LUZ ESPÍRITA
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Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU

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Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU - Página 6 Empty Re: Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 04, 2012 8:33 pm

É indispensável recordemos que, atento à profissão, atendeu você a um menino completamente entregue ao domínio do crupe.
O pequenino Júlio, à sua chegada, já estaria ofegante, sob as asas da morte.

— Mas, e a impressão? e o remorso?
Sinto-me derrotado, aflito...
Tenho medo de mim mesmo...

A nobre senhora fitou o hóspede com a admirável segurança que lhe era peculiar e falou, firme:
— Mário, você acredita na reencarnação da alma?

E porque o interlocutor a contemplasse, com estranheza, continuou sem ouvir-lhe a resposta:
— Todos somos viajores no grande caminho da eternidade, O corpo de carne é uma oficina em que nossa alma trabalha, tecendo os fios do próprio destino.

Estamos chegando de longe, a revivescer dos séculos mortos, como as plantas a renascerem do solo profundo...

Naturalmente, você, Amaro, Zulmira e Júlio estão recapitulando alguma tragédia que ficou distanciada no espaço e no tempo, mas viva nos corações.

E, mediante o carinho de sua confissão espontânea, não duvido de minha participação em algum lance da luta que motivou os acontecimentos da actualidade.

Amor e ódio não se improvisam.
Resultam de nossas construções espirituais nos milénios.
Provavelmente, alguma responsabilidade me compete nos serviços em cuja execução você se comprometeu.

Nossa confiança imediata, nossa associação neste assunto sem qualquer base prévia, essa simpatia fraternal com que você vem a mim e o interesse com que lhe ouço a exposição me autorizam a admitir que o presente está reflectindo o passado.

E, em razão disso, ofereço-me para cooperar com o seu esforço de algum modo...

— Colaborar? — atalhou o moço, quase alucinado — é impossível... O menino está morto...

Envolta nas irradiações de Clarêncio, Antonina alegou com sensatez:
— E quem nos diz que Júlio não possa voltar à Terra?
Quem nos pronunciará incapazes de algo fazer a beneficio da criancinha que partiu?

— Como? como? — indagou, atónito, o infeliz.
— Escute, Mário. O egoísmo não se revela feroz tão-somente em nossas alegrias.
Muitas vezes, comparece também, asfixiante e terrível, em nossas dores.
Isso se verifica, quando em nossa mágoa pensamos apenas em nós.

Você se declara delinquente, amargurado, vencido, qual se fosse um herói repentinamente arrojado do altar da admiração pública à poeira da desconsideração.

Admito que concentrar demasiada atenção em culpas imaginárias é mera vaidade a encarcerar-nos na angústia vazia.
Enquanto lastimamos a nossa imperfeição, perdemos a hora que seria justo utilizar em nossa própria melhoria.

E, modificando a inflexão de voz, que se fez algo mais firme, acrescentou:
— Você já meditou no padecimento dos pais feridos pela separação?
Já reflectiu nos sonhos maternos, despedaçados?

Porque não estender fraternos braços aos progenitores na sombra do infortúnio?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 04, 2012 8:33 pm

Creio na imortalidade da alma e na redenção dos nossos erros, penso que a renovação do dia é um símbolo da graça do Senhor sempre repetida em nosso caminho, para que lhe aproveitemos o tesouro de bênçãos no crescimento ou no reajuste...

Porque não visitar você o lar de nossos desventurados amigos, nesta hora em que naturalmente precisam de carinho e solidariedade?

É possível que a Divina Bondade esteja reservando ali algum serviço para o seu propósito de elevação.

Quem sabe? A volta de Júlio pode efectuar-se.
Para isso, porém, será necessário reerguer o ânimo materno...

Passando da energia de conselheira à ternura de irmã, aduziu, carinhosa:
— Deixaria você a outrem o privilégio de semelhante serviço?
— Não tenho coragem! — lamentou o rapaz, chorando.

— Não, Mário! Em ocasiões dessas, não é a coragem que nos falha e sim a humildade.
Nosso orgulho neste mundo, apesar de inconsequente e vão, é por demais envolvente e excessivo.

Não sabemos liberar a personalidade segregada no visco de nosso exagerado amor-próprio.
Em suma, aprisionamos o coração na escura fortaleza da vaidade e não sabemos ceder...

Apegando-se ao socorro moral que lhe era lançado, o enfermeiro suplicou, pesaroso:
— Antonina, creio em sua amizade e na elevada compreensão que flui de suas palavras.

Ajude-me! Não vim aqui senão rogar auxílio e discernimento.
Exponha você mesma o que devo fazer.

Dê-me um plano.
Perdoe-me a intimidade, tenho sido um homem sem fé...
Não tenho autoridades ou amigos para quem apelar...

Não nos conhecemos senão há dias, mas encontrei em seu coração e em sua casa algo novo para meu pobre espírito...
Suporte-me e ampare-me por amor de Deus, em cuja providência você crê com tanta sinceridade!...

A jovem viúva, sentindo-se verdadeiramente irmã dele, acariciou-lhe as mãos quais se fossem velhos conhecidos, e agora, igualmente em lágrimas de emotividade e reconhecimento, convidou-o a visitarem juntos o casal sofredor, na noite seguinte.

Confiaria Henrique e Lisbela aos cuidados de uma parenta e seguiriam para a residência de Amaro em companhia de Haroldo.

Desejava auxiliá-lo, a ele, Mário, na justa recuperação, e, para esse fim, estimaria acompanhá-lo, de maneira a ser mais útil.

O moço aceitou a gentileza, exultante.
Estava convencido de que, ao lado de Antonina, encontraria uma solução.

Um sorriso de reconforto assomou-lhe aos lábios e foi assim que deixámos o enfermeiro atormentado, sob a eclosão de nova e abençoada esperança.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 04, 2012 8:33 pm

36 - Corações renovados

Três dias haviam corrido sobre a libertação de Júlio.

De novo, ao lado de Zulmira, nas primeiras horas da noite, reparávamos-lhe a profunda exaustão...
O enfraquecimento progressivo impusera-lhe perigosa situação orgânica.

O próprio Clarêncio, depois de auscultá-la, anotou, apreensivo:
— Nossa irmã reclama socorro mais seguro. O esgotamento é quase completo.

A enferma recebia-lhe a assistência magnética, quando Mário, Antonina e Haroldo deram entrada em sala próxima.
Deixámos nosso instrutor com a doente e demandámos a peça em que se efectuaria o encontro familiar.

O ferroviário e a filha faziam as honras da casa.
Amaro, acolhedor, dava mostras de grande alívio.

O sorriso, embora triste, era largo e espontâneo, demonstrando o contentamento interior de quem via terminar velha e desagradável desavença.

Mário, porém, surgia constrangido e desajeitado, enquanto Antonina irradiava simpatia e bondade, cativando, de improviso, a amizade dos anfitriões.

O enfermeiro apresentou a jovem senhora e o filhinho por amigos particulares e depois, evidentemente instruído pela companheira, iniciou a palestra, comentando a penosa impressão que lhe causara o falecimento do pequenino e pedia escusas por não haver reaparecido, como reconhecia de seu dever.

A ocorrência desnorteara-o.
Caíra de cama, impressionado com o acontecimento que lhe não cabia esperar.

Falava realmente comovido, porque, lembrando os derradeiros minutos da criança, represavam-se-lhe os olhos de lágrimas que não chegavam a cair.

Aquela emotividade manifesta, aliada à humildade sincera que Silva deixava transparecer, tocava o coração de Amaro, que se descerrou mais amplamente.
— Percebi — disse o dono da casa — a dor que o envolveu no momento justo em que nosso anjinho era arrebatado pela morte.

Sua aflição me comoveu muito, não só pelo devotamento do profissional que nos assistia, mas também pela afectividade pura do amigo que, há tanto tempo, se distanciara de nossos olhos.

A generosidade do ex-rival, por sua vez, influenciava o enfermeiro de modo decisivo.
As vibrações de afabilidade e carinho que se desprendiam do apontamento afectuoso modificavam-lhe o íntimo.

Mário passou a sentir balsamizante desafogo.
E, enquanto Evelina se afastava para atender à madrasta doente, reportou-se à tortura moral que o assaltara, assim que viu Júlio inerte, detendo-se na breve descrição do complexo de culpa que o acometera.

Teria seguido com segurança a indicação do especialista?
Enganar-se-ia, porventura, na dosagem da medicação?

Na ligeira pausa que surgiu, natural, Amaro tornou à palavra, acrescentando, bondoso:
— Não havia motivo para tamanha preocupação.

Desde a primeira visita médica, compreendi que o nosso filhinho estava condenado.
O soro foi o último recurso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 04, 2012 8:34 pm

E, com dolorida resignação, acentuou:
— Não é a primeira vez que atravesso uma provação dessa ordem.
Há tempos, sofri a perda do caçula de meu primeiro matrimónio, estranhamente afogado numa de nossas raras excursões até à praia.

Confesso que só me faltou enlouquecer.
Entretanto, apeguei-me à religião para não soçobrar e hoje compreendo que somente nos compete acatar os desígnios de Deus.

Não passamos de criaturas necessitadas de socorro divino, a cada instante de nossa experiência humana.
— Sem dúvida — interferiu Antonina, optimista —, sem apoio espiritual, não avançaríamos um passo no terreno da verdadeira harmonia íntima.

A morte do corpo nem sempre é o pior que nos possa acontecer.
Quantas vezes os pais são constrangidos a acompanhar a morte moral dos filhos, no crime ou na viciação que não conseguem interromper?

Também perdi um dos rebentos que Deus me confiou, mas procurei acomodar-me à saudade sem revolta, porque a Sabedoria do Senhor não deve ser menosprezada.

— Que prazer ouvi-la! — disse o ferroviário, com discreta satisfação — após afeiçoar-me, com mais empenho, ao Catolicismo, na leitura de Santo Agostinho, observo que abençoada renovação se fez em mim.

E fitando a interlocutora, com mais atenção, aduziu:
— A senhora é também católica?

Antonina sorriu, delicada, e informou:
— Não, senhor Amaro, em matéria de fé, aceito a interpretação evangélica do Espiritismo, entretanto, isso não impede que estejamos procurando o mesmo Mestre.
— Ah! sim, Jesus é o nosso porto — acentuou o anfitrião, liberal —, não entendo a religião por elemento separatista.

A senhora, na condição de espírita, e eu, na posição de católico, possuímos uma só linguagem na fé que nos identifica.
Creio que a Providência Divina, como o Sol, brilha para todos.

— É muita alegria sentir-lhe a nobreza dalma — comentou Antonina, entusiástica —; na essência, desejamos ser cristãos sinceros e a sua generosidade me permite entrever a beleza do Cristo nas vidas nobres.

Amaro não conseguiu responder.
Um táxi parou à porta e, de imediato, o médico da família entrou para a inspecção.

Depois das saudações usuais, passou ao quarto da enferma e, porque o dono da casa se propusesse segui-lo, recomendou-lhe permanecesse na sala com as visitas, de vez que tencionava submeter a doente a meticuloso exame, pretendendo ouvi-la a sós.

Evelina veio ter connosco e, acompanhando o facultativo com o nosso olhar, vimo-lo carinhosamente recebido por Clarêncio e Odila, que se nos mostraram à porta.

A conversação passou a desdobrar-se em torno de Zulmira.
O chefe da família, preocupado, discorria sobre a esposa acamada, encarecendo a delicadeza da situação.

Zulmira, que adoecera com a enfermidade do filhinho, desde a morte dele, não mais se alimentara.
Não obstante todos os conselhos médicos e todos os apelos afectivos, demonstrava-se alheia, no mais amplo desinteresse pela vida.

Enfraquecia, de modo alarmante.
Como se quisesse dar notícias de seu círculo particular ao atento enfermeiro, relacionou os desajustes psíquicos da companheira, antes da vinda do filhinho que a morte lhes arrebatara ao convívio.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 04, 2012 8:34 pm

Zulmira, com a maternidade triunfante, como que se renovara.
Revelara-se mais alegre, mais viva.
Readquirira a saúde plena.

Com a desencarnação da criança, nova crise de contratempos invadira-lhe a casa.
A moléstia asilara-se, ali, de novo, entre as quatro paredes.

Mário, a permutar significativos olhares com Antonina, de quando em quando se situava entre a perplexidade e o desencanto.

A confissão de Amaro constituía um testemunho de humildade pura.

Em muitas ocasiões, fantasiara-o, na própria imaginação, qual se fora um poço de orgulho e arrogância e, por muitas vezes, surpreendera-se em acalorados solilóquios, rixando com ele em pensamento.

Agora, reparava que o antagonista era um homem comum, tanto quanto ele necessitado de paz e compreensão.
O entendimento prosseguia mais afectuoso, quando o clínico tornou à sala.

De semblante torturado, dirigiu-se ao ferroviário, notificando:
— Amaro, a providência é quase impossível quando a previdência não funciona.

A posição de Zulmira piorou muitíssimo nas últimas horas.
O soro aplicado desde ontem não trouxe o resultado preciso.

O abatimento é enorme.
Creio indispensável uma transfusão de sangue ainda esta noite para que não sejamos amanhã surpreendidos por obstáculos insuperáveis.

Amaro empalideceu.

Antonina voltou-se em silêncio para Silva, como a dizer-lhe, de coração para coração:
— Não hesite. É a sua hora de ajudar.
Aproveite a oportunidade.

Mário, acanhado, levantou-se maquinalmente e, antes que Amaro fizesse qualquer referência ao assunto, apresentou-se ao médico, explicando:
— Doutor, se a minha cooperação for aceita, sentirei prazer nisso.

Sou doador de sangue no hospital em que trabalho.
Um telefonema seu ao pediatra amigo, a quem o senhor recorreu no caso de Júlio, pode confirmar as minhas palavras.

E, erguendo os olhos para o ex-rival, disse, em voz quase suplicante:
— Amaro, permita-me!
Quero auxiliar a doente de algum modo!...
Afinal de contas, somos todos, agora, bons irmãos.

O chefe da casa, comovido, abraçou-o reconhecidamente.
— Obrigado, Silva!

Nada mais conseguiu dizer.
De olhos angustiados, dirigiu-se para o aposento da mulher, envolvendo-a em manifestações de carinho.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 04, 2012 8:34 pm

Antonina, colocando Haroldo junto a uma pilha de revistas velhas, pôs-se à disposição de Evelina para qualquer actividade caseira, enquanto Mário e o médico partiam, velozes, em busca do material necessário.

Transcorrida uma hora, a câmara da enferma se iluminava mais intensamente para o serviço a fazer.
Zulmira, admirada, reconheceu Mário, todavia era enorme a prostração para que pudesse demonstrar interesse ou desprazer.

Apresentada a Antonina, limitou-se a endereçar-lhe alguns monossílabos, com um breve sorriso de reconhecimento.
Assumindo a direcção da enfermagem, a jovem viúva parecia uma figura providencial.

Amparou a doente com carinho, auxiliou o clínico nas tarefas do momento e, cativando a gratidão dos novos amigos, colaborou com Evelina para que todas as medidas alusivas à higiene se efectuassem harmoniosas.

Realizada a transfusão, a enferma entrou na reacção característica, contudo, Silva, fosse porque estivesse de si mesmo enfraquecido ou porque a quantidade de sangue tivesse sido demasiada, passou a acusar profundo abatimento.

Em seus olhos, porém, brilhava uma luz diferente.
Afigurava-se-lhe haver perdido as inquietações que o martirizavam.

Adquirira a noção de que se reabilitara, perante a própria consciência.
Trouxera aos ex-adversários o próprio coração em forma de visita fraterna.

E as suas próprias forças insufladas no campo orgânico da mulher que lhe fora a bem-amada, como que lhe favoreciam a ausência dos velhos pensamentos de mágoa que, por tanto tempo, lhe haviam flagelado a vida íntima.

Registando-lhe a queda de energias, o médico ministrou-lhe, de imediato, os recursos aconselháveis, permanecendo Mário, desse modo, comodamente instalado em larga poltrona, junto dos amigos.

Despediu-se o facultativo, mais animado.
Antonina, sem afectação, ajudou no preparo do café, que foi saboreado por todos, enquanto a conversação era reatada com alegria.

Foi então que a viúva se ofereceu para voltar.
Era industriária e, na posição de mãe, responsabilizava-se por três crianças, entretanto, poderia dispor de dois dias.

Amaro salientou a dificuldade para encontrar uma enfermeira ou governanta para horas difíceis e aceitou a gentileza.

Antonina, contente, prometeu regressar, trazendo Lisbela, na manhã seguinte.
Estava convencida de que a menina conseguiria entreter Zulmira, com as suas infantilidades, mitigando-lhe o coração saudoso de mãe.

Evelina abraçou-a, encantada. Simpatizara-se com Antonina, como se fossem duas irmãs.
Algo reanimado e positivamente feliz, Mário dispôs-se à retirada e um táxi foi trazido.

Num ambiente de construtiva cordialidade, desenvolveu-se a reconfortante despedida.

E Silva, fitando a companheira de excursão com reconhecimento e carinho, sentiu-se reconciliado consigo mesmo, irradiando a alegria silenciosa de quem retorna à felicidade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 05, 2012 8:36 pm

37 - Reajuste

Quando os amigos se afastaram, Clarêncio cercou Zulmira de cuidados especiais, aplicando-lhe passes de reconforto.

A injecção de sangue renovador lhe fizera grande bem.
Pouco a pouco, acomodaram-se-lhe os centros de força.

Desde a desencarnação do filhinho, a pobre criatura não desfrutava tão acentuado repouso, quanto naquela hora.

Nosso instrutor recomendou a Odila preparasse o pequeno Júlio para o reencontro com a mãezinha.
Zulmira vê-lo-ia, buscando energias novas.

E enquanto nossa irmã se distanciava para o desempenho da missão que lhe fora cometida, o orientador falou, optimista:
— Um sonho reconfortante é uma bênção de saúde e alegria para os nossos irmãos encarnados.

Íamos responder, mas a doente, à semelhança das pessoas na hipnose profunda, levantou-se em Espírito, contemplando-nos, surpresa.

O olhar dela, admiravelmente lúcido, falava-nos de sua ansiedade maternal.
Clarêncio afagou-a, como se o fizesse a uma filha, rogando-lhe calma e fé.
Desdobrava-se-lhe a prelecção carinhosa, quando partimos.

Amparada em nossos braços, Zulmira voltou sem perceber.
Observei que o espectáculo magnificente da Natureza não lhe feria a atenção.
Introvertida, apenas a imagem da criancinha morta lhe ocupava a tela mental.

O Lar da Bênção mostrava-se maravilhoso.
Flores de rara beleza coloriam a estrada e embalsamavam-na de suave perfume.
Aqui e ali, doces melodias vibravam no ar.

A glória fulgurante do céu induzia-nos à oração de reverência e louvor ao Pai Celestial, mas a pobre mulher que seguia connosco parecia insensível à excelsitude do ambiente, à face da tortura interior de que se via possuída, obrigando-me a reconhecer, mais uma vez, que o paraíso da alma, em verdade, reside onde se lhe situa o amor.

Reparei que para a devoção afectuosa de Zulmira não importava o rumo.
Qualquer indagação, perante aquela ternura atormentada, resultaria inútil.

Creio que, se, ao invés da refulgente luz do Lar da Bênção, apenas víssemos trevas, para aquele espírito agoniado de mãe o quadro seria de verdadeiro paraíso, desde que pudesse reter nos braços o filhinho inesquecível.

Quem poderá definir com exactidão os indevassáveis segredos que Deus colocou nos corações que amam?

Quando penetrámos o berçário, onde o menino repousava, sob a abnegada vigilância de Odila e Blandina, a sofredora mãezinha tentou arrojar-se sobre a criança sonolenta, sendo delicadamente advertida por nosso orientador, que a sustentou, paternal, asseverando:
— Zulmira, não perturbes o pequenino se o amas.

— É meu filho! — bradou, semi desvairada.
— Não ignoramos que Júlio se asilou na Terra em teu regaço e, por isso, fomos teus companheiros na presente viagem para que amenizes a tua dor.

Entretanto, não admitas que o egoísmo te ensombre a alma!...
Certamente, o carinho materno é um tesouro inapreciável, contudo não devemos olvidar que todos somos filhos de Deus, nosso Eterno Pai!

Acalma-te! Pede ao Senhor os recursos necessários para que o teu devotamento seja um auxílio positivo ao pequenino necessitado!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 05, 2012 8:36 pm

Tocada por essas palavras, Zulmira desfez-se em pranto.
Enlaçada afectuosamente por Odila, que tentava soerguer-lhe o ânimo, reconheceu a primeira esposa de Amaro e recordou a luta que haviam atravessado, quando do afogamento do pequeno irmão de Evelina.

O remorso voltou a reflectir-se-lhe na mente e, atribulada, exclamou:
— Odila! perdoa-me, perdoa-me!... agora vejo o inferno que te impus, despreocupando-me de teu filhinho...

Hoje, pago com lágrimas minha deplorável displicência! Ajuda-me, querida irmã!...
Sê para o meu Júlio a guardiã que não fui para o teu!

A interpelada acariciou-a, compadecidamente, e ajuntou:
— Tem paciência!
A aflição é um incêndio que nos consome...

Paguemos à vida o tributo da conformação na dor, para que sejamos efectivamente dignas do socorro celestial...

E, beijando-a nos olhos, aduziu:
— Enxuga as lágrimas que te fustigam inutilmente.

A serenidade é o nosso caminho de reestruturação espiritual.
Não te reportes ao passado...
Vivamos o presente, fazendo o melhor ao nosso alcance.

— Agora, porém, que sofro as agruras de minha prova — acentuou Zulmira, em tom amargo —, penso em teu anjinho...

Odila, aconchegando-a de encontro ao peito, conduziu-a para mais perto do menino adormecido e, indicando-o, aclarou, satisfeita:
— Ouve! meu filhinho é também o teu.
Júlio de hoje é o nosso Júlio de ontem.

Pesados compromissos com o pretérito obrigaram-no a aceitar as dificuldades do momento...
Em nosso aprendizado de agora, teve a existência frustrada por duas vezes, a fim de valorizar, com segurança, a bênção da escola terrestre.

Ante a companheira perplexa, acrescentou, convincente:
— O corpo de carne é uma veste que o nosso Júlio usou de dois modos diferentes, por nosso intermédio.

E sorrindo:
— Como vemos, somos duas mães, partilhando o mesmo amor.

Notávamos que Zulmira, admirada, estimaria algo perguntar, mas o choque da revelação como que lhe imobilizara a garganta.

No imo dalma, decerto algo lhe alterara o campo emotivo.
Secaram-se-lhe as lágrimas, ao passo que o olhar se lhe fazia mais brilhante.

Afigurava-se-nos uma estátua viva de intraduzível expectação.
Sem resistência, deixou-se conduzir pelos braços de Odila até um leito próximo, para ajustar-se ao repouso preciso.

Agora sim — pensava, surpreendida —, começava a compreender...
Júlio prematuramente expulso da experiência material pelo afogamento, ao mundo tornara em nova tentativa que redundara em frustração...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 05, 2012 8:36 pm

Porquê? porquê?
O pensamento dolorido intentava penetrar os segredos do tempo, arrastando-a ao passado remoto, mas o cérebro doía-lhe, dilacerado...

Realmente, não lhe seria possível naquelas circunstâncias qualquer incursão no domínio das reminiscências, mas percebia, enfim, a Bondade Eterna que reúne as almas nos mesmos laços de trabalho e esperança do caminho redentor...

Lembrou a animosidade fria que experimentara por Júlio logo após seus esponsais, e o imanifesto ciúme que nutria, diante das atenções que Amaro lhe dispensava, e reconheceu que a Providência Divina, ligando-o ao seu coração de mãe, lhe sublimara os sentimentos...

Agora sentia por ele inexpressável carinho e iluminado amor...
De espírito assim transformado, via em Odila não mais a rival, mas a benfeitora que, sem dúvida, lhe seguira de perto a transfiguração.

Enlaçou-se a ela, em pranto silencioso, qual se lhe fora filha a ocultar-se nos braços maternais.
A primeira esposa de Amaro, imensamente comovida, correspondia-lhe as manifestações afectivas, afagando-lhe os cabelos.

— Convém-lhe o repouso — afirmou Clarêncio, amigo —, qualquer recordação agora lhe agravaria o conflito mental.

Odila desembaraçou-se da companheira, deixando-a a sós no descanso justo, e seguiu-nos.
Despedindo-nos, o instrutor aconselhou fosse Zulmira mantida no berçário mais algumas horas.

Desse modo, o corpo denso seria mais amplamente beneficiado pelo sono reparador.
Voltaríamos para reconduzi-la à residência terrestre, de maneira a garantir-lhe, tanto quanto possível, as melhoras gerais.

Afastámo-nos, assim, para regressar em breve.
Com efeito, transcorrido o tempo que o nosso instrutor julgou indispensável, tornemos ao Lar da Bênção para restituir nossa amiga ao ninho distante.

O relógio marcava nove da manhã, quando a enferma, sob a nossa vigilância, despertou no corpo físico.
Zulmira, retomando o equipamento cerebral mais denso, não conseguiu articular a lembrança da excursão que se lhe afigurou, então, delicioso sonho.

Guardava a impressão nítida de que revira o filhinho em alguma parte e semelhante certeza lhe restaurara a calma e a confiança.

Sentia-se mais leve, quase feliz.
Evelina, atendendo-lhe o chamado, identificou-lhe as melhoras, rendendo graças a Deus.

A jovem, contente, trouxe Antonina e Lisbela ao quarto.
A viúva chegara cedo com a filhinha, com o melhor desejo de cooperar.
A doente saudou-as, satisfeita.

Recordava-se, de modo impreciso, da noite anterior e agradeceu o cuidado de que se via objecto.

Aceitou o café substancioso que lhe foi trazido e tão reanimada se sentia que, sem qualquer cerimonia, confiou a Antonina as impressões renovadoras de que se via dominada.

Permanecia convicta de que vira Júlio e abraçara-o...
Onde e como? não saberia dizer.
Mas o contentamento que a felicitava era bem o testemunho de que recolhera naquela noite benefícios reais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 05, 2012 8:36 pm

— Felizmente, a transfusão de sangue foi coroada de pleno êxito! — exclamou Evelina, encantada.
— Sim — disse Antonina, concordando —, a providência terá sido das mais proveitosas, no entanto, estou certa de que dona Zulmira terá reencontrado o filhinho no plano espiritual, readquirindo novo ânimo para a luta.

Aquela asserção confiante foi registada pela enferma com sincera alegria.
— A senhora julga então possível? — indagou a dona da casa, de olhos faiscantes.

— Como não? — aduziu Antonina, confortada — a morte não existe como a entendemos.
Do Além, nossos amados que partiram estendem-nos os braços.
Tenho igualmente um filho na Vida Maior que vem sendo para mim precioso sustentáculo.

A enferma demonstrou invulgar interesse na conversação.
Há momentos na vida em que somos castigados pela fome de fé e Antonina era uma fonte irradiante de optimismo e firmeza moral.

Evelina e Lisbela retiraram-se para o interior da casa, atentas à limpeza doméstica e as duas amigas passaram a mais íntimo entendimento.

A colaboração de Antonina fora realmente providencial, porque, ao deixarmos o domicílio do ferroviário, reparámos que Zulmira, de alma restaurada, ao toque de novas esperanças, mostrava no rosto a tranquilidade segura de abençoada convalescença.
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Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU - Página 6 Empty Re: Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 05, 2012 8:37 pm

38 - Casamento feliz

A tempestade de sentimentos, no grupo de almas sob nossa observação, amainou, pouco a pouco...

Júlio, na vida espiritual, aguardava sem sofrimento a ocasião oportuna de regresso ao campo físico, e Zulmira, sob a influência benéfica de Antonina, renovara-se para a alegria de viver.

Mário Silva, transformado pela orientação da jovem viúva, afeiçoara-se a ela profundamente, habituando-se-lhe ao convívio.

Sólida amizade fizera-se entre as personagens de nossa história.

Semanalmente se visitavam, com intraduzível contentamento para Evelina, que se convertera em pupila de Antonina, tão grande a afinidade que lhes caracterizava as predilecções e tendências.

O templo doméstico de Amaro transfigurara-se.
O optimismo infiltrara-se, ali, consolidando moradia nos corações.
Passeios domingueiros começavam a surgir, e Silva, agora unido a todos, parecia voltar à juventude nascente.

A camaradagem social modificara-lhe a feição.
Perdera a taciturnidade em que se mergulha a maioria dos solteirões.

Lisbela apegara-se a ele com extremado carinho e os irmãos Haroldo e Henrique dele fizeram o confidente de todas as realizações infantis.

Várias vezes Amaro e a esposa acompanharam com amoroso respeito o culto evangélico na residência de Antonina, retirando-se, edificados e felizes.

Aquela moça, viúva e digna, cada vez crescia mais na admiração deles e, dentro de suas limitadas possibilidades, o ferroviário começou a fazer pela educação inicial dos meninos quanto lhe era possível, associando o enfermeiro em todos os seus empreendimentos em semelhante direcção.

Certa manhã de claro domingo, achávamo-nos de passagem no domicílio de Amaro, ainda em serviço da saúde de Zulmira, quando Silva veio ao encontro do amigo para aguardar a chegada de Antonina com as crianças.

Todo o grupo familiar combinara um almoço, ao ar livre, em parque próximo.

O Ministro, manifestando um olhar de satisfação, comentou:
— Graças a Jesus, vemos nosso enfermeiro efectivamente modificado.

Mais alegre, acessível, bem disposto...
— Dir-se-ia que uma revolução explodiu dentro dele — asseverei, concordando.

— O amor é assim — acentuou nosso instrutor, imperturbável —, uma força que transforma o destino.

Talvez porque Hilário ensaiasse malicioso sorriso, o orientador acrescentou:
— Pude consultar o programa traçado para a reencarnação de Antonina, quando em nossas actividades de socorro ao irmão Leonardo Pires, e sei que ela se comprometeu a colaborar, maternalmente, para que ele obtenha novo corpo na Terra.

Na condição de Lola Ibarruri, foi a causa do envenenamento que lhe exterminou a paz íntima, falta essa que nossa irmã, na actualidade, espera ressarcir.

Acariciará por filho do coração quem lhe foi outrora companheiro de aventuras, encaminhando-lhe a educação de ordem superior...

O apontamento nos comovia.
Admirado, Hilário obtemperou:
— Silva, desse modo...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 05, 2012 8:37 pm

Clarêncio, contudo, interrompeu-lhe a frase, completando:
— Silva e Leonardo enlaçaram-se em complicadas dívidas um para com o outro.

Desde muito tempo, cultivam o espinheiro da aversão recíproca. Induzidos agora às teias da consanguinidade, esperamos se reeduquem.
Da Lei ninguém foge...

Como se a mente do ferroviário nos sorvesse a conversação, ligando-se a nós pelos fios invisíveis do pensamento, vimos Amaro bater, de leve, nos ombros do companheiro, dizendo-lhe, conselheiral:
— Escuta, Mário.

Não me assiste o direito de qualquer interferência em tua vida, entretanto, sentindo-te por meu irmão, venho reflectindo acerca do futuro...
Não te parece que Antonina seja a mulher digna do teu ideal de homem de bem?

O interpelado corou, encabulando-se, e porque nada respondesse, o amigo prosseguiu:
— Desde o teu regresso à nossa amizade, observo com respeito crescente a distinção dessa mulher, cuja aproximação tem sido uma bênção em nossa casa.

Moça ainda, pode fazer a felicidade de um lar que seria um santuário para as tuas experiências.
Comove-me anotar-lhe os sacrifícios de mãe jovem, quando, com a tua aliança, preservaria a própria saúde, indiscutivelmente tão preciosa a tanta gente.

Já me inteirei da posição dela na fábrica em que trabalha.
É querida de todos.
Para muitas colegas, tem sido a enfermeira e a irmã abnegada de sempre.

Seus chefes veneram-lhe a conduta irrepreensível.
Isso é admirável numa viúva de apenas trinta e dois anos.
Além disso, reparo-lhe os filhinhos unidos ao teu coração, como se te pertencessem.

Não te dói vê-la enfrentar sozinha a batalha em que se consome?

O enfermeiro, algo refeito da estupefacção que lhe assomara do Íntimo, replicou, humilde:
— Compreendo... Tenho examinado essa possibilidade, no entanto, não sou mais uma criança...

— Por isso mesmo — revidou o amigo, encorajado —‘ a hora presente exige método, reconforto, protecção...
Um pouso doméstico é investimento dos mais preciosos para o futuro.

— No entanto, considero que o coração no meu peito assemelha-se a um pássaro entorpecido.
Sinto-me francamente incapaz de uma paixão...

— Que tolice! — ajuntou o interlocutor, bem-humorado — a felicidade é quase impraticável nas afeições impulsivas que estouram do sentimento à maneira de champanhe ilusória...

E, sorrindo, acentuou:
— O amor dos namorados, com noventa graus à sombra, por vezes é simples fogo de palha, deixando apenas cinza.

À medida que se me alonga a experiência no tempo, reconheço que o matrimónio, acima de tudo, é união de alma com alma.

Falo com o discernimento do homem que se consorciou por duas vezes.
A paixão, meu caro, é responsável por todas as casas de boneca que oferecem por aí espectáculos dos mais tristes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 05, 2012 8:38 pm

A amizade pura é a verdadeira garantia da ventura conjugal.
Sem os alicerces da comunhão fraterna e do respeito mútuo, o casamento cedo se transforma em pesada algema de forçados do cárcere social.

Mário ouvia as reflexões do companheiro, entre enlevado e surpreso.
Sim, pensava, desde que se aproximara de Antonina, pela primeira vez, nela sentira a mulher ideal, capaz de entender-lhe o coração.

Devotara-se a ela e aos três pequeninos com imenso carinho e inexcedível confiança.
Aquele lar generoso e singelo incorporara-se-lhe à existência.

Se fosse compelido à separação, por qualquer circunstância, indubitavelmente se sentiria lesado em suas mais caras alegrias...

Enquanto Amaro se confiava às considerações do minuto rápido, Silva ia memorando, memorando...

A figura de Antonina penetrava-lhe agora os recessos do coração.
O valor e a humildade com que a nobre criatura afrontava os mais difíceis problemas tocavam-lhe as fibras recônditas do ser.

O sacrifício permanente pelos filhos, realizado com sincera alegria, o desprendimento natural das futilidades que costumam cegar o sentimento feminino, a solidariedade humana com que sabia pautar as relações com o próximo e, sobretudo, o carácter cristalino de que dava provas em todos os lances da vida comum, apareciam, naquele instante, em sua imaginação, de modo diferente...

Absorto, parecia contemplar as roseiras lá fora, indiferente ao mundo exterior.
Longos momentos passou, assim, revivendo e meditando o passado.

Em seguida, como se despertasse de longa fuga mental, encarou o amigo frente a frente e concordou:
— Amaro, tens razão.
Não posso desobedecer ao comando da vida.

Não puderam, contudo, prosseguir.
A viúva e os filhinhos chegaram, felizes, provocando a presença de Zulmira e Evelina que vieram à recepção, alegremente.

Deixámos nossos amigos na doce algazarra da intimidade doméstica e voltámos ao nosso templo de serviço.

Muitas indagações assaltavam-nos o pensamento, todavia, Clarêncio limitou-se a dizer:
— O tempo é como a onda.
Flui e reflui.
Da nossa sementeira havemos de colher.

Transcorridos alguns dias, amigos espirituais de Antonina trouxeram-nos as boas novas do contrato promissor.

Mário e a jovem viúva esperavam efectuar o matrimónio em breves dias.
Visitamos o futuro casal, diversas vezes, antes do enlace, que todos nós aguardávamos, contentes.

Amaro e Zulmira, reconhecidos aos gestos de amizade e carinho que recebiam constantemente dos noivos, ofereceram o lar para a cerimónia que, no dia marcado, se realizou com o acto civil, na mais acentuada simplicidade.

Muitos companheiros de nosso plano acorreram à residência do ferroviário, inclusive as freiras desencarnadas que consagravam ao enfermeiro particular estima.

A casa de Zulmira, enfeitada de rosas, regurgitava de gente amiga.
A felicidade transparecia de todos os semblantes.
À noite, na casinha singela de Antonina, reuniram-se quase todos os convidados, novamente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 05, 2012 8:38 pm

Os recém-casados queriam orar, em companhia dos laços afectivos, agradecendo ao Senhor a ventura daquele dia inolvidável.

O telheiro humilde jazia repleto de entidades afectuosas e iluminadas, inspirando entusiasmo e esperança, júbilo e paz.

Quem pudesse ver o pequeno lar, em toda a sua expressão de espiritualidade superior, afirmaria estar contemplando um risonho pombal de alegria e de luz.

Na salinha estreita e lotada, um velho tio da noiva levantou-se e dispôs-se à oração.

Clarêncio abeirou-se dele e afagou-lhe a cabeça que os anos haviam encanecido, e seus engelhados lábios, no abençoado calor da inspiração com que o nosso orientador lhe envolvia a alma, pronunciaram comovente rogativa a Jesus, suplicando-lhe que os auxiliasse a todos na obediência aos seus divinos desígnios.

Lágrimas serenas velavam-nos o olhar.
Terminada a prece, Haroldo, Henrique e Lisbela, vestidos de branco, distribuíram licores e guloseimas.

Emocionados, acercámo-nos dos nubentes para as despedidas.
Abraçando-os, vimos junto deles que Evelina, no fulgor de sua primavera juvenil, aceitava a protecção carinhosa de um rapaz que a fitava, enamorado.

O Ministro sorriu e explicou-nos:
— Este é Lucas, irmão de Antonina, actualmente futuroso gráfico na capital paulista, cuja bela formação espiritual associar-se-á, em breve, com a primogénita de Amaro, para a execução das tarefas que a esperam no mundo.

Cortando-nos a possibilidade de excessivas inquirições, o instrutor acrescentou:
— Tudo é amor no caminho da vida.

Aprendamos a usá-lo na glorificação do bem, com o nosso próprio trabalho, e tudo será bênção.

Retirámo-nos, satisfeitos.

E porque o dever nos convocava a distância, seguimos à frente, tentando assimilar com o nosso abnegado orientador a preciosa conjugação do verbo servir.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 05, 2012 8:38 pm

39 - Ponderações

Decorrido um mês sobre os esponsais de Silva, certa noite, por solicitação de Odila, fomos em busca de Zulmira e Antonina para uma reunião íntima, no Lar da Bênção.

Ambas, alegres, revelavam-se enlevadas fora do corpo denso.
Enlaçadas e felizes, contemplavam a Terra e o Céu, tocadas de sublime esperança.

Reduzida assembleia de amigos aguardava-nos no domicílio de Blandina, em meio de cativantes manifestações de carinho e de apreço.

Dentre todas as afeições presentes, sobrelevava-se Irmã Clara, que viera igualmente ter connosco.
As duas excursionistas, ao contacto daquele ambiente de genuína fraternidade, rendiam-se ao êxtase da paz e da alegria.

Afigurava-se-lhes haver encontrado o paraíso, tão pura se lhes desenhava no semblante a exaltação interior.
No recinto amplo que Blandina adornara de flores, permutavam-se frases amigas e consoladoras impressões.

Multiplicadas notas de beleza enriqueciam a conversação, quando Antonina, mais lúcida que a companheira, indagou pela razão do favor de que se viam aquinhoados.

O reconhecimento transbordava-lhes do coração, à maneira do perfume a evadir-se do frasco.

Clara afagou-a, de leve, e explicou, maternalmente:
— Filhas, em nossa romagem na vida, atravessamos épocas de sementeira e fases de colheita.
Na missão da mulher, até agora, vocês receberam do tempo os choques e os enigmas plantados a distância.

Com a humildade e a fé, com o bom ânimo e o valor moral, venceram árduos conflitos que lhes fustigavam as melhores aspirações.

Foram dias obscuros do pretérito reflectidos no presente, contudo, agora, asserenou-se-lhes a estrada.
A paciência a que se devotaram evitou a formação de nuvens da revolta e o céu se fez, de novo, claro e alentador.

É como se o dia renascesse, resplendente de luz, O campo da existência exige mais trabalho e o tempo de semear ressurge alvissareiro.

A palestra em torno cessara de repente.
Os circunstantes buscavam ouvir a benfeitora, significando, com o silêncio, que nela se encarnava para nós a sabedoria.

Depois de ligeiro intervalo, nossa amiga continuou:
— Agora, que a oportunidade favorece a renovação, é preciso saber reconstruir o destino.

Não olvidemos.
A vida reduz-se a triste montão de trevas, quando não se faz plena de trabalho.
Fujamos à velha feira da lamentação onde a inércia vende os seus frutos amargosos!

Para levantar, porém, a escada de nossa ascensão, é imprescindível banhar o espírito, cada dia, na fonte viva do amor, do amor que recompensa a si mesmo com a alegria de dar!

O Pai Celeste é omnipresente, através do amor de que satura o Universo.
O sentimento divino é a corrente invisível em que se equilibram os mundos e os seres.
Do Trono Excelso nasce o eterno manancial que sustenta o anjo na altura e alimenta o verme no abismo.

A mulher é uma taça em que o Todo-Sábio deita a água milagrosa do amor com mais intensidade, para que a vida se engrandeça.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 05, 2012 8:38 pm

Irmãs, sejamos fiéis ao mandato recebido.
Em muitas ocasiões, quando nos prendemos à lama do egoísmo ou ao visco do ódio, poluímos o líquido sagrado, transformando-o em veneno destruidor.

Guardemos cautela, O preço da verdadeira paz reside no sacrifício de nossas existências.
Não há sublimação sem renúncia no castelo da alma, como não há purificação no cadinho, sem o concurso do fogo que acrisola os metais!...

Clara fitou Antonina, de modo particular, e aduziu:
— Filha, nossa Zulmira compreende hoje, sem necessidade de maior incursão no passado, o santo dever de asilar o pequeno Júlio no santuário materno.

Percebemos que a instrutora, registando o imperativo do descanso mental para a segunda esposa do ferroviário, que vinha de terminar longas refregas na preservação da própria saúde, buscava poupar-lhe exercícios mnemónicos.

— Nossa amiga — prosseguiu, indicando Zulmira com o olhar — está consciente de que a maternidade a espera de novo, em tempo breve... E você?

Com a irradiante bondade que habitualmente lhe marcava a expressão fisionómica, acentuou:
— Recorda-se das experiências antigas e permanece atenta às razões que lhe inspiraram o segundo matrimónio?

Ante a surpresa que se estampou no semblante da interpelada, a orientadora, num gesto que nos era conhecido, nas operações magnéticas de Clarêncio, acariciou-lhe a fronte, de leve, e repetiu:
— Lembre-se! lembre-se!...

Bafejada pelo poder de Irmã Clara, em determinados centros da memória, Antonina fez-se pálida e exclamou, controlando a própria emoção:
— Sim, sou eu a cantora!
Revejo, dentro de mim, os quadros que se foram!...
Os conflitos no Paraguai!...

Uma chácara em Luque!... a família ao abandono!...
José Esteves, hoje Mário...
Sim, percebo o sentido de minhas segundas núpcias!...

Denotando aflição no olhar, acrescentou:
— E Leonardo? onde está Leonardo, o infeliz?

— Não precisa dilatar reminiscências — disse Clara, bondosa —; não nos achamos num gabinete de experimentos e sim numa reunião fraternal.

Fitando-a significativamente, ajuntou:
— Basta que você se recorde.

Em seguida, repartindo a atenção entre as duas, prosseguiu:
— Brevemente, vocês serão chamadas a novo esforço, no apostolado materno.

Zulmira recolherá o nosso Júlio na concha do coração e você, Antonina, restituirá a Leonardo Pires, seu avô e associado de destino, o tesouro do corpo terrestre.

No santuário doméstico, as afeições transviadas se recompõem, a fim de que possamos demandar o futuro, ao clarão da felicidade.

Filhas, ninguém avança sem saldar as próprias contas com o passado.
Paguemos, desse modo, os débitos que nos aprisionam aos círculos inferiores da vida, aproveitando o tempo de detenção no resgate, em maior aprimoramento de nós mesmas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 06, 2012 8:39 pm

Amemos, aperfeiçoando-nos!
Identifiquemos no lar humano o caminho de nossa regeneração!

A família consanguínea na Terra é o microcosmo de obrigações salvadoras em que nos habilitamos para o serviço à família maior que se constitui da Humanidade inteira, O parente necessitado de tolerância e carinho representa o ponto difícil que nos cabe vencer, valendo-nos dele para melhorar-nos em humildade e compreensão.

Um pai incompreensivo, um esposo áspero ou um filho de condução inquietante, simbolizam linhas de luta benéfica, em que podemos exercitar a paciência, a doçura e o devotamento até ao sacrifício!...

Especialmente, no tocante aos filhos, não nos esqueçamos de que pertencem a Deus e à vida, acima de tudo!...

Na esfera carnal, a Providência Divina nos sela a memória, no favor do renascimento, envolvendo-nos com o sopro renovador de abençoada esperança!

Por isso mesmo, não nos cabe olvidar que os filhos são sempre laços preciosos da existência, requisitando-nos equilíbrio e discernimento em todas as decisões...

Para desobrigar-nos da grande tarefa que a maternidade nos impõe, é imprescindível entender-lhes o psiquismo diferente do nosso, a exigir, muitas vezes um tipo de felicidade que não se harmoniza com o nosso modo de ser.

Saibamos, assim, prepará-los, sem egoísmo, para o destino que lhes compete!
O carinho escravizante assemelha-se a um mel envenenado, enredando-nos na sombra.

Conservemos nosso espírito arejado pela justiça, para que a nossa afectividade seja uma bênção com a possibilidade de educar os que nos cercam, na escola do trabalho salutar!...

Na pausa que surgiu, espontânea, Zulmira indagou com simplicidade:
— Abnegada benfeitora, como agir para solucionar os problemas com segurança?

— Vocês superaram dias alarmantes de crise espiritual — informou a orientadora, prestimosa — e conquistaram o ensejo de reestruturação do próprio destino.

Agora, repitamos, é tempo de semear.
Valorizemos a oportunidade de reaproximação.

São vocês dois núcleos de força, susceptíveis de operar valiosas transformações nos grupos domésticos a que se ajustam.

Façamos da amizade o entendimento fraterno que tudo compreende e tolera, movimenta e ajuda, na extensão do Sumo Bem.

A vizinhança e a convivência, no fundo, são dons que o Senhor nos concede a benefício de nosso próprio reajuste.

Porque Zulmira e Antonina ensaiassem perguntas novas, Clara acentuou:
— Não temam.
A prece é o fio invisível de nossa comunhão com o Plano Divino e, à luz da oração, viveremos todos juntos.

Em todas as dúvidas, prefiramos para nós a renunciação construtivo.
Situar a responsabilidade de nosso lado é facilitar a solução dos problemas.

Sorridente, rematou:
— Não nos esqueçamos do privilégio de servir.

Logo após, o pequeno Júlio foi trazido ao recinto por vasto cortejo de gárrulas crianças.

Risos e lágrimas se misturaram no louvor à Bondade Divina.

Depois de algumas horas consagradas ao reconforto, escoltámos, de novo, as duas mães, reconduzindo-as ao campo físico para o sublime labor no lar terrestre.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 06, 2012 8:39 pm

40 - Em prece

Um ano depois do casamento de Antonina, dirigimo-nos todos juntos à residência do ferroviário, na qual tantas vezes nos reuníramos entre a prece e a expectação.

A vida marchara como sempre...
Júlio e Leonardo haviam renascido em paz, quase que ao mesmo tempo, trazendo ao mundo elevados programas de serviço.

Recém-chegados à Terra, sorriam ingenuamente para nós, conchega-dos ao colo materno.
Amaro e Zulmira, Silva e Antonina, cônscios das obrigações que haviam assumido, prosseguiam juntos, entrelaçados na mesma compreensão fraternal.

O singelo domicílio mostrava-se magnificamente florido, superlotado de amigos sorridentes.

Lucas e Evelina celebravam os esponsais.
Nos dois planos, entre encarnados e desencarnados, tudo era esperança e alegria, paz e amor.

Os noivos fitavam-se venturosos e Odila, na função de sacerdotisa do lar, ia e vinha, pondo e dispondo na direcção do acontecimento.

Entardecia, quando o juiz, com a felicidade de todos, lido o contrato de matrimónio, pronunciou o clássico «declaro-vos casados em nome da Lei.

Oscularam-se os nubentes com inexcedível afecto e vimos espantados que Odila, em muda oração, se transfigurava, coroando-se de luz.

Desvelou os olhos que se nos afiguraram mais lúcidos e contemplou a filha, embevecidamente.

Obedecendo, porém, a secreto impulso, ao invés de caminhar na direcção de Evelina, dirigiu-se para Zulmira, enlaçando-a em lágrimas.

Havia naquele gesto tanto carinho natural e tanto reconhecimento espontâneo, que intensa emotividade nos tomou de assalto.

Transfundiam-se ali dois corações maternos, na mesma vibração de paz, haurida na vitória interior pelo dever bem cumprido.

Envolta na faixa de ternura em que se via mergulhada, a segunda esposa de Amaro começou a chorar, possuída de inexprimível contentamento, como se inarticulada melodia do Céu lhe invadisse, por inteiro, o coração.

Ali mesmo, homem tocado de fé viva, o dono da casa rogou a Antonina pronunciasse o agradecimento a Jesus.

A esposa de Silva não vacilou.
Cerrando as pálpebras, parecia procurar-nos em espírito, qual antena vibrátil, atraindo a onda sonora.

Clarêncio abeirou-se dela e, tocando-lhe a fronte com a destra, entrou em meditação.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 06, 2012 8:39 pm

Suavemente impulsionada pelo Ministro, nossa amiga orou com sentida inflexão de voz:
- Amado Jesus, abençoa a nossa hora festiva que te oferecemos em sinal de carinho e gratidão.

Ajuda aos nossos companheiros que hoje se consorciam, convertendo-Lhes a esperança em doce realidade.

Ensina-nos, Senhor, a receber no lar a cartilha de luz que nos deste no mundo — generosa escola de nossos corações para a vida imortal.

Faz-nos compreender, no campo em que lutamos, a rica sementeira de renovação e fraternidade em que a todos nos cabe aprender e servir.

Que possamos, enfim, ser mais irmãos uns dos outros, no cultivo da paz, pelo esforço no bem.

Tu que consagraste a ventura doméstica, nas bodas de Caná, transforma a água viva de nossos sentimentos em dons inefáveis de trabalho e alegria.

Reflecte o teu amor na simplicidade de nossa existência, como o Sol se retrata no fio d'água humilde.

Guia-nos, Mestre, para o teu coração que anelamos eterno e soberano sobre os nossos destinos, e que a tua bondade comande a nossa vida é o nosso voto ardente, agora e para sempre.
Assim seja.


Calara-se Antonina.
Doce exaltação emotiva pairava em todos os semblantes.

Odila, sensibilizada, reunia Amaro e Zulmira nos braços, quais se lhe fossem filhos do coração.

Fitei a esposa de Silva, de quem o Ministro se afastara, e lembrei a noite em que lhe visitei o domicílio pela primeira vez.

Nunca me esqueci da excursão em que fomos designados para acompanhá-la em visitação ao filhinho, quando ignorávamos totalmente a importância de sua participação no drama que iríamos viver.

Dirigi-me ao instrutor e indaguei se ele, Clarêncio, conhecia a posição de nossa amiga, ao tempo de nosso primeiro contacto.

— Sim, sim... — respondeu, gentil —, mas não lhes dei a conhecer antecipadamente a significação dela no romance vivo que estamos acompanhando, porque todos nós, meu amigo, precisamos reconhecer que o trabalho é a nossa lição.

Movamos a mente no serviço que nos compete e adquiriremos a chave de todos os enigmas.

O apontamento era dos mais expressivos, mas não pude delongar a conversação, de vez que Irmã Clara, agora abraçada a Odila, convidava-nos ao regresso.

Entre adeuses cariciosos, Lucas e Evelina haviam tomado o auto que os conduziria a experiências novas na capital bandeirante.

A festa alcançara o fim...
Ao lado de nosso orientador, perguntei, reverente:
— Nossa história terminará, assim, com um casamento risonho, à moda de um filme bem acabado?

Clarêncio estampou o sorriso de sua velha sabedoria e falou:
— Não, André.
A história não acabou, O que passou foi a crise que nos ofereceu motivo a tantas lições.

Nossos amigos, pelo esforço admirável com que se dedicaram ao reajuste, dispõem agora de alguns anos de paz relativa, nos quais poderão replantar o campo do destino.

Entretanto, mais tarde, voltarão por aqui a dor e a prova, a enfermidade e a morte, conferindo o aproveitamento de cada um.

É a luta aperfeiçoando a vida, até que a nossa vida se harmonize, sem luta, com os Desígnios do Senhor.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 06, 2012 8:40 pm

O Ministro não logrou prosseguir.
Nossa caravana, constituída por dezenas de companheiros, iniciara a volta.
A viagem, diante do firmamento que acendia flamejantes lumes, não podia ser mais bela...

Chegados, porém, ao Lar da Bênção, notámos que Odila chorava copiosamente.
Aquela alma varonil de mulher vencera a batalha consigo mesma, no entanto, não parecia satisfeita com o próprio triunfo.

Clara conseguira-lhe brilhante posição de trabalho nas esferas mais altas, contudo, nossa heroína revelava-se em penosa Consternação.

Penetrando o santuário de Blandina, onde tantas vezes nos reuníramos para examinar os problemas que nos afligiam de perto, o Ministro abraçou-a e recomendou, paternal:
— Odila, enquanto celebramos tua vitória, diz que céu procuras!

Ela caminhou para Irmã Clara e osculou-lhe a destra, num gesto mudo de reconhecimento e, depois, voltando-se para o nosso instrutor, respondeu com humildade:
— Devotado benfeitor, meu lar terrestre é o meu paraíso...
— Mas não ignoras que o domicílio do mundo não te pertence mais.

— Sim — concordou a interlocutora, respeitosa —, sei disso, entretanto, desejo servir a ele, sem que ele seja meu...

Amo meu esposo por inesquecível companheiro da vida eterna, abençoando a admirável mulher a quem ele agora pertence e que passei a querer por filha de minha ternura...

Amo meus filhos, apesar de saber que não podem presentemente sentir o calor de meu coração...

Deus sabe que hoje amo sem o propósito de ser amada, que me proponho oferecer-me sem retribuição, a fim de aprender com Jesus a dar sem receber...

A emoção embargou-lhe a voz.
De nosso lado, tínhamos nossos olhos marejados de pranto.

Visivelmente comovido, Clarêncio levantou-lhe a fronte submissa, afagou-lhe os cabelos e, colocando-lhe uma flor de luz sobre o peito, exclamou:
— Onde permanece o nosso amor, aí fulgura o céu que sonhamos.

Mereces o paraíso que procuras.
Retorna, Odila, ao teu lar quando quiseres.
Sê para o teu esposo e para as almas que o seguem o astro de cada noite e a bênção de cada dia!

O amor puro outorga-te esse direito. Volta e ama...
E, quando te ergueres do vale humano, teu coração será como faixa de sol, trazendo ao Cristo os corações que pastorearás no campo imenso da vida!

Odila ajoelhou-se e beijou-lhe as mãos veneráveis.
Nesse instante, funda saudade assomou-me à alma opressa.

Experimentei a estranha sensação do pai que busca inutilmente os filhos arrebatados ao seu carinho.

Ave distante da paisagem que a vira nascer, vi-me atormentado pelo anseio de recuperar, de imediato, o meu ninho...

Lágrimas quentes derramavam-se de meu coração pela concha dos olhos e, temendo perturbar a harmonia reinante, demandei o jardim próximo e, sozinho, fitei o firmamento, pintalgado de estrelas...

O vento que soprava célere parecia dizer-me:
— «Confia!...»

O perfume das flores, de passagem por mim, apelava em silêncio:
— “Não te detenhas!”

E as constelações faiscantes, pendendo da Altura, davam-me a impressão de acenos da luz eterna, concitando-me sem palavras:
— «Luta e aperfeiçoa-te! A plenitude do teu amor brilhará também um dia!... »

Então, numa prece de agradecimento ao Pai Celestial, percebi que meu espírito pacificado sorria, de novo, ao toque inefável de sublime esperança.

Fim

§.§.§- O-canto-da-ave

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Muita Paz
Que Jesus o abençoe
Ave sem Ninho
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