LUZ ESPÍRITA
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Amor e Sacrifício - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti

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Amor e Sacrifício - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti - Página 3 Empty Re: Amor e Sacrifício - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 10, 2018 8:06 pm

Capítulo 23 - CONFINAMENTO
Ninguém perguntou nada, nem a acusou de nada!
Irmã Felícia compreendeu logo, parecendo que já estavam habituadas a esse problema no convento, tal a naturalidade com que se portou.
Deveria ser uma constante ali e foi comunicar à madre.
Ela, também, afeita a enfrentar tal situação, embora tivessem passado por um período de tranquilidade com a presença do sacerdote que antecedera padre Cirino, sabia muito bem quais as providências a tomar.
Estavam preparadas para isso, no convento, e disse a irmã Felícia:
— Há tempos não enfrentávamos esse problema, mas temos que resolvê-lo como fazíamos antigamente!
Transfira Margarida para onde já sabe, e que ela fique lá!
Poderá ir vê-la, ministrar-lhe os medicamentos de que necessita, mas que ela não se apresente a nenhuma das companheiras.
Diga-lhes que ela foi se recuperar da saúde na casa dos pais, e voltará quando estiver restabelecida, compreendeu-me?
— Sim, madre, sei como proceder!
Mais uma pergunta apenas!
Lá, agora, não tem ninguém, como a deixaremos só?
— Designe uma de nossas irmãs para estar com ela, uma das mais velhas, para mais frequentemente lhe fazer companhia e providenciar-lhe a alimentação que levará da cozinha.
Elas já sabem como proceder.
Veja bem quem vai escolher e depois me comunique!
Faça a transferência hoje mesmo, num momento em que Celeste não estiver no quarto!
— Está bem, irmã!
Rapidamente irmã Felícia tomou as providências determinadas pela madre e, sem nada explicar a Margarida, num momento em que Celeste estava ocupada em suas obrigações, convidou-a a levantar-se.
Juntou apressadamente alguns de seus pertences, fez com eles um pacote e saíram.
Margarida, tão indisposta, deixava-se levar, mas em caminho perguntou-lhe:
— Aonde me leva, irmã Felícia?
Por que me tirou da cama?
Sinto-me mal e não estou suportando andar!
Irmã Felícia, tendo deixado o convento por uma porta usada só em casos emergenciais como aquele, em que ninguém deveria ver o que sucedia, conduzia Margarida, fazendo-a caminhar rapidamente.
Mais afastado do corpo principal do convento, mas ainda dentro de seus domínios, numa parte isolada onde ninguém tinha acesso, a não ser aquelas mais velhas já habituadas a tal problema, existiam umas acomodações numa construção bem menor. Fora edificada quando tais situações começaram a ocorrer, e, com o passar do tempo, seu uso foi sendo uma constante entre as irmãs.
Todas as mais velhas o conheciam, ou por já terem passado por lá em situações semelhantes, ou pela necessidade de ajudar companheiras.
As noviças, nem por sonho tinham que tal lugar existisse no convento.
Era para lá que irmã Felícia levava Margarida, e, apesar da dificuldade, logo chegaram.
Há tempos aquelas acomodações estavam vazias...
A última que lá estivera, fora há cerca de dois anos.
Depois da chegada do sacerdote que antecedeu padre Cirino, o problema deixara de existir.
Ele era consciente de suas obrigações eclesiásticas, fiel ao seu voto de castidade, e passaram, por isso, por um período de serenidade nesse particular.
No entanto, com padre Cirino, tudo voltava!...
Margarida fora a primeira pelas próprias circunstâncias que se ofereceram, e pela beleza que o atraíra.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 10, 2018 8:06 pm

Agora ela seria a primeira a utilizar novamente aquele pequeno departamento, mas, com certeza, logo outras viriam.
— Era o Departamento de Espera!
Sim, era ali que as pobres moças, ultrajadas em sua honra, esperavam o nascimento do fruto do pecado.
Ninguém poderia saber, por isso eram afastadas imediatamente, quando o problema se confirmava.
Margarida foi conduzida a um pequeno quarto, que lá havia muitos.
Estava todo sujo pela falta de uso, mas irmã Felícia rapidamente procedeu à limpeza mais urgente, vestiu a cama e colocou-a deitada.
— Que lugar é este? Por que me trouxe aqui?
— Neste lugar ficará mais tranquila, ninguém a perturbará e você aguardará o nascimento de seu filho!
— Terei que ficar confinada até que ele nasça?
— É a regra daqui!
Quando acontece o que aconteceu com você, é necessário o afastamento da convivência das outras, para que o escândalo não se faça e a ordem não se conturbe!
— Eu não tenho culpa de nada, irmã!
Fui obrigada e tenho sofrido muito!
— Ninguém a está culpando!
Fique serena!
— Vou ficar sozinha?
— Não! Eu virei vê-la sempre, mas logo trarei uma outra irmã que se instalará aqui, também, e lhe fará companhia.
— O que farei esse tempo todo?
Não suportarei, irmã!
Sinto-me enfraquecida, adoentada e sem ânimo!
Eu não suportarei!...
Não tenho mais vontade de nada!
Até Deus, em quem colocava as minhas esperanças de paz, abandonou-me!...
— Não diga isso!
Vou retirar-me agora, fique deitada, descanse e logo voltarei com a outra irmã!
Depois procederemos a uma boa limpeza aqui, e tudo ficará melhor!
Quando estiver mais fortalecida, você mesma cuidará disso!
Irmã Felícia afastou-se, e Margarida, tão desolada em seu leito, chorou muito.
Parecia que seus olhos, outrora tão alegres, viçosos e brilhantes, agora só sabiam chorar...
Não sabe quanto tempo passou sozinha, quando viu a seu lado outra irmã que lhe falou docemente:
— Vim fazer-lhe companhia!
Ficarei o tempo que necessitar.
Logo estará melhor, acostumar-se-á a essa situação e não se sentirá tão infeliz.
Quando melhorar, conversaremos bastante e o tempo passará!
Trouxe alguns trabalhos manuais para realizar, e poderá aprender a fazê-los, se desejar. Ajudam a passar o tempo.
Chamo-me irmã Cacilda, e você é Margarida, não?
— Sim, irmã! Agradeço a companhia que me fará, mas sinto que não será por muito tempo!
Não sei até quando suportarei tanto sofrimento!
— Pense em seu filho!
— Não quero pensar nele, não posso, depois de tudo o que passei!
— Ele não tem culpa de nada!
Descanse agora e, mais tarde, voltaremos a conversar!
Tente ficar despreocupada, que logo mais vou buscar a sua refeição e os medicamentos.
— Para mim não precisa ir buscar nada!
Não tenho vontade de alimentar-me!
— Mas é necessário, do contrário não resistirá!
Não pense em nada e procure repousar!
Amanhã estará bem melhor!
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 10, 2018 8:07 pm

Capítulo 24 - LIBERTAÇÃO
Outra vida se iniciava para Margarida, não aquela cheia de expectativas, de paz, mas de tristezas e desilusões.
Quando perdemos a esperança e colocamos no coração a tristeza e o desânimo, é muito difícil nos sentirmos bem.
Nada esperamos do futuro, e nada mais importa.
Margarida fora maculada nos seus mais sagrados sentimentos, e, nessa mácula, nada lhe restava para um porvir melhor.
Ao contrário, a cada manhã, após uma longa noite de vigília, o seu coração estava mais desalentado e o seu dia mais negro.
Não lhe importava se era dia ou noite, nada lhe despertava o interesse.
Ficava ali, prostrada, à espera...
Mas... à espera de quê, se perdera a esperança?
Esperava que tudo se desvanecesse, que a vida se lhe reduzisse a nada... e, se outra houvesse, que partisse para essa, porque a que vivia, não lhe importava mais...
Margarida não se alimentava, e, com o passar dos dias, era mais difícil deixar o leito.
Não o deixou nem uma vez, desde que fora transferida.
Irmã Cacilda tratava-a bem, tentava conversar para reanimá-la, narrou-lhe até, com a esperança de que se espelhasse nela, que, muitos anos atrás, vira-se envolvida na mesma situação, e ali passara muitos meses, aguardando o nascimento do filhinho.
Contou-lhe que, após, retomou ao convívio das outras noviças, recebeu seu hábito definitivo e ali envelhecera.
Nada se referiu ao filho que nascera, e Margarida, muita atenta, indagou:
— E seu filho, irmã, onde está?
— Sabe que não podemos ficar com a criança!
Quando elas nascem, o que aqui ocorre com frequência, não nos permitem vê-la, para que nenhuma lembrança mais tema abriguemos no coração.
Sem vê-la, é como se ela nunca houvesse existido, e nos habituamos logo.
— Para onde as levam?
— São levadas à cidade!
As vezes a uma, às vezes a outra, e colocadas à porta de pessoas abastadas para se criarem bem, sem que nunca ninguém saiba que aqui nasceram.
— É muito triste irmã!
Nunca imaginei que isso ocorresse dentro de um convento!
— Ninguém imagina!...
— Esperava encontrar aqui um pouco de paz e só encontrei tormentos!
— Reaja, Margarida!
Passado este período difícil, encontrará a paz que almeja e voltará a ser feliz!
— Nunca mais voltarei a ser feliz!
Já o fui muito, até determinado ponto em minha vida; após, tudo mudou e nada mais me interessa.
Aguardo apenas, agora, o momento de partir para sempre.
Nada mais me importa!
Aqui, só senti desilusões, mágoas e tristezas...
Nada que irmã Cacilda lhe dissesse, nem se colocando como exemplo vivo dentro de uma história, demoveria Margarida de sua indiferença.
Os medicamentos dos quais ela não podia se furtar, eram-lhe ministrados, todavia, as refeições trazidas eram sempre recusadas.
Ao cabo de um mês, ninguém a conhecia mais.
Estava pálida, muito emagrecida, olhos encovados, aureolados por profundas olheiras roxas.
Nem conversava mais.
Não reagia a nada, a nenhum estímulo exterior.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 10, 2018 8:07 pm

Voltara-se totalmente para dentro de si mesma, para suas mágoas, dores, decepções e desesperanças...
Esperava apenas um momento — o de libertar-se de tudo!
E essa libertação não se fez esperar muito tempo.
Numa noite, após ter estado completamente prostrada há alguns dias, irmã Cacilda percebeu que ela partira.
Sua imobilidade foi total.
Ela deixara o corpo tão macerado pelo sofrimento e partira...
Deixara o convento, deixara tantas desilusões, e deixava, também, sem que tivesse tido condições de conhecer a luz do mundo, aquele corpinho que se formava dentro dela.
Como um corpo tão debilitado e sofrido teria condições de dar a vida a outro, quando a sua própria lhe fugia?
Assim Margarida partiu, e o crime de padre Cirino ficou impune.
Ele continuaria cometendo os mesmos desatinos que a sua juventude desvairada cometera, esquecido dos compromissos assumidos para o desempenho da missão de sacerdote.
Apenas ele não sabia, apesar de trabalhar para sua Igreja, para Deus, como proclamava, os compromissos intensos que assumia diante desse mesmo Deus que, por intermédio da sua pessoa, distribuía o perdão àqueles que com ele se confessavam.
Mas deixemos padre Cirino entregue aos seus compromissos, que serão somente seus, e vamos em busca daquele Espírito liberto — Margarida!
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 10, 2018 8:07 pm

Capítulo 25 - EM VISITA
O ¦desligamento do Espírito, do corpo tão fragilizado, não foi difícil.
O anseio de libertação, já promovia, por si só, o desprendimento, e o momento supremo foi sereno, por isso fugiu até à percepção de irmã Cacilda.
Todavia, aquele que abrigava esses anseios de liberdade, o que faria, possuindo-a plenamente?
O estado de torpor comum aos Espíritos pelo choque da mudança de planos, em Margarida foi muito curto.
Ela, aos poucos, pelos desgostos, pelo sofrimento e pela falta de vontade de viver, transmitia ao Espírito a sensação de desligamento, e, quando o ato se consumou, não permaneceu inconsciente por muito tempo.
Margarida não levava da Terra, compromissos.
Pelo contrário, levava louros pelo sacrifício que fizera para não perturbar a felicidade da irmã, e por toda a humilhação e sofrimento tão intensos que suportara no convento, calada, submissa...
Agora estava livre!
Ficou ali mesmo naquele quarto por algum tempo, o suficiente para recobrar a lucidez e a liberdade que almejava.
Quando deu acordo de si, não mais sofria, não mais estava debilitada e percebeu a realidade.
— Deixara aquele corpo macerado e ainda vivia!
Como vivia tão livre, e novamente com a mesma beleza que havia sido tão maltratada?
A leveza que sentia, a alegria no coração, só lhe trouxeram a confirmação do que imaginava.
Seu corpo não estava mais naquele quarto!
Percebeu que outra jovem, desconhecida para ela, o ocupava, e a lucidez completa voltou-lhe.
— Era outra vítima de padre Cirino!...
Procurou movimentar-se e não sentiu nenhuma barreira.
Ouviu uma voz muito doce que lhe disse:
— Você pode, Margarida!
Está livre para os seus desejos!
Vá, ande, corra, voe para onde desejar!
Tente, saia deste ambiente que a fez sofrer tanto!
Vamos, eu a acompanho, eu a conduzirei!
Margarida olhou para os lados e percebeu um ser diáfano que a olhava com serenidade e ternura, estendendo-lhe as mãos.
Ela não hesitou.
Nada tinha a temer e, num instante, arremessou-se fora dali.
A Natureza, ao redor do convento, era muito bela, e nela abrigaram-se por alguns instantes.
Respirou fundo, sentiu toda a liberdade que desejava e que a envolvia, e considerou-se feliz!...
Sim, após tanto tempo, que ainda não sabia precisar quanto, desde que deixara o seu lar, era feliz.
Recordou-se dos familiares, de seus pais queridos, de Mafalda, e até do príncipe, mas de modo muito diferente de quando deixara o palácio.
Aquele ser estranho, mas tão belo e angelical ainda a acompanhava e, percebendo os seus pensamentos, disse- lhe:
— Sei o que deseja e far-lhe-ei a vontade!
— Leva-me junto dos meus?
— Sim, levá-la-ei aos seus, poderá revê-los e depois me acompanhará ao lugar que lhe está reservado.
— Aonde me leva, depois?
— Vamos primeiro visitar os seus, depois a levarei comigo ao lugar a que fez jus diante de Deus, pela forma como soube portar-se durante sua vida na Terra, e pelo muito que sofreu, sempre submissa e resignada. Vamos!
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 10, 2018 8:07 pm

Margarida sentia-se ansiosa.
Em poucos minutos voltara ao local que a distanciava do convento muitas horas, numa viagem difícil e cansativa, como fizera quando fora.
Antes de entrar, quis examinar toda aquela região que amava, cuja Natureza fora privilegiada por Deus.
Após alguns instantes, entraram.
Ah, o seu lar, os lugares por onde correra tanto em criança, o salão onde tantas festas fizeram a sua alegria, mas não via ninguém...
— Onde se encontram todos? — perguntou.
Onde estão papai e mamãe?
— Logo os verá!
Eles estão num aposento nunca antes ocupado no palácio.
Um novo habitante aqui chegou e agora faz parte da família, devolvendo a todos a alegria que haviam perdido pela sua partida.
— Vamos, então, quero ver!
Adentrando um quarto, ela encontrou o rei, seu pai, e a rainha, sua mãe, ao redor de um lindo bercinho cor- de-rosa.
— Quem é esta criança?
— Olhe bem que saberá!
— É filho de Mafalda?
— Sim, é uma linda menina a quem deram o nome de Margarida, para que preenchesse o vazio que você deixou!
— Margarida!... Margarida!... — exclamou algumas vezes.
Eles já sabem que não estou mais no mesmo mundo que eles?
— Ainda não, e quando receberem a notícia, entristecer-se-ão, mas a outra Margarida — essa que aí está - lhes trará o sorriso que deixaram de ver em seus lábios e a alegria que perderam pela sua partida.
— E Mafalda e o príncipe, onde estão?
— Precisaram afastar-se do palácio!
O príncipe tinha uma missão no reino do pai, e deixaram a pequena.
Mafalda precisou acompanhá-lo, mas foi tranquila, sabendo que a sua Margarida estaria bem com a rainha!
Seus pais não fazem outra coisa agora, senão adorarem o bebé!
— Quando nasceu?
Parece-me que já tem alguns meses!
— Sim, apenas três, mas é forte e bela!
— Como está a vida entre Mafalda e o príncipe?
— Está bem!
Não devemos nos reportar a esse assunto agora.
— Então há algo errado!
— Deixemos esse assunto!
— Gostaria tanto de ficar uns tempos aqui!
Conceda- me um período para permanecer entre eles.
Quero recordar lugares, quero rever meu quarto, senti-lo novamente.
Quero conviver um pouco com meus pais, e quero ver Mafalda.
Deixe-me ficar!
Depois, prometo, serei a mais humilde serva e obedecerei.
— Está bem!
É importante que aqui passe um tempo, mas eu não poderei permanecer!
Se precisar de mim, chame-me pelo pensamento que virei atendê-la!
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 10, 2018 8:07 pm

— Como chamá-la?
— Ore a Deus e peça-Lhe, permita que um espírito bom venha em seu auxílio!
Se eu não puder, outro virá!
— Está bem! Feirei como me pede!
— Se nunca me chamar, virei buscá-la quando sentirmos que já permaneceu o suficiente!
A entidade que acompanhava Margarida, e que a recepcionara no momento em que deveria deixar aquele local que lhe fora de tanto sofrimento, após as instruções, também se retirou.
Margarida estava liberta, e em seu lar.
Faria o que desejasse.
Estaria junto de seus entes queridos, visitaria todos os recantos do palácio e do jardim que amava tanto e, após, satisfeita, feliz e tranquila, solicitaria a presença daquele anjo bom e partiria de vez.
Assim pensava, assim esperava, e começou logo a visita às dependências do palácio.
Seu quarto ainda estava como havia deixado.
Até suas roupas permaneciam todas no armário.
Quando as viu, lamentou, pensando que alguém poderia estar se utilizando delas, e, no entanto, ainda ali continuavam, estragando-se.
Inspiraria a mãe para distribui-las às jovens da corte, que ficariam felizes em recebê-las.
Até o último livro que levara da biblioteca para 1er no quarto, naqueles dias em que se recolhera, aguardando a resposta do convento, ainda lá permanecia.
O quarto estava bem cuidado, muito limpo, mas nada fora retirado do lugar.
Logo, — pensava — tudo aqui estará diferente!
Farei com que mamãe o desfaça completamente!
Quando receber a notícia da minha partida, talvez seja mais fácil, porque nenhuma esperança mais restará de uma possível volta.
Saindo do quarto, foi à biblioteca.
Sentou-se no lugar onde estava habituada, para as suas leituras, e relembrou momentos tão felizes, até aquele em que ela e Mafalda propuseram o ardil para ficarem a sós com o príncipe.
Ah, quantas coisas haviam mudado, mas ela, agora, sentia-se serena e feliz.
Continuou sua visita, despreocupada, e percebeu que os pais ainda não haviam saído de junto do bebé, e lá retomou.
Aproximou-se deles, abraçou-os intensamente, provocando-lhes a lembrança de sua pessoa, e ouviu quando a mãe se lamentou:
— Por que Margarida nunca nos escreveu?
Enviamos-lhe tantas cartas, o mensageiro levou-as em mãos, mas nenhuma resposta recebemos.
— Deve estar feliz e não deseja mais nenhuma ligação connosco para não ter recordações tristes! — considerou o rei
— Ah! — pensava Margarida — Até a nossa correspondência foi interceptada lá!
Por isso também nunca tive notícias de ninguém daqui!
Entretanto, a conversa entre ambos continuava e o pai perguntou:
— Lembra-se de quando a pequena Margarida nasceu, nós mandamos lhe contar!
Foi a última vez que enviamos o mensageiro, e ele voltou trazendo apenas a notícia de que ela estava bem, e nada mais!...
— Queríamos que ela soubesse não só do nascimento, mas da homenagem do nome, levando-lhe um pouco de alegria e a certeza de que não a havíamos esquecido, e nenhuma resposta tivemos.
Pelas contas de Margarida, ao ouvir esse comentário, há três meses atrás ela deveria estar em grande sofrimento, enclausurada, à espera... — para as irmãs, do bebé que nasceria, mas para ela, da libertação!
— E a notícia de sua partida, seria enviada aos pais? — perguntava-se.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 10, 2018 8:08 pm

Capítulo 26 - DESCOBERTAS
Ouvindo conversas, penetrando em ambientes sem ser percebida, provocando lembranças quando se aproximava mais, dois dias se passaram.
No terceiro, quando estava fazendo um passeio pelo belo jardim, entrando em contacto com aquela Natureza resplendente de beleza, percebeu que uma carruagem passara pelos portões e parara defronte da entrada principal do palácio.
Era Mafalda e o príncipe que voltavam Mafalda estava ainda muito bonita e o príncipe também mais belo, porém, com uma fisionomia austera.
Pareceu a Margarida que ele havia perdido aquele requinte com que as mimoseava, e agora deixava transparecer o seu verdadeiro íntimo, sem mais necessidade de ser galante.
A bagagem foi descarregada e levada para dentro pelos criados, acompanhados por Fernando e Mafalda.
Margarida interrompeu o passeio e entrou também.
Tinha muita vontade de dar um grande abraço na irmã, e o faria.
Sim o faria, na primeira oportunidade.
Mafalda foi directo aos aposentos da filhinha e lá encontrou os pais.
Margarida aproximou-se e, enquanto ela, depois de cumprimentar o pai, olhava a filhinha dormindo, abraçou-a intensamente, transmitindo-lhe a sensação de saudade que ela própria sentia.
— Não sei o que aconteceu, mas ao olhar para a minha filha, lembrei-me da nossa Margarida, com uma grande saudade! — disse Mafalda, aos pais.
— Nos últimos dias, também nós, filha, temos nos lembrado muito dela! — disse-lhe a mãe.
Será que ela não está bem e se lembra de nós?
— Não devemos pensar assim!
Ela está na vida que escolheu e deve sentir-se feliz.
Não nos preocupemos!
Chega já, que tive que colocar o seu nome no meu bebé.
— E um nome tão bonito, filha!
— Eu sei que é bonito, mas não queria ter em minha filha o nome dela, a senhora sabe por quê!
— Esqueça-se de tudo isso, filha!
Viva a sua vida e procure ser feliz, como o foi quando o príncipe a escolheu, lembra-se?
— Não convém mesmo voltarmos a este assunto, agora!...
Depois de ter acompanhado os criados que levavam a bagagem, o príncipe também veio ao encontro de todos, e, indo directamente ao berço da filhinha, exclamou:
— Como está a minha querida Margarida?
Estava já muito saudoso!
Sem observar se ela dormia ou não, levantou-a nos braços e aconchegou-a em seu peito.
Mafalda, que desejara ter feito o mesmo, mas respeitara o seu sono, falou-lhe energicamente:
— Não devia ter feito isso!
Você viu que ela dormia e atrapalhou o seu sono!
Com o movimento da retirada do berço e as palavras ásperas de Mafalda, a pequena começou a chorar.
Ela tentava tirá-la dos braços do pai para embalá-la, mas ele a segurava firmemente dizendo:
— Deixe-a comigo mais um pouco!
Estava com saudades!
— Dê-ma, Fernando!
Não vamos começar uma briga, mal chegamos! — insistia Mafalda.
Margarida, quietinha em seu canto, assistia a essa cena, conjecturando:
— Então eles costumam brigar?
Pelas palavras da irmã, as brigas deveriam ser habituais.
Vendo aquela situação constrangedora, o rei fez sinal a rainha para se retirarem e Margarida acompanhou-os.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 10, 2018 8:08 pm

Fora do quarto, o rei manifestou-se:
— Não sei o que há entre ambos!
Não ficam muito tempo juntos sem brigar.
Tudo é motivo para que uma altercação comece, e parece que Mafalda está sempre pronta a lhe arremeter reprimendas!
— Você sabe por quê! — lembrou-lhe a rainha.
— Mas ela partiu!
Foi embora justamente para deixá-los felizes!
Será que o sacrifício da nossa Margarida de nada adiantou?
— Tudo piorou quando ele insistiu em colocar na filha, o nome dela!
Mafalda não o perdoa por isso.
Margarida acompanhava essa conversa e entristeceu- se.
Ausente há mais de um ano, tendo se afastado logo após o casamento, justamente para não interferir, como podia estar sendo motivo de problemas entre eles?
Teria, Mafalda, ciúme dela?
Por que isso acontecia?
Enquanto pensava e fazia indagações, os pais continuavam:
— Eu gostei de termos novamente uma Margarida entre nós!
Sinto-me como na época em que a nossa nasceu, — expressou-se o rei — e revejo, na nossa neta, a filha querida de quem estou muito saudoso, muito mais ainda nestes dias...
— Talvez tenha sido a permanência maior junto da pequena, pela ausência dos pais!
— Deve ter sido isso! Mas Mafalda devia ser mais compreensiva!
Ela é a esposa, foi a escolhida!
Se o príncipe a escolheu é porque a preferiu!...
— Mafalda imagina que ele amava Margarida e a escolheu por alguma outra razão.
— Se assim pensou, deveria tê-lo recusado! — ponderou o rei.
— Mas ela percebeu só depois que a nossa Margarida foi embora, você sabe disso.
Lembra-se do motivo principal que a afastou daqui?
Ela estava certa, Fernando não lhe mentira — ele a amou mesmo, apenas não a escolheu porque deve estar imaginando alguma vantagem no seu casamento com Mafalda.
— Margarida mesma já havia nos advertido disso e tenho estado atento!
Até agora nada percebi, a não ser que ainda nada tenha feito e apenas arquitecta.
Preciso saber exactamente o que ele foi fazer junto do pai!
— Foi apenas uma visita!
Antes da pequena nascer, Mafalda não podia viajar, depois, enquanto era muito novinha, também não deveria deixá-la.
Agora era o momento certo!
Você sabe que Mafalda não o deixaria ir só!
— Espero que tenha sido só isso!
— Fique atento, mas não crie fantasmas para não sofrer!
— Na verdade, à maneira deles, têm sido felizes!
— Mafalda não perdoou o estado em que ele ficou quando Margarida partiu!
Revelou claramente que a amava e estava sentindo a sua falta.
Foi só aí que ela percebeu!
Se assim não fosse, teria encarado a sua partida com naturalidade.
Depois, com a espera do filho, a convivência entre ambos melhorou... mas... quando chegou o nascimento, a insistência dele em colocar o nome de Margarida, ao ver que era uma menina, fez reviver tudo outra vez, e Mafalda sentiu-se muito magoada.
— E, ele não deve tê-la esquecido, se realmente a amava!
— Você percebeu que ele nem se importou por não ter nascido um homenzinho?
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 10, 2018 8:08 pm

Era natural que quisesse um filho homem, como todos, principalmente nós, que vivemos da sucessão de tronos!
— Ele transferiu para a filha, toda a afeição que sentia pela nossa Margarida!
— Ah, meu querido, o quanto a nossa Margarida teria sido feliz com ele!
— Se o que aparenta sentir, é verdade, ele também teria sido mais feliz, e Mafalda saberia enfrentar melhor a recusa!
— Por isso imaginamos que ele deva ter algum plano arquitectado!
— Aguardemos, mas estou atento!...
Margarida estava surpresa por tudo o que ouvia.
Nunca imaginara que, no palácio, estivesse ocorrendo uma tal situação.
Teria que fazer alguma coisa para ajudá-los.
Se já uma vez partira para não interferir na felicidade de ambos, agora voltava, e se esforçaria para promover essa mesma felicidade que, pelo que ouvira, estava muito abalada.
Se a sua pessoa tinha sido a causa de desacertos entre o casal, lutaria, mas os uniria outra vez.
Não sabia como fazê-lo, livre do corpo, mas pediria ajuda àquele anjo bom que a trouxera, e alguma coisa faria.
Queria-os unidos, muito mais que antes.
Queria o príncipe amando sua irmã, para a felicidade de todos.
Se ele a escolhera, algum sentimento, além do interesse, deve tê-lo impelido também.
Faria com que esse sentimento revivesse e, quem sabe, se transformasse em amor.
Diante desse seu desejo, qual a medida a tomar?
Rogar imediatamente a ajuda daquela
entidade angélica que se colocara à disposição para qualquer auxílio, ou observar ainda mais?
Se a chamasse imediatamente, poderia, com seu auxílio, resolver um problema, mas deixar outros dos quais ainda não tivesse tomado conhecimento.
Assim, decidiu que seria mais eficiente se observasse um pouco mais...
O príncipe havia voltado de uma viagem ao seu reino de origem, e, se estavam atentos às suas atitudes, ela precisaria ajudar também o pai, se alguma cilada se lhe preparava.
Apesar do que havia ouvido quanto ao amor do príncipe, ou em razão mesmo desse amor, não confiava nele.
Se ele tivesse agido, seguindo a voz do coração, como prometera, tê-la-ia escolhido, e comprovado ficou que a amara.
Se não o fez, é porque abrigava, não no coração, mas na mente, outros planos.
Precisava ouvir mais, estar mais atenta ainda que o próprio pai.
Ela penetraria ambientes aos quais o pai muitas vezes não teria acesso, e, mesmo que tivesse, seria visto...
Teria condições até, se atentasse agudamente em seus momentos de introspecção, de captar-lhe alguns de seus pensamentos.
Ainda não tinha essa capacidade, mas se esforçaria para adquiri-la.
Aplicar-se-ia nela com muito empenho e seria capaz, senão de captar seus pensamentos completos, pelo menos de partes importantes.
Diante dessas reflexões, resolveu que ainda não era o momento de pedir ajuda.
Observaria primeiro, levantaria todas as necessidades, e depois sim, apelaria para aquele anjo que se fizera seu protector, e juntos poderiam conseguir um pouco mais de tranquilidade para seus familiares.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 11, 2018 8:31 pm

Capítulo 27 - A NOTÎCIA
Na tarde do dia seguinte, juntamente com a correspondência que chegava, às vezes, para o rei, uma carta destacou-se entre as demais.
Quando ele percebeu que trazia o lacre do convento, chamou logo a rainha antes de abri-la.
— Querida, deve ser de Margarida!
É a primeira que recebemos!
— Abra-a, logo!
— Sim, eu o farei!
Estou ansioso para receber notícias da nossa filha.
Deve ser a comunicação do recebimento de seu hábito definitivo!
— Vamos, abra-a!
O rei abriu-a e, à medida que lia, a rainha foi percebendo a desolação tomar conta de seu semblante.
E, antes mesmo de terminar, recostou a cabeça no espaldar da cadeira, como que se alheando do ambiente, e deixou cair os braços, segurando ainda a carta.
A rainha, vendo a sua atitude, exclamou preocupada:
— O que foi, querido?
O que aconteceu?
Enquanto perguntava, ela própria, abaixando-se, tirou-lhe a carta das mãos e leu — poucas palavras, quase nenhuma!
Nenhuma explicação mais detalhada, apenas o suficiente para dizer-lhes que, enfermidade atroz havia invadido o corpo de Margarida, e ela não conseguira vencer, tendo voltado ao reino de Jesus.
Esta era a comunicação!
A rainha ficou lívida, o coração confrangido, e começou a chorar, bradando:
— Perdemos para sempre a nossa Margarida!
Nenhuma esperança mais de que ela retome...
Por isso lembramos tanto dela nestes últimos dias.
Era o aviso de sua partida!
Margarida, presente a tudo, apenas se interessou pela mensagem para saber o que o convento alegara para a sua partida.
De resto, nada mais importava.
Sentia-se muito mais feliz.
Estava bem, estava liberta!...
Achegou-se à mãe e ao pai, e, acariciando-lhes os cabelos, dizia-lhes:
— Estou viva! Estou feliz!
Não chorem por mim!
Eu estou aqui com vocês!
Alegrem-se, pois, que também trago alegria em mim!
Tanto falou, tanto os confortou que eles foram ficando mais alentados, mais fortificados.
A seguir a rainha, com a carta na mão, comunicou ao rei que a levaria à Mafalda.
Ela precisava saber.
Chegando aos seus aposentos, onde ela se encontrava recolhida com o marido, bateu à porta.
O príncipe atendeu-a convidando-a a entrar.
— Quero lhe falar, Mafalda!
Olhe o que recebemos há poucos instantes!
É do convento!
— Carta de Margarida? — perguntou.
Ela nunca nos escreveu, por que o fez agora?
— Leia!
Mais atento que a própria Mafalda, o príncipe ouvia sem nada dizer, conquanto ansioso para ter aquela carta em suas mãos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 11, 2018 8:31 pm

Quando ela acabou a leitura, exclamou apenas:
— Pobre Margarida!
O príncipe, curioso, perguntou o que havia acontecido, e Mafalda entregou-lhe a carta, dizendo:
— Não adianta mais esperar por ela!
Nunca mais voltará...
A rainha, percebendo as intenções de suas palavras, advertiu-a:
— Não fale assim!
Respeite o momento de tanta tristeza que trazemos no coração.
O príncipe, ao tomar conhecimento, ficou lívido.
Não pronunciou uma única palavra, nada deveria dizer.
Os seus sentimentos, guardaria somente para si.
Margarida, presente a toda essa cena, assistiu à reacção de ambos, e até sentiu, na irmã, apesar de saber que gostava dela, um certo alívio.
Sempre temera a sua volta, mas aquela carta demonstrava que a sua partida tinha sido definitiva.
A rainha, com toda a dor do seu coração, retirou-se dos aposentos do casal, mas Margarida entendeu que ainda deveria permanecer mais um pouco.
Mafalda sempre fora mais decidida, mais racional, e aceitara bem a partida da irmã.
Sentira, era evidente, pelo amor que lhe dedicara, mas o seu afastamento da família,
os sentimentos que percebera no marido, mudaram um pouco aquela amizade tão bonita que as unira.
Quando a rainha se retirou, Mafalda, desapontada pelo silêncio do marido, indagou:
— Não fala nada, Fernando?
Agora pode dizer, mamãe não está mais aqui! Fale o que vai no seu coração!
— Não vá me atormentar outra vez com seus ciúmes sem razão!
Sempre gostei de Margarida como sua irmã, e lamento que a morte a tenha levado tão jovem ainda.
— Você sabe que não é só isso!
Pode abrir o seu coração, agora nada mais receio!
Diga-me, Fernando, por que me escolheu naquela ocasião?
— Novamente a mesma pergunta!
Desde aquela noite do baile em que tomei a minha decisão, quantas vezes já me fez essa pergunta?
Que hoje seja a última!
Não aguento mais ouvi-la!
— E só responder que não perguntarei mais!
— Não tenho nenhuma resposta a dar, e não crie problemas entre nós!
Encerremos de vez este assunto! Sinto muito a morte de Margarida, como sentiria a de seu pai ou de sua mãe.
Mas, de certo modo, fico satisfeito, porque, pelo menos, não irá me atormentar mais.
Margarida achou que havia ouvido o suficiente, mas entendeu, também, que o príncipe não estava dizendo a verdade.
Percebeu um confrangimento no seu coração e até que, em rápidos momentos, ele retomara ao tempo em que conviveram.
Recordou a sua companhia, e viu-o tendo-a nos braços quando dançaram...
Todavia, nada mais importava!
A sua situação era outra, e seus sentimentos atuais nada mais tinham com os daquele tempo.
Ainda não confiava nele, e compreendeu que ele evitava problemas com a esposa, para não atrapalhar a execução dos planos que deveria ter em mente.
Nisto tudo, apenas um detalhe a deixou feliz — o momento em que, perscrutando o coração de Fernando, conseguiu perceber nele a sua imagem, reflectida também na mente dele, dando-lhe a certeza, não de seu amor, que esse não importava mais, mas da capacidade que agora ela possuía de chegar ao pensamento dele e captá-lo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 11, 2018 8:31 pm

Era o que desejava, para mais efectivamente realizar o seu trabalho em relação aos familiares.
Quando partisse, queria ter assegurada a união mais profunda de Mafalda com o marido, e a segurança do reino do pai, sem que nenhuma acção menos digna do príncipe viesse alijá-lo do trono.
Certamente ele seria seu, como marido da única herdeira, mas que nada se antecipasse por acções escusas, muito menos de alguém que se infiltrara em sua casa trazendo tais intenções.
Aplicar-se-ia muito nesse trabalho e deixaria a família feliz.
Só assim conseguiria partir para seguir os novos rumos que lhe estavam reservados, como Espírito liberto que o era.
A rainha, deixando a filha e o príncipe, foi unir-se ao marido na grande dor que os envolvia.
Margarida, após, reuniu-se a eles e, abraçando-os, transmitiu-lhes palavras de muito conforto, proporcionando-lhes alívio e bem-estar.
A notícia espalhou-se por todo o palácio, e não se comentava outra coisa.
Alguns dias foram necessários para que se asserenassem, embora o coração dos pais estivesse ainda muito triste.
Nada podiam fazer, e a vida em palácio continuava seus rumos, as actividades se desenvolviam, e a pequena Margarida era a alegria e a ocupação de todos, suavizando a ausência definitiva da outra que lhe dera o nome.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 11, 2018 8:31 pm

Capítulo 28 - PROPÓSITOS
Margarida observava, e os primeiros dias de consternação mais intensa foram se acalmando, embora percebesse que, sem tocarem em seu nome, ela estava presente, em muitos instantes, na mente de todos os familiares.
Surpreendia-os trazendo para a memória, momentos de convivência tema e agradável, e enternecia-se também com lembranças que já estavam até esquecidas...
Ela procurava estar junto da irmã e do príncipe, com pequenas sugestões na mente dele, a fim de que atentasse em muitas das qualidades da esposa, e a esquecesse.
Mas, quando estava conseguindo mudar nele algum conceito, pela reflexão dirigida que ela própria efectuava, Mafalda estragava o momento com perguntas inconvenientes:
— Por que está tão calado? Pensa nela?
Não adianta mais, ela não voltará!
Ele apenas a observava e nada respondia, evitando discussões.
Margarida não desistia.
Trabalhava também a mente de Mafalda, para alguma qualidade que percebia no príncipe, alguma atitude mais delicada que lhe demonstrava, para que entendesse que ela estava esquecida.
Dizia-lhe até que não agisse como vinha fazendo, que ela própria estava alimentando nele a lembrança de Margarida.
Que se alegrasse por ter sido a escolhida, pela convivência que tinham, pela filhinha tão linda...
Aos poucos o seu trabalho foi se intensificando, no esforço de uni-los.
Na realidade, como Mafalda afirmara, Margarida surpreendia-o repetidas vezes acalentando sua imagem, mas procurava, nesses momentos, desviar-lhe o pensamento.
Estava conseguindo muito pouco, mas é do pouco que se chega ao muito.
Quase um mês depois que a notícia de sua partida havia chegado, numa noite em que todos repousavam, ela recebeu a visita daquela entidade angélica que a trouxera.
Ficou feliz ao vê-la, mas, ao mesmo tempo, sabia o que a trazia.
— Penso que conseguiu conviver com os seus o suficiente para alegrar o seu coração, e agora é hora de partir. Vim buscá-la!
— Alegro-me da sua visita, e sinto-me feliz por essa convivência que me foi permitida.
Pude abraçar meus pais, minha irmã, e até já percebo o que vai na mente de cada um!
— É uma faculdade que possuímos, quando libertos do corpo!
— Pois bem, pelo perceber da mente e do coração, pelos sentimentos que encontrei, pelas conversas que ouvi, tenho um pedido a lhe fazer!
— Já sei o que pretende, mas não é possível conceder-lhe!
— Como poderei partir, deixando situações tão incertas, sentimentos tão confusos?
— Não cabe a você!
Cada um é responsável pelos pensamentos que formula, pelas acções que pratica!
— Compreendo, mas é meu dever ajudá-los!
Como partir na paz que tanto desejei, sabendo que aqui, entre os meus, há problemas?
Como partir tranquila, quando receio que alguma cilada se prepara contra o trono de meu pai?
— E o que pretende com o que expõe?
— Pedir-lhe permissão para continuar por mais um tempo, e pedir também que me dispense a sua ajuda mais efectiva, para solucionar problemas que se avizinham.
Entre Mafalda e o príncipe, eu própria espero resolvê-los e tenho trabalhado muito, mas não consegui saber o que ele pretende quanto ao trono de meu pai.
Por isso preciso de alguém mais que esteja comigo, na realização deste trabalho.
Ao invés de levar-me, fique comigo e ajude-me.
— Recebi ordens para levá-la, mas compreendo os seus receios e louvo a sua vontade de ajudar.
Ninguém pode negar um pedido para uma finalidade nobre como a sua.
Eu não posso permanecer, que tenho meus compromissos, mas enviar-lhe-ei alguém que lhe fará companhia e a ajudará no que pretende.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 11, 2018 8:32 pm

Cuide de realizar o trabalho o mais rápido possível, para partir para o local que lhe está reservado, bem como para as tarefas que a esperam!
— Agradeço-lhe muito, e esforçar-me-ei para realizá-lo no mais curto espaço de tempo possível, embora não possa precisar o que ocorrerá quanto aos anseios do príncipe, nem quanto tempo levará!
— Constantemente estarei em contacto com você, e ficarei a par do que se realiza e do que conseguiu.
Fique com Deus e com o amparo que Ele puder lhe dispensar, na tarefa que vem executando em favor dos seus, e no que pretende ainda realizar!
— Obrigada, muito obrigada!
Quando terminou estas últimas palavras, não a viu mais...
Havia partido como num passe de mágica, e, como num passe de mágica, percebeu que outra entidade estava junto dela.
— Venho ajudá-la na empresa a que se propõe, e fui recomendado que a instrua em muitos dos pontos que ainda lhe são vedados, a fim de que, o mais rápido possível, possamos retomar.
Ficarei em sua companhia até você conseguir o que pretende, e depois partiremos para as nossas verdadeiras finalidades!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 11, 2018 8:32 pm

Capítulo 29 - PERSCRUTANDO
Margarida recebeu aquela entidade que chegava, com muita alegria.
Sabia que não estaria só e que conseguiria, com a sua ajuda, perscrutar recônditos profundos e ocultos que o príncipe abrigava no íntimo e, juntos, protegeriam seu pai do que se preparava.
E se fossem receios infundados?
Se assim fosse, também perceberiam.
Um exame bem acurado da situação, lhes daria a certeza do que queriam.
Margarida expôs as suas desconfianças, e, em companhia do outro ser que chegava, — uma entidade quase da mesma elevação da anterior — realizaria, com bastante eficiência, o que pretendia.
— Chama-se Margarida, não?
— Sim, esse foi o nome que recebi de meus pais!
— Pois é necessário que também me chame por um nome, que facilitará o nosso entendimento!
— E como devo chamá-lo, irmão?
— Quando necessitar, quando quiser se dirigir a mim, chame-me Aquilino.
Se quiser começar agora mesmo os seus intentas, poderemos!
— Como, se todos dormem?
— Justamente por isso!
Quando o Espírito se desprende do corpo, pelo sono, passa a ser activo; procura exactamente o que deseja, e que não pode fazer claramente enquanto desperto!
— O que faremos, então?
— Vamos em busca do Espírito do príncipe e acompanhá-lo.
Talvez não consigamos nada, mas pode ser que descubramos algo!
Primeiro vamos aos seus aposentos ver o que se passa e, seguindo o fio que o liga ao corpo, estaremos junto dele em instantes.
— A sua ajuda ser-me-á de grande valia!
Há procedimentos que ainda não consigo realizar!
Em pouco tempo, estavam ao lado do príncipe, mas perceberam que ele não dormia.
Estava desperto e pensando.
— Ele não dorme, não tem importância!
É no silêncio da noite, quando despertos, que os planos são arquitectados, os desejos acalentados e poderemos perscrutar.
Percebendo que Mafalda dormia profundamente, eles atentaram para as imagens
mentais que o príncipe construía e as ia conduzindo.
Viram-no rememorando uma conversa com outra pessoa, um homem mais idoso, num lugar diferente, e, observando melhor, ouviram-no até chamá-lo de pai.
— Fique atenta, Margarida!
Está percebendo as imagens que se criam em sua mente?
— Sim, percebo que ele conversa com o pai!
Atentemos para nada perder!
" — Pois é assim mesmo que lhe digo, papai!
Lá não haverá dificuldade!
Qualquer uma das duas me atrai, mas gostei muito mais da mais jovem; casar-me-ia com ela com muita alegria, e sei que seria feliz!
Ela é tema, dócil, e até mais bonita, se prestarmos atenção!"
- Você não foi lá para se encantar com beleza!"
— Eu compreendo, papai, e vou cumprir o que lhe propus!
Casar-me-ei com a mais velha que me oferecerá condições de ser o herdeiro do trono."
— Tem que considerar também, que o rei, pai das jovens, ainda é muito vigoroso e não tão velho.
Pode demorar muito ainda!
Preciso daquele reino para ampliar o nosso!
Se o conquistarmos, uniremos os dois e depois fraccionarei uma parte para cada um dos meus filhos, transformando-os em principados, sob a jurisdição de cada um.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 11, 2018 8:32 pm

Mas, para isso, sabe do que necessitamos...
Margarida estava assustada com o que ouvia.
Tinha muitas desconfianças, mas nunca pensou que planeassem tal traição a seu pai.
Não deveria emocionar-se, mas estar atenta para captar todo o plano.
Esta conversa, deduziu, deve ter sido entabulada quando ele voltou para casa, depois do pedido feito.
Muito atentos, continuaram a captar, agora, os seus próprios pensamentos, sem as rememorações de situações já vivenciadas.
— Tanto tempo já aqui estou!
Perdi a Margarida que amei, e nada fiz ainda...
Não tomei nenhuma providência!
Mais de um ano passou, por isso papai mandou chamar-me!
Tive que ir em visita, levando Mafalda, para que nenhuma suspeita se levantasse, mas, mesmo assim, pude conversar bastante com ele, que me cobra a promessa.
Agora temos a pequena Margarida que amo muito, mas sinto-me apático, apesar do quanto Mafalda me atormenta.
Nada realizei!...
Preciso começar a trabalhar, senão papai tomará a me chamar e alguma atitude deve tomar.
Muito atentamente, foram acompanhando o pensamento do príncipe a respeito da sua inércia no realizar da tarefa em relação ao rei, e da sua ineficiência em arquitectar um plano adequado.
Ele estava realmente apático como reflectira, e acomodado.
Perceberam nele, também, uma certa afectividade em relação ao rei, pessoa bondosa que o tratava bem como esposo de sua filha e agora pai de sua querida neta Margarida.
Aos poucos ele foi lasseando os pensamentos, desligando-se deles, e seu Espírito deixou o corpo, liberando-o para o repouso.
— Acompanhemo-lo! — manifestou-se Aquilino.
— Estarei à sua disposição!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 11, 2018 8:32 pm

Capítulo 30 - LIÇÕES
Em razão dos seus últimos pensamentos, o príncipe não foi longe.
Nem saiu do palácio.
Seguiu rumo aos aposentos reais e ficou observando o rei no seu sono profundo.
— Ele não nos vê? — indagou Margarida.
— Se quisermos nos deixar ver, sim!
Mas providenciei para que isso não acontecesse.
O Espírito liberto do corpo tem mais possibilidades, e, como lhe disse, vai aonde deseja, mas, mesmo assim, sua liberdade é limitada — está sempre preso àquele que o acorrenta.
Qualquer coisa que lhe desagrade, retoma imediatamente à concha que o abriga.
— Irmão Aquilino, tenho muito a aprender ainda!
Estou bem, sinto-me liberta, mas falta-me muito!
— Nem poderia ser diferente, uma vez que deixou o corpo há tão pouco tempo!
Por isso fui enviado em seu auxílio.
— E mal chegou, já tive lições para o meu aprendizado.
— Muitas mais terá no decurso da minha permanência aqui, no desempenho de nossas actividades!
Depois sim, verá uma outra vida, mais liberta ainda.
— E nunca mais verei os meus quando partir?
— Todas as vezes que lhe for permitido!
E se eles precisarem, terá até condições de promover o auxílio sozinha, tão instruída estará nos segredos do Mundo Espiritual e da nossa função nele.
— A libertação do corpo é muito bela!
— Mas é ele que nos propicia as condições de estar bem quando o deixamos!
— É sempre assim?
— Aqueles que sabem como proceder quando encarnados, aqueles que sabem promover o seu progresso pela prática das boas acções, por nunca prejudicarem ninguém, estarão bem.
— Se assim é, penso no príncipe, irmão!
— Por que pensa nele?
— Se conseguir o que deseja, prejudicando meu pai, quando deixar o corpo, não estará bem.
— Estará em grande sofrimento, pelos compromissos assumidos na consecução de seus objectivos demolidores, demonstrativos da ambição terrena, que não vacila em afastar aqueles que atrapalham a execução de seus desejos.
— E se o impedirmos de realizá-los?
— Ajudará, mas o ver-se impedido de praticar o que deseja, por alguma imposição externa, não lhe adiantará muito, pois, se não o fizer agora, fará na primeira oportunidade que se apresentar, após.
— Então nunca poderei partir!
Como estarei tranquila?
— Por isso o nosso trabalho será mais completo!
Se ele for receptivo ao que lhe
sugerirmos, a tudo o que realizarmos, não só para impedi-lo, mas para mudar-lhe as convicções, poderá estar tranquila e partir em paz, porque conseguimos atingir o seu coração e transformá-lo!
— E a influência do pai que o pressiona?
— Ninguém faz o que não deseja, mesmo sendo pressionado!
Teremos que trabalhar bastante, e o seu papel será importante!
— Como farei?
— Aproveitaremos o amor que sabemos, ele sentiu por você e ainda acalenta a sua imagem com ternura, e trabalharemos.
Você mesma actuará sobre ele!
Aproveitaremos também o amor que sente pela pequena Margarida, e conseguiremos!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 11, 2018 8:32 pm

— Teremos, então, muito trabalho!
— Que não se limitará apenas em impedir-lhe a acção, mas em modificar-lhe o íntimo!
— Entendo, mas algo ocorreu-me agora!
— Diga, pois, o que foi?
— Se eu tiver que trabalhá-lo, a minha lembrança estará constantemente em seu íntimo, quando desejo justamente o contrário.
Quero promover a união mais intensa dele com Mafalda, fazendo-o ver nela alguém que ele pode amar e com quem pode ser feliz.
Se eu permanecer em sua mente, ver-me-ei impedida de realizar o que pretendo!
— Não se aflija, nem pense no que ainda não vivemos!
Nós saberemos conciliar os dois objectivos e, com a inspiração do Pai, encontraremos o caminho certo!
Eles continuavam a observar o príncipe Espírito, junto do rei, ao mesmo tempo em que lições iam sendo transmitidas à Margarida.
Entretanto, deveriam também ficar atentos, não apenas na sua presença ali, como também no que ele pensava em presença do soberano, sobretudo após aquelas reflexões que já acompanhamos.
— Atentemos nele! — recomendou Margarida.
Não percamos esta oportunidade!
— Todas as oportunidades sempre devem ser bem aproveitadas, por isso lhe transmiti aqueles ensinamentos.
Observemo-lo mais agudamente!
Eles aproximaram-se mais e puderam perceber quando ele falava de si para consigo, tendo o rei em seu pensamento:
— Ainda o deixarei totalmente imóvel como está agora, mas não só pelo sono que lhe possibilita o despertar, não!
Deixá-lo-ei imóvel pelo sono eterno!
Só assim se cumprirão os meus desejos, e papai estará satisfeito.
— É essa a forma como pretende afastar papai? — perguntou Margarida indignada.
— Não interrompa, acompanhemo-lo nos pensamentos!
Novamente atentos, perceberam que aqueles primeiros pensamentos eram o resultado da cobrança do pai, pois logo a seguir ele próprio continuou de forma diferente:
— Mas por que devo fazer isso?
Não gostaria de fazer nada contra ele que tem sido tão bom para comigo.
Afeiçoei-me a ele que espera muito de mim, como o filho varão que nunca teve, e não posso atraiçoá-lo.
Mas papai tem pressa!
O seu trono fatalmente será meu, um dia, mas papai disse que ele ainda é forte e saudável!
Terei que agir logo, e não tenho vontade.
Ele ama a minha pequena Margarida e também sou-lhe grato por isso.
Naquele instante, Aquilino, interrompendo a atenção no curso daqueles pensamentos, falou a Margarida:
— Veja, será mais fácil do que imaginamos!
Ele luta entre duas forças:
o pedido do pai e os próprios sentimentos, pela afeição que sente pelo rei!
Não será difícil trabalharmos a sua mente, mas ainda é um pouco prematuro!
Precisamos observar mais, pelo menos mais dois ou três dias, para sabermos exactamente o que fazer e como fazer!
— Então demorará ainda?
E se ele tomar qualquer atitude contra papai, nesse período?
— Agiremos de forma urgente e o impediremos de alguma maneira!
Seu pai estará resguardado por nós.
Mas é preciso que observemos mais.
Olhe, ele vai se retirando, acompanhemo-lo! — recomendou Aquilino.
Saindo dali, passou pelo quarto da filhinha, olhou-a ternamente, abaixou-se, colocou um beijo em seu rostinho e continuou.
Foi até o quarto onde repousava aquele seu criado que pedira permissão para trazer, e, observando-o, formulava pensamentos:
— Se resolver agir como preciso, ele será o meu auxiliar.
Aqui está o meu aliado, aquele que sabe das pretensões de meu pai e foi recomendado me servir no que eu precisasse, fosse o que fosse...
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Amor e Sacrifício - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti - Página 3 Empty Re: Amor e Sacrifício - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 11, 2018 8:33 pm

Capítulo 31 - ACONSELHAMENTO
A situação começava a complicar-se, pois perceberam que o criado que o acompanhara, não viera para servi-lo como camareiro, mas trouxera finalidades ocultas e muito bem delineadas para a consecução de seus planos.
O jogo começava a armar-se, e os lances logo seriam efectuados. Por enquanto estavam compondo as peças que dele fariam parte.
— Nunca pensamos que tivesse trazido um criado com intenções tão terríveis - falou Margarida.
— Ele sempre foi servil e discreto, enquanto aqui estive.
O que ele pretende que o criado faça, Aquilino?
— Ainda nada tem planeado!
Veio apenas obedecendo às recomendações do pai, que vê nele o melhor auxiliar para o filho conseguir, mais rapidamente, o que ele próprio deseja.
iv Retirando-se do quarto do criado, o príncipe voltou ao próprio corpo, despertando, mas continuou a manter aquela mesma luta interior, aquela dicotomia entre os dois pólos:
o que o pai determinara e o que a própria consciência começava a sentir.
Muito trabalho teriam para realizar, e não deveriam perder tempo.
Aquilino, vendo o momento favorável, sugeriu a Margarida:
— Por que não inicia agora um trabalho mais intenso e direccionado ao seu desejo de unir o príncipe à sua irmã?
O sossego da manhã que surge, o repouso, o silêncio, ser-lhe-ão favoráveis!
Comece por fazer-lhe sugestões em relação à esposa, colocando-a em sua mente o mais que puder, ajudando-o a ver suas qualidades!
Margarida entendeu a sugestão de Aquilino e aproximou-se do príncipe, mas de tal forma que sua presença não provocasse nele a sua lembrança, direccionando-lhe, na mente, a pessoa de Mafalda, a seu lado, dormindo tranquilamente.
Em determinado momento, ela percebeu que suas palavras estavam tendo repercussão, porque ele se virou e começou a observar os traços serenos da esposa, naquela postura em que o relaxar do corpo, pela ausência do Espírito, coloca nas feições a tranquilidade.
Achou-a mais bonita com os cabelos soltos e revoltos encobrindo-lhe partes do rosto, tornando-o misterioso, deixando transparecer maior beleza nos detalhes que estavam à vista.
Colocou até a mão em seus cabelos, afastando-os do rosto, mas Mafalda, que sentiu o contacto, acordou, surpreendendo-o naquela atitude terna para com ela e falou-lhe:
— O que houve, Fernando?
— Nada, querida!
Você dormia profunda e serenamente, mas seus cabelos envolviam-lhe o rosto e eu quis afastá-los para melhor observá-la.
Não tive a intenção de acordá-la!
— Foi muito bom, Fernando, acordar dessa forma!
Que horas são?
— Ainda é muito cedo!
— E você, por que não dormia?
— Dormi muito mal esta noite!
Passei longo tempo acordado, depois dormi um pouco e tomei a acordar.
Mafalda procurou aconchegar-se mais a ele, que a enlaçou, puxando-a para perto de si, e colocando-lhe a cabeça apoiada em seu peito, passou a acariciar-lhe os cabelos.
Margarida, presente, estimulava-o mais, para que a observasse melhor, entendesse o quanto ela o amava, lembrasse até da filhinha que lhe dera e que ele amava tanto.
Deveria ser-lhe grato por presente tão querido que ela lhe proporcionara.
Nada demorou, Mafalda adormeceu e Margarida viu o seu Espírito retirar-se do corpo.
Deixou o príncipe ainda embalando a esposa e foi em companhia da irmã, tentar falar-lhe:
— Margarida, aqui está!?
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