LUZ ESPÍRITA
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

O REINO / J. Herculano Pires

Página 1 de 2 1, 2  Seguinte

Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 30, 2014 10:35 pm

O REINO
J. Herculano Pires
Pseudónimo IRMÃO SAULO

O REINO
Venha a Nós o Teu Reino

O Livro edificante é sempre um orientador e um amigo.
É a voz que ensina, modifica, renova e ajuda.

EMMANUEL

Todas as citações Bíblicas deste livro foram tiradas da tradução clássica de João Ferreira de Almeida, Edição das Sociedades Bíblicas Unidas.
Algumas palavras e frases (poucas) foram adaptadas poeticamente ao contexto, quando este o exigia, sem qualquer prejuízo do seu sentido literal.


AVISO AO LEITOR

Aquele que se engana a si mesmo não consegue passar pela Porta do Reino.
O que não joga na estrada os fardos do egoísmo não pode entrar com eles no Reino.

O que pensa que o Reino está longe terá de andar muito para encontra-lo, mas o que sabe que o Reino está aqui mesmo, ao nosso lado, já o traz dentro de si.

Ai porém, do que pensar que o Reino já está nele e deixar de buscá-lo!
O Reino é uma Graça e uma Conquista.

Porque a Graça não é uma prebenda como as da Terra:
Temos de merecê-la para recebê-la.
E como receber a Graça sem a conquista das condições exigidas para a merecermos?

Vivem na ilusão os que se esquecem daquelas palavras:
Busca primeiro o Reino de Deus e a sua Justiça...
Porque pensam que o Reino é dado a troco de palavras, de crenças, de sacramentos, de símbolos e sinais exteriores.

E se enganam a si mesmos.
Também se enganam os que pensam que o Reino é apenas subjectivo ou pertence ao Outro Mundo.

O Reino foi implantado na Terra e está crescendo entre os Homens.
Seu crescimento é lento como das plantações.
E está sujeito às variações do meio, aos efeitos dos transtornos atmosféricos e ao crescimento das plantas daninhas.

Requer, por isso, a atenção e o cuidado dos que desejam vê-lo dominando a Terra em sua plenitude.

Somos nós, os Homens, que temos de trabalhar para que o Reino venha a nós.
Este livrinho não é um manual do Reino, mas uma reflexão sobre o Reino, um estudo dos meios pelos quais podemos atingi-lo.

Muita gente se engana, pensando que o Reino pode ser atingido pelos atalhos humanos.
Pretendem chegar ao Reino pela política, pela Religião, pela Filosofia, pelas Ordens Ocultas e Esotéricas, pelos Ensinamentos deste ou daquele Mestre em particular.

Todas essas coisas só podem ajudar quando queremos realmente atingir o Reino.
Porque o Caminho do Reino parte do Coração de cada um e se estende aos outros e ao Mundo Exterior.

O Reino é como semente: Começa na germinação oculta e solitária, dentro de cada um.
Que estas páginas consigam esclarecer esses problemas e aumentar na Terra o número dos Trabalhadores do Reino, é o que deseja o AUTOR.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 30, 2014 10:35 pm

Capítulo 1 – A PROCLAMAÇÃO

Era uma vez um Jovem Carpinteiro que fundou um Reino.
O mais belo, o mais justo e o mais fascinante de todos os Reinos.
Contam os arqueólogos que o Reino de Mari, na Mesopotâmia, era diferente de todos os demais da Antiguidade.

Seu Rei não usava espada, mas espalmava a mão em sinal de bênção e de paz.
Estranho mundo em que os homens viveram ilhados no Amor e na Bondade, em meio aos ferozes domínios que os cercavam.

Mas o Reino que o Jovem Carpinteiro fundou foi muito mais belo.
A Paz floria em cada coração e o amor irradiava dos olhos de todas as criaturas, desde os animais até aos homens.

Muita gente não acredita nisto.
O Reino do Jovem Carpinteiro parece-lhes um conto de fadas, uma lenda ingénua.

E outros perguntam:
-poderia um Carpinteiro fundar um Reino?
Certo dia um desses descrentes me fez a pergunta, numa esquina, ao crepúsculo.
As sombras da noite começavam a acumular-se sobre a cidade.

Senti um frémito de asas invisíveis ao meu redor, e logo um jovem de faces rosadas, cabelos loiros e olhos azuis, tão azuis como o céu ao meio dia, acercou-se de nós e respondeu por mim:
-Como não, amigo!
Um Carpinteiro, um pedreiro, um vendedor ambulante, um lixeiro, um engraxate, todos são homens.
E cada homem tem o poder, que Deus lhe conferiu, de criar o que quiser.

Você mesmo pode, agora mesmo, fundar o seu Reino.
Ele será de paz ou de guerra, de amor ou de ódio, como você o fizer, e poderá crescer até abranger os seus domínios a Terra Inteira.

Meu amigo descrente encarava admirado o estranho adolescente.

E depois de ouvir em silêncio, conseguiu quebrar o encanto e perguntar:
-mas quem é você?
-Um mensageiro do Reino, – respondeu o rapaz.

E, virando-se, desapareceu tão estranhamente que ficamos atarantados, entre a multidão.
Desde esse momento aprendi que os mensageiros do reino estão por toda parte e podem aparecer em qualquer lugar e a qualquer momento.

Meu amigo me disse:
-é um lunático. Meteu-se entre os outros e o perdemos de vista.
Pois não vá você se impressionar com esse maluquinho.

-mas o que ele disse, – respondi, – é uma profunda verdade.
Você, por exemplo, fundou o Reino da Descrença.
Um árido Reino em que pensa estar livre de qualquer inquietação.

Um Reinozinho estreito e seco, que mais parece uma noz envelhecida.
Nunca esse Reinozinho poderá estender-se além do seu ego minúsculo e sem luz.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 30, 2014 10:35 pm

- ba! - fez o meu amigo, com desprezo.
Vocês, os utópicos, os platónicos, estão sempre com a boca cheia de palavreado alegórico!

E sem mais perder tempo comigo, despediu-se e partiu.
Fiquei pensando no Mensageiro do Reino e ainda olhei esperançado por todos os lados, a procurá-lo.

Nada mais vi.
Lembrava-me apenas do frémito de asas invisíveis que precedera a sua chegada e um arrepio leve e doce me percorria a epiderme.

Então me lembrei da proclamação do Reino.
Pus-me a caminhar pela calçada cheia de gente, aos esbarrões de criaturas apressadas, sob as últimas luzes do crepúsculo.

E de repente a visão se desenhou bem nítida em minha mente.
Era como se eu vise, se eu presenciasse, como se tudo estivesse ocorrendo naquele momento.

O Jovem Carpinteiro voltava de suas meditações no Deserto.
Chegava a Nazaré, sua cidade natal, onde Ele e o pai mantinham sua modesta oficina.

Num sábado, como sempre fizera, vestiu-se com mais puro linho que possuía, na verdade uma pobre estamenha branca, mas que brilhava como linho puro e dirigiu-se à Sinagoga.

A modesta Sinagoga de Nazaré regurgitava de Judeus ansiosos pela salvação de Israel.

O Jovem Carpinteiro passou tranquilo pela multidão e sentou-se no lugar habitual.
Quando lhe permitiram falar, levantou-se, tomou nas mãos o ROLO da Torá e o abriu em Isaías.

Com voz serena, leu este pequeno trecho:
-O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para anunciar a Boa Nova aos povos.

Enviou-me para proclamar a libertação dos cativos e a restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos e apregoar o Ano Aceitável ao Senhor.

Nunca se viu proclamação mais curta.
O Jovem Carpinteiro não era de muito falar.

Era de pouco, mas certo.
Na verdade, servira-se das palavras de Isaías para proclamar o seu Reino.
Isaías falara pela sua boca, assim, a tradição de Israel se confirmava no espírito das Escrituras e no Coração da Sinagoga.

Os velhos judeus de barbas pontuadas e redondas, grisalhas, negras e castanhas balançavam a cabeça e olhavam preocupados para o Jovem, que voltou a sentar-se.

O assistente tomara de novo o Rolo da Torá para guarda-lo, mas vacilava, olhando também para o Jovem Carpinteiro.

Este correu o olhar pela assembleia, como um Rei, e começou a falar:
-Hoje se cumprem estas palavras do Profeta.

Um grande silêncio passou no recinto.
Ouvia-se o tilintar dos cincerros das cabras na campina ao longe.
Uma paz desconhecida pairava no ambiente.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 30, 2014 10:36 pm

O Jovem Carpinteiro continuou:
-o Espírito do Senhor é Amor e Justiça.
Ele me ungiu para trazer justiça e Amor à Terra.
Enviou-me para fundar o seu Reino.

Quão diferente é esse Reino dos reinos ímpios dos homens, e se fundamentam na injustiça, na ganância e no ódio, sobre a maldição da violência.

O Profeta anunciou-me e aqui estou. Ouvi-me.
Todos ouviram em profundo silêncio.
Mas estas últimas palavras provocaram alguns gestos de impaciência.

Alguém perguntou:
-não é este o filho de José, o carpinteiro?
Outro respondeu, num cicio cortante:
-é ele mesmo.
Não vês a sua túnica de miserável estamenha?

-Mas como pode a estamenha brilhar desse jeito? - Perguntou um rapaz visivelmente fascinado.
-São artes Pitónicas! - murmurou um velho entre dentes.
Não é o espírito do Senhor, mas o espírito de Piton que está sobre ele!

Diante do murmúrio que crescia, o Jovem Carpinteiro perguntou:
-quereis, por certo, aplicar-me o provérbio: médico, cura-te a ti mesmo.
Pensais, acaso, que um pobre não pode trazer esperanças aos pobres?

A murmuração interrompeu-se por um breve instante.

O Jovem esperou que todos se acalmassem e prosseguiu:
-não acreditais nas curas que fiz em Cafarnaum.
Achais que estou possesso do Espírito do Mal e perguntais porque não me curo a mim mesmo.
E quereis que eu repita os prodígios do Reino entre vós.

-sim, queremos! - Gritou Lamuel, o açougueiro ritual.
-Em verdade vos digo que nenhum profeta é bem recebido entre os seus.
Vós me viste crescer e pensais que tenho de ser igual aos vossos filhos.

Não sois capazes de ver além das aparências, dos hábitos, dos costumes, da rotina.
Mas eu venho proclamar o Reino.

-está endemoniado!
Fora com ele! - gritou Gedeão apopléctico.

-acalmai-vos e ouvi-me! - Disse o Jovem Carpinteiro, como se nada de mais estivesse acontecendo.
Era tão natural e tão simples a sua calma, tão pura e isenta de qualquer resquício de afectação como se Ele estivesse conversando na rua com os jovens da cidadezinha.

Mas, apesar disso, havia em seu redor um halo de estranha majestade que mantinha o auditório em suspenso.
Lembrai-vos de Elias, - disse ele - quando o céu se fechou por três anos e meio, produzindo grande fome em toda a Terra.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 30, 2014 10:36 pm

Muitas viúvas havia em Israel, mas Elias foi enviado a Sarepta, em Sídon.
Lembrai-vos também de Eliseu, que não curou os leprosos de Israel, mas Nahamã, o sírio.

Estas palavras cortavam como o chicote de pontas de chumbo dos guardas do Templo.
Ouviu-se na assembleia um rumor soturno, que cresceu como trovoada e estourou como um raio.

-fora o impostor!
-lancemos da penedia esse impostor!
-não o deixemos profanar as Escrituras e a Sinagoga!

E a multidão enfurecida avançou para o Jovem, agarrou com seus pulsos de ferro e arrastou-o para fora.
A tropeções, empurrões e gritos de ódio, levaram-no ao culme do monte, este cômoro suave como um ninho em que Nazaré repousava qual um branco e pequeno ovo de pomba.

Lá do alto descortinava-se a beleza verdejante da Galileia, sob um céu azul e luminoso.
Mas havia do lado esquerdo a perigosa escarpa de pedra, de rochas pontiagudas e eriçados espinheiros, que representava o reverso da bonita paisagem.

Por ali queriam lança-lo, para que morresse espetado nos espinhos e quebrado nas pontas rochosas.

O Reino estaria perdido por mais alguns milénios.
Pois quando haveria de aparecer novamente em Israel outro pregoeiro do Reino?
Mas quando tudo parecia perdido, os homens que o agarravam com as mãos de ferro viram que estavam enganados.

Na verdade, haviam-se agarrado uns aos outros, e se não percebessem a tempo, certamente se teriam arrojado num magote pelo precipício a baixo.

Pararam assustados a beira do abismo e suas pernas e seus braços tremiam de horror.
-quede o Filho de José? - perguntou um deles, com voz trémula.

-onde teria ficado? - gritou outro, já um pouco mais forte.
-ah, se não tivesse escapado por artes Pitónicas o liquidaríamos agora mesmo! - bravateou Gedeão, com seus punhos de asco crispados de ódio e ao mesmo tempo de medo.

Enquanto isso, o Jovem Carpinteiro, passando tranquilamente entre eles, descia a encosta do monte em direcção a cidade.

Nazaré brilhava como uma flor orvalhada, docemente aberta na colina.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 30, 2014 10:36 pm

Capítulo 2 - Os Fundamentos

Como pode um Carpinteiro Fundar um Reino?
Pois o Jovem Carpinteiro de Nazaré o fundou sem a menor dificuldade.

O incidente da Sinagoga não teve muita importância.
O que valeu foi a proclamação do Reino, feita com tranquila firmeza e repudiada com estúpida violência.

Daquele momento em diante o Reino do Carpinteiro estava implantado na Terra.
E nada mais, nenhuma violência e nenhuma manobra escusa conseguiram fazê-lo desaparecer.

Ate hoje há grandes Exércitos mobilizados contra o Reino.
As Potestades do ar, de que falou mais tarde o Apóstolo Paulo, E As Potestades Da Terra, que todos conhecemos, vêm realizando a milénios uma luta conjugada contra o Reino.

Mas este permanece firme, tranquilo como o seu Fundador.
E cada vez mais se alarga, como uma flor teimosa que desabrocha lentamente, apesar das tempestades, das secas, das pragas, do sol inclemente e da inclemência maior do coração humano.

Quais são os fundamentos desse estranho reino que ergue as suas Torres e os seus minaretes, as suas cúpulas e os seus pendões entre tantas forças adversas?

O Jovem Carpinteiro os formulou com as palavras de Isaías na Sinagoga de Nazaré.

O primeiro desses fundamentos é o espírito do Senhor.
Seria necessário mais algum?
Todas as demais pedras de alicerce do Reino tiram dessa Pedra a sua pureza e a sua firmeza.

O Espírito do Senhor é tanta coisa que não chegamos a compreendê-lo bem.
Falta-nos visão e compreensão para tanto.
Mas sabemos que Ele é antes de mais nada, Amor e Justiça.

Eis, pois, os três primeiros fundamentos do Reino:
DEUS, AMOR E JUSTIÇA.

É por isso que o Jovem Carpinteiro proclama em seguida que foi ungido para anunciar a Boa Nova aos pobres.
Alguns ricos têm perguntado, através dos séculos:
Que justiça é essa?
Então nós, os ricos não merecemos a Boa Nova?

Claro que merecem, como todos os demais filhos de Deus, mas para isso precisam fazer o que o Jovem Carpinteiro ensinou ao moço rico que desejava entrar no Reino:

- vai, vende o que tens e dá-o aos pobres; depois vem e segue-me.
Então esse Reino é o Reino da pobreza e da miséria?

Seria um Reino de vagabundos e mendigos?
Não, pois dividir a riqueza não é destruí-la, mas multiplicá-la.
É abrir-lhe outras possibilidades de crescimento, não mais entre as garras do egoísmo, mas entre as mãos do altruísmo.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 30, 2014 10:36 pm

Os ricos que não têm entrada no Reino são os que construíram o seu próprio Reino na Terra.

Esses Reinozinhos egoístas, fechados em si mesmos, alimentando a vaidade, a ganância, a impiedade, a arrogância, são os mais ferozes inimigos do Reino.

Por isso é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um desses Reizinhos, que a morte despojará de suas bazofias e pretensões, entrar no Reino.

Os pobres são os injustiçados da Terra.
Os ricos são os que amealharam os bens da Terra e fizeram a sua própria justiça.
O reino é do Céu, mas o Jovem Carpinteiro o trouxe para a Terra, a fim de que a justiça se faça através do Amor.

Como é difícil aos homens compreenderem essa dialéctica Divina!
Há dois mil anos admiram a grandeza do Reino, desejam atingi-lo, mas não jogam fora o fardo terreno que os impede de chegar a Ele.

O pesado fardo terreno os esmaga no chão do Planeta, como bichinhos embaixo de uma pedra.

Eu explicava isso ao meu amigo descrente, noutro encontro de rua, numa esquina, quando ele perguntou, com um sorriso irónico:
-Porque Deus deixou que os homens se embichassem desse jeito?
Não era mais fácil evitar isso do que ter de enviar, depois, o Jovem Carpinteiro à terra?

Senti novamente um frémito de asas invisíveis e logo apareceu o rapazinho loiro, de faces rosadas, com dois pedaços de céu nas pupilas.

Bateu-me levemente nas costas e dirigiu-se ao meu amigo:
-Deus quer que os seus filhos cresçam responsáveis, por isso lhes dá a liberdade.
Pode haver responsabilidade no escravo ou no robô?
Meu caro, a responsabilidade é uma planta melindrosa, que só nasce e cresce no clima da liberdade.

-Então, - respondeu o amigo descrente, puxando de novo o gatilho da sua espingardinha de ironia, - porque Deus agora condena os ricos?
Não foi ele quem lhes deu a liberdade de enriquecer?

-Deus não condena ninguém, - respondeu o rapazinho loiro.
Os ricos se condenaram a si mesmos.
-como? Que história é essa?

-Meu amigo:
os homens que amealharam fortuna da Terra amealharam egoísmo, injustiça e impiedade.
Os bens da Natureza pertencem a todos, e os que transformam esses bens para produzir outros não podiam esquecer o dever da fraternidade.

Como pode regozijar-se na opulência o homem que vê seus irmãos morrendo de fome, doença e miséria nas sarjetas da cidade ou nos paióis do campo?
-Mas ele pode auxiliar as obras sociais, - retrucou o meu amigo, com leve sorriso.

-Derrubar as migalhas da mesa para os cachorrinhos e os gatos não é amor nem Justiça, - respondeu o rapazinho loiro e, na mesma hora, como se houvesse por acaso se enfiado entre os grupos de pessoas pela calçada, desapareceu.
-quem é esse petulante? - Perguntou o amigo descrente.

-Um mensageiro do Reino, - respondi.
-ba! - fez ele de novo e despediu-se apressado.
Voltei então a pensar por minha conta nos problemas do Reino.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 30, 2014 10:37 pm

E a proporção que andava pelas ruas, tão cheias de gente de toda espécie, pobres, remediados e ricos, os Fundamentos do Reino me pareciam mais nítidos na mente.

Vi o rico da parábola, tão diferente daquele mendigo que comia as migalhas de sua mesa, caminhando por uma estrada circulante, com o fardo de suas riquezas terrenas às costas.

A estrada levava ao Reino e subia como espiral em torno da Montanha Sagrada.

Dificilmente subia o pobre rico, ofegante, cada vez mais cansado, até chegar ao luminoso Portal.

Esmagado sob os fardos enormes, fez um último e penoso esforço para bater a aldrava.

Mas, em vez de abrir-se o portal o que se abriu foi uma estreita portinhola.
Fascinado pela beleza entrevista, o pobre rico meteu-se na fresta, mas os fardos não passavam.

Foi dura a luta.
Compreendi então a imagem do camelo.
Não, não se trata de cabo ou corda grossa, trata-se mesmo do camelo.

O pobre camelo rico não passava naquele fundo de agulha porque os seus fardos não deixavam.
Depois de muito lutar o rico sentou-se ao lado da portinhola, que continuava aberta.

Uma tranquila Oferta.
Um Convite de Amor.
Mas o rico se agarrava cada vez mais aos seus fardos, que ameaçavam rolar pela encosta.

Oh, pobre rico!
Suava frio, olhava de esguelha a portinhola aberta e abraçava loucamente o tesouro da perdição.
As forças começaram a faltar-lhe.

Um fardo escapou.
Ele tentou alcançá-lo, sem largar os outros e foi então que rolou para o abismo.
Só quando ele já estava no fundo do precipício a portinhola do Reino fechou-se.

O Jovem Carpinteiro ensinou certa vez:
-Aquele que se agarrar à sua vida, perdê-la-á, Aquele que a perder por Amor de mim, a encontrará!

O pobre rico da parábola agarrou-se ao seu tesouro de perdição, que era a sua própria vida.

Compreendi então a solidez dos fundamentos do Reino: Amor e Justiça.
A portinhola continuara aberta até os últimos instantes, até o derradeiro instante.

Mas o pobre rico fez justiça a si mesmo com as próprias mãos.
Como queria o meu amigo culpar a Deus por isso?
Compreendi então porque o Jovem Carpinteiro viera anunciar a Boa Nova aos pobres.

E porque ele costumava dizer:
-os que têm ouvidos de ouvir, ouçam.
De que adiantaria anunciar a boa nova aos ricos que só tem ouvidos moucos para as coisas do Reino?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 30, 2014 10:37 pm

Os pobres sofrem, são injustiçados, carecem de amor.
Deus sabe que eles têm ouvidos de ouvir.
A Boa Nova lhes toca o coração amargurado.

Mas quando a amargura é também amealhada pelos pobres, esses se tornam escravos de si mesmos e cegos para a verdadeira vida.

Por isso o Jovem Carpinteiro repetiu as palavras de Isaías sobre a libertação dos cativos e a vista aos cegos.

Deus não faz acepção de pessoas.
O pobre e o rico podem entrar no Reino, o pobre e o rico podem ficar do lado de fora da portinhola.

O fardo da revolta é tão pesado e ignominioso como da boa-vida.
O pobre também pode amealhar a riqueza da ignomínia.
Bem-aventurados os mansos e pacíficos, porque eles herdarão a Terra.

O Jovem carpinteiro não promete o Céu, mas a Terra.
Porque o Reino foi implantado na Terra e deve crescer sobre Ela.

É o próprio Céu que baixa à Terra.
Mas para que os homens se tornem dignos do Céu é necessário que os cativos sejam libertos, que os cegos tenham a vista restaurada, que os oprimidos recuperem a liberdade e que o Ano Agradável ao Senhor seja estabelecido.

Vejo Israel nesse Ano de Amor e Justiça.
Todos se reúnem para a redistribuição das terras.
O Amor do Reino inunda os corações, ainda não viciados pelo amor das comodidades materiais.

Os homens compreendem que são todos Irmãos e que o Senhor só ficará contente quando todos seus filhos partilharem dos bens naturais.

Nenhum pretende conservar em suas mãos mais do que o necessário.

A Terra em Israel é pouca, mas boa.
Deve ser distribuída de tal maneira que não falte a ninguém o seu meio de vida.
Pois não foi o Senhor quem concedeu a Israel o domínio de Canaã, essa Terra de Leite e Mel?

E a concessão não foi feita para todos?
A proclamação de Nazaré estabelece os fundamentos do Reino, sem nada esquecer.
Em breves linhas, em poucas palavras, o Código de Amor e Justiça é oferecido ao Mundo.

Se os homens quiserem entender esse código Divino, o Reino crescerá na Terra.
Se não quiserem, o Reino continuará a expandir-se nos corações e nas consciências capazes de senti-lo e compreendê-lo.

Quando o Jovem Carpinteiro nasceu um Coro de Anjos cantou no horizonte do mundo:
-GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS E PAZ NA TERRA AOS HOMENS DE BOA VONTADE!

Tudo depende do homem.
A portinhola do Reino ficará aberta até o último instante.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 30, 2014 10:37 pm

CAPÍTULO 3 - OS FRUTOS DA TERRA

A Terra dá frutos.
Há frutos silvestres e frutos cultivados pelo homem.
Os frutos da Terra alimentam os filhos de Deus.

Mas há homens que usam os frutos da Terra para enriquecer.
É justo que haja riqueza na Terra e que os frutos da terra enriqueçam os homens.

Deus não quer a pobreza, mas a riqueza.
Olhai para o Céu e vereis o tesouro de Deus semeado no Infinito.

Olhai para as entranhas da Terra e vereis estrelas ocultas.
Também elas são frutos da terra.
Frutos que os homens extraem, colhendo-os nos misteriosos ramos de árvores subterrâneas.

Esses frutos também produzem riquezas pessoais.
Deus quer que a riqueza se espalhe no Mundo.

A riqueza é a herança de Deus e o apóstolo Paulo ensinou:
- SOMOS HERDEIROS DE DEUS E CO-HERDEIROS DE CRISTO.

Ai daquele que pretender empobrecer os homens e empobrecer a Terra.
Este pequeno Mundo não foi lançado na rota dos Mundos para se tornar miserável, um mendigo do Espaço.
Seu destino é a grandeza Universal, a glória do Infinito, a riqueza inumerável do Céu.

Deus lhe concedeu um Sol de ouro e uma Lua de prata.
E rodeou-o de uma rede cintilante de Estrelas.
As torres do Reino apontam para esses tesouros, que são a herança dos homens.

O mensageiro do Reino me disse um dia:
- pensais que Deus é Deus de pobres e esfarrapados?
Assim como as escrituras nos dizem que Ele não é Deus de mortos, mas de vivos, também nos mostram que ele é Deus de ricos e não de mendigos.

Os mundos mais próximos de Deus são de maravilhosa riqueza, transbordantes de cintilações.
Não vistes a descrição de Jerusalém Celeste no apocalipse?
O Reino é rico, mas a riqueza do Reino é abundante e impessoal.

O que faz a pobreza é a riqueza pessoal.
Há um caruncho da alma: o egoísmo.

Esse caruncho destrói a maior riqueza do Universo, que é o espírito, quando o homem se julga dono pessoal dos frutos da terra.

Lembrei-me do canto de Maria, que foi o prelúdio da proclamação de Nazaré.

A suave Mãe do Jovem Carpinteiro exclama, referindo-se ao Senhor:
- depôs do Trono os poderosos e elevou os humildes, encheu de bens os que tinham fome e despediu vazios os que eram ricos.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 31, 2014 9:37 pm

Não é a riqueza que é condenada, pois o Senhor a tira de uns para dá-la a outros, segundo a Justiça.
E, segundo o Amor, remete à pobreza aqueles que devem conhecê-la melhor, para não se julgarem os privilegiados da Terra.

Que são os bens, se não os frutos da Terra?
Maria previu, na sua intuição humana de Mãe e na sua previsão Divina de espírito, a redistribuição dos frutos da Terra para que o Amor e a Justiça do Reino triunfem entre os homens.

A árvore que lança suas raízes ao solo e estende seus ramos aos ventos não dá frutos para este ou aquele, mas para todos.

Vede uma árvore em estado de pureza, em estado natural, na mata ou no campo.
Ela se enfeita de flores e se cobre de frutos para as aves, os animais e os homens, se os houver.

Se os homens não a conhecerem, pouco importa.
Porque os frutos da Terra não são dados apenas aos homens.

Também os ventos se alimentam de pólens e folhas, arrancam os frutos maduros dos ramos e os semeiam na distância, para que os bichos aproveitem a sua polpa e o solo absorva as sementes, fazendo-as germinar.

Que direito tem um homem de cercar uma árvore ou mais árvores, de torna-las suas escravas particulares, de arrebatar-lhes sistematicamente os frutos para transformá-los em riqueza pessoal?

Os frutos devem saciar a fome dos famintos, alimentar as crianças e fortalecê-las para o futuro.

A riqueza dos frutos é para todos.
A árvore é o gesto de Deus ensinando aos homens a eterna doação.

Nada lhe pedem e ela tudo dá.
Podia enrolar os frutos em cipós e escondê-los para si mesma, devorá-los em silêncio ou deixá-los morrer sem proveito entre as suas garras.

Mas ela estende os ramos no Céu e a sombra na Terra.
Distribui perfume e pólen aos ventos e oferece os seus frutos sem pedir recompensa.

O Reino é cercado de árvores, de vastos arvoredos com flores e frutos, de pomares e jardins abertos para que todos possam desfrutá-los.

Os filhos do Reino não estão sujeitos aos monopolizadores dos frutos.

O Jovem Carpinteiro ensinou um dia:
- O CAMPO DE UM HOMEM RICO HAVIA DADO ABUNDANTES FRUTOS E ELE REVOLVIA DENTRO DE SI ESTES PENSAMENTOS, DIZENDO:
- QUE FAREI, POIS NÃO TENHO ONDE RECOLHER OS MEUS FRUTOS?

E DISSE:
- FAREI ISTO. DERRIBAREI OS MEUS CELEIROS E CONSTRUIREI OUTROS MAIORES.
NELES RECOLHEREI TUDO O QUE TENHO E TODOS OS MEUS FRUTOS.
E ENTÃO PODEREI DIZER A MINHA ALMA:
TENS MUITOS BENS EM DEPÓSITO PARA MUITOS ANOS, Ó ALMA MINHA!
DESCANSA, COME, BEBE, REGALA-TE!

MAS DEUS DISSE A ESSE POBRE HOMEM RICO:
- NÉSCIO!
ESTA noite TE VIRÃO DEMANDAR A TUA ALMA, E OS FRUTOS DA TERRA QUE AMONTOASTE E TODOS OS TEUS BENS PARA QUEM SERÃO?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 31, 2014 9:38 pm

Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus.
Os entesouradores pessoais organizam-se em associações, em trustes, em gigantescos monopólios.

Pegam os frutos das árvores, os frutos minerais das entranhas da terra, os frutos aquáticos dos rios e dos mares, sugam os lençóis subterrâneos e as misteriosas jazidas que os séculos formaram, e de tudo isso fazem moedas ingénuas, doiradas ou prateadas, cintilantes de pureza, que transformam em instrumentos de suplício e de vício.

Os entesouradores pessoais se associam contra os pobres, dominam nações e povos, exploram multidões e se consideram benfeitores da Humanidade.

Graças ao poder do dinheiro acumulado, o ingénuo e puro dinheiro que leva saúde ao doente e alimento ao faminto, mas que em suas mãos se transforma em lâminas do punhal assassino, derrubam governos, subvertem regimes, tripudiam sobre o direito das Gentes.

Mas um dia alguém vem demandar-lhes a Alma néscia e apagar-lhes das gerações a odiosa memória, o exemplo corruptor.

Salomão vestiu-se de púrpura e ouro, mas apenas os cânticos que lhe atribuíram, pois nem isso era dele, conservaram sua memória entre os homens.

E o Jovem Carpinteiro lembrou que as flores do campo se vestiam com maior riqueza e maior esplendor do que o Rei cantor.

Os homens se inquietam pelo vestir e pelo comer, querem garantir o futuro com as escoras inúteis dos bens materiais.

Mas o futuro do homem não está na matéria e sim no Espírito, porque o homem é espírito, é uma chama e não o corpo de lama, a vasilha frágil de argila em que a chama crepita.

O futuro do Homem é o Reino.
Ai dele quando não pode entrar pela porta estreita.

Por isso, o Jovem Carpinteiro ensinou:
- Buscai Primeiro O Reino De Deus E A Sua Justiça, E Tudo NO Mais Vos será Dado Por Acréscimo.
Não Temais, Ó Inquieto Rebanho, Pois Foi Do Agrado Do Vosso Pai Dar-vos O Seu Reino.

Vendei O Que Possuis E Dai-o Aos Pobres, Provei-vos De bolsas De Estrelas, Que Não Se Gastam Com O Tempo Nem Se consomem Na Morte, Ajuntai O Tesouro Das Coisas Do Céu, Que Não Estão Sujeitas Ao Ladrão, Nem A Ferrugem Ou ás Traças.
Porque Onde Está O Vosso Tesouro, Ali Estará Também Vosso Coração!

- O mensageiro do Reino me disse, a respeito destas palavras:
- que fazeis ao ajuntar frutos e pedras da Terra?

Quando a chama rompe a vasilha de barro, vossa Alma se evapora titubeante e incerta.
Conheceis o fogo fátuo?
Não sereis mais do que isso.

Mas tereis a dolorosa consciência da vossa fragilidade, da vossa insegurança e da vossa inutilidade.

Néscios! Os frutos e as pedras da Terra devem servir aos vossos corpos na medida do necessário, pois podeis convertê-los em Estrelas e Sóis pela magia do Espírito.

Não existe mais bela alquimia.
Sede os alquimistas da caridade!
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 31, 2014 9:38 pm

- Pensei nessas frases e disse a mim mesmo:
- Deus pôs as árvores na Terra carregadas de frutos materiais, mas sobre nossas cabeças estendeu também a fronde do Céu, carregada de frutos de luz.

Por que havemos de preferir, para o nosso tesouro, os frutos efémeros, em vez de guardar os que são eternos?

Quando colho os frutos de uma árvore e os converto em moedas, cobrando ao faminto o preço exorbitante que deve me garantir o lucro, devolvo a pureza da polpa e o mistério das sementes à rigidez do metal.

Mas quando tomo esses frutos e sacio com eles a fome das crianças pobres, transformo a polpa e as sementes em luz para o Reino de Deus.

O Jardim do Éden é o Jardim do Reino.
A serpente que nele penetrou para tentar Eva estava aninhada no coração de Adão.

A serpente, por si mesma, jamais poderia entrar lá.
Mas como Deus concedeu a Adão o direito à liberdade, foi através dele que ela invadiu o Éden.

Antes de comer a maçã, Adão e Eva já estavam condenados.
A tentação não vem de fora, mas do próprio coração do homem.
A alegoria Bíblica do Éden é a primeira referência das Escrituras ao mistério do Reino.

Mas ela mesma foi transformada, essa simples e encantadora referência, em motivo de ganância e exploração para os homens.

Entretanto, como era de origem Divina, os homens não conseguiram corrompê-la.

O Apóstolo Paulo lembraria mais tarde:
- Se por um homem, Adão, fomos perdidos, também por um homem, o novo Adão, o Cristo, fomos salvos.

- O mensageiro do Reino me explicou:
- A alegoria da perdição conduz à alegoria da salvação.
O homem cometeu o pecado da desobediência ao comer a maçã da sabedoria, ao adquirir a Razão.

Porque então se definiu como um Ego, como um Ser, e julgou-se semelhante a Deus.
Nas fases primitivas da sua existência ele vagava no Éden, livre e puro dirigido pelos instintos como os demais seres.

Depois que começou a raciocinar acreditou-se dono das coisas e dos seres.
Quis possuir, entesourar, engrandecer-se aos próprios olhos e aos olhos dos outros.

Foi então que fugiu de Deus e criou seu próprio mundo.
Mas Deus o deixou em liberdade, amadurecendo na experiência e na dor.

E por fim mandou-lhe o Jovem Carpinteiro para construir-lhe, com as tábuas e os troncos das árvores, sempre generosas, a Tenda da Reconciliação.

Entendei as coisas em Espírito e Verdade e não vos enredeis no cipoal das letras.
Entremos na Tenda da Reconciliação, procurando de novo o Amor e a Justiça de Deus, e em breve estaremos de novo no Jardim do Éden.

Passaremos alegres e leves pela porta estreita, que se abre como pequena brecha no grande Portal do Reino.

Façamos dos frutos da Terra o tesouro da nossa caridade permanente.
Não entesouremos nada em prejuízo dos outros.

Não roubemos.
Sejamos capazes de imitar as árvores:
De ramos abertos no Céu e sombra estendida na Terra.

O Reino começa em nosso coração.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 31, 2014 9:38 pm

Capítulo 4 - O EXEMPLO

Quando o jovem Carpinteiro ensinou que Deus é Pai, o único Pai de todas as criaturas, ensinou também que o Reino não é privativo de ninguém, privilégio de nenhuma seita, de nenhuma Escola, de nenhuma raça.

Pois se todos são filhos de Deus, todos são herdeiros do Reino.

Para quebrar a dura cerviz dos Fariseus, disse Ele certa vez, diante da fé viva e ardente do centurião romano Cornélius:
- Em verdade vos afirmo que não acheis tamanha fé em Israel, e que virão muitos do Oriente e do Ocidente para assentar-se à Mesa com Abraão Isaac e Jacó No Reino dos Céus.

E acrescentou, com dureza de uma martelada na oficina de Nazaré:
-Mas os Filhos do Reino serão lançados nas trevas exteriores em que haverá choro e ranger de dentes!

Assim se chamavam os hipócritas de Israel:
Filhos do Reino, porque se consideravam mais puros que todos os outros e escolhidos por Deus para julgar os goyn, os estrangeiros impuros.

O Jovem Carpinteiro ameaçava-os com as trevas exteriores, com a cegueira da Alma, que sucede a cegueira da mente, produzida pelo orgulho.

E tomava o Centurião romano, odiado pelos Filhos do Reino, como o exemplo de fé, como tomara o Bom Samaritano, em que o Fariseu cuspia, como exemplo de amor.

Filhos do Reino são todos:
o sábio e o idiota, o rico e o pobre, o Juiz e o ladrão, o santo e o malfeitor.

E todos podem passar pela Porta Estreita, desde que abandonem os seus fardos imundos e pesados ao longo do caminho que sobe em espiral até o portal luminoso.

Proclamando o Reino entre os homens, para todos, era necessário também implantá-lo.
- O reino não começa por sinais exteriores, - ensinara Ele, - mas no coração de cada um.

Entretanto, o Reino se exterioriza na projecção da sua Luz, que há de inundar a Terra e transformá-la.

O Mundo é feito pelos homens.
Onde quer que os homens se reúnam para viver, surge O Mundo dos Homens, incrustado no Mundo de Deus.

Porque Deus criou o Mundo e criou os Homens, mas deu a estes o poder de também criar o seu próprio Mundo.

Podemos ver a harmonia e a beleza do Mundo de Deus no esplendor das coisas naturais.
O Mundo dos Homens, pelo contrário, reflecte a desarmonia e a impureza dos seus pequeninos criadores.

Oh, herdeiros incapazes, aprendizes inábeis!
Mas Deus espera paciente, como o Pai que vê os filhos crescerem.

E como o Pai que encaminha os filhos, Deus põe no Mundo dos Homens os atalhos e os caminhos do Reino.
O Jovem Carpinteiro veio mostrar-nos o caminho pelo seu próprio exemplo.

Não se limitou a ensinar e apontar:
- Eis ali o caminho.
Avançou Ele mesmo pelas vias do Reino, convidando-nos a Segui-lo.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 31, 2014 9:38 pm

O Mensageiro do Reino procurou-me numa tarde de meditação, sentou-se à minha frente à Mesa de trabalho, e sorrindo me disse:
- fecha um pouco os olhos.
Pára de bater essas teclas inquietas.
Pensa no Senhor e verás o exemplo do Reino.

Assim fiz.
O Exemplo desenrolou-se ante a minha visão interior.
Enquanto isso, o Mensageiro desaparecia.

Mas eis o que vi?
José e o Filho entraram na oficina para iniciar a faina do dia.

Já haviam feito a Prece e as abluções matinais.
Mas enquanto o velho parecia arcar ao peso dos anos o Jovem irradiava no olhar e no rosto a esperança dos séculos.

Ao transporem a porta do humilde recinto de trabalho manual, a túnica branca do Jovem Carpinteiro tornou-se luminosa como lírio da alvorada que desabrocha nos morros.

- Meu Pai, - disse Ele, - chegou o momento que Tu esperavas, tanto quanto Eu.
A voz do Nosso Pai ressoa no meu coração.
Devo deixar-vos no trabalho com meus irmãos, que não me compreendem, e ir em busca daqueles que o Pai Supremo escolheu para o meu trabalho.

O velho o encarou com olhos tristes, mas logo o seu rosto emaciado pareceu rejuvenescer, tocado por um leve sorriso:
- compreendo, Filho meu, e se o coração humano chora no meu peito, minha alma se regozija.

Seja feita a Vontade do Altíssimo!
- de hoje em diante, - disse o Jovem, - estarei ao longo das estradas e na margem do grande lago.

Subirei aos montes e descerei às planícies.
Aliciarei corações para o Reino e levantarei contra Mim o reino dos homens.
Começa para voz e minha mãe o ciclo da angústia, para mim o ciclo da acção.

Foi para isso que vim e para isso que me recebeste.
Apagou-se o quadro e no mesmo instante vi o Jovem Carpinteiro aliciando os seus discípulos.

Por toda parte as suas palavras atraíam as criaturas, como as sementes lançadas na estrada atraem as aves em bandos sucessivos.

E assim como o caçador espreita, observa e escolhe, assim também o Pregador fazia.
Vieram os pescadores, os que aram a terra e os que guardam rebanhos, os salteadores e as prostitutas, os doutores da Lei e os publicanos, os filhos da pureza e os goyn impuros.

De cada grupo Ele escolheu os que achava dignos ou capazes de se tornarem dignos.
Pouco a Pouco atingiu o número de setenta, e dentre eles, como já o haviam feito Moisés e os Profetas, separou os que deviam ajudá-lo de mais perto.

Foram doze os escolhidos.
Mas em torno dos doze a multidão continuou a crescer.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 31, 2014 9:39 pm

- Mestre! Que farei para seguir-vos? - Perguntavam todos.
E a resposta do Mestre era sempre a mesma:
- Vende o que tens e dá-o aos pobres, e vem e segue-me.

Não podes servir a Deus e às riquezas, porque terás de aborrecer a Este ou a aqueles.
Ninguém pode servir a dois senhores.

E os olhos do interrogante sempre baixavam, pesados de sombras.
O semblante ansioso se fechava novamente nas rugas da rotina.
Os pés que pareciam asas de Novo na Terra como garras.

Mas o Mestre não se importava e continuava em seu caminho, lançando as sementes do semeador na Terra e na rocha, sobre a verdura dos campos e os espinheiros da beira da estrada.

Os ventos da Galileia carregavam suas palavras.
Quem estendesse a mão poderia colhê-las à distância, como flocos de paina flutuando no ar.

Quantos colheram essas palavras na palma da mão e as ouviram encantados!

Eram tão suaves e puras!
Pousavam de leve, numa sensação quase imperceptível.
Mas logo depois começavam a arder, a inquietar.
Que estranho ácido traziam o oculto na sua doce textura!

Pois acabavam queimando!
Velhos cansados, jovens ambiciosos, romanos dominadores e Judeus rebeldes, todos se interessavam por elas.

Mas o interesse era quase sempre passageiro, soprava e passava como a brisa do Hébron.
- não andeis cuidadosos da vossa vida, perguntando o que comereis, ou do vosso corpo, perguntando o que vestireis.

Não é mais a alma do que a comida e o corpo mais do que a veste?
Não sois mais do que as aves do céu e do que os lírios do campo, que vosso Pai alimenta e veste?
Não sois mais do que o feno, que nasce para ser lançado ao forno e a que nada falta?

Porque vos inquietais?
Elas vinham no ar, como suave paina carregando uma pequena semente.

Pousavam na mão e ficavam bailando.
Bastaria um sopro e elas voltariam a flutuar nos ventos.

Mas os homens retinham a painazinha brilhante na palma da mão, de olhos esbugalhados e ouvidos atentos até que o leve ardor do início se transformasse no calor queimante da brasa.

Então assopravam com força esfregavam as mãos e voltavam correndo para os afazeres do mundo.

Era preciso ganhar dinheiro, conquistar posições, perseguir os inimigos até derrotá-los ou matá-los, vingar a vaidade ou a honra supostamente ofendida, impor aos demais a importância do seu ego, jeitosamente, disfarçado em personalidade, em dignidade racial.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 31, 2014 9:39 pm

Seria possível viver daquela maneira?
O mestre devia ser apenas um sonhador, um poeta, um semeador de palavras.
Não obstante, alguns sonâmbulos o acompanhavam.

Mulheres importantes, como Joana de Cusa, homens graves, como José de Arimatéia, famílias inteiras, como a de Zebedeu, que soubera ganhar o mundo com pulso de ferro, publicanos enriquecidos e ávidos de mais dinheiro e maior poder, Centuriões Romanos fascinados, que arriscavam a vida na companhia de um louco Judeu, toda uma multidão o seguia.

O Filho de um rico vendedor de sedas de Kerioth, magro e agitado como as varas secas do deserto da Judeia, apegaram-se ao grupo que rodeava o Mestre e se tornara mesmo o despenseiro da comunidade.

Sim, havia uma comunidade Messiânica que vivia segundo as regras malucas do Reino.
Era pequena, constituída de apenas cinquenta pessoas, tendo um grupo central de doze, que eram os ajudantes directos do Mestre.

Como viviam?
Os ricos teriam dado seu dinheiro aos pobres?
Mas, nesse caso, os pobres não se tornaram ricos?
E as propriedades? Teriam ficado para o Mestre?

Não, pois Ele se recusava a possuir qualquer coisa.
Tinha horror à propriedade privada, à posse de uma palha, de uma pena, de uma simples semente.

Judas De Kerioth, porém, carregava a bolsa sempre fornida, pronta a atender as necessidades vitais da comunidade.

De onde vinham aqueles recursos?
O Mestre explicava de maneira enigmática:
- buscai primeiramente o Reino de Deus e a sua Justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo.

Não andeis inquietos pelo dia de amanhã, porque ele a si mesmo trará o seu cuidado.

Basta a cada dia a sua própria aflição.
O Mundo via, estarrecido, aquele exemplo de vagabundagem Sagrada.

Simão Pedro abandonara o barco.
Agora só pescava corações para o Reino.
Mas a família o acompanhava e Ele sustentava com palavras e preces a mulher e os filhos.

Ninguém arroteava a terra ou vendia mercadorias, a moeda não circulava em função reprodutora, ninguém fabricava tendas ou dava dinheiro a juros.

Todos se amavam e se ajudavam, a dor de um era a dor de todos, o problema de um a todos afectava, a fome de um faria a todos jejuar.

Um só pensamento pairava em todas as mentes: Deus.
Um Só objectivo arrastava a todos: O Reino.

O Mestre devia ser o Chefe, o Rei daquele estranho reino ambulante, mas Ele mesmo dizia:
- o meu Reino ainda não é deste mundo.
No meu Reino, os que mandam são os que servem.
Os grandes são os que se humilham, pois os que se exaltam são humilhados.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 31, 2014 9:40 pm

Meu Reino é um Reino de servidores.
No meu Reino não há traficantes.
Tudo que recebemos vem do Pai.

O Pai dá tudo de graça aos Filhos e estes devem dar de graça o que assim receberam.

No meu Reino nada se toma, tudo se dá.
Se queres pertencer a Ele, dá tudo o que tens e segue-me sem nada.

Se alguém quiser te levar a capa, dá-lhe também a túnica.
Se te batem numa face, oferece-lhes a outra.
O exemplo do Reino era tão estranho como um pesadelo.

O mundo o via, mas não entendia.
João, o evangelista, escreveria mais tarde:
A luz resplandeceu nas trevas, mas as trevas não a compreenderam.

Apesar disso, o Exemplo ali estava.
Era possível viver no Reino, em plena treva do mundo.

Multidões aflitas se aproximavam do Reino.
O Mestre ensinava e curava.
Cegos, aleijados, leprosos, paralíticos, ulcerosos com fluxos de sangue permanente, todos recebiam o ensinamento e reviviam para a saúde física e espiritual.

Nenhuma moeda, romana ou grega, judia ou fenícia podia pagar os benefícios do Reino.
E os grandes da Terra, ao ouvirem essas notícias davam de ombro e riam com desprezo.
Mas quando viam a realidade dos factos, tremiam de indignação e pavor.

Então era possível permitir que aquele Mestre sonâmbulo roubasse aos homens o gosto do poder, a volúpia do dinheiro, o prazer dos sentidos, esse Divino dom que Jeová concedia aos Judeus e os Deuses concediam aos Goyn?
Não! O Exemplo do Reino era um mau exemplo.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 31, 2014 9:40 pm

Capítulo 5 - A TENTATIVA

Muitas vezes fico pensando na coragem daqueles homens que integraram em Jerusalém a primeira assembleia Cristã.

O exemplo do Reino havia chegado ao fim, de maneira trágica.
Praticamente, nada sobrara do esforço da abnegação do Jovem Carpinteiro.

O suplício da Cruz era o selo da ignomínia.
Paulo escreveria mais tarde que o Cristo crucificado era escândalo para os gregos e loucura para os Gentios.

Aquele Mundo rígido pela cultura Greco-romana e infiltrado pela cultura Judia não podia admitir os anti-valores do Cristianismo.

Para Gregos, Romanos e Judeus, não obstante a evolução espiritual destes últimos, os valores mundanos eram os únicos verdadeiros.

O ouro e a púrpura representavam a glória e o poder concedidos pelo Céu aos homens.

A humildade e a pobreza eram imundície e condenação.
O Jovem Carpinteiro vivera na pobreza e na humildade e ensinara aos discípulos essas anti-virtudes.

Mas seu fim havia sido o Monte Das Caveiras, a morte ignominiosa entre malfeitores.

É verdade que viera depois a ressurreição.
E viera o Pentecostes.
Mas quem acreditava nessas coisas, a não ser eles mesmos?

O que lhes valeu, aliás, não foi a crença, mas a certeza, a convicção, a impossibilidade de negar as manifestações do Cristo redivivo e a efusão Espiritual do Pentecostes.

Só podemos compreender a Tentativa do Reino, após o fracasso terreno do Exemplo do Reino, graças ao realismo espiritual em que se firmaram Aqueles homens simples e rudes do Caminho.

O poder Romano e o poder Judeu, conjugados, traçaram a Cruz da ignomínia sobre a última página do Exemplo do Reino.

O processo ingénuo fora arquivado para sempre, sob o selo da infâmia.
Quem mais teria a coragem de evocar um Rabi crucificado?
Quem aceitaria que se falasse em tal coisa?

A crucificação era a negação absoluta do Rabi:
física, social, moral e espiritualmente o Reino fora riscado da face da Terra.

Mas o Jovem Carpinteiro ensinara, certa vez, aquilo que mais tarde os Marxistas chamariam de Lei da Negação da negação.

O Mundo clássico, na sua alta sabedoria, não aprendera ainda que a negação gera outra negação, que se constitui em afirmação.

O Jovem Carpinteiro ressuscitara e concitara os discípulos a prosseguir na busca do Reino.
Ele mesmo os ampararia e lhes daria a inspiração necessária.

Estava provado que a morte não era a morte.
Ninguém morria, nada morria.
O grão de trigo não germina se não morrer.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jan 31, 2014 9:40 pm

Morrer, portanto, é renascer.
O Cristo Crucificado era o grão de trigo arrancado da espiga, espezinhado pelos homens, lançado na terra e pisado.

A Cruz plantada no chão não era símbolo de morte, mas o sinal da cova em que a semente germina.
Um sinal de esperança. as trevas da agonia seguia-se a noite da germinação oculta.

Roma acreditava na morte e nela baseara o seu poder.
O Reino acreditava na ressurreição.
Quanto mais os homens enterrassem o Reino mais Ele cresceria sobre a Terra.

Foi Assim que os Homens do Caminho tiveram coragem para enfrentar a ameaça de morte de um Mundo agonizante, de um Mundo que estertorava sem saber, pois pensava que os seus estertores eram golpes de morte desferidos nos adversários.

Sentindo que a Seiva do Reino, em vez de esgotar-se, subia mais viva da terra após a morte do Jovem Carpinteiro, os Homens do Caminho reuniram-se de novo e cantaram Hossanas ao Senhor.

Então o Senhor ressurgiu entre eles, abençoou-os, conclamou-os a luta e o Reino esplendeu novamente, a luz resplandeceu de novo nas trevas do Mundo.

Foi assim:
Após a manhã de domingo, no túmulo vazio em que Madalena o viu pela primeira vez, o Senhor apareceu-lhes durante quarenta dias:
- falando-lhes do Reino.

Em Betânia depois de lhes haver ensinado suficiente, despediu-se e subiu para a Torre mais alta do Reino, de onde se vê toda a Terra até os seus confins e todo coração humano até as suas mais remotas profundidades.

Dois varões, mensageiros do Reino, apareceram então e disseram aos discípulos:
- Varões Galileus, Este que viste subir, um dia descerá de novo, da mesma maneira por que subiu.

E se calaram, de olhos serenos, as túnicas brancas levemente agitadas pela brisa de Betânia.
Todos compreenderam em silêncio guardando segredo em seus corações, voltaram a Jerusalém.

Fecharam-se na Casa da Esperança e foram ao quarto de cima, onde os esperavam Pedro e João, Tiago e André, Bartolomeu e Mateus, Tiago filho de Alfeu, Simão o zeloso e Judas irmão de Tiago.

E as mulheres lá estavam, perseverando em oração com Maria, mãe do Jovem Carpinteiro.
E os irmãos de Jesus lá também se encontravam, sisudos e estranhos, com Tiago á frente, pois era Tiago o único deles a acreditar na promessa do Reino.

E enquanto Pedro agitado e de coração dolorido, sangrando as ocultas, falava de Judas, o traidor, Tiago pensava nas palavras do seu Divino irmão sobre a glória do Reino.

Passou depois o dia do Pentecostes.
Estavam todos reunidos e veio do céu um estrondo que abalou o mundo.

Uma lufada de vento percorreu a sala fechada e abriu-lhe as portas e as janelas.
E umas chamas ardentes desceram, como línguas de fogo, sobre as cabeças assustadas dos doze apóstolos, entre as quais estava Matias, que substituíra a Judas.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Fev 01, 2014 8:56 pm

E ficaram todos cheios do Espírito e falaram em diversas línguas para que da multidão que acorrera a ver o estranho episódio, os varões de todas as raças pudessem ouvir a reafirmação do Reino.

Foi assim que todos:
partos e medos, e lamitas e mesopotâmicos de todas as latitudes, judeus e capadócios, pónticos e asiáticos, Frigios e pânfilos, egípcios e líbios das várias províncias, cirenos e romanos, judeus e pretensos, árabes do deserto e das zonas mais férteis da Terra ouviram em suas próprias línguas, pela boca daqueles varões galileus, as maravilhas do Reino.

Todos ficaram atónitos, pois não podiam compreender como aqueles galileus falassem nas suas línguas.

Mas duvidaram de tantas maravilhas e os mais cépticos exclamaram:
- amigos, isto é o milagre do mosto!
Pois bem sabeis que o suco fermentado da uva pode fazer-nos falar de coisas que nunca existiram e nem existirão, e em línguas que por certo nos são ensinadas pelo espírito de Piton!

E riam as gargalhadas e se retiravam, para cuidar de seus negócios e trapaças, pois tinham mais o que fazer.
A mensagem do Reino, porém, já havia penetrado em muitos corações.

Pedro exclamou:
- salvai-vos desta geração depravada!

E os que desejavam salvar-se, não querendo participar da injustiça do ódio, de ganância e do roubo, foram iniciados nos princípios do Reino.

E eram em número de três mil pessoas, que se agregaram aos apóstolos e aprenderam a partir o pão e a orar em comum.

Para todos esses Filhos Do Reino o pão era um só e todos participavam dele.
Ninguém guardava o seu pãozinho particular para secar e mirrar no embornal escondido.

Todos davam o que tinham para poderem receber da abundância geral.
E se algum dava mais para retirar menos era com alegria que o fazia, pois é alegre para os Filhos Do Reino poderem dar de sua mesma abundância.

Vemos assim que o Reino cresce, apesar dos pesares, desde a sua fundação na Terra.
Quando o Jovem Carpinteiro partiu, cento e vinte pessoas constituíam ao seu redor O Exemplo Do Reino.

Depois da sua partida e ressurreição, os apóstolos conseguiam iniciar a Tentativa Do Reino com três mil criaturas de boa vontade, ansiosas por se libertar das depravações do Mundo.

Pedro, o, pescador, era o mais ardoroso nessa tentativa de implantação do Reino.
Tiago, irmão do Senhor, era por certo mais zeloso.

Conta-nos o livro dos actos:
e, todos que criam estavam unidos, e tudo que cada um possuía era partilhado por todos em comum.

Vendiam as suas propriedades e os seus bens e distribuíam tudo por todos, segunda a necessidade de cada um.

Perseveravam na Doutrina e oravam.
E o Senhor aumentava cada dia o número dos que se salvaram, encaminhando-se à unidade da corporação.

Mas o Reino não é apenas comunidade de bens, não é apenas o partir do pão.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Fev 01, 2014 8:56 pm

Pelo contrário essas coisas decorrem de outra, mais profunda e mais viva, que é a comunidade das Almas, a união dos corações, o desenvolvimento do Amor e da Justiça entre os Homens.

E esse crescimento produz a Flor da Caridade, que espalha suave Perfume e se transforma em Frutos de paz e entendimento.

Assim, os apóstolos davam também de si mesmos em favor dos doentes e dos sofredores.
Tanto que Pedro, certa vez, passando pela porta do Templo chamada Especiosa, parou ao clamor de um pobre coxo que ali pedia esmolas todos os dias.

E João estava com Pedro e ambos abundavam na graça do Reino.

E Pedro disse ao coxo:
- olha para nós!
E o coxo olhou com atenção e astúcia, esperando receber duas ofertas de moedas.

Mas Pedro explicou:
- não tenho ouro nem prata, o que tenho, isso te dou.
Em nome de Jesus Cristo o Nazareno levanta-te e anda!

E, tomando-o pela mão direita, Pedro o levantou - e no mesmo instante foram consolidadas as bases dos seus pés e as suas plantas.

E dando um salto, o coxo se pôs em pé e começou a andar, alegre e feliz como uma criança que aprendeu a dar os primeiros passos.

E entrou com Eles no Templo, andando e saltando, para louvar a Deus.
E todo o povo viu, com seus próprios olhos, que o Reino não era de trevas nem de crucificação, mas de saúde, alegria e trabalho.

Pedro não se retirou sem antes advertir a todos que o sacrifício do Jovem Carpinteiro havia sido produzido pela ignorância do povo e de seus Magistrados.

Esse mesmo sacrifício, entretanto, resultava em frutos de restauração.
Assim como os pés do pobre coxo se haviam restaurado num instante, assim também, num instante, o Reino poderia ser restaurado, desde que o Senhor o quisesse e encontrasse boa vontade no coração arrependido dos homens.

Mas chegaram os sacerdotes, os magistrados do Templo e os saduceus, e se indignaram e prenderam Pedro e João, metendo-os na prisão até o dia seguinte.
Por que os Filhos do Reino têm de sofrer para sustentar o Amor e a Justiça diante do ódio e da injustiça?

Está escrito que onde houver a seara de joio, o trigo sofre asfixia e morre.
Mas o trigo subsiste pela sua própria necessidade, e o joio, na verdade, é como a erva má que os animais não pastam e os homens não colhem, desaparecendo na sua própria inutilidade.

A Tentativa do Reino teve também de morrer, porque era apenas uma Tentativa, uma semente.
E se a semente não morre a planta não germina como na parábola do Semeador, os espinhos do mundo cresceram e sufocaram a tentativa do Reino, transformando-a também numa forma impura do Reino Mundano.

Mas o Fermento do Reino já estava espalhado no Mundo e jamais deixou de levedar a massa dos corações e das consciências.

Os caminhos do Reino foram muitas vezes esquecidos, a embriaguez das riquezas temporais e pessoais alucinou multidões.

Mas surgiram atalhos estreitos e ásperos atalhos, que homens fascinados pela visão inesquecível do Reino cortaram nas planícies e nas montanhas.

Quem pode tirar do Espírito dos homens a eterna miragem do Reino?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Fev 01, 2014 8:57 pm

Capítulo 6 - OS ATALHOS

Quem não se lembra do tempo em que Tertuliano escrevia:
As heresias nascem do chão como cogumelos!

Pois a verdade é que o próprio Tertuliano tão zeloso da ortodoxia espinhenta, esse mesmo Tertuliano que recorreu à figura jurídica e ímpia do usucapião para impedir os hereges de usar o Evangelho, esse Tertuliano, também ele fascinado pela visão distante do Reino, havia de acabar como herege! Pobres criaturas, desvairadas entre as aspirações da Alma e os desejos do corpo, como não havíeis de seguir por atalhos estranhos, sinuosos como serpentes?

As heresias eram, em geral, misteriosas eclosões de lembranças do Reino.
Seitas ao mesmo tempo humildes e arrogantes, de camponeses ansiosos por amor e justiça, tentando restabelecer na Terra o Amor e a Justiça do Reino.

Seitas de aldeões simplórios em delírio místico, visualizando em sonho as torres e os mirantes do Reino.
Grupos fanáticos de visionários ilustrados que se consideravam profetas, missionários, e arrastavam multidões sedentas de uma verdade mal entrevista.

Ah! Como o fascínio do Reino perdurou nos corações perjuros, torturando-os através dos séculos!

Mas ao lado das heresias, que abriram atalhos de fé e paixão nas ásperas paisagens do religiosismo fanático, surgiram também as ideologias desesperadas, contraditoriamente alimentadas de esperanças onde mártires do Reino arderam em fogueiras assassinas, morreram em torturas piedosas, foram degolados e triturados em nome do próprio Reino.

Da proclamação de Nazaré até os nossos dias a Terra está marcada pelas atrocidades e as loucuras da piedade religiosa.

O Reino, o Reino!
Até os bárbaros o viram à distância.
Átila ouviu o seu chamado e esmagou a erva dos campos e as crianças das aldeias sob as patas de seus cavalos.

Hordas violentas arrasaram as planícies e romperam a barreira dos picos nevados, fluíram como caldais humanos pelos desfiladeiros, rolaram pelas encostas como avalanchas, derrubaram impérios.

Quem poderia segurar os homens alucinados pelo anseio de Amor e Justiça?
Vede os Mouros na Espanha e em Portugal, vede o Alfanje devorando espadas nos campos da Europa, como a serpente de Moisés comendo as serpentes dos magos do faraó!

Maomé saíra do próprio Cristianismo para atacar os cristãos e destruí-los.
Do inconsciente dos homens o arquétipo do Reino levantava furacões humanos.
Quem poderia negar diante desse tropel de raças e povos, o poder do Reino!

Carlos Magno era analfabeto e chorava quando lhe contavam o episódio da crucificação:
-Ah! - dizia, - Se eu lá estivesse com os meus homens!
E o poderoso imperador dos Francos quis restabelecer a seu modo o esplendor do Reino.


Suas luzes eram poucas, mas bastavam para lhe mostrar que o esplendor fictício do seu império estava muito longe da beleza serena do Reino.

Dessa visão e desse impulso brotou o Renascimento Carolíngio, antecipando a Renascença que marcaria mais tarde a maior e mais bela tentativa de volta ao Reino.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Fev 01, 2014 8:57 pm

O mensageiro do Reino me pediu um dia:
- Pense um pouco em Rousseau.
- Em Rousseau?
- Sim, pense em Rousseau o maldito.

E me pus a pensar, e vi:
Genebra fechada em seu cinturão de pedras.
Uma falsa cópia do reino, na verdade a sua contrafacção.
O Jovem Rousseau escravizado pela sua dura engrenagem social.

Depois, a fuga para o campo.
Era uma maneira de escapar ao cerco mineral.
Andar ao ar livre na campina, entre a pureza das árvores e dos riachos.

Subir aos montes e contemplar a distância verde-azul, os horizontes carregados de estranhas promessas.
Certa tarde, ao voltar, o portão da cidade estava fechado.

Genebra o deixara de fora.
E como Rousseau não teve medo, libertou-se.
O sonho do Reino eclodiu na sua alma em três tempos.

O CONTRATO SOCIAL era a nova utopia, com a cidade renovada em bases de Amor e Justiça, o Emílio era o homem novo, liberto do pecado original, criado no amor de Deus e educado pela Natureza, A NOVA HELOÍSA era o novo amor que cimenta a família nova formada pelo sentimento puro, livre das impurezas e do julgo doloroso das ambições.

O Jovem Rousseau tem os olhos no Reino, mas seus pés estão amarrados ao solo da França.

Sacode em vão as correntes que lhe prendem os braços e os pés.
Acaba levando os próprios filhos à roda dos enjeitados.
Os homens bem do tempo o denunciam e o esconjuram.

É um réprobo.
Ainda hoje, dos púlpitos e das cátedras caem raios de cólera sobre a sua memória de mártir.

Mas os lineamentos do Reino, traçados por esse grande sonâmbulo, produziram a REVOLUÇÃO FRANCESA, a queda da BASTILHA, a derrubada dos privilégios da Nobreza, a primeira tentativa de uma Religião Racional, a implantação de uma nova Educação e a proclamação dos direitos do Reino na fórmula revolucionária:
LIBERDADE, IGUALDADE FRATERNIDADE!

Voltou o Mensageiro do Reino e me disse:
- pense em Karl Marx.
- em Karl Marx? - Perguntei assustado. -
- Pense, - repetiu ele tranquilo.

Então pensei.

E vi:
Não vi o começo mas o fim.
O velho Marx arcado para o chão, com sua cabeleira e suas barbas brancas, os olhos cansados tentando em vão abarcar na distância os contornos do Reino.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Fev 01, 2014 8:57 pm

Sonhara e lutara a vida inteira.
Agora, os grossos volumes se amontoavam sobre a mesa.

Mas havia muito que fazer, muito.
E suas forças o traiam a velhice lhe roubava as últimas possibilidades de trabalho.

O Capital!
Dias e noites de pesquisa, de perquirição mental, de análise rigorosa, de cortes impiedosos, com as mãos de cirurgião, no corpo doente de uma sociedade ímpia.

Analisara toda sua estrutura injusta, e pensava ter sido fundada e sustentada pelo seu consanguíneo de Nazaré, O Jovem Carpinteiro.

Estudara a maldita circulação da moeda nas veias desse corpo impuro.

Mas não chegara ainda às conclusões definitivas.
Seu espírito sabia que faltava muito a fazer.
E a velhice o esmagava dia a dia, curvando-o cada vez mais para o chão, para a cova.

Uma grande e velha Bíblia se abriu aos meus olhos.
Vi nas suas páginas os profetas de Israel clamando contra as iniquidades do Templo e traçando no espaço os lineamentos do Reino.

A bíblia se fechou de súbito e dela saltou a figura de Marx.
Um profeta extemporâneo, diante da Bíblia fechada.

Marx subiu sobre ela e tentou esmaga-la com os pés.
Mas estava velho de mais e a velha capa da Bíblia mal cedia em leves e rápidas inflexões, ao débil impulso de seus pés.

O profeta renegava a sua própria origem, mas sonhava os mesmos sonhos dos antepassados.
Negação de Deus, negação do Espírito, afirmação da Matéria e do Homem.

Mas quando afirmamos o efeito, por acaso negamos a causa?
Pelo contrário:
A Matéria e o Homem são a prova positiva de Deus e do espírito.

Marx, porém, não via isso.
Queria o Reino, a igualdade dos homens, a sociedade sem classes, sem governos, sem opressões, sem propriedades egoístas, sem riquezas famigeradas.

Queria restabelecer o valor do trabalho contra o falso, o mentiroso e ímpio valor da moeda.
Mas o seu caminho ainda não era um caminho.

Era um atalho.
Um áspero atalho, cortando violentas rampas na montanha exigindo sacrifícios enormes, lutas sem tréguas, convulsões sociais espantosas, assassinatos em maça, masmorras e algemas, tiranias e fuzilamentos.

Sim, vi o atalho de Marx e vi a sua transformação nas primeiras grandes estruturas sociais, eram novas cidades, como a de Rousseau, bracejando aos Céus.

Novos Reinos da Terra estuantes de trabalho, de luta, de incompreensões, de sofrimentos.
Mudavam-se as estruturas, mudavam-se as formas, mas faltava a mudança substancial, aquela pela qual o Jovem Carpinteiro havia começado.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

O REINO / J. Herculano Pires Empty Re: O REINO / J. Herculano Pires

Mensagem  Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 1 de 2 1, 2  Seguinte

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos