LUZ ESPÍRITA
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Mariana ou Marie Anne? - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti

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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 17, 2018 8:54 pm

Mariana ou Marie Anne?
Wanda A. Canutti

Espírito Eça de Queiroz

Verso
É um romance que tem por objectivo levar o leitor à compreensão da vida espiritual e as informações deste mundo onde vivem aqueles que nos antecederam, diz o Espírito escritor.
Como um alerta àqueles que se encontram no orbe terrestre, em oportunidades redentoras.
A obra revela tanto as virtudes quanto as faltas e imperfeições que as Almas carregam, em si, enquanto encarnadas, e que lhes determinam, após a morte do corpo físico, o lugar para onde vão estagiar seus Espíritos.
E orienta Eça de Queiroz:
— Vivendo no bem, terão o amparo espiritual e a protecção que os envolverão desde o instante do desprendimento do corpo.

José Maria Eça de Queiroz nasceu, em 1845, em Póvoa do Varzim, Portugal e desencarnou em Paris, no ano de 1900.
Formou-se em Direito, pela Universidade de Coimbra, dedicando-se inicialmente ao jornalismo e depois à literatura.

WANDA A. CANUTTI
Professora
(18-12-1932/20-04-2004)

A médium Wanda A. Canutti era formada em letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, e se aposentou leccionando português.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 17, 2018 8:54 pm

PALAVRAS DO AUTOR
Mais um volume se faz! Mais uma parte da tarefa a que nos propusemos realizar, está pronta!
A tarefa que deve levar a todos a compreensão da vida espiritual e as informações daqui, deste mundo onde vivemos, como um alerta àqueles que se encontram no orbe terrestre, em oportunidades redentoras.
Este trabalho contém tanto a revelação de virtudes quanto a de faltas e de imperfeições que os Espíritos carregam em si, enquanto encarnados, e que lhes determinam, após a partida deste plano terráqueo, o lugar para onde vão.
Está em cada um aproveitar as suas potencialidades e praticar as boas acções, como também permanecer no erro aumentando os débitos.
Dois pólos apresentam-se e os dois devem ser trabalhados — as imperfeições para serem transformadas em virtudes, e as virtudes aplicadas às necessidades do próximo, sobretudo daqueles colocados sob um mesmo tecto.
Vivendo no bem, terão o amparo espiritual e a protecção que os envolverão desde o instante do desprendimento do corpo.
Todavia, se deixarem que as imperfeições os dominem e tomem conta de suas acções, terão a protecção de Deus que não desampara nenhum de seus filhos, mas essa protecção será difícil de se efectivar.
O sofrimento experimentado pelo Espírito não lhe permite perceber o amparo, e, às vezes, a renitência no mal é tanta que até o recusa.
O auxílio faz-se mais demorado e, enquanto isso, o Espírito sofre é sofre muito, até ser tocado, um dia, pelo arrependimento, pelo remorso dos actos praticados, permitindo que se lhe achegue o amparo de Deus.
Entretanto, o sofrimento continua, pois quando reconhece seus erros, a dor do remorso é grande.
Quando reconhece que prejudicou, o seu único desejo é procurar ressarcir o mal que fez, e as encarnações seguintes nem sempre serão fáceis.
Deus concede as oportunidades redentoras a todos que, muitas vezes, não as aproveitam porque são rebeldes e trazem ainda, no Espírito, resquícios das imperfeições que atravancam a sua evolução.
O nosso desejo, ao escrevermos está história, é demonstrar, sobretudo, a responsabilidade de cada um, como encarnado, pois, das suas acções, das suas qualidades; das suas virtudes, vai depender o lugar para onde irá, assim como, também, das suas imperfeições, poderá já antever sofrimentos muito intensos.
Que Jesus abençoe a todos que puderem participar, como leitores, desta nossa história, procurando, cada um, analisar-se a si próprio.
Se assim o fizerem, já aqui, saberão o que os aguarda no Mundo Espiritual e nas encarnações futuras.

Eça de Queiroz

Araraquara, 11 de setembro de 1991.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 17, 2018 8:55 pm

1 - CONTRASTES
Aquela tarde, tudo era festa na residência dos Sousas.
Muitos corações estavam felizes, pois um enlace muito esperado e desejado selava a união de duas famílias importantes da cidade de Lisboa — os Sousas e os Alves.
A um canto, perto do grande salão onde a orquestra, tocava e todos se divertiam, encolhida em seus traços feios, estava a pequena irmã da noiva, observando-a feliz, a rodopiar pelo salão, porque conseguira, além do melhor partido da cidade, a união com a outra família, tão poderosa quanto a sua.
As festas, os bailes, as recepções continuariam!
A vida de sonho, de fantasia, de frivolidades, prosseguiria, porque ambas as casas poderiam lhe proporcionar...
Voltemos, porém, àquele pequeno ser feioso aos olhos dos outros, tão encolhidinha, despercebida de quase todos os que se divertiam exibindo toaletes luxuosas, para que cada um pudesse mostrar ao outro a abastança e a deferência das famílias importantes, por tê-los convidado.
Ela apenas espiava à distância, mas não olhava a irmã com rancor, ódio ou ressentimento.
Fora-lhe recomendado não se mostrar muito!
Sua aparência não condizia com tanto luxo e tanta beleza do salão, e todos estranhariam a sua presença entre eles.
Sem reclamar, apenas feliz com a felicidade da irmã, continuava ali, querendo participar, embora à distância, e testemunhar aquele momento.
Estava triste, mas não a ponto de ter mágoas.
O seu coração era grandioso e puro!
O físico, pequeno e feio, abrigava uma alma bela em sentimentos, em paz interior, em desejo de ajudar, para ver os que a rodeavam, felizes.
Assim foi sempre a sua vida, desde o nascimento, quando a viram sem a beleza da irmã e verificaram que as duas, colocadas uma ao lado da outra, eram como o dia e a noite.
Uma trazia a claridade através dos cabelos louros, do brilho dos olhos azuis e da alegria e desenvoltura das crianças que são sadias, e querem, a todo instante, brincadeiras novas para satisfazer a energia que reside em Seu corpinho.
A outra, à medida que crescia, era apagada e mostrava as feições tristes e feias.
O corpinho muito frágil e pequeno pouco se desenvolvia.
Não obstante quisesse a companhia da irmã para os folguedos próprios da idade quase nunca conseguia acompanhá-la, deixando-a assim, as mais das vezes, muito só e tristinha.
Adorava a irmã e não dava acordo de que era diferente, que isso as crianças não percebem...
Sentia-se feliz em estar perto, vendo o que ela realizava, porém, pouco participava.
Quando chegou a época de aprenderem as primeiras letras, professores foram contratados.
Que diferença foi notada!
A que era bela, desenvolta e irrequieta, mostrava-se com dificuldades.
Não gostava de permanecer parada e presa por alguém, para essa finalidade.
Enquanto isso, a mais frágil e quieta, a mais humilde e triste, se comprazia em aprender alguma coisa com a qual ela própria lidasse, sozinha.
Era diferente das brincadeiras em que era deixada de lado.
A presença do professor e o que ela aprendia, eram só dela.
Ela não possuía ainda capacidade para tais raciocínios, mas observava-se o quanto se deleitava com as aulas.
Previa, certamente, que, através delas, faria o seu refúgio interior pelo resto da vida, e assim se sentia bem.
Quando conseguia ler algumas palavras, queria sempre mais.
Queria ler muito, queria ler pequenas histórias que, aos poucos, foram aumentando, até que conseguiu ler um livro inteiro, com uma única história.
A pequena passou a fazer deles a sua companhia constante.
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Nunca, nenhum a rejeitaria!
O seu mundo interior extravasava-se ao penetrar nos livros, junto com as personagens do mundo fictício colocado à sua frente.
Convivia com pequenos príncipes e princesas, transportava-se a palácios e convivia até com animais que falavam com as crianças.
O seu universo foi se enriquecendo, e cada vez mais ia se instruindo e adquirindo cultura.
A irmã, ao contrário, só permanecia na aula obrigada, e, por isso mesmo, desatenta, não querendo, após, fazer nada que lembrasse aqueles momentos que considerava de prisão.
A agudez de Espírito acentuava-se no pequeno ser, cuja curiosidade de conhecimento era grande, fosse em relação às lições do professor ou a alguma das suas leituras, quando não tinha a obrigação das tarefas.
Parecia que os momentos de aula eram pequenos para tantas perguntas.
Os dias passavam e ela, cada vez mais se satisfazia consigo própria, e o seu mundo interior agigantava-se pelos conhecimentos.
Se nunca saía de casa, impedida, muitas vezes, pela própria condição física que se evidenciava com o transcorrer do tempo, comprazia-se nos estudos e nas leituras, querendo penetrar nos mistérios insondáveis do mundo exterior, do qual nada sabia, nada conhecia.
Enquanto isso a outra, a mais esperta, a sempre requisitada pêlos pais que a exibiam como um belo troféu de primor da natureza, desinteressava-se de tudo, trocando as lições por outros interesses que se acentuavam no seu carácter. Envaidecida pelos outros que a achavam bela, conscientizou-se da sua beleza, querendo ressaltá-la mais através das vestes que exigia, fossem as mais bonitas e luxuosas.
O tempo transcorria, e elas encontravam-se naquela idade em que a mulher se descobre como tal e procura fazer sobressair os seus dotes de beleza, para despertar a atenção daqueles que a observam com olhos diferentes, querendo descobrir, na menina-moça que desabrocha, a mulher que logo se fará.
Assim se sentia Manuela, a exuberante em alegria, sorrisos formosura, cujo coração de jovem menina já despertava para os passeios e festas.
Nada em relação a leituras e estudos a atraía!
Há muito deixara de participar desconhecimentos que outros mestres, posteriormente contratados, insistiam em lhe passar.
Não via a irmã com bons olhos e não queria olhá-la como irmã.
Como seria possível?!
Uma tão feia, tão pequena, apagada e triste, ser filha dos mesmos pais que ela, bonita, esguia, alegre!
Não podia ser!
A mãe, muito mais achegada à Manuela, nunca conseguia dar-lhe essas explicações, mas justificava:
— Não importa, filha, que ela seja como é!
O importante é você, a sua beleza, a sua alegria sempre esfuziante, fazendo a nossa felicidade!
Já pensou, não fosse você.. nesta casa, como seria a nossa vida?
A sua irmã é sempre muito calada, voltada para os livros, nunca conversa com ninguém, apenas observa, e eu acho muito bom que seja assim!
Ela sabe bem o seu lugar e não quero que se coloque em nosso meio, para não destoar de você.
Todos sabem da sua existência, isto não podemos evitar.
Mas, só o facto de não aparecer, faz com que as pessoas nem se lembrem dela, e não sejam obrigadas a ver uma figura tão grotesca e feia.
Nunca se sabe qual seria a reacção deles...
Poderia ser de pena, de desprezo ou até poderiam fazer chacotas, envergonhando-nos muito.
Ainda bem temos você, que só nos traz alegrias e satisfações.
A vida na residência dos Sousas era sempre assim.
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Todas as atenções se voltavam para Manuela, a filha querida, a filha que ambos, pai e mãe, queriam ver exibida nos salões entre as amigas, como se, através dela, todos devessem verificar a alegria e a felicidade reinante na casa. Tudo girava em tomo de Manuela.
Tudo era preparado pensando nela.
Pequenas festas que, aos poucos, foram se avolumando mais e mais até chegarem a grandes recepções, eram oferecidas aos amigos, na esperança de exibirem-na e de atraírem as atenções de partidos que poderiam torná-la mais feliz, pela abastança que demonstrassem.
De festa em festa, de recepção em recepção, o círculo de amizades ia aumentando, trazendo para o lar os membros das famílias que se sentiam honradas com a delicadeza do convite, como afirmavam.
Entretanto, uma finalidade havia — possuíam, dentro do lar, uma filha quase em idade de se casar.
Por esta razão, deviam atrair os rapazes mais refinados da cidade, os partidos mais requisitados, da mesma forma, por outras famílias que também possuíam donzelas prontas para o matrimónio.
Muitos jovens bem trajados, garbosos, frequentavam a casa nessas ocasiões, e Manuela fazia questão de demonstrar que retinha para si as atenções de todos eles.
Era famosa entre as melhores famílias, pelos seus dotes de beleza, como também pelos dotes financeiros dos pais.
Quanto mais se tem, mais se quer aumentar, e esse era o desejo dos familiares, tanto dos rapazes da época como das jovens casadoiras.
O número de rapazes prontos para o matrimónio era considerável.
Alguns se aproximavam mais, outros se tomavam mais arredios, não querendo, talvez, apesar da insistência dos pais, assumir compromissos que seriam definitivos.
Namoriscavam com muitas, divertiam-se, dançavam com todas.
Um, tão somente um, naquele grande círculo, tinha mais particularmente as atenções de Manuela.
Era da família Alves!
Filho único, belo e elegante rapaz, com dotes e dotes para fazer uma moça sentir-se envaidecida por ter as suas atenções, mas nem sempre ele se mostrava submisso.
Era dos que desejavam divertir-se, supondo ser muito cedo para que compromissos, que talvez se tomassem perenes, fossem assumidos.
Seus pais desejavam a sua união com Manuela, porém, mesmo considerando-a bastante bonita, ele não encontrava, na sua companhia, o prazer que muitos rapazes descobriam, querendo exibi-la como uma conquista, no momento em que permaneciam juntos. Cláudio era o seu nome.
Moço culto, havia se preparado nas melhores escolas e adquirido a cultura que muitas jovens desprezam, por valorizarem somente os dotes físicos.
Sempre educado, com muito refinamento, não deixava as frivolidades e prazeres da vida sobrepujar-lhe o desejo de instrução, pois pretendia aprimorar cada vez mais.
Frequentava os salões, e das obrigações sociais também não se furtava.
Divertia-se, como era próprio da idade e da época, quando a maior parte dos divertimentos se realizavam dentro das próprias famílias, que outros quase não havia.
Todas as ocasiões em que Manuela tinha a oportunidade de encontrar-se com Cláudio, em alguma recepção ou em razão de outro convite qualquer, inquietava-se e não tinha olhos para outros rapazes, que viam nela, naquele momento, uma pessoa inacessível.
Podiam até estar dançando com ela, porém, seu pensamento e atenções estavam com Cláudio, onde quer que ele estivesse.
Quando, cumprindo uma etiqueta social e estimulado pelo desejo do pai, Cláudio a tirava para dançar, a sua alegria era imensa.
Sentia-se volitar, rodopiando pelo salão; inebriada, e tinha olhos somente para os olhos dele, Cláudio inquietava-se nesses instantes, e não conseguia desviar também seus olhos dos dela, embora pretendesse fazê-lo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 17, 2018 8:56 pm

Não desejava deixar seu coração enredar-se nas malhas daquele interesse, sempre e cada vez mais estimulado pelos pais de Manuela, principalmente pela mãe, que via nele o partido conveniente à sua bela filha.
Os pais de ambos os jovens, muito haviam conversado sobre esse particular,
—Já pensou, meu caro amigo, se essa nossa amizade pudesse solidificar-se de forma diferente, se nossos filhos se unissem pelo matrimónio?
—É verdade, e de há muito anseio por isso! — respondeu o senhor Alves, numa das ocasiões em que o assunto voltou a ser ventilado.
— Seria uma união perfeita!
A beleza de sua filha, entrando em nossa família, seria um sol a aquecer os nossos anseios e a companhia do meu querido Cláudio.
Poderíamos trabalhar para concretiza® esse desejo!
—Nós o faremos!
Em minha casa encarregarei minha esposa que tem muita ascendência sobre Manuela, de despertar nela o interesse pelo seu filho.
De minha parte faremos o mesmo, exaltando para ele todos os dotes de sua filha, e diremos, também, o quanto nos agradará essa união!
Você sabe, o nosso Cláudio tem uma instrução esmerada, mandamo-lo estudar na França.
Em Paris, aprimorou a sua cultura e hoje está habilitado a frequentar os melhores meios políticos do país!
Quem sabe, algum cargo importante ainda tenhamos para ele, pois, capacidade e desejo de ajudar esta nação, ele tem.
Mas, para isso, meu caro amigo, uma esposa é muito importante!
Faremos com que se interesse pela sua filha, a bela Manuela!
Esse era o pensamento dos pais amigos, e, sempre que havia oportunidade, conversavam, acentuando-o ainda mais.
No íntimo de cada um, entretanto, um outro interesse ia-lhes na alma, na época, bastante importante para as famílias — a união de bens e de prestígios, para facilidades futuras.
Cláudio era filho único.
O património dos pais era grande, assim como a esperança de que a família pudesse ter mais herdeiros também o era.
Para quem deixar uma fortuna tão considerável, se ele não se resolvesse logo a casar?
Seu pai pretendia ver esse seu desejo assegurado, ainda em vida.
Não era tão velho, todavia, nunca se sabe.
Queria ver os netos correndo pela casa, sabendo que todos os seus haveres teriam destino certo.
Para isso estimularia o filho, despertaria a sua atenção para a graça, alegria e dotes físicos de Manuela, e até para o interesse que diziam, ela demonstrava por ele.
Cláudio esquivava-se, às vezes, mas sabemos, a vontade dos pais, nessas ocasiões, é importante.
Ele não se interessava muito por Manuela, em quem não via a criatura que gostaria de ter sempre ao seu lado.
Apesar de admirar a sua beleza, sentia, além do seu belo exterior, ela nada mais possuía que o atraísse.
Uma conversa mais elevada, uma pequena demonstração de conhecimento sobre os mais simples assuntos, ela não era capaz de manter.
Nada era profundo nela, a não ser a vaidade da própria aparência.
Apenas aparência, nada mais que aparência.
Percebia-se que nenhum assunto lhe interessava, pois nada conhecia além do que o espelho lhe mostrava ou daqueles que a elogiavam...
— Será isso beleza? — perguntava-se, Cláudio.
— Uma união faz-se com muito mais!
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 17, 2018 8:56 pm

— Como seria viver constantemente a seu lado?
Conseguiria suportar?
Onde estivesse, repetidas insinuações lhe eram feitas, quer por membros da família da jovem, quer por membros da própria família, com quem mais efectivamente convivia.
Ele percebia que Manuela nutria pretensões a seu respeito.
Quando estavam juntos e seus olhos demoravam-se nos dele, Cláudio não conseguia resistir.
Quem sabe eram os momentos em que a vaidade existente nas pessoas sobrepuja o raciocínio, e ele deleitava-se naqueles olhos azuis que o fitavam profundamente.
Sem saber como resistir, e estimulado pelo desejo de ambas as famílias, foi, aos poucos, se encantando deles.
O tempo passava e esse encantamento acentuava-se, sem que ele pudesse explicá-lo.
Sentia-se já enfeitiçado por ela!
Algo anormal tirava-lhe o raciocínio, antigamente lúcido e equilibrado.
Não mais sentia as suas frivolidades, e até, às vezes, insensatamente admirava-a e ficava satisfeito em estar em sua companhia.
Tudo, assim, caminhava segundo o desejo de todos e, muito mais o da própria Manuela, até que resolveram efectivar aquela união.
Os pais entenderam-se, fizeram os acertos, e o grande dia foi marcado.
Justamente aquele em que começamos esta narrativa, e encontramos todos se divertindo na festa do enlace, planeada para que toda a cidade pudesse comentar.
As famílias mais importantes da cidade se uniriam.
Os patrimónios estavam selados para sempre.
Uma união perfeita, muito bem arquitectada e ansiada de há muito!
Os preparativos foram realizados com o maior apuro e requinte, para os quais muitas pessoas foram contratadas.
Não viam gastos...
— São nossos únicos filhos! — diziam, esquecendo-se, os Sousas, daquela outra, a feia, a enjeitada, a pobre Mariana, pois sabiam, para ela nada daquilo seria possível.
A cerimónia foi realizada, mostrando toda a pompa que o dinheiro pode comprar, como se uma união se mostrasse promissora e feliz apenas pelo requinte com que era formalizada.
A festa continuava, todos se divertiam, e as jovens invejavam Manuela.
Os rapazes, então, admiravam todo o esplendor que a noiva aparentava, e não podiam evitar de pensar que gostariam de estar no lugar de Cláudio.
A cerimónia comoveu!...
A festa era envolvente!...
A orquestra tocando, todos embevecidos com a música e extasiados com as danças se sentiam felizes.
Cláudio era feliz naquele momento!
Não havia pensado ainda em sua vida após as núpcias, apenas se deixara inebriar e envolver, culminando com o casamento.
Sempre esquivo a esse compromisso, acabava de assumi-lo para sempre.
Como estaria o seu coração naquele momento?
Certamente muito feliz, pois ainda não conseguira ver mais nada...
Entretanto, como estaria dali a algum tempo, não saberia dizê-lo, que em nada disso pensara até então.
A festa continuava sem que nenhuma reflexão passasse pela sua mente, além da alegria, das músicas, dos convidados com olhares invejosos, e, sobretudo, da noiva que tinha nos braços, só para si, ultrapassando todo e qualquer desejo de qualquer um dos presentes.
Com o passar das horas, os convidados foram se retirando, um a um, as danças já não estavam tão entusiasmadas, os casais foram rareando, e restaram somente as famílias dos noivos.
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2 - REALIDADE E IDEALISMO
A festa havia terminado, os músicos retiraram-se, as luzes, esfuziantes de brilho foram se apagando uma a uma, deixando, no grande salão ora vazio, apenas uma ténue claridade.
Cláudio e Manuela também já haviam se retirado.
A pedido dos pais da noiva, Cláudio concordara em residir com eles.
A mãe sentir-se-ia muito triste sem a presença da filha, a quem tinha muito apego.
A princípio, ele não aceitou essa ideia, queria ter o próprio lar, mas os apelos foram tantos que não teve como resistir.
A casa dos Sousas era muito grande, e, aposentos, eles teriam o que desejassem, era só escolher.
Manuela preferiu o que julgou o mais adequado, e a decoração foi feita toda a seu gosto.
Ser-lhe-ia difícil ficar sem a presença da mãe, constantemente a seu lado.
A mãe amiga, a mãe conselheira, a mãe astuta e ardilosa, pronta a auxiliá-la fosse no que fosse, a todo o momento.
Além do mais, de que forma teria condições de gerir uma nova casa, um novo lar, se para isso não fora criada?
Não saberia!
Aprendera a mandar e tão somente mandar, para o cumprimento de seus menores desejos e sempre fora atendida.
Como faria* embora com muitos criados a ajudá-la?
A abastança das famílias permitia-lhe tantos criados quantos quisesse, porém, a obrigação da gerência, das determinações e decisões seria sua, e ela não pretendia ater-se a esses compromissos.
Queria continuar a vida de até então, acrescida apenas daquele por quem lutara.
Viveria somente pelo prazer da sua companhia, e pelo prazer maior de mostrar a tantas outras que ela o havia conseguido.
Esses eram os sentimentos escondidos no íntimo de Manuela, revelados somente à mãe que muito a ajudara nessa conquista, em razão da grande fortuna que as famílias possuíam.
A vida do casal iniciava-se desse modo.
Cláudio foi muito bem recebido na casa, onde, sem ter meios de recusa, passou a viver.
Colocaram-lhe um criado à sua disposição, mas, apesar de tantas gentilezas, sentia-se um estranho.
Manuela estava sempre junto dele, querendo carinhos e atenções, todavia, até para isso há o momento exacto e a hora certa, a fim de que não se tomem obrigatórios e cansativos.
Ela não pensava assim! Não o deixava um instante sequer, e percebia-se, às vezes, que ele já se sentia um pouco sufocado.
Quando, por exigência de seu Espírito culto, com anseios de sempre saber mais, tomava um livro para ler, Manuela, que não conseguia encontrar nenhum interesse neles, não gostava.
Sentia-se relegada, sem as atenções que supunha, merecia, ocasionando, muitas vezes, dissensões entre eles.
— O tempo perdido em leituras pode ser muito mais bem aproveitado! — dizia.
O que faço eu, enquanto você fica entregue aos livros?
Largue esse livro e vamos dar um passeio!
O Sol, lá fora, está brilhando.
Não perca tempo. Venha comigo!
Assim era sempre!
Qualquer desculpa era motivo para tirá-lo dos livros.
O tempo foi passando e ele acedendo às suas rogativas, todavia, como tudo cansa e dia chega em que devemos afirmar a nossa vontade, mostrando que nossos desejos também merecem ser satisfeitos, Cláudio foi se cansando das insistências de Manuela e, vez por outra, não atendia seus pedidos, deixando-a falar.
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Ela, estranhando sua atitude, reclamava muito.
Aos poucos, porém, ele foi se afirmando e já não sentia tanto prazer na companhia da esposa, que nada podia oferecer-lhe, além da beleza que, sempre e sempre, mais fazia sobressair pelos arranjos e pelos trajes que usava.
Contudo, não era só isso o que ele desejava.
Quando visitava os pais, ela o acompanhava, não lhe deixando nenhuma oportunidade de algumas horas ou de alguns instantes entregue aos seus gostos.
Mesmo assim, a vida do casal ainda era feliz.
Manuela conseguia quase tudo como queria, e desejava que assim continuasse.
Apenas ela não conhecia totalmente o marido — o Cláudio que nunca havia se deixado levar por seus encantos, e, sem explicar o porquê, vira-se, de uma hora para outra, tão enredado, com o pensamento e o raciocínio obliterados, só tendo olhos para aquela beleza radiante.
Como tudo passa, aquele encanto já não era tão profundo e voltou a vê-la como antigamente, fútil e vazia.
Não gostava quando ela pretendia dominar-lhe as acções, fazendo valer a sua vontade. Conseguira reagir e, frequentemente, recusava-se a atender às suas imposições frívolas, sobretudo quando estava entregue a si mesmo, com um livro nas mãos, em busca de novos aprendizados ou recreando-se.
Lia tudo o que lhe despertasse o interesse.
Era actualizado em relação ao que se passava no seu país, e mesmo em países distantes, quando as notícias chegavam.
Vivia atento às atitudes governamentais, com as quais nem sempre concordava.
A política o atraía sobremaneira.
Desejava algum cargo através do qual pudesse manifestar e fazer valer suas ideias em defesa do bem do país, porque os dirigentes não agiam de modo a facilitar o bem-estar do povo.
A maioria estava preocupada em promover e satisfazer o seu próprio interesse, e isso o revoltava.
Preparara-se bem! Tinha toda a instrução e cultura desejáveis para qualquer cargo, acrescidas ainda de grande interesse em ajudar o país.
Era um perfeito patriota!
Faltavam-lhe as oportunidades, mas compreendia, ainda era muito jovem e estes nem sempre são confiáveis.
Nos salões, procurava entretecer conversas em rodas cujos componentes lhe satisfizessem esse intento, não com intenção de adulá-los, mas para melhor tomar conhecimento do que ocorria nesses meios, tentar expor suas ideias e mostrar o seu conhecimento e interesse.
Os mais velhos admiravam-no e viam nele um filho promissor para o bem do país.
Ele aguardaria a ocasião, e enquanto esperava, instruía-se cada vez mais.
Outras actividades não desejava desempenhar, que os bens de família lhe davam condições de aguardar.
O pai era activo e administrava o seu património sem precisar dos serviços do filho.
Cláudio era mais desapegado.
Defendia o povo como um simples elemento dele, conquanto nunca o fora.
Nascera em berço de ouro, e seu pai, muitas vezes, não compreendia essa tendência do filho.
Manuela só mais tarde veio a conhecer esse lado do marido.
Nunca o ouvira falar de política nem manifestar o desejo de auxiliar o país através de algum cargo.
Quando o ouviu externar essa sua pretensão, pela primeira vez, durante uma conversa com seu pai, ficou estarrecida:
-- Cláudio, nunca o ouvi falar assim!
Nós não temos nada com o país.
Pertencemos a uma outra classe, e povo é povo!
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Mariana ou Marie Anne? - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti Empty Re: Mariana ou Marie Anne? - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 17, 2018 8:56 pm

Está aí para nos servir, para trabalhar para nós. incomode-se comigo e deixe o povo entregue a si mesmo!
Nada disso nos interessa e eu não gosto de vê-lo falar assim!
Não quero perdê-lo para ninguém, muito menos para o país.
Não quero vê-lo desperdiçar o seu tempo em fantasias que não levam a nada.
Esqueça-se disso e fique somente comigo que fará a minha alegria!
Manuela não estava gostando dessa nova face que começava a ver em Cláudio.
Não que o seu idealismo pudesse atrapalhá-la, pois, para ela, os pensamentos ou qualquer ideal sublime de qualquer pessoa, não importavam.
O de que ela não gostava e a aborrecia, era que esse idealismo poderia tirá-lo da sua companhia.
Já bastava o tempo em que ficava entregue às leituras.
Frequentemente se queixava à mãe, que precisava fazê-la compreender, para que a situação não piorasse mais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 18, 2018 8:43 pm

3 - UM OUTRO MUNDO
A pequena Mariana, entregue sempre a si mesma, vivia isolada, às voltas com seus livros, e não participava de nada em família.
Imaginava a irmã satisfeita, pois reconhecia em Cláudio todas as condições de fazê-la feliz.
Com o passar do tempo, quando vimos Cláudio voltar-se à leitura, muitas vezes eles se encontravam no gabinete da casa, procurando livros, cujas estantes estavam recheadas deles, porém, nunca trocaram uma palavra.
Ela não se atreveria, e ele, nem saberia o que lhe dizer.
Mesmo à mesa das refeições, nas poucas ocasiões em que ela participava, nunca também conversaram.
Mariana mantinha-se sempre calada.
Só Manuela falava, ria e interpelava, às vezes, a mãe.
As conversações entre seu pai e Cláudio não permitiam a sua interferência, não tinha esse hábito.
Até de si mesma refugiava-se, encolhia-se.
Mas o seu mundo interior era imenso.
As possibilidades adquiridas através dos conhecimentos eram incomensuráveis, contudo, ninguém sabia.
Nunca lhe dirigiam a palavra para que demonstrasse um pouco do muito que aprendera, do que conhecia.
Mesmo se falasse, não interessaria a quem só se importava com aparências e frivolidades.
Nem saberiam o que ela estava dizendo.
O seu universo de fantasias também era grande; precisava criá-las para suavizar as amarguras da sua vida de reclusa.
Viajava muito, mentalmente...
Os lugares visitados eram mais atraentes e ricos em detalhes que os verdadeiros, pois, partindo dos livros, além da realidade descrita, havia a fantasia criada pela sua imaginação, e, se fosse descrevê-los, ninguém os reconheceria.
Vivia, assim, do conhecimento adquirido nos livros e das suas fantasias, divagando, divagando, nos momentos em que necessitava afastar-se para buscar um pouco de alegria para seu Espírito.
O grande jardim de sua residência, ela conhecia-o a palmo.
Sabia das pequeninas flores mais escondidas, que tudo verificava e esmiuçava.
Impedida de ultrapassar as fronteiras de sua casa, limitava-se a passear onde lhe era permitido.
O jardim era o seu mundo!...
Um pequeno caramanchão recoberto de trepadeiras sempre floridas era o seu recanto predilecto, quando não estava em seu quarto, ou no gabinete escolhendo um livro.
Já lera quase tudo, sobre todos os assuntos.
— Ainda bem, temos alguém que os lê! — dizia o pai, que sempre adquiria mais e mais.
Enquanto ela lê, não interfere em nosso mundo e assim é melhor!
No pequeno caramanchão localizado a um canto do jardim, havia algumas cadeiras nas quais ela se sentava, permitindo-lhe sentir o calor do Sol perpassando suavizado por toda a ramagem que o envolvia.
Era o lugar predilecto para as suas leituras.
Certo dia em que lá se encontrava, absorta, lendo, não se apercebeu de que passos lentos se aproximavam e paravam à sua entrada, tão compenetrada estava no que lia.
Quem sabe, naquele momento, estava dentro de uma fantasia, viajando com algumas personagens e descobrindo detalhes e mais detalhes do local que visitava...
— Desculpe-me se a importuno!
Esta frase foi repetida duas vezes, tão afastado estava o seu Espírito dali.
Ao ouvi-la, assustou-se.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 18, 2018 8:43 pm

Nunca ninguém chegava até o caramanchão, pelo menos enquanto ela ali estivesse.
—Não, você não me importuna, Cláudio! - apressou-se em responder.
Estava longe com minha leitura, não o percebi chegar.
— Gosto de vê-la lendo sempre!
Oxalá sua irmã a imitasse!
—Manuela não gosta de ler, nunca gostou!
Quando papai contratou professores para nos ensinar, ela sempre se esquivava, limitando-se a fazer só o que era obrigada e nada mais.
— É uma pena! A leitura, os estudos nos fazem bem, alimentam-nos o Espírito satisfazem o nosso desejo de conhecimento, ampliam o nosso mundo...
— Você tem razão, a leitura é a minha distracção!
E nela que encontro o prazer da minha vida.
—Nunca a vejo, mesmo dentro de casa!
Você participa tão pouco ou quase nada das reuniões de família.
Nem à mesa, no horário das refeições, conseguimos vê-la.
Por que se retrai tanto?
—Eu não me retraio por gosto ou por recusar a companhia dos meus.
Prefiro viver assim, a tomar parte de reuniões íntimas que não me dizem respeito.
Sinto-me melhor só, comigo mesma.
A minha vida é outra!
De que me adianta participar de conversas frívolas, se tratam de reuniões fúteis às quais não compareço?
De que me adianta juntar-me à mamãe e à Manuela na resolução de toaletes luxuosas, com as modistas que contratam, se não são essas as roupas que uso?
O meu mundo é outro, e não pense que estou reclamando.
Apenas me afasto porque nada do que fazem, vem ao encontro dos meus gostos.
Mariana nunca falara sobre si mesma a ninguém.
O pouco que revelara, naquele momento, a Cláudio, nem ela mesma conseguiria explicar a razão.
Talvez o fizera por ele ter sido a única pessoa que não fugira dela.
Isso era indício de que não lhe causava repugnância, e assim, com a confiança dos pequenos animais, quando junto de alguém que lhes quer bem, ela sentiu-se segura e confiou nele.
— Cláudio, pode entrar, se o deseja!
Sente-se um pouco, não fique aí em pé.
— Este lugar é muito bonito!
Nunca havia sentido a tranquilidade e a paz que se pode desfrutar aqui.
Um silêncio absoluto, em volta as plantas, vez por outra o canto de algum pássaro...
É muito repousante e adequado à leitura.
Bem faz você em aproveitá-lo!...
—Sinto-me bem neste caramanchão!
Ninguém se aproxima, pelo menos enquanto aqui me encontro, e assim posso viver dentro do meu mundo, como desejo.
—Já conhecia este lugar!
Vim algumas vezes com Manuela, porém, permanecemos poucos instantes, por isso, nunca havia sentido esta paz de agora.
Como sabe, ela não gosta de ficar muito tempo em lugar nenhum.
—"E, ela é irrequieta e muito diferente de mim!
O seu mundo é outro, os seus gostos são outros...
Talvez sua beleza a tenha feito diferente de mim, porque pode viver uma outra vida.
Mas sinto-me feliz como vivo, e tenha a certeza, apesar de Manuela gozar de mais liberdade, participando de reuniões, de festas, mostrando a sua vaidade e beleza, o meu mundo, embora tão pequeno, eu o sinto, é muito maior que o dela!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 18, 2018 8:44 pm

Os meus livros levam-me a lugares que ela nem sequer imagina existam.
Ela só se interessa pelo seu espelho, que nada mais reflecte além da sua própria imagem...
Notando que Cláudio a ouvia atento, acrescentou:
— Perdoe-me se falo assim!
Não pense que a esteja recriminando, não!
Apenas nossos interesses diferem pelas próprias circunstâncias em que a vida nos colocou, pelas diferenças entre nós.
E só isso!
Compreendo-a e não interpreto suas palavras como uma recriminação.
Você faz da sua vida o que ela não concebe, alguém possa fazê-lo, sem imaginar que não esteja perdendo tempo.
Ela não gosta de me ver lendo, justamente por isso!
Fiquei muito satisfeito em lhe falar e gostaria de repetir outras vezes.
—Este é o meu lugar preferido.
Quando puder e desejar, estarei à sua disposição!
—Ainda manteremos muitas conversas, através das quais aprenderei bastante.
Manuela não tem ideia do que você tem aprendido.
Os interesses dela são outros, já comentamos.
— Agora preciso ir, senão logo ela virá à minha procura.
Só me deixou estes instantes porque está em uma entrevista com a modista, escolhendo um novo traje, e a companhia da mãe, nestas horas, lhe é muito importante.
— Estarei aqui sempre.
Gostaria também de conversar com você, mais vezes.
É muito raro poder falar com alguém.
Sei que é muito instruído, fez seus estudos no exterior, e eu, sim, é que terei muito a aprender.
Quero que me fale, quando puder, sobre Paris, sobre as escolas que frequentou...
Eu não sei como é uma escola!
—Ainda conversaremos outras vezes.
—Meus estudos foram feitos aqui em casa, com os professores contratados por papai.
Sou agradecida a ele por isso, pois possibilitou-me conviver com o que tem me dado tanto prazer nesta minha vida tão pequena — os livros — mas, graças aos quais, não a sinto assim.
—Até uma outra oportunidade!
—Venha quando quiser!
Quando Cláudio se afastou, Mariana, que havia interrompido a leitura, não conseguiu retomá-la de pronto.
Ficou pensando na delicadeza com que ele a tratara e no seu empenho em lhe falar.
— Nunca pensei que Cláudio pudesse aproximar-se de mim, algum dia!
Imaginava-o como os outros frequentadores desta casa, que ficam felizes se não apareço, para não se verem obrigados a falar comigo.
Não saberiam como fazê-lo.
Como se dirigir a uma noite negra, se se tem sempre o sol radiante a seu lado?
Ao retirar-se da companhia de Mariana, Cláudio levava uma impressão agradável.
Muitas vezes a vira, muitas vezes a observara à distância e até estiveram juntos, mas nunca nenhuma palavra havia sido trocada entre eles.
Sabia do gosto dela pelos estudos, pela leitura, mas nunca a supôs com tal lucidez de Espírito.
Esperava novamente ter a sua companhia para conversar sobre muitos assuntos.
O gelo inicial fora quebrado.
Sentira-a receosa, desconfiada e sempre armada, pelo modo com que havia sido tratada.
Temendo ser desprezada, esquivava-se e não se atrevia a dirigir a palavra a ninguém, nas raras vezes em que se deparava com os familiares.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 18, 2018 8:44 pm

Cláudio passara a pertencer à família, todavia, era um estranho infiltrado entre eles, na condição de marido de Manuela.
Sabia da reserva dos familiares para com Mariana, pois só tinham olhos para a que era bonita.
Quando uma oportunidade se apresentasse, pretendia falar com ela diante de todos.
—Quero integrá-la no meio deles.
Se a conhecessem bem, só lucrariam - pensava.
Conversaremos sobre diversos assuntos que, tenho a certeza, serão do seu conhecimento.
Poderei passar-lhe informações que lhe serão importantes, pela minha experiência como conhecedor do mundo lá fora, de outras terras, e poderei, até, aprender alguma coisa.
Ela se sentirá bem.
Assim pensando, caminhava de volta para casa, e encontrou a esposa à sua procura.
—Onde estava, meu querido?
Procurava-o há tempos!
—Dava uma volta pelo jardim, enquanto você estava ocupada.
Agora terminei!
Escolhi um lindo vestido!
Quero ficar cada vez mais bela para agradá-lo, e para que todos sintam inveja, quando estivermos juntos.
Vou usá-lo na reunião que daremos no próximo sábado!
Que reunião, Manuela, e por quê?
— Ora, Cláudio, para reunir amigos e nos divertir, não precisa de motivos especiais!
Você sabe o quanto gosto dessas reuniões!
Em sua companhia, então, sinto-me mais feliz!
Poder exibi-lo a todas as minhas amigas, não só a elas, mas às suas mães também, sentindo que estão com inveja por eu ter conseguido o seu amor.
E não é só isso!...
Quero que seus amigos sintam inveja de você por termos nos casado, por estarmos juntos, por nos amarmos!
Existem motivos melhores que esses?
Ouvindo as razões de Manuela, Cláudio sentiu-se impotente para dizer da inutilidade das suas alegações.
Concordava até que as reuniões eram necessárias, às vezes, para um encontro com os amigos, para um divertimento salutar, mas os propósitos expostos por Manuela, assustaram-no.
Nunca se imaginou competindo com ninguém para disputá-la, pois nem mesmo entendia como havia se deixado prender por ela, e nunca se sentira vitorioso diante de outros jovens, frequentadores do mesmo círculo.
Reflectindo nessas palavras da esposa, lembrou-se da recente conversa com a cunhada.
Como eram diferentes!
Uma, voltada somente para aparência, enquanto a outra, voltada para o interior de si mesma, procurava ampliar as suas possibilidades de conhecimento, de reflexão, instruindo-se cada vez mais.
Ninguém, naquela casa, conhecia Mariana!
Ninguém sabia do seu potencial, que ultrapassava as dimensões da sua silhueta tão pequena e frágil!
Isto não enxergavam, nem ela tivera a chance de demonstrar, porque não lhe davam atenção.
Cláudio alimentava, a partir de então, o propósito como os outros frequentadores desta casa, que ficam felizes se não apareço, para não se verem obrigados a falar comigo.
Não saberiam como fazê-lo.
Como se dirigir a uma noite negra, se se tem sempre o sol radiante a seu lado?
Ao retirar-se da companhia de Mariana, Cláudio levava uma impressão agradável.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 18, 2018 8:44 pm

Muitas vezes a vira, muitas vezes a observara à distância e até estiveram juntos, mas nunca nenhuma palavra havia sido trocada entre eles.
Sabia do gosto dela pelos estudos, pela leitura, mas nunca a supôs com tal lucidez de Espírito.
Esperava novamente ter a sua companhia para conversar sobre muitos assuntos.
O gelo inicial fora quebrado.
Sentira-a receosa, desconfiada e sempre armada, pelo modo com que havia sido tratada.
Temendo ser desprezada, esquivava-se e não se atrevia a dirigir a palavra a ninguém, nas raras vezes em que se deparava com os familiares.
Cláudio passara a pertencer à família, todavia, era um estranho infiltrado entre eles, na condição de marido de Manuela.
Sabia da reserva dos familiares para com Mariana, pois só tinham olhos para a que era bonita.
Quando uma oportunidade se apresentasse, pretendia falar com ela diante de todos.
—Quero integrá-la no meio deles.
Se a conhecessem bem, só lucrariam. - ele pensava.
Conversaremos sobre diversos assuntos que, tenho a certeza, serão do seu conhecimento.
Poderei passar-lhe informações que lhe serão importantes, pela minha experiência como conhecedor do mundo lá fora, de outras terras, e poderei, até, aprender alguma coisa.
Ela se sentirá bem.
Assim pensando, caminhava de volta para casa, e encontrou a esposa à sua procura.
—Onde estava, meu querido?
Procurava-o há tempos!
—Dava uma volta pelo jardim, enquanto você estava ocupada.
— Agora terminei!
Escolhi um lindo vestido!
Quero ficar cada vez mais bela para agradá-lo, e para que todos sintam inveja, quando estivermos juntos.
Vou usá-lo na reunião que daremos no próximo sábado!
Que reunião, Manuela, e por quê?
— Ora, Cláudio, para reunir amigos e nos divertir, não precisa de motivos especiais!
Você sabe o quanto gosto dessas reuniões!
Em sua companhia, então, sinto-me mais feliz!
Poder exibi-lo a todas as minhas amigas, não só a elas, mas às suas mães também, sentindo que estão com inveja por eu ter conseguido o seu amor.
E não é só isso!...
Quero que seus amigos sintam inveja de você por termos nos casado, por estarmos juntos, por nos amarmos!
Existem motivos melhores que esses?
Ouvindo as razões de Manuela, Cláudio sentiu-se impotente para dizer da inutilidade das suas alegações.
Concordava até que as reuniões eram necessárias, às vezes, para um encontro com os amigos, para um divertimento salutar, mas os propósitos expostos por Manuela, assustaram-no.
Nunca se imaginou competindo com ninguém para disputá-la, pois nem mesmo entendia como havia se deixado prender por ela, e nunca se sentira vitorioso diante de outros jovens, frequentadores do mesmo círculo.
Reflectindo nessas palavras da esposa, lembrou-se da recente conversa com a cunhada.
Como eram diferentes!
Uma, voltada somente para aparência, enquanto a outra, voltada para o interior de si mesma, procurava ampliar as suas possibilidades de conhecimento, de reflexão, instruindo-se cada vez mais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 18, 2018 8:44 pm

Ninguém, naquela casa, conhecia Mariana!
Ninguém sabia do seu potencial, que ultrapassava as dimensões da sua silhueta tão pequena e frágil!
Isto não enxergavam, nem ela tivera a chance de demonstrar, porque não lhe davam atenção.
Cláudio alimentava, a partir de então, o propósito de fazer vir à tona todas as qualidades escondidas e muito bem recalcadas da cunhada, ajudando-a a conquistar, aos poucos, os familiares, a fim de que ela pudesse viver, dentro de casa, uma vida normal.
Não seria fácil, mas tentaria.
Esforçar-se-ia para retê-la mais tempo com a família, quando participasse das refeições; não perderia nenhuma oportunidade de lhe falar, fazendo-lhe indagações, estimulando-lhe respostas, sem deixá-la esquivar-se.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 18, 2018 8:44 pm

4 - APENAS O ACASO?
Alguns dias passaram após aquelas reflexões e propósitos de Cláudio.
A reunião tão aguardada por Manuela já havia passado, na qual ela pôde brilhar como desejara.
Mariana, porém, continuava como até então, voltada para si mesma e afastada daqueles que sabia não desejarem a sua presença.
Certa vez em que se encontravam reunidos no horário da refeição, ela também compareceu.
Era a oportunidade que Cláudio esperava, pela decisão que havia tomado.
Quando a viu escarninhar-se à mesa, juntando-se aos demais, alegrou-se e dirigiu-lhe a palavra, surpreendendo a todos:
—Seja bem-vinda, entre nós!
Estávamos sentindo a sua falta!
Ela olhou-o surpresa também e nada respondeu, além de um muito obrigada.
O silêncio novamente se fez e Manuela, tentando falar a respeito de uma amiga, fazendo um comentário maldoso, dirigiu-se a Cláudio.
Ele, procurando um meio de conversar com Mariana, não a ouviu.
Ela repetiu e não obteve resposta.
—Cláudio, estou falando com você! — exclamou em tom alterado.
O que está acontecendo que não me ouve?
—Nada, Manuela, estava pensando e distraí-me!
Eu deveria estar longe daqui...
Desculpe-me, diga, o que foi?
—Agora não repetirei mais!
Mariana a tudo assistia, calada, tentando engolir o alimento que lhe fora servido.
Logo a seguir, Cláudio perguntou-lhe:
— Eu sei do seu gosto pela leitura!
O que está lendo agora?
Ela respondeu da forma mais sucinta possível, para não causar aborrecimento à irmã, que sabia, não iria gostar.
— Ah! Já li esse livro e gostei muito! — comentou Cláudio.
Levou-me a terras longínquas e maravilhosas, pelas descrições que o autor faz.
— Eu apenas comecei!
Não sei ainda muito bem como o assunto será desenvolvido, mas espero aproveitar bastante.
Interesso-me pelo Oriente, e sei que terei a oportunidade de, através dele, viajar e conhecer essas terras, estranhas para mim.
— Você irá apreciar bastante, se gosta, como diz, da cultura oriental.
—Mas o que é isso!? — interferiu, irritada, Manuela.
Viemos aqui para falar de livros, do Oriente?
Isso não nos interessa e muito menos enquanto fazemos nossa refeição! Cláudio, não me tire a vontade de comer e pare com essa conversa!
O senhor Sousa ficou surpreso pela atenção que Cláudio dispensara à Mariana, e a sua esposa sentiu-se enraivecida e desprezada, pois nenhuma palavra lhe fora dirigida até então, a não ser pela própria Manuela, em protesto pela conversa de ambos.
Mariana, percebendo a irritação da irmã, e não querendo causar problemas, pediu licença e retirou-se, sem terminar a sua refeição.
Quando o pai perguntou por que não a terminava, respondeu que já estava satisfeita.
Após alguns dias desse fato, Cláudio recebeu uma carta de um amigo que deixara em Paris, quando lá estivera estudando.
Endereçada à casa de seus pais, eles lha enviaram logo em seguida, por intermédio de um criado.
Era a primeira correspondência recebida desse amigo> desde que de lá regressara, e, surpreso, abriu-a com avidez, querendo tomar conhecimento do seu conteúdo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 18, 2018 8:45 pm

Ele comunicava-lhe que estava trabalhando, e, como tinha uma missão para desempenhar em Lisboa, gostaria de contar com seus préstimos para apresentá-lo às pessoas dos locais onde deveria comparecer; Marcava a data da sua chegada e esperava ser atendido, em nome da boa amizade que sempre tiveram em Paris, durante o tempo de estudantes.
Cláudio não compreendeu muito bem de que forma poderia ajudar o amigo, mas, em resposta, colocou-se à sua disposição, acrescentando que, num primeiro momento, gostaria de hospedá-lo para melhor auxiliá-lo.
Depois, conforme a actividade que fosse desempenhar, ele poderia instalar-se num hotel, dependendo de sua vontade.
Consultou o sogro dessa possibilidade e foi atendido prontamente, sem nenhum indício de desagrado.
Na data e horário marcados, Cláudio foi esperá-lo.
Recebeu-o de braços abertos, e, em poucos instantes, viram-se no tempo de estudantes, quando mais de perto é intimamente conviviam.
Depois dos abraços e de todas as palavras que se dizem nessas ocasiões, Cláudio contou-lhe que havia se casado, dizendo que o levaria para a sua casa.
— Quem conseguiu prendê-lo pelo matrimónio?
E os seus pendores políticos, os seus ideais, onde estão?
Vou levá-lo, mas não moro só com minha esposa.
Ela quis permanecer na casa dos pais e todos insistiram muito, por isso resido lá!
A casa é grande e você estará bem instalado.
Conhecerá minha esposa e poderemos conversar sobre os seus propósitos, aqui, em Lisboa.
—Como quiser! Entrego-me totalmente a você!
Nesta cidade tudo é estranho para mim!
Precisarei muito da sua companhia, pois a sua língua me é muito difícil, apesar de tê-la estudado um pouco.
Cláudio levou-o à sua residência, onde Charles - esse era o nome do nosso novo personagem recém-chegado de Paris - foi apresentado a todos.
Manuela ficara ansiosa, esperando em casa.
Quisera ter ido com Cláudio, mas logo admitiu, não seria conveniente.
O efeito de esperá-lo em casa seria muito maior!
Ele poderia melhor apreciá-la em toda a sua beleza, e, junto da mãe, sentia-se mais segura.
Quando entraram, Manuela aguardava-os.
Aprontara-se como se fosse a uma recepção, tal o requinte com que o fizera, querendo parecer, aos olhos do amigo de Cláudio, mais bonita ainda.
—Manuela, este é Charles, o amigo de quem lhe falei, e que nos fará companhia por algum tempo.
—Muito prazer, senhor Charles!
Cláudio contou-me que foram amigos em Paris.
Temos muito prazer em recebê-lo em nossa casa, e tudo faremos para que se sinta à vontade, connosco.
—Agradeço-lhe minto, senhora!
Vez por outra tropeçava em alguma palavra, e Cláudio vinha em seu socorro, ajudando-o.
Charles limitava-se ao necessário, entretanto, com toda dificuldade, não deixou de mencionar a beleza de Manuela.
A observação lisonjeou-a pela boa impressão que causara, exactamente como pretendera, e, intimamente, sorria.
Apresentado aos outros membros da família, foi levado a seu quarto, preparado para que se sentisse bem.
Cláudio acompanhou-o, seguido pelo criado que levou a bagagem. Um membro da família não se encontrava presente a pequena Mariana, sempre recolhida em seus aposentos ou em outro local da grande casa, onde pudesse ficar mais à vontade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 18, 2018 8:45 pm

Não fora chamada para fazer parte de tal recepção, nem sabia que receberiam um hóspede.
Enquanto Charles se retirava, Manuela pensava na sua reacção, quando visse Mariana, tão feiozinha.
— Não importa — dizia a si mesma — estarei aqui eu, para que ele veja o que é ser bela!
Quero conversar com ele, mais tarde, a respeito da moda em Paris, de onde procuramos copiar os modelos.
Ela estava feliz por ter mais alguém para admirá-la, tanto pela beleza, como pelo apuro com que se arramava, que só para isso vivia.
A partir daquele instante em que uma simples criatura se adentrava naquela casa, nada seria como até então.
Ele era o instrumento que a Providência enviava para a realização de testes, a fim de que a força moral fosse avaliada, e a simplicidade, a humildade e o altruísmo, exaltados.
Num acontecimento, à primeira vista sem importância, com toda a aparência de obra do acaso, está o que a Providência nos prepara, para demonstrarmos o nosso verdadeiro carácter, as nossas virtudes, ou então, todos os vícios recalcados em nós.
Cláudio nunca mais tivera a oportunidade de falar com Mariana, desde o encontro à mesa, e alguns poucos dias haviam passado.
O jantar daquela noite seria de muito requinte.
Tinham um hóspede na casa.
Manuela estava ansiosa e sua mãe esmerara-se nas providências e nas ordens aos criados.
— Quero o melhor! Precisamos causar boa impressão ao nosso hóspede, que veio de um centro muito adiantado, e mostrar-lhe o quanto também o somos.
Nada pode falhar, não só hoje, mas nos dias subsequentes, enquanto ele aqui estiver.
Hoje, porém, como se trata do seu primeiro jantar connosco, devemos nos esmerar mais ainda!
Todos os pratos foram preparados com o mais apurado cuidado, e a hora tão desejada e aguardada, nervosamente, por todos, chegou.
Os anfitriões e o hóspede dirigiam-se à mesa e Mariana, sem nada saber, teve vontade de fazer sua refeição com a família, e não tão só, como costumava.
Foi se achegando, notou conversa estranha na sala, mas não recuou.
Queria ver o que estava se passando.
Quando se aproximou, Cláudio, muito solícito e educado, chamou Charles que conversava com o senhor Sousa, dizendo-lhe:
—Charles, quero apresentar-lhe a minha cunhada, irmã de Manuela.
Ele virou-se, ouvindo o apelo de Cláudio, pensando, talvez, em deparar-se com outra beleza exuberante como a de Manuela, porém, viu apenas um pequeno ser frágil, simples e até feioso.
Percebeu-se a sua surpresa, mas, educadamente, atendeu ao amigo.
—Esta, Charles, é Mariana, a irmã de Manuela!
Charles — explicou Cláudio — é um amigo que mora na França, em Paris!
Veio a negócios e ficará hospedado connosco por uns tempos.
Mariana observou-o sem nada dizer, pois percebera que ele, ao falar, pronunciava mal as palavras e com muita dificuldade.
—Tenho muito prazer em conhecê-la, senhorita!
Ela, tão simples, tão humilde, e apenas querendo
ajudar, respondeu-lhe em bom francês, o que veio a admirar os presentes.
Todos sabiam dos seus conhecimentos e até que lhe haviam sido ensinadas muitas línguas, não só o francês, como também o inglês e o espanhol.
Só não sabiam que ela poderia, tão facilmente, conversar com ele em sua própria língua, o que não pretendiam ver transcorrer para não criar dificuldades.
Charles, ao ouvir Mariana responder-lhe na sua própria língua, exclamou com alegria:
— Que bom! Tenho aqui mais alguém com quem conversar sem fazer tanto esforço, e sem que minhas palavras não sejam compreendidas!
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Mariana ou Marie Anne? - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti Empty Re: Mariana ou Marie Anne? - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 18, 2018 8:45 pm

Tenho muito, muito prazer em conhecê-la, senhorita! — repetiu, animado.
Sei que agora, além de Cláudio, posso contar com a senhorita para expor as minhas ideias, e conversam mais fluentemente a respeito desta cidade!
Creia-me estou muito contente.
— Eu nunca tive a oportunidade de conversar com ninguém, em francês, a não ser com o professor que me ensinou.
Por isso, não sei se estarei me expressando adequadamente, mas espero, não só atender ao que deseja como também aprender com o senhor.
Bem, o primeiro passo a dar para mostrar que já somos amigos e podemos passar bons momentos em conversas amigáveis, é tirarmos esse tratamento de senhor e senhorita, que só irá nos dificultar.
Não precisamos ser tão cerimoniosos, se já somos amigos!
Um pouco mais afastada dos dois, perto da mãe, estava Manuela, estupefacta, sem conseguir esconder a ira de que era tomada, naquele momento.
— Eu, que me aprontei tanto, esmerando-me no meu traje, passo a perder em favor de Mariana, aquele ser minúsculo e feio, apenas porque fala com ele em francês!
Não sabia que ela conseguia falar dessa forma! - comentava com a mãe.
-— Não se preocupe, filha!
Charles está apenas sendo gentil!
Não se esqueça de que ele está em nossa casa e deve ser amável!
O jantar foi servido e todos foram chamados à mesa.
Coincidentemente, Charles foi colocado bem à frente de Mariana, que se sentiu pequena entre todos eles.
Porém, estava satisfeita consigo mesma, não por orgulho nem vaidade, nem por vontade de exibir-se.
Apenas fora espontânea e natural, querendo ajudá-lo.
Aquele momento tão aguardado tomava outro rumo.
Manuela sentiu-se à margem do que se passava, e a conversa entre ambos, acrescida da participação de Cláudio, continuava.
Vez por outra ele, e mesmo Charles, dirigiam-se aos demais com duas ou três palavrinhas, mas a conversa animada se dava entre os três, e na língua que ali, só eles entendiam.
Não puderam evitar!
O hóspede, entusiasmado, conduzia a conversa.
Mariana, sempre humilde, respondia o que lhe perguntavam, e a nada mais se atrevia.
Não queria chocar mais a família, ao mesmo tempo, não se reconhecia preparada para conversar com uma pessoa culta e viajada, vinda de um meio tão desenvolvido.
Não poderia competir com ele de forma alguma, nem desejava.
Tinha até vergonha da sua pouca instrução — apenas aquela fornecida pelos livros, mas era tanta que ela não podia avaliar.
Quando lia, nunca perdia uma única palavra, uma simples descrição de ambiente ou local, e, desse modo, conhecia muito.
Tinha, armazenadas na mente, mais informações que aqueles que têm uma vida normal, indo e vindo a todos os lugares que pretendem, nos momentos que desejam.
O jantar continuava animado para uns e aborrecido para outros.
A que sempre fora desprezada em todos os momentos de sua vida, desde criança, retinha para si as atenções do convidado, que se sentira atraído, de início, somente pela sua capacidade de conversar com ele.
Entretanto, dessa necessidade primeira, viria, mais tarde, o desejo da sua companhia, para desfrutar não só das facilidades da língua, mas também, e muito mais, de todos os assuntos dominados por Mariana, sobre os quais, humildemente, demonstrava um conhecimento, ainda que apenas académico.
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Mariana ou Marie Anne? - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti Empty Re: Mariana ou Marie Anne? - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 19, 2018 8:23 pm

Com o passar do tempo, porém, quando mais segura, começou a emitir até opiniões, o que nunca fizera antes, por falta de oportunidade.
Ela era consciente das suas possibilidades, dos conhecimentos que hauria dos livros, não obstante nunca pudera demonstrar.
Bastavam somente a si, se de outra forma não podia ser!
Compreendia muito bem a irmã e a mãe, e não lhes tinha rancor.
Lamentava, não por si própria, mas por elas que se apegavam a futilidades apenas para mostrar a exuberância da beleza de Manuela.
Em razão disso, imaginava como a irmã, sempre a mais requisitada, a que retinha para si todas as atenções em todas as rodas, estava sentindo-se, naquele momento, vendo-se relegada.
A única culpada é Mariana — pensava Manuela.
—Como permitimos que ela participasse?
Ela, que nunca se aproxima de ninguém, o que veio fazer entre nós, justamente hoje?
Com certeza, somente para atrapalhar!
Todavia, logo ponderava:
— Ela não sabia da nossa visita, do nosso hóspede!
Nada lhe dissemos> nunca conversamos!..
Ela não fez de propósito!
Mariana, que nunca emitiu um juízo a respeito de nada, por que se expande dessa forma?
E o que é pior, de modo a que ninguém, aqui, possa participar!
Com esses pensamentos irritava-se mais e decidiu:
—Vou acabar com isso já!
O jantar está no fim, quero ver quem é que vai se sobressair?
—Cláudio, meu querido, chega de falarem tanto sem que ninguém possa entendê-los!
Você já percebeu que estamos sendo esquecidos?
Não é hora de conversarmos todos juntos? -
—Não fique aborrecida, Manuela!
Só estamos querendo ser gentis com Charles, e é ele, você viu, quem domina a conversa, sempre trazendo perguntas referentes aos costumes do nosso país e a outros interesses.
Não se aborreça e também seja gentil!
A essa hora o jantar havia terminado.
Manuela levantou-se, aproximou-se de Charles e convidou-o para acompanhá-los à outra sala, onde poderiam conversar mais agradavelmente, e até ouvirem um pouco de música.
Charles pediu a Cláudio para explicar-lhe o que ela desejava, e assim acedeu ao seu convite, insistindo com Mariana para que fosse também.
Ela, porém, sabedora de que já se excedera e de que não estava agradando à irmã nem à mãe, deu-lhe uma desculpa e retirou-se, levando uma boa impressão do recente companheiro de jantar.
Sentia-se satisfeita em ter podido demonstrar, não aos demais, mas a si mesma, que era capaz de manter uma conversação com outras pessoas, e ainda mais, numa língua que aprendera, sem nunca ter tido ocasião de utilizar, desejando que novas oportunidades surgissem.
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Mariana ou Marie Anne? - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti Empty Re: Mariana ou Marie Anne? - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 19, 2018 8:23 pm

5 - APELOS, REFLEXÕES E DESCOBERTA
Os dias decorriam e o hóspede continuava sendo alvo das atenções dos que queriam agradá-lo.
Mariana prosseguia a sua vida como a tinha vivido até então e gostaria de ter nova oportunidade de falar com Cláudio, mas nada fazia para isso.
Preferia sacrificar os seus desejos a ser causa de problemas.
Dava os seus passeios pelo grande jardim da residência, sempre levando nas mãos algum livro, pois, no final, tinha o seu ponto certo — o caramanchão!
Era o local para onde se dirigia, após ter contemplado as flores de que gostava tanto, sabendo, de cada uma, o dia em que surgia como pequeno botão e quando ele explodia, mostrando uma pequena pétala.
Sentia-se feliz acompanhando a vida das flores.
O término desse exame culminava no caramanchão, onde podia reflectir, meditar, e, após, ler.
Era o que fazia diariamente, ocupando-lhe muitas horas.
Charles sempre interpelava Cláudio, perguntando onde se escondia aquela criaturinha que se mostrara tão adorável.
— Não a vejo mais pela casa, Cláudio; o que aconteceu?
—Não se preocupe!
Mariana é muito retraída, gosta de viver só com seus livros.
—Gostaria muito de voltar a lhe falar!
Agradou-me bastante a nossa conversa durante o jantar, no dia em que cheguei e queria ter nova oportunidade.
—No nosso jardim, a um canto dele, há um pequeno caramanchão, nesta época do ano, todo florido, aonde ela costuma ir para ler.
E um recanto sossegado, no qual ela se sente à vontade.
Eu mesmo a surpreendi naquele local, uma vez, há não muito tempo.
Se quiser tentar, quem sabe, poderá encontrá-la!
Charles foi ao jardim, deu uma volta como quem observa as flores, mas, o seu olhar perscrutador procurava o caramanchão.
Descobriu-o logo e, com o mesmo passo vagaroso de quem dá um passeio apenas por dá-lo, para lá se dirigiu.
Aproximando-se, viu Mariana.
Tão absorta em sua leitura estava, que não percebeu a sua chegada.
—Eu a atrapalho, senhorita?
—Não, o senhor não me atrapalha! Seja bem-vindo!
Como veio parar aqui?
—Estava dando uma volta pelo jardim, quando a vi!
Se não a incomodo, poderíamos conversar um pouco.
—Será um prazer conversar com o senhor, desde que não tenha nada mais importante a fazer, e possa perder um pouco do seu tempo comigo.
Pode entrar e fazer-me companhia que gostarei muito!
—No momento, o que mais quero é conversar com a senhorita!
Veja que voltamos a nos tratar de forma cerimoniosa, tão afastados ficamos estes dias!
Lembra-se de que já havíamos abolido esse tratamento?
— É verdade, Charles, você tem razão!
—Posso me sentar um pouco em sua companhia?
Certamente! Esteja à vontade!
O que estava lendo?
—Não sei se devo dizer-lhe!
Tão afastada estava dos meus estudos de francês, que, depois da nossa conversa, resolvi voltar a fazê-lo.
Estava estudando um pouco mais a sua língua!
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Mariana ou Marie Anne? - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti Empty Re: Mariana ou Marie Anne? - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 19, 2018 8:23 pm

—Isto é muito bom!
Significa que gostou de falar comigo e tem interesse em aprimorar-se mais!
Por que, então, esteve tão escondida todos estes dias?
Não pude vê-la em lugar nenhum da casa!
Não se incomode! Gosto de viver assim; sinto-me bem!
No entanto senti a sua falta.
Ainda bem que a encontrei agora!
—Eu também gostei de conversar com você, não vou negar!
É fascinante podermos falar com alguém numa língua diferente, sobretudo quando nunca havíamos tido essa oportunidade.
Confesso, a experiência agradou-me bastante.
— Fico muito contente e gostaria de poder contar com a sua companhia dentro de casa!
Onde se esconde tanto?
—Eu não me escondo, apenas faço o que me dá satisfação!
Por não combinar com o gosto das outras pessoas da minha família, resolvi viver a minha vida assim, e sou feliz.
—Tenho a certeza disso e respeito a sua preferência, mas não me prive, pelo menos enquanto eu aqui estiver, da sua presença!
Faça um sacrifício por mim!
Saia do seu esconderijo e viva como todos, para que eu também possa desfrutar da sua companhia!
Se você diz que gosta de conversar comigo e até está procurando aperfeiçoar o seu francês, de nada adianta ficar reclusa.
Vou fazer-lhe uma confissão, agora.
Eu não vim aqui por acaso!
Tenho perguntado ao Cláudio por você, todos os dias, mas só hoje ele resolveu falar-me deste caramanchão.
Não devia ter feito isso!
Meus familiares poderão não entender, e não quero que nada perturbe a sua permanência nesta casa.
Já estou acostumada a viver assim, e sinto-me bem.
Não tenho afinidades com minha irmã, apesar de gostar muito dela, porém, o que ela deseja e gosta, não é o que eu gosto e desejo.
—Do que você gosta eu já sei!
Diga-me, então, o que deseja?
—Ora, nada mais do que tenho, da vida que levo, procurando aprimorar-me mais!
Ainda bem que papai compreende esse meu desejo, e compra-me todos os livros, jornais e revistas que quero.
Assim, sem sair de casa, fico bem informada a respeito de tudo o que acontece por esse mundo afora.
Como vê, a minha vida é muito simples, sem grandes expectativas.
Apenas vivo e sinto-me feliz...
A surpresa que recebera em seu recanto de paz fazia-lhe muito feliz.
Nunca, jamais, podia imaginar que alguém pudesse procurá-la, muito menos um homem, e, como Charles.
Ela sabia que, fisicamente, não possuía nenhum atractivo, e o que o impelia para ela era apenas o desejo de manter uma amizade, pelo menos enquanto fosse hóspede da família, mas só isso a tomava feliz.
Mesmo assim, ela, sempre esquiva com todos para não ter o desprazer de vê-los se esquivarem dela, encontrava-se dentro de uma situação totalmente insólita.
Não que alimentasse algum sentimento diferente por ele, que isso nunca lhe passara pela mente.
Todos esses pensamentos fluíam-lhe, enquanto estavam juntos.
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Mariana ou Marie Anne? - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti Empty Re: Mariana ou Marie Anne? - Eça de Queiroz/Wanda A. Canutti

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 19, 2018 8:23 pm

Uma conversa tão a dois, que não acontecera por uma simples obrigação, mas fora procurada.
O bem-estar de ambos era tanto, que pareciam desejar prolongar aqueles momentos em que os olhos enciumados de Manuela não os observavam.
—Sei, Mariana, que deve sentir-se feliz com a sua vida, no entanto, por favor, pelo menos enquanto eu aqui estiver, não me prive da sua companhia, nem que seja por poucos instantes a cada dia! ;
—Não estamos conversando agora, despreocupados e felizes?
Fiquei muito contente por ter me procurado.
Passo, neste lugar, uma boa parte do meu dia, e, quando desejar, poderá vir.
Conversaremos tranquilamente, se isso lhe agrada.
—Virei sempre que puder!
Mesmo assim, faça-me a gentileza de partilhar connosco da reunião de família.
Se me permitir, gostaria de dizer-lhe algumas palavras sem a intenção de ofendê-la.
—Poderá dizer-me o que quiser.
Sinto que é sincera, e o ouvirei com a maior boa vontade.
— Você, Mariana, não tem razão nenhuma para esquivar-se, como venho percebendo que o faz!
A família é um bem muito importante em nossa vida.
Sei, apoiado em sua própria confissão, que não sente afinidade por nenhum de seus familiares, muito menos por sua irmã, apesar de gostar dela.
Entretanto, se nada tem a aprender com eles, que se atêm apenas a futilidades, como observo em sua irmã, você tem muito a lhes transmitir em conhecimento, e muito a lhes ensinar, com o seu exemplo e as suas qualidades.
Não pretendo criticar sua irmã, reconheço o quanto ela é bonita, nem estou querendo consolá-la, mas precisava dizer-lhe isso.
Mariana ouvia-o calada, reflectindo nas suas palavras, e ele prosseguia:
— Você é uma criatura muito doce, meiga e culto!
Por que reter só para si essas virtudes?
As pessoas que vivem à nossa volta, podem espelhar-se nas nossas acções, na nossa conduta, nas nossas qualidades e, por que não dizer, na nossa cultura?
Você tem muito a lhes transmitir, e os ajudaria, se convivesse mais com eles.
Uma palavrinha hoje, uma atitude amanhã, e o seu exemplo iria se afirmando entre eles.
Se não nos sentimos bem em algum ambiente, por que não tentarmos transformá-lo para nos sentirmos melhor nele?
Por que não convivermos mais com as pessoas, para que elas possam nos conhecer melhor, e chegar até a sentir a nossa falta, quando não estivermos presentes?
Por que não começa a se introduzir no meio deles?
Será sacrifício, no começo, mas depois, tanto você quanto eles se habituarão e até desejarão a companhia um do outro.
— Charles, não quero interrompê-lo, no entanto, percebo, você não observou tão bem quanto o diz.
Eu não sou benquista entre eles!
Sempre me ignoraram em tudo, principalmente Manuela, e não quero importuná-la com a minha presença.
Não deveria dizer-lhe particularidades que são só minhas, contudo, como tocou nesse assunto, posso lhe falar também.
— Mariana, referi-me há pouco à sua inteligência.
Por que não conquista sua irmã, começando pelo que ela gosta de ouvir, da forma como ela gosta, sem que perceba que está sendo conquistada?
Depois, então, poderá transmitir-lhe muito do que possui.
—Manuela nunca se interessou por nada além da sua beleza, desde que percebeu que a possuía!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 19, 2018 8:24 pm

E, mesmo quando ainda não havia percebido, era já diferenciada pela nossa própria mãe.
Por isso, é muito difícil!
—Não será difícil, se o desejar!
Estimule-lhe mais os seus encantos!
Emita opinião acerca da sua aparência, note pequenos detalhes em sua vestimenta e os elogie, que ela ficará feliz.
Tente, para que você também possa ter uma outra vida!...
—Sou feliz como vivo!
— Acredito, mas será felicidade o que existe dentro do seu coração?
Ninguém pode ser feliz vivendo desse jeito.
Você criou o seu próprio mundo, por sentir que viver no dos outros era muito difícil.
Não se encasule nesse mundo, Mariana!
Se não quiser fazer por si, faça-o pelos outros, por aqueles que, apesar de estarem na mesma casa, nem a conhecem!
Faça-o por eles!
Mariana ficou pensativa e não conseguiu responder mais nada.
Como lhe permitira dizer tudo aquilo em tio pouco tempo de convivência?
Nunca ninguém se atrevera a falar-lhe daquela forma.
Como ele conseguira perscrutar-lhe o íntimo, tão profundamente?
Absorta nesses pensamentos, não ouviu de pronto o que Charles lhe falou, mas logo voltou à realidade presente.
Mariana, não quero vê-la aborrecida nem triste comigo!
Talvez eu tenha me excedido e falado além do que deveria.
Se a ofendi, se a magoei, perdoe-me, mas creia-me, a minha intenção foi a melhor.
Queria ajudá-la para que você pudesse ajudar os outros. Perdoe-me!
Charles preocupou-se, imaginando ter se excedido.
Com que direito havia falado daquela forma com ela?
Não fora ao seu encontro com aquela intenção.
Ao procurá-la, queria apenas conversar sobre diversos assuntos, sem nada intencional.
Como se desviara tanto, deixando sua fala tomar rumo tão diverso?
—Mariana, mais uma vez lhe peço perdão!
Eu não a procurei para isso! Não quero que pense que invadi a sua intimidade para devassar os seus sentimentos!
Nada tenho para perdoar-lhe!
Vou reflectir em suas palavras e, quem sabe, numa outra oportunidade, voltemos a conversar.
Agora vou retirar-me, se me der licença.
Quero recolher-me para reflectir.
—Sim, faça-o, mas prometa-me que não vai magoada comigo!
Eu não entendo o que fiz!
Talvez tenha sido pelo desejo de vê-la junto dos outros, não por eles nem por si própria, mas por mim mesmo, que poderia mais vezes desfrutar da sua companhia.
—Não compreendo, Charles, em que a minha companhia pode lhe ser tão importante!
—Você é importante para mim!
—Dê-me licença, agora!
Se quiser, poderá ficar aqui mais um pouco, será melhor.
Mariana, retirando-se, recolheu-se em seu quarto, onde permaneceu deitada e muito pensativa.
Inteligente como era, conseguiu reter cada palavra que ele lhe dissera.
Rememorou-as uma a uma, para poder pensar, reflectir, analisar...
Chegou até a sentir uma certa mágoa por ele, que invadira o mais íntimo de seu íntimo, buscando todos os seus recalques, conquanto tivesse falado com delicadeza e no sincero desejo de ajudá-la.
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