LUZ ESPÍRITA
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Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU

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Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU - Página 2 Empty Re: Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 25, 2012 9:21 pm

Flores de contextura delicada pendiam abundantemente de árvores vigorosas, embalsamando as leves virações que sussurravam encantadoras melodias...

Como se trouxesse agora todo o busto engrinaldado de luz, Clarêncio sorria, bondoso.
Emudecera-se-lhe a palavra.
Sentíamo-nos todos magnetizados e enternecidos ante a beleza do quadro que nos prendia a admiração.

Antonina, porém, como se estivesse irradiando insopitável curiosidade, mesclada de alegria, voltou a exclamar:
— Ah! se morrêssemos hoje!... se a carne não nos pesasse mais!...

O Ministro, contudo, imprimindo mais grave entonação à voz, mas sem perder a brandura que lhe era peculiar, considerou, de imediato:
— Se hoje abandonassem o veículo de matéria densa, quem diz que seriam felizes?
Quem de nós obterá a suprema ventura, sem a perfeita sublimação pessoal?

E, fitando Antonina com bondade misturada de compaixão, observou:
— Agora, vocês visitarão filhinhos abençoados que a morte lhes arrebatou temporáriamente ao convívio terrestre.

Vocês se sentem como que num palácio dourado, em pleno paraíso de amor, mas, e os filhinhos que ficam?

Haverá Céu sem a presença daqueles que amamos?
Teremos paz sem alegria para os que moram em nosso coração?

Imaginemos que as algemas do cárcere físico se partissem agora...
O atormentado lar humano cresceria de vulto na saudade que as tomaria de assalto...

A lembrança dos filhos aprisionados no Planeta acorrentá-las-ia ao mundo carnal, à maneira de forte raiz retendo a árvore no solo escuro.

Os rogos e os gemidos, as lutas e as provas dos rebentos menos felizes da existência lhes falariam ao espírito mais imperiosamente que os cânticos de bem-aventurança dos filhos afortunados e, naturalmente, desceriam do Céu para a Terra, preferindo a posição de angustiadas servas invisíveis, trocando a resplendente glória da liberdade pelos dolorosos padecimentos da prisão, de vez que a ventura maior de quem ama reside em dar de si mesmo, a favor das criaturas amadas...

As duas mulheres ouviram as sensatas ponderações sem dizer palavra.

Finda a pausa ligeira, o instrutor continuou:
— Somos devedores uns dos outros!...
Laços mil nos jungem os corações.

Por enquanto, não há paraíso perfeito para quem volta da Terra, tanto quanto não existe purgatório integral para quem regressa ao humano sorvedouro!

O amor é a força divina, alimentando-nos em todos os sectores da vida e o nosso melhor património é o trabalho com que nos compete ajudar-nos mutuamente.

Na paisagem banhada de luz, experimentei mais alta veneração pela Natureza, que, em todas as esferas, é sempre um livro revelador da Eterna Sabedoria...

Nossas irmãs, tocadas por júbilo inexprimível, afiguravam-se-me formosas madonas de sonho, repentinamente vivificadas, diante de nós.

É pelo trabalho — prosseguiu o orientador — que nos despojamos, pouco a pouco, de nossas imperfeições.

A Terra, em sua velha expressão física, não é senão energia condensada em época imemorial, agitada e transformada pelo trabalho incessante, e nós, as criaturas de Deus, nos mais diversos degraus da escada evolutiva, aprimoramos faculdades e crescemos em conhecimento e sublimação, através do serviço...


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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 25, 2012 9:21 pm

O verme, arrastando-se, trabalha em benefício, do solo e de si mesmo;
o vegetal, respirando e frutescendo, ajuda a atmosfera e auxilia-se.

O animal, em luta perene, é útil à gleba em que se desenvolve, adquirindo experiências que lhe são valiosas, e nossa alma, em constantes peregrinações, através de formas variadas, conquista os valores indispensáveis à sublime ascensão...

Somos filhos da eternidade, em movimentação para a glória da verdadeira vida e só pelo trabalho, ajustado à Lei Divina, alcançaremos o real objectivo de nossa marcha!

Antonina, que parecia mais acordada que a sua companheira, para a contemplação do excelso quadro que nos circundava, perguntou, com enlevo:
- Porque não guardamos a viva recordação de nossas existências anteriores?
Não seria bendita felicidade o reencontro consciente com aqueles que mais amamos?...

— Sim, sim... — confirmava Clarêncio, enquanto nossa deliciosa excursão prosseguia, célere — mas, na condição espiritual em que ainda nos situamos, não sabemos orientar os nossos desejos para o melhor.

Nosso amor ainda é insignificante migalha de luz, sepultada nas trevas do nosso egoísmo, qual ouro que se acolhe no chão, em porções infinitesimais, no corpo gigantesco da escória.

Assim como as fibras do cérebro são as últimas a se consolidarem no veículo físico em que encarnamos na Terra, a memória perfeita é o derradeiro altar que instalamos, em definitivo, no templo de nossa alma, que, no Planeta, ainda se encontra em fases iniciais de desenvolvimento.

É por isso que nossas recordações são fragmentárias...

Todavia, de existência a existência, de ascensão em ascensão, nossa memória gradativamente converte-se em visão imperecível, a serviço de nosso espírito imortal...

— Mas se pudéssemos reconhecer no mundo os nossos antigos afectos, se pudéssemos rever os semblantes amigos de outras eras, identificando-os... — aventurou Antonina, reverente.

— Retomar o contacto com os melhores, seria recuperar igualmente os piores — atalhou Clarêncio, bondoso — e, indiscutivelmente, não possuímos até agora o amor equilibrado e puro, que se consagra aos desígnios superiores, sem paixão.

Ainda não sabemos querer sem desprezar, amparar sem desservir.
Nossa afectividade, por enquanto, padece deploráveis inclinações.

Sem o esquecimento transitório, não saberíamos receber no coração o adversário de ontem para regenerar-nos, regenerando-o.

A Lei é sábia. De qualquer modo, porém, não olvidemos que nosso espírito assinala todos os passos da jornada que lhe é própria, arquivando em si mesmo todos os lances da vida, para formar com eles o mapa do destino, de acordo com os princípios de causa e efeito que nos governam a estrada, mas somente mais tarde, quando o amor e a sabedoria sublimarem a química dos nossos pensamentos, é que conquistaremos a soberana serenidade, capaz de abranger o pretérito em sua feição total...

O Ministro fez ligeiro intervalo, sorriu paternalmente para nós e rematou:
— A Lei, contudo, é invariávelmente a Lei.
Viveremos em qualquer parte, com os resultados de nossas acções, assim como a árvore, em qualquer trato do solo, produzirá conforme a espécie a que se subordina.

O firmamento parecia responder às sugestões da palestra admirável.
Bandos de aves mansas pousavam na ramaria que brilhava não longe de nós.

O Sol apresentava perceptíveis raios diferentes, até agora desconhecidos à apreciação comum na Terra, provocando indefiníveis combinações de cor e luz.

Por abençoada e colorida colmeia de amor, harmonioso casario surgiu ao nosso olhar.

Centenas de gárrulas crianças brincavam entre fontes e flores de maravilhoso jardim.


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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 25, 2012 9:22 pm

9 - No Lar da Bênção

Clarêncio movimentou a destra, indicando-nos o quadro sublime a desdobrar-se sob a nossa vista.

Doce melodia que enorme conjunto de meninos acompanhava, cantando um hino delicado de exaltação do amor materno, vibrava no ar.

Aqui e ali, sob tufos de vegetação verde-clara, muitas senhoras sustentavam lindas crianças nos braços.
— É o Lar da Bênção — informou o instrutor, satisfeito.

— Nesta hora, muitas irmãs da Terra chegam em visita a filhinhos desencarnados.
Temos aqui importante colónia educativa, misto de escola de mães e domicílio dos pequeninos que regressam da esfera carnal.

O Ministro, porém, interrompeu-se, de improviso.
Nossas companheiras pareciam agora tomadas de jubilosa aflição.

Vimo-las desgarrar, de inopino, qual se fossem atraídas por forças irresistíveis, precipitando-se para os anjinhos que cantarolavam alegremente.

Enquanto a que nos era menos conhecida enlaçava louro petiz, com infinito contentamento a expressar-se em lágrimas, dona Antonina abraçou um pequeno de formoso semblante, gritando, feliz:
— Marcos! Marcos!...
— Mãezinha! Mãezinha!... — respondeu a criança, colando-se-lhe ao peito.

Clarêncio fez sinal para as irmãs vigilantes, que se responsabilizavam pelos entretenimentos no parque, como a solicitar-lhes protecção e carinho para as nossas associadas de excursão, e disse-nos, em seguida:
— O pequeno Júlio não se encontra no grupo.

Ainda sofre anormalidades que lhe não permitem o convívio com as crianças felizes.
Acha-se no lar da irmã Blandina.
Rumemos para lá.

Em poucos minutos, chegávamos diante de pequenino castelo muito alvo, em que se destacavam as ogivas azuis, coroadas de trepadeiras em flor.

Atravessamos extenso jardim, embalsamado de aroma.
Rosas opalinas, ignoradas na Terra, de mistura com outras flores, desabrochavam profusamente.

A irmã Blandina recebeu-nos sorridente, apresentando-nos uma senhora simpática que lhe fora avozinha no mundo.

Mariana, nossa nova amiga, cumprimentou-nos, bondosa.
Findas as saudações usuais, Clarêncio tocou, directo, no assunto.
Desejávamos avistar o pequeno Júlio, que havia desencarnado por afogamento.

Blandina, que em plena juvenilidade trazia nos olhos os característicos de sublime madureza de espírito, respondeu gentilmente:
— Ah! com muito prazer!

E, encaminhando-nos a iluminada peça, ornamentada de róseos enfeites, onde um menino repousava num leito muito branco, explicou, sem afectação:
— Nosso Júlio, até hoje, ainda não se refez completamente.

Ainda grita sob pesadelos inquietantes, como se estivesse a sofrer sob as águas.
Chama pelo pai constantemente, apesar de parecer mais receptivo ao nosso carinho.
Insiste pela volta a casa, todos os dias.

Acercamo-nos do berço largo em que descansava.
O menino lançou-nos um olhar de atormentada desconfiança, mas, contido pela ternura da irmã que o assistia, permaneceu mudo e impassível.


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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 25, 2012 9:22 pm

— Ainda não se mostrou em condições de partilhar os estudos com os outros? — perguntou o Ministro, interessado.

— Não — informou a interpelada, solícita —, aliás, os nossos benfeitores Augusto e Cornélio, que nos amparam frequentemente, são de parecer que ele não conseguirá adquirir aqui qualquer melhora real, antes da reencarnação que o aguarda.
Traz a mente desorganizada por longa indisciplina.

Bem-humorada, acrescentou:
— É um paciente difícil.
Felizmente, dispomos da cooperação de nossa devotada Mariana, que o adoptou por filho espiritual, até que retorne ao lar terrestre.

Foi preciso segregá-lo neste quarto, tamanha é a gritaria a que se entrega por vezes.

— Mas não tem recebido o tratamento magnético aconselhável? — indagou Clarêncio, atencioso.
— Diariamente recebe o auxílio necessário — esclareceu Blandina, com humildade —, eu mesma sou a enfermeira.
Passes e remédios não faltam.

— E a irmã conhece o caso em suas particularidades?
— Sim, conheço.
Eulália tem vindo até nós.

Lastimo que a mãezinha de nosso doente não esteja em condições de ampará-lo.
Creio que o concurso dela poderia insuflar-lhe novas forças.
Entretanto, com excepção da irmãzinha que se lembra dele nas orações, ninguém mais da família o ajuda.

— Mãezinha! Mãezinha L.. — clamou o pequeno, em voz rouca, erguendo-se e enlaçando Blandina, pálido e inquieto.

— Que te incomoda, meu filho?
— Dói-me a garganta... — lamentou-se o rapazinho.

A jovem benfeitora abraçou-o, osculando-lhe os cabelos, e recomendou:
— Não te aflijas.

Como é que um moço de teu valor pode chorar, assim por nada? Imagina!
Temos três médicos em casa.
É impossível que a dor não fuja apressada.

Logo após, sentou-o numa poltrona e solicitou a colaboração de Clarêncio.
O Ministro, cuidadoso, pediu-lhe, abrisse a boca e, surpreendidos, notámos que a fenda glótica, principalmente na região das cartilagens aritenóides, apresentava extensa chaga.

O orientador aplicou-lhe recursos magnéticos especiais e, em poucos instantes, Júlio voltou à tranquilidade.

— Então? — falou Blandina, amparando-o, afectuosa — onde está agora a garganta dolorida?

E, visivelmente satisfeita, acrescentou:
— Já agradeceste ao nosso benfeitor, meu filho?

O menino, hesitante, caminhou para o Ministro, beijou-lhe a destra com respeitoso carinho e balbuciou:
— Muito agradecido.
Blandina ia dizer algo, mas Júlio correu para o seu regaço, choramingando:
— Mãezinha, tenho sono...


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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 25, 2012 9:22 pm

A abnegada jovem acolheu-o, com ternura, reconduzindo-o ao repouso.
Quando tornou à sala, Clarêncio informou que doara ao enfermo energias anestesiantes.
Notara-o fatigado, resolvendo, por isso, induzi-lo ao descanso.

E, talvez porque nos percebesse o cérebro esfogueado de indagações, quanto àquela minúscula garganta ferida, depois da morte do corpo, o Ministro explicou:
— É pena. Júlio envolveu-se em compromissos graves.

Desentendendo-se com alguns laços afectivos do caminho, no século passado, confiou-se a extrema revolta, aniquilando o veículo físico que lhe fora emprestado por valiosa bênção.

Rendendo-se à paixão, sorveu grande quantidade de corrosivo.
Salvo, a tempo, sobreviveu à intoxicação. mas perdeu a voz, em razão das úlceras que se lhe abriram na fenda glótica.

Ainda aí, não se conformando com o auxílio dos colegas que o puseram fora de perigo, alimentou a ideia de suicídio, sem recuar.

Foi assim que, não obstante enfermo, burlou a vigilância dos companheiros que o guardavam e arrojou-se a funda corrente de um rio, nela encontrando o afogamento que o separou do envoltório carnal.

Na vida espiritual, sofreu muito, carregando consigo as moléstias que ele mesmo infligira à própria garganta e os pesadelos da asfixia, até que reencarnou, junto das almas com as quais se mantém associado para a regeneração do pretérito.

Infelizmente, porém, encontra dificuldades naturais para recuperar-se.
Lutará muito, antes de incorporar-se a novo património físico.

Registávamos aqueles apontamentos com dolorosa admiração.
Uma criança doente é sempre um espectáculo comovedor.

Não nos atrevíamos a manifestar nossos pensamentos de estranheza, todavia, o prestimoso amigo, assinalando-nos decerto as dúvidas, acentuou:
— Há poucos instantes, comentávamos a sublimidade da Lei.
Ninguém pode trair-lhe os princípios.

A Bondade Divina nos assiste, de múltiplas maneiras, amparando-nos o reajustamento, mas em todos os lugares viveremos jungidos às consequências dos próprios actos, de vez que somos herdeiros de nossas próprias obras.

O assunto constituía preciosa sugestão para interessantes estudos, mas, antes de enunciar qualquer pergunta, busquei aspirar, a longos haustos, as baforadas frescas de vento, que carreavam para o recinto vagas sucessivas de agradável perfume.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 25, 2012 9:27 pm

10 - Preciosa conversação

Blandina, que parecia bastante versada nas questões da infância, associando-se à conversação que Clarêncio desenvolvia, considerou, com interesse:
— Efectivamente, a Lei é invariável, contudo, a criança desencarnada muitas vezes é problema aflitivo.

Quase sempre dispõe de afeiçoados que a seguem, de perto, amparando-lhe o destino, entretanto tenho observado milhares de meninos que, pela natureza das provações em que se envolveram, sofrem muitíssimo, à espera de oportunidades favoráveis para a aquisição dos valores de que necessitam.

E sorrindo, bondosa, acrescentou:
— O caso de Júlio não é para mim dos mais dolorosos.

Tenho visitado departamentos de reajuste em que se demoram irmãos nossos, arrancados à carne, violentamente, como frutos verdes da árvore em que se desenvolvem...

Processos de mente enfermiça que só abençoadas estações regenerativas na carne conseguem curar...
Poderíamos receber de sua experiência alguns exemplos objectivos? — indagou Hilário, curioso.

— Ah! são muitos!... — ponderou a nossa interlocutora, gentil — temos para demonstração mais prática os absurdos da megalomania intelectual.

Há pessoas, na Terra, que não se acautelam contra os desvarios da inteligência e fazem da astúcia e da vaidade o clima em que respiram.

Insistem na inércia do coração, abominam o sentimento elevado que interpretam por pieguismo e transformam a cabeça num laboratório de perversão dos valores da vida.

Não cuidam senão dos próprios interesses, não amam senão a si mesmos.
Não percebem, contudo, que se ressecam interiormente e nem imaginam os resultados cruéis da cerebração para o mal.

Frequentemente, na luta mundana, avultam na condição de dominadores poderosos, com vastíssimo potencial de influência sobre amigos e adversários, conhecidos e desconhecidos.

Mas, esse êxito é ilusório.
Caem sob o guante da morte com grande alívio dos contemporâneos e passam a receber-lhes as vibrações de repulsa.

Semelhantes criaturas naturalmente são vítimas de si mesmas e sofrem os mais complicados desequilíbrios mentais.

Depois de períodos mais ou menos longos de purgação, após a transição da morte, voltam à carne, necessitados de silêncio e solidão para se desenvencilharem dos envoltórios inferiores em que se enredaram, assim como a semente precisa do isolamento na cova escura para desintegrar os elementos pesados que a constringem, para novo desabrochar.

A moça esboçou inteligente sorriso e continuou:
— Imaginemos que a terra se recusasse a auxiliar as sementes que esperam reviver, O solo expulsá-las-ia, e, em vez dos germens libertados para a vitória da plantação, teríamos tão-somente pevides secas, em aflitiva inquietude, desorientando a lavoura.

Em verdade, a maioria das mães é constituída por sublime falange de almas nas mais belas experiências de amor e sacrifício, carinho e renúncia, dispostas a sofrer e a morrer pelo bem-estar dos rebentos que a Providência Divina lhes confiou às mãos ternas e devotadas, contudo, há mulheres cujo coração ainda se encontra em plena sombra.

Mais fêmeas que mães, jazem obcecadas pela ideia do prazer e da posse e, despreocupando-se dos filhinhos, lhes favorecem a morte, O infanticídio inconsciente e indirecto é largamente praticado no mundo.

E como o débito reclama resgate, as delongas na solução dos compromissos assumidos acarretam enormes padecimentos nas criaturas que se submetem aos choques biológicos da reencarnação e vêem prejudicadas as suas esperanças de quitação com a Lei.

Ante a pausa que se fizera natural, Inquiri:
— Mas a Lei não traçará princípios inamovíveis?
Pretenderá a irmã dizer que uma criança pode desencarnar, fora do dia indicado para a sua libertação?
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 26, 2012 8:28 pm

— Sim, sem dúvida — atalhou o Ministro, que nos escutava —, há um programa estruturado na Espiritualidade para as nossas tarefas humanas, entretanto, pertence-nos a condução dos próprios impulsos dentro delas.

Em regra geral, multidões de criaturas cedo se afastam do veículo carnal, atendendo a serviços de socorro e sublimação, mas, em numerosas circunstâncias a negligência e a irreflexão dos pais são responsáveis pelo fracasso dos filhinhos.

— Aqui — explicou Blandina, delicada —, recebemos muitas solicitações de assistência, a benefício de pequeninos ameaçados de frustração.

Temos irmãs que por nutrirem pensamentos infelizes envenenam o leite materno, comprometendo a estabilidade orgânica dos recém-natos vemos casais que, através de rixas incessantes, projectam raios magnéticos de natureza mortal sobre os filhinhos tenros, arruinando-lhes a saúde, e encontramos mulheres invigilantes que confiam o lar a pessoas ainda animalizadas, que, à cata de satisfações doentias, não se envergonham de ministrar hipnóticos a entezinhos frágeis, que reclamam desvelado carinho...

Em algumas ocasiões, conseguimos restabelecer a harmonia, com a recuperação desejável, no entanto, muitas vezes somos constrangidas a assistir ao malogro de nossos melhores propósitos.

— Nesses casos... — interferi, buscando maiores esclarecimentos.

Blandina, porém, percebendo-me a indagação íntima, adiantou:
— Nesses casos, ainda e sempre, a Lei é invariável.
As provas e tarefas sofrem dilação no tempo, mas serão cumpridas, afinal.

Aquilo que não se realiza num século, pode efectuar-se em outro.
Nossa boa vontade e nossa aplicação aos Desígnios Divinos podem abreviar qualquer espécie de serviço.
Quem persiste na direcção do bem, mais cedo atinge a vitória.

E com o formoso sorriso que lhe bailava no semblante juvenil, acrescentou:
- Não vale fugir às responsabilidades, porque o tempo é inflexível e porque o trabalho que nos compete não será transferido a ninguém.

Hilário, que acompanhava a conversação com extremo interesse, considerou:
— Antigamente, na Terra, conforme a teologia clássica, supúnhamos que os inocentes, depois da morte, permaneciam recolhidos ao descanso do limbo, sem a glória do Céu e sem o tormento do inferno, e, nos últimos tempos, com as novas concepções do Espiritualismo, acreditávamos que o menino desencarnado retomasse, de imediato, a sua personalidade de adulto...

Em muitas situações, é o que acontece — esclareceu Blandina, afectuosa —; quando o Espírito já alcançou elevada classe evolutiva, assumindo o comando mental de si mesmo, adquire o poder de facilmente desprender-se das imposições da forma, superando as dificuldades da desencarnação prematura.

Conhecemos grandes almas que renasceram na Terra por brevíssimo prazo, simplesmente com o objectivo de acordar corações queridos para a aquisição de valores morais, recobrando, logo após o serviço levado a efeito, a respectiva apresentação que lhes era costumeira Contudo, para a grande maioria das crianças que desencarnam, o caminho não é o mesmo.

Almas ainda encarceradas no automatismo inconsciente, acham-se relativamente longe do auto-governo.
Jazem conduzidas pela Natureza, à maneira das Criancinhas no colo maternal.

Não sabem desatar os laços que as aprisionam aos rígidos princípios que orientam o mundo das formas e, por isso, exigem tempo para se renovarem no justo desenvolvimento.

É por esse motivo que não podemos prescindir dos períodos de recuperação para quem se afasta do veículo físico, na fase infantil, de vez que, depois do conflito biológico da reencarnação ou da desencarnação, para quantos se acham nos Primeiros degraus da conquista de poder mental, o tempo deve funcionar como elemento indispensável de restauração.

E a variação desse tempo dependerá da aplicação pessoal do aprendiz à aquisição de luz interior, através do próprio aperfeiçoamento moral.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 26, 2012 8:28 pm

Encantávamos as exposições claras e simples de nossa interlocutora, cuja palavra tangia com tanta felicidade graves problemas da vida.

Em suas fórmulas verbais singelas e acessíveis, penetrávamos inquietantes enigmas da puericultura.
Blandina sabia associar a compreensão e a graça, instruindo-nos com discernimento.

Comovido, diante das anotações que lhe definiam a valiosa Posição cultural, Ponderei:
— Usando semelhantes apontamentos, podemos entender com mais segurança, os processos dolorosos das enfermidades congénitas e das moléstias insidiosas que assaltam a meninice no mundo.

Sempre fui Possuído de aflitivo assombro, à frente do mongolismo e da epilepsia, da encefalite letárgica e da meningite, da lepra e do câncer, na tenra organização infantil.

— E que dizer dos desastres irremediáveis —considerou Hilário, com emoção —, dos desastres que arrebatam adoráveis flores do lar, deixando inconsoláveis pais e mães?

Por vezes numerosas, procurei resposta às terríveis inquirições que nos atormentam, perante corpinhos dilacerados, nos hospitais de sangue, sem conseguir ausentar-me do escuro labirinto.

— Sim — esclareceu a enfermeira, bondosa -, as reparações nos martirizam na carne, mas, sem elas, não atingiríamos o próprio reajustamento.

— Cada qual de nós renasce na Terra — apreciou o Ministro — a exprimir na matéria densa o património de bens ou males que incorporamos aos tecidos subtis da alma.

A patogenia, na essência, envolve estudos que remontam ao corpo espiritual, para que não seja um quadro de conclusões falhas ou de todo irreais.

Voltando à Terra, atraímos os acontecimentos agradáveis ou desagradáveis, segundo os títulos de trabalho que já conquistámos ou conforme as nossas necessidades de redenção.

Bem-humorado, acentuou:
— A carne, de certo modo, em muitas circunstâncias não é apenas um vaso divino para o crescimento de nossas potencialidades, mas também uma espécie de carvão milagroso, absorvendo-nos os tóxicos e resíduos de sombra que trazemos no corpo substancial.

Reparei, então, com mais insistência, a figura suave de Blandina.

Porque se dedicara ela, assim, a trabalhos tão complexos?
Não seria mais justo ouvir aquela conversação dos lábios da simpática Mariana, que ali se achava, junto de nós, em sua posição de matrona respeitável?

Externei os meus pensamentos, perguntando, com discrição, à jovem o porquê da grave tarefa de que se incumbia.

Blandina apagou a luz do sorriso que lhe adornava o semblante, como flor aberta que se fechasse, de súbito.
Pesado silêncio pairou no recinto.

Mas, generosa e simples, adoçou a expressão fisionómica e falou, quase conselheiral:
- Fui casada em minha última existência e somente há três anos terrestres me vejo, de novo, na vida espiritual.

Não pude acariciar um filhinho, em meus sonhos recentes de mulher, mas hoje sei que preciso reeducar-me no amor de mãe, consoante os débitos que contraí no passado.

Realmente, sinto grande afeição pelas crianças, contudo, tenho igualmente enormes dívidas morais para com elas...

O assunto descambava para um círculo particular, que devia ser sagrado aos nossos olhos.

Por isso mesmo, Clarêncio fez mudo sinal para mim e a conversação foi canalizada para outro rumo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 26, 2012 8:29 pm

11 - Novos apontamentos

Hilário, aderindo à renovação da palestra, indagou da irmã Blandina se ela era a dirigente do parque em que nos achávamos, ao que ela informou, com humildade:
— Não me atribua tamanho crédito.
Tenho tarefas variadas aqui e alhures, entretanto, sou mera servidora.

O nosso educandário guarda mais de duas mil crianças, mas, sob os meus cuidados, permanecem apenas doze.

Somos um grande conjunto de lares, nos quais muitas almas femininas se reajustam para a venerável missão da maternidade e connosco multidões de meninos encontram abrigo para o desenvolvimento que lhes é necessário, salientando-se que quase todos se destinam ao retorno à Terra para a reintegração no aprendizado que lhes compete.

— E a direcção central? — inquiriu meu colega, esmiuçador.
— Não reside aqui.

O parque é uma das várias dependências de vasto estabelecimento de assistência e educação, do qual somos hoje tutelados.
No fundo, nossa casa é uma larga escola, dotada com todos os recursos indispensáveis ao nosso aproveitamento.

Os melhores processos de habilitação espiritual funcionam connosco, em benefício dos que vão renascer na carne e dos que se dirigirão, mais tarde, às Esferas Superiores.

- Mas possuem aqui até mesmo os cursos primários de alfabetização?

— Não estranhem. Partilho com Blandina o estudo das leis divinas para renovar-me em espírito, com vistas ao grande futuro, mas o amor que ainda trago por velhos companheiros de luta humana constrange-me a larga demora, em serviço de cooperação, na antiga casa de fé religiosa a que me afeiçoei.

— Aliás — ponderou o Ministro, sensato o auxílio divino é como o Sol, irradiando-se para todos.
As instituições e as almas que se voltam para o Pai Celestial recebem o suprimento de recursos de que necessitam, segundo as possibilidades de recepção que demonstrem.

Interessado, porém, nos apontamentos que surgiam, cada vez mais valiosos, Hilário indagou:
— Em que base se formará o processo de auxílio nas igrejas?
Com o impedimento de nossa comunicação directa, como será possível cooperar em favor dos nossos irmãos católicos romanos?

— Muito simplesmente — esclareceu Mariana, prestimosa —, o culto da oração é o meio mais seguro para a nossa influência.
A mente que se coloca em prece estabelece um fio de intercâmbio natural connosco...

— Mas não de maneira ostensiva — alegou o nosso companheiro, estudioso.

— Pelo pensamento — explicou a interlocutora, respeitável.
— A intuição beneficia em toda parte, e, quanto mais alto é o teor de qualidades nobres na criatura, mais ampla é a zona lúcida de que se serve para registar o socorro espiritual.

O culto público, indiscutivelmente, qual vem sendo levado a efeito, nos tempos modernos, não favorece o contacto das forças superiores com a mente popular.

Os interesses rasteiros, conduzidos à igreja, constituem sólido entrave contra o auxílio celeste.

E a preocupação de riqueza e pompa, quase sempre mantida pelo sacerdócio nos ofícios, inutiliza por vezes os nossos melhores esforços, porque, enquanto a atenção da alma se prende a exterioridades, as forças contrárias ao bem e à luz encontram facilidades positivas para a cultura do fanatismo e da discórdia.

Ainda assim, superando tais obstáculos, é sempre possível algo fazer em benefício do próximo.
— Durante a missa, por exemplo prosseguiu Hilário, observador —, é viável o seu trabalho de cooperação?
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Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU - Página 2 Empty Re: Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 26, 2012 8:29 pm

Mariana fixou uma expressão facial de bom humor e aduziu:
— Somos grandes falanges de aprendizes da fraternidade em acção.
Por mais desagradáveis se nos mostrem os quadros de luta, a nossa obrigação é servir.

Finda ligeira pausa, continuou:
- Quando a missa obedece a pura convenção social, funcionando como exibição de vaidade ou poder, a nossa colaboração resulta invariávelmente nula.

E, sorrindo:
- Que teríamos a fazer num acto bajulatórío, em que os devotos da fortuna material ou da perversidade incensam a desregrada conduta de pessoas inescrupulosas?

Há missas solenes de consagração a políticos astuciosos e a magnatas do ouro que, em verdade, são reais sacrilégios, em nome do Cristo.

Por outro lado, há missas de almas que constituem escárnio à dor dos que foram recolhidos pela morte, quais as que são mandadas celebrar por parentes ambiciosos que, por vezes, até mesmo se alegram com a ausência do morto, ávidos que se mostram de lhes pilharem os despojos, na corrida a testamentos e cartórios.

Essas missas fortemente adubadas a dinheiro estão para eles tão frias, como os túmulos em que se lhes asilou a carne desfigurada.

Mas, se o acto religioso é simples, partilhado por mentes e corações sinceros, inclinados à caridade evangélica e centralizados na luz da oração, com os melhores sentimentos que Possuem, o culto se reveste de grande valor, pelas vibrações de paz e carinho que arremessa na direcção daquele a quem é endereçado.

Frequentemente, as missas humildes, realizadas aos primeiros cânticos da manhã, são as mais favoráveis ao nosso concurso.

Podemos, com mais segurança, articular as possibilidades ao nosso alcance e ambientá-las a benefício daqueles que esperam de nós o amparo necessário.

Hilário pensou alguns instantes, valendo-se do intervalo que surgira na conversação e obtemperou:
— Possuímos nas igrejas a questão do patrocínio.
Imaginemos que determinado templo foi erguido à memória de Gerardo Majela.
Isso expressa uma obrigação para o grande místico europeu?

— Certamente não se trata de uma obrigação escravizante, mas de um serviço que lhe honra o nome e que merecerá dele certo reconhecimento mesclado de responsabilidade.

Devemos reconhecer, contudo, que o trabalho do bem, qualquer que ele seja, permanece ligado a Jesus.
No entanto, se algum servo do Senhor está ligado a obra por fazer, tanto quanto lhe seja possível desdobrar-se-á para enriquecê-la de bênçãos.

— Mas... e na hipótese de algum santuário surgir, dedicado a suposto herói da virtude?
Figuremos alguém da Terra sendo conduzido ao altar por imposição da autoridade humana, sem mérito bastante, à frente do Senhor...

Os crentes encarnados atribuir-lhe-iam poder de que não conseguiria dispor...
Em que situação estaria o templo que lhe fosse consagrado?

Mariana registou a pergunta, cortesmente, e explicou:
— Numa contingência dessas, mensageiros de Jesus responsabilizar-se-iam pela instituição, distribuindo aí os benefícios adequados aos merecimentos e necessidades de cada um.

— E o tipo de assistência?
É de renovação espiritual ou de mero socorro aos crentes encarnados?
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 26, 2012 8:29 pm

— Ah! — comentou Mariana, sincera — o trabalho é complexo e divide-se em múltiplos sectores.
Não está limitado à esfera da experiência física.
Inumeráveis são as almas que, desligadas do corpo, recorrem aos altares, implorando esclarecimento...

Outras, depois da morte, confiam-se a desequilibradas e moções, invocando a protecção dos Espíritos santificados...

E’ preciso corrigir aqui e ajudar além...
Agora, devemos injectar um pensamento reconstrutivo nessa ou naquela mente extraviada, depois, é imprescindível harmonizar circunstâncias, em favor desse ou daquele necessitado...

A maioria das pessoas aceita a religião, mas não se preocupa em praticá-la.
Daí nasce o terrível aumento das aflições e dos enigmas.
A lógica de Mariana encantava-nos.

Hilário, porém, prosseguiu indagando, perscrutador.
— Mas, apesar de consciente da verdade que a separação do veículo físico nos impõe, acredita a irmã que a organização católica é suficiente para conduzir o mundo moderno?

Ela sorriu com tristeza e redarguiu:
— Meu amigo, entre cooperar e aprovar, há sensível diferença.
A sociedade ajuda a criança sem infantilizar-se.

As igrejas nascidas do Cristianismo caminham para grande renovação. O progresso assim exige.

As ideias de céu e inferno e os excessos de natureza política, na hierarquia eclesiástica, estabeleceram grandes perturbações para a alma popular.

Entretanto, cabe-nos considerar as religiões que envelhecem como frutos fortemente amadurecidos.

A polpa alterada pelo tempo deve ser colocada à margem, contudo, as sementes são indispensáveis à produção do futuro.

Auxiliemos as igrejas antigas, em vez de acusá-las.
Todos somos filhos do Pai Celestial e onde houver o mínimo gérmen de Cristianismo aí surgirão recursos de recuperação do homem e da colectividade para o Cristo, Nosso Senhor.

A conversação era fascinante e as perguntas pareciam brilhar ainda, nos olhos de Hilário, maravilhado tanto quanto nós, ante as elucidações que recebia, mas a hora esgotara-se.

Um sinal de Clarêncio fez-nos sentir que havíamos alcançado o momento da volta.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 26, 2012 8:30 pm

12 - Estudando sempre

Às despedidas, retomámos as excursionistas sob a nossa guarda e, em pouco tempo, achávamo-nos, de novo, no caminho terrestre.

Da faixa de luz solar, tornámos à imersão na sombra nocturna, mas o espectáculo do céu não diminuíra em beleza, porque as primeiras cores da alvorada tingiam o distanciado horizonte.

Clarêncio restituiu a companheira de Antonina ao lar, depois de afectuoso adeus.
E, sem maiores delongas, demandámos o ninho doméstico de nossa amiga.
Antonina mostrava-se calada, tristonha...

Dir-se-ia teimava em permanecer, para sempre, junto do pequenino que a precedera na longa viagem da morte.

Todavia, em penetrando o estreito santuário familiar, dirigiu-se apressadamente ao quarto, de coração novamente atraído para os outros filhinhos.

O Ministro, paternal, fê-la deitar-se e aplicou-lhe recursos magnéticos sobre os centros corticais.
A mãezinha de Marcos demonstrou experimentar leve e doce vertigem...

Atendendo ao orientador, demorámo-nos em observação, notando que a Antonina de nossa maravilhosa viagem aderira ao corpo denso, qual se fora por ele sugada, à maneira de formosa mulher, de forma subtil e semi-lúcida, repentinamente engolida por bainha de sombra.

Em se justapondo ao cérebro físico, perdera a acuidade mental com que se caracterizava junto de nós.

Com a fisionomia calma e feliz, despertou no veículo pesado...
Contudo, Antonina não mais nos viu.
Era agora simplesmente a mulher humana, nas cobertas agasalhantes do leito, acomodada à escuridão do recinto.

Lembrava-se, sim, do passeio ao Lar da Bênção, mas através de impressões a se esfumarem, rápidas.
Só a imagem do filhinho, tema central do seu amor, lhe persistia clara e movimentada na memória...

Nossa presença e todas as demais particularidades do voo sublime lhe acudira à lembrança por acessórios fantásticos a se lhe perderem nos obscuros escaninhos da imaginação.

Como quem selecciona preciosidades, a consolada mãezinha procurava, ansiosa, nos arquivos da própria mente, todas as palavras que ouvira do filho abençoado, buscando retê-las no escrínio do coração.

Por isso, das valiosas observações de Clarêncio, em poucos minutos não lhe restava na alma qualquer reminiscência.

Antonina movimentou-se, fez luz e ouvimo-la pensar, vibrante:
— Oh! meu Deus, que alegria! Pude vê-lo perfeitamente!
Quero guardar a recordação deste sonho divino!...
Marcos, Marcos, que saudades, meu filho!...

O Ministro abeirou-se dela, acariciou-lhe a cabeça, como se a envolvesse em fluidos calmantes e a simpática senhora restabeleceu a sombra no recinto.

Abraçando a caçula que repousava ao seu lado, novamente dormiu.
— Nossa amiga não poderá guardar positivas recordações — informou Clarêncio com atenção.
— Mas, porquê? — indagou Hilário, admirado.

— Raros Espíritos estão habilitados a viver na Terra, com as visões da vida eterna.
A penumbra interior é o clima que lhes é necessário.
A exacta lembrança para ela redundaria em saudade morta!.
Como isso é lamentável! — alegou o meu companheiro, penalizado
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 26, 2012 8:30 pm

O Ministro todavia, explicou paciente:
— Cada estágio na vida se caracteriza por finalidades especiais.
O mel é saboroso néctar para a criança, mas não deve ser ministrado indiscriminadamente.

Reclama dosagem para não vir a ser importuno laxativo.
O contacto com o reino espiritual, enquanto nos demoramos no envoltório terrestre, não pode ser dilatado em toda a extensão, para que nossa alma não afrouxe o interesse de lutar dignamente até o fim do corpo.

Antonina lembrar-se-á de nossa excursão mas de modo vago, como quem traz no campo vivo da alma um belo quadro de esbatidos contornos.

Recordar-se-á porém, do filhinho mais vivamente, o bastante para sentir-se reconfortada e Convicta de que Marcos a espera na Vida maior.

Semelhante certeza ser-lhe-á doce alimento ao coração.
O silêncio passou a dominar o recinto mas Clarêncio quebrou-o, quase de imediato convidando-nos a socorrer o velhinho que nos aguardava.

Dormitava o ancião numa velha cadeira.
— Será sono? — perguntou Hilário, mais novo que eu na vida do Além.

- Sim — Confirmou o instrutor, benevolente -, na fase em que se encontra, Leonardo subordina-se a todos os fenómenos da existência vulgar.
Não prescinde, assim, do repouso para refazer-se.
Examinamo-lo mais detidamente.

Sem dúvida, o ancião trazia um veículo semelhante ao fosso, segundo os princípios organogénios que presidem à constituição do corpo espiritual, contudo mostrava-se tão pesado e tão denso como se ainda envergasse a túnica de carne.

Deixei a Hilário os pruridos de curiosidade que em Outro tempo, me assaltavam de inopino.
Após lhe observar o aspecto desagradável, meu colega inquiriu sobre as razões de tal obscurecimento.

O Ministro não se fez rogado e explicou:
— O psicossoma (*) ou o perispírito da definição espírita não é idêntico de maneira absoluta em todos nós, assim como, na realidade, não existem dois corpos físicos totalmente iguais.

Cada criatura vive num carro celular diferente, apesar das peças semelhantes, impostas pela lei das formas.

No círculo de matéria densa, sofre a alma encarnada os efeitos da herança recolhida dos pais, entretanto, na essência, a lei da herança funciona invariavelmente do indivíduo para ele mesmo.

Detemos tão-somente o que seja exclusivamente nosso ou aquilo que buscamos.

Renascemos na Terra, junto daqueles que se afinam com o nosso modo de ser, O dipsómano não adquire o hábito desregrado dos pais, mas sim, quase sempre, ele mesmo já se confiava ao vício do álcool, antes de renascer.

E há beberrões desencarnados que se aderem àqueles que se fazem instrumentos deles próprios.

E, imprimindo grave entoo à voz, ponderou:
— A hereditariedade é dirigida por princípios de natureza espiritual.
Se os filhos encontram os pais de que precisam, os pais recebem da vida os filhos que procuram.

Lembrei-me repentinamente de alguns dos grandes génios da Humanidade, que produziram filhos monstruosos ou medíocres.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 26, 2012 8:31 pm

Mas, vindo ao encontro do meu pensamento, o orientador observou:
— No campo das grandes virtudes, os pais usam, por vezes, a compaixão reedificante, empenhando-se em tarefas de sacrifício.

Temos no mundo mulheres e homens admiráveis que, consolidando qualidades superiores na própria alma, se dispõem a buscar afectos que permanecem a distância, no passado em tentativas heróicas de auxílio e reajustamento.

E, sorrindo, acrescentou:
- Na família consanguínea ou na família humana, obtemos o que buscamos Quem já acertou as próprias contas com a justiça, pode confiar-se aos sublimes rasgos do amor.

Em seguida, Clarêncio deteve-se na contemplação do velhinho que repousava e continuou comentando, mais particularmente com Hilário:
— Conforme a vida de nossa mente, assim vive nosso corpo espiritual.

Nosso amigo entregou-se, demasiado às criações interiores do tédio, ódio, desencanto, aflição e condensou semelhantes forças em si mesmo, coagulando-as desse modo, no veículo que lhe serve às manifestações.

Daí, esse aspecto escuro e pastoso que apresenta.
Nossas obras ficam connosco.
Somos herdeiros de nós mesmos.

— Mas... e se nosso Irmão trabalhasse?
Se depois da morte procurasse conjugar o verbo servir? — inquiriu meu colega, preocupado.

Ah! indiscutivelmente o trabalho renova qualquer posição mental.
Gerando novos motivos de elevação e novos factores de auxílio, o serviço estabelece caminhos outros que realmente funcionam como recursos de libertação.

Por isso mesmo, o constante apelo do Senhor à acção e à fraternidade se estende, junto de nós, diariamente através de mil modos...

Todavia, quando não nos devotamos ao trabalho, enquanto nos demoramos na vestimenta terrestre, mais difícil se faz para nós a superação dos obstáculos mentais, porque a indolência trazida do mundo é tóxico cristalizante de nossas ideias, fixando-as, por vezes, durante tempo indefinível.

Se pretendemos possuir um psicossoma subtilizado capaz de reter a luz dos nossos melhores ideais, é imprescindível descondensá-lo pela sublimação incessante de nossa mente, que precisará, então, centralizar-se no esforço infatigável do bem.

É para esse fim que o Pai Celestial nos concede a dor e a luta, a provação e o sofrimento, únicos elementos reparadores, susceptíveis de produzir em nós o reajuste necessário, quando nos pomos em desacordo com a Lei.

Lá fora, porém, as aves matutinas anunciavam o novo dia...
A ténue claridade da manhã penetrava o recinto.

Clarêncio lembrou que para socorrer o ancião ensandecido não dispensaríamos algum trabalho de análise da mente, e, porque semelhante serviço demandaria talvez a cooperação de companheiros encarnados, que não deviam ser incomodados na paisagem diurna, o Ministro convocou-nos à retirada.

O prosseguimento da tarefa assistencial, desse modo, foi marcado para a noite seguinte.

(*) Do grego: psyké, alma, espírito, e soma, corpo. — (Nota da Editora.)
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 26, 2012 8:31 pm

13 - Análise mental

O relógio terrestre assinalava meia-noite e três quartos, quando tornámos ao singelo domicílio de Antonina.

A casinha dormia, calma.
Acocorado a um canto, o velho Leonardo mantinha-se na sala, pensando... pensando...

Adensámo-nos, ante a visão dele, e, reconhecendo-nos, ergueu-se e começou a gritar:
— Ajudai-me, por amor de Deus! Estou preso! preso!...

Clarêncio, bondoso, convidou-o a acomodar-se na poltrona simples e induziu-o à prece.

O velhinho, contudo, alegou total esquecimento das orações que formulara no mundo, crendo que apenas lhe serviriam as palavras decoradas, mas o orientador, elevando a voz, com o intuito evidente de sossegá-lo na confiança íntima, pronunciou comovente súplica à Divina Providência, implorando-lhe protecção e segurança para quem se mostrava tão desarvorado e tão infeliz.

Emocionados com aquela petição que nos renovava igualmente as disposições interiores, observámos que o avô de Antonina se aquietara, resignado.

Clarêncio, logo após a oração, começou a aplicar-lhe forças magnéticas no campo cerebral.
O paciente revelou-se mais intensamente abatido.
A cabeça pendeu-lhe sobre o peito, desgovernada e sonolenta.

Fitando-nos de modo significativo, o Ministro ponderou:
— A corrente de força devidamente dinamizada no passe magnético arrancá-lo-á da sombra anestesiante da amnésia.
Poderemos, então, sondar-lhe o íntimo com mais segurança.

Assistido por nossos recursos, a memória dele regredirá no tempo, informando-nos quanto à causa que o retém junto da neta, aclarando-nos, ainda, sobre prováveis ligações que nos conduzirão à chave do socorro, a benefício dele mesmo.

— Mas o retrocesso das recordações poderá verificar-se de improviso? — indagou Hilário, perplexo.

— Sem dúvida — respondeu o instrutor —, a memória pode ser comparada a placa sensível que, ao influxo da luz, guarda para sempre as imagens recolhidas pelo espírito, no curso de seus inumeráveis aprendizados, dentro da vida.

Cada existência de nossa alma, em determinada expressão da forma, é uma adição de experiência, conservada em prodigioso arquivo de imagens que, em se superpondo umas às outras, jamais se confundem.

Em obras de assistência, qual a que desejamos movimentar, é preciso recorrer aos arquivos mentais, de modo a produzir certos tipos de vibração, não só para atrair a presença de companheiros ligados ao irmão sofredor que nos propomos socorrer, como também para descerrar os escaninhos da mente, nas fibras recônditas em que ela detém as suas aflições e feridas invisíveis.

— Quer dizer então que...

A frase de Hilário, porém, se lhe apagou nos lábios, porque o Ministro atalhou, completando-lhe a conceituação:
— A mente, tanto quanto o corpo físico, pode e deve sofrer intervenções para reequilibrar-se.

Mais tarde, a ciência humana evolverá em cirurgia psíquica, tanto quanto hoje vai avançando em técnica operatória, com vistas às necessidades do veículo de matéria carnal.

No grande futuro, o médico terrestre desentranhará um labirinto mental, com a mesma facilidade com que actualmente extrai um apêndice condenado.

Hilário arregalou os olhos, espantado feliz.
E exclamou, em voz quase gritante:
— Ah! Freud, como viste a verdade!.., como detinhas a razão!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Mar 26, 2012 8:32 pm

O orientador fixou-o, paternalmente e aduziu:
— Freud Vislumbrou a verdade, mas toda verdade sem amor é como luz estéril e fria.
Não bastará conhecer e interpretar.
É indispensável sublimar e servir.

O grande cientista observou aspectos de nossa luta espiritual na senda evolutiva e catalogou os problemas da alma, ainda encarcerada nas teias da vida inferior.

Assinalou a presença das chagas dolorosas do ser humano, mas não lhes estendeu eficiente bálsamo curativo.

Fez muito, mas não o bastante, O médico do porvir, para sanar as desarmonias do espírito, precisará mobilizar o remédio salutar da compreensão e do amor, retirando-o do próprio coração.

Sem mão que ajude, a palavra erudita morre no ar.
O Ministro, contudo, calou-se, dando-nos a entender que o momento não comportava digressões filosóficas.

Acariciou, ainda por alguns instantes, a cabeça do ancião e, em seguida, chamou-o, de manso:
— Leonardo, recorda!
Volta ao Paraguai, onde adquiriste o remorso que hoje te retalha o coração!

A dor, quase sempre, é culpa sepultada dentro de nós...
Retrocedamos ao ponto inicial de teu sofrimento!... Recorda! Recorda!...

O velhinho, diante de nosso intraduzível assombro, acordou de olhos transtornados.
Ergueu a fronte, mas seu rosto alterara-se de maneira sensível.
Sustentava iniludivelmente os traços fundamentais, mas fizera-se mais jovem.

Registando a surpreendente transfiguração, Hilário interferiu, perguntando:
— Oh! que força mágica será esta?

Nosso orientador fitou-o, sereno, e esclareceu:
— Não nos esqueçamos de que temos diante de nós o veículo espiritual, por excelência vibrátil.
O corpo da alma modifica-se, profundamente, segundo o tipo de emoção que lhe flui do âmago.

Isso, aliás, não é novidade.
Na própria Terra, a máscara física altera-se na alegria ou no sofrimento, na simpatia ou na aversão.

Em nosso plano, semelhantes transformações são mais rápidas e exteriorizam aspectos íntimos do ser, com facilidade e segurança, porque as moléculas do perispírito giram em mais alto padrão vibratório, com movimentos mais intensivos que as moléculas do corpo carnal.

A consciência, por fulcro anímico, expressa-se, desse modo, na matéria subtil com poderes plásticos mais avançados.

Clarêncio relanceou o olhar pelo recinto e acrescentou:
— Entretanto, não nos descuidemos do serviço a fazer.
Nesse ínterim, Leonardo soerguera-se.

Parecia animado de estranha energia.
O corpo, não obstante continuar obscuro e pastoso, revelava-se desempenado.

Repentinamente refeito, vigoroso e móbil, clamou:
— Lola! Lola! estás aqui?
Sinto-te a presença...
Onde te ocultas? Ouve-me! ouve-me!
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 27, 2012 9:25 pm

Com inexprimível espanto, vimos dona Antonina escapar do aposento, no corpo espiritual com que a divisáramos na véspera.

Avançou ao nosso encontro, extremamente surpreendida, e, avistando o avô transfigurado, como se fosse tangida no imo da personalidade por misteriosa influência, estampou súbita alteração facial, renovando-se igualmente aos nossos olhos.

As linhas do semblante modificaram-se, de inopino, e vimo-la realmente mais bela, todavia, menos serena e menos espiritualmente.

Favorecendo-nos o máximo proveito nas observações, o Ministro falou em voz baixa:
— Nossa irmã exige tão-somente leve auxílio magnético para lembrar-se.

Basta-lhe a emotividade anormal do reencontro para cair na Posição vibratória do Passado, de vez que ainda não se encontra quitada com a Lei.

Aterrada, Antonina rojou-se de joelhos aos pés do ancião que se rejuvenescera ao influxo dos passes de Clarêncio e gritou:
— Leonardo! Leonardo!

Ele, porém, irradiando no olhar ódio e padecimento intraduzíveis bradou:
- Enfim!... Enfim!
E prorrompeu em pranto Convulso.

Estupefactos Ouvimos Clarêncio que nos informava, generoso:
- Repararam?
Antonina é Lola Ibarruri reencarnada.
Leonardo está vinculado a ela por laços de imenso amor.

Ambos procedem de lutas enormes, na teia infinita do tempo.
A mulher irresponsável de ontem, hoje é mãe amorosa e digna, à procura da própria regeneração.

Tendo abandonado outrora o marido, foi induzida a desposar um homem animalizado, com quem se encontra igualmente enleada por laços do pretérito e que, em não a entendendo agora, relegou-a ao esquecimento.

Recebeu, contudo, antigos associados de destino por filhos do coração, que conduz para o bem.
Em contra-posição às facilidades delituosas do passado, atravessa actualmente aflitivos obstáculos para viver.

Simpatia incoercível inclinou-nos para aquela mulher em provas tão ríspidas.
O ensinamento que a vida ali nos ofertava era efectivamente sublime.

A voz do orientador, no entanto, era clara e segura a recomendar:
— Ajudemos. O momento determina auxiliar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 27, 2012 9:25 pm

14 - Entendimento

Antonina, modificada, esfregava os olhos como quem não desejava acreditar no que via, mas, resignando-se à evidência, continuou:
— Compadece-te de mim! compadece-te!...
— Lola, donde vens? — perguntou o infeliz.

— Não me induzas a lembrar!... Não lembrar?
Que condenado no tormento da expiação será capaz de esquecer?
A culpa é um fogo a consumir-nos por dentro...

— Não me reconduzas ao passado!...
— Para mim é como se o tempo fosse o mesmo.
O inferno não tem horas diferentes...
A dor paralisa a vida dentro de nós...

— É preciso olvidar...
— Nunca! O remorso é um monstro invisível que alimenta as labaredas da culpa...
A consciência não dorme...

— Não me rebentes o coração!
— E acaso o meu não vive estraçalhado?

O diálogo prosseguia comovente e Antonina, genuflexa, explodindo em angustiosa crise de lágrimas, implorou com mais força:
— Não golpeies minhas feridas mal cicatrizadas!
Não se rouba ao devedor o ensejo de pagar!

— Entretanto, por ti — gemeu o interlocutor —, enredei-me no crime..
Amei-te e perdi-me.
Trazias nos olhos a traição disfarçada... Oh! Lola, porquê, porquê?...

E, ante o doloroso acento com que essas palavras eram pronunciadas, a pobre mulher suplicou, mais triste:
— Leonardo, perdoa-me!... Sofri muito...
Enlouqueceste, é verdade!

Mas, a perturbação que me atacou era mais lastimável, mais amargosa!...
Sabes o que seja o caminho da mulher aviltada, entre o arrependimento e a aflição?

Meditaste, algum dia, no martírio do coração feminino, relegado à penúria e ao abandono?
Reflectiste, alguma vez, na desilusão e na fome da meretriz desprezada e doente?

Acaso, poderás perceber o que seja a flagelação de quem espera a morte, sob o sarcasmo de todos, entre a sede e o suor? Tudo isso conheci!.

— Matei, porém, por tua causa... — tartamudeou o mísero, infundindo compaixão.
— Naquele tempo — alegou a infortunada —, fiz pior. Exterminei minha alma...
Esposa, troquei o altar doméstico pelo mentiroso tablado do gozo fácil;
mãe, envileci o mandato que Deus me concedera, crestando todas as flores de minha felicidade!...

— Pudeste, no entanto, realizar o reerguimento que ainda não consegui... Foste, em suma, feliz!...
— Feliz? — bradou Antonina, semi desesperada — acusas-me de infiel, quando, como tantos outros, te cansaste de mim, procurando outras novidades e outros rumos!...
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Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU - Página 2 Empty Re: Série André Luiz - ENTRE A TERRA E O CÉU

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 27, 2012 9:26 pm

Vi-me sozinha, enferma, aniquilada...
Debalde busquei afogar no vinho do prazer a horrível impressão do abismo em que me precipitara, porque, quando o desencanto e a enfermidade me relegaram à margem da vida, acordou-se-me a consciência, inculpando-me, desapiedada...

A morte recolheu-me na vala da miséria, como um carro de higiene pública reclama o lixo da sarjeta...
Estarás habilitado a compreender-me o sofrimento em toda a extensão?...

Por muitos anos, vagueei aflita, como ave sem ninho, refugiada no espinheiro de dor que cultivara em mim mesma...
Esmolei protecção, junto daqueles que me haviam sido afectos estimulantes da juventude...

Ninguém se recordava de mim...
Não me cabia recolher uma gratidão que eu não semeara... Até que um dia...

Antonina passou a destra pela fronte pálida, como se evocasse velhas recordações fortemente trancadas na memória.

Seu olhar adquirira a assustadiça expressão dos enfermos que a febre torna dementados.
Findos alguns instantes, exibiu no rosto a surpresa de quem se banha num relâmpago de luz.

Parecendo haver encontrado a imagem que ansiosamente procurara, continuou:
— ... até que um dia, senti que me chamavas com pensamentos de carinho e de paz...

Rememoravas alguns traços elogiáveis de nossa vida, recompondo na lembrança as festas que organizávamos em favor dos combatentes mutilados...

As tuas divagações, arrancando ao pretérito as raras reminiscências felizes que poderíamos identificar, caíram sobre mim como bálsamo refrigerante...

Chorei aliviada e adormeci em tua casa, no aconchego da família que tiveste a ventura de constituir...

Interrompeu-se Antonina, figurando-se-nos incapaz de prosseguir recordando.
Via-se que esbarrara com insuperáveis impedimentos íntimos.

Emudecera, torturada pela incapacidade mnemónica que a assaltara de improviso, contudo, o nosso orientador acercou-se dela e afagou-lhe a cabeça, deixando perceber que a auxiliava magneticamente na recuperação das próprias forças.

— Não posso saber — gritava Leonardo não posso saber!
Desde que meu espírito foi ocupado por «ele», não consigo coordenar as ideias que me são próprias...
Sim, certamente sou culpado... Tens razão...

Podias ter recebido meu concurso...
Não me cabia pensar em ti como se fosses tão-somente mulher.

Mais calma, a pobre interlocutora Suplicou, triste:
— Agora, que te capacitas de minhas dificuldades, perdoa-me.
Não me move outro desejo senão o de renovar-me!

Sofri muito, aprendi duramente!..
Peço a protecção da Divina Bondade para todos aqueles que me não Compreenderam e procuro sinceramente olvidar as ofensas que outros me assacaram, como desejo sejam esquecidas as ofensas que pratiquei contra os outros!..

Não me reconduzas, pois, ao passado!... Compadeceste de mim!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 27, 2012 9:26 pm

Reparávamos com assombro, que Leonardo e Antonina sob o controle paternal de Clarêncio, se mantinham detidos na Posição vibratória em que haviam subitamente caído.

Porque não se recordavam os dois do parentesco que os reunia?

Nosso instrutor, assinalando-nos a indagação socorreu-nos, esclarecendo:
- Encontram-se ambos imobilizados em certo momento do pretérito, num encontro provocado por influência magnética.

Em tais recursos utilizados por nosso plano, no tratamento salutar das moléstias da alma, determinados centros da memória se reavivam, ao passo que outros empalidecem.

As sensações do presente dão lugar às sensações do Passado, para efeito de reajustamento perante o futuro. O fenómeno, porém, é momentâneo.

A breves minutos regressarão à Consciência normal, melhorados para a boa luta.
A explicação não podia ser mais satisfatória nem mais Simples.

O Ministro continuava Prestando assistência à nossa amiga, qual se Antonina não devesse avançar na faixa de lembranças.

Aceitando-lhe os apelos, Leonardo como que arrefecera o ímpeto inicial de desesperação.

Fitava-a, agora, quase que piedosamente, mas, longe de albergar qualquer sentimento positivo de ordem superior, arrancou do próprio íntimo nova onda de cólera, que lhe tingiu a máscara fisionómica.

Cerrando os punhos, bradou, desvairado:
— Sim, sim, entendo-te... Foste suficientemente infeliz...
Mas, porque trago comigo o fantasma dele?
Ter-se-á convertido num demónio intangível para arrasar-me a existência?

Estaremos no inferno, sem saber, agarrados um ao outro?
Viverei dentro dele, quanto ele vive dentro de mim?
Porque me não permite o verdadeiro repouso?

se procuro dormir, desperta-me, cruel; se tento olvidar, agiganta-se-me no pensamento!...

Desequilibrado, Pires ergueu para o teto os punhos retesos, ensaiou alguns passos no recinto estreito e passou a clamar:
- Esteves, homem ou diabo, onde estiveres, em mim ou fora de mim, corporifica-te e vem!...

Estou pronto! acertemos a diferença!...
Vitima ou carrasco, aparece! que meu pensamento te encontre e te traga!...
Que as forças do nosso destino nos reúnam, enfim, corpo a corpo!...

Alguns instantes decorreram, quando fomos surpreendidos pela entrada de nova personagem na sala.
Era um homem de seus trinta e cinco anos presumíveis, que se abeirava de nós, igualmente fora do vaso físico.

Passeou no recinto esgazeado olhar, dando-nos a impressão de que não nos percebia a presença e, ofegante e contrariado, qual se estivesse ingressando ali, constrangidamente, deteve-se apenas na contemplação de Leonardo e Antonina, reconhecendo-os, estarrecido e agoniado.

Clarêncio, junto de nós, informou prestimoso:
- Sob a Positiva invocação de Leonardo Esteves, parcialmente libertado pelo Sono, comparece ao desafio.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 27, 2012 9:26 pm

O repouso nocturno favorece tais entendimentos, pela atracção magnética mais intensivamente facilitada, quando o envoltório de matéria densa exige recuperação.

Notamos que os três protagonistas da cena que Se improvisara jaziam repentinamente hipnotizados por vibrações de assombro e desespero.

Leonardo, porém, dando um salto à retaguarda, bradou:
- Agora! agora, sim !... Vieste mesmo!
Vejo-te, fora de minha cabeça, vejo-te como és!...
Liquidemos nossa conta...
Risca-me dentre os vivos ou eu te riscarei!

- Piedade! Piedade!... - suplicava Antonina, lacrimosa.
Pires, no entanto parecia não ouvi-la, sob o olhar de Esteves que o observava com visível repugnância.

Semi-apavorado e Pondo-se em guarda sacudido pelas próprias reminiscências, o recém-chegado respondeu, agressivo:
- Conheço-te e odeio-te!... Assassino, assassino!...

Engalfinhar-se-iam sem dúvida, como animais, enfurecidos, mas o nosso orientador interferiu, de imediato, imobilizando-os prontamente.

Tocado pelo Ministro Esteves enxergou-nos e, surpreendido aquietou-se.

Clarêncio confiou-o à nossa vigilância e, dirigindo-se a Leonardo em Voz segura, concitou:
— Meu amigo, extirpa da mente a ideia do crime.

Achas-te Cansado, enfermo.
Receberás a medicação de que necessita.

Num átimo, ausentou-se e regressou trazendo ao recinto dois amigos de nosso plano, os quais transportaram Leonardo, semi-inconsciente para um santuário de reajuste, em que mais tarde nos receberia a assistência.

Em seguida, nosso instrutor acomodou Esteves na poltrona singela, recomendando-lhe esperar-nos.

O novo companheiro, amedrontado, obedeceu automaticamente.
Logo após, amparando Antonina, procurámos restitui-la ao quarto particular.

Considerámos, então, que se grande fora a ventura da pobre senhora na véspera, naquela noite assemelhava-se, desditosa, a um trapo de sofrimento.

Encontrámos grande dificuldade para recompô-la em espírito e para relígá-la à vestimenta carnal, quase inerte.

Revelava-se imensamente confrangida.
Por mais de duas horas mereceu-nos especial atenção.
Somente depois de considerável esforço de Clarêncio, conseguiu refazer-se.

Vimo-la acordar, exausta e entontecida.
Algo aliviada, Antonina acreditou-se liberta de estranho pesadelo.

Ainda assim, sem saber explicar a razão, torturada e apreensiva, continuava soluçando...
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 27, 2012 9:26 pm

15 - Além do sonho

Tornando a Esteves, Clarêncio ofereceu-lhe o braço amigo, mas o moço prorrompeu em súplica:
— Não me prendam! não me prendam! Sou a vítima!...

O Ministro absteve-se de continuar em sua afectiva manifestação.
No passo vagaroso de quem carrega um fardo de aflição, o inimigo de Leonardo retirou-se para a via pública, regressando ao aconchego doméstico.

Seguimo-lo a pequena distância.
Renovava-se o dia.
Pedestres marchavam diligentes, na direcção do trabalho.

Bondes rangiam, sonolentos, e os autos, aqui e ali, começavam a transitar pelas ruas.
Em breve tempo, o rapaz, seguido de nosso grupo, estacionou à frente de vasto conjunto residencial.

Grande relógio próximo exibia o mostrador.
Cinco horas e trinta minutos.
Embatucado, o moço voltou-se para nós, e, em seguida, desapareceu no interior.

Entrámos.
Em momentos rápidos, achávamo-nos diante dele, que se esforçava por reaver o corpo físico.
O Ministro, sem molestá-lo, amparou-o afectuosamente, e Esteves, pouco a pouco, recuperou a calma natural.

Mantinha-se em suave modorra, quando o despertador tilintou, faltando quinze minutos para seis.
O rapaz esfregou os olhos, de carantonha amarrada, guardando a impressão de mau sonho.

Vestindo-se, apressado, notámos que minúsculo cartão de visita lhe caiu do bolso, ensejando-nos a leitura de um nome:
— «Mário Silva, Enfermeiro».

E o nosso instrutor reafirmou:
— Nosso amigo, ontem Esteves, hoje é Mário Silva, prosseguindo em sua vocação para a enfermagem.
Ouçamo-lo por alguns momentos.

O moço atendeu às obrigações da higiene e, logo após, foi recebido em pequena sala do apartamento por simpática velhinha, em cujo olhar adivinhamos a ternura de mãe.

Depois de saudação carinhosa, a senhora indagou bem-humorada:
— Onde esteve esta noite, meu filho?
Seu semblante carregado não me engana.
— Um sonho horrível, mamãe.

E fixando gestos expressivos, entre os goles do café notificou:
— Sonhei que alguém me chamava, a distância, em voz alta, e, acreditando tratar-se de algum doente em estado grave, não vacilei.

Corri ao apelo, mas, ao invés de topar um quarto de enfermo, vi-me, de imediato, numa cela mal iluminada e húmida...

E, com os recursos de imaginação de que dispunha para corresponder às requisições da mente, o rapaz continuou:
- Era um perfeito cubículo de prisão, onde me surpreendi encarcerado, de repente, junto de um criminoso de mau aspecto e de infortunada mulher em pranto...

Senti tanta simpatia pela moça desventurada, quanta aversão pelo réu de medonha catadura.
Tive, porém, a impressão nítida de que nos conhecíamos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 27, 2012 9:27 pm

Um misto de ódio e sofrimento me tomou de assalto, junto deles, principalmente ao lado do infeliz, CUJO olhar se me afigurava cruel...

Perguntava, a mim mesmo, Porque me não retirava de tão detestável presença, mas, enquanto o homem me repelia a mulher me provocava o maior enternecimento...

Por mais estranho que pareça, experimentava o desejo de agredi-lo e de acariciá-la, ao mesmo tempo.

Achava-me em expectativa, quando o criminoso avançou para mim, com o propósito evidente de liquidar-me, ao passo que a pobrezinha procurava defender-me.

Estava atónito, ignorando se o condenado pretendia assassinar-me ali mesmo quando tentei uma reacção à altura!

Cego de incompreensível rancor, ia precipitar-me sobre ele, quando, rápido, apareceu um delegado Policial, seguido de dois guardas que entraram na Contenda, impedindo-nos o mau impulso.

O chefe, segundo percebi, de um só golpe conteve o meu agressor, obrigando-o a sentar-se, vencido, conquistando-me um respeito tão grande que, realmente, apesar do desejo de ouvir a mulher ajoelhada, em Soluços não arredei pé do lugar em que me apoiava.

Depois de palavras enérgicas e rápidas, o delegado trouxe, então, à cela outros ajudantes que arrastaram meu adversário para fora...

Logo após, acomodando-me numa velha cadeira, reconduziu a jovem para o interior do cárcere...

Estampou na fisionomia a expressão de quem se propunha inútilmente lembrar-se e, decorridos longos instantes de reticência, rematou:
— Depois... depois, não consigo precisar as recordações..

Sei apenas que me pus a correr, em fuga para nossa casa, de Vez que os policiais se mostravam igualmente dispostos a recolher-me Temendo o xadrez, acordei estremunhado e abatido...

A velhinha que escutava atenciosa, comentou calma:
— Há Sonhos que valem por terríveis pesadelos...
— É o que senti — concordou Mário, preocupado.

A mãezinha contemplou-o, bondosa, e acrescentou:
— Meu filho, o sonho terá alguma relação com a nossa Zulmira?

A mulher com quem simpatizou não seria, acaso, nossa velha amiga, e o homem que lhe inspirou tanta repugnância não poderia ser interpretado como sendo o esposo dela?

O rapaz cobriu-se de leve palidez, mostrou-se mais taciturno e falou, triste:
— Quem sabe?
— Você nunca mais teve notícia de nossa antiga companheira?

— Não. Tenho apenas a informação de que mora aqui mesmo, onde o marido é ferroviário de importância.
— Nunca pude entender-lhe a atitude.
Tantos anos de convivência, tantos projectos de felicidade!...
Trocar tudo, assim, por um viúvo, acompanhado de dois filhos!...

O moço fixou um gesto de amargura e observou:
— Ora, mamãe, evitemos recordações sem proveito.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 27, 2012 9:27 pm

Zulmira não deve reaparecer em minha memória e esse Amaro que ela desposou é um ponto negro em meu coração.
Creio que o melhor sentimento para eles dois em minha vida íntima é o ódio com que os reúno em minha lembrança.

Não desejo revê-los e, francamente, se eu soubesse que residiam aqui, em nossa vizinhança, decidiria nossa transferência para outro rumo...

E, transcorridos alguns instantes, ajuntou:
— Meu sonho foi um simples pesadelo.
Alguma preocupação imprecisa ou alguma intoxicação alimentar...

A senhora sorriu, desapontada, e aduziu:
— Cá por mim, estou certa de que, à noite, reencontramos as pessoas que amamos ou detestamos.
Nosso Espírito, no sono, procura os afectos ou os desafectos do caminho para acertar as próprias contas.
Disso, não tenho qualquer dúvida.

O filho, indiscutivelmente enfadado, reergueu-se, abraçou a progenitora, osculou-lhe a cabeça branca e concluiu:
O relógio é inflexível.
O sonho passou e, agora, é a realidade que me espera.

Devo cooperar no serviço operatório de duas crianças, às oito em ponto.
Não me posso demorar.
O hospital não cogita de pesadelos.

Mostrou um sorriso forçado e despediu-se.
A mãezinha acompanhou-o carinhosamente até à porta, retomando os serviços caseiros, pensativa...

Preparando-nos para a retirada, trazia o meu cérebro castigado por obsidiantes interrogações.

Encontráramos um novo capítulo na história da oração de Evelina?
Amaro e Zulmira, mencionados pelo enfermeiro, seriam as mesmas personagens que havíamos visitado anteriormente?

Dispunha-me à inquirição, quando o olhar de Clarêncio cruzou com o meu. Registando-me a estranheza, informou:
— Já sei o teor de tuas interrogações.

Realmente, o nosso novo amigo foi noivo de Zulmira, a senhora obsidiada que conhecemos.
Pretendia desposá-la, mas foi preterido no coração dela por Amaro, que lhe deve assistência e carinho.

O passado fala no presente.
Acham-se enredados numa teia de compromissos que lhes reclamam resgate.

— E reencontrar-se-ão para o desdobramento das lutas redentoras em que se envolvem? — perguntou Hilário, admirado.

— Inevitavelmente — acentuou o instrutor com voz segura.
A dona da casa, mãe devotada e sensível, meditando no sonho do filho, embora movimentando automaticamente a vassoura, orava por ele, rogando a Jesus o abençoasse.

Anotávamos-lhe as reflexões na mente preocupada.
Sabia quanto custara ao moço renunciar à mulher escolhida.
Conhecia-lhe o temperamento enigmático e receava tornar a vê-lo atormentado e vencido...
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 27, 2012 9:27 pm

O pensamento em prece escapava-lhe da cabeça, como ténue esguicho de luz.
Clarêncio abeirou-se dela e transmitiu-lhe forças calmantes, que lhe sossegaram o coração.

Em seguida, o orientador no-la apresentou, generoso:
— Nossa irmã Minervina é velha conhecida.
Recebeu nos braços meia dúzia de filhos que tem sabido conduzir, admiravelmente.

Coração abnegado, alma rica de fé.
Abraçamo-la, carinhosamente, às despedidas.

De regresso, reparando que estávamos desejosos de seguir Mário Silva para obter maiores informes, no desenvolvimento de nossa história que começava a ser fascinante, o Ministro recomendou:
— Não convém incomodar nossos amigos no curso das obrigações diuturnas, provocando elucidações que seriam desagradáveis e fora de ocasião.

Aguardemos a noite, porque enquanto o corpo físico se refaz a alma invariavelmente procura o lugar ou o objecto a que imanta o coração.

Ouvimos o orientador e aquietámo-nos.
Cabia-nos aguardar a noite, quando se estenderiam as nossas experiências.
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