LUZ ESPÍRITA
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NA PRÓXIMA DIMENSÃO - INÁCIO FERREIRA / Carlos A. Baccelli

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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Ago 08, 2012 9:14 pm

CAPÍTULO 13

A praça em que nos havíamos reunido já se encontrava praticamente vazia;
diversos grupos, procedentes de várias regiões da Espiritualidade, haviam partido e, agora, os curiosos e desocupados de além-túmulo se aproximavam, como que para vasculhar os espólios do concorrido velório...

Contrastando com a luz do corpo espiritual de eminentes entidades, esses outros nossos irmãos se mostravam opacos em seu novo veículo de expressão, dando-me a impressão de que, embora desencarnados, ainda não tinham logrado completa emancipação;
muitos caminhavam sem qualquer desenvoltura, qual se fossem doentes com dificuldade para mudar o passo...

Observei que semelhantes espíritos que, aos poucos, emergiam das sombras, eram em grande número e, com raras excepções, se revelavam de fácies sofrida;
os que constituíam excepção possuíam uma expressão malévola na qual lhes transparecia o grau de ensandecimento...

Com a minha experiência em lidar com pacientes psiquiátricos por mais de meio século, não tive dificuldade para separar uns e outros, ou seja, os que unicamente sofriam e os que sofriam e faziam sofrer.

—Antes de nos juntarmos a vocês — explicou Gonçalves —, eu, Weaker e Clóvis estávamos conversando com alguns irmãos desencarnados que, impressionados com o que viram aqui, estão dispostos a mudar;
eles estavam nos perguntando o que devem fazer para reencarnar...

— Não podemos — falou Clóvis com espontaneidade — deixar perder a “safra” que se nos oferece aos propósitos de colher para Jesus...
Eu imaginava que não passava de lenda o que os Evangelhos ditos apócrifos nos relatam, referindo-se aos espíritos que habitam o interior da Terra e que, com o episódio da Ressurreição, se libertaram das regiões abissais, atraídos que foram pela Luz que brilhou na superfície.

Contam as tradições que espíritos acorrentados às profundezas, por séculos, conseguiram se emancipar e, em massa, se converteram ao Cristianismo, porquanto Jesus Cristo não se dirigia apenas à comunidade dos encarnados:
Ele pregava para os que se encontravam no corpo quanto para os que se encontravam fora dele;
caminhou entre os vivos e os mortos, dialogando o tempo todo com homens e com espíritos, e a sua crucificação se deu por um conluio entre os que tramaram a sua morte dos Dois Lados da Vida...

Identificando-nos na condição de adeptos do Espiritismo e amigos de Chico Xavier, começamos a ser abordados por aquelas entidades infelizes que, aos meus olhos, se assemelhavam a sobreviventes onde houvesse sido travada intensa batalha.

A grande maioria exibia as vestes em farrapos e, além da obscuridade espiritual à qual já me referi, deixavam exalar de si quase insuportável odor...

— Por favor, auxiliem-nos! — disse-nos um deles, adiantando-se aos demais.
Estamos convencidos de que, realmente, o mal não compensa...
O que vimos acontecer hoje, aqui...
Estamos dispostos a enfrentar um novo renascimento.

Que luz foi aquela que brilhou no céu com tanto esplendor?
Queremos, igualmente, amar para sermos amados.
Se vocês são discípulos de Chico Xavier, auxiliem-nos, por caridade.
Não queremos mais permanecer nesta situação, mas não sabemos o que fazer...

Um espírito feminino, cujos olhos encovados no rosto macerado nos permitia entrever o tamanho do seu padecimento, atirou-se-nos aos pés, suplicando de mãos erguidas:
— Por piedade, estou arrependida; desde que deixei o corpo, a minha vida tem sido vagar nos caminhos do Além...
Confesso-lhes que me transformei num vampiro e ando à busca de prazer.

Incentivada por outros, pelos quais me deixei influenciar, rebelei-me contra Deus;
no mundo, abandonada por meus pais, fui, desde jovem, uma mercadora de ilusões...
De há muito quero mudar e, agora, creio que chegou o momento;
estou profundamente comovida com a manifestação pública que observei no velório desse homem santo...

Libertem-me de mim mesma!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Ago 08, 2012 9:14 pm

Um outro, de barba crescida e unhas por aparar, qual mendigo de rua que ansiasse pelo beneficio de um simples banho, rogou-nos, envergonhado:
— Perdi excessivo tempo e perdi-me daqueles que eu mais amava; não sei mais de nenhum dos que eu amei na Terra...
A ociosidade me viciou o espírito e dementei-me;
tenho a impressão de que estou despertando de profunda letargia que de mim se apossara...

Eu também quero e necessito mudar, pois, caso contrário, os meus sofrimentos se eternizarão...
Socorram-me! Sei que não mereço, mas socorram-me!...
Não me deixem mais entregue à própria desdita.
Estou disposto a tudo e aceitarei qualquer corpo que se me ofereça no mundo...

Parecia-me, sem qualquer exagero, que os túmulos tivessem sido abertos e aquelas entidades do mundo subterrâneo, emergindo das trevas, estivessem empreendendo fuga dos que os mantinham encarcerados nas cavernas do remorso.

Olhando-me, significativamente, Odilon comentou:
— Quantas bênçãos a vida e a suposta morte de um verdadeiro homem de bem pode espalhar!
Quantos não estarão sendo motivados à renovação íntima, ante o episódio da desencarnação do nosso Chico!...

Ele que, no corpo, descerrou caminhos para tanta gente, ao deixar a vestimenta física, prossegue orientando com os seus exemplos os que se desnortearam além da morte.

Faz-me recordar o que disse Jesus, no capítulo 12, versículo 24, das anotações de João:
“Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só;
mas, se morrer, produz muito fruto”.

— O trabalho dos nossos irmãos espíritas, ao que percebo — falei por minha vez —, doravante há de redobrar;
é bom que eles estejam preparados e arregacem as mangas...

Um número maior de encarnados e desencarnados haverá de acorrer às nossas casas de fé, na expectativa de orientação e esclarecimento.
Estaremos em condições de recebê-los?...

Indo ao âmago da questão, Gonçalves considerou:
— Se os nossos companheiros de ideal que ainda labutam na carne, agirem com menos personalismo e um pouco mais de boa vontade em servir, não teremos dificuldade;
o nosso problema mais sério são as nossas discussões intestinas...
— Tudo vaidade, Gonçalves — interferi, não resistindo — vaidade e hipocrisia de dirigentes e médiuns...

Não perdemos a mania de querer aparecer às custas da Doutrina;
até na prática da caridade falta-nos idealismo...
Desculpe-me, se não aprendi a amenizar, mas as lembranças que trago do nosso Movimento, ainda estão bem vivas dentro de mim; os espíritas, com raras excepções, acham que são os tais:
colocam a mão no bolso e olham os outros por cima da cabeça, como se o conhecimento espírita, por si só, lhes concedesse supremacia...

Como estão enganados, meu Deus!
Quantos conheci que se envaideciam por serem amigos de Chico Xavier, acreditando que a amizade dele pudesse garantir-lhes a entrada em “Nosso Lar”...

Algumas vezes em que estive pessoalmente a visitá-lo, com o meu incorrigível senso de crítica, notava quanto aqueles que o rodeavam lhe disputavam a atenção, ignorando, total ou parcialmente, o sacrifício a que ele se submetia no cumprimento do dever, com o intuito de nos ensinar a fazer o mesmo.

- Você não deixa de ter razão — redarguiu-me o confrade.
O homem crê que, para se iluminar, bastar-lhe-á se aproximar da luz ou que, para não sentir sede, lhe é suficiente a proximidade da fonte...

Confesso-lhe, Inácio, que quando perto do nosso Chico eu experimentava imensa vontade de ser igual a ele, porém, quando me distanciava, tomando o caminho de volta para casa, aquele meu impulso, aos poucos, ia desaparecendo e, então, eu ficava triste com a constatação da própria realidade: como as de Ícaro, as minhas asas eram de cera!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Ago 08, 2012 9:14 pm

CAPÍTULO 14

Providenciando para que aquelas e outras entidades fossem socorridas, íamos nos retirando, quando, em estado deplorável, uma senhora em espírito se aproximou de nós, suplicando:
— Pelo amor de Deus, eu não aguento mais!
Estou cansada de sofrer...
Há mais de oitenta anos deixei o corpo e, desde então, não tenho tido paz.

Valham-me por caridade!...
Estou mergulhada nas trevas de profundo remorso. Vocês não sabem o que eu passo nas mãos de verdugos cruéis!
Hoje, finalmente, consegui escapar...
Enceguecidos por estranha luz, que brilhou de repente no abismo em que me mantinham presa, pude fugir...

Compadeçam-se de mim — eu não mereço, mas tenham piedade!...
Vocês, com certeza, devem pertencer às falanges angelicais que, de quando em quando, descem às regiões das sombras para abrir as portas do cárcere aos que vivem acorrentados à própria consciência culpada...

— Não, minha irmã — disse Odilon, compadecido —, não somos anjos;
somos simplesmente criaturas humanas fora do corpo...
A luz que a trouxe até nós não nos pertence, no entanto estamos aqui para auxiliá-la...
Mas, como a senhora pôde não perder a noção de tempo, em meio a tanta dor e desvalimento?...

- Ah!, meu filho — respondeu — para quem erra como eu errei, os dias são longos e lentos...
Tudo mais se me apagou da memória, menos a acção infeliz que pratiquei.
Tenho contado as horas e os dias, na esperança de esquecer o que fiz...

Inútil, porém; aquelas cenas se repetem e me enlouquecem. Por vezes, tenho a impressão de que elas saltam para fora de mim e se materializam aos meus olhos...

Como pude ser capaz de tamanha atrocidade e ser absolvida em confissão?
Deve ter sido por causa das doações que eu fazia à Igreja, que me prometeram o Céu, que jamais encontrei...
Há quase um século que eu não respiro um ar tão puro quanto o desta noite e não sei o que é contemplar o firmamento estrelado...

Aquela senhora desfigurada emocionava-me profundamente.
Que crime, afinal de contas, ela havia cometido para estar naquela situação, uma das piores com as quais eu já havia me deparado na condição de médico habituado a lidar com dementes de todos os matizes?

Bastou que mentalmente eu a interpelasse, para que, de maneira espontânea, ela começasse a falar:
- Fui proprietária de muitas terras por estas bandas e tive descendentes de escravos por serviçais em minha casa;
não pensem que a escravidão tenha sido extinta com a promulgação da Lei Áurea...

Os negros não tinham para onde ir com os seus filhos e se sujeitavam a viver miseravelmente.
Ninguém se importava com eles e a justiça dos homens nunca cuidou dos interesses dos fracos e dos oprimidos;
o que se passava nas fazendas era ignorado na cidade, principalmente no meu caso, que sempre fui uma mulher muito rica...

Desde que o meu marido morreu picado por uma víbora, o meu espírito se transtornou e, sem herdeiros, procurava descontar a minha desventura naqueles que continuavam a me servir em regime de escravidão;
a peso de ouro, eu me fazia obedecer cegamente por um capataz, pronto a me obedecer às ordens.

O seu ódio pelos negros era acrescido pelo facto de ter sido filho bastardo, pois um deles lhe havia violentado a mãe, que engravidou...

O padre, sempre beneficiado pelos meus favores à paróquia, fazia vistas grossas e não me denunciava;
certa vez, inclusive, eu o surpreendi no meio do cafezal forçando uma adolescente a render-se aos seus instintos.
Ele silenciava a meu respeito e eu a respeito dele e, assim, nos entendíamos...

Arregalando os olhos dentro da noite, como se estivesse a ver fantasmas, a infeliz irmã continuou a narrativa:
- Um dia, além dos castigos que habitualmente infligia aos meus empregados, deixando-os acorrentados no manguezal, comendo lavagem junto com os porcos, uma jovem que cooperava nos serviços de limpeza da casa grande, onde eu residia, deixou quebrar-se um vaso de porcelana com que o meu marido me presenteara quando noiváramos.

Tomada por um acesso de fúria, chamei o capataz e ordenei que ela fosse amarrada ao tronco, completamente nua e, a quem não a possuísse, ameaçava deixar apodrecer no manguezal até ser devorada viva pelos cachaços...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Ago 08, 2012 9:14 pm

Não satisfeita, após vê-la quase morta, entreguei eu mesma um machado ao homem que me obedecia cegamente e disse-lhe que decepasse a mão direita daquela serviçal que tinha idade para ser minha filha...

O resto não lhes será difícil imaginar;
esvaindo-se em sangue, a jovem agonizou no tronco e sucumbiu depois de algumas horas.
A minha loucura, no entanto, não parou por aí, pois sequer consenti que o seu corpo fosse enterrado:
durante vários dias, os urubus e os vermes dele se alimentaram...

De repente, interrompendo a terrível descrição, a qual custava-nos crer, a senhora começou a gritar, levando as mãos à cabeça:
- Socorro! Socorro!
Eles querem me pegar!...
Não deixem que se aproximam;
são porcos e pretendem me arrastar para o chiqueiro...
Socorro! Socorro!...
Há quase um século, me submetem às mais absurdas humilhações...
Fora! Não se atrevam!..

Virando-se para mim, Odilon observou:
— Inácio, este é mais um caso para você;
providencie para que a nossa irmã seja conduzida ao hospital...

Não podemos deixá-la à mercê da própria infelicidade...
Por mais hediondo o crime, a Justiça Divina se repleta de misericórdia para com o criminoso que, em essência, tanto quanto nós mesmos, se trata apenas de um filho equivocado do Pai que educa, corrigindo, e não que condena, desamparando.

Porém, mal o devotado amigo terminara de falar, assistimos a uma cena impressionante:
três espíritos, metade homens, metade porcos, emergiram do solo lamacento e, cuinchando e roncando, se aproximaram daquela mulher, com o intuito de a conduzirem de volta à vala de onde haviam saído...

Agindo com presteza, Odilon, Clóvis e Gonçalves impediram que eles consumassem o seu intento, enquanto eu, amparando a senhora dementada, a confiei à guarda de Paulino Garcia, solicitando a ele que entrasse em contacto com Manoel Roberto o mais rápido possível.

Os três espíritos transfigurados, que mais me pareciam enormes javalis, recuaram e, entre guinchos, roncos e impropérios, ameaçavam:
— Ela não nos escapará;
é propriedade nossa...
Vocês não sabem o que ela fez?
Por que defendem o algoz e não a vítima?...

Deixem-na! Gente dessa laia é connosco, não com vocês...
Não somos piores do que ela e, no entanto, estamos nesta condição.
Dizem que não, mas há, sim, proteccionismo por parte da Lei ou, então, aqueles que a executam são corruptos...

Tomando a iniciativa de falar, Clóvis contestou com ternura, porém, com firmeza:
— Enquanto o arrependimento não chega para o infractor, ele não toma verdadeira consciência de que necessita mudar.
Vocês estão na situação em que se encontram porque a consideram cómoda;
caso evidenciassem o menor propósito de se renovarem, a Misericórdia Divina lhes concederia a oportunidade que a ninguém é negada...

Outrora, fomos como vocês, indiferentes à própria sorte e revoltados contra a Providência:
acreditávamos que Deus tinha a obrigação de nos fazer felizes, sem o menor esforço de nossa parte;
sofremos muito e aprendemos que qualquer semente, para germinar, necessita de contar com o mínimo interesse do lavrador...

Meus irmãos, não nos têm sido regateados os recursos indispensáveis para que sejamos bons;
o problema é que não estamos dispostos ao sacrifício, à disciplina das emoções e à elevação dos pensamentos...

Desacreditamos do amor de Deus e permanecemos à espera de um milagre!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Ago 08, 2012 9:15 pm

CAPÍTULO 15

Clóvis Tavares argumentava com bom-senso incontestável, porém os espíritos que, ao ouvi-lo, tinham se aquietado em sua fúria, responderam, sofismando:
— Mudar? Sermos bons?...

Não fomos nós que nos fizemos assim; não somos os autores do mal que encontramos pelo caminho...
Qual a razão do sofrimento e a causa da dor que nos são impostos?
Fazer a evolução? Com que motivo?
Apenas para atender a um mero capricho do Criador?

O que nos domina é uma força superior às nossas próprias forças...
Tudo nos leva a crer que Deus é parcial e fez duas classes distintas de espíritos:
os bons e os maus;
nós somos os maus e — pronto! — talvez tenhamos sido escolhidos por Ele para colaborarmos no sentido de que os bons se façam melhores ainda, no entanto, neste trabalho, os maus ainda mais se corrompem...

Este é o nosso estado de felicidade, é assim que nos sentimos bem...
Se nos fosse possível mudar, daqui há séculos e séculos, teríamos que optar por uma dor maior, e isto tudo para quê?
Apenas para ganhar o Céu?...
Não, obrigado pela sua intenção, no entanto o nosso céu de lama nos é mais acessível e não temos que obedecer.

Vivemos à Lei da Natureza e não nos sentimos culpados;
o Criador, sim, é que deve viver com um eterno drama de consciência...

— Meus irmãos — rebateu o companheiro —, não blasfemem contra Aquele que nos tirou do nada e nos deu a possibilidade de atingir a Perfeição, vivendo em perene comunhão com o seu Infinito Amor; tudo que existe aspira à luz do Mais Alto...

A lagarta, que se arrasta no solo, sonha em criar asas e voar no firmamento; a fonte humilde, sem nenhuma noção de rumo, corre na direcção do oceano;
desde épocas remotas, o homem deseja conquistar o espaço e residir nas estrelas...

Crescer é uma aspiração natural da Vida!

Concitou-nos Jesus:
“Sede perfeitos, como perfeito é o vosso Pai celestial”...
Ele mesmo, que já era o Caminho, a Verdade e a Vida, não hesitou em aceitar o sacrifício na cruz para expandir-se em mais íntima integração com Deus;
sempre ser-nos-á possível dar um passo além nas sendas da Evolução...

Não bracejem contra a correnteza do rio, pois, a rigor, não há quem não se canse de se opor à força das águas;
deixem-se conduzir, amoravelmente, pelo Divino Pastor, que nos leva de volta ao aprisco...

Ninguém nasce para fazer o mal, para servi-lo ou para exaltá-lo;
todos somos herdeiros da genética do Criador, e as Suas qualidades vigem, em estado latente, na criatura...

Não perlustremos caminhos que outros já percorreram, em vão.
Vocês acabarão se arrependendo e verificarão que é inútil tentar resistir ao Amor que nos atrai e que nos quer para Si.

O Bem ou o Mal são uma questão de escolha, porquanto Aquele que nos criou nos fez livres e não escravos...

Quem é que nos constrange a agir conforme não queremos?
Quem é que impediu a nossa irmã de se arrepender ou os obstruiu, no propósito de serem os agentes da Justiça de Deus?
Quem os colocou para morar no interior da Terra e quem, hoje, os chamou à superfície do solo?

Quando não nos adequamos à Vontade que nos governa, embora não possa se adequar a nós, ela nos deixa ser o que queremos...

Notando quanto Clóvis se esforçava para esclarecer aqueles três infelizes, tomei a iniciativa de auxiliá-lo e falei sem rebuços:
— Há quanto tempo vocês estão assim? 50, 100, 200 anos?...
Por mais quanto tempo pretendem ficar?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Ago 08, 2012 9:15 pm

Acaso, não percebem que tudo à sua volta está se renovando?...
O mal não é eterno!
Independente de sua vontade, ouso dizer que, um dia, cada um de vocês experimentará o desejo de ser diferente.

Quem é que não aspira a saber como é a outra face de tudo?
Não se enganem e nem se deixem enganar...
Aproveitem que saíram à superfície e dêem uma espiada por aí;
a forma que vocês adoptaram é coisa primitiva... Homerizem-se! ...

A fraternidade, embora ainda de maneira tímida, começa a imperar entre os homens;
dentro de nós, há uma rejeição natural ao que não seja correto...
A consciência, que é o eco da Voz de Deus em nós mesmos, a cada dia nos fala com timbre mais nítido.

Agora ou depois, vocês se arrependerão — um primeiro, outro em seguida e, assim, sucessivamente...
Ninguém pratica o mal com real convicção.
Tudo é apenas uma questão de interesse;
quando os seus interesses mudarem, vocês mudarão...

A sensação de fazer o bem é desconhecida por aquele que nunca o praticou.
Eu não acredito em vocês — desculpem-me, mas estou sendo sincero.
Logo, vocês se cansarão do que são e tomarão a iniciativa de mudar— isto é uma simples questão de tempo.

Porém, se pode ser amanhã, porque não fazerem com que seja hoje?...
Onde estão os seus entes queridos, aqueles que verdadeiramente os estimavam?
Haverá entre vocês, na comunidade em que vivem, real afeição?

Perdoem-me de novo, mas eu não acredito;
se o egoísmo é forte à superfície da Terra, que se dirá em suas reentrâncias obscuras!...

Eu sei o que existe abaixo de mim, mas desconheço o que existe acima, e é o que quero saber.
O universo que vocês escolheram para viver é estreitíssimo;
o que temos acima de nossa cabeça é incomensurável!...

Sem consentir que eu ou Clóvis Tavares prosseguíssemos na argumentação, um dos homens-javalis disse aos outros dois:
— Vamos embora, depressa!...
Estes homens são perigosos e tentam nos enganar;
não estão apelando aos nossos sentimentos, mas, sim, à razão...

Não os ouçamos por mais tempo.
Parecem-me exímios na arte de ludibriar;
o Chefe já nos advertiu a respeito deles...

Que azar, o nosso de encontrá-los!
Tentemos esquecer o veneno que nos inocularam no cérebro...
Vamos, fujamos!
Voltemos para o nosso habitat;
lá, eles não poderão connosco...

Deixemos a infeliz em poder deles;
já nos aproveitamos dela o suficiente e, depois, temos mais gente connosco...

Sem nos darem tempo para mais nada, o homem-javali que liderava o pequeno grupo mergulhou no solo lamacento e, como se estivesse a fuçá-lo, foi abrindo caminho para os outros dois, que o seguiram.

Porém, para nossa surpresa, o último deles a se atirar na lama, quando os dois primeiros já haviam desaparecido, retrocedeu e caminhou na nossa direcção.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 09, 2012 8:28 pm

— Eu aceito a proposta de vocês — falou, quase desabando aos nossos pés —;
recolham-me, por caridade! ...
Eu não aguento mais.
De há muito, venho sentindo náuseas...
Quero arrancar esta máscara da face e não consigo;
estou com saudades de minha mãe...

Eu não sou um animal, eu sou um ser humano;
vocês têm razão:
eu não posso continuar vivendo assim...

Lá, onde a gente se esconde, eles nos obrigam a jurar fidelidade ao Chefe.
Quem se rebela é supliciado, e eles praticamente o deixa
m descerebrado...
Muitos querem se libertar, mas são dominados.
Por favor, não me deixem voltar;
tratem de mim, dêem-me remédios...
Devolvam a minha forma humana!...

Assim dizendo, o espírito que retrocedera cambaleando e se aproximara de nós, desfaleceu e não mais deu acordo de si.

O líder do grupo, que se havia chafurdado na lama, colocou a imensa cabeça de javali para fora e, atinando com o acontecido, antes de novo mergulho, vociferou:
— Eu estava desconfiado de você, bandido! Você nos traiu...
Cuide para não cair nas nossas garras...
Frouxo! Você não passa de um frouxo!...

— Inácio — disse-me Odilon — este também é com você;
providencie para que o nosso irmão seja removido...

Sem conseguir controlar o velho hábito de gracejar com coisas sérias, respondi:
— Pelo jeito, eu vou ter que ampliar as dimensões do hospital!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 09, 2012 8:28 pm

CAPÍTULO 16

A minha tentativa de descontrair não funcionara.

A verdade é que estávamos todos consternados com a situação daqueles nossos irmãos, que, em determinado trecho do caminho, se haviam equivocado e, agora, demandariam grandes lutas para se recuperarem.

Por outro lado, no entanto, não adiantava tristeza;
eles, com certeza, haveriam de se refazer;
com o tempo, curariam as suas lesões mentais e, um dia, seriam felizes...

Era o que estava acontecendo connosco, que nos encontrávamos sob intenso tratamento nas lidas espirituais a que fôramos chamados.

Apesar do meu jeito extrovertido, em meu íntimo pensava:
— Todos esses nossos irmãos são filhos de Deus, que cuida do pequenino grão de areia perdido no deserto quanto do mais belo e portentoso astro a gravitar no cosmos...

O mal é apenas uma experiência transitória;
o objectivo da dor é o de nos disciplinar; em verdade, não existe punição: o que existe é educação...

O aprendizado é lento e gradativo, mas fatal;
embora persistamos nas trevas, todos estamos destinados à luz...

A cada passo, nos sentimos atraídos por uma força que nos faz convergir para Deus...
Não somos mais que crianças que se distraíram de seus deveres...

O tempo urgia e necessitávamos de nos despedir; aos poucos, os diversos grupos socorristas foram se retirando e os amigos que havíamos encontrado necessitavam partir.

Abraçamo-nos fraternalmente e seguimos, eu, Paulino Garcia e Odilon.
Colaboradores anónimos se encarregaram de conduzir as diversas entidades espirituais que, digamos, com toda aquela movimentação que acompanhara o velório e o sepultamento de Chico Xavier, se haviam “convertido”;
incalculável número de espíritos obsessores que, seguindo as suas vítimas encarnadas, tinham passado por ali, adentrando ou permanecendo nas vizinhanças do “Grupo Espírita da Prece”, foram tocados...

E evidente que nem todos se beneficiaram directamente:
a maioria permanecia recalcitrante, mas muitos se desligaram de seus desafectos, tomando a iniciativa de abandoná-los...

Tenho-me esforçado ao máximo para descrever aos nossos companheiros de ideal o que pude testemunhar, mas sei que tudo quanto eu lhes diga será um pálido reflexo do que aconteceu naquelas inesquecíveis quarenta e oito horas em que o corpo de Chico foi velado.

De volta ao hospital, preferimos caminhar durante boa parte do percurso que efectuávamos:
sentíamos necessidade de espairecer e conversar.

De quando em quando, parávamos e olhávamos para trás e, ao mesmo tempo, nos púnhamos a contemplar o Infinito...
O grande vazio que os nossos irmãos espíritas estavam experimentando, de certa forma também estava em nosso coração;
não sabíamos para onde o espírito Chico Xavier havia sido conduzido — e eu que chegara a pensar que os mortos não sabem o que é ter saudade!...

Assim como os homens se esquecem de que são espíritos, por vezes os espíritos se esquecem de que são homens.
A morada dos anjos, efectivamente, estava muito distante de nós, que tão próximos estamos da Terra, que, não raro, chegamos a ouvir os ruídos e os burburinhos da vida humana.

— É, Inácio — falou-me Odilon —, os nossos confrades, especialmente aqueles que privaram com Chico Xavier hão de sentir muito a sua ausência;
espíritos como ele, apenas de tempos em tempos se corporificam no Planeta...

Alguns lamentarão o facto de não terem melhor aproveitado as suas lições, durante as incontáveis tertúlias doutrinárias das quais participaram:
as reuniões madrugada adentro, os encontros, os diálogos informais, as visitas à periferia da cidade, as informações mediúnicas, o seu sorriso espontâneo...

— E nós que achávamos que ele, ao desencarnar, ficaria à nossa disposição, não é?... — considerei.
Muitos, de alguns anos para cá, viviam na expectativa do seu retorno e, para reencontrá-lo agora, pelo menos no que me diz respeito, vamos ter que subir...
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NA PRÓXIMA DIMENSÃO - INÁCIO FERREIRA / Carlos A. Baccelli - Página 2 Empty Re: NA PRÓXIMA DIMENSÃO - INÁCIO FERREIRA / Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 09, 2012 8:28 pm

— No que me diz respeito também, Inácio —redarguiu Odilon, humildemente.
E, no intuito de subir, não podemos mais dizer que ignoramos o caminho...
A Terra, de facto, é a abençoada oficina em que forjamos as asas que nos possibilitam desferir voos mais altos.

É uma pena que poucos compreendam isto.
Muitos de nossos companheiros de ideal executam as suas actividades, sejam elas mediúnicas ou não, sem real proveito para si.

Abraçam o Espiritismo, mas não se permitem abraçar pelo Evangelho...

Os estágios de assimilação do aprendizado são diversos e variados;
não nos basta a simples condição de adeptos da Doutrina, para que nos justifiquemos no Mais Além, quando formos avaliados em nossas acções pelo tribunal da consciência...

Enquanto Odilon falava e caminhávamos, de súbito tive uma ideia que expus ao devotado amigo:
— Já que estamos com tempo, que tal uma rápida visita a Pedro Leopoldo, a terra natal de nosso Chico?...
Eu nunca estive por lá e creio que o Paulino também não.

— Não — respondeu de pronto o simpático jovem, aprovando a minha sugestão —, eu não conheço Pedro Leopoldo e, de há muito, anelo em meu coração excursionar por aquelas bandas de Minas Gerais... Seria interessante e oportuno.

Concordando connosco, Odilon recomendou que utilizássemos a faculdade de volitar e, em poucos minutos, chegávamos à referida cidade, onde fomos recebidos por um senhor de nome Zeca Machado, antigo companheiro das lides espíritas de Chico Xavier.

Como em Uberaba, os moradores de Pedro Leopoldo estavam consternados pela partida do filho ilustre, que de lá saíra em 1959.

Ciceroneando-nos, Zeca, a pedido de Odilon, levou-nos para conhecer os pontos pitorescos da passagem do inesquecível médium pela Terra.

- Quando Chico — explicou-nos — transferiu residência para Uberaba, é evidente que ele nos fez muita falta, no entanto a recomendação que os Espíritos Superiores lhe fizeram neste sentido não poderia ser ignorada;
as coisas estavam ficando muito complicadas para ele e a família que, em função do seu trabalho, havia perdido toda a privacidade...

À época, Pedro Leopoldo era uma cidade pouco povoada, mas muita gente, de alguma forma, queria tirar partido da presença de Chico;
vocês sabem o que representa a chamada tentação do dinheiro...

Ele não teve alternativa e ainda bem que encontrou, no Triângulo Mineiro, as condições ideais para dar sequência ao seu trabalho.

No início, eu mesmo não compreendi a sua decisão, mas, depois, vi que ele havia acertado.
Do ponto de vista doutrinário, foi bom para nós — o Movimento cresceu, passamos a nos sentir mais responsáveis;
outros médiuns, que viviam à sombra de Chico, foram convocados à lida...

E, depois, ele nunca nos abandonou: periodicamente, aqui estava, visitando a família e os amigos — não perdemos contacto...

Quando nos era possível visitá-lo em Uberaba, éramos sempre recebidos com grande alegria.
A cidade de Uberaba, mais ligada a São Paulo do que a Belo Horizonte, ensejou que a tarefa do Chico se difundisse por todo o Brasil.

Enfim, foram vários os aspectos positivos de sua transferência para lá.

Hoje, com a graça divina, o movimento espírita de Pedro Leopoldo é dos mais promissores;
os grupos trabalham activamente e têm priorizado o estudo da Doutrina — o estudo e, consequentemente, a sua vivência...

Respirando fundo, como se estivesse a lembrar-se de saudosos tempos idos, Zeca continuou:
- É difícil acreditar, mesmo para nós, que éramos próximos, que um espírito da envergadura de Chico tenha vivido por aqui...
A história de sua infância é comovente; desde criança, ele era diferente...

Agora é que percebo que, em tudo que fazia, os espíritos estavam com ele.
Digo-lhes, sem exagero, que, se Chico tivesse continuado no seio da Igreja, hoje ele seria considerado um santo.

A sua vida, em muitos lances, me lembra a vida de Francisco de Assis, que renunciou a tudo para servir a Jesus...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 09, 2012 8:28 pm

CAPÍTULO 17

— Chico sempre se preocupou em esconder a própria grandeza:
não fazia e não permitia que alguém fizesse a sua propaganda;
durante os passes que ele transmitia nos doentes, do seu corpo e, particularmente, de suas mãos exalava cheiro de éter ou de perfume...

Impressionantes os fenómenos que aconteciam à sua volta;
eu mesmo, por diversas vezes, testemunhei a explosão de luzes à sua volta.

De madrugada, tarde da noite, quando saíamos do “Luiz Gonzaga” ele, antes de ir para casa, fazia questão de visitar alguns amigos acamados e, quando não tinha nada para lhes levar, talava uma singela flor do campo com que proporcionava alegria a cada um deles...

A sua facilidade para psicografar era impressionante;
num simples pedaço de papel, onde houvesse necessidade, apoiando-o na perna ele grafava as mais lindas páginas de além-túmulo.

Trovas e sonetos lhe brotavam das mãos com a mesma espontaneidade que as estrelas aparecem no firmamento.

Aos seus olhos, tínhamos a impressão de que éramos transparentes — ele nos enxergava por dentro, o corpo e a alma, e, não raro, nos respondia a determinada pergunta antes que tivéssemos tempo de formulá-la;
ele nos adivinhava os pensamentos, mas guardava silêncio para as nossas imperfeições...

As descrições de Zeca Machado me comoviam e comecei a sentir inexprimível desejo de ter compartilhado daquele tempo de tanta espiritualidade e beleza!

- Vamos ao “Luiz Gonzaga” — convidou-nos o devotado amigo.
O referido centro, antiga casa de trabalho de Chico Xavier na cidade, fica localizado na rua principal, próximo à igreja matriz.

— Este é o prédio novo — explicou-nos —;
o velho já não existe mais, no entanto ainda o conservamos intacto deste Outro Lado da Vida...

— Isto é possível? — indaguei, curioso.
— É evidente, Inácio — atalhou Odilon —; tudo possui o seu duplo...

— Mas esse duplo não existe em função do que existe materialmente?...
Quando os objectos se desarranjam, do ponto de vista material, o que lhes constitui a réplica espiritual igualmente não se desagrega?

— Nem sempre, principalmente quando determinados objectos e construções se acham fortemente imantados ao pensamento plasmador — respondeu Odilon, que continuou:
A estrebaria em que Jesus nasceu, há cerca de dois mil anos, não desapareceu do céu de Belém;
ela se conserva intacta, pois, todos os dias, no mundo inteiro, os cristãos estão constantemente a criá-la e a recriá-la...

No entanto, Inácio, este é um assunto para os nossos físicos e não para nós, que estamos apenas à procura de melhoria íntima.

- Concordo — respondeu Zeca, convidando-nos a adentrar a sede original do “Luiz Gonzaga”, que funcionava num pequeno cómodo da casa em que Chico residia com a família.

O recinto era diminuto porém muito bem cuidado;
das paredes que o constituíam irradiava-se suave luz e podia-se respirar uma atmosfera de paz.

— Muitos espíritos costumam vir aqui fazer as suas orações, meditar — falou-nos o anfitrião.
— Estou impressionado — disse Paulino —; este cómodo é bem menor do que o meu quarto...

— Do seu ex-quarto!... — corrigiu o mestre ao pupilo.
- Desculpem-me; às vezes, eu ainda me esqueço...
— Ora, Paulino — interferiu Zeca, sorridente — não se preocupe; afinal de contas, como você está vendo, até para o que é material a vida continua...

— Como, neste pequeno espaço, a Espiritualidade logrou fazer tantos prodígios em favor da Humanidade?...
— O problema do homem é espaço demais e aproveitamento de menos — filosofei, igualmente maravilhado com a singeleza do ambiente.

— No começo da tarefa de Chico, no ano de 1927 em diante, ele praticamente orava sozinho aqui;
sozinho, em termos — consertou Zeca —, porque os espíritos estavam com ele: os poetas, os literatos, os grandes luminares da Vida Maior e os sofredores vinham visitá-lo...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 09, 2012 8:29 pm

— Os sofredores se manifestavam mediunicamente no “Luiz Gonzaga”? — interroguei ao gentil confrade.
— Raramente;
as sessões mediúnicas de desobsessão eram realizadas no Grupo “Meimei” — sessões, aliás, inesquecíveis...

Os espíritos que nos habituamos a rotular de sofredores nos transmitiam preciosas lições;
um companheiro nosso, Arnaldo Rocha, que ainda está no corpo, compilou uma obra interessante a respeito, intitulada “Instruções Psicofónicas”;
o livro, pouco conhecido da nova geração, é extraordinário pelo seu conteúdo e pelos depoimentos dos que deixaram o corpo desavisadamente...

— É verdade, Zeca, que Chico ia até com certa frequência à casa de nossas irmãs que faziam comércio de si mesmas? — indaguei, com dificuldade para tocar no assunto e encontrar as palavras menos contundentes.

— Ele sempre foi muito amado por aquelas que residiam no bairro boémio da cidade.
Quando Chico chegava, elas mandavam os “fregueses” embora, explicando que, naquela noite, não haveria festa; ele orava com elas, lia-lhes e explicava o Evangelho e, na medida do possível, sempre levava algum alimento...

Certa vez, quando Chico teve uma grande ferida no pé e parte da perna, foi uma dessas nossas irmãs que ia fazer curativo nele todos os dias:
lavava-lhe o pé doente numa bacia com água e arruda e, depois, o enfaixava...

- Igual à pecadora que ungiu os pés do Senhor, ante os protestos de Judas — lembrei.

- Exactamente, Inácio.
Poucos sabem disto, mas eu vou lhes dizer:
em seus últimos anos de vida, de tanto pensar nas chagas de Jesus Cristo e desejá-las para si, como aconteceu a Francisco de Assis, dois pequenos estigmas lhe apareceram no peito dos pés, lembrando os cravos que perfuraram os pés do Senhor...

— Muitos não acreditarão...
— Como muitos não acreditam que Jesus sequer tenha existido, Inácio — retrucou Odilon.
Não devemos fazer da crença ou da descrença alheia uma preocupação excessiva.

— Vamos ao açude — chamou-nos Zeca Machado.
O riacho que margeia a cidade empresta à paisagem natural encantamento.

— Foi aqui, exactamente aqui — disse o amigo erguendo a destra —, que Emmanuel, pela primeira vez, se mostrou a Chico Xavier!...
O antigo senador Públio Lêntulus lhe apareceu à visão dentro dos reflexos de uma cruz luminosa...

- Você já esteve com Emmanuel pessoalmente? — questionei, à maneira de criança curiosa pelos mínimos detalhes.

Zeca sorriu e respondeu-me bem-humorado:
— Esse pessoalmente me soou algo estranho aos ouvidos...
Será que ainda podemos nos considerar pessoas?...
Não, Inácio, não estive com o nosso Grande Benfeitor, a não ser quando pude vê-lo, certa vez, em uma sessão de materialização em que o próprio Chico funcionava como médium...

Foi inesquecível.
Vestindo uma túnica, à semelhança dos senadores romanos, e com um manto a lhe cair dos ombros largos e fortes, portava uma espécie de archote na mão direita e, no peito, trazia a constelação do Cruzeiro do Sul.

Ele não tocava o chão da sala em que se materializou;
dava-me a impressão de levitar, tal a transcendência da aparição que muitos puderam constatar...

— Será que agora, com a desencarnação de Chico Xavier, Emmanuel continuará se comunicando, através de outros médiuns? — perguntou Paulino.

- Quanto a isto — esclareceu Odilon —, sejamos claros:
ao que estamos informados, não!...

A tarefa de Emmanuel, neste sentido, está presentemente encerrada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 09, 2012 8:29 pm

CAPÍTULO 18

— Nem Chico desencarnou e diversas especulações começaram, não é, Odilon? — indagou Zeca, interessado em ouvir a palavra do Benfeitor.
Quem será o seu sucessor; como há de ficar o trabalho espírita sem ele;
quando o Chico irá se comunicar...

— De modo geral — opinei —, a comunidade espírita estuda pouco e, portanto, ainda não alcançou a maturidade desejada;
com facilidade, deixa-se influenciar pelas notícias da imprensa sensacionalista, ávida por vender revistas e jornais...

— Mas a tarefa não há de ser interrompida?... — questionou Paulino.
— É claro que não — respondeu Odilon —;
a obra, na qual nos encontramos engajados, pertence ao Cristo...
Por muita falta que Chico nos irá fazer e com todo o respeito que nos merece e sempre nos merecerá, ele não é insubstituível — aliás, nenhum trabalhador da Seara é insubstituível.
É certo que não teremos outro Chico Xavier, mas, doravante, cada médium será chamado a maiores responsabilidades...

— Ele costumava nos dizer que foi preciso que saísse de Pedro Leopoldo, para que novos médiuns aparecessem — aparteou Zeca.

- É porque — considerou Odilon —, com uma ou outra excepção, os médiuns abdicavam de ser o que eram, com o propósito de ser o Chico...
Ora, isto é um contra-senso.
Ele deve ser imitado por nós outros em seus exemplos de renúncia, de solidariedade, de disciplina, mas não no seu modo de ser na condição de médium;
cada espírito com as suas características e com o estilo que lhe é próprio...

Por exemplo, Chico, actuando mediunicamente, se consagrou como psicógrafo;
outro poderá se projectar no exercício da faculdade psicofónica ou no campo da cura.

As possibilidades de servir e de cooperar com Jesus na construção do Mundo Melhor são infinitas.
Muitos medianeiros, porque passam a ser cópias daqueles que lhes provocam admiração, acabam se anulando...

Chico não é insubstituível, mas não terá sucessor!...

Deste Outro Lado, diversos companheiros de ideal estão a especular:
quem dará sequência a obra de Emmanuel?
Quem fará o trabalho de André Luiz?
Que cronista tomará o lugar de Humberto de Campos?...

— Compreendo, Odilon, o que você está querendo dizer — falei de experiência própria.

— Infelizmente, porque acreditava que fosse eterno no cargo, não preparei ninguém para me substituir na direcção do Sanatório;
este é o erro que, hoje, eu mais lamento...
Tornei-me um velho excessivamente ciumento das minhas coisas;
reconheço que me faltou a grandeza do desapego...

Eu olhava os médicos novos que apareciam para trabalhar no hospital e, de certa maneira, procurava cerceá-los;
em meu íntimo pensava:
“Está querendo sentar-se na minha cadeira, não é?

Aqui quem manda sou eu...
Só passando por cima do meu cadáver...”
E passaram!...

Os amigos sorriram e eu continuei:
- Creio que todo aquele que tenha sido, temporariamente, chamado a dirigir uma instituição espírita deve pensar na transitoriedade do cargo que ocupa;
por culpa minha também, o Sanatório Espírita de Uberaba vem enfrentando crises sucessivas;
eu não dei espaço e não preparei os jovens valores...

Neste sentido, inclusive, já estive, diversas vezes, com o Adroaldo Modesto Gil, pedindo-lhe desculpas;
ele me perdoou, mas eu ainda não estou bem com a consciência...

O Adroaldo era um médico idealista e espírita convicto.

— Inácio, o problema é que você via nele uma espécie de anjo anunciador de sua morte, ou melhor, de sua desencarnação — acertou Odilon em cheio, numa das raras vezes em que eu o percebi indo directo ao âmago da questão.

— Exactamente, sou obrigado a concordar com você — redargui sem a intenção de fugir à verdade —;
infelizmente, ainda não conseguimos deixar de ser o que somos...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 09, 2012 8:29 pm

Se eu o tivesse apoiado em suas iniciativas de reformar estruturalmente o Sanatório, o hospital não se encontraria na situação precária em que se encontra:
um navio à deriva com muitos náufragos e poucos interessados em salvá-lo do naufrágio...

- Inácio, os seus méritos foram e são inegáveis — confortou-me o Benfeitor —;
em parte, você também tinha medo de que alguém viesse a desvirtuar a obra...

— E eu mesmo abri as portas para que tal acontecesse;
eu deveria ter saído de cena um pouco mais cedo e, agora, aos meus ouvidos, ecoaria tão-somente o ruido das palmas de aprovação...

É loucura a ideia de que somos imprescindíveis — necessários sim, imprescindíveis não.

— Voltemos, no entanto, ao assunto que presentemente nos preocupa.
O que você acha, Inácio:
o nosso Chico se comunicará logo com os nossos irmãos encarnados?

— De minha parte, não acredito; choverão comunicações atribuídas a ele, mas, com certeza, não serão de sua autoria...
Médiuns e espíritos insensatos enxameiam em todos os lugares.

Talvez, mais tarde, ele possa dar o ar de sua graça, através de um comunicado mediúnico, mas, por enquanto...
Da forma com que foi conduzido às Alturas, tenho a impressão de que o Chico não descerá tão facilmente.

Porém sei que já existem médiuns intencionados em se promover às suas custas...
E o pior é que muita gente irá engolir...

— O tema, evidentemente, demanda outras abordagens — ponderou Odilon.
De facto, eu também não creio que o nosso Chico entre directamente em contacto com os médiuns, pelo menos não tão cedo, mas o seu pensamento, que continua a se irradiar, será captado diferentemente por diversos medianeiros...

— Como assim? — indagou Paulino.
— Quando o espírito não vai ao médium, o médium vai ao espírito...
— Por favor, Odilon, explique-se melhor — solicitei.
— O problema é delicado, mas existe.
Na ânsia de obter contacto com determinada entidade, o médium provoca a sintonia, apropriando-se do seu pensamento, à semelhança do homem que, utilizando determinada combinação de espelhos, se apropria da energia solar...

— Mas aí não é o espírito...
— Não é e não deixa de ser.
— A identificação torna-se impossível...

— Sem dúvida, é dificultada.
Em mediunidade, Inácio, também precisamos levar em consideração o problema da sintonia directa e indirecta.
Na sintonia directa, temos o fenómeno genuíno;
na indirecta, a participação do médium sobrepõe-se à do espírito que está sendo trazido à baila...

— Quer dizer que o espírito não vem; ele é trazido?...
- Sim e não — respondeu o Instrutor.
— Eu não estou entendendo;
clareie um pouco mais...

— Tentarei, O espírito que deixa o corpo, como o nosso Chico por exemplo, por mais que, do ponto de vista dimensional, se afaste da comunidade terrestre, continua se sentindo responsável por ela, pois, afinal de contas, ele fez por onde ser permanentemente evocado...

A morte não interrompe o compromisso.
Assim, mesmo quando não possa comparecer ele mesmo — não possa ou não convenha — junto a determinado medianeiro, o seu pensamento se irradia e é interpretado pelo sensitivo que, na maioria das vezes, julga estar em contacto directo com a fonte...

Tomemos um exemplo:
o fruto que se apanha e que se come no pomar tem um sabor diferente daquele que é colhido e transportado a longas distâncias, até que se tenha à mesa:
a sua espécie não se altera, mas a qualidade é outra...

— Mas — insisti — por que não simplificar?
Por que o próprio Chico não vem e... pronto?...

- Geraria, como há de gerar, uma polémica infindável, sem nos referirmos, é claro, à ciumeira, induzindo os espíritas a quase se atracarem uns com os outros...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 09, 2012 8:30 pm

CAPÍTULO 19

A resposta de Odilon me fizera antever o que estava prestes a acontecer no Movimento Espírita, com a desencarnação de Chico Xavier, mais particularmente envolvendo médiuns destituídos do necessário bom-senso.

Complementando o que dissera, o confrade explicou:
Não nos preocupemos, no entanto; com o tempo, tudo há de passar e as coisas tornarão à normalidade...

Os acontecimentos exteriores que se prenunciam para toda a Humanidade compelirão o homem a se interiorizar cada vez mais.

Somente Jesus possui a água que sacia toda sede...
Os que realmente se interessarem em aplicar o Evangelho à própria vida, continuarão trabalhando em silêncio.
Não é o contacto com tal ou qual espírito que nos torna melhores;
a lição é de todos, mas a sua assimilação diz respeito a cada um...

Chico cumpriu com o dever que lhe competia e, na verdade, na esfera de nossas obrigações cotidianas, temos o necessário para nos redimir e santificar ou, então, nos precipitarmos no abismo da leviandade e da culpa.

Muitos que passaram anónimos sobre a Terra foram tão grandes, nas acções de cada dia, quanto, por exemplo, Francisco de Assis, Mahatma Gandhi, Bezerra de Menezes...

No entanto — asseverou Zeca Machado —, a confusão pode se generalizar entre os baldos de discernimento;
se muitos usavam o nome de Chico quando ele estava no corpo...

— Sem dúvida — prosseguiu Odilon —, espíritos encarnados e desencarnados, interessados em perturbar o Movimento, haverão de se apropriar do seu nome, como, aliás, se apropriam, inclusive, do nome de Jesus...

E a imprensa sensacionalista estará a postos para divulgar, manipulando a vaidade dos médiuns que acreditam que a intimidade com os Espíritos Superiores possa, só por si, acrescentar-lhes alguma luz.

Se assim fosse, os caminhos da evolução não se nos fariam tão difíceis e complexos;
bastar-nos-ia conviver com os iluminados para nos iluminarmos...

Porém não é assim que acontece.
Quando o Sol se esconde no horizonte, as sombras da noite amortalham a Terra e, quem não foi previdente, fica tacteando às escuras.

A nossa rápida visita a Pedro Leopoldo não podia se alongar.
Deveres inadiáveis me esperavam no hospital e havíamos já teorizado bastante.
Não é fácil descer do Monte da Transfiguração com Jesus, tornando ao vale das obrigações imediatas, junto dos homens, nossos irmãos.

Se pudéssemos viver para sempre no mundo das ideias...
Eu, que tinha projectos que abrangiam o Universo, deixara um paciente em crise à minha espera.

Odilon, Paulino e eu despedimo-nos do anfitrião, que nos recebera naquela que fora a cidade natal de nosso Chico Xavier e partimos, empreendendo, em completo silêncio, a viagem de volta.

Assim que cheguei ao hospital, Manoel Roberto me inteirou da situação de Nélio, que, embora na sua condição de espírita e de médium, deixara o corpo em estado lastimável.

- Dr. Inácio, ele não está bem e só pede para vê-lo;
tentei dialogar, acalmá-lo, mas pouco consegui:
nada o demove da ideia de cometer o suicídio...

- Como se isto lhe fosse possível uma segunda vez - comentei, penalizado.

Nélio, que vivera em uma das capitais da região norte do País, havia sido um médium promissor;
conhecera a Doutrina aos 18 de idade e começara a trabalhar, entusiasmado.

Desenvolvendo as suas faculdades mediúnicas, acentuadamente no campo da cura, era requisitado em seus préstimos por muita gente, no entanto os espíritos com os quais se comprometera em existências anteriores não lhe deram trégua.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 09, 2012 8:30 pm

Para feri-lo mais profundamente, assim que o seu nome ganhou projecção, começaram a assediá-lo, com o evidente propósito de o ridicularizar.
Moço, simpático e dotado de inegável carisma, expôs-se a situações afectivas que o fizeram descer ladeira abaixo...

O seu magnetismo, antes concentrado em benefício dos enfermos, passou a ser utilizado por ele para colimar desejos escusos, manipulando sentimentos e exacerbando paixões ao derredor;
o seu poder mental, certamente avalizado pelas entidades infelizes que lhe tramaram a queda, era impressionante.

Nélio pensava em obter algo ou alguém, e o objecto de suas ambições terminava por se lhe render ao envolvimento;
raras mulheres haviam resistido às suas investidas...

A força que ele deveria ter canalizado exclusivamente para o Bem arrastou-o para o Mal e possuiu-o.

Sinceramente, eu nunca me deparara com um caso semelhante.
Não era um quadro obsessivo comum, pois, de há muito, os espíritos que lograram dominá-lo tinham-se afastado, deixando-o entregue às consequências de si mesmo...

Nélio perdera o controle do pensamento e passara a ser vítima contumaz da própria invigilância.
Tal desventura, como era de se esperar, o induziu a completo desequilíbrio e daí ao suicídio.

Numa tarde, em sua residência, complicando ainda mais a sua situação, ele enforcou-se...
— Vamos vê-lo — disse eu ao devotado companheiro que, na Vida Maior, vinha se dedicando agora ao estudo da Psiquiatria, aliado ao conhecimento espírita.

Manoel Roberto não haveria de ser enfermeiro para sempre, quanto eu, que, no futuro, almejo vivenciar experiências fora do âmbito da Medicina.

Têm-se equivocada impressão na Terra que, além da morte, estaremos condenados a ser o que sempre fomos;
ainda bem que a Reencarnação, com a bênção do esquecimento, nos possibilita realizar outras conquistas, pois, caso contrário, a sobrevivência nos haveria de ser por demais tediosa...

Vocês já imaginaram o médico psiquiatra ser “condenado” a ser médico pela eternidade?
Penso que Freud um dia gostaria de ser, por exemplo, um poeta como Walt Whitman, e vice-versa.

Por que não?
As tradições do Mundo Espiritual dão conta de que Eurípedes Barsanulfo, à sua existência imediata como o célebre Johann-Kaspar Lavater, teria reencarnado, às margens do Borá, em Sacramento, na condição de humilde lenhador, aclimando-se para a elevada missão que cumprira em sua derradeira romagem entre os homens.

Deixemos, porém, de tantas divagações que, em mim, talvez prenunciem o aparecimento do escritor que eu nunca fui e que, não obstante, sempre quis ser.
Nélio, transtornado, estava isolado em um quarto, dentro dos muitos quartos individuais existentes no hospital sob a minha responsabilidade; à volta do pescoço, uma corda lhe pendia por imposição do remorso que a plasmava...

- Dr. Inácio — disse ao me ver —, como o senhor demorou a vir!...
Eu não aguento mais, doutor, esta situação!
Ah, se eu pudesse morrer de novo e... para sempre!...
Meu Deus, como tudo isto foi acontecer comigo!

— Eu já lhe expliquei, Nélio — falei, comovido com a situação daquele irmão que, em outras circunstâncias, poderia ter sido o filho que eu nunca tive —, que não adianta ficar revivendo o passado;
procure esquecer e tranquilizar-se...

Não recrie, mentalmente, a situação do seu enforcamento;
tudo passou, está passando e, com a Protecção Divina, há de passar completamente...
Se você não se acalmar, como poderá sair daqui e em que condições se dará o seu renascimento...

Nem bem eu terminara de aludir a um possível processo reencarnatório para ele, que, em verdade, ainda estava, como está, distante, o médium rebateu:
— Não, Doutor, pelo amor de Deus; não faça isto comigo...
Eu não quero voltar!

Reencarnar, para fracassar outra vez?...
Estude um meio de me zerar a existência.

Quero, sim, esquecer tudo, mas não para começar de novo;
eu sei que não vou resistir à vaidade...
Envenenaram-me o espírito e estou com a mente fora de controle;
eu não sou eu...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 09, 2012 8:30 pm

CAPÍTULO 20

Inquieto, a caminhar no aposento, de um lado para o outro, Nélio era o retrato do desespero.

- Socorro, Doutor! — continuava dizendo.
Arranque-me esta máscara da face, a máscara que eu mesmo plasmei...

Quando eu descobri que podia obter as coisas com a força do pensamento, comecei a pensar;
se via determinada jovem na rua que eu nunca tinha visto antes, desejava que ela fosse minha e, dentro de pouco tempo, tudo acontecia...

— É que os espíritos obsessores, meu filho — procurava explicar —, igualmente trabalhavam para que o seu desejo se concretizasse;
eles descobriram o seu ponto fraco e investiram nele...

O mal, quando se acrescenta ao mal, gera atitudes de consequências imprevisíveis — somente a força do bem para anulá-lo;
o mal assemelha-se, em sua origem, a uma bola de neve que, se não for detida, provocará estragos de grandes proporções...

Assim como o rio caudaloso tem a sua origem num filete d’água, a obsessão se enraíza através de ingénuos pensamentos de invigilância;
a doença que se manifesta no cérebro, em verdade, é doença da mente...

— E agora, Doutor, o que farei?
Não existe mais esperança para mim...
Adoeci e não tenho cura.
Anestesie-me, hipnotize-me, faça, por favor, qualquer coisa;
submeta-me ao electrochoque...

Eu me transformei num monstro;
eu não me interessei, não, só por mulheres:
eu queria o prazer de qualquer jeito (desculpem-me os leitores não relatar os pormenores da confissão do infeliz companheiro)...

— O erro é sempre o erro, Nélio, e, em qualquer situação, precisamos de arcar com as suas consequências.
De que lhe valeria fugir à consciência de seus actos?

Se eu o induzisse a dormir, por mais que dormisse, ao despertar, a consequência de suas atitudes estaria à sua espera;
tão-somente adiaríamos a solução do problema...

O seu caso, apesar de grave, não é sem solução, pois, pelo menos, você não mais se encontra sob qualquer tipo de indução hipnótica...

— Ah! ... — gritava o rapaz.
E aqueles aos quais eu enganei?...
Eu abusei de muita gente, o senhor não sabe...
Eu sou um monstro; eis o que sou — um monstro horripilante...

Destruam-me! Eu não vou mais me controlar por muito tempo!
Se vocês não me destruírem, fugirei daqui e serei um eterno aliado das trevas...

Eu sou um monstro, um monstro lascivo...
E ali, diante dos meus olhos atónitos, Nélio começava a se transfigurar:
o seu corpo se agigantava, os olhos injectavam-se de sangue, a língua saltava para fora da boca e o seu órgão sexual se desproporcionava.

Desculpem-me, uma vez mais, os leitores, se os incomodo com as descrições que faço do estado de alguns dos meus pacientes;
na condição de psiquiatra, digo-lhes que, em maioria, os casos de demência estão ligados ao campo da afectividade que, por sua vez, não se desvincula da problemática sexual, O meu intuito é o de apenas ser fiel à verdade e não o de escandalizar a quem quer que seja.

Neste sentido, aproveito para esclarecer que as narrativas inseridas nos livros “Sob as Cinzas do Tempo” e “Do Outro Lado do Espelho” foram, tanto quanto possível, suavizadas por mim...

Talvez os nossos irmãos encarnados não façam ideia do que seja um hospital psiquiátrico ou uma penitenciária à noite...
As mãos, que ele tantas vezes utilizara para curar, igualmente cresciam e se transformavam em seus instrumentos preferidos de sedução.

— Nélio!... — eu lhe ordenava com veemência.
Volte ao normal;
você é um ser humano, não um animal...
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NA PRÓXIMA DIMENSÃO - INÁCIO FERREIRA / Carlos A. Baccelli - Página 2 Empty Re: NA PRÓXIMA DIMENSÃO - INÁCIO FERREIRA / Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 10, 2012 9:31 pm

Retroceda, retroceda...
Você não está mais no corpo de carne; a sua realidade agora é outra...
Descondicione-se!...
Todos somos criaturas de Deus;
não duvide, meu filho, do poder de nosso Pai...

Deus, que o criou, não teria poderes para transformá-lo?...
O esforço mental com que eu me opunha àquela forma bizarra era extremamente desgastante;
o problema é que a mente de Nélio fazia o que queria de seu corpo espiritual, que já apresentava diversos hematomas e deformações.

A continuar assim, o rapaz realmente renasceria em terrível condição — uma massa disforme no berço à guisa de criança...
Digo-lhes que a minha luta com Nélio prossegue ainda hoje, e os únicos instrumentos à minha disposição para auxiliá-lo são a palavra e o amor.

Não possuímos, deste Outro Lado da Vida, pelo menos nas regiões em que nos demoramos, as aparelhagens miraculosas que os nossos irmãos encarnados imaginam;
não existe máquina capaz de modificar o teor dos nossos pensamentos...

Dispomos, sim, de modernos instrumentos que nos permitem acesso ao perispírito e, com eles, podemos actuar por fora, em intervenções semelhantes às da cirurgia comum, mas estamos longe de devassar, com segurança, os escaninhos da mente;
para nós, médicos desencarnados, o cérebro continua sendo uma grande incógnita ou um outro universo muito mais amplo e indevassável.

Cessados os instantes de crise, o jovem médium se acalmava e indefinível torpor lhe permitia descansar alguns minutos;
logo, porém, acordado pelos próprios pesadelos, Nélio começava a gritar e a chamar, com insistência, por mim.

Sem dúvida, que fui me afeiçoando a ele.
Só de pensar que eu poderia perfeitamente estar no lugar dele, eu me apavorava e me deixava conduzir pela compaixão.
Todos os dias, pela manhã, a minha primeira obrigação era a de vê-lo — eu e Manoel Roberto, que sempre me acompanhava.

Por cerca de 30, 40 minutos, conversávamos — apenas conversávamos;
quando ele mais me ouvia, e me ouve, é quando eu começava a contar-lhe a minha própria história.

— Doutor, aponte-me uma solução — ele me fala em seus momentos de calma —;
eu não posso reencarnar assim...
Perto do que fiz aos outros, o suicídio não é nada;
eu não me importo com esta corda ao redor do meu pescoço:
eu me importo é com o outro Nélio que vive dentro de mim...

Como é isto possível? Sinto que, em meu interior, mora outro alguém...
E eu só queria ser caridoso, um bom médium de cura; as pessoas me diziam que, quando eu as tocava, elas experimentavam indefiníveis sensações...

Se a culpa for das minhas mãos, concordo em ficar sem elas;
se for do meu rosto, eu quero me desfigurar...

— Nélio, vamos esperar um pouco mais — dizia eu, confiante.
Retome o hábito de orar; assim que você aprender a melhor se conter, deixarei que saia daqui e realize algum serviço no hospital — cuidar da limpeza do pátio, do jardim...
A paz mora nas coisas mais simples da Vida!

Não tenha medo da reencarnação.
O que é uma existência no corpo perecível?
O tempo não erra, embora nos dê a impressão de se arrastar, passa com velocidade impressionante.

Você errou, todos erramos...
Não se desespere.
A sua questão básica é a humildade;
coloque-se, voluntariamente, no banco dos réus e aguarde a sentença, que nunca é de punição, mas de educação...

- Mas o senhor acha que eu me recupero?...
— Se você não pudesse se recuperar, significaria que Deus houvera falhado!...
— O senhor é o único que me fala com sinceridade...
Os outros, os que se aproximavam, estavam sempre querendo alguma coisa de mim.

— Ninguém erra sozinho, Nélio;
no entanto nem esta verdade deve servir de justificativa para os erros que cometemos...
Se não concordamos com ela, vontade alguma é capaz de nos constranger.
A semente não se desenvolve na gleba que não lhe oferece receptividade...

Deixemos, porém, de procurar culpados.
Somos chamados a nos fortalecer para fortalecer os outros e não para desfrutarmos de uma situação de privilégio perante a debilidade alheia.

— Doutor, o modo com que me diz as coisas que eu já sei faz com que elas me soem diferente...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 10, 2012 9:32 pm

CAPÍTULO 21

O caso de Nélio talvez induza muitos companheiros espíritas a reflectirem assim:
ora, se ele se prevaleceu da mediunidade para objectivos tão escusos e, ainda por cima, cometeu o suicídio, como é que pode estar merecendo tanto amparo e atenção da Espiritualidade Superior?

Em primeiro lugar, devo esclarecer que eu não faço parte da Espiritualidade Superior e nem o hospital que fui chamado a dirigir se localiza nas Altas Esferas;
em segundo lugar, digo-lhes que o chamado “vale dos suicidas”, aos poucos, vai se saneando por aqui...

Vocês, os encarnados, com todas as limitações que lhes são impostas pela vida na matéria, porventura, consentiriam que o “vale dos leprosos” fosse uma realidade no mundo de hoje?
Já não existe uma certa mobilização em nível internacional para se combater a fome e cuidar das vítimas do HIV?
Apesar dos pesares, a solidariedade vem conquistando adeptos e os direitos humanos são defendidos pelos vanguardeiros do progresso moral da Humanidade...

As entidades sofredoras — não importa o equívoco que tenham cometido —, desde que se arrependam e se predisponham a repará-lo, recebem, além da morte, a necessária e imprescindível assistência.

Aliás, não é outra coisa que nos manda a Caridade!
Outrora, mesmo deste Outro Lado, havia escassez de trabalhadores conscientes e, por este motivo, não bastávamos para atender à grande demanda de espíritos necessitados;
o aparecimento do Espiritismo nos tem ensejado enormes benefícios;
tanto a encarnados quanto a desencarnados, que, mais bem organizados e lúcidos, temos fundado instituições nas proximidades da dor.

Assim como os nossos irmãos de ideal vêem erguendo núcleos de assistência na periferia, diversos grupos socorristas têm sido inaugurados por nós outros nas regiões inóspitas da Vida Espiritual;
tão-somente os espíritos recalcitrantes e que deliberam não ser atendidos permanecem vagando nos caminhos do Além, e muitos, realmente, o fazem por tempo indefinido...

No antigamente considerado “vale dos suicidas”, foram construídas enfermarias e hospitais, escolas e oficinas de trabalho, pois aos nossos irmãos que cometeram o gesto tresloucado e ilusório do auto-extermínio é suficiente, como corrigenda, o facto de saberem o que os espera numa nova existência no corpo.

Nós, os homens, não somos chamados a ser os agentes da Lei do Carma!
Sem que careça ser, por ninguém, incentivado a isto, cada qual colherá o que planta.
Se a Misericórdia não funcionasse de comum acordo com a Justiça Divina, não teríamos medicamentos para a dor e a inteligência humana não se exercitaria no sentido de tornar a vida menos sujeita às vicissitudes.

As regiões espirituais mais próximas ao Orbe têm sido, gradativamente, colonizadas...
Por aqui a escassez de servidores de boa vontade é também uma realidade;
muitos dos que deixam o corpo, a imensa maioria para ser mais preciso, giram na órbita dos próprios interesses e não se importam com os outros...

A tarefa a que o Espiritismo nos conclama estende-se aos Dois Lados da Vida.
Espíritos existem que, quando não pensam da cabeça para cima, prendem-se ao que lhes acontece dos pés para baixo.

Vejamos se consigo ser mais claro no que pretendo explicar:
entre os desenfaixados do corpo físico, raros os que renunciam aos próprios anseios de ascensão e os que se desapegam dos compromissos pessoais que os reclamam na Terra...

As favelas do mundo, nas quais tantos seres humanos se expõem à influência negativa do meio e enfrentam a prova da indiferença social, não são da Vontade de Deus:
a fome, a guerra, as epidemias, as desigualdades, a ignorância e as suas consequências originam-se do descaso do homem;
os desencarnados que perambulam sem rumo além da morte constituem-se em desafios para nós, os que, em nome do Cristo, necessitamos ampará-los...

Que mãe ou pai fora do corpo deixaria o filho querido à mercê das trevas?
Os chamados infernos purgatoriais existentes nas proximidades da Crosta e que se prolongam no interior do planeta desaparecerão, não apenas pela transformação moral daqueles que os povoam, mas também pela solidariedade dos que se dispõem ao sacrifício de descer para ajudar.

Se o Cristo não tivesse tomado a iniciativa de peregrinar, Ele mesmo, entre os vales ensombrados do mundo, trazendo consigo a luz das Esferas Resplandecentes de onde provinha, é possível que até hoje estivéssemos mergulhados na noite profunda de indefiníveis tormentos...

O trabalho com Nélio continua; as crises se repetem, mas, a cada instante de lucidez, conversamos e, nos últimos dias, ele está mais calmo...

Realmente, não é fácil vencer obstáculos no mundo, pois tudo parece conspirar contra quem deseja ser correto — a própria sobrevivência de quem procura ser honesto não é fácil;
ganhar o pão com dignidade é permanente desafio numa sociedade que, infelizmente, se caracteriza pela inversão de valores...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 10, 2012 9:32 pm

Os justos, quando não são perseguidos, são esquecidos, relegados a plano de menor importância.

Mas, digo-lhes, vale a pena ser coerente e perseverar naquilo que se crê;
deste Outro Lado, o que conta é o real valor:
os espíritos arbitrários, levianos e irresponsáveis não se encontram depois da morte e, atraídos pelos que se lhes assemelham, aprisionam-se a determinadas situações das quais não se liberam tão cedo...

Em um dos diálogos que mantive com Nélio, ele me perguntou por Chico Xavier:
— Dr. Inácio, que notícias o senhor me dá do nosso Chico?
Estive com ele, em Uberaba, certa vez...

Ao cumprimentá-lo, lembro-me que me falou:
— “Nélio, meu filho, vigilância, vigilância...
Você tem um caminho promissor à sua frente, mas vejo muitas pedras de tropeço.
Vigilância e humildade, meu filho!...”

Fiquei surpreso, pois como é que ele podia estar me chamando pelo nome, se nunca nos tínhamos visto?
Em poucas e discretas palavras, respondeu a todas as minhas perguntas...
Infelizmente, eu andava com a cabeça nas nuvens e, assim que me afastei da presença de sua luz, as sombras se aproximaram.

Como é que ele está?
Quando fui vê-lo, há cerca de vinte anos, todos comentavam que a sua desencarnação estava prestes a ocorrer...

— Então — respondi — depois disto, ele ainda viveu muito...
Chico Xavier desencarnou dias atrás...
- Como? Ele já está connosco?
— Connosco, meu filho, no Plano Espiritual, mas não sabemos exactamente onde...

- O senhor esteve com ele?
— Não; com um grupo de amigos, os acompanhei à sua chegada entre nós, mas uma Luz o arrebatou...

Nélio, emocionando-se, começou a chorar.
— Como sou infeliz, meu Deus!...
Chico Xavier era o meu ponto de referência, mas fiz tudo ao contrário...

Eu não queria estar na situação dele — quem sou eu? —, no entanto, se lhe tivesse seguido os exemplos...
Conte-me mais, Doutor, por favor;
ouvir falar de Chico sempre me fez um bem enorme...

— Ele venceu, meu filho!...
Superou as derradeiras provas dos espíritos que não lhe respeitaram sequer a velhice debilitada e... deixou o corpo mansamente, na solidão do seu quarto humilde;
simplesmente fechou os olhos e desligou-se...

— Ah, como é difícil ser fiel!...
Coitado de mim, que permiti que o desespero e a descrença me envolvessem;
no corpo, eu ainda podia caminhar, porém agora rastejo...

Doutor Inácio, com raras excepções, nós não estamos preparados para ser médiuns...
Como administrar uma coisa santa, vivendo no pecado?
Por que o talento, antes que estejamos espiritualmente aptos a recebê-lo?

A mediunidade complicou a minha vida...

— Nélio, com tudo quanto lhe aconteceu, não fosse a mediunidade, você sequer teria maior consciência da própria existência...

Podemos acusar os olhos, porque não sabemos direccioná-los para o bem?
Se fossemos condenar as mãos, pretextando que não sabemos utilizá-las de maneira conveniente, teríamos um mundo de manetas...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 10, 2012 9:32 pm

CAPÍTULO 22

Para não exauri-los, pouparei aos nossos pacientes leitores as descrições das crises que, em Nélio, se sucedem a cada dia.

O seu corpo espiritual encontra-se deformado e não sei se conseguiremos reverter o quadro, antes que tentemos localizá-lo em um novo corpo no mundo; as alucinações e as sensações de asfixia se alternam e temos feito de tudo para lhe amenizar o sofrimento — sinceramente, o prognóstico não é dos melhores...

Com certeza, o desditoso medianeiro renascerá com problemas na coluna cervical e passará a vida em cima de uma cama.

Veremos, mais tarde, se algum casal benemérito se disporá a recebê-lo nessas condições, pois, caso contrário, ele será uma criança que correrá o risco de ser enjeitado até pelos pais, logo depois de nascer.

Fala-se em amor, mas ninguém se dispõe a amar incondicionalmente;
ora-se com frequência, no entanto ora-se para pedir o que se deseja e não para aceitar ou agradecer o que se tem...

Passados alguns dias em que estivéramos juntos, Odilon veio me visitar.

— Como vai indo, Inácio? — saudou-me, descontraído, na conversa que se desdobrou.
Parece-me notá-lo um tanto triste...
— Eu sou assim mesmo, Odilon — respondi —; também sou susceptível a periódicas crises de depressão...
Afinal, ao que me consta, ainda sou gente, não é?

Odilon sorriu e alentou-me:
— Gente, você continua sendo, mas não de carne e osso...
Não desanime. A Vida pertence ao Senhor...
— É que trabalhar neste hospital é diferente de trabalhar no liceu que você dirige;
ambos lidamos com médiuns, só que eu com dementes e você com candidatos...

- Ora, Inácio, não exagere. Alegre-se, homem!...
— Estou penalizado com a situação de Nélio, que você conhece...

— Sim, fiz parte do grupo que foi socorrê-lo e, ao que estou informado, sob os seus cuidados, ele vem alcançando sensíveis melhoras...
— O problema, no entanto, Odilon, não se resume a ele;
temos aqui centenas e centenas de irmãos e irmãs em situação lastimável...
O que podemos fazer é tão pouco!...

Os recursos terapêuticos de que disponho me parecem menores do que aqueles de que eu dispunha na Terra...
Lá, ainda podíamos doutrinar os espíritos obsessores;
agora, que o estrago está feito, eles desapareceram:
o nosso confronto é com o próprio doente que perdeu a vontade de colaborar...

Por vezes, tenho vontade até de me aliar a eles e delirar pela eternidade...

— Ânimo e coragem, meu velho!...
Em meio aos espinhos, há muitas rosas!
... Eu também me preocupo com os jovens candidatos a médiuns no mundo;
temos procurado orientá-los, fortalecê-los intimamente, mas não desconheço o teor das lutas que enfrentarão...

Vejo tantos saírem entusiasmados do Liceu;
ainda há pouco, às vésperas de reencarnar, um deles me disse:
— Farei tudo para que os homens se convençam de sua transcendência;
serei uma ponte pela qual os espíritos atravessem a barreira das dimensões e se mostrem aos cépticos...

O Mundo Espiritual carece de ser maior realidade na Terra!...

Os médiuns estão doando pouco de si;
pretendo, sem perder tempo, oferecer o máximo para que a ideia da imortalidade se propague — este será o golpe de morte no materialismo!

Sem que o homem se conscientize do seu porvir espiritual, a reencarnação não deixará de ser para ele uma espécie de círculo vicioso...

— E o que você lhe respondeu? — indaguei do companheiro.
— Encorajei-o, evidentemente;
quem sabe, Inácio, seja ele a lograr o que não logramos?...
Quem é que dava alguma coisa por Chico Xavier, quando ele não passava de um rapazote?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 10, 2012 9:32 pm

— É verdade...
Quando começaram a falar nele, nos primeiros anos da década de 30, ressaltando as suas faculdades e virtudes, eu duvidei de que se tratasse de um missionário...

— Os predestinados são seres anónimos — esclareceu Odilon, com propriedade.
A Misericórdia Divina não nos deixa órfãos...
Aqui, no Hospital, ou lá, no Liceu, podemos estar lidando com alguém que, no futuro, será um novo Chico Xavier...

— Aqui, no Hospital, eu acho difícil — comentei.
Ainda bem que você não disse impossível...
Os médiuns que hoje se perturbam serão os medianeiros não perturbados de amanhã;
equilíbrio e discernimento são conquistas gradativas...

Aliás, Inácio, eu vim visitá-lo e, ao mesmo tempo, formular a você um convite.
Amanhã, no Liceu, teremos a presença de elevado Mensageiro, que nos dirigirá a palavra.
Seria interessante que você e Manoel Roberto comparecessem.
Estaremos a esperá-los.

— Sem dúvida que lá estaremos e, desde já, agradeço a você a oportunidade.
— O Mensageiro, ao qual me refiro, se materializará em nosso meio, para nos dirigir a palavra directamente.

— Trata-se de algum conhecido? — perguntei.
— Nem nosso e nem dos nossos irmãos encarnados;
portanto o nome com que ele se nos identifique, pouca importância terá...

— De que Plano ele procede?
Daquele que nos é imediato?
— Não, um pouco mais acima...
Evidentemente que ele tomará forma humana, porém de há muito que já se emancipou de tais injunções.

— Compareceremos com o maior interesse.
Alguma recomendação especial?
— Não, nenhuma;
apenas que você e Manoel Roberto estejam tranquilos...

Despedimo-nos e, no outro dia, eu e o devotado irmão de tantas lidas lá estávamos, no Liceu da Mediunidade, dirigido por Odilon Fernandes.

No prédio de excelente bom gosto arquitectónico, o Director nos esperava à porta, acompanhado do dilecto Paulino Garcia, um dos seus mais activos pupilos.

A construção central se faz rodear por outras menores, no mesmo estilo, e todas se localizam dentro de um jardim constituído de diversas espécies de flores, muitas desconhecidas dos nossos irmãos na Terra.

Uma delas me chamou particular atenção:
uma flor diminuta, muito parecida com um trevo, que, durante o dia, capta as emanações solares e, durante a noite, brilha como se fosse uma estrela, dispensando qualquer outro tipo de iluminação externa no Liceu...

Sem dúvida, aquele ambiente aconchegante favoreceria o contacto com os mensageiros das Dimensões Superiores:
o perfume que naturalmente se desprendia das flores, a brisa mansa que soprava à semelhança de flautas que tocassem em surdina, a paz que impera em tudo...

Odilon, sempre pontual e organizado, conduziu-nos a um amplo salão na intimidade do prédio, onde aproximadamente duas dezenas de estagiários se encontravam no mais absoluto silêncio.

O Mensageiro que se manifestará — esclareceu —dispensa o concurso das energias ectoplásmicas mais subtis que lhe possamos ceder;
ele se tangibilizará aos nossos olhos apenas o suficiente para que possamos vê-lo e ouvi-lo...

É evidente que a sua materialização quintessenciada seria dispensável: poderíamos tão-somente escutá-lo em sua prelecção;
no entanto, utilizando os próprios recursos espirituais, ele nos obsequiará, digamos, com a sua presença mais completa.

Não havia tempo e nem necessidade de maiores explicações.
Apontando-nos duas cadeiras vagas ao seu lado, Odilon convidou-nos a maior introspecção.

Não se passaram mais do que cinco minutos, segundo pude cronometrar, tomando como referência a nossa antiga medida de tempo no mundo, e quase invisível ponto luminoso começou, vagarosamente, a se adensar, em meio a ténue neblina.

Difícil encontrar as palavras corretas para descrever a sublimidade do fenómeno e, sobretudo, tentar transmitir tais imagens ao cérebro do médium de que me valho neste instante, pois em seus arquivos mnemónicos, aos quais recorro, não existe nenhuma possibilidade imaginativa a respeito...

Os efeitos especiais dos filmes de ficção científica lembram, palidamente, o que estava acontecendo diante dos meus olhos maravilhados...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 10, 2012 9:32 pm

CAPÍTULO 23

O ponto luminoso ao qual me reportei tomou forma humana, porém dava para enxergar através do seu corpo e pude constatar a leveza daquela materialização ou, melhor me expressando, daquela transfiguração que se tangibilizou.

Evidentemente que, pelo menos quanto a mim e a Manoel Roberto, bem como aos estagiários do Liceu, segundo creio, não conseguiríamos “ouvir” o Mensageiro, caso o seu pensamento não se articulasse em palavras aos nossos ouvidos;
ainda talvez estivéssemos excessivamente condicionados à forma de comunicação que nos era habitual na situação de encarnados...

O Mensageiro flutuava no amplo salão e, depois de fitar-nos bondosamente esboçando terno sorriso, próprio dos Espíritos Elevados, começou a falar:
— “Meus irmãos, a paz do Cristo seja connosco.
“Irmanados no ideal de servir aos propósitos divinos, não vos deixeis abater pelos percalços naturais da senda...

Não existe outro caminho para os Cimos, senão aquele que o Mestre vos delineou;
quem se nega a seguir adiante, sustendo aos ombros a cruz do próprio testemunho, não terá alternativa que não seja a de se demorar nos vales da desilusão e da dor.

“Muito lentamente o homem vem despertando para a Verdade e não deveis esperar por uma adesão colectiva aos princípios libertadores que tendes abraçado na Doutrina que revive os postulados cristãos para toda a Humanidade;
passados dois mil anos de seu divino sacrifício entre os homens, o Senhor permanece na expectativa de que a semente plantada por suas mãos germine nos corações...

“Não desanimeis. A escada para o Alto é constituída de infinitos degraus;
porém, a cada passo, podereis sentir a presença Daquele que vos prometeu fazer companhia até a consumação dos séculos...

Outrora, as trevas que pairavam sobre os vossos espíritos eram mais densas;
hoje, todavia, não ignorais o rumo em que se vos faz mister perseverar!

“Discípulos fiéis ao Amor e à Verdade têm-se corporificado no Planeta, abrindo significativas clareiras na primitiva floresta dos anseios meramente humanos;
não há mais um só povo e uma só raça que possa pretextar desconhecimento das lições básicas do Evangelho...

“Se vos amardes uns aos outros, nada haverá de se vos constituir em obstáculo na caminhada e a incerteza não vos fará vacilar no cumprimento do dever.
Depois de Deus, é o Amor a suprema força do Universo! Quem ama, serve e compreende, perdoa e renuncia, rejubilando-se pela oportunidade de se superar através do amor que dedica aos seus semelhantes...

Quem ama, não teme as adversidades e não recua diante dos desafios...
Quem ama, mesmo que ainda se situe nos primeiros degraus da evolução, lutando para desembaraçar-se do que o prende à retaguarda, antecipa em si mesmo a alegria da vitória...

A criatura que ama integra-se com o Criador e, em sintonia com Ele, embora não seja mais que um singelo grão de areia na imensidão do deserto, consegue reflectir-Lhe a grandeza Divina na Glória da Criação...
O único segredo da Vida é o Amor!...

O egoísmo, que é o amor exagerado a si, faz sofrer e desencanta;
o altruísmo, que é o amor quando se projecta na direcção do outro, é o alicerce da Perfeição.

Aquele que, para se importar consigo esquece os seus semelhantes, padece de profunda amnésia e, até que verdadeiramente se encontre, peregrina por longo tempo nas sinuosas estradas do sofrimento...

“Estudai a Verdade, meus irmãos, mas, sobretudo, examinai o vosso amor;
não priorizeis o saber, em detrimento do sentimento...”

Neste trecho de sua inesquecível e sublime prelecção, então, sobre o Mensageiro e mesmo sobre nós outros, começaram a cair delicadas partículas de luz, à semelhança de flocos de neve resplandecente, que, ao tocar-nos, se desfaziam.

Tínhamos a impressão de que o ambiente se eterizara a tal ponto, que todos, sem excepção, nos sentíamos como que transportados para a Dimensão de onde provinha o ignoto Benfeitor.

Com suave inflexão de voz, ele prosseguiu:
- Não vos concentreis excessivamente sobre a forma que passa, nem supervalorizeis os fenómenos pertinentes à matéria...
Na Terra e nas regiões espirituais que lhe são imediatas, tudo é transitório.

Para o espírito que ama, não existem fronteiras no Cosmos:
o Amor é o idioma universal e a senha de luz que descerra todas as portas...
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NA PRÓXIMA DIMENSÃO - INÁCIO FERREIRA / Carlos A. Baccelli - Página 2 Empty Re: NA PRÓXIMA DIMENSÃO - INÁCIO FERREIRA / Carlos A. Baccelli

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 10, 2012 9:33 pm

Dedicai-vos, sim, ao intercâmbio com os homens, dando ênfase à crença na Imortalidade, mas, sobretudo, concitai-os à prática da Caridade;
as religiões que apenas enfatizem a necessidade de crer e que não conclamem os seus seguidores a serem bons e tolerantes, estão longe de aprender e de pregar o real sentido das palavras do Cristo...

O religioso sincero é aquele que, em seu relacionamento com Deus, jamais excluiu o próximo, seja ele quem for.

O fanatismo religioso é uma manifestação primitiva da fé...
O que redime o homem são os seus actos, e não a sua aparência piedosa.

Com a Fé Raciocinada, tendes nas mãos a abençoada charrua com que vos compete lavrar a gleba das almas, tornando-as férteis para a obra do Semeador Excelso;
trabalhai, incansavelmente, e não desconsidereis que a construção do Reino de Deus sobre a face da Terra depende de sua edificação no íntimo de cada um de vós...

“Deixai de ser crianças em vossas reacções;
crescei, e a vossa vida há de crescer convosco!

Diante da Eternidade, um milénio não é mais que um dia e um século não é mais que um segundo!...
Tudo passa e tão-somente a experiência permanece; à medida em que a luz se expande, as trevas se encolhem...

Em contacto com os raios do Sol, a noite se transfigura dia.
Não existe maldade; o que existe é ignorância das Leis Divinas.

O espírito frágil há de se fortalecer, um dia.
Mais cedo ou mais tarde, todos haveremos de chegar ao termo da jornada que empreendemos de volta para Deus!...

Convencei-vos de que o desânimo é simples perda de tempo e o erro é lição que pede para ser recapitulada.
Esquecei-vos e sereis tão felizes quanto podeis ser, em vosso actual estágio evolutivo.

Que o Evangelho vos seja motivo de alegria, e não de tristeza.
A Criação é o sorriso de Deus, constantemente estampado na Face do Universo!...
A tristeza da Crucificação foi superada pela alegria da Ressurreição!...

A função da Morte grosseira é a de engrandecer a Vida e sublimá-la em todas as suas manifestações.
No entanto, conforme sabeis, morrer só por si não basta: é necessário que, do homem-velho, renasça o homem-novo!...

Estendei as mãos uns aos outros e, sobretudo, tende paciência.
Laborai sem perda de tempo, porém não vos precipiteis no afã de subir, como se pudésseis pular etapas na experiência evolutiva a que vos submeteis...”

E, ao despedir-se, o Mensageiro acrescentou:
— Embora com os pés fincados na Terra, quem ama, pode abarcar o Universo!
Sem sair do lugar, quem ama, realiza Deus onde está!...

Uni-vos, amai-vos e servi sempre — eis o lema para quem almeje um melhor aproveitamento do tempo, em qualquer situação em que se encontre, nas múltiplas dimensões em que a Vida se manifesta.

“Que o Senhor vos inspire e fortaleça, hoje e para todo o sempre!...”

Estávamos compreensivelmente sensibilizados e, terminada a alocução, ninguém, durante vários minutos, ousou quebrar o silêncio que se seguiu.

A diáfana visão foi se desfazendo e tive a impressão de ver o Mensageiro que se retirava atravessar uma passagem que me permitiu entrever a Dimensão — perto ou longe, não sei, que lhe era o habitat;
tive a impressão de que aquele véu eterizado se abrira e uma imensidão de luz o absorveu...

Foi uma pena que os meus olhos não estivessem acostumados a tanta claridade, pois, quem sabe, ter-me-ia sido possível espiar a paisagem, que sempre tanto me intrigou e tanto me intriga, nas regiões espirituais superiores...

Para onde ele se encaminhou, tudo era luz sem forma, num turbilhão de Amor!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 10, 2012 9:33 pm

CAPÍTULO 24

Quando a reunião terminou, Odilon tomou a palavra e dirigiu-se os pupilos que ainda permaneciam extasiados com a visita do Mensageiro.

— Não nos esqueçamos — disse — que o Mentor que esteve connosco nesta noite nos exortou à vivência do Amor;
notemos que, especificamente, não abordou ele nenhum assunto concernente à mediunidade:
o enfoque de sua palavra baseou-se na necessidade de amarmos os semelhantes...

Não olvidemos a sábia advertência, porquanto muitos medianeiros, preocupados com o exercício de suas faculdades, relegam o aprimoramento de seus sentimentos a plano secundário...

E, fazendo breve pausa, acentuou:
— Vocês sabem que, dias atrás, o nosso Chico Xavier, que elegemos como médium-modelo no Liceu, deixou o corpo;
sem dúvida, no campo da mediunidade, ele cumpriu com todos os deveres pertinentes, superando, inclusive, a expectativa daqueles que, de Mais Alto, lhe endossaram o sublime tentame;
todavia, no campo de suas acções, intermediando os próprios sentimentos evangelizados, ele obteve o reconhecimento público, conquistando significativa vitória para os nossos princípios...

O livro age em cada um, isoladamente, mas os bons exemplos repercutem na colectividade;
mediante a desencarnação de Chico, os nossos irmãos encarnados vêm registrando expressivo recorde de vendas de suas obras;
é que o autor ou o co-autor, quando desfruta de credibilidade, atrai o leitor...

Em mediunidade, a parte que compete ao médium, notadamente no que tange à coerência, é de grande significado:
o médium, por assim dizer, é a fotografia que o espírito emoldura;
é sobre ele, e não sobre o espírito, que as atenções se concentram...

Vocês são estagiários nesta casa e pretendem abraçar a tarefa mediúnica;
as suas percepções psíquicas despontaram e se mostram interessados em utilizá-las de forma conveniente, cooperando com a causa do Espiritismo no mundo.

Extremamente elevado o propósito em que se pautam, no entanto, se vocês reencarnarem com a única preocupação de serem exímios instrumentos, não lograrão servir ao ideal como desejam...

Para as intenções do Cristo, junto à Humanidade, é preferível ser bom a ser médium.
A vaidade e o personalismo, o orgulho e a ambição têm anulado as possibilidades mediúnicas de muitos companheiros promissores...

Outro lembrete importante:
na condição de médiuns, procurem não se isolar, não se afastar das actividades assistenciais, não se acreditarem auto-suficientes...

O medianeiro que envereda pelo campo da filosofia, indiferente à necessidade que margeia o caminho, se, acaso, produz para o intelecto, não produz para o coração...

Divino Intermediário de Deus, o Cristo não se distanciava da legião dos sofredores que sempre andavam em sua companhia.

Na estrita condição de instrumento mediúnico, é possível que o nosso Chico Xavier pudesse, digamos, ter produzido um número maior de obras e, do ponto de vista doutrinário, até mais significativas, no entanto ele teve que se desdobrar para servir aos desencarnados, com os quais assumira compromisso, e aos encarnados, a que o dever o conclamava;
foi, ao mesmo, um homem vivendo entre os espíritos e um espírito vivendo entre os homens...

Os nossos irmãos cépticos são mais sensíveis aos fenómenos que lhes tocam o coração do que propriamente àqueles que lhes tocam a visão e que serão, naturalmente, dissecados por eles:
contra os fatos do mundo moral, não existem argumentos da inteligência.

Tomando fôlego, Odilon prosseguiu:
— Infelizmente — perdoem se eu estou me alongando após termos ouvido a palavra do Mensageiro, à qual, a rigor, nada teria a acrescentar —, muitos irmãos candidatos ao serviço mediúnico na Terra partem daqui imbuídos dos mais elevados propósitos, porém, em contacto com os interesses de ordem imediata, passam a colocar os seus dons a serviço de si mesmos:
fazem discreto profissionalismo religioso, revivendo a velha tendência adquirida em práticas religiosas das quais imaginam que se desvincularam...

E não é só de dinheiro que estamos falando — sejamos claros —, mas também de prestígio social, de tráfico de influências, de manipulação de pessoas...

Por vezes, em seu arroubo juvenil, eu os noto entusiasmados ante a possibilidade de escrever sob a acção dos desencarnados, de ver o espírito dos mortos, de escutá-los, de curar com o magnetismo que lhes é peculiar, de falar eloquentemente, inspirados pelo Alto...

Realmente, o entusiasmo e a alegria são ingredientes indispensáveis ao exercício da mediunidade com Jesus, todavia o mais importante deles é o discernimento.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 10, 2012 9:33 pm

Desenvolvam a autocrítica;
não reencarnem sem antes terem gravado nos discos da memória, de forma a que não se apague, a extensão dos débitos contraídos em pregressas existências;
fujam ao incenso da lisonja e jamais acreditem que vocês sejam tão bons quanto irão ouvir repetidas vezes...

Olhemos para nós: o que somos agora?
Sinceramente, não vejo em nenhum de nós outros os traços que identificam o verdadeiro missionário;
se algum, dentre vocês, está pensando em retomar o corpo com outra intenção que não seja a de servir nas últimas fileiras dos verdadeiros servidores do Evangelho, é melhor que repense e adie o seu propósito de renascer...

Melhor seria, então, menos desastroso para o espírito, que reencarnasse no cumprimento de obrigações no atendimento exclusivo do próprio carma:
que fosse cuidar dos seus interesses particulares na Terra, antes de se disporem a doar um pouco mais de si à colectividade...

Confesso-lhes que, poucas vezes, eu vira Odilon ser tão incisivo e directo.
Os jovens estagiários do Liceu, sem excepção de nenhum, o ouviam de fronte pendida para o solo.

— Desculpem-me, mas, amanhã, com a permissão do nosso Inácio Ferreira, efectuaremos uma visita ao hospital dirigido por ele.
Lá, vocês se depararão com a situação daqueles que, de certa forma, fracassaram em seus propósitos na mediunidade.

Creio que vocês não pensam que seja meu intuito intimidá-los;
dotados de livre-arbítrio, a decisão evidentemente não me pertence...

Prestes, no entanto, a concluir os seus estudos no Liceu, sob a nossa responsabilidade directa, sinto-me no dever de alertá-los.
Que o nosso Chico Xavier, em sua humildade, perseverança e disciplina, lhes sirva de exemplo.

É possível vencer?
Sim, porém, a nossa vitória no mundo só se torna em realidade quando vencemos a nós mesmos.
Raros os que, como o nosso grande irmão, fazem opção pela porta estreita...

A deficiência moral que a quase todos nos assinala no campo da afectividade — vocês sabem ao que estou querendo me referir — não nos será tão prejudicial ao exercício da mediunidade quanto aquelas outras mazelas que se nos exacerbam do orgulho.

O Mestre preferia a convivência dos pecadores à dos doutores da lei;
a mulher que escolheu para ser a intérprete das notícias de sua imortalidade gloriosa junto aos Apóstolos ainda trazia em si as marcas do passado comprometedor;
para Ele, não interessava o que Saulo havia feito, mas, sim, o que, na condição de Paulo, poderia fazer...

Aqui, no Liceu, vocês estão vendo o lado claro da mediunidade;
amanhã, no Hospital dos Médiuns, vocês terão oportunidade de ver o seu lado escuro — e não duvidem de que, entre um lado e outro, a distância é tão-somente de um passo;
com enorme facilidade, o médium se esquece de sua origem simples e começa a dar-se uma importância que não tem — a dar-se e a reclamá-la dos outros para si!...

Ao encerrar as suas considerações, Odilon perguntou-me:
- Você deseja, Inácio, fazer alguma emenda?...

Esboçando discreto sorriso, respondi:
— Não, eu estou aqui tentando amarrar a carapuça, mas ela não quer se me ajustar à cabeça de jeito nenhum...
Eu acho que troquei a minha com a de Manoel Roberto...

Os estagiários sorriram, tímidos, e deixamos acertada para o dia seguinte a visita ao hospital.

— Manoel — pedi ao companheiro, ao regressarmos — poderia determinar a limpeza da casa, principalmente dos sanitários, distribuindo vassouras, rodos e baldes a todos?...

O nosso hospital, comparado ao Liceu, é uma espelunca!

Também, com tanto médium maluco...
E eu, que vivia reclamando da pouca higiene que imperava no Sanatório!...
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