LUZ ESPÍRITA
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Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU

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Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU - Página 4 Empty Re: Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 30, 2012 9:40 pm

— Pobre filha! — revidou Clara, abraçando-a.
Quem ama semeia a vida e a alegria, combatendo o sofrimento e a morte...

Quando nosso culto afectivo se converte em flagelação para os que seguem ao nosso lado, não abrigamos outro sentimento que não seja aquele do desvairado apego a nós mesmos, na centralização do egoísmo aviltante.

Achamo-nos à frente de infortunada irmã, arrojada a dolorosa prova.
Não te dói vê-la derrotada e infeliz?

— Ela desposou o homem que amo!... — soluçou Odila, mais dominada pela influência magnética da mensageira que impressionada por suas belas palavras.

— Não seria mais justo — ponderou Clara sem afectação — considerar que ele a desposou?

E, acariciando-lhe a cabeça agora trémula, a instrutora aduziu:
— Odila, o ciúme que não destruímos, enquanto dispomos da oportunidade de trabalhar no corpo denso, transforma-se em aflitiva fogueira a calcinar-nos o coração, depois da morte.

Acalma-te! A mulher de carne, que eras, precisa agora oferecer lugar à mulher de luz que deves ser.
A porta do lar terrestre, onde te supunhas rainha de pequeno império sem fira, cerrou-se com os teus olhos materiais!

A passagem na Terra é um dia na escola...
Todos os bens que desfrutávamos no mundo de onde viemos constituíam recursos do Senhor que no-los concedia a título precário.

Por lá, raramente nos lembramos de que o tesouro do carinho doméstico é algo semelhante a sementeira preciosa, cujos valores devemos estender...

Começamos a obra de amor no lar, mas é necessário desenvolvê-la no rumo da Humanidade inteira.

Temos um só Pai que é o Senhor da Bondade Infinita, que nos centraliza as esperanças...

Somos, assim, todos irmãos, partes integrantes de uma família só...
Já te imaginaste no lugar de Zulmira, experimentando-lhe as dificuldades e aflições?
Já te colocaste na condição do esposo que asseveras amar?

Se te visses no mundo, sem a companhia dele, com os filhinhos necessitados de consolo e sustentação, não sentirias reconhecimento por alguém que te auxiliasse a protegê-los?

Consideras somente os teus problemas...
Entretanto, o homem amado permanece no cárcere de escuros padecimentos íntimos a debater-se com enigmas inquietantes, sem que te disponhas a socorrê-lo...

— Não me fales assim! — imprecou a interpelada, com evidentes sinais de angústia — odeio a infame que nos roubou a felicidade...
— Odila, reflecte!
Esqueces-te de que a mulher sempre é mãe?

O túmulo não te restituirá o corpo que a Terra consumiu, e, se desejas recuperar a ternura e a confiança do companheiro que deixaste na retaguarda, é preciso saber amá-lo com o espírito.
Modifica os impulsos do coração!

Não suponhas Amaro capaz de querer-te, transtornada qual te encontras, entre as farpas envenenadas do despeito, caso chegasse, de repente, até nós...

— Ela, porém, matou meu filho!...
— Como podes provar semelhante acusação?
— A intrusa invejava-lhe a posição no carinho de Amaro.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 30, 2012 9:40 pm

— Sim — concordou Clara, afectuosa —, admito que Zulmira assim se conduzisse.
É inexperiente ainda e a ignorância enquanto nos demoramos na Terra pode impedir-nos a visão, mas não seria justo, tão-somente por isso, atribuir-lhe a morte do pequenino...

Medita! A verdadeira fraternidade ajudar-te-á a sentir naquela que te sucedeu no lar uma filha susceptível de recolher-te o afecto e a orientação...

Em lugar de forjares uma inimiga na sinistra bigorna da crueldade, edificarás uma dedicação nobre e leal para enriquecer-te a vida.

Retirando a luz do teu amor das chamas comburentes do inferno de ciúme em que padeces pela própria vontade, serás realmente para o homem querido e para a filha que clama por tua assistência uma inspiração e uma bênção!...

Talvez porque Odila, quase vencida, simplesmente chorasse, a mensageira afagava-lhe os cabelos, acrescentando:
— Sei que sofres igualmente como mãe atormentada...
Recorda, contudo, que nossos filhos pertencem a Deus...

E se a morte colheu a criança que estremeces, separando-a dos braços paternais, é que a Vontade Divina determinou o afastamento...

A mensageira amimava-lhe a fronte, dando-nos a impressão de que a submetia a suaves operações magnéticas.

Depois de alguns instantes em que apenas ouvíamos os soluços de Odila transformada, a venerável amiga acentuou:
— Porque não te dispões a clarear o próprio caminho, a fim de reencontrares o teu anjo e embalá-lo, de novo, em teus braços, ao invés de te consagrares inutilmente à vingança que te cega os olhos e enregela o coração?

Clara, certo, alcançara o ponto sensível daquela alma atribulada, porque a infortunada progenitora de Evelina, qual se arrojasse para fora de si mesma todos os pesares que lhe senhoreavam os sentimentos, gritou, como fera jugulada pela dor:
— Meu filho!... Meu filho!...

E seu pranto convulsivo se fez mais angustiado, mais comovente.

A emissária do bem abraçou-a com maternal carícia e falou-lhe aos ouvidos:
— Rejubila-te, irmã querida!
Grande é a tua felicidade!
Podes ajudar e isso representa a ventura maior!

Nada te impede auxiliar o companheiro da humana experiência, ao alcance de tuas mãos, e basta uma prece de amor puro, com o testemunho de tua compreensão e de tua piedade, para que venças a reduzida distância entre o teu sofrimento e o filhinho idolatrado!...

Há vinte e dois séculos espero por um minuto igual a este para o meu saudoso e agoniado coração, de vez que os meus amados ainda não se inclinaram para mim!

A voz de Clara parecia mesclada de lágrimas que não chegavam a surgir.

Dominada pelas vibrações da mensageira celeste, Odila agarrou-se a ela, prosseguindo em choro convulso, enquanto a instrutora repetia com desvelos de mãe:
— Vamos, filha! Vamos à procura de nossa renovação com Jesus!...

Amparando-a, Clara conduziu-a para fora, colada ao próprio peito.

Junto de nós, Clarêncio informou:
— Agora, Zulmira poderá recuperar-se.

A adversária retirou-se sem a violência que lhe prejudicaria o campo mental.

E, acompanhando o nosso orientador, afastámo-nos por nossa vez, embora conservando a atenção presa à continuação de nossa edificante aventura.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 30, 2012 9:40 pm

24 - Carinho reparador

Odila, sob o patrocínio da irmã Clara, foi internada numa instituição de tratamento, por alguns dias, e, durante sete noites consecutivas, visitámos Zulmira, em companhia de nosso orientador, a fim de auxiliar o soerguimento dela.

A segunda esposa de Amaro mostrava-se melhor.
Mais silenciosa. Mais calma.
Não saíra, porém, da inércia a que se recolhera.

Alijara a excitação de que se via objecto, mas prosseguia entregue a extrema prostração.
Subnutrida, apática, sustentava-se no mais absoluto desânimo.

Atendendo-nos à inquirição habitual, Clarêncio observou, prestimoso:
— Acha-se agora liberta, contudo, reclama estímulo para subtrair-se à exaustão.

Falta-lhe a vontade de lutar e viver. Confiemos, no entanto.
A própria Odila favorecer-lhe-á a recuperação.

A medida que se lhe restaure a visão espiritual, a primeira esposa de Amaro aceitará o imperativo de renúncia e fraternidade para construir o futuro que lhe interessa.

Zulmira, com efeito, continuava livre e tranquila.
As peças do corpo funcionavam com irrepreensível harmonia, mas, efectivamente, algo prosseguia faltando...

A máquina mostrava-se reequilibrada, entretanto, mantinha-se preguiçosa, exigindo adequadas providências.

Transcorrida uma semana, Irmã Clara convidou-nos a breve entendimento.
Comunicou-nos que Odila revelava grande transformação.

Submetida à assistência magnética, a fim de sondar o passado, reconhecera o impositivo de sua colaboração com o marido para alcançarem ambos a vitória real nos planos do espírito.

Suspirava pelo reencontro com o filhinho, dispunha-se a tudo fazer para ser útil ao esposo e à filhinha...

E, para tanto, combateria a repulsa espontânea que experimentava por Zulmira, a quem auxiliaria como irmã, reajustando-se devidamente para fortalecê-la e ampará-la.

A benfeitora mostrava-se satisfeita.
Recomendava-nos, trouxéssemos Amaro, tão logo pudesse ele ausentar-se do veículo físico, na noite próxima, até à casa espiritual de refazimento em que Odila se encontrava.

Do entendimento entre ambos, resultariam decerto os melhores efeitos.
A mãezinha de Evelina estava reformada e daria provas do reajuste, efectuando o primeiro esforço para a reconciliação.

A solicitação de Clara foi alegremente atendida.
Depois de meia-noite, quando o ferroviário se rendeu à branda influência do sono, guiamo-lo ao sítio indicado.

No aposento claro e florido do santuário de recuperação em que Odila se localizava, aguardava-nos a instrutora junto dela.

O pai de Júlio, que seguia menos consciente ao nosso lado, em reconhecendo a presença da mulher que amava, ajoelhou-se, cobrou a lucidez que lhe era possível em tais circunstâncias, e exclamou, enlevado:
— Odila!... Odila!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 30, 2012 9:41 pm

— Amaro! — respondeu a antiga companheira, então completamente transfigurada — sou eu! sou eu quem te pede coragem e fé, serenidade e valor na tarefa a realizar!...
— Estou farto, farto... — clamou ele, agora em lágrimas a lhe verterem, copiosas.

Odila, sustentada pela venerável amiga, levantou-se com alguma dificuldade e, alisando-lhe os cabelos, perguntou, em voz comovida:
— Farto de quê?

— Sinto-me entediado da vida...
Casei-me, de novo, como deves saber, acreditando garantir a segurança de nossos filhos para o futuro, entretanto, a mulher que desposei nem de longe chega a teus pés...

Fui ludibriado!
Em lugar da felicidade, encontrei o desapontamento que não sei disfarçar!...

E, fitando-a com enternecedora expressão, comentou, triste:
— Nosso Júlio morreu num desastre, quando encerrava para mim as melhores aspirações, nossa filha se estiola num quarto sem alegria e a madrasta que lhes impus apodrece num leito!...

Ah! Odila, poderás compreender o que sofro?
Tenho rogado a morte ao Céu para que nos reunamos na eternidade, mas a morte não vem...

A esposa, compreensivelmente mais bela pelos pensamentos redentores que agora lhe manavam do ser, com os olhos enevoados de pranto, falou-lhe com inflexão inesquecível:
— Sim, Amaro, compreendo!

Também eu padeci muito, no entanto, hoje reconheço que a nossa dor é agravada por nós mesmos...
Porque havemos de converter a distância em rebelião e a saudade em venenoso fel?

Porque não reconhecer a Majestade Suprema de Deus, na orientação de nossos destinos?
Não temos sabido cultivar o amor que é sacrifício na Terra para a edificação de nosso paraíso espiritual...

Temos exigido quando devemos dar, dilacerado quando nos cabe recompor!...

Amaro, é preciso acalmar o coração para que a vida nos auxilie a entendê-la, é indispensável ceder de nós, a fim de receber dos outros o concurso de que necessitamos...

Na aspereza de meus sentimentos deseducados, vinha eu adubando o espinheiro do ciúme, atormentando-te o pensamento e perturbando a nossa casa!

Mas, em alguns dias rápidos, adquiri mais ampla penetração em nossos problemas, usando a chave da boa vontade!...

Quero melhorar-me, progredir, reviver...
O ferroviário contemplou-a, carinhoso e reverente, e acentuou, desalentado:
— Isso não impede a terrível realidade.

Achamo-nos em dois mundos diferentes...
Infortunado que sou! sinto-me desarvorado e infeliz!...
— Achava-me igualmente assim, contudo, procurei no silêncio e na oração o roteiro renovador.

— Que fazer de Zulmira, colocada entre nós como empecilho à nossa verdadeira união?
— Não raciocines desse modo!
Ela não permaneceria em tua estrada sem motivo justo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 30, 2012 9:41 pm

Nesse instante, Clarêncio abeirou-se do ferroviário e, tocando-lhe a fronte com a destra, ofereceu-lhe ao campo mental o retorno imediato às recordações das dívidas por ele contraídas no Paraguai.

Amaro estremeceu e continuou escutando.
— Se Zulmira foi situada no templo de nosso amor — prosseguiu Odila, admiravelmente inspirada —, é que nosso amor lhe deve a bênção da felicidade de que nos sentimos possuídos...

— Sim... sim... — aprovava agora o interlocutor, de posse das reminiscências fragmentárias que lhe assomavam do coração.

— Interpretemo-la por nossa filha, por irmã de Evelina, cujos passos nos compete encaminhar para o bem.
O lar não é apenas o domicílio dos corpos...

É o ninho das almas, em cujo doce aconchego desenvolvemos as asas que nos transportarão aos cumes da glória eterna.
Aceitemos a provação e a dor, como abençoadas instrutoras de nossa romagem para Deus...

— Todavia — ponderou o moço, triste —, sabes quanto te amo!...

— Não ignoras, por tua vez, que o teu coração constitui para mim o tesouro maior da vida, entretanto, hoje vejo o horizonte mais largo...
Valeria realmente o brilho dos oásis fechados?

Serviria a construção de um palácio, em pleno deserto, onde estaríamos humilhando com a nossa saciedade os viajores que passassem por nós, mortificados de sede e fome?

Como categorizar o carinho que se pervertesse no isolamento, a pretexto de conservar a ventura só para si?

Renovemo-nos, Amaro!
Nunca é tarde para recomeçar o bem!...
Trabalhemos, valorizando o tempo e a vida!...

Tocado talvez nas fibras mais Íntimas, o pai de Evelina chorava convulsivamente, infundindo piedade...

Odila enlaçou-o com mais ternura e Clara convidou-nos a excursão através do grande jardim próximo.

A breves instantes, achávamo-nos em plena contemplação do céu...
Os dois cônjuges instalaram-se em perfumado recanto para a conversação a sós.

Notámos que a orientadora se preocupava em deixá-los entregues um ao outro, para mais seguro ajuste espiritual.

E, enquanto ambos se recolhiam a confortadoras confidências, distanciamo-nos, de algum modo, admirando a beleza da noite.

Maravilhoso, o firmamento cintilava.
Longínquas constelações como que nos acenavam, indicando glorioso futuro...

Virações suaves deslizavam, de leve, quais se fossem cariciosas e intangíveis mãos do vento, animando-nos a cabeça.

Flores de rara beleza vertiam do cálice raios de claridade diurna, como pequeninos e graciosos reservatórios do esplendor solar.

Irmã Clara fascinava-nos com a sua palavra brilhante.
Com simplicidade encantadora, comentava suas viagens a outras esferas de trabalho e realização, exaltando em cada narrativa o amor e a sabedoria do Pai Celestial.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 30, 2012 9:41 pm

Por largo tempo, embevecidos, permutámos impressões acerca da excelsitude da vida que se nos revela sempre mais surpreendente e mais bela, em cada plano da Criação.

Avizinhava-se o novo dia...
Tornámos à presença do casal para devolver o companheiro ao lar terrestre.
Ambos, ao término do grande entendimento, apresentavam o rosto pacificado e radiante.

Irmã Clara guardou a pupila nos braços e as duas seguiram-nos a romagem de volta.
Em casa, Amaro despediu-se de nós, risonho e calmo.

Dispúnhamo-nos à retirada, quando a instrutora nos advertiu:
— Esperemos. Odila retomará hoje a tarefa.

O relógio marcava seis da manhã.
À maneira de colegial em dia de prova, a transfigurada mãezinha de Júlio fitava-nos com extrema expectação...

Amaro recuperou o corpo físico, descerrando os olhos com excelentes disposições.

Não conseguira relacionar os aspectos particulares da excursão, mas conservava no cérebro a indefinível certeza de que estivera com a primeira esposa em “algum lugar” e que a vira reanimada e feliz.

Distendeu os braços com a deliciosa tranquilidade de quem encontra o fim de longa e aflitiva tensão nervosa.

Levantou-se, reparando que o dia começava alegre e lindo, sem dar conta de que a alegria e a beleza haviam renascido nele próprio.

Sentia vontade de rir e cantar...
E, depois de ausentar-se do banheiro, onde cantarolou baixinho uma canção que lhe recordava o tempo em que se consorciara pela primeira vez, tornou, sorridente, ao quarto de dormir.

Foi então que Odila o enlaçou carinhosamente e exclamou:
— Vamos, querido!
Estendamos a nossa felicidade!
Zulmira espera por nosso amor...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 31, 2012 9:00 pm

25 - Reconciliação

Amaro não registou o convite da companheira desencarnada, em forma de palavras ouvidas, mas recebeu-o como silencioso apelo à vida mental.

Dirigiu-se a pequenina copa, pensando em Zulmira, com o insopitável desejo de comunicar-lhe o estranho contentamento de que se via possuído.

Não seria justo envolver a esposa doente na onda de alegria em que se banhava?

Vimos que Odila tremeu um instante, ao lhe observar a súbita felicidade com a perspectiva de restauração do carinho para com a segunda mulher.

Compreendi o esforço que a iniciativa lhe reclamava ao coração feminino e, mais uma vez, reconheci que a morte do corpo não exonera o Espírito da obrigação de renovar-se.

No fundo, não podia sentir, de imediato, plena isenção de ciúme, entretanto, aceitava o ideal de sublimação que se lhe implantara no sentimento e não parecia disposta a perder a oportunidade de reajuste.

Anotando-lhe a queda de forças, Clara abeirou-se dela e falou, maternal:
— Prossigamos firmes.
Todo bem que fizeres a Zulmira redundará em favor de ti mesma.

Não esmoreças. Ajuda-te.
A vontade, à procura do bem, realiza milagres em nós mesmos, O sacrifício é o preço da verdadeira felicidade.

O abraço afectuoso da benfeitora infundiu-lhe energias novas.
Os olhos dela brilharam outra vez.
Enlaçada ao marido, impeliu-o docemente ao leito em que a pobre doente repousava.

A enferma, por certo, desde muito perdera o contacto com qualquer manifestação afectiva por parte do companheiro, e, assim, ao lhe ver o semblante carinhoso e feliz, exibiu larga nota de espanto.

— Zulmira! — perguntou ele, inclinando-se para o seu rosto ossudo e desconsolado — estás realmente melhor?
— Sim... sim... — suspirou a interpelada, hesitante.

— Escuta! Hoje, amanheci pensando em nós, em nossa felicidade...
Não julgas seja tempo de reagirmos contra o sofrimento que nos cerca?
Preocupo-me por ti, acamada e abatida, desde a morte de Júlio...

Notei que do tórax de Amaro emanava largo fluxo de energia radiante, assim como um jacto de raios de luz verde-prateada que envolveram o busto de Zulmira, despertando-lhe emotividade incoercível.

A desventurada senhora começou a chorar, dando-nos a impressão de que os fluidos arremessados sobre ela lhe lavavam o coração.

Clarêncio, calmo, informou:
— Como vemos, a sinceridade dispõe de recursos característicos.

Emite forças que não deixam margem a enganos.
O sentimento puro com que Amaro se dirige agora à esposa é factor decisivo para que ela se reerga e se cure.

O ferroviário, auxiliado por Odila, enxugou as lágrimas que corriam copiosas daqueles olhos macerados e tristes e continuou:
— Peço confies em mim! afinal de contas, somos companheiros um do outro...
Como poderei ser feliz sem o teu concurso?
Não nos casamos para chorar...

— Amaro! — exclamou a interlocutora agoniada, conservando ainda os últimos resíduos mentais do complexo de culpa em que se torturava — como te agradeço a alegria desta hora!...
Entretanto, a imagem de Júlio não me sai da lembrança...
Sinto que o remorso me persegue.
Não fiz tudo o que eu devia para salvar o filhinho que me confiaste!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 31, 2012 9:00 pm

— Esqueçamos o passado — asseverou o esposo, decidido —, todos pertencemos a Deus e acredito que a Divina Vontade vive connosco, em toda arte.

Indiscutivelmente, Júlio nos faz muita falta, mas não podemos renunciar à vida que o Céu nos concedeu.
É imprescindível lutar, procurando a vitória.

Ligado à mente da primeira esposa, que tudo fazia por ajudá-lo, prosseguiu com enternecedora inflexão de voz:
— Não olvides que pertencemos aos compromissos morais que assumimos...

O carinho do meu caçula significava muitíssimo para o meu coração, contudo, não pode ser mais importante que o nosso amor!...
Refaz-te! Vivamos nossa vida!...
Temos Evelina e a nossa felicidade!...

A doente sentou-se, de olhos reanimados e diferentes.
E, enquanto o esposo acomodava-se ao lado dela, vimos Odila, de fisionomia satisfeita, dirigir-se ao quarto da filha.

Instintivamente acompanhámo-la, de modo a assisti-la em qualquer dificuldade.
Ela, porém, com inefável surpresa para nós, colocou a destra sobre a fronte da menina, solicitando-lhe a presença.

Findos alguns instantes, Evelina, em Espírito, voltou ao aposento em que seu corpo repousava.
Vendo a mãezinha, correu a abraçá-la.
Fundiram-se ambas num amplexo longo e comovedor, misturando-se as lágrimas.

— Enfim! enfim!... — clamou a jovem maravilhada.
— Minha filha! minha filha!

E, em seguida, a progenitora descansou nela os olhos inflamados de esperança, pedindo súplice:
— Evelina, ajuda-nos!
Se não nos unirmos sob a luz da compreensão e do trabalho, nossa casa desaparecerá...

Teu pai e eu não podemos dispensar-te o concurso.
Da saúde e da paz de Zulmira depende a feliz continuação de nossa tarefa...
Deus não nos reúne para a indiferença ou para o egoísmo e sim para o serviço salutar de uns pelos outros!...

— Mãezinha — explicou a jovem extática —, tenho orado, tenho pedido ao seu coração nos auxilie...
— Sim, Evelina, sei que em tua abnegação não te descuidas da prece. Jesus terá recebido teus rogos...

Achava-me surda, vitimada pelo ruído destruidor de minha própria incompreensão.
Sinto, porém, que minhalma desperta hoje... e vejo que nos compete algo fazer para restaurar o valor de teu pai e a alegria de nossa casa...

— Continuarei orando...
— Não olvides a prece, querida, mas a súplica que não age pode ser uma flor sem perfume.

Peçamos o socorro do Senhor, algo realizando para contribuir em seu apostolado divino...
Comecemos por refundir a confiança em tua nova mãe.
Faz-te melhor para ela...

Procura-a, desdobra-te no trabalho de preservação da tranquilidade doméstica, a fim de que Zulmira se veja segura de teu afecto e de teu entendimento filial...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 31, 2012 9:00 pm

Uma rosa sobre a mesa, uma vassoura diligente, uma peça de roupa cuidadosamente guardada, uma escova no lugar que lhe compete, são serviços de Jesus, no santuário da família, com os quais devemos valorizar o pensamento religioso...

Não te detenhas tão-somente nas boas intenções.
Movimenta-te no trabalho encorajador da harmonia.

Sê o anjo do serviço em nossa casinha singela!
Zulmira necessita de uma irmã, de uma filha!...
Aproveita a oportunidade e faz o melhor!...

Evelina, com indefinível contentamento a iluminar-lhe o rosto, enlaçou a mãezinha com extremada ternura e beijou-a, muitas vezes.

Logo após, passando a obedecer à mensageira, retomou o corpo carnal e acordou deslumbrada.
Tão grande se lhe afigurava a própria ventura que detinha a impressão de estar descendo da esfera celestial.

A imagem de Odila, carinhosa e bela, ocupava-lhe, agora, todo o espelho da mente.
Estendeu as mãos em torno como se ainda pudesse tocar a progenitora com os dedos de carne, conservando perfeita lembrança da inolvidável entrevista.

Intensamente feliz, ergueu-se de um salto e vestiu-se.
Finda a higiene rápida, vimos Odila recolhê-la nos braços, conduzindo-a igualmente até Zulmira.

Induzida pela influência materna, passou pela copa e chegou junto da madrasta, oferecendo-lhe pequena bandeja com a leve refeição da manhã.

Amaro e a companheira receberam-na, encantados
- Meu Deus — disse a doente, sorrindo —, tenho a impressão de que um anjo penetrou nossa casa.
Tudo hoje amanheceu contentamento e bom ânimo!...

Evelina alcançou o leito, reuniu os dois cônjuges num só abraço e falou, jubilosa:
— Sonhei com Mãezinha! Vi-a tão nítida, como se ainda estivesse connosco.

Afirmou que necessitamos de amor e recomendou seja eu para Zulmira a filha que ela não tem!...
Ah! que felicidade!... Mamãe ouviu minhas preces!

O ferroviário anotou, satisfeito, a informação, guardando, porém, consigo mesmo as recordações da noite para não ferir as susceptibilidades da companheira, e Zulmira, a seu turno, embora lembrasse os repetidos pesadelos que atravessara, sentindo-se atormentada pelos ciúmes de Odila, abafou as próprias reminiscências, para aderir com toda a alma ao optimismo daquele abençoado momento de paz e renovação.

Fixando a madrasta, com embevecimento, a menina acrescentou:
— Quero ser melhor, mais diligente e mais amiga!...
Papai, você e eu seremos doravante mais felizes.

A pobre senhora suspirou reconfortada e aduziu:
— Sem dúvida alguma, Odila deve ser o nosso génio protector...
É muita alegria nesta manhã para que a nossa ventura seja simples sonho ou mera coincidência!

Aquele testemunho de gratidão, partido com a melhor espontaneidade da mulher considerada, até então, por inimiga, tocou as recônditas fibras da primeira esposa de Amaro que, incapaz de suportar a emoção, começou a chorar entre o reconhecimento e o regozijo.

Irmã Clara abraçou-a e falou, humilde:
— Chora, minha filha! Chora de júbilo!

Em verdade, quando o amor sublime penetra em nosso coração, a luz do Senhor passa a reger os passos de nossa vida.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 31, 2012 9:01 pm

26 - Mãe e filho

A alegria plena coroara o trio doméstico.

Mostrando a expectativa de uma colegial preocupada em receber a aprovação dos mentores, Odila ergueu os olhos lacrimosos para Irmã Clara, perguntando:
— Terei agido correctamente?

Lia-se-lhe no rosto a necessidade de uma frase estimulante.
A venerável amiga aconchegou-a de encontro ao coração.

— Venceste, valorosa — disse, terna —; compreendeste o santo dever do amor.
Abençoarás para sempre este maravilhoso dia de renúncia e doação de ti mesma.

Vimos Odila colar-se a ela, à maneira de uma criança nos braços maternais, chorando copiosamente.
— Não te comovas tanto assim! — apelou a benfeitora, osculando-lhe os cabelos.

Sensibilizando-nos igualmente, a primeira esposa de Amaro respondeu com dificuldade:
— Meu pranto não é de sofrimento... Sinto-me agora leve e feliz... como não compreendia eu assim, antes!...

— Sim — elucidou Clara, de modo significativo —, perdeste peso espiritual, habilitando-te à elevação de nível.
Nossas paixões inferiores ímantam-nos à Terra, como o visco prende o pássaro a distância das alturas...

E, afagando-a, acentuou, bondosa:
— Vamos! Deste agora o amor puro e, por isso, o amor puro não te faltará.

De ora em diante, serás aqui bem-aventurada mensageira, de vez que o teu coração permanecerá em serviço dos anjos guardiães de nossos destinos, que velam por nós abnegadamente, esperando-nos na Vida Mais Alta.

Cedendo o carinho de teu companheiro à outra mulher, de cuja colaboração necessita ele para redimir-se, conquistaste nele novo património de afectividade, e, aproximando a filhinha daquela a quem devemos querer como irmã, adquiriste o merecimento indispensável para recuperar o filhinho, cujo futuro poderás orientar...

Hoje mesmo, estarás ao lado de teu Júlio...
Odila, transfigurada, estampou no semblante a luz da felicidade que lhe fluía do mundo interior.

O Sol inundava a Terra de raios vivificantes, quando a reconduzimos ao hospital, com a promessa de buscá-la, mais tarde, para a viagem ao Lar da Bênção.

Com efeito, transcorridas algumas horas, quando a pausa dos nossos compromissos de trabalho nos ofereceu a oportunidade precisa, convocámo-la ao reencontro.

Sustentada nos braços de Clara, a mãezinha de Júlio revelava inexcedível contentamento.
Era a primeira vez, depois da morte física, que se confiava a romagem tão linda, prorrompendo em exclamações admirativas, ante os surpreendentes jogos da luz.

Nas vizinhanças do sítio para o qual nos dirigíamos, inalava o ar tonificante a longos haustos, deslumbrando-se na visão da Natureza saturada de perfumes e adornada de flores.

Extasiou-se na contemplação das centenas de pequeninos, que brincavam festivamente.
Muito pálida, de atenção presa à multidão infantil, na procura ansiosa do filho, achava-se mentalmente muito distanciada de nosso grupo.

Por isso mesmo, deixava-se conduzir qual se fôra um autómato.
Acompanhando Clarêncio, atingimos a residência de Blandina, que nos acolheu com a gentileza habitual.
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Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU - Página 4 Empty Re: Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 31, 2012 9:01 pm

Entrámos.
Não houve necessidade de muitas palavras.

Atraída pelo grande berço que se levantava à nossa vista, Odila precipitou-se sobre o menino enfermo, bradando, alarmada:
— Meu filho! Júlio! Meu filho!...

Indubitavelmente, a Sabedoria Universal colocou imperscrutáveis segredos no carinho materno.
Algo de milagroso e divino existe nos laços que unem mães e filhos que, por enquanto, não podemos apreender.

A criança doente transformou-se, de súbito.
Indefinível expressão de felicidade cobriu-lhe o semblante.
— Mãe! Mãe!... — gritou, respondendo.

E alongou os braços, agarrando-se-lhe ao busto.
Em lágrimas, Odila retirou-o instintivamente do leito, beijando-o enternecida.
Quando se lhe serenou a desbordante emotividade, sentou-se ao nosso lado, trazendo o filho ao colo.

Júlio, completamente modificado, contava-lhe quanto lhe doía a garganta, mostrando-lhe a glote extensamente ferida.

E terminada que foi a hora comovente que nos empolgara a todos, Blandina abriu a conversação geral, acentuando, contente:
— Sabíamos que a Divina Bondade não deixaria o nosso doentinho sem a ternura maternal.
Júlio agora terá junto dele a insubstituível dedicação.

Odila, que se mostrava compreensivelmente conturbada, ante a posição orgânica do menino, nada respondeu; contudo, Clara considerou, afectuosa:
— Esperamos localizar nossa amiga no Parque, por algum tempo, e, certo, sentirá prazer em encarregar-se do pequenino.

— Sim, a Escola das Mães apresenta vastas disponibilidades — informou Blandina, prestimosa.
— Odila poderá entregar-se com segurança à tarefa assistencial que Júlio exige.
Receberá todos os recursos...

— Aflige-me encontrá-lo assim — alegou a progenitora preocupada, indicando o pequeno enfermo —, não posso atinar com a razão de uma úlcera tão grande, sem o corpo de carne... não tenho bases para entender de uma só vez tudo quanto vejo, mesmo porque também eu andava louca, incapaz de raciocinar...

Reparei que o Ministro e a Irmã Clara se entreolharam, de modo expressivo, dando-me a ideia de que conversavam, através do pensamento.

Assinalando as doloridas referências maternas, a instrutora designou com a destra o nosso orientador, ajuntando bem-humorada:
— Clarêncio tem a palavra elucidativa.

— Sim — ponderou o Ministro, cauteloso —, nossa irmã, como é natural, encontrará pela frente variados problemas ligados ao caminho de elevação que lhe é próprio.

Achamo-nos todos infinitamente longe do Céu que fantasiávamos na Terra e cada qual de nós detém consigo deficiências que será preciso superar.

O passado reflecte-se no presente.

Sorrindo, acrescentou:
— Nosso destino é assim como o rio.
Por mais diferenciado se encontre, à distância da nascente que lhe dá origem, está sempre ligado a ela pela corrente em acção contínua...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 31, 2012 9:01 pm

— Procurarei compreender — disse Odila mais segura de si —, sou mãe e não posso desenvencilhar-me da obrigação de amparar meu filhinho.
Dispensar-lhe-ei todos os cuidados imprescindíveis ao seu bem-estar.
Sinto que a felicidade pode ser conquistada no mundo a que fomos trazidos pela renovação...

Trabalharei quanto estiver ao meu alcance para ver Júlio integralmente refeito.
Hoje, novos ideais me banham o coração. É imperioso esforçar-me.
Todos os que amamos virão ter connosco, mais cedo ou mais tarde...

Esperanças diferentes me animam o espírito.
Amanhã, no porvir talvez próximo, terei meus familiares aqui, de novo, e não posso olvidar a necessidade de algo fazer para conseguir o abrigo de que necessitamos...

Passeou o olhar vago e cismarento pelo recinto como se estivesse contemplando remotos horizontes e concluiu:
— Um lar... a felicidade restaurada... a bênção do reencontro...

Por largo tempo, o comentário edificante brilhou na sala, aquecendo a chama da amizade e da confiança em nossos corações.

Blandina e Mariana prometeram cooperar, insistindo para que Odila se demorasse junto delas, até situar-se, em definitivo, no educandário a que se destinava.

A renovada senhora aceitou, reconhecidamente.
Despedimo-nos, felizes.
Após nos separarmos de Clara, retomando o caminho de volta ao nosso domicílio espiritual, julguei conveniente interpelar o instrutor, acerca dos problemas que me esfervilhavam no cérebro.

Porque não esclarecer Odila, com respeito ao pretérito de Júlio?
Seria aconselhável deixá-la entregue a informações deficientes, quando lhe conhecíamos extensamente os enigmas da organização familiar?
Porque não lhe explanar francamente o impositivo da reencarnação do menino?

Clarêncio, como de outras vezes, ouviu sereno e generoso.

Quando acabei o interrogatório, replicou sem alterar-se:
— À primeira vista, seria efectivamente esse o caminho a seguir, entretanto as recordações do pretérito não devem ser totalmente despertadas, para que ansiedades inúteis não nos dilacerem o presente.

A verdade para a alma é como o pão para o corpo que não pode exorbitar da quota necessária a cada dia.
Toda precipitação gera desastres.

Além do mais, não nos cabe a vaidade de qualquer antecipação a providências que serão agradáveis e construtivas ao amor de nossa irmã.

Sentindo-se ainda plenamente integrada no carinho materno, ela própria assumirá a responsabilidade do trabalho alusivo à reencarnação do pequeno.

Advogando ela mesma essa medida e destinando-se a criança ao seu antigo lar, encontrará no assunto abençoado serviço de fraternidade, ao mesmo tempo que se reconhecerá mais responsável.

Se movêssemos as decisões, Odila observar-se-ia anulada em sua capacidade de agir, ao passo que, confiando a ela as deliberações que o caso reclama, adquirirá novo interesse para auxiliar Zulmira, de vez que a segunda esposa de Amaro substitui-la-á na condição de mãe, oferecendo novo corpo ao filhinho...

Admirado com os apontamentos ouvidos, vi-me satisfeito na inquirição.

Clarêncio, todavia, com o sorriso natural que lhe marcava habitualmente o semblante, aduziu, calmo:
— A vida é uma escola e cada criatura, dentro dela, deve dar a própria lição.
Esperemos agora alguns dias.
Interessada em socorrer o filhinho doente, a própria Odila virá até nós, lembrando para ele a felicidade da volta à Terra.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 31, 2012 9:02 pm

27 - Preparando a volta

Quatro semanas correram céleres, quando fomos realmente procurados por Odila, no Templo do Socorro, para um entendimento particular.

Clarêncio, Hilário e eu recebemo-la quase sem surpresa.
Vinha algo triste e preocupada.
Com respeitosa delicadeza, contou-nos a experiência inquietante que atravessava.

Júlio prosseguia apresentando na fenda glótica a mesma ferida.
Instalara-se com ele em aposentos adequados na Escola das Mães e ao filhinho dispensava todo o cuidado susceptível de reerguer-lhe as energias, entretanto, a luta continuava...

Recursos medicamentosos e passes magnéticos não faltavam, contudo, não surtiam efeito.
Daria tudo para vê-lo forte e feliz.

Esperava a descoberta de algum milagre, capaz de atender-lhe o anseio de mãe, no entanto, visitara em companhia de Blandina outros sectores de assistência à infância torturada;
vira inúmeras crianças infelizes, portadoras de problemas talvez mais dolorosos que aqueles do filhinho bem-amado.

Apavorara-se.
Jamais supusera a existência de tantas enfermidades depois da morte.

Tentara obter os bons ofícios de vários amigos, para esclarecer-se convenientemente, e todos, à uma, repetiam sempre que os compromissos morais adquiridos conscientemente na carne somente na carne deveriam ser resolvidos, e que, por isso mesmo, a reencarnação para Júlio era o único caminho a seguir.

O corpo físico funcionaria como abafador da moléstia da alma, sanando-a, pouco a pouco...

Que fizera o menino no pretérito para receber semelhante punição?
A pobre senhora enxugava as lágrimas que lhe caíam espontâneas.

Clarêncio, profundo conhecedor do sofrimento humano, falou como sacerdote:
— Odila, o passado agora não é o remédio próprio.
Atendamos à hora que passa.
Temos Júlio extremamente necessitado à nossa frente e o alívio dele é o nosso objectivo mais imediato.

A mãezinha resignada concordou num gesto silencioso.
— Também creio — prosseguiu o nosso instrutor, imperturbável — que a reencarnação do pequeno é urgente medida se desejamos observá-lo no caminho da própria recuperação.

— Irmã Clara recomendou-me viesse rogar-lhe o concurso.
Ajude-me, abnegado amigo!...

— Somos todos irmãos — ajuntou Clarêncio generoso — e achamo-nos uns à frente dos outros para a prestação do serviço mútuo.

Nosso Júlio não é uma criatura comum e, por esse motivo, não seria justo renascer no mundo a esmo, como planta inculta germinando à toa, no mato da vida inferior.

Assim sendo, analisemos o quadro de tuas relações afectivas...
Depois de ligeira pausa, acrescentou:
— Tens grande plantio de amizades puras na Terra?
Em questões de auxílio, não podemos perder os nossos sentimentos de vista.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 31, 2012 9:02 pm

Tanto para entrar no reino do espírito, como para entrar no reino da carne, em melhores condições, não podemos prescindir da cooperação de amigos sinceros que nos conheçam e nos amem.

— Ah! sim, compreendo... — exclamou a interlocutora com algum desapontamento.

— Sempre ocupada com a nossa casa e com a nossa família, nunca pude efectivamente cultivar tantas afeições, como seria de desejar. Amaro, porem...

— Perfeitamente — atalhou o Ministro, completando-lhe a frase —, estou certo de que Amaro continuará sendo para o menino um admirável companheiro, entretanto, não podemos dispensar no cometimento o concurso de Zulmira.

Precisamos dela no trabalho maternal.
Para isso, é imprescindível te faças mais devotada, mais amiga...
Um esforço pede outro.
Sem o lubrificante da cooperação, a máquina da vida não funciona.

Os olhos de Odila faiscaram de esperança.
— Tudo farei por ajudá-la, auxiliando a mim mesma — disse, comovida —, entendo mesmo nesse imperativo de fraternidade a doce determinação do Senhor, constrangendo-me a operosa boa vontade para com ela.

Realmente — acentuou, sorrindo —, reparo quão sublime é a Infinita Bondade do Céu.
A princípio lutei contra Zulmira, desejando ser amada de meu esposo, agora devo lutar em favor de nossa irmã por amar o meu filho.
Muito erramos, disputando o amor dos outros, entretanto, corrigimo-nos e acertamos o passo, quando procuramos.

— Sem dúvida, as tuas conclusões são luminoso ensinamento — concordou o Ministro, bem-humorado —; em tudo vemos a Eterna Sabedoria.
— Devo buscar alguma regra específica?

— Creio — ponderou o nosso orientador — que as tuas visitas afectuosas ao antigo lar, consolidando-lhe a harmonia, são a providência básica para que Júlio encontre um clima de confiança.

Admito que o nosso pequeno reclama especiais atenções, considerando-se-lhe a posição de enfermo, para quem a reencarnação apresenta obstáculos justos.

O entendimento alongou-se por mais tempo, entre os conselhos paternais do Ministro e a sincera humildade da visitante.

Quando Odila se despediu, desfechámos sobre o instrutor algumas perguntas que nos fustigavam a cabeça.

A reencarnação como lei exigia o concurso da amizade para cumprir-se?
Os desafectos da vida influíam em nosso futuro?
O trabalho reencarnatório não seria uma imposição natural?

Clarêncio ouviu, atencioso, as indagações e respondeu, satisfeito:
— A lei é sempre a lei. Cabe-nos tão-somente respeitá-la e cumpri-la.

Nossa atitude, porém, pode favorecer-lhe ou contrariar-lhe o curso, em favor ou em prejuízo de nós mesmos, O renascimento na carne funciona em condições idênticas para todos, contudo, à medida que se nos desenvolvem o conhecimento e o amor, conseguimos colaborar em todos os serviços do aperfeiçoamento moral em nossas recapitulações.

A alma, como a planta, pode ressurgir em qualquer trato de solo, mas não seria justo relegar sementes seleccionadas a terrenos incultos.

A reencarnação, por si, tanto quanto ocorre nos reinos inferiores à evolução humana, obedece a princípios embriogénicos automáticos, com bases na sintonia magnética;
contudo, em se tratando de criaturas com alguns passos à frente da multidão comum, é possível ajustar providências que favoreçam a execução da tarefa a cumprir.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 31, 2012 9:02 pm

Nesses casos, a plantação de simpatia é factor decisivo na obtenção dos recursos de que necessitamos...

Quem cultiva a amizade somente na família consanguínea, dificilmente encontra meios para desempenhar certas missões fora dela.
Quanto mais extenso o nosso raio de trabalho e de amor, mais ampla se faz a colaboração alheia em nosso benefício.

— E quando, desprevenidos, deixamos que a antipatia cresça em derredor de nós? — inquiriu Hilário, com interesse.

— Toda antipatia conservada é perda de tempo, em muitas ocasiões acrescida de lamentáveis compromissos.
O espinheiro da aversão exige longos trabalhos de reajuste.

Em várias circunstâncias, para curar as chagas de um desafecto, gastamos muitos anos, perdendo o contacto com admiráveis companheiros de nossa jornada espiritual para a Grande Luz.

A palavra de Clarêncio impunha-nos graves reflexões e talvez por isso a quietação baixou sobre nós.

Soubemos, mais tarde, que a progenitora de Evelina passou a dispensar envolvente carinho ao ferroviário e à companheira doente, que, à custa de muito esforço dela, restabeleceu afinal a saúde orgânica.

Preparando o retorno do filhinho, Odila associou-se, de coração, à tarefa de restaurar-lhes a harmonia conjugal e o contentamento de viver.

Foi assim que, transcorridas algumas semanas, recebemos um convite da Irmã Clara para uma visita ao Lar da Bênção.

Em noite próxima, Odila conduziria a segunda esposa de Amaro ao encontro de Júlio, como derradeira preliminar do trabalho reencarnatório.

No momento aprazado, achávamo-nos a postos.
Blandina, Mariana, Clarêncio, Hilário e eu, palestrando animadamente em aposentos reservados na Escola das Mães, cercávamos o alvo berço em que o doentinho gemia de quando em quando.

Assistida por irmã Clara, Odila demandara o antigo ninho doméstico, no propósito de acompanhar Zulmira até nós.

Decorrido algum tempo de expectação, as três chegaram, envolvidas em luminosa onda de paz.

Enlaçada pelos braços das duas protectoras, a obsidiadas parecia feliz, não obstante a impressão de medo e insegurança que lhe transparecia do olhar.

Respondeu-nos as saudações com a estranheza de quase todos os encarnados que alcançam as esferas superiores da vida espiritual, antes da morte física, e, logo após, sustentada pelas companheiras, aproximou-se do pequeno enfermo, identificando-o, espantada.

— Será Júlio, meu Deus?
— É verdadeiramente Júlio! — confirmou Odila, fraternal — para ele te rogamos socorro! nosso pequeno precisa renascer, Zulmira! poderás auxiliá-lo, oferecendo-lhe o regaço de mãe?

Vimos a interpelada em lágrimas de alegria.
Inclinou-se sobre o menino, afagando-o com intraduzível ternura, e falou em voz quase sufocada pela comoção:
— Estou pronta!
Devo a Júlio cuidados que lhe neguei...

Louvo reconhecidamente a Deus por esta graça!
Sinto que assim nunca mais serei assaltada pelo remorso de não haver feito por ele quanto me competia!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 31, 2012 9:02 pm

Nesses casos, a plantação de simpatia é factor decisivo na obtenção dos recursos de que necessitamos...

Quem cultiva a amizade somente na família consanguínea, dificilmente encontra meios para desempenhar certas missões fora dela.
Quanto mais extenso o nosso raio de trabalho e de amor, mais ampla se faz a colaboração alheia em nosso benefício.

— E quando, desprevenidos, deixamos que a antipatia cresça em derredor de nós? — inquiriu Hilário, com interesse.

— Toda antipatia conservada é perda de tempo, em muitas ocasiões acrescida de lamentáveis compromissos.
O espinheiro da aversão exige longos trabalhos de reajuste.

Em várias circunstâncias, para curar as chagas de um desafecto, gastamos muitos anos, perdendo o contacto com admiráveis companheiros de nossa jornada espiritual para a Grande Luz.

A palavra de Clarêncio impunha-nos graves reflexões e talvez por isso a quietação baixou sobre nós.

Soubemos, mais tarde, que a progenitora de Evelina passou a dispensar envolvente carinho ao ferroviário e à companheira doente, que, à custa de muito esforço dela, restabeleceu afinal a saúde orgânica.

Preparando o retorno do filhinho, Odila associou-se, de coração, à tarefa de restaurar-lhes a harmonia conjugal e o contentamento de viver.

Foi assim que, transcorridas algumas semanas, recebemos um convite da Irmã Clara para uma visita ao Lar da Bênção.

Em noite próxima, Odila conduziria a segunda esposa de Amaro ao encontro de Júlio, como derradeira preliminar do trabalho reencarnatório.

No momento aprazado, achávamo-nos a postos.
Blandina, Mariana, Clarêncio, Hilário e eu, palestrando animadamente em aposentos reservados na Escola das Mães, cercávamos o alvo berço em que o doentinho gemia de quando em quando.

Assistida por irmã Clara, Odila demandara o antigo ninho doméstico, no propósito de acompanhar Zulmira até nós.

Decorrido algum tempo de expectação, as três chegaram, envolvidas em luminosa onda de paz.

Enlaçada pelos braços das duas protectoras, a obsidiadas parecia feliz, não obstante a impressão de medo e insegurança que lhe transparecia do olhar.

Respondeu-nos as saudações com a estranheza de quase todos os encarnados que alcançam as esferas superiores da vida espiritual, antes da morte física, e, logo após, sustentada pelas companheiras, aproximou-se do pequeno enfermo, identificando-o, espantada.

— Será Júlio, meu Deus?
— É verdadeiramente Júlio! — confirmou Odila, fraternal — para ele te rogamos socorro! nosso pequeno precisa renascer, Zulmira! poderás auxiliá-lo, oferecendo-lhe o regaço de mãe?

Vimos a interpelada em lágrimas de alegria.
Inclinou-se sobre o menino, afagando-o com intraduzível ternura, e falou em voz quase sufocada pela comoção:
— Estou pronta!
Devo a Júlio cuidados que lhe neguei...

Louvo reconhecidamente a Deus por esta graça!
Sinto que assim nunca mais serei assaltada pelo remorso de não haver feito por ele quanto me competia!...
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Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU - Página 4 Empty Re: Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 01, 2012 8:29 pm

28 - Retorno

Preocupados com o caso de Júlio, no dia imediato indagámos do orientador sobre a planificação do serviço reencarnatório, ao que Clarêncio informou, conciso:
— O problema é doloroso, mas é simples.

Trata-se tão-somente de ligeira prova necessária.
Júlio sofrerá o aflitivo desejo de permanecer na Terra, com o empréstimo do corpo físico a prazo longo, entretanto, suicida que foi, com duas tentativas de auto-aniquilamento, por duas vezes deverá experimentar a frustração para valorizar com mais segurança a bênção da vida terrestre.

Depois de estagiar por muitos anos nas regiões inferiores de nosso plano, confiando-se inutilmente à revolta e à inércia, já passou pelo afogamento e agora enfrentará a intoxicação.

Tudo isso é lastimável, no entanto...
E mostrando significativa expressão fisionómica, ajuntou:
— Quem aprenderá sem a cooperação do sofrimento?
— Penso, contudo, no martírio dos pais... — considerou Hilário, hesitante.

— Meus amigos — falou o Ministro, generoso —, a justiça é inalienável.
Não podemos iludi-la.

Com o desequilíbrio emocional de Amaro e Zulmira, no pretérito, Júlio arrojou-se a escuro despenhadeiro de compromissos morais e, na actualidade, reabilitar-se-á com a cooperação deles.

Ontem, o casal, por esquecê-lo, inclinou-o à queda, hoje, por amá-lo, garantir-lhe-á o soerguimento.

A palestra esmoreceu, talvez porque o assunto nos compelisse a severa meditação.
Hilário e eu, reflectindo na absoluta harmonia da Lei, calámo-nos cismarentos, à espera da noite, quando integraríamos a caravana da amizade que restituiria a criança enferma ao ninho antigo.

Com efeito, avizinhava-se a madrugada, quando alcançámos a residência do ferroviário, envolvida em sombra.

Odila trazia nos braços o filho irrequieto e gemente, enquanto o Ministro, Irmã Clara, Blandina, Mariana, Hilário e eu rodeávamos ambos, em silêncio.

Penetrámos a sala humilde.
Qual se houvera sorvido invisível anestésico, o menino emudeceu.

Junto de nós, o orientador, solícito, explicou:
— O doentinho encontra grande alívio em contacto com os fluidos domésticos, O reequilíbrio da alma no ambiente que lhe é familiar no mundo constitui base firme para o êxito da reencarnação.

Não prosseguiu, contudo.
Irmã Clara fez-lhe expressivo aceno e o nosso instrutor penetrou, sozinho, a câmara conjugal, sem dúvida para certificar-se quanto à conveniência de confiarmos o pequenino à sua futura mãe.

Transcorridos alguns minutos, Clarêncio veio ao nosso encontro, convidando-nos a entrar.
Enternecedor espectáculo desdobrou-se à nossa vista.

Zulmira em Espírito estendeu-nos braços fraternos.
Estava bela, radiante de alegria...

E, quando recebeu Júlio, aconchegando-o ao próprio peito, pareceu-me sublimada madona, aureolada por maternidade vitoriosa.

Odila chorava.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 01, 2012 8:30 pm

Clarêncio ergueu os olhos para o Alto e orou, em voz comovedora:
Senhor, abençoa-nos!...

De almas entrelaçadas na esperança em teu infinito amor e no júbilo que nasce da obediência aos teus desígnios, aqui nos achamos, acompanhando um amigo que volta à recapitulação!

Dá-lhe forças para submeter-se resignado à cruz que lhe será a salvação!...

Ó Pai, sustenta-nos na grande estrada redentora em que o obstáculo e a dor devem ser nossos guias, fortalece-nos o bom ânimo e a serenidade e modera-nos o coração para que saibamos servir-te em qualquer circunstância!...

Sobretudo, Senhor, rogamos-te auxilies a nossa irmã que investe sagradas aspirações femininas no apostolado maternal!

Santifica-lhe os anseios, multiplica-lhe as energias para que ela se honre contigo na divina tarefa de criar!...


A palavra do Ministro, saturada de paternal amor, desse amor que nos atinge o espírito até à fonte oculta das lágrimas, levara-nos à comoção.

Zulmira, todavia, sensibilizou-nos ainda mais.
Atraída pelo poder magnético da oração, avançou com o menino colado ao regaço até junto de nosso orientador, e ajoelhou-se.

Aquela humildade ingénua lembrava-me a narração evangélica da viúva de Naim com o filho morto aos pés do Cristo e não pude conter o pranto que me vertia do coração.

Igualmente tocado por aquele gesto espontâneo de confiança e fé, o Ministro voltou-se para ela e afagou-lhe a cabeça, transfigurado.

Algo de sublime devia ter acontecido na alma daquele missionário da abnegação que me habituara a querer com extremado carinho.

Jorro estelar descia da Altura, inflamando-lhe a fronte e da destra que acariciava a irmã genuflexa, projectavam-se raios de safirina luz...

Maravilhosos instantes de expectação correram sobre nós.
Em seguida, sustentando-a nos braços, Clarêncio reergueu-a, conduzindo-a ao leito com a criança.

Zulmira, desde então, afigurou-se-nos integralmente concentrada no filhinho, que se enlaçou a ela, instintivamente, à maneira de um molusco a acomodar-se na própria concha.

Júlio dormira placidamente, enfim.
Abraçado ao colo materno, parecia fundir-se nele.

De outras vezes, acompanhara trabalhos preparatórios de reencarnação, que exigiam concurso activo de técnicos do assunto e de benfeitores da vida superior, mas ali o fenómeno era demasiado simples.

O corpo subtil do menino como que se justapunha aos delicados tecidos do perispírito maternal, adelgaçando-se gradativamente aos nossos olhos.

Irmã Clara e as companheiras oscularam a futura mãezinha, que tentava recuperar o corpo denso, conduzindo consigo o pequeno confortado e desfalecente e retirámo-nos, tomados da alegria que nasce, pura, da obrigação bem cumprida.

Odila encarregou-se da assistência a Zulmira, e Clarêncio prometeu seguir, de perto, os serviços naturais daquela gravidez incipiente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 01, 2012 8:30 pm

Quando nos vimos, de novo, a sós, as indagações surgiram, imperiosas.

O Ministro, com a paciência admirável de todos os dias, tomou a palavra e esclareceu:
— A reencarnação no caso de Júlio não reclama de nossa esfera cuidados especiais.

É uma descida experimental ao campo da matéria densa, com interesse tão-somente para ele mesmo e para os familiares que o cercam.

Todavia, se a existência do filho de Amaro estivesse destinada, no momento, a influenciar a comunidade, se ele fosse detentor de méritos indiscutíveis, com responsabilidades justas nos caminhos alheios, o problema seria efectivamente outro.

Forças de ordem superior seriam fatalmente mobilizadas para a interferência nos cromossomas, garantindo-se o embrião do veículo físico de maneira adequada à missão que lhe coubesse...

— E se o reencarnante fosse um homem de larga intelectualidade? — inquiriu Hilário, estudioso.
— Merecer-nos-ia cautelosa atenção na estrutura cerebral, para que lhe não faltasse um instrumento à altura de seus deveres na materialização do pensamento.

— E se fosse um médico?
Um grande cirurgião por exemplo? — perguntei por minha vez.

— Receberia assistência aprimorada na formação do sistema nervoso, assegurando-se-lhe pleno domínio das emoções.

Porque não mais indagássemos especificamente, o instrutor continuou:
— Contudo, em milhares de renascimentos, na Terra, os princípios embriogénicos funcionam, automáticos, cada dia.

A lei de causa e efeito executa-se sem necessidade de fiscalização da nossa parte.
Na reencarnação, basta o magnetismo dos pais, aliado ao forte desejo daquele que regressa ao campo das formas físicas.

De retorno ao corpo físico, estamos invariávelmente animados de um propósito firme... seja o anseio de alijar a dor que nos atormenta, a aspiração de conquistas espirituais que nos facilitem o acesso à Vida Superior, o voto de recapitular serviços mal feitos ou o ideal de realizar grandes tarefas de amor entre aqueles a quem nos afeiçoamos no mundo.

De modo geral, a maioria das almas que reencarnam satisfazem à fome inquietante de recomeço.

Quem não atendeu com exactidão ao trabalho que a vida lhe delegou, depressa se rende ao impositivo de repetição da experiência e o ressurgimento na luta física aparece por bênção salvadora.

Milhões de destinos se reestruturam dessa forma, qual se refaz uma grande floresta.
A sementeira cresce, estimulada pelo magnetismo do solo;
a existência corpórea germina de novo, incentivada pelo magnetismo da carne...

Ante a pausa ligeira do Ministro, Hilário perguntou, respeitoso:
— O seio maternal, desse modo...

Nosso mentor completou-lhe a definição, respondendo:
— É um vaso anímico de elevado poder magnético ou um molde vivo destinado à fundição e refundição das formas, ao sopro criador da Bondade Divina, que, em toda a parte, nos oferece recursos ao desenvolvimento para a Sabedoria e para o Amor.

Esse vaso atrai a alma sequiosa de renascimento e que lhe é afim, reproduzindo-lhe o corpo denso, no tempo e no espaço, como a terra engole a semente para doar-lhe nova germinação, consoante os princípios que encerra.

Maternidade é sagrado serviço espiritual em que a alma se demora séculos, na maioria das vezes aperfeiçoando qualidades do sentimento.

A palestra prosseguia valiosa, mas o tempo nos convocava a outros misteres e, em razão disso, fomos constrangidos a interromper o nosso entendimento, em torno do que havíamos visto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 01, 2012 8:30 pm

29 - Ante a reencarnação

Na noite imediata, atendendo-nos a solicitação, Clarêncio conduziu-nos ao domicílio do ferroviário, para observações.

Penetrámos respeitosamente o quarto em que Odila nos recebeu, contente e gentil.
Tudo lhe parecia desdobrar-se com segurança.

Júlio dormia.
Não mais acordara, informou a guardiã, feliz.

Tinha a impressão de que o reencarnante desaparecia pouco a pouco, na constituição orgânica de Zulmira, como se a futura mãezinha fosse um filtro miraculoso a absorvê-lo.

A progenitora desencarnada mostrava-se satisfeita e esperançosa.
Preferia ver o filhinho confiado ao sono profundo.
As aflições e os gemidos dele lhe haviam dilacerado o coração.

O renascimento, por esse motivo, representava uma bênção para as inquietantes responsabilidades maternais de que se via detentora.

Observámos que Júlio se caracterizava por enorme diferença.
O corpo subtil do menino denotava espantosa transformação.
Adelgaçara-se de maneira surpreendente.

Tive a ideia de que ele e Zulmira, alma com alma, se fundiam um no outro.
A moça ganhara em plenitude física e vivacidade espiritual quanto perdia o menino na apresentação exterior.

Júlio adormecera aliviado, ao passo que a jovem senhora demonstrava admirável despertamento para a vida.
A segunda esposa de Amaro modificara-se de modo sensível.

Como as pessoas felicitadas por novos títulos de confiança no trabalho, revelava-se mais alegre e mais cônscia das obrigações que lhe competiam.

A transfusão fluídica era ali evidente.
O organismo materno assemelhava-se a um alambique destinado a subtilizar as energias do reencarnante para restituí-las, decerto, a ele mesmo, na formação do novo envoltório.

Registando-nos o assombro, o instrutor explicou com a sua habitual gentileza:
— A reencarnação, tanto quanto a desencarnação, é um choque biológico dos mais apreciáveis. Unido à matriz geradora do santuário materno, em busca de nova forma, o perispírito sofre a influência de fortes correntes electromagnéticas, que lhe impõem a redução automática.

Constituído à base de princípios químicos semelhantes, em suas propriedades, ao hidrogénio, a se expressarem através de moléculas significativamente distanciadas umas das outras, quando ligado ao centro genésico feminino experimenta expressiva contracção, à maneira do indumento de carne sob carga eléctrica de elevado poder.

Observa-se, então, a redução volumétrica do veículo subtil pela diminuição dos espaços inter-moleculares.

Toda matéria que não serve ao trabalho fundamental de refundição da forma é devolvida ao plano etereal, oferecendo-nos o perispírito esse aspecto de desgaste ou de maior fluidez.

— Quer dizer então... — aventurou Hilário, em sua curiosidade construtiva.
— Quero dizer que os princípios organogénicos essenciais do perispírito de Júlio já se encontram reduzidos na intimidade do altar materno, e, à maneira de um ímã, vão aglutinando sobre si os recursos de formação do novo vestuário de carne que lhe será o vaso próximo de manifestação.

— E a forma a rarefazer-se sob nossos olhos? — inquiriu meu colega, espantado.
— Está em activo processo de dissolução.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 01, 2012 8:30 pm

E, com a bela serenidade que lhe assinala o espírito, continuou elucidando:
— Também o corpo físico parece dormir na desencarnação, quando, na realidade, começa a restituir as unidades químicas que o compõem à Natureza que lhos emprestou a titulo precário, apenas com a diferença de que a alma desencarnada, ainda mesmo quando em deploráveis condições de sofrimento e inferioridade, avança para a libertação relativa, ao passo que, em nos reencarnando, sofremos o processo de volta às teias da matéria densa, não obstante orientados por nobres objectivos de evolução.

É por isso que, conduzidos à reconstituição orgânica, revivemos, nos primeiros tempos da organização fetal, embora apressadamente, todo o nosso pretérito biológico.

Cada ser que retoma o envoltório físico revive, automaticamente, na reconstrução da forma em que se exprimirá na Terra, todo o passado que lhe diz respeito, estacionando na mais alta configuração típica que já conquistou, para o trabalho que lhe compete, de acordo com o degrau evolutivo em que se encontra.

A maneira simples pela qual Clarêncio desflorava problemas tão complexos, induzia-nos a sublimados pensamentos, quanto à magnitude das Leis Universais.

Ali, diante de um caso comum de reencarnação, auxiliado apenas pelas nossas preces no culto à fraternidade, obtínhamos vastas elucidações sobre o plano geral da existência.

Inspirado talvez na mesma faixa de reflexões que me preocupavam o espírito, Hilário inquiriu:
— Os princípios que analisamos funcionam em igualdade de circunstâncias para os animais?

— Como não? — replicou o nosso orientador, paciente — todos nos achamos na grande marcha de crescimento para a imortalidade.
Nas linhas infinitas do instinto, da inteligência, da razão e da sublimação, permanecemos todos vinculados à lei do renascimento como inalienável condição de progresso.

Atacamos experiências múltiplas e recapitulamo-las, tantas vezes quantas se fizerem necessárias, na grande jornada para Deus.

Crisálidas de inteligência nos sectores mais obscuros da Natureza evolvem para o plano das inteligências fragmentárias, onde se localizam os animais de ordem superior que, por sua vez, se dirigem para o reino da consciência humana, tanto quanto os homens, pouco a pouco, se encaminham para as gloriosas esferas dos anjos.

O instrutor, entretanto, voltou-se para o leito em que mãe e filho jaziam, intimamente associados, e sentenciou:
— Preocupemo-nos, porém, com o serviço da hora presente.
Estudemos o caso sob nossa observação para que o nosso dever de solidariedade seja bem cumprido.

O apontamento reajustou-nos.

Hilário que, tanto quanto eu, se mostrava interessado em aproveitar a lição, fixando o quadro sob nossos olhos, pediu uma explicação tão simples quanto possível acerca da comunhão fisiopsíquica de Zulmira e Júlio naquele instante, ao que Clarêncio respondeu, após reflectir alguns momentos:
— Imaginemos um pêssego amadurecido, lançado à cova escura, a fim de renascer.

Decomposto em sua estrutura, restituirá aos reservatórios da Natureza todos os elementos da polpa e dos demais envoltórios que lhe revestem os princípios vitais, reduzindo-se no imo do solo ao embrião minúsculo que se transformará, no espaço e no tempo, em novo pessegueiro.

O ensinamento não podia ser mais lógico, mais preciso.

— Então, por isso — acrescentou Hilário, estudioso — é que as crianças desencarnadas reclamam período de tempo mais ou menos longo para demonstrarem crescimento mental, como ocorre na existência comum...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 01, 2012 8:31 pm

— Isso acontece com a maioria — informou o Ministro —, de vez que há excepções na regra.
Em muitas circunstâncias, semelhante imposição não existe.

Quando a mente já desenvolveu certas qualidades, aprimorando-se em mais altos degraus de sublimação espiritual, pode arrojar de si mesma os elementos indispensáveis à composição dos veículos de exteriorização de que necessite em planos que lhe sejam inferiores.

Nesses casos, o Espírito já domina plenamente as leis de aglutinação da matéria, no campo de luta que nos é conhecido e, por esse motivo, governa o fenómeno da própria reencarnação sem subordinar-se a ele.

Fitávamos o semblante calmo de Zulmira, que respirava serena, feliz.
— O problema de Júlio, no entanto — considerei —, afigura-se-nos bastante doloroso...
— Doloroso mas educativo, quanto o de milhares de criaturas, cada dia, na Terra — ponderou Clarêncio, imperturbável.

— Nosso companheiro vencido e enfermo, em razão de compromissos adquiridos na carne, na carne encontrará caminho ao próprio reajuste.

— E a questão da hereditariedade? — indagou meu companheiro, reverente.
Júlio, perdendo o corpo subtil em que chorava atormentado, ressurgirá na existência física sem a moléstia que o apoquentava, por herdar fatalmente os característicos biológicos dos pais?

O orientador sorriu, de maneira expressiva, e asseverou:
— A hereditariedade, qual é aceita nos conhecimentos científicos do mundo, tem os seus limites.

Filhos e pais, indubitavelmente, ainda mesmo quando se cataloguem distantes uns dos outros, sob o ponto de vista moral, guardam sempre afinidade magnética entre si;
desse modo, os progenitores fornecem determinados recursos ao Espírito reencarnante, mas esses recursos estão condicionados às necessidades da alma que lhes aproveita a cooperação, porque, no fundo, somos herdeiros de nós mesmos.

Assimilamos as energias de nossos pais terrestres, na medida de nossas qualidades boas ou más, para o destino enobrecido ou torturado a que fazemos jus, pelas nossas conquistas ou débitos que voltam à Terra connosco, emergindo de nossas anteriores experiências.

— Somos então levados a crer que Júlio transportará consigo a enfermidade que sofria em nosso plano, à maneira de alguém que, em se mudando de domicílio, não modifica o quadro orgânico... — observou Hilário, com sensatez.

— Isso mesmo — elucidou o Ministro, satisfeito —, o problema é de natureza espiritual.
Durante a gravidez de Zulmira, a mente de Júlio permanecerá associada à mente materna, influenciando, como é justo, à formação do embrião.

Todo o cosmo celular do novo organismo estará impregnado pelas forças do pensamento enfermiço de nosso irmão que regressa ao mundo.

Assim sendo, Júlio renascerá com as deficiências de que ainda é portador, embora favorecido pelo material genético que recolherá dos pais, nos limites da lei de herança, para a constituição do novo envoltório.

Depois de breve pausa, concluiu:
— Como vemos, na mente reside o comando. A consciência traça o destino, o corpo reflecte a alma.

Toda agregação de matéria obedece a impulsos do espírito.
Nossos pensamentos fabricam as formas de que nos utilizamos na vida.

Calou-se o instrutor.
Odila tomou a palavra comentando as suas esperanças para o futuro.

Conversámos de novo, animadamente.

E, logo após, uma prece do Ministro encerrava para nós a deliciosa reunião.
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30 - Luta por renascer

Um mês correra célere sobre os acontecimentos que vimos de narrar, quando Odila nos procurou, suplicando ajuda.

Vinha triste, atormentada.
Zulmira, incompreensivelmente para ela, havia contraído perigosa amigdalite.

Sofria muito.
Por seis dias consecutivos, informou nossa amiga inquieta, achava-se no trabalho de vigilância.

Esforçara-se, quanto lhe era possível, por liberá-la de semelhante aborrecimento físico, entretanto, via baldadas todas as providências.

Desolada, induzira Amaro a trazer um médico, no que foi obedecida, mas o facultativo não atinava com a causa íntima da enfermidade e, ignorando a verdadeira posição da cliente, poderia ameaçar-lhe a tarefa maternal com a aplicação de recursos impróprios.

Rogava-nos, por isso, socorro imediato.
Clarêncio não se delongou na assistência precisa.
Era noite, quando demandámos o ninho doméstico que já se nos fizera familiar.

Zulmira, no leito, demorava-se em aflitiva prostração.
Cabelos em desalinho, olheiras arroxeadas e faces rubras de febre, parecia aguardar a chegada de alguém que a auxiliasse na debelação da crise.

A supuração das amígdalas poluíra-lhe o hálito e lhe impunha dores lancinantes.
A pobre senhora apenas gemia, semi-sufocada, exausta...

O esposo e a filha desdobravam-se em carinho, procurando reanimá-la, mas Zulmira, que deixáramos, trinta dias antes, corada e bem disposta, revelava-se agora profundamente abatida.

Drogas variadas alinhavam-se em prateleira próxima.

Nosso instrutor examinou-as, cuidadosamente, e, percebendo-nos a admiração, disse comovido:
— Zulmira reclama nosso concurso diligente.
Precisamos garantir-lhe o êxito na missão esposada.

Carinhosamente, aplicou-lhe recursos magnéticos, detendo-se de modo particular na região do cérebro e na fenda glótica.
A doente acusou melhoras imediatas.
Reabilitou-se o movimento circulatório.

A febre decresceu, propiciando-lhe repouso, e o sono reparador surgiu por fim, favorecendo-lhe a recuperação.

Hilário indagou sobre a causa da moléstia insidiosa, que tão violenta se apresentara, ao que Clarêncio respondeu, seguro:
— A questão é subtil.

A mulher grávida, além da prestação de serviço orgânico à entidade que se reencarna, é igualmente constrangida a suportar-lhe o contacto espiritual, que sempre constitui um sacrifício quando se trata de alguém com escuros débitos de consciência.

A organização feminina, durante a gestação, sofre verdadeira enxertia mental.

Os pensamentos do ser que se acolhe ao santuário íntimo, envolvem-na totalmente, determinando significativas alterações em seu cosmo biológico.
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Se o filho é senhor de larga evolução e dono de elogiáveis qualidades morais, consegue auxiliar o campo materno, prodigalizando-lhe sublimadas emoções e convertendo a maternidade, habitualmente dolorosa, em estação de esperanças e alegrias intraduzíveis, mas no processo de Júlio observamos duas almas que se ajustam nas mesmas dívidas e na mesma posição evolutiva, influenciam-se, mutuamente.

O Ministro fez longa pausa, tornando aos passes, o benefício da enferma.
Odila acompanhava-o, atenciosa.

De todos nós, parecia ela a mais preocupada com as lições ouvidas.
Identificava-se-lhe o interesse de tudo aprender para tornar-se ali mais útil.

Findos alguns instantes, Clarêncio continuou:
— Se Zulmira actua, de maneira decisiva, na formação do novo veículo do menino, o menino actua vigorosamente nela, estabelecendo fenómenos perturbadores em sua constituição de mulher.

A permuta de impressões entre ambos é inevitável e os padecimentos que Júlio trazia na garganta foram impressos na mente maternal, que os reproduz no corpo em que se manifesta.

A corrente de troca entre mãe e filho não se circunscreve à alimentação de natureza material;
estende-se ao intercâmbio constante das sensações diversas.

Os pensamentos de Zulmira guardam imensa força sobre Júlio, tanto quanto os de Júlio revelam expressivo poder sobre a nova mãezinha.

As mentes de um e de outro como que se justapõem, mantendo-se em permanente comunhão, até que a Natureza complete o serviço que lhe cabe no tempo.

De semelhante associação, procedem os chamados «sinais de nascença».
Certos estados íntimos da mulher alcançam, de algum modo, o princípio fetal, marcando-o para a existência inteira.

É que o trabalho da maternidade assemelha-se a delicado processo de modelagem, requisitando, por isso, muita cautela e harmonia para que a tarefa seja perfeita.

Em seguida, o Ministro, com devoção paternal, levou a efeito diversas operações magnéticas de auxílio à cavidade pélvica, afirmando a necessidade de socorro ao útero, em vista do complicado e difícil desenvolvimento de Júlio reencarnante.

Meu colega, avançando mais longe, talvez tentando converter aquela hora de fraternidade tanto quanto possível em hora de estudo, recordou algumas de suas experiências médicas, acrescentando:
— É comum a verificação de exagerada sensibilidade na mulher que engravida.

A transformação do sistema nervoso, nessas circunstâncias, é indiscutível.
Muitas vezes, a gestante revela decréscimo de vivacidade mental e, não raro, enuncia propósitos da mais rematada extravagância.

Há mulheres que adquirem antipatias súbitas, outras se recolhem a fantasias tão inesperadas quanto injustificáveis.
Em muitas ocasiões na Terra, perguntei a mim mesmo se a gravidez, na maioria dos casos, não acarreta temporária loucura...

O orientador sorriu e obtemperou:
— A explicação é muito clara.
A gestante é uma criatura hipnotizada a longo prazo.

Tem o campo psíquico invadido pelas impressões e vibrações do Espírito que lhe ocupa as possibilidades para o serviço de reincorporação no mundo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 01, 2012 8:31 pm

Quando o futuro filho não se encontra suficientemente equilibrado diante da Lei, e isso acontece quase sempre, a mente maternal é susceptível de registar os mais estranhos desequilíbrios, porque, à maneira de um médium, estará transmitindo opiniões e sensações da entidade que a empolga.

— Afligia-me observar — lembrou Hilário, com interesse — a inopinada aversão de muitas gestantes contra os próprios maridos...
— Sim, isso ocorre sempre que um inimigo do pretérito volta à carne, a fim de resgatar débitos contraídos para com aquele que lhe servirá de pai.

— Temos, contudo, os casos — ponderei, curioso — em que na ribalta do mundo vemos filhas que foram evidentemente fortes desafectos das mães em passado remoto ou próximo, tal a animosidade que lhes caracteriza as relações.

Reparamos que, em tais ocorrências, as filhas são muito mais afins com os pais, vivendo psiquicamente em harmoniosa associação com eles e distanciadas espiritualmente das mãezinhas que, por vezes, tudo fazem debalde para quebrar as barreiras de separação.

Em ligações dessa natureza, surgirão obstáculos à reencarnação?

Clarêncio fitou-me de maneira significativa e respondeu:
— De modo algum.

A esposa, por devotamento ao companheiro, cede facilmente à necessidade da alma que volta ao reduto doméstico para fins regeneradores e, em se tratando de alguém com intensa afinidade junto ao chefe do lar, vê-se o marido docemente impulsionado a oferecer maior coeficiente afectivo à companheira, de vez que se sente envolvido por forças duplas de atracção.

Sob dobrada carga de simpatia, dá muito mais de si mesmo em atenção e carinho, facilitando a tarefa maternal da mulher.

A elucidação clara e lógica satisfez-nos plenamente.
Palestrámos ainda por alguns minutos, nos quais o nosso orientador ministrou variadas instruções a Odila, habilitando-a para socorros de emergência.

Regressámos, edificados, ao nosso círculo de trabalho comum, no entanto, depois de alguns dias, a primeira esposa do ferroviário tornou até nós, solicitando nova intervenção.

Zulmira, informou aflita, atravessava estarrecedora crise orgânica.
Vómitos incoercíveis perturbavam-na, cruelmente.
Não tolerava a mais leve alimentação.

O sistema digestivo apresentava alterações profundas.
O médico agia baldadamente, visto que o estômago da enferma zombava de todos os recursos.
Não nos delongamos para a execução do trabalho assistencial.

Revelava-se a gestante, efectivamente, em condições ameaçadoras.
As náuseas repetidas provocavam a gradativa incursão da anemia.
Clarêncio, porém, submeteu-a a passes magnéticos de longo curso, prometendo que a medida se faria seguir das melhoras necessárias.

Deveres diversos convocavam-nos a presença, em outros sectores.
Ainda assim, depois das despedidas, Hilário perguntou pelo motivo de semelhante fenómeno, que, declarou ele, em toda a sua experiência médica na Terra não conseguira explicar.

— Estamos certos de que a ciência do porvir ajudará a mulher na defesa contra essa espécie de aborrecimento orgânico — asseverou o Ministro, com segurança —, encontrando definições de ordem fisiológica para tais conflitos, mas, no fundo, o desequilíbrio é de essência espiritual.
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