nossa conversa está fazendo bem...
E você, como tem passado? Melhorou?...

— Um pouco mais tranquilo, mas ainda não tenho controle sobre os meus pensamentos;
por vezes, sinto-me como se uma máscara se me estivesse afivelada ao rosto...
Desvios da mediunidade, não é, Doutor?
Será que não existe um remédio para mim?...

- Os nossos cientistas continuam pesquisando e é possível que, dentro em breve, a esquizofrenia e suas manifestações estejam sob controle, mas, por enquanto, o seu tratamento mais eficaz se resume na conquista do autodomínio...

- Como, no entanto, conseguirmos ser fortes no ponto em que somos mais fracos?
- Fortalecendo a vontade, através do trabalho...
Os doentes mentais que recusam a terapia ocupacional recusam o medicamento de acção mais eficiente.

Pausando por alguns instantes, prossegui, recordando-me da experiência que mal acabara de vivenciar:
— Nélio, meu irmão, se nós soubéssemos ou conhecêssemos melhor a grandeza da Vida, não estacionaríamos ao lado de dores tão insignificantes.

De repente, o seu universo passa a ser o sofrimento...
Limitadíssimo! Infelizmente, a imensa maioria demora na periferia de si mesma, embaraçando-se nos efeitos da causa da própria ignorância...
Urge que nos superemos, que esqueçamos a dor e que procuremos servir, não importa em que condição.

Todo desequilíbrio, em essência, é falta de sintonia com as Leis que nos governam;
quando nos adequarmos à Vontade de Deus, nada se conflituará connosco...
O remédio é um agente externo, expediente imaginário curando doenças imaginárias.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 13, 2012 8:52 pm

Pesquisando-o, o homem aprimora a inteligência, mas, na verdade, não existe nenhum processo de cura sem base na auto cura...
Se não nos decidirmos a nos curar, os outros pouco poderão fazer.
Desde que Nélio se recolhera ao Hospital, era a primeira vez que ele conseguia me ouvir sem tremedeiras e repuxões psicóticos...

- Estamos em plena Espiritualidade — prossegui — deixamos o corpo de carne e as nossas experiências para trás, porém, em essência, o que se modificou para nós?
Absolutamente nada.
A nossa condição mental ainda é a mesma, e se o homem não muda o teor de seus pensamentos, a vida não se renova.

Tudo, Nélio, mas tudo mesmo — ilusões, vaidades, ódios, rancores, prazeres, personalismos tolos —, vai ficando à margem do caminho...
Se erramos, estejamos dispostos à indispensável rectificação.
É simples. Porque nos rebelamos, é que complicamos a própria situação.

Se fizéssemos ideia do que nos aguarda no porvir, não perderíamos tempo com tantas mazelas e questiúnculas de ordem moral;
tudo isto é muito pequeno...
O pior criminoso será santo, um dia.
Nenhum ser que tenha saído das mãos de Deus se perderá nos caminhos da evolução.

— O senhor nunca conversara comigo assim, Doutor...
Parece-me que o estar doente lhe fez bem — comentou Nélio, perspicaz.

— Se eu nunca lhe dirigi a palavra nestes termos, você também nunca me escutou tão atento...
A semente e a terra se complementam, concorda?
Se até o nosso extinto organismo físico carecia de uma certa predisposição para que o medicamento químico nele actuasse com eficácia, o que diremos dos recursos terapêuticos direccionados ao espírito? Você está mais receptivo...

— Estou cansado, Doutor, de ficar trancado aqui e nada resolver...
Aceitando a reencarnação;
seja como for, estou sentindo que novamente no corpo as minhas chances serão maiores...
Mesmo que renasça com alguma deformidade, os deficientes, antes marginalizados, hoje vêm sendo alvo de atenção redobrada e de assistência que, cada vez mais, se especializa.

- E depois, meu filho, por mais longa, o que representa uma existência física perante a Eternidade?
O que é o corpo perecível, ante a luz da Vida Imortal?
Se não desenvolvemos as faculdades do espírito, como desfrutar do que foi criado para o espírito?

De que nos adianta nos sentirmos vivos no Além, se continuamos presos às consequências de uma vida desregrada?
Para o pássaro que não pode voar, as asas não lhe passarão de inúteis apêndices...

Sem dúvida, o pouco — muito pouco — que eu vira na Dimensão Vizinha me tornara mais sensível;
não sei por quanto tempo aquele estado de espírito haveria de perdurar comigo, mas o certo é que as minhas concepções haviam se ampliado...
Nada afeito, desde quando encarnado, às teorias científicas, agora é que elas necessitavam de significado para mim.

De facto, o essencial é o Amor!
O Amor é o Conhecimento que se antecipa em quem a ele ainda não teve acesso...
Só o Amor sabe o caminho para o coração!

Notando que Nélio necessitava de repousar, despedi-me e voltei para o meu gabinete, onde Manoel Roberto me esperava com alguns problemas a serem resolvidos na Instituição.
— Doutor — veio o companheiro na minha direcção, com as mãos, como de praxe, repletas de papéis —, precisamos equacionar...

- Dê-me aqui, Manoel, essa papelada — solicitei, sabendo de antemão o destino que lhe daria.
— São reivindicações dos servidores;
pedidos de alta hospitalar redigidos por alguns internos;
bilhetes de médiuns se explicando;
projectos de ampliação no sector de enfermagem, em que não está cabendo mais ninguém...

Puxando com o pé um cesto de lixo para mais perto da mesa — ou, vocês imaginam que cesto de lixo seja somente um privilégio de quem vive na Terra? —, embolei aquela papelada toda, que custou caber no referido porta-resíduos, e sentenciei:
— Avise ao pessoal que o velho Inácio Ferreira está de volta, mas agora muito mais prático na solução dos chamados problemas crónicos...
Auxiliares e internos, reúna todos os que puderem andar no Grande Auditório, que amanhã cedo vamos ter uma conversa!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 13, 2012 8:53 pm

CAPÍTULO 40

- Meus irmãos — comecei — estou sabendo de suas reivindicações e não vamos discutir se são justas ou não...
A verdade é que todos nos habituamos a clamar pelos nossos direitos e, mesmo depois da morte do corpo, olvidamos os deveres que nos reclamam.

Precisamos acordar para as nossas responsabilidades...
Até quando haveremos de imitar os adolescentes, que exigem de seus tutores o que devem conquistar à custa do próprio esforço, recusando-se a crescer?

Quem é que aqui, neste hospital, nos paga as despesas?
Quem é que nos garante o tratamento, já que nos complicamos na experiência terrestre que vimos de deixar?
Onde estão os nossos familiares que deveriam, pelo menos, vir nos prestar solidariedade, porém nos ignoram?

Todos, sem excepção, encontramos esta casa pronta, de portas abertas para nos acolher em nossas desventuras...
Há quanto tempo aqui estamos, e aqui permaneceremos, sem nos preocupar com a origem de tudo o que, graciosamente, nos tem sido concedido?

Cama asseada, quartos limpos, roupas convenientes, alimentação adequada...
Onde é que estaríamos, se a misericórdia do Senhor não nos amparasse nos umbrais da desencarnação?

Todos os que vivemos debaixo deste tecto, fracassamos em nossos compromissos;
sequer atendemos pela metade as obrigações espirituais que nos diziam respeito...

Abraçamos determinados votos religiosos e tentamos ludibriar a consciência;
por este motivo, não pudemos ascender às Regiões Superiores e ainda foi a Complacência Divina que nos resgatou das Trevas, onde seria o nosso justo lugar...

Não continuemos a nos enganar, inculpando os outros pelos nossos equívocos.
Devemos a nós próprios as nossas desditas e, caso não tomemos providências, reincidiremos, quando nos seja facultada a bênção de um novo renascimento...

Digo-lhes, com sinceridade, se eu não sabia se estava excedendo em minhas palavras, pois até mesmo Manoel Roberto me observava um tanto espantado, temeroso, talvez, do que ainda estivesse por vir, mas sentindo uma necessidade enorme de falar continuei:
— Porventura, já lhes passou pela cabeça que aqui, neste hospital, não temos nenhuma espécie de convénio médico?

A quem mandar a conta no final do mês?
A vida que encontramos além-túmulo não nos libertou de certas convenções.
O espírito não se sustenta de ar e não vive por mágica, como imaginam aqueles que esperam morrer, na vã esperança de cruzar os braços em definitivo...

A decepção que os espera é semelhante à que temos experimentado, em confronto com a realidade íntima.
A gleba não responde sem o suor do trabalhador e a semente cultivada não foge à sua espécie, ou seja:
impossível que do joio nasça o trigo!...

Se pretendemos melhorar, carecemos de promover a melhora que desejamos.
O Senhor nos concede os recursos, mas a iniciativa nos pertence.
Há quanto tempo instamos com os nossos irmãos e com as nossas irmãs que connosco aqui se encontram albergados, no sentido de que cooperem mais decididamente em sua recuperação?

Exceptuando-se os doentes mais graves, que sequer puderam vir ao Grande Auditório e participar desta reunião e que, certamente, serão conduzidos em estado de sem lucidez à reencarnação, todos vocês, ou melhor, todos nós temos sido relapsos...

Quase ninguém nos atende à recomendação de participar, sendo úteis de alguma forma, de seu processo de restabelecimento.
De espírito ocioso, como haveremos de adquirir novos hábitos, gerando um automatismo de carácter positivo que nos beneficie?

O escultor não imprime forma ao mármore do dia para a noite, porém não descansa o cinzel e o malho, até que veja a obra consumada.
Vamos, pois, a partir de hoje, diminuir as nossas queixas e reflectir que aqui estamos amparados pela caridade daqueles que, em nome de Jesus, ergueram estas paredes...

Repito, de onde nos chega o pão de cada dia?
Os nossos irmãos encarnados nos supõem isentos de todas as necessidades...
Melhor, sem dúvida, que fosse assim!...
As nossas carências materiais apenas se eterizaram, não desapareceram;
se queremos restringi-las ao máximo, precisamos ousar passos além...

Neste momento, sem conseguir esquecer a experiência que vivenciara na companhia de Odilon, na excursão que nos fora ensejada à Próxima Dimensão, consenti que lágrimas me assomassem aos olhos de maneira discreta.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Ago 14, 2012 8:26 pm

— De hoje em diante — prossegui com a voz embargada — neste Hospital consagrado aos médiuns enfermos, os que puderem, pelo menos, empunhar uma vassoura haverão de trabalhar!...

O que reivindicamos, servindo, não nos é negado — isto é da Lei!
A Graça Divina que nos alcança vem em complemento ao esforço que despendemos.
Todo doente psiquiátrico — e nós somos qualquer um deles — não carece tanto de remédio quanto carece de melhorar a auto-estima.

O desequilíbrio, que apenas varia de intensidade em sua forma de manifestar-se, recebendo os mais diversos rótulos da Medicina psicossomática, é uma autopunição, uma espécie de acomodação íntima das camadas da personalidade convulsionada...

Se o medicamento específico age no quimismo cerebral, não logra modificar o espírito, que só Deus pode tocar.
Portanto, doravante, providenciaremos actividades para todos, que deveremos retribuir à Caridade o que dela temos recebido;
faremos jus ao que aqui tem sido gasto connosco, sem que quase nunca cogitemos da procedência das bênçãos com que somos aquinhoados.

Com uma piscadela de olho para Manoel Roberto, que se sentia mais aliviado com o meu pronunciamento, encerrei:

— A papelada com as reivindicações de vocês já foi devidamente encaminhada a departamento superior e, enquanto esperamos que seja deferida, vamos arregaçar as mangas...
Amanhã mesmo, chegará ao hospital um carregamento de vassouras, rodos e esfregões;
fica decretado, por aqui, o fim da ociosidade e a rezaria do que insistem que as palavras devem substituir o esforço...

Os servidores que não estiverem satisfeitos, podem solicitar transferência;
ouvi dizer que existem muitas vagas nas regiões umbralinas e as equipes de resgate que operam na superfície da Crosta e em seu interior estão precisando de voluntários...

Tenho dito!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Ago 14, 2012 8:26 pm

Quando terminei a breve alocução, poder-se-ia escutar, se houvesse algumas delas por ali, uma mosca voar no ambiente.

A maioria, sentindo-se valorizada, estava feliz, mas um colaborador mais activista, perguntou-me, à saída:
- Dr. Inácio, o que acontecerá com quem não estiver disposto a se enquadrar nas novas normas directivas da casa?
Olhando-o firmemente nos olhos, respondi, apontando com o indicador:
— A porta de saída do Hospital é aquela lá!...

Entusiasmado com o resultado da prelecção, Manoel Roberto interpelou-me:
— Quando, Doutor, teremos uma nova reunião semelhante?
— Espero que nunca — esclareci.
Você sabe que eu sempre fui avesso a reuniões de directoria:
muita teoria e pouca acção...

Saindo do Grande Auditório, fui directo para o meu gabinete, onde, trancando a porta, me deixei cair numa poltrona e comecei a meditar:
não posso cometer no Hospital os erros que cometi no Sanatório...

Dirigir, sim, com o coração, mas jamais abdicar da razão.
Sem ordem e disciplina, até a prática do Bem termina descambando.

Ser humilde não significa ser conivente com o que não está certo;
os que contemporizavam para manter os seus cargos estão sendo omissos e indiferentes...
Enquanto reflectia, instintivamente levei a mão sobre pequeno banco almofadado, à procura de algo de que, há muito, eu estava sentindo falta...

Ora, bolas, não deveria ser tão difícil assim conseguir, além da morte, um... bichano.
Por que os gatos não haveriam igualmente de sobreviver?
Haveria, na Lei, alguma discriminação contra os animais?...

Chamando o incansável Manoel Roberto, solicitei que, o mais rápido possível, nem que tivesse que importar de algum lugar — e ele sabia de onde — providenciar um gato para mim, ou melhor, um casal de gatos!...

Fim

§.§.§- O-canto-da-ave

Caro amigo:
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Muita Paz
Que Jesus o abençoe
Ave sem Ninho
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NA PRÓXIMA DIMENSÃO - INÁCIO FERREIRA / Carlos A. Baccelli - Página 4 Empty Re: NA PRÓXIMA DIMENSÃO - INÁCIO FERREIRA / Carlos A. Baccelli

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