LUZ ESPÍRITA
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Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU

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Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 27, 2012 9:27 pm

16 - Novas experiências

Noite fechada e alta, tornámos ao domicílio do enfermeiro, seguidos de Clarêncio, que funcionava, como sempre, junto de nós, por mentor diligente e amigo.

Mário Silva, estirado nos lençóis, debalde procurava dormir.
O sonho da véspera castigava-lhe o pensamento.

Ruminando as impressões da manhã, reflectia de si para consigo:
— «seria realmente Amaro, o rival, quem lhe surgira na forma de um criminoso?

E aquela mulher chorosa e acabrunhada seria, porventura, Zulmira, a companheira de infância, que ainda lhe feria as recordações?
Onde o motivo de semelhante reencontro?

Teimava em afastar para longe as reminiscências da mocidade...
Por isso mesmo, não acreditava estivesse nele próprio a causa do estranho pesadelo...

Permanecia convicto de que alguém o chamara, nitidamente, pronunciando palavras que o constrangiam a atender...

Estaria Zulmira em apuros?
E esta, acaso se recordaria dele?
E se as suas conjecturas expressassem a verdade, teria o direito de reaproximar-se?

Não imaginava isso possível...
A chaga do brio retalhado ainda lhe sangrava no coração.
Não seria justo acudi-la, nem mesmo a pretexto de socorrer.

Conhecia-lhe o esposo de relance, mas o suficiente para detestá-lo, com todas as reservas de ódio de que se sentia capaz.

Ainda mesmo que a mulher, outrora querida, lhe suplicasse assistência, cabia-lhe ser surdo aos seus rogos... »

Hipóteses inquietantes e perguntas sem resposta lhe assediavam o cérebro toldado de apreensão e rancor.

A antiga aversão pelo rival preponderava, dominando-o.
Porque não voltar ao sonho da noite anterior, de modo a tentar uma solução?

A figura de Amaro crescia-lhe no campo mental.

«Se as almas podiam efectivamente reencontrar-se, fora do corpo — prosseguia divagando —, decerto conseguiria rever o adversário e revidar...
Se fora invocado em sonho, era lícito invocar quem quisesse...

Chamaria o renegado esposo de Zulmira a explicar-se.
Concentraria nele o poder do pensamento.
Buscá-lo-ia onde estivesse.»

O Ministro contemplava-o, compadecido.

Valendo-se dos minutos para ensinar-nos algo proveitoso, observou:
— A paixão cega sempre.
Nossa vida mental é a nossa vida verdadeira e, por isso, quando a paixão nos ocupa a fortaleza íntima, nada vemos e nada registarmos senão a própria perturbação.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 28, 2012 9:12 pm

Em seguida, aplicou passes balsamizantes sobre o rapaz, que se virava, desajustado, no leito - Mário, qual se houvera sorvido brando anestésico, relaxou os nervos e descansou o comboio físico, mas, ressurgindo em nosso plano, começou a extravasar os sentimentos que lhe senhoreavam o espírito.

Não nos assinalava a presença, continuando, porém, sob a nossa observação, em seus mínimos movimentos.

Espantadiço e tacteante, vagueou pelos ângulos do quarto no veículo perispirítico, extremamente condensado.

Todavia, pouco a pouco, esgazearam-se-lhe os olhos, dando-nos a ideia de quem se detinha em aflitivos quadros íntimos.

Anotando-nos o assombro silencioso, o instrutor socorreu-nos, explicando:
— Qual acontece ao nosso amigo Leonardo, o novo companheiro padece angustioso complexo de fixação.

Embora tenha o seu caso particular, algo suavizado pelas lutas da carne, que, por vezes, constituem abençoado entretenimento, não consegue diluir a obcecante recordação do inimigo.

A mágoa é-lhe inquietante ferida mental.
Enquanto se distrai nas tarefas comuns, alheia-se, de alguma sorte, ao tormento oculto que transporta consigo, mas, em se vendo espiritualmente a sós, dá curso ao ódio coagulado, desde muito, no coração. Observemo-lo!

Mário desceu para a rua, à maneira de louco, e, inalando o ar refrescante da noite, forneceu a impressão de quem se revigorava, de súbito, passando a gritar, com voz estridente:
- Amaro, ladrão! Amaro, usurpador! aparece!

Se tens dignidade, afronta-me a vingança!...
Não tremerei!... Onde ocultaste a mulher que eu amo?
Responde, responde!...

Silva caminhava semi-ébrio, sem direcção, contudo, arremessava as palavras no ar, com veemência e segurança.

Havíamos dobrado esquinas diversas e eis que, quando menos esperávamos, surge alguém ao encontro dele, em plena via pública.

Copiando o impulso do ferro atraído pelo ímã, o esposo de Zulmira, em seu corpo subtil, correspondia ao chamado estranho do inimigo, desligado parcialmente da carne.

Defrontaram-se, a princípio, altivamente, entretanto, logo após, com as maneiras do homem mais educado, Amaro esboçou delicado recuo, revelando-se preocupado em evitar conflitos e aborrecimentos.

O enfermeiro, porém, de ânimo revel, bradou, desconcertante:
— Não te acovardes, bandido!
Não fujas!... Temos contas a ajustar!...

O ferroviário, contudo, afastava-se, rápido.
O adversário, no entanto, sem arrefecer no ímpeto, seguia-o, inflexível, longe de renunciar ao escuro propósito de agressão.

Acompanhávamos ambos, quarteirão a quarteirão, até que esbarrámos à entrada do abrigo doméstico que já conhecíamos, onde Amaro dispôs-se ao ajuste pacífico.

Demonstrando-se interessado em defender a tranquilidade familiar, o dono da casa estacou à porta, aguardando o provocador.

— Então — bradou Silva, exasperado —, é aqui o ninho das serpentes?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 28, 2012 9:12 pm

Levantando os punhos contra o rival humilde, prosseguiu, rixento:
— Pagar-me-ás muito caro a intromissão!
Infame enganador, onde puseste a mulher que era minha felicidade e minha vida?

Quebraste-me os sonhos, aniquilaste-me os ideais!...
Homem terrível, que fizeste de mim?
Sou apenas máquina de trabalho, sem fé e sem esperança!...

— Eu não sabia, não sabia!... — alegou Amaro, desapontado — nunca tive a intenção de ofender-te!

— Maldito! como sabes dissimular!
Onde está Zulmira?
Devo exterminar-te para restituir-me a independência?

E afrontado pela serenidade do outro, o enfermeiro acentuou:
— Não me reconheces, acaso?

— Sim, reconheço-te — falou o interlocutor num suspiro —, és Mário Silva, pessoa a quem devoto consideração e respeito.

— Consideração e respeito?
Que deslavado fingimento!
Onde a prova de apreço, se me arrancaste a noiva, engodando-a com mentirosas promessas?

— Somente soube de tua velha afeição por ela quando meus compromissos no matrimónio não admitiam qualquer recuo.

Se alguém, todavia, me houvesse comunicado lealmente quanto se desenrolava, em torno de minha preferência, teria renunciado em teu favor.
Desejaria realmente servir-te, entretanto, agora...

— Hipócrita! — tornou Mário, enfurecido — não creio em tua palavra de lobo disfarçado.
Roubaste-me a única felicidade que eu esperava do mundo!
A única felicidade que era minha!...

Amaro fixou triste sorriso e obtemperou:
— E acreditas que eu seja feliz?
Admites no casamento apenas a exaltação dos sentidos inferiores?

Crês que o homem consorciado deva encontrar na mulher simplesmente uma escrava?
Anuo em Zulmira a companheira e a irmã que me cabe proteger.

Nem ela e nem eu encontrámos na experiência conjugal a ventura das afeições cor-de-rosa, em que o desejo contentado é como a flor que morre num dia...

Temos padecido muito, Mário.
Não ignoras que me casei em segundas núpcias.
Zulmira, por isso mesmo, não terá recolhido em mim a perfeita alegria que lhe seria lícito esperar.

Nossa aproximação começou por uma série de desajustes, que culminaram com a morte do meu caçula, num terrível desastre...

Desde então, nossa casa é um espinheiro de sofrimento...
Minha esposa adoeceu gravemente e eu mesmo, até agora, continuo agoniado e desfalecente...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 28, 2012 9:12 pm

Saberias, porventura, o que seja a desdita de um pai que chora sem lágrimas, mortalmente ferido?

Se dívidas possuo para com a Divina Providência, podes acreditar que não tenho amargado pouco, a fim de ressarci-las...

A morte para mim não passaria de bênção libertadora.
Como podes observar, não me vejo em condições de aceitar-te o desafio!
Estou dilacerado e, mais que dilacerado, vencido...

Com enternecedora inflexão de súplica, acentuou:
— Se ainda consagras amor à criatura que desposei, ajuda-nos com a tua compreensão!...
Se te fiz algum mal, inconscientemente, perdoa-me!
Perdoa-me pelas angústias da minha existência de condenado a horríveis provas morais!...

Mário Silva, com espanto nosso, retribuiu com escandalosa gargalhada.
— Desculpar? Nunca! — exclamou jactancioso.

Pelo tom da conversa, concluo que a justiça começou a expressar-se, devidamente, mas abreviá-la-ei com as minhas próprias mãos...
Meu desforço é certo, meu ódio é inexorável!...

Amaro não mais respondeu.
Vimo-lo curvar a cabeça em oração fervorosa.
Suaves irradiações de esmeraldina luz escapavam-lhe da fronte.

As palavras inarticuladas de que se servia, para implorar socorro, alcançavam-nos o espírito, qual se fossem ondas caloríferas e harmoniosas de humildade e confiança.

Silva, incapaz de sensibilizar-se, ante a rendição comovente, prosseguia gritando:
— Porque silencias, covarde?
Fala, fala! Explica-te!...

Reage! Dominaste Zulmira, mas não me dobrarás um milímetro!...
Criminosos de tua laia não merecem compaixão!...

Nessa altura do diálogo, Clarêncio convocou-nos, paternal:
— Respondamos à prece de Amaro, com o auxílio fraterno.

Arrastados pela simpatia e pela emoção, acompanhámos o nosso orientador, sem hesitar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 28, 2012 9:13 pm

17 - Recuando no tempo

Depois do nosso esforço de auto condensação, para o necessário ajuste vibratório, Clarêncio abeirou-se dos dois amigos, com o amoroso poder que lhe era característico e, em nos reconhecendo, Mário associou-nos a presença ao pesadelo da véspera e passou a clamar:
— Meu caso não é com a polícia!... não precisamos de qualquer delegado aqui!...

— Acalma-te, amigo! — respondeu o Ministro, atencioso.
Não somos quem julgas. Estamos aqui para que te lembres...
É indispensável te recordes.

E, situando a destra na fronte do enfermeiro, reparámos que Mário Silva aquietava-se, de repente.
O semblante dele acusou estranha metamorfose.
Afigurou-se-nos mais elegante, mais jovem.

Abriu desmesuradamente os olhos, depois de alguns momentos, e exclamou, semi-aterrado:
— Ah! agora!... agora me lembro!...
Meu agressor de ontem é Leonardo Pires...

Como poderia esquecê-lo assim tão infantilmente?
como não rememorar? Disputávamos a mesma mulher...
Achávamo-nos em Luque, quando conheci a cantora e bailarina admirável...

Lola Ibarruri!
Quem senão ela poderia oferecer-me o bálsamo do esquecimento?
Realmente fiz tudo para separá-los...

Ele não era o tipo de homem capaz de fazê-la feliz!
Lola trazia consigo a beleza, a juventude e a arte reunidas e eu carregava no peito o esquife dos sonhos mortos...
Deu-me o repouso de que minhalma necessitava... restaurou-me.

Mas... que domingo terrível aquele da praça embandeirada, em Piraju!...
Deslocavam-se as forças para a caça ao inimigo...

Imaginava, porém, a melhor maneira de reencontrar a mulher querida e, naquela manhã de terrível memória, consegui a simpatia de Frei Fidélis, antes da missa...

O caridoso capuchinho auxiliar-me-ia, advogando-me a causa...
Lola não deveria movimentar-se, entretanto, poderia, por minha vez, tornar à retaguarda!...

Os maiorais eram meus amigos!...
Obteria, por isso, o favor do Príncipe!...
Arquitectava meus planos, quando encontrei Leonardo...

Não supunha conhecesse ele a deserção da companheira e procurei agradá-lo, aceitando-lhe a companhia...
O suculento repasto exigia algum trago de vinho e Pires não hesitou, ministrando-me o veneno que trazia às ocultas!... Ah! bandido! bandido!...

Mário levou as mãos à garganta, como se registasse enorme sofrimento e caiu, desamparado, gemendo de dor.
O Ministro, paciente, aplicou-lhe recursos magnéticos balsamizantes e o rapaz levantou-se, aturdido.

Amaro, que se mostrava igualmente transtornado, acompanhava a cena com manifesta aflição.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 28, 2012 9:13 pm

Clarêncio ajudou o enfermeiro a firmar-se de novo sobre os pés e perguntou, concitando-o a relembrar:
— Porque razão te afeiçoaste à cantora, com tamanho desvario?

Porque não atendeste aos avisos da consciência, que, decerto, te rogava não despertasses o ódio naquele que te aniquilaria o corpo físico?

Apresentando a expressão de um louco, Mário desferiu desconcertante gargalhada e bradou:
— Porque amei Lola Ibarruri?
Porque não tive escrúpulos em arrebatá-la ao companheiro que a retinha nos braços?

Nosso instrutor afagava-lhe a cabeça com o evidente intuito de reavivar-lhe a memória.
— Ah! sim!... — prosseguiu Mário Silva, alarmado — ausentei-me de Assunção com o espírito irremediavelmente desiludido...

De olhar vagueante, como se surpreendesse o passado ao longe, nos recôncavos da noite, continuou:
— Nos arredores da formosa capital paraguaia, construíra minha casa e era feliz!...

Lina era o tesouro de meu coração...
Minha amiga e minha esposa, minha esperança e minha razão de ser...

Descendente de uma das famílias de Mato Grosso aprisionadas pelo inimigo, na invasão de dezembro de 1864, encontrei-a sem parentes, asilada por respeitável família, que a adoptara por filha estremecida!...

Ah! quando lhe fitava os olhos claros e doces, sentia-me transportado a céus imensos...
Era tudo o que a mocidade ideara de mais lindo para o meu coração...

Nela encontrava a divina novidade de cada dia e, apesar das vicissitudes da guerra, mergulhávamo-nos ambos na rósea corrente dos mais belos sonhos...

O próprio Marquês de Caxias conheceu-a e animou-nos a união...
Foi assim que, em janeiro de 1869, quando a trégua nos atingira, um sacerdote consagrou-nos o casamento...

O Conselheiro Paranhos prometeu ajudar-nos, tão logo regressássemos ao Brasil, para que o nosso consórcio fosse devidamente festejado...

Vivíamos tranquilos, como duas aves entrelaçadas no mesmo ninho, quando tive a desgraça de levar ao nosso templo doméstico dois companheiros de trabalho e de ideal...

Armando e Júlio... Sim, seriam eles amigos ou abutres?
Sei apenas que Lina e eles se fizeram íntimos em pouco tempo...

Com a desculpa de aliviarem os sofrimentos da campanha, os dois passaram a gastar, em nosso pequeno santuário de ventura, todo o tempo que lhes era disponível.

Descansava minhalma na confiança sincera, até que um dia...
O semblante do narrador alterou-se, de súbito.
Esgares de amargura modificaram-lhe a feição.

Imprimindo à voz lúgubre acento, continuou, atormentado:
— Até que, um dia, encontrei Lina e Júlio abraçados um ao outro, como se o tálamo conjugal lhes pertencesse.

Cravou em nós o olhar agora coruscante e terrível e acrescentou:
— Compreenderão, acaso, a dor do homem que se vê irremissivelmente atraiçoado pela mulher em que se apoia para viver?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 28, 2012 9:13 pm

Entenderão o incêndio que lavra no espírito flagelado de quem, num minuto, vê destruídas as esperanças da vida inteira?...

Tudo é treva para quem carrega consigo mesmo o carvão dos enganos mortos!

Não quis acreditar no que via e interpelei a mulher amada...
Lina, porém, atirou-me em rosto o mais frio desprezo...

Afirmou, rudemente, que não podia amar-me, senão como irmã que se compadece de um companheiro necessitado, que me desposara simplesmente para fugir às humilhações que experimentava numa terra estrangeira e que eu, efectivamente, deveria desaparecer...

Envergonhado, invoquei a protecção de superiores amigos e fugi de Assunção...

Eu era, contudo, um homem diferente...
A segurança de carácter que cultivava, brioso, fora abalada nos alicerces...

Viciei-me... Confiei-me ao álcool e ao jogo...
Do militar responsável, desci à condição de aventureiro infeliz...

Foi assim que encontrei Lola e Leonardo e não hesitei em exterminar-lhes a felicidade...
É muito difícil albergar respeito aos outros, quando fomos pelos outros desrespeitado.

Valendo-se da pausa que se evidenciava, espontânea, Clarêncio indagou:
— E nunca recebeste notícias da esposa?

Mário Silva, reconduzido à personalidade de Esteves pela influência magnética, exibiu sarcástico sorriso e informou:
— Lina, que passei a odiar, era demasiado cruel.

Achava-me não longe de Assunção, depois de três meses sobre a mágoa terrível que me fora assacada, quando vim a saber que Júlio fora igualmente escarnecido por ela.

Certo dia, de volta ao lar, encontrou-a nos braços de Armando, o outro amigo que parecia consagrar-nos estima fraternal.

Menos forte que eu mesmo, Júlio esqueceu-se do revés com que me dilacerara, semanas antes, e, cego de absorvente afeição, ingeriu grande dose de corrosivo...

Socorrido a tempo, na caserna, conseguiu sobreviver, mas, incapaz de suportar os males corpóreos decorrentes da intoxicação, depois de alguns dias embebedou-se deliberadamente e arrojou-se às águas do Paraguai, aniquilando-se, enfim...

Depois disso, nada mais soube.
A morte aguardava-me em Piraju...
O destino marcara-me, impiedoso...

Mário fixou desagradável carantonha e acentuou:
— Sou um poço de fel. Não posso modificar-me...
Haverá paz sem justiça e haverá justiça sem vingança?

Nosso orientador ergueu a voz calmante e considerou, generoso:
— É necessário esquecer o mal, meu amigo.
Sem aquela atitude de perdão, recomendada pelo Cristo, seremos viajores perdidos no cipoal das trevas de nós mesmos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 28, 2012 9:14 pm

Sem amor no coração, não teremos olhos para a luz.
Silva dispunha-se a responder, entretanto, Amaro fizera ligeiro movimento e mostrou-se-nos singularmente renovado.

Seu veículo espiritual parecia haver regredido no tempo.
Revelava-se mais leve e mais ágil e sua face impressionava pelos traços juvenis.

Buscou aproximar-se do enfermeiro num gesto natural de cordialidade, todavia, em lhe observando o rosto metamorfoseado, o antagonista bradou entre o ódio e a angústia:
— Armando! Armando! ... Pois és tu?
O Amaro que hoje detesto é o mesmo Armando de ontem?
Onde me encontro? Enlouqueci, porventura?...

Instruindo-nos, cuidadoso, Clarêncio falou, rápido:
— Não precisei despender grande esforço para que a memória de Amaro tornasse ao pretérito.

O sofrimento reparador conferiu-lhe à mente e à sensibilidade recursos novos.
Bastou-me tocá-lo de leve, para que aproveitasse a digressão do antigo companheiro, recuperando as recordações da época em estudo...

O esposo de Zulmira procurava estender braços amigos ao adversário que o contemplava, galvanizado de assombro, contudo, recuando, de repente, como animal ferido, Mário gritou em desespero:
— Não, não! Não te acerques de mim!
Não me provoques, não me provoques!...

O Ministro, no entanto, situando-se entre os dois, pediu, comovidamente:
— Tenhamos calma! Respeitemo-nos uns aos outros!

E, dirigindo-se particularmente ao enfermeiro, determinou, sem afectação:
— Agora, é o momento de nosso amigo.
Comentaste o pretérito à vontade.

É indispensável que Amaro fale por sua vez.
A justiça, em qualquer solução, deve apreciar todas as partes interessadas.

Contido pela força moral da advertência, Mário calou-se e, voltados então para o ferroviário, que se fizera mais simpático pela serenidade de que se investira, continuamos à escuta.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 28, 2012 9:14 pm

18 - Confissão

Amaro, cujo semblante exibia os sinais de renovação a que nos reportámos, começou a dizer, comovido:
— Sim, recordo-me perfeitamente...

A madrugada do Ano Bom de 1869 ficou marcada para sempre em nossa memória...
Abordaríamos Assunção, procedendo de Santo António, em angustiosa expectativa...

A curiosidade abafava a exaustão...
Lembro-me de que, antecedendo-se ao desembarque, Esteves procurou-nos, solicitando-nos o concurso fraterno para a solução de um problema que reputava importante para o futuro que o aguardava...

Éramos três amigos inseparáveis na caserna e achávamo-nos os três juntos... Ele, Júlio e eu...

Na incerteza das ocorrências que nos esperavam, pedia-nos, na hipótese de perecer em combate, notificar sua morte à jovem Lina Flores, que conhecera, dias antes, em Villeta...

Referiu-se, entusiástico, ao amor que os ligava e aos projectos que formavam, considerando o porvir...

Preocupados com a aflição do companheiro, reconfortámo-lo com palavras de compreensão e esperança, colocando-nos em guarda...

A capital paraguaia, porém, revelava-se fatigada e desprevenida...
Jamais olvidarei a gritaria dos nossos, triunfantes, em se vendo seguros sobre a presa, criando aflitivos problemas para as autoridades...

Revejo ainda a fisionomia risonha de Esteves, quando se reconheceu são e salvo...
Em breve, comunicava-nos o consórcio.

Ninguém realmente podia casar-se em campanha, mas o enlace efectuou-se às ocultas, sob a bênção de um sacerdote e com a tolerância dos dirigentes da ocupação, atendendo-se à circunstância de que a noiva era uma pobre menina brasileira, desde muito aprisionada...

Amaro fez pequena pausa, recobrando energias e continuou:
— Recordo-me de que Júlio e eu fomos em visita ao lar de Esteves, pela primeira vez, em fevereiro do mesmo ano, contudo, colocados à frente de Lina, ambos nos sentimos incompreensivelmente ligados àquela jovem bela e simples, cuja presença exerceu, de imediato, sobre nós, intraduzível atracção...

Guardei comigo a surpresa que me possuía, mas Júlio, impulsivo e irrequieto, veio a mim extravasando o coração...

A esposa de Esteves dominara-lhe a mente, de súbito...
Se pudesse haver chegado, antes do companheiro — acentuava enamorado —, não lhe cederia o lugar...

Sustentava a impressão de que Lina já lhe havia surgido em sonhos...
E, desse modo, várias vezes repetiu confidências que me tocavam as fibras mais íntimas.

Anotando-lhe o estado d’alma e reconhecendo o direito de Esteves sobre a mulher que desposara, tentei retrair-me...

Calquei o sentimento e procurei o olvido necessário...
A paixão de Júlio era demasiado forte para resignar-se.

Insinuou-se junto à recém-casada, cobriu-a de gentilezas e, provavelmente, quem sabe?

nas vicissitudes da guerra e quase criança para guardar-se, como era preciso, nas responsabilidades do casamento, Lina envolveu-se nas atenções do rapaz, fazendo-lhe concessões...

Recordo-me do dia em que Esteves me procurou, desolado, comentando o golpe que recebera...

Chorou debruçado nos meus ombros.
Desejava desaparecer, aniquilar-se...
Fiz-lhe observar, porém, a inoportunidade de qualquer violência...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 28, 2012 9:14 pm

Enfermeiro bem conceituado e protegido do Conselheiro Silva Paranhos, nosso embaixador em missão extraordinária, junto às Repúblicas do Prata, não lhe seria difícil a retirada de Assunção...

Assim aconteceu.
Esteves afastou-se, primeiramente rio abaixo, na direcção de Villeta, de onde havia trazido a esposa e onde se achavam, retardados, alguns camaradas enfermos, aos quais prestaria assistência...

Nada mais soube dele, a não ser que havia morrido misteriosamente em Piraju...

Evidenciando enorme padecimento moral, diante daquelas evocações, Silva estremeceu e, aproveitando o intervalo que se fizera, bradou, agoniado:
— E a tua participação no infortúnio de minha casa?

Quem me convencerá de que também não te achavas de parceria com Júlio, na destruição de minha felicidade? Infames!..

Clarêncio, afectuoso, acomodou o enfermeiro irritado, recomendando-lhe esperar a narração, até o fim.

Amaro não perdera a calma.
Assinalou a abjuratória do adversário, fixando triste sorriso, e continuou:
— Sim, minha confissão deve ser exacta e completa...

Entendendo que Lina e Júlio se haviam ajustado para a vida comum, tentei distanciar-me...
Temia por mim mesmo.
Lina, no entanto, como que me registava a inclinação imanifesta...

Deitava-me olhares que me acordavam, simultâneamente, para a alegria e para a dor.
Queria aproximar-me e fugir dela, ao mesmo tempo...

A princípio, tentei evitá-la; contudo, o afastamento do Marquês de Caxias deixava as tropas com larga provisão de tempo para diversões...

Instado talvez pela companheira, Júlio constrangia-me a frequentar-lhe a casa.
O jogo alegre e o chá saboroso reuniam-nos os três, noite a noite...

Amedrontado, ante o sentimento que a moça despertava em meu coração, não somente porque não devia perturbar-lhe a harmonia doméstica, mas também porque possuía uma noiva no Brasil, busquei isolar-me, de novo...

Reparando, todavia, o assédio de Lina, resolvi asilar-me no trabalho mais intenso e consegui a designação para servir na vigilância nocturna do Palacete Resquin, onde a ocupação concentrava todos os assuntos e documentos de interesse do nosso País...

Ela, entretanto, não desistiu do propósito de que se animava.
Certa noite, procurou-me, disfarçada em mulher do povo...

A sós comigo, confessou-se...
Declarava-se atormentada, aflita...

Sentira-se amada por Esteves e via-se ardentemente querida por Júlio, mas não pudera interessar-se pela felicidade junto deles, odiando-os por fim...

Amaro confiou-se a longa pausa e continuou:
— Quem poderá explicar os enigmas do coração humano?
Quem possuirá bastante visão para surpreender os caminhos da alma?

Incapaz de dominar-me, cometi a falta de assumir um compromisso espiritual que não me competia...

Lina agarrou-se ao meu afecto com o vigor da hera numa construção sem defesa...
E foi assim que, em certa manhã de maio, meu companheiro encontrou-nos juntos...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 28, 2012 9:15 pm

Desesperado, Júlio ingeriu grande quantidade de corrosivo, mas, amparado suficientemente, foi salvo...

Debalde, porém, submeteu-se ao tratamento na caserna.
Adquiriu estranhos padecimentos da garganta e do esófago e, não sabendo como suportar as provações físicas e morais, arrastou-se, um dia, até às águas do Paraguai, supondo encontrar na morte a paz que procurava...

Experimentando pesados remorsos, por minha vez perdi a afeição que me algemava à mulher que nos atraíra e infelicitara e fugi dela, fugi incorporando-me às tropas que combateriam os derradeiros remanescentes de Solano López, na Cordilheira...

Prometi-lhe a volta, todavia, terminada a luta, tornei à pátria por outros caminhos, decidido a jamais reencontrá-la...

Amaro, mais comovido, passou a destra pelo rosto e prosseguiu, depois de breve pausa:
— Dez anos correram, apressados...
Novamente no Rio, casei-me e fui feliz...

Numa noite de chuva forte, minha esposa e eu tornávamos do teatro, quando os cavalos em disparada colheram pobre mulher embriagada na via pública...

O cocheiro sofreou os animais e desci a socorrê-la...
E enquanto minha companheira continuava o trajecto para a casa, procurei internar a mísera criatura para a assistência imediata...

Guardas e populares auxiliaram-me a empresa, mas com inesquecível assombro, quando a mulher foi recolhida ao leito, de ventre rasgado a esvair-se em sangue, nela identifiquei Lina Flores...

Por dois dias lutou contra a morte...

A infeliz reconheceu-me, relacionou as desditas que atravessara, desde que se viu sozinha no Paraguai, esclareceu que viera ao Rio à minha procura e emocionou-me com a narração do drama angustioso em que vivia, tentando a recuperação da felicidade que perdera para sempre...

Morreu revoltada e sofredora, amaldiçoando o mundo e as criaturas...
Amaro interrompeu-se, titubeante.
Mário Silva, estupefacto, fixava-o, entre o desespero e o pavor.

Notava-se que o ferroviário esforçava-se, em vão, para reaver novas faixas da memória.
Nosso instrutor, contudo, afagou-lhe a fronte, envolvendo-o em renovadas forças magnéticas, e perguntou:
— Onde voltaste a vê-la?

O interpelado esboçou o sorriso de quem recolhera a resposta em si mesmo e informou:
— Ah! sim... reencontrei-a na vida espiritual.
Achava-se unida a Júlio em aflitivas condições de sofrimento depurador...

Compreendi a extensão de meu débito e prometi ressarci-lo...
Ampará-los-ia... Auxiliaria os dois na senda terrestre...
Lutaríamos, lado a lado, para conquistar a coroa de redenção...

Sim, sim, o destino!...
É preciso solver os compromissos do passado, conquistando o futuro!...

Calou-se o esposo de Zulmira, visivelmente fatigado, mas o enfermeiro, não obstante contido pela força paternal de Clarêncio, começou a chamar por Júlio emitindo brados terríveis.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 29, 2012 8:30 pm

19 - Dor e surpresa

— Júlio! Júlio! comparece, covarde! ... — bramia o enfermeiro, possesso.

E percebendo talvez a simpatia que Amaro nos conquistara, à face da serenidade com que suportava a situação, prosseguiu, invocando, revel:
— Comparece para desmascarar o patife que procura comover-nos! Júlio, odeio-te!
Mas é necessário apareças!
Acusa teu desalmado assassino!...

O Ministro procurava contê-lo, bondoso, mas Silva, como potro indomesticado, gesticulava a esmo e continuava, conclamando:
— Júlio!... Júlio!...

Sim, Júlio não respondeu à chamada, entretanto, alguém surgiu, surpreendendo-nos a atenção.
A irmã Blandina, em pessoa, qual se fora nominalmente intimada, estacou junto de nós.

Envolvidos na doce luz que nos banhou, de improviso, aquietámo-nos, perplexos, à excepção de Clarêncio que se mantinha calmo, como se aguardasse semelhante visita.

Depois de saudar-nos, Blandina rogou, humilde:
— Irmãos, por amor a Jesus, atendei!...
Temos Júlio, sob a nossa guarda.
Acha-se doente, aflito...

Vossos apelos individuais alteram-lhe o modo de ser...
Poderia colocar-se mentalmente ao vosso encontro, contudo, atravessa agora difíceis provas de reajuste...

Venho implorar-vos caridade!...
Compadecei-vos de quem hoje se esforça por olvidar o que foi ontem para regenerar-se amanhã, com eficiência!.

Havia tanta aflição e tanta ternura naquela rogativa que a vibração do ambiente modificou-se, de súbito.

Comecei a entender com mais clareza a trama obscura do romance vivo que abordávamos.

Júlio, o menino doente, era o companheiro que voltava na condição de filho do amigo com quem outrora se desaviera...

Não pude, porém, alongar divagações, porque Silva, provavelmente revoltado contra a emoção que nos senhoreava o espírito, passou a reclamar, de novo:
— Anjo ou mulher, não lutarei contra o sortilégio! Não lutarei!

Mas preciso arrojar este bandido ao despenhadeiro que merece por suas deslavadas mentiras!...
Que Júlio permaneça no céu ou no inferno, sob a custódia dos arcanjos ou dos demónios, todavia, exijo que a verdade surja, inteira!...

Recorro ao testemunho de Lina!
Que Lina compareça! Que ela deponha!
Se nos achamos aqui, convocados pelo destino que nos algema uns aos outros, que a pérfida mulher seja ouvida igualmente...

Nosso instrutor, assumindo a chefia espiritual do grupo, convidou com energia e brandura:
— Lina encontra-se não longe de nós. Entremos.

A determinação foi obedecida.
Na penumbra do quarto que já conhecíamos, a segunda esposa de Amaro jazia subjugada pela outra.

Enquanto Odila se nos afigurava mais rancorosa e mais dura, Zulmira revelava-se mais abatida.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 29, 2012 8:30 pm

Clarêncio enlaçou Mário, como um pai que recolhe um filho, carinhosamente, e, apontando a enferma, esclareceu, generoso:
Amigo, acalma-te!
Lina Flores, actualmente, padece na forja da luta e do sacrifício, a fim de recuperar-se.

Apaga a labareda de ódio que te requeima o coração! Deixa que nova compreensão te beneficie a alma ulcerada!...
Não nos cabe prejudicar o caminho de quem procura a regeneração que lhe é necessária!.

Ante o olhar de Mário, espantadiço e agoniado, o Ministro considerou:
— Lina, hoje, com imensas dificuldades, tenta alcançar a altura do casamento digno e, superando tremendos obstáculos, constrói os alicerces da missão de maternidade para a qual se encaminha...

Ajudemo-la com as nossas vibrações de compreensão e carinho.
Quando amamos realmente, antes de tudo é a felicidade da criatura amada que nos interessa...

Nosso grupo avançou algo mais.
Junto de nós, Blandina mantinha-se em prece.

O orientador abeirou-se da doente, com atenção respeitosa, e mostrou-lhe o rosto ossudo e triste ao enfermeiro que, ao reconhecê-la, bradou, aterrado:
— Zulmira! Zulmira, então, é Lina que volta?

O Ministro acariciou-lhe a cabeça e informou, conciso:
— Sim, regressou em companhia de Armando, em dolorosas reparações, O consórcio para eles não foi o castelo de flores de laranjeira, mas sim uma associação de interesses espirituais para o trabalho regenerativo.

Armando, em luta no plano da vida real para reerguer-se, aceitou o compromisso de reconduzi-la à dignidade feminina, amparando-lhe as angústias silenciosas...

Estupefacto, Silva exclamou, cambaleante:
— Quer dizer então que Zulmira me traiu duas vezes?

— Não te refiras à traição — corrigiu Clarêncio, sem alterar-se —, é imprescindível compreender!
Armando, ontem, escutou apelos inferiores, incompatíveis com as responsabilidades de que se via depositário.

Hoje, é compelido a responder, embora constrangido, a requisições de natureza edificante, às quais, em verdade, não lhe será lícito fugir.

Lina Flores reclama alguém que a recambie ao serviço renovador, a fim de que se habilite a auxiliar Júlio, devidamente.

Todos somos devedores uns dos outros.
As almas aprimoram-se, grupo a grupo, à maneira de pequenas constelações, gravitando em torno do Sol Magno, Jesus-Cristo!...

Como um astro que se distancia do núcleo em que se integra, abandonaste a órbita de velhos companheiros de evolução, caindo, pelas vibrações de afectividade e ódio, no centro de forças em que Leonardo Pires e Lola Ibarruri aguardam-te a precisa cooperação, de modo a se liberarem perante a Lei.

Amaro, noutro tempo, separou Zulmira e Júlio, estabelecendo espinheiros dilacerantes entre os dois...
Agora, cabe-lhe reuni-los no carinho familiar, para que na posição de mãe e filho se reajustem na afeição santificadora...

Antigamente, isolaste Leonardo da afectuosa assistência de Lola, criando embaraços asfixiantes à própria marcha...

Prepara-te na fé para congregá-los, de novo, no templo doméstico, igualmente na condição de filho e mãe, de maneira a se redimirem para a bênção do amor puro...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 29, 2012 8:30 pm

Nossas acções são pesadas na Justiça Divina...
Não podemos enganar o Supremo Senhor.
Nossos débitos, por isso mesmo, devem ser resgatados, ceitil a ceitil.

A ligeira prelecção trouxera-nos enorme proveito.
Amaro dobrara a cerviz, revelando-se disposto a obedecer aos ditames de natureza superior, fossem como fossem.
Silva, no entanto, não parecia desperto para as verdades que Clarêncio pronunciara.

Hipnotizado na contemplação da mulher querida, demonstrava-se indiferente.
Depois de fitá-la, absorto, entre o carinho e a aversão, quebrou a quietude que envolvera o recinto, rugindo, desesperado:
— Não posso modificar-me, desgraçado de mim!...

Odiarei! Odiarei a infame que voltou!...
Somente a vingança me convém, não quero perdoar! Não quero perdoar!...

Novamente enraivecido e inquieto, como fera solta, erguia os punhos cerrados contra a desditosa mulher que jazia no leito, em lastimável prostração.

Seu veículo espiritual rodeava-se agora de um halo cinzento-escuro, que despedia raios desagradáveis e perturbantes.
Nosso orientador libertou-o da influência magnética com que lhe tolhia as energias.

Tão logo se reconheceu sem o controle que lhe sofreava os movimentos, Silva retrocedeu, exclamando:
— Não suporto mais! Não suporto mais!...

E correu para o seio da noite.
Clarêncio recomendou-nos seguir-lhe o passo, enquanto prestaria assistência ao ferroviário e à esposa, em colaboração com Blandina.

O enfermeiro, decerto — informou o Ministro prestimoso —, retomaria o corpo denso em aflitivas condições de saúde.

Passes anestesiantes deviam favorecê-lo.
Não podia lembrar a experiência grave daquela hora.
A aventura provocada pela insistência mental dele mesmo era susceptível de perigosas consequências.

Num átimo, Hilário e eu achamo-nos ao lado de Silva, que aderia ao envoltório de carne com o automatismo da molécula de ferro, atraída pelo imã.

Examinámo-lo, atentamente.
O peito arfava-lhe, sibilante.
O coração acusava-se desgovernado, sob o império de insopitável arritmia.

De imediato, entrámos em acção, sossegando-lhe o campo mental, quanto possível, através de sedativos magnéticos.

Ainda assim, apesar dos passes, pelos quais foi completamente envolvido de energias revigoradoras, o moço acordou agoniado, hesitante e trémulo, como se estivesse fugindo de medonhas tempestades no mundo Íntimo.

Semi-inconsciente, despendeu vários minutos para identificar-se.
O pensamento surgia-lhe atormentado, nebuloso...

Tentou locomover-se, mas não conseguiu.
Sentia-se chumbado à cama, quase na situação de um cadáver repentinamente desperto.

Buscou alinhar recordações, contudo, não pôde.
Sabia tão-somente que atravessara grande pesadelo cujas dimensões lhe não cabiam na memória.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 29, 2012 8:31 pm

Suarento, aflito, sentia-se morrer...
Instintivamente orou, suplicando a Protecção Divina.
Bastou essa atitude d'alma para ligar-se, com mais facilidade, aos fluidos restauradores que lhe administrávamos.

Pouco a pouco, readquiriu os movimentos livres e levantou-se, ingerindo uma pílula calmante.

Amedrontado, sentou-se no leito e, mergulhando a cabeça nas mãos, falou, sem palavras, de si para consigo:
— «Estou evidentemente conturbado.
Amanhã, consultarei um psiquiatra.
É a minha única solução».

Sim — concordei comigo mesmo —, o ódio gera a loucura.
Quem se debate contra o bem, cai nas garras da perturbação e da morte.

Com semelhante raciocínio, afastei-me.
Clarêncio aguardava-nos.
Era preciso continuar na lição.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 29, 2012 8:31 pm

20 - Conflitos da alma

Voltando à residência de Amaro, ainda conseguimos observá-lo, fora do veículo denso, em conversação com Odila, sob o amparo directo de nosso orientador.

A primeira esposa do ferroviário, identificando o marido, provavelmente com o auxílio de Clarêncio, abandonara Zulmira por instantes e ajoelhara-se-lhe aos pés, rogando, súplice:
— Amaro, expulsa! Corre com esta mulher de nossa casa!

Ela furtou a nossa paz...
Matou nosso filho, prejudica Evelina e transtorna-te!...

Apontando a enferma com terrível olhar, acentuava:
— Porque reténs semelhante intrusa?

O interpelado, muito triste, esforçava-se por dirigir a atenção no rumo de nosso instrutor, mas talvez torturado pelo reencontro com a primeira mulher, mal-humorada e enfurecida, perdera a serenidade que lhe caracterizava habitualmente o semblante.

Enquanto junto de nós, versando os problemas de ordem moral que lhe absorviam a mente, sustentara calma invejável, com aristocrática penetração nos problemas da vida, ali, perante a mulher que lhe dominava os sentimentos, revelava-se mais acessível ao desequilíbrio e à conturbação.

Mostrava-se interessado em responder às abjuratórias que ouvia, entretanto, extrema palidez fisionómica denunciava-lhe agora a inibidora emoção.

Situado entre Odila e Zulmira, parecia dividir-se entre o amor e a piedade.
A progenitora de Evelina prosseguia gritando, com inflexão enternecedora, no entanto, imóvel, o marido assemelhava-se a uma estátua viva, de dúvida e sofrimento.

Esperava que o nosso orientador, qual acontecera minutos antes com o ferroviário, reconduzisse a mente de Odila às impressões do pretérito, a fim de acalmar-lhe o coração, e cheguei a falar-lhe, nesse sentido, mas Clarêncio informou, bondoso:
— Não, não convém.

Nossa história cresceria demasiado por espraiar-se excessivamente no tempo.
É aconselhável nossa sustentação no fio de trabalho nascido na prece de Evelina.

Reparando que o ferroviário manifestava estranha aflição, o Ministro acercou-se dele e paternalmente afastou-o de Odila, transportando-o para o leito em que o seu carro físico repousava.

A pobre desencarnada tentava agarrar-se a ele, clamando em desconsolo:
— Amaro! Amaro! não me abandones assim!

O relógio-carrilhão da família assinalava três da manhã.
O dono da casa acordou, abatido.

Esfregou os olhos, sonolento, guardando a ideia de ainda estar ouvindo o apelo que vibrava no ar:
— Amaro! Amaro!
O abalo do reencontro fora nele muito forte.

Na tela mnemónica permanecia tão-somente a fase última de sua incursão espiritual — a imagem de Odila, que se lhe afigurava implorando socorro...

Da palestra que alimentara connosco não restava traço algum.
Deixando-o entregue à lembrança fragmentária que lhe assomava à consciência como simples sonho, partimos.

A irmã Blandina solicitava-nos concurso imediato, em favor do pequeno Júlio, que confiara aos cuidados de Mariana, enquanto nos buscava a companhia.

Valendo-me da excursão para o Lar da Bênção, indaguei do Ministro quanto a certo enigma que me feria a imaginação.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 29, 2012 8:31 pm

Esteves, ao tempo da guerra do Paraguai, sofrera tanto quanto Júlio o suplício do veneno.
Porque surgiam em ambos efeitos tão díspares?

O menino ainda trazia a garganta doente, ao passo que o enfermeiro, vitimado por Leonardo, não parecia haver conhecido qualquer consequência mais grave...

Clarêncio, sorrindo, explicou afectuoso:
— Não tomaste em consideração o exame das causas.
Esteves foi envenenado, enquanto Júlio se envenenou.

Há muita diferença. O suicídio acarreta vasto complexo de culpa.
A fixação mental do remorso opera inapreciáveis desequilíbrios no corpo espiritual.

O mal como que se instala nos recessos da consciência que o arquitecta e concretiza.

Vimos Leonardo Pires com a imagem de Esteves atormentando-lhe a imaginação e observámos Júlio, enfermo até agora, em consequência de erros deliberados aos quais se entregou há quase oitenta anos, O pensamento que desencadeia o mal encarcera-se nos resultados dele, porque sofre fatalmente os choques de retorno, no veículo em que se manifesta.

E, à frente das silenciosas reflexões que me absorviam, acrescentou:
— É natural que assim seja.

Atingíramos a graciosa residência de Blandina.
Entrámos.
O choro de Júlio infundia compaixão.

Após saudarmos a devotada Mariana, que o assistia com desvelo maternal, o Ministro examinou-o e notificou à irmã Blandina, algo inquieta:
— Estejamos tranquilos.
Espero conduzi-lo à reencarnação em breves dias.

— Sim, essa providência não deve tardar — considerou nossa amiga, atenciosa.

Assinalando-nos decerto a curiosidade, de vez que também percebia Hilário interessado em adquirir informações e conhecimentos em torno dos problemas que anotávamos de perto, o instrutor convidou-nos a observar a infortunada criança, comunicando:
— Como não desconhecem, o nosso corpo de matéria rarefeita está intimamente regido por sete centros de força, que se conjugam nas ramificações dos plexos e que, vibrando em sintonia uns com os outros, ao influxo do poder directriz da mente, estabelecem, para nosso uso, um veículo de células eléctricas, que podemos definir como sendo um campo electromagnético, no qual o pensamento vibra em circuito fechado.

Nossa posição mental determina o peso específico do nosso envoltório espiritual e, consequentemente, o «habitat» que lhe compete.

Mero problema de padrão vibratório.
Cada qual de nós respira em determinado tipo de onda.

Quanto mais primitiva se revela a condição da mente, mais fraco é o influxo vibratório do pensamento, induzindo a compulsória aglutinação do ser às regiões da consciência embrionária ou torturada, onde se reúnem as vidas inferiores que lhe são afins, O crescimento do influxo mental, no veículo electromagnético em que nos movemos, após abandonar o corpo terrestre, está na medida da experiência adquirida e arquivada em nosso próprio espírito.

Atentos a semelhante realidade, é fácil compreender que sublimamos ou desequilibramos o delicado agente de nossas manifestações, conforme o tipo de pensamento que nos flui da vida íntima.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 29, 2012 8:31 pm

Quanto mais nos avizinhamos da esfera animal, maior é a condensação obscurecente de nossa organização, e quanto mais nos elevamos, ao preço de esforço próprio, no rumo das gloriosas construções do espírito, maior é a subtileza de nosso envoltório, que passa a combinar-se facilmente com a beleza, com a harmonia e com a luz reinantes na Criação Divina.

Ouvíamos as preciosas explicações, enlevados, mas Clarêncio, reparando que não nos cabia fugir do quadro ambiente, voltou-se para a garganta enferma de Júlio e continuou:
— Não nos afastemos das observações práticas, para estudar com clareza os conflitos da alma.

Tal seja a viciação do pensamento, tal será a desarmonia no centro de força, que reage em nosso corpo a essa ou àquela classe de influxos mentais.

Apliquemos à nossa aula rápida, tanto quanto nos seja possível, a terminologia trazida do mundo, para que vocês consigam fixar com mais segurança os nossos apontamentos.

Analisando a fisiologia do perispírito, classifiquemos os seus centros de força, aproveitando a lembrança das regiões mais importantes do corpo terrestre.
Temos, assim, por expressão máxima do veículo que nos serve presentemente, o «centro coronário» que, na Terra, é considerado pela filosofia hindu como sendo o lótus de mil pétalas, por ser o mais significativo em razão do seu alto potencial de radiações, de vez que nele assenta a ligação com a mente, fulgurante sede da consciência.

Esse centro recebe em primeiro lugar os estímulos do espírito, comandando os demais, vibrando todavia com eles em justo regime de interdependência.

Considerando em nossa exposição os fenómenos do corpo físico, e satisfazendo aos impositivos de simplicidade em nossas definições, devemos dizer que dele emanam as energias de sustentação do sistema nervoso e suas subdivisões, sendo o responsável pela alimentação das células do pensamento e o provedor de todos os recursos electromagnéticos indispensáveis à estabilidade orgânica.

Ë, por isso, o grande assimilador das energias solares e dos raios da Espiritualidade Superior capazes de favorecer a sublimação da alma.

Logo após, anotamos o “centro cerebral”, contíguo ao “centro coronário”, que ordena as percepções de variada espécie, percepções essas que, na vestimenta carnal, constituem a visão, a audição, o tato e a vasta rede de processos da inteligência que dizem respeito à Palavra, à Cultura, à Arte, ao Saber.

É no «centro cerebral» que possuímos o comando do núcleo endocrínico, referente aos poderes psíquicos.
Em seguida, temos o «centro laríngeo», que preside aos fenómenos vocais, inclusive às actividades do timo, da tiróide e das paratireóides.

Logo após, identificamos o «centro cardíaco», que sustenta os serviços da emoção e do equilíbrio geral.

Prosseguindo em nossas observações, assinalamos o «centro esplénico» que, no corpo denso, está sediado no baço, regulando a distribuição e a circulação adequada dos recursos vitais em todos os escaninhos do veículo de que nos servimos.

Continuando, identificamos o «centro gástrico», que se responsabiliza pela penetração de alimentos e fluidos em nossa organização e, por fim, temos o «centro genésico», em que se localiza o santuário do sexo, como templo modelador de formas e estímulos.

O instrutor fez pequena pausa de repouso e prosseguiu:
— Não podemos olvidar, porém, que o nosso veículo subtil, tanto quanto o corpo de carne, é criação mental no caminho evolutivo, tecido com recursos tomados transitoriamente por nós mesmos aos celeiros do Universo, vaso de que nos utilizamos para ambientar em nossa individualidade eterna a divina luz da sublimação, com que nos cabe demandar as esferas do Espírito Puro.

Tudo é trabalho da mente no espaço e no tempo, a valer-se de milhares de formas, a fim de purificar-se e santificar-se para a Glória Divina.

Clarêncio afagou a garganta doente do menino, dando-nos a ideia de que nela fixava o objecto de nossas lições, e aduziu:
Quando a nossa mente, por actos contrários à Lei Divina, prejudica a harmonia de qualquer um desses fulcros de força de nossa alma, naturalmente se escraviza aos efeitos da acção desequilibrante, obrigando-se ao trabalho de reajuste.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 29, 2012 8:32 pm

No caso de Júlio, observamo-lo como autor da perturbação no «centro laríngeo», alteração que se expressa por enfermidade ou desequilíbrio a acompanhá-lo fatalmente à reencarnação.

— E como sanará ele semelhante deficiência? — perguntei, edificado com os esclarecimentos ouvidos.

Com a serenidade invejável de sempre, o Ministro ponderou:
— Nosso Júlio, de atenção encadeada à dor da garganta, constrangido a pensar nela e padecendo-a, recuperar-se-á mentalmente para rectificar o tónus vibratório do «centro laríngeo, restabelecendo-lhe a normalidade em seu próprio favor.

E decerto para gravar, com mais segurança, a elucidação, concluiu:
— Júlio renascerá num equipamento fisiológico deficitário que, de algum modo, lhe retratará a região lesada a que nos reportamos.

Sofrerá intensamente do órgão vocal que, sem dúvida, se caracterizará por fraca resistência aos assaltos microbianos, e, em virtude de o nosso amigo haver menosprezado a bênção do corpo físico, será defrontado por lutas terríveis, nas quais aprenderá a valorizá-lo.

Em seguida, porém, o instrutor desdobrou várias operações magnéticas, a benefício do pequeno enfermo, que se mantinha calmo, e, com os agradecimentos das duas solícitas irmãs que nos ouviam, atentamente, despedimo-nos de retorno ao nosso domicílio espiritual.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 29, 2012 8:32 pm

21 - Conversação edificante

Enquanto regressávamos ao nosso círculo de trabalho e de estudo, para articular novas providências de auxílio, em favor dos protagonistas da história que a vida estava escrevendo, concluí que não me cabia perder a oportunidade de mais amplo entendimento com o nosso orientador, com alusão aos esclarecimentos que nos fornecera, acerca do perispírito.

Assim como o homem comum mal conhece o veículo em que se movimenta, ignorando a maior parte dos processos vitais de que se beneficia e usando o corpo de carne à maneira de um inquilino estranho à casa em que reside, também nós, os desencarnados, somos compelidos a meticulosas meditações para analisar a vestimenta de que nos servimos, de modo a conhecer-lhe a intimidade.

Efectivamente, em novas condições na vida espiritual, passamos a apreciar, com mais segurança, o corpo abandonado à Terra, penetrando os segredos de sua formação e desenvolvimento, sustentação e desintegração, mas somos desafiados pelos enigmas do novo instrumento que passamos a utilizar.

Lidamos, na Vida Maior, com o carro subtil da mente, pelo menos na esfera em que nos situamos, acentuando, pouco a pouco, os nossos conhecimentos, quanto às peculiaridades que lhe dizem respeito.

Reparei que Hilário, pela expressão dos olhos, demonstrava não menor anseio de saber.

E, encorajado pela atitude do companheiro, desfechei a primeira questão, considerando:
— Inegavelmente, será difícil alcançar o grande equilíbrio que nos outorgará o trânsito definitivo para as eminências do Espírito Puro.

— Ah! sim — concordou o Ministro, com grave entoo —, para que tivéssemos na Crosta Planetária um vaso tão aprimorado e tão belo, quanto o corpo humano, a Sabedoria Divina despendeu milénios de séculos, usando os multiformes recursos da Natureza, no campo imensurável das formas...

Para que venhamos a possuir o sublime instrumento da mente em planos mais elevados, não podemos esquecer que o Supremo Pai se vale do tempo infinito para aperfeiçoar e sublimar a beleza e a precisão do corpo espiritual que nos conferirá os valores imprescindíveis à nossa adaptação à Vida Superior.

— Compete-nos, então — observou Hilário, atencioso —, atribuir importante papel às enfermidades na esfera humana.
Quase todas estarão no mundo, desempenhando expressivo papel na regeneração das almas.

— Exactamente.
— Cada “centro de força” — ponderei — exigirá absoluta harmonia, perante as Leis Divinas que nos regem, a fim de que possamos ascender no rumo do Perfeito Equilíbrio...

— Sim — confirmou Clarêncio —, nossos deslizes de ordem moral estabelecem a condensação de fluidos inferiores de natureza gravitante, no campo electromagnético de nossa organização, compelindo-nos a natural cativeiro em derredor das vidas começantes às quais nos imantamos.

Hilário, conduzindo mais longe as próprias divagações, perguntou:
— Imaginemos, contudo, um homem puramente selvagem, a situar-se em plena ignorância dos Desígnios Superiores, que se confia a delitos indiscriminados...
Terá nos tecidos subtis da alma as lesões cabíveis a um europeu super-civilizado, que se entrega à indústria do crime?

Clarêncio sorriu, compreensivo, e acentuou:
— Sigamos devagar.
Comentávamos, ainda há pouco, o problema da evolução.

Assim como o aperfeiçoado veículo do homem nasceu das formas primárias da Natureza, o corpo espiritual foi iniciado também nos princípios rudimentares da inteligência.

É necessário não confundir a semente com a árvore ou a criança com o adulto, embora surjam na mesma paisagem de vida, O instrumento perispirítico do selvagem deve ser classificado como protoforma humana, extremamente condensado pela sua integração com a matéria mais densa.

Está para o organismo aprimorado dos Espíritos algo enobrecidos, como um macaco antropomorfo está para o homem bem-posto das cidades modernas.

Em criaturas dessa espécie, a vida moral está começando a aparecer e o perispírito nelas ainda se encontra enormemente pastoso.

Por esse motivo, permanecerão muito tempo na escola da experiência, como o bloco de pedra rude sob marteladas, antes de oferecer de si mesmo a obra-prima...

Despenderão séculos e séculos para se rarefazerem, usando múltiplas formas, de modo a conquistarem as qualidades superiores que, em lhes subtilizando a organização, lhes conferirão novas possibilidades de crescimento consciencial.
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Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 29, 2012 8:32 pm

O instinto e a inteligência pouco a pouco se transformam em conhecimento e responsabilidade e semelhante renovação outorga ao ser mais avançados equipamentos de manifestação...

O prodigioso corpo do homem na Crosta Terrestre foi erigido pacientemente, no curso dos séculos, e o delicado veículo do Espírito, nos planos mais elevados, vem sendo construído, célula a célula, na esteira dos milénios incessantes...

E, com um olhar significativo, Clarêncio concluiu:
- ...até que nos transfiramos de residência, aptos a deixar, em definitivo, o caminho das formas, colocando-nos na direcção das esferas do Espírito Puro, onde nos aguardam os inconcebíveis, os inimagináveis recursos da suprema sublimação.

Calara-se o instrutor, mas o assunto era por demais importante para que eu me desinteressasse dele apressadamente.

Recordei os inúmeros casos de moléstias obscuras de meu trato pessoal e aduzi:
— Decerto a Medicina escreveria gloriosos capítulos na Terra, sondando com mais segurança os problemas e as angústias da alma...

— Grava-los-á mais tarde — confirmou Clarêncio, seguro de si.
Um dia, o homem ensinará ao homem, consoante as instruções do Divino Médico, que a cura de todos os males reside nele próprio.

A percentagem quase total das enfermidades humanas guarda origem no psiquismo.

Sorridente, acrescentou:
— Orgulho, vaidade, tirania, egoísmo, preguiça e crueldade são vícios da mente, gerando perturbações e doenças em seus instrumentos de expressão.

No objectivo de aprender, observei:
— É por isso que temos os vales purgatoriais, depois do túmulo... a morte não é redenção...

— Nunca foi — esclareceu o Ministro, bondoso.
O pássaro doente não se retira da condição de enfermo, tão só porque se lhe arrebente a gaiola.

O inferno é uma criação de almas desequilibradas que se ajuntam, assim como o charco é uma colecção de núcleos lodacentos, que se congregam uns aos outros.

Quando de consciência inclinada para o bem ou para o mal perpetramos esse ou aquele delito no mundo, realmente podemos ferir ou prejudicar a alguém, mas, antes de tudo, ferimos e prejudicamos a nós mesmos.

Se eliminamos a existência do próximo, nossa vítima receberá dos outros tanta simpatia que, em breve, se restabelecerá, nas leis de equilíbrio que nos governam, vindo, muita vez, em nosso auxílio, muito antes que possamos recompor os fios dilacerados de nossa consciência.

Quando ofendemos a essa ou àquela criatura, lesamos primeiramente a nossa própria alma, de vez que rebaixamos a nossa dignidade de espíritos eternos, retardando em nós sagradas oportunidades de crescimento.

— Sim — concordei —, tenho visto aqui aflitivas paisagens de provação que me constrangem a meditar...

— A enfermidade, como desarmonia espiritual atalhou o instrutor —, sobrevive no perispírito.
As moléstias conhecidas no mundo e outras que ainda escapam ao diagnóstico humano, por muito tempo persistirão nas esferas torturadas da alma, conduzindo-nos ao reajuste.

A dor é o grande e abençoado remédio. Reeduca-nos a actividade mental, reestruturando as peças de nossa instrumentação e polindo os fulcros anímicos de que se vale a nossa inteligência para desenvolver-se na jornada para a vida eterna.

Depois do poder de Deus, é a única força capaz de alterar o rumo de nossos pensamentos, compelindo-nos a indispensáveis modificações, com vistas ao Plano Divino, a nosso respeito, e de cuja execução não poderemos fugir sem graves prejuízos para nós mesmos.

Nosso domicílio, porém, estava agora à vista. Os raios dourados da manhã varriam o horizonte longínquo.

Despediu-se o Ministro, paternal.
Aquele era um dos momentos em que, desde muito, se devotava ele à oração.
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Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU - Página 3 Empty Re: Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 30, 2012 9:39 pm

22 - Irmã Clara

Na noite imediata às experiências que descrevemos, o Ministro convidou-nos a visitar a Irmã Clara, a quem pediria socorro em favor do esclarecimento de Odila.

Eu me sentia cada vez mais atraído para o romance vivo daquele grupo de almas que o destino enleara em suas teias.

Se me fosse permitido, voltaria de imediato para junto de Mário Silva rebelado, ou para junto de Amaro paciente, a fim de observar o desdobramento da história, cujos capítulos jaziam gravados nas páginas vivas de seus corações.

Todavia, era necessário esperar.
Enquanto buscávamos a intimidade de Clara, descia o luar em prateados jorros sobre a paisagem que se tapizava de flores.

Com o cérebro preso às preocupações resultantes do trabalho que nos exigia a atenção, algo indaguei de Clarêncio quanto à cooperação que pretendíamos solicitar.

Por que motivo rogaria ele o concurso de outrem, quando se dirigira com tanto êxito à mente de Esteves e Armando, reencarnados?

Não lhes favorecera o retrocesso da memória, até os recuados dias da luta no Paraguai?
Porque não conseguiria doutrinar também a desditosa irmã enferma?

O Ministro ouviu-me, tolerante, e redarguiu:
— Iludes-te. Nem sempre doutrinar será transformar.

Efectivamente, guardo alguma força magnética suficientemente desenvolvida, capaz de operar sobre a mente de nossos companheiros em recuperação;
no entanto, ainda não disponho de sentimento sublimado, susceptível de garantir a renovação da alma.

Sem dúvida, dentro de minhas limitações, estou habilitado a falar à inteligência, mas não me sinto à altura de redimir corações.

Para esse fim, para decifrar os complicados labirintos do sofrimento moral, é imprescindível haver atingido mais elevados degraus na humana compreensão.

Dispunha-me a desfechar novo interrogatório, contudo, nosso orientador indicou-nos bela edificação próxima.

Cercada de arvoredo, que servia de enfeite a espaçosos canteiros de flores, a residência de Clara figurou-se-nos pequeno colégio ou gracioso internato para moças.

Até certo ponto, não nos enganáramos.
A nossa anfitriã não morava num estabelecimento de ensino, entretanto, mantinha em casa um verdadeiro educandário, tão grandes e luzidias eram as assembleias instrutivas que sabia organizar.

Recebeu-nos em extenso salão, onde era atenciosamente ouvida por quatro dezenas de alunos de variadas condições, que se instalavam à vontade, em grupos diversos, sem qualquer ideia de escola assinalando o ambiente em sua feição exterior.

De olhos rasgados e lúcidos a lhe marcarem magnificamente o semblante com os traços aristocráticos do rosto emoldurados pela basta cabeleira, Clara parecia uma jovem madona, detida entre os melhores dons da mocidade e da madureza.

Estendeu-nos as mãos pequenas e finas, respondendo-nos às saudações com alegria sincera.
Nosso orientador rogou escusas, pela nossa interferência no trabalho.

— Não se incomodem — acentuou a interlocutora, encantadoramente natural —, achamo-nos num curso rápido, acerca da importância da voz a serviço da palavra.
Podem partilhá-lo connosco.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 30, 2012 9:39 pm

Nossa aula é uma simples conversação...
Fitando bondosamente o Ministro, rematou:
— Sentem-se.
Sou eu quem pede perdão por fazê-los esperar mais um pouco.

Em breves instantes, todavia, entraremos em nosso entendimento mais íntimo.

E, voltando à poltrona que nada tinha de cátedra, sem qualquer atitude professoral, tão grande era o doce ambiente de maternidade que sabia irradiar de si, começou a dizer para os aprendizes:
— Conforme estudamos na noite de hoje, a palavra, qualquer que ela seja, surge invariávelmente dotada de energias eléctricas específicas, libertando raios de natureza dinâmica.

A mente, como não ignoramos, é o incessante gerador de força, através dos fios positivos e negativos do sentimento e do pensamento, produzindo o verbo que é sempre uma descarga electromagnética, regulada pela voz.

Por isso mesmo, em todos os nossos campos de actividade, a voz nos tonaliza a exteriorização, reclamando apuro de vida interior, de vez que a palavra, depois do impulso mental, vive na base da criação;
é por ela que os homens se aproximam e se ajustam para o serviço que lhes compete e, pela voz, o trabalho pode ser favorecido ou retardado, no espaço e no tempo.

Dentro da pausa ligeira que se fizera espontânea, simpática senhora interrogou:
— Mas, para que tenhamos a solução do problema, é indispensável jamais nos encolerizarmos?

— Sim — elucidou a instrutora, calma —, indiscutivelmente, a cólera não aproveita a ninguém, não passa de perigoso curto-circuito de nossas forças mentais, por defeito na instalação de nosso mundo emotivo, arremessando raios destruidores, ao redor de nossos passos...

Sorrindo bem-humorada, acrescentou:
— Em tais ocasiões, se não encontramos, junto de nós, alguém com o material isolante da oração ou da paciência, o súbito desequilíbrio de nossas energias estabelece os mais altos prejuízos à nossa vida, porque os pensamentos desvairados, em se interiorizando, provocam a temporária cegueira de nossa mente, arrojando-a em sensações de remoto pretérito, nas quais como que descemos quase sem perceber a infelizes experiências da animalidade inferior.

A cólera, segundo reconhecemos, não pode e nem deve comparecer em nossas observações, relativas à voz.
A criatura enfurecida é um dínamo em descontrole, cujo contacto pode gerar as mais estranhas perturbações.

Um moço, com evidente interesse nas lições, argumentou:
— E se substituíssemos o termo «cólera» pelo termo «indignação»?

Irmã Clara pensou alguns instantes e redarguiu:
— Efectivamente, não poderíamos completar os nossos apontamentos, sem analisar a indignação como estado d’alma, por vezes necessário.

Naturalmente é imprescindível fugir aos excessos.
Contrariar-se alguém a propósito de bagatelas e a todos os instantes do dia será baratear os dons da vida, desperdiçando-os, de modo inconsequente, sem o mínimo proveito para si mesmo ou para os outros.

Imaginemos a indignação por subida de tensão na usina de nossos recursos orgânicos, criando efeitos especiais à eficiência de nossas tarefas.

Nos casos de excepção, em que semelhante diferença de potencial ocorre em nossa vida íntima, não podemos esquecer o controle da inflexão vocal.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 30, 2012 9:39 pm

Assim como a administração da energia eléctrica reclama atenção para a voltagem, precisamos vigiar a nossa indignação principalmente quando seja imperioso vertê-la através da palavra, carregando a nossa voz tão somente com a força susceptível de ser aproveitada por aqueles a quem endereçamos a carga de nossos sentimentos.

É indispensável modular a expressão da frase, como se gradua a emissão eléctrica...

E, ante a assembleia que lhe registava os ensinamentos com justificável respeito, prosseguiu, depois de ligeiro intervalo:
— Nossa vida pode ser comparada a grande curso educativo, em cujas classes inumeráveis damos e recebemos, ajudamos e somos ajudados.

A serenidade, em todas as circunstâncias, será sempre a nossa melhor conselheira, mas, em alguns aspectos de nossa luta, a indignação é necessária para marcar a nossa repulsa contra os actos deliberados de rebelião ante as Leis do Senhor.

Essa elevada tensão de espírito, porém, nunca deve arrojar-se à violência e jamais deve perder a dignidade de que fomos investidos, recebendo da Divina Confiança a graça do conhecimento superior.

Basta, dentro dela, a nossa abstenção dos actos que intimamente reprovamos, porque a nossa atitude é uma corrente de indução magnética.

Em torno de nós, quem simpatiza connosco geralmente faz aquilo que nos vê fazer.
Nosso exemplo, em razão disso, é um fulcro de atracção.

Precisamos, assim, de muita cautela com a palavra, nos momentos de tensão alta do nosso mundo emotivo, a fim de que a nossa voz não se desmande em gritos selvagens ou em considerações cruéis que não passam de choques mortíferos que infligimos aos outros, semeando espinheiros de antipatia e revolta que nos prejudicarão a própria tarefa.

Um amigo que acompanhava os ensinamentos, com interesse invulgar, perguntou, respeitoso:
— Irmã Clara, como devemos interpretar as perturbações da voz, como, por exemplo, a gaguez e a diplofonia?

— Sem dúvida — informou a instrutora, solícita —, os órgãos vocais experimentam igualmente lutas e provações quando reclamam reajuste.

Por intermédio da voz, praticamos vários delitos de tirania mental e, através dela, nos cabe reparar os débitos contraídos.

As enfermidades dessa ordem compelem-nos ao trabalho de recuperação no silêncio, de vez que, sofrendo a alheia observação, aprendemos pouco a pouco a governar os próprios impulsos, afeiçoando-os ao bem.

A orientadora, que falava com absoluta simplicidade e à maneira de um anjo maternal dirigindo-se aos filhinhos, comentou, ainda por alguns minutos, o tema singular com surpreendente primor de definição.

Depois, finda a aula, permaneceram no belo domicílio tão-somente algumas jovens que encontravam em nossa anfitriã desvelada benfeitora.

Clara convidou-nos a pequena peça contígua e o Ministro deu-lhe a conhecer o objectivo de nossa visitação.

Alguém na Terra precisava ouvi-la, a fim de modificar-se.
A interlocutora perguntou, com carinho, quanto às particularidades do serviço que pretendíamos realizar.

Clarêncio resumiu o drama que nos empolgava a atenção.
Quando se inteirou de que amargurada mulher devia renunciar ao companheiro que permanecia na Terra, vimos imensa compaixão se lhe estampar no rosto.

Seus olhos enevoaram-se de lágrimas que não chegaram a cair...
Compreendi que a nobre instrutora, aureolada de soberanos valores morais, trazia consigo profundas mágoas imanifestas.

Certamente, buscávamos reconforto para um coração infeliz num coração que talvez estivesse padecendo ainda mais...
— Pobre criatura! — disse a orientadora, comovida.

E, afirmando-se com tempo bastante para ausentar-se, acolheu-nos o apelo e dispôs-se a seguir-nos generosamente.
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23 - Apelo maternal

A paisagem doméstica, na residência de Amaro, não mostrava qualquer alteração.

Zulmira, atormentada por Odila, que realmente lhe vampirizava as forças, jazia no leito, apática e desolada, como estátua viva de angústia e medo escutando o vento que zunia, lá fora...

Mais magra e mais abatida, exibia comovedoramente a própria exaustão.

Irmã Clara, depois de expressivo entendimento com o nosso orientador, solicitou que nos mantivéssemos a pequena distância, e, abeirando-se da progenitora de Evelina, que tanto quanto a enferma não nos percebia a presença, alongou os braços em prece.

Sob forte emoção, acompanhei o formoso quadro que se desdobrou, divino, ao nosso olhar.
Gradativamente, o recinto foi invadido por vasto círculo de luz, do qual se fizera a instrutora o núcleo irradiante.

Assemelhava-se nossa amiga a uma estrela repentinamente trazida à Terra, com os dois braços distendidos em forma de asas, prestes a desferir excelso voo...

Cercava-a enorme halo de dourado esplendor, como se ouro eterizado e luminescente lhe emoldurasse a forma leve e sublime...

Dos revérberos dessa natureza, passavam as irradiações a tonalidades diferentes, em círculos fechados sobre si mesmos, caminhando dos reflexos de ouro e opala ao róseo vivo, do róseo vivo ao azul celeste, do azul celeste ao verde claro e do verde claro ao violeta suave, que se transfundia em outros aspectos a me escaparem da apreciação...

Tive a ideia de que a irmã Clara se convertera no centro de milagroso arco-íris, cuja existência nunca pudera vislumbrar.

Fizera-se a casa excessivamente estreita para aquela abençoada fonte de raios balsamizantes e indefiníveis.

Reparei que a própria Odila se aquietara como que dominada por branda coação.
Extático, mal consegui articular alguns monossílabos, procurando esclarecimento em nosso instrutor.

— Irmã Clara — informou o Ministro, igualmente enlevado — já atingiu o total equilíbrio dos centros de força que irradiam ondulações luminosas e distintas.

Em oração, ao influxo da mente enaltecida, emite as vibrações do seu sentimento purificado, que constituem projecções de harmonia e beleza a lhe fluírem do ser.

Se partilhássemos com ela a mesma posição evolutiva, entraríamos agora em relação imediata com o elevado plano de consciência em que se exterioriza e, então, em vez de somente observarmos este deslumbramento de luz e cor, perceberíamos a mensagem glorificada que lhe nasce do coração, de vez que as irradiações sob nossos olhos são música e linguagem, sabedoria e amor do pensamento a expressar-se maravilhoso e vivo...

A sintonia espiritual perfeita, porém, só é possível entre aqueles que se confundem na afinidade completa...

A mensageira transfigurada parecia mais bela.
Avançou para a primeira esposa de Amaro e cobriu-lhe os olhos com a destra lirial.

— Reparem — disse Clarêncio, feliz —: ela guarda o poder de ampliar a visão. Odila identificar-lhe-á a presença, assim como a vemos.

Com efeito, vimos que a progenitora de Evelina, tocada por aqueles dedos celestes, proferiu um grito de encantamento selvagem e caiu de joelhos.

Naturalmente ofuscada pelo brilho de que se envolvia a visitante inesperada, começou a chorar, suplicando:
— Anjo de Deus, socorre-me! socorre-me!...

— Odila, que fazes? — interrogou a emissária com inesquecível inflexão de ternura.
— Estou aqui, vingando-me por amor...
— Haverá, porém, algum ponto de contacto entre amor e vingança?

Indicando timidamente a triste companheira que jazia acorrentada ao leito, Odila tentou conservar a atitude que lhe era característica, exclamando, cruel:
— Devo alijar a intrusa que me assaltou a casa!

Esta miserável mulher tomou-me o marido e assassinou-me o filhinho!...
Quem ama faz justiça pelas próprias mãos!...
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