LUZ ESPÍRITA
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O ESPÍRITO E O TEMPO / J. HERCULANO PIRES

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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 28, 2013 9:58 pm

O ESPÍRITO E O TEMPO
J. HERCULANO PIRES

ÍNDICE

DEDICATÓRIA
O ESPÍRITO E O TEMPO
PRELIMINARES

PRIMEIRA PARTE – FASE PRÉ-HISTÓRICA

CAPÍTULO 1 = HORIZONTE TRIBAL E MEDIUNISMO PRIMITIVO
CAPÍTULO 2 = HORIZONTE AGRÍCOLA: ANIMISMO E CULTO DOS ANCESTRAIS
CAPÍTULO 3 = HORIZONTE CIVILIZADO: MEDIUNISMO ORACULAR
CAPÍTULO 4 = HORIZONTE PROFÉTICO: MEDIUNISMO BÍBLICO
CAPÍTULO 5 = HORIZONTE ESPIRITUAL: MEDIUNIDADE POSITIVA

SEGUNDA PARTE – FASE HISTÓRICA
CAPÍTULO 6 = EMANCIPAÇÃO ESPIRITUAL DO HOMEM
CAPÍTULO 7 = RUPTURA DOS ARCABOUÇOS RELIGIOSOS
CAPÍTULO 8 = A INVASÃO ESPIRITUAL ORGANIZADA
CAPÍTULO 9 = ANTECIPAÇÕES DOUTRINARIAS
CAPÍTULO 10 = A FALANGE DO CONSOLADOR

TERCEIRA PARTE – DOUTRINA ESPÍRITA
CAPÍTULO 11 = O TRIÂNGULO DE EMMANUEL
CAPÍTULO 12 = A CIÊNCIA ADMIRÁVEL
CAPÍTULO 13 = A FILOSOFIA DO ESPÍRITO
CAPÍTULO 14 = RELIGIÃO EM ESPÍRITO E VERDADE
CAPÍTULO 15 = MUNDO DE REGENERAÇÃO

CAPÍTULO 16 = BIBLIOGRAFIA

DEDICATÓRIA

À HELENA, que me fez escrever este livro.

Aos companheiros
URBANO DE ASSIS XAVIER
ANSELMO GOMES
EURÍPIDES SOARES DA ROCHA que empregaram o tempo no estudo destes problemas, e hoje o prosseguem, no fluir da duração.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 28, 2013 9:58 pm

O ESPÍRITO E O TEMPO

“A História, que é essencialmente História do Espírito, transcorre “no tempo”.
Assim, pois, “o desenvolvimento do Espírito cai no tempo”.

Hegel, porém, não se contenta em afirmar a “intratemporacialidade” do espírito como um factum, mas trata de compreender a possibilidade de que o Espírito caia no tempo, que é o “sensível não-sensível”.

O tempo há-de poder acolher o espírito, por assim dizer.
E o espírito há-de ser, por sua vez, afim com o tempo e com a sua essência.”

HEIDEGGEB, crítica de Hegel, em “O Ser e o Tempo”.


PRELIMINARES

Um século após a codificação do Espiritismo por Allan Kardec, reina ainda grande incompreensão a respeito da doutrina, de sua própria natureza e de sua finalidade.
A codificação, entretanto, foi elaborada em linguagem clara, precisa, sensível a todos.

À lucidez natural do espírito francês, Kardec juntava a sua vocação e a sua experiência pedagógicas, além da compreensão de tratar com matéria sumamente complexa.

Vemo-lo afirmar, a cada passo, que desejava escrever de maneira a não deixar margem para interpretações, ou seja, para divergências interpretativas.

Qual o motivo, então, por que os próprios adeptos do Espiritismo, ainda hoje, divergem, no tocante a questões doutrinárias de importância?
E qual o motivo por que os não-espíritas continuam a tratar o Espiritismo com a maior incompreensão?
Note-se que não nos referimos a adversários, pois estes têm a sua razão, mas aos “não-espíritas”.

Parece-nos que a explicação, para os dois casos, é a mesma.
O Espiritismo é uma doutrina do futuro.
À maneira do Cristianismo, abre caminho no mundo, enfrentando a incompreensão de adeptos e não-adeptos.

Em primeiro lugar, há o problema da posição da doutrina.
Uns a encaram como sistematização de velhas superstições;
outros, como tentativa frustrada de elaboração científica;

outros, como ciência infusa, não organizada;
outros ainda, como esboço impreciso de filosofia religiosa;
outros, como mais uma seita, entre as muitas seitas religiosas do mundo.

Para a maioria de adeptos e não-adeptos, o Espiritismo se apresenta como simples “crença”, espécie de religião e superstição, ao mesmo tempo, eivada de resíduos mágicos.

Ao contrário de tudo isso, porém, o Espiritismo, segundo a definição de Kardec e dos seus principais continuadores, constitui a última fase do processo do conhecimento.

Última, não no sentido de fase final, mas da que o homem pôde atingir até agora, na sua lenta evolução através do tempo.
É evidente que se trata do conhecimento em sentido geral, não limitado a um determinado aspecto, não especializado.
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Nesse sentido geral, o Espiritismo aparece como uma síntese dos esforços humanos para compreensão do mundo e da vida.
Justifica-se, assim, que haja dificuldade para a sua compreensão, apesar da clareza da estrutura doutrinária da codificação.

De um lado, o povo não pode abarcá-lo na sua totalidade, contentando-se com o seu aspecto religioso;
de outro, os especialistas não admitem a sua natureza sintética;
e de outro, ainda, os preconceitos culturais levantam numerosas objecções aos seus princípios.

No capítulo primeiro de “A Génese”, número 18, Kardec explica que o Espiritismo, do ponto de vista científico, tem por objecto um dos dois elementos constitutivos do universo, que é o espírito.

O outro elemento é a matéria.
Como ambos se entrelaçam, para a constituição do todo universal, o Espiritismo “toca forçosamente na maioria das ciências”, ou seja, está necessariamente ligado ao desenvolvimento das ciências.

Assim sendo, esclarece o codificador:
“Ele não poderia aparecer senão depois da elaboração delas, e surgiu por força das coisas, da impossibilidade de tudo explicar-se somente com a ajuda das leis da matéria.”

Leon Denis, sucessor e continuador de Kardec, observa em seu livro “Le Genie Celtique et le Monde Invisible”, o seguinte:
“Pode dizer-se que a obra do Espiritismo é dupla:
no plano terreno, ela tende a reunir e a fundir, numa síntese grandiosa, todas as formas, até aqui dispersas e muitas vezes contraditórias, do pensamento e da ciência.

Num plano mais amplo, une o visível e o invisível, essas duas formas da vida, que, na realidade, se interpenetram e se completam, desde o princípio das coisas.”

Logo a seguir, como prevenindo a objecção de dualismo que se poderia fazer, Denis acentua:
“No seu desenvolvimento, ele demonstra que o nosso mundo e o Lado-de-Lá não estão separados, mas entrosados um no outro, constituindo assim um todo harmónico.

Os estudantes de Espiritismo sabem que muitos outros trechos, tanto de Kardec quanto dos seus seguidores, podem ser citados, para se afirmar a tese da natureza sintética da doutrina, bem como a sua posição, de última fase do processo do conhecimento.

Lembramos particularmente a definição da doutrina em “O que é o Espiritismo”, de Kardec, sobre a qual voltaremos mais tarde.
Basta-nos, no momento, esta colocação do problema, para justificar a nossa tentativa de oferecer uma visão histórica do desenvolvimento espiritual do homem, como a forma mais apropriada de introdução ao estudo da doutrina.

Foi o próprio Kardec quem criou a disciplina que procuramos desenvolver neste curso, tanto com a “Introdução ao estudo da doutrina espírita”, que abre “O Livro dos Espíritos”, quanto com o “Principiante Espírita”.

O nosso curso não dispensa, antes requer o estudo desses trabalhos do codificador.
Mas é evidente que a introdução a qualquer ramo do conhecimento, como explica o filósofo Julián Marias, no caso particular da Introdução à Filosofia, exige sempre novas perspectivas, de acordo com o fluir do tempo.

A introdução, diz Marias, é o “agora”, o circunstancial, o ato de introduzir alguém em alguma coisa.
Essa alguma coisa, seja a Filosofia ou seja o Espiritismo, é uma realidade histórica, uma coisa que existe de maneira concreta.

Sendo o Espiritismo uma realidade histórica, afirmada pelo codificador e seus sucessores, tem ele o seu passado e o seu presente, como terá o seu futuro.
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No tempo de Kardec, introduzir alguém no estudo do Espiritismo era introduzi-lo numa realidade nascente, numa verdadeira problemática em ebulição, num processo histórico em princípio de definição, e principalmente “numa nova ordem de ideias”.

Hoje, é introduzir esse alguém num processo já definido, e não apenas numa ordem de ideias, mas também no quadro histórico em que essa ordem surgiu.
Dessa maneira, é introduzi-lo também na própria introdução de Kardec.

Esse o motivo por que escrevemos, para a nossa tradução de “O Livro dos Espíritos”, editado pela LAKE, uma introdução à obra.
Sem o exame histórico do problema mediúnico, por exemplo, os estudantes de hoje estarão ameaçados de flutuar no abstracto.

Introduzindo-se numa ordem de ideias, sem o conhecimento de suas raízes históricas, arriscam-se a confundir, como fazem os leigos, mediunismo e Espiritismo, ou seja, o processo mediúnico de desenvolvimento espiritual do homem, com o Espiritismo.

Arriscam-se, ainda mais, a aturdir-se com fatos mediúnicos rudimentares, considerando-os, por sua aparência extravagante, como novidade.

Por outro lado, dificilmente compreenderão a aparente contradição existente no facto de ser o Espiritismo, ao mesmo tempo, uma doutrina moderna e um processo histórico provindo das eras mais remotas da humanidade.
Existe ainda o problema religioso, e particularmente o das ligações do Espiritismo com o Cristianismo, que somente uma introdução histórica pode esclarecer.

Por tudo isso, foi que nos propusemos a dar este curso, — a convite da União da Mocidade Espírita de S. Paulo — a partir do “horizonte primitivo”, ou seja, das manifestações mediúnicas entre os homens primitivos, examinando as fases históricas que nos conduziram até ao momento presente.

Para isso, servimo-nos da bibliografia doutrinária, como fundamental, e de outros livros, de reconhecido valor cultural, como subsidiários.
Daremos a indicação bibliográfica, para facilitar aos interessados maior aprofundamento do assunto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 28, 2013 9:59 pm

PRIMEIRA PARTE – FASE PRÉ-HISTÓRICA

1 - HORIZONTE TRIBAL E MEDIUNISMO PRIMITIVO

1. MEDIUNISMO E ESPIRITISMO
. — As ciências sociais têm uma grande contribuição a dar ao estudo do Espiritismo.

Quem viu isso com mais clareza, segundo nos parece, foi Ernesto Bozzano.
O grande discípulo italiano de Herbert Spencer, profundamente ligado ao desenvolvimento dos estudos sociológicos, uma vez atraído para o campo dos estudos espíritas, soube aplicar a este o conhecimento adquirido em outros campos.

Seus trabalhos sobre as manifestações supranormais entre os povos selvagens, publicados na revista milanesa “Luce e Ombra”, em 1926, posteriormente reunidos no livro “Popoli Primitivi e Manifestazioni Supernormali”, representam uma das mais poderosas contribuições para o esclarecimento histórico do problema espírita.

2. Kardec já havia esclarecido que os factos espíritas são de todos os tempos, uma vez que a mediunidade é uma condição natural da espécie humana.
Mas é com Bozzano que temos a primeira penetração espírita no exame antropológico e sociológico do homem primitivo, revelando-nos, com base em investigações científicas, as formas pré-históricas do fenómeno mediúnico.

Aliás, os estudos de Bozzano levam-nos mais longe, pois revelam também as origens mediúnicas da religião.
Temos assim uma teoria espírita da génese da crença na sobrevivência, que se apresenta como uma síntese das teorias opostas da teologia e da sociologia.

Para maior clareza do nosso estudo, servimo-nos do esquema que nos fornece o chamado “método cultural”, dos antropólogos ingleses, aplicado por John Murphy, com pleno êxito, em seus estudos sobre as origens e a história das religiões.

Método usado na antropologia cultural e no estudo das religiões comparadas, aplica-se perfeitamente às necessidades de clareza do nosso estudo.
Seu esquema é constituído pelos “horizontes culturais”, dentro dos quais o desenvolvimento humano pode ser analisado na amplitude de cada uma das suas fases.

Ë evidente que não vamos muito além do esquema.
Nosso intuito não é o estudo antropológico, nem o das religiões comparadas, mas apenas o esclarecimento do problema espírita.
Os “horizontes culturais” são os meios em que se desenvolveram as diferentes fases da evolução humana.

A expressão é metafórica.
Chama-se, por exemplo, “horizonte primitivo”, o mundo do homem primitivo.

A palavra “horizonte” mostra que devemos encarar esse homem dentro dos limites da nossa visão, de todas as condições do meio físico e social em que ele vivia, na paisagem cultural fechada pelos horizontes do mundo primitivo.

Podemos assim examinar cada fase em seu meio, cada homem em seu mundo, compreendendo-os melhor.
O estudo de Bozzano, embora anterior a esse método, integra-se nele.
O “horizonte primitivo” é geralmente dividido em três formas: o primitivo propriamente dito, o anímico e o agrícola.

Em nosso esquema, reduzimos as duas primeiras formas a uma única:
o “horizonte tribal”, que nos permite abranger numa visão geral o problema mediúnico do homem primitivo, e destacamos a terceira forma, dando-lhe autonomia. Isso porque o “horizonte agrícola” tem interesse especial no tocante à mediunidade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 28, 2013 9:59 pm

Assim, nosso esquema da fase pré-histórica do Espiritismo é o seguinte:
horizonte tribal, agrícola, civilizado, profético e espiritual.

Até o “horizonte profético”, segundo Murphy.
O “horizonte espiritual” é uma formulação nova, exigida pelo Espiritismo.
O horizonte tribal caracteriza-se pelo mediunismo primitivo.

Adoptamos a palavra “mediunismo”, criada por Emmanuel para designar a mediunidade em sua expressão natural, pois é evidente que ela corresponde com precisão ao nosso objectivo.

Mediunismo são as práticas empíricas da mediunidade.
Dessa maneira, temos as formas sucessivas do mediunismo primitivo, do mediunismo oracular e do mediunismo bíblico, só atingindo a mediunidade positiva no horizonte espiritual, que surge com o Espiritismo.

Somente com o Espiritismo a mediunidade se define como uma condição natural da espécie humana, recebe a designação precisa de “mediunidade” e passa a ser tratada de maneira racional e científica.

Convém deixar bem clara a distinção entre factos espíritas e doutrina espírita, para compreendermos o que Kardec dizia, ao afirmar que o Espiritismo está presente em todas as fases da história humana.

Os factos espíritas — assim chamados os fenómenos ou as manifestações mediúnicas — são de todos os tempos.
As práticas mágicas ou religiosas, baseadas nessas manifestações, constituem o Mediunismo, pois são práticas mediúnicas.

A doutrina espírita é uma interpretação racional das manifestações mediúnicas.
Doutrina ao mesmo tempo científica, filosófica e religiosa, pois nenhum desses aspectos pode ser esquecido, quando tratamos de fenómenos que se relacionam com a vida do homem na terra e sua sobrevivência após a morte, sua vida e seu destino espiritual.

É enorme a confusão feita pelos sociólogos neste assunto, seguindo de maneira desprevenida a confusão proposital feita pelos adversários do Espiritismo.

Os estudos sociológicos do mediunismo referem-se sempre ao espiritismo.
Entretanto, a palavra “Espiritismo”, criada por Allan Kardec, em 1857, e por ele bem explicada na introdução de “O Livro dos Espíritos”, designa uma doutrina por ele elaborada, com base na análise dos fenómenos mediúnicos e graças aos esclarecimentos que os Espíritos lhe forneceram, a respeito dos problemas da vida e da morte.

As práticas do chamado “sincretismo religioso afro-brasileiro”, por exemplo, não são espíritas.
O sincretismo religioso é um fenómeno sociológico natural.

O Espiritismo é uma doutrina.
Defrontamo-nos, neste ponto, com uma complexidade que também tem dado margem a confusões.
Os factos mediúnicos são factos espíritas, assim chamados pelo próprio Kardec, mas não são Espiritismo.

Porque o Espiritismo se serve dos factos mediúnicos como de uma matéria-prima, para a elaboração de seus princípios, ou como de uma força natural, que aproveita de maneira racional.

Exactamente como a hidráulica se serve das quedas d'água ou do curso dos rios para a produção de energia.

Esclarecidos estes pontos, podemos passar à análise dos fenómenos mediúnicos no horizonte tribal.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 28, 2013 9:59 pm

2. ORIGEM SENSÓRIA DA CRENÇA NA SOBREVIVÊNCIA. — Bozzano apoia-se especialmente nas pesquisas do antropólogo Andrew Lang e cioetnólogo Max Freedom Long, realizadas entre as tribos da Polinésia, para mostrar a existência dos fenómenos espíritas no horizonte tribal.

Serve-se também de outras fontes, não esquecendo os estudos de seu mestre Herbert Spencer.
Andrew Lang é o autor da tese espírita da origem mediúnica da religião, tese que lançou em seu livro “The Making of Religion”.

Bozzano esposa essa tese e procura esclarecê-la, confrontando-a com a tese spenceriana, na qual encontra, aliás, os germes da explicação espírita do problema.

A primeira afirmação de Bozzano é a da universalidade da crença na sobrevivência.

Vejamos como ele inicia o seu estudo:
“Se consultamos as obras dos mais eminentes antropólogos e sociólogos, notamos que todos concordam em reconhecer que a crença na sobrevivência do espírito humano se mostra universal.”

Esse facto é confirmado por várias citações textuais.
A seguir, Bozzano analisa as explicações que lhe dão os sociólogos e antropólogos, para concluir pela inoperância das mesmas.
Somente Spencer encontra intuições seguras, que são mais tarde desenvolvidas por Lang.

Este realizou um trabalho de análise comparada dos fenómenos do mediunismo primitivo com as experiências metapsíquicas, concluindo pela realidade daqueles fenómenos, que constituem a base concreta da crença na sobrevivência.

O primeiro facto concreto a surgir no horizonte primitivo, no tocante a esse problema, é o da existência de uma força misteriosa que impregna ou imanta objectos. e coisas, podendo actuar sobre criaturas humanas.

É a força conhecida pelos nomes polinésicos de “mana” e “orenda”.
Considerada em geral como imaginária, essa força produz os mais estranhos fenómenos.
Bozzano lembra a resposta de Marcel Habert a Goblet D’Alviella, sobre a natureza imaginária dessa força.

Dizia Habert:
“Passa-me pela mente uma nuvem de dúvida. Mana e Orenda não seriam talvez concepções demasiado abstractas, para podermos considerá-las o princípio de que partiram os selvagens, para chegar aos espíritos?”

A dúvida de Habert é considerada por Bozzano “fundamental e psicologicamente” justa, uma vez que conhecemos a natureza concreta do pensamento primitivo, incapaz dos processos de abstracção mental que caracterizam o homem civilizado.

Mana ou Orenda não é uma força imaginária, mas uma força real, concreta, positiva, que se afirma através de ampla fenomenologia, verificada entre as tribos primitivas, nas mais diversas regiões do mundo.

Essa força primitiva corresponde ao ectoplasma de Richet, a força ou substância mediúnica das experiências metapsíquicas, cuja acção foi estudada cientificamente por Crawford, professor de mecânica da Universidade Real de Belfast, na Irlanda.

O método comparativo, seguido por Lang, oferece-nos aí o seu primeiro resultado.
A imaginária força dos selvagens encontra similar nas pesquisas dos sábios europeus e americanos, empenhados nos estudos espíritas e metapsíquicos.

O etnólogo Max Freedom Long, que era também mitólogo, realizou demoradas pesquisas entre as tribos da Polinésia, e particularmente das ilhas do Havai, convivendo durante anos com os selvagens, para verificar a realidade e a natureza dessa força primitiva. Conclui que os kahunas, curandeiros polinésios, consideravam a existência de três formas de Mana, ou três frequências, três voltagens dessa força, à semelhança da corrente eléctrica.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 28, 2013 9:59 pm

A mais baixa voltagem correspondia à força emitida pelos corpos materiais do cristal ao organismo humano, a voltagem média, à proveniente da mente humana e a voltagem superior, à proveniente de uma espécie de centro espiritual da mente humana, permitindo ao homem prever o futuro e realizar fenómenos físicos a distância, bem como materialização e desmaterialização de objectos.

Outra curiosa conclusão de Freedom Long é a de que os kahunas consideravam essa força como susceptível de acumulação.
Os curandeiros, que usavam de feitiçaria, podiam prender espíritos inferiores que, a seu mando, faziam provisões de Mana para actuar em ocasiões oportunas.

Bozzano mostra que as conclusões do etnólogo correspondem às de Andrew Lang e aos relatos e observações de numerosos outros estudiosos do assunto, bem como de viajantes e missionários que conviveram com tribos diversas, em diferentes épocas e várias regiões do globo.

Por outro lado, estabelece as relações entre essa força e o ectoplasma, o que também fizera Freedom Long.
O segundo facto concreto, de ordem espírita, do horizonte tribal, é o da existência dos próprios espíritos, também universalmente afirmada.

Antropólogos e etnólogos costumam estabelecer arbitrariamente certa distância de tempo entre o aparecimento de um e outro facto.

Bozzano, entretanto, rejeita essa tese, para sustentar a simultaneidade de ambos.
Lembra que nenhuma pesquisa ou observação revelaram essa pretensa sucessão dos factos, e assevera.
“A verdade, pelo contrário, é que essas duas concepções aparecem sempre associadas.”

Uma das provas está nas próprias conclusões de Freedom Long, onde vemos os espíritos operarem através de mana, ou seja, servindo-se dessa força.
A coexistência das duas concepções, a da força misteriosa e a dos espíritos, impõe-se também diante da multiplicidade dos fenómenos mediúnicos no meio primitivo, onde, como acentua Bozzano, a presença de “agentes espirituais” se impunha, de maneira positiva.

Vemos, assim, que as superstições dos selvagens, as suas práticas mágicas, não eram nem podiam ser de natureza abstracta, imaginária.
Decorriam, como tudo na vida primitiva, de realidades positivas e de factos concretos, conhecidos naturalmente dos selvagens, como sempre foram e são conhecidos dos homens civilizados, em todas as épocas e em todas as latitudes da terra.

Somente nos momentos de grande refinamento intelectual, quando os homens constroem o seu mundo próprio, de abstracções mentais, e se encastelam nas suas tentativas de explicação racional das coisas, é que essas realidades passam a ser negadas, por uma reduzida elite.

O materialismo é, portanto, uma espécie de flor de estufa, artificial, cultivada em compartimentos de vidro, que isolam a mente da realidade complexa da natureza.
O aparecimento desses dois factos espirituais no horizonte primitivo — a acção de uma força misteriosa e a acção de entidades espirituais — deve ser considerado, entretanto, juntamente com o problema do antropomorfismo.

De uma posição positivista, como a que Bozzano assumia, antes de se tornar espírita, esses dois factos se explicariam pelo próprio antropomorfismo.

De uma posição espírita, entretanto, tal explicação se torna insuficiente.
Porque o antropomorfismo e a característica psíquica do mundo primitivo, a maneira rudimentar de interpretação da natureza pelo homem.

Reduzir todo o processo da vida primitiva a esse psiquismo nascente, limitá-lo apenas à mente embrionária de criaturas semi-animais, é um simplismo que o Espiritismo rejeita.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 28, 2013 10:00 pm

3. DA LITOLATRIA AO POLITEISMO MITOLÓGICO — O antropomorfismo é uma espécie de fase preparatória do animismo.

A fase em que o homem primitivo ainda não desenvolveu suficientemente o seu psiquismo, e em que interpreta todas as coisas em termos exclusivamente humanos.

Quer dizer, aplica ao exterior as noções rudimentares que possui da natureza humana, dando forma humana aos elementos naturais.

Podíamos aplicar-lhe o princípio de Pitágoras, o sofista:
“O homem é a medida de todas as coisas.”
Mas uma medida por assim dizer afectiva, sem o controle da razão.

É pelo sentimento, e não pelo raciocínio, que o homem primitivo humaniza o mundo.
Estamos certamente no alvorecer da razão, e mais do que isso, no subsolo do processo do conhecimento.

As teorias materialistas não enxergam nada mais do que a luta dessa razão nascente com o mundo exterior.
Para elas, as manifestações supranormais não são outra coisa além de projecções desse poder psíquico, visões alucinatórias da mente primitiva.

Murphy, citando Rodolf e Otto, lembra que estamos diante de um processo de adoração rudimentar, em que o homem parece adorar-se a si mesmo nas coisas exteriores.

Veremos como o. antropomorfismo, por este aspecto, se enquadra na “lei de adoração”, que Kardec estuda em “O Livro dos Espíritos”.
O antropomorfismo se revela por duas formas, que tanto podem ser sucessivas como simultâneas, o que é difícil precisar.

Admitindo que sejam sucessivas, podemos citar como primeira forma a vital, ou seja, aquela em que o homem primitivo projecta nas coisas o seu sentimento vital, dando vidas às coisas inanimadas.

A segunda forma é a volitiva, esse “segundo grau do antropomorfismo”, de acordo com Murphy, em que o homem projecta também a sua vontade, e por isso mesmo personaliza as coisas.

Neste grau já nos defrontamos com o desenvolvimento do animismo, a fase em que o homem vai dar não apenas vida e vontade aos objectos e coisas, mas a sua própria alma.

Bozzano já nos mostrou o absurdo de admitir-se um processo tão complexo de abstracção mental em homens primitivos.
Somente a tese espírita pode, portanto, socorrer as teorias materialistas, que tacteiam no caminho certo, mas não conseguem firmar-se nele.

A tese espírita nos mostra que o processo do antropomorfismo é auxiliado pelos fenómenos mediúnicos.
O simplismo da projecção anímica nas coisas exteriores complica-se, com a resposta dessas coisas ao homem, através da acção natural dos espíritos.

É evidente que o homem primitivo tem de interpretar as coisas de acordo com as suas experiências vitais.

A razão se forma na experiência.
O homem enquadra o mundo nas categorias nascentes da razão, enche essas categorias, como queria Kant, com o conteúdo das sensações.
Mas as categorias, como explica hoje o Relativismo Crítico, e particularmente René Hubert, não são fixas ou estáticas, mas dinâmicas.

São a própria experiência em movimento, e não um resultado da experiência.
E essa experiência implica os factos supranormais, o contacto do homem primitivo com forças estranhas, como no caso de mana ou orenda, e com os “agentes espirituais” de que fala Bozzano.

Podemos formular uma verdadeira escala da adoração no mundo primitivo.
Embora seus graus possam ser simultâneos e não sucessivos, o simples facto de existirem esses graus, mostra que a adoração, resultando de um sentimento inato no homem, desenvolve-se num verdadeiro processo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 28, 2013 10:00 pm

No grau mais baixo, temos a litolatria ou adoração de pedras, rochas e relevos do solo, no grau seguinte, a fitolatria ou adoração vegetal, de plantas, flores, árvores e bosques, logo acima, a zoolatria ou adoração de animais, e somente num grau mais elevado, a mitologia propriamente dita, com a sua forma clássica de politeísmo.

O processo da adoração se desenvolve, assim, a partir do reino mineral até o humano ou hominal.
Cada uma dessas fases é ligada à outra por uma interfase, em que os elementos de adoração se misturam.
E os resíduos das várias fases, desde a litolátrica, permanecem ainda nos sistemas religiosos da actualidade.

O homem carrega consigo as suas heranças, através do tempo.
Se encararmos todo esse processo dentro apenas da teoria do antropomorfismo, ou mesmo do animismo, será difícil ou impossível explicar a sua persistência nas fases superiores do desenvolvimento humano.

Porque o natural, e até mesmo o dialéctico, no desenvolvimento, é o homem libertar-se progressivamente daquilo que o ajudou numa fase e o atrapalha em outra.

A persistência do antropomorfismo e do animismo, nas próprias elites culturais da actualidade, demonstra que neles havia alguma coisa além da simples projecção do homem nas coisas.

Essa “alguma coisa”, como já vimos, é a presença dos “agentes espirituais”, actuando incessantemente sobre o homem e as comunidades humanas, em todas as fases da pré-história e da história.

Kardec dedicou o segundo capítulo da terceira parte de “O Livro dos Espíritos” à Lei da Adoração.
Os Espíritos Superiores, que o ajudaram mediunicamente na elaboração do livro, ensinaram-lhe que “a adoração é o resultado de um sentimento inato no homem”, como o sentimento da existência da divindade.

Acrescentaram que ela faz parte da lei natural, ou seja, do conjunto de forças naturais que constituem o mundo, ao qual o homem naturalmente pertence.

A seguir, mostraram como a lei de adoração se desenvolve nas sociedades humanas, a partir da adoração exterior de objectos materiais, até atingir aquela fase superior que definiram com estas palavras:
“A verdadeira adoração é a do coração.”

Já vimos, anteriormente, que esses ensinamentos espirituais concordam com a interpretação antropológica de Murphy e Rodolfe Otto, de que o antropomorfismo é uma forma de “adoração rudimentar”.

Lembremos ainda, para evitar confusões, que os Espíritos não falavam a Kardec por meio de visões ou de outras formas místicas de revelação.
Quando dizemos que os Espíritos Superiores ajudaram Kardec a elaborar “O Livro dos Espíritos”, os chamados “homens cultos” costumam torcer o nariz, lembrando que também a Bíblia, os Evangelhos e o Alcorão foram ditados por Deus ou por Espíritos.

Acontece, porém, que as antigas escrituras pertencem às fases do mediunismo empírico, enquanto a codificação espírita pertence à fase da mediunidade positiva.
Os Espíritos Superiores (superiores em conhecimento e refinamento espiritual, precisamente como os homens superiores), conversavam com Kardec e o auxiliavam através da prática mediúnica.

Quer dizer: através de comunicações mediúnicas sujeitas a controle, e não de revelações místicas, aceitas de maneira emotiva.
Por outro lado, quando acentuamos a natureza racional do Espiritismo, não negamos o valor do sentimento.

O velho debate filosófico entre razão e sentimento, traduzido no plano religioso pelo dualismo de razão e fé, encontra no Espiritismo a sua solução natural, pelo equilíbrio de ambos, na fórmula clássica de Kardec: “a fé raciocinada”.

No estudo do antropomorfismo, com suas formas rudimentares de adoração, encontramos todo um esquema elucidativo do velho e debatido problema.
Razão e fé se apresentam como as formas de contradição de um processo dialéctico.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 29, 2013 10:09 pm

4. AMPLIAÇÃO DA TEORIA DE SPENCER — O materialismo do século dezoito negou a acção dos “agentes espirituais”, tanto sobre as comunidades primitivas, quanto sobre as colectividades civilizadas.

Bozzano, que foi positivista durante anos, explicava a crença na sobrevivência através da teoria de Spencer, o filósofo que chegou a considerar como um Aristóteles moderno.

Em que pese toda essa admiração, a realidade inegável dos factos espíritas mostrou a Bozzano que a tese spencereana estava errada, que não era possível explicar-se a génese da crença universal na sobrevivência por alguns fenómenos comuns, sensoriais, que exigiriam do homem primitivo uma reelaboração mental, no plano abstracto.

Não obstante, Bozzano reconheceu que Spencer “pusera os pés no caminho certo”.
Chega a ser emocionante a maneira por que o antigo discípulo corrige o mestre, reconhecendo-lhe os méritos.

Entende Bozzano que faltou a Spencer o conhecimento das experiências metapsíquicas.
Dessa maneira, o génio de Spencer viu-se obrigado a tactear no plano das ciências materiais.

Apesar disso, precisamente por ser um génio, Spencer tocou no ponto central do problema, indicando os rumos certos de sua solução.

A crença na sobrevivência decorre de experiências concretas do homem primitivo, e não de formulações do pensamento abstracto.

Sua origem está nas sensações, e não na cogitação filosófica.
Esse o ponto central, que Spencer soube ver.
Usando o método comparativo, Bozzano mostra como a tese de Spencer pode ser desdobrada ou ampliada, com o acréscimo dos factos metapsíquicos, para tornar-se plenamente verdadeira.

Vejamos como isso é possível.

As origens da crença na sobrevivência, para Spencer, são estes factos comuns da vida primitiva:
o sonho, quando o selvagem se sentia liberto do corpo e agindo em lugar distante, a sombra que o seguia nas caminhadas ao sol e a sua imagem reflectida na água, quando se debruçava nas bordas de um lago, o eco de sua voz, repetida pelos desfiladeiros e as cavernas.

Bozzano acrescenta, ao sonho comum, o sonho premonitório, que faz ver com antecedência um acontecimento futuro, ao fenómeno da sombra e do reflexo na água, os fenómenos de vidência, de aparição e de materialização de espíritos, ao eco, o fenómeno da voz directa.

E acrescenta, ainda, à força imaginária de mana ou orenda, a prova concreta das ectoplasmias.

Como se vê, a tese spencereana desdobra-se, amplia-se, atingindo os factos metapsíquicos, que escapavam a Spencer.
Com essa ampliação, a génese da crença na sobrevivência não deixa o terreno do concreto, dos factos sensoriais, em que Spencer a colocara.

Mas, ao mesmo tempo, o problema da indução, que implica o uso do pensamento abstracto, é substituído pela experiência imediata, mais acorde com a mentalidade primitiva.

O selvagem não precisava induzir, dos vários fenómenos citados por Spencer, uma supra-realidade, pois esta se impunha a ele através dos fenómenos espíritas ou metapsíquicos, directa e imediatamente.

Quanto ao problema das ectoplasmias, convém lembrarmos que o ectoplasma, emanação fluídica do corpo do médium, é hoje uma realidade, cientificamente comprovada.

Não somente as experiências clássicas de Richet, Crookes, Schrenck-Notzing e outros a comprovaram, como também e principalmente os estudos experimentais do Prof. W. J. Crawford, da Universidade de Belfast, Irlanda, que já referimos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 29, 2013 10:09 pm

Esses estudos foram realizados entre 1914 e 1920, com a médium Kathleen Goligher.
Verificou Crawford a existência de alavancas de ectoplasma, produzindo os fenómenos de levitação.

Mais tarde, chamou essas alavancas de “estruturas psíquicas”.
No “Tratado de Metapsíquica”, entretanto, Richet se refere a essas estruturas como “Alavancas de Crawford”.

Gustavo Geley realizou também numerosas experiências com o ectoplasma, servindo-se da médium Eva Carrière, a mesma que realizara sessões com Richet, em Argel, na casa do General Noel, produzindo as excelentes materializações de Bien Boas, um árabe.

Richet publicou, no “Tratado”, uma fotografia dessas materializações, vendo-se o fantasma de Bien Boas pairando no ar e ligado por uma “alavanca” ao corpo da médium.

Constatou Geley, com o mais rigoroso critério científico, as formas de emanação fluídica do ectoplasma, que descreveu como “uma substância esbranquiçada que sai do corpo da médium”.

Aconselhamos os interessados neste assunto a lerem o capítulo intitulado “Ectoplasma”, do livro “História do Espiritismo”, editado em português pela Livraria O Pensamento”, de S. Paulo, em 1960, em tradução de Júlio Abreu Filho.

Mas o que nos interessa, quanto ao ectoplasma, neste momento, é a sua relação com as forças mágicas de mana ou orenda.

Além da emanação fluídica esbranquiçada, a que se refere Geley, o ectoplasma apresenta-se também de forma invisível.
Assemelha-se, então, a uma força imponderável, como o magnetismo ou a electricidade.

O Prof. Imoda, italiano, nas experiências de ideoplastia, que realizou com a médium Linda Gazzera, em conjugação com Richet, expõe uma curiosa teoria das três formas do ectoplasma:
a invisível, a fluídica-visível e a concreta, no seu livro “Fotografias de Fantasmas”.

Geley, por sua vez, constatou que o ectoplasma, em forma invisível, girava em torno das pessoas, nas sessões, antes da produção de fenómenos.
O mais curioso, porém, é a comparação dos dados colhidos sobre a força mana ou orenda, na Polinésia, por Freedom Long, e as observações do Prof. Crawford, em Belfast, sobre o ectoplasma.

Verifica-se então a plena correspondência entre as duas forças.
Os selvagens polinésicos diziam, como já referimos, que o ectoplasma humano é produzido pela mente.

O Prof. Geley afirma, por sua vez, que os Espíritos, nas sessões experimentais realizadas por ele e outros cientistas, na Europa e na América, agiam sobre o cérebro dos médiuns e dos participantes da reunião, para provocar a emanação do ectoplasma.

A observação vulgar dos selvagens, traduzindo uma simples opinião, coincide, assim, com a observação científica de Geley.

Como em tantos outros casos, a ciência confirma, dessa maneira, um conhecimento vulgar, adquirido na experiência comum.
Provocada a emanação, o ectoplasma gira em torno dos assistentes, flui em redor do grupo, aumentando pouco a pouco sua intensidade e sua força, para a final se dirigir ao médium.

Liga-se ao sistema nervoso deste, formando aquilo que Geley considera “um suprimento”.
É graças a este “suprimento” que os Espíritos, chamados por Geley de “operadores”, conseguem produzir, em seguida, os vários fenómenos de levitação, movimento de objectos e materialização.

A teoria científica do “suprimento” de ectoplasina corresponde também à “superstição” polinésia de acumulação ou armazenamento de mana ou orenda, para operações mágicas posteriores.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 29, 2013 10:09 pm

Resta acentuar que o processo de selecção do médium e de realização de sessões é praticamente o mesmo, entre selvagens e civilizados.
Bozzano explica que os selvagens se utilizam de indivíduos sensitivos, depois de prová-los quanto a essa qualidade, e realizam suas sessões à noite ou ao entardecer, evitando a luz excessiva do sol.

Freedom Long chega a pormenores curiosos.
Os selvagens se dispõem ao redor de uma pequena cabana de palhas, para cantar e dançar, ao entardecer.

O médium fica no interior da cabana.
Esta corresponde, como vemos, à cabina mediúnica das experiências científicas, onde o médium se livra da incidência da luz na sala de sessões.

As experiências de Croockes, por exemplo, feitas a plena luz, com as famosas materializações de Katie King, eram disse tipo.
A médium ficava num gabinete ou cabina, onde se processa a elaboração ectoplásmica.

Só depois de materializado, o espírito sai para a sala iluminada.
Os fenómenos produzidos nas selvas são naturalmente mais grosseiros, violentos e fortes, que os produzidos nas experiências científicas.
Isso se explica pela qualidade mental dos assistentes, do próprio médium, e consequentemente dos “operadores” ou espíritos que actuam no meio selvagem.

Os fenómenos do meio civilizado são mais subtis, revestindo-se, por vezes, de inegável harmonia e beleza, como ocorria nas materializações de Katie King, com Croockes, e nas famosas sessões com o médium Douglas Home, onde havia encantadoras materializações de mãos.

As mãos grosseiras da selva, porém, e as delicadas mãos inglesas das sessões de Home, revelam a mesma coisa: a sobrevivência do homem após a morte do corpo e a possibilidade de comunicação entre encarnados e desencarnados.

As mãos produzidas por mana ou orenda indicam aos homens o mesmo caminho de espiritualização indicado pelas mãos de ectoplasma.

Das selvas à civilização, os Espíritos ensinam aos homens que a vida não se encerra no túmulo, como não principia no berço.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 29, 2013 10:09 pm

2 - HORIZONTE AGRÍCOLA: ANIMISMO E CULTO DOS ANCESTRAIS

1. RACIONALIZAÇÃO ANÍMICA
— Quando estudamos o “horizonte agrícola”, ou seja, o mundo das primeiras formas sedentárias de vida social, vemos o animismo tribal desenvolver-se no plano da racionalização.

Estamos naquele momento hegeliano, e por isso mesmo dialéctico, em que a razão se desenrola no processo histórico, entendido este como o progresso do homem na terra.

A domesticação de animais e de plantas, a invenção e o emprego de instrumentos, a criação da riqueza, processam-se de maneira simultânea com o aumento demográfico e o desenvolvimento mental do homem.

É precisamente do desenvolvimento mental que vai surgir uma consequência curiosa:
o aprofundamento da crença tribal nos espíritos, num sentido de personalização, envolvendo os aspectos e os elementos da natureza.

A experiência concreta, que deu ao homem primitivo o conhecimento da existência dos espíritos, alia-se agora ao uso mais amplo das categorias da razão.

As duas formas gerais de racionalização do Universo, que aparecem nesse momento, e que devem constituir a base de todo o processo de racionalização anímica, são a concepção da Terra-Mãe e a do Céu-Pai.

Essas formas aparecem bem nítidas no pensamento chinês, que conservou até os nossos dias os elementos característicos do “horizonte agrícola”.

O céu é o deus-pai, que fecunda a terra, deusa-mãe.
Em algumas regiões, como podemos ver no estudo da civilização egípcia, há uma inversão de posições: o céu é mãe e a terra é pai.

Essa inversão não tem outra significação que a de maior importância da terra ou do céu para a vida das tribos.
Quando as inundações do Nilo não dependem das chuvas locais, não parecem provir do céu, mas das próprias entranhas da terra.

Esta encarna, então, o poder fecundante, cabendo ao céu, tão-somente, o papel materno de proteger as plantações.
Os estudos materialistas confundem o problema da racionalização com o da experiência concreta da sobrevivência.

Tomam, pois, a Nuvem por Juno, ao concluírem que o homem primitivo atribui à terra e ao céu uma feição humana.
Cinicamente para tornar o mundo exterior acessível à compreensão racional.

Os estudos espíritas mostram que há uma distinção a fazer-se, nesse caso.
O processo de racionalização decorre da experiência concreta, e por isso mesmo não pode ser encarado de maneira exclusivamente abstracta.

Procuremos esclarecer isto.
De um lado, temos a experiência concreta, constituída pelos contactos do homem com realidades objectivas.

De outro lado, temos o processo da racionalização do mundo, ou seja, de enquadramento dos aspectos e dos elementos da natureza nas categorias da razão ou categorias da experiência.

Da mesma maneira porque o contacto do homem com o espaço físico lhe fornece uma medida para aplicar às coisas exteriores — a categoria espacial, o conceito de espaço — assim também o contacto com os fenómenos espirituais lhe fornece uma medida espiritual, que é conceito de espírito.

Este conceito é usado no processo de racionalização, como qualquer outro.
Mas é absurdo querermos negar os factos concretos que deram origem à categoria racional, ou querermos atribuir a essa categoria uma origem abstracta, diferente das outras.

Somos levados, assim, a concluir que o animismo do “horizonte agrícola” apresenta três aspectos distintos, quando encarados sob a luz do Espiritismo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 29, 2013 10:10 pm

Temos primeiramente o aprofundamento do animismo tribal na personalização da natureza, que chamaremos Fetichismo, com os fetiches básicos da Terra-Mãe e do Céu-Pai.

Depois, temos a fusão da experiência e da imaginação, com o desenvolvimento mental do homem, no progresso natural do Mediunismo.

Dessa fusão vai nascer a mitologia popular, impregnada de magia.
E em terceiro lugar encontramos a primeira forma de religião antropomórfica, consequência da experiência concreta de que fala Bozzano, com o culto dos ancestrais.

Deuses-lares, manes e deuses-locais, como os deuses dos “nomos” egípcios, por exemplo, são entidades reais e não formas de racionalização.

Nos deuses dos “nomos” egípcios, ou seja, das regiões do antigo Egipto, temos já o momento de transição dos deuses reais para o processo de racionalização.

A transição se efectua por uma maneira bastante conhecida.
É um processo de fusão, que encontramos ao longo de todo o desenvolvimento espiritual do homem.

O Fetichismo se funde com o Culto dos Ancestrais, através do Mediunismo.
Os fetiches, como a terra e o céu, misturam-se aos ancestrais, identificam-se a eles, na imaginação em desenvolvimento.

A mente rudimentar não sabe ainda fazer distinções precisas.
Assim, por exemplo, Osíris, que foi um antepassado e como tal recebeu um culto familiar, transforma-se numa personificação da terra, com o seu poder de fecundação, ou no próprio Nilo, cujas águas sustentam a vida.

A projecção anímica se realiza, nesse caso, através de uma experiência concreta.
A mitologia nasce da história, pois a existência histórica de Osíris é convertida em mito, pela necessidade de racionalização do mundo.

Nada melhor que os estudos de “sir” James Frazer sobre o mito de Osíris, para nos mostrar isso.

Kardec esclarece este problema, ao comentar a pergunta 521 de “O Livro dos Espíritos”, afirmando:
“Os antigos haviam feito desses Espíritos divindades especiais.

As Musas não eram mais do que personificação alegórica dos Espíritos protectores das ciências e das artes, como chamavam pelos nomes de lares e penates os Espíritos protectores da família.

Entre os modernos, as artes, as diferentes indústrias, as cidades, os países, têm também os seus patronos, que não são mais do que os Espíritos Superiores, mas com outros nomes.”

Ao fazerem dos Espíritos “divindades especiais”, como assinala Kardec, os antigos procediam à racionalização do mundo, o que não quer dizer que os Espíritos fossem apenas “formas racionais”.

Essas formas, pelo contrário, decorriam de factos concretos, de realidades naturais.
Como vemos, ao tratar do animismo primitivo e seu desenvolvimento no “horizonte agrícola”, não podemos negar a existência real dos espíritos, a pretexto de explicar o mecanismo do processo de racionalização.

Este mecanismo torna-se mesmo inexplicável, quando lhe suprimimos a base concreta dos factos, como dizia Bozzano, na qual se encontram os espíritos comunicantes.

Vê-se claramente a distorção da realidade, a guinada do pensamento para os rumos do absurdo, quando os cientistas materialistas tentam explicar o processo de racionalização, ignorando as experiências mediúnicas do homem primitivo.

O Espiritismo restabelece a verdade, ao mostrar a importância do mediunismo no desenvolvimento humano.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 29, 2013 10:10 pm

2. O EXEMPLO EGÍPCIO — A China e a Índia são os dois países que conservaram até os nossos dias a estratificação religiosa do horizonte agrícola.

Mas não são os únicos.
Aquilo que chamamos de horizonte agrícola, o mundo das grandes civilizações agrárias, constitui uma espécie de subconsciente colectivo das civilizações modernas.

Os resíduos mágicos, anímicos e mitológicos do horizonte tribal e do horizonte agrícola apresentam-se ainda bastante fortes no mundo contemporâneo.

Nossas religiões mostram-se poderosamente impregnadas desses resíduos.
Mas o antigo Egipto oferece-nos, talvez, o quadro que melhor demonstra a passagem dos deuses-familiares para a categoria dos deuses-cósmicos ou universais.

O exemplo egípcio é fecundo em vários sentidos.
Não só demonstra essa transformação dos deuses, como também nos fornece as raízes históricas de vários dogmas, sacramentos e instituições das religiões dominantes em nosso mundo.

Já estudamos, embora rapidamente, o caso de Osíris, cuja existência real é transformada em mito.
Esse caso nos coloca numa posição semelhante a de Evêmero, para quem os deuses mitológicos haviam sido personagens reais.

Mas é essa, exactamente, a posição espírita, como já vimos em Kardec.
A mitologia, encarada actualmente como uma forma de racionalização, é para o Espiritismo um pouco mais do que isso.

Porque é também uma prova da participação dos Espíritos na História, ao mesmo tempo que uma poderosa fonte de esclarecimento dos problemas religiosos.

Vemos no Egipto duas categorias de deuses, bem definidas: a dos deuses-cósmicos e a dos deuses-familiares.

Na primeira, encontramos a tríade familiar constituída por Osíris, Ísis e Hórus, com toda a sua corte de divindades consanguíneas e de outras divindades.

Na segunda, encontramos casos curiosos, como os referentes aos deuses Imhotep, Amenhotep e Bês, o anão.
Estes deuses-familiares oferecem-nos o exemplo de divinização cósmica e universal que justifica a tese evemerista.

Imhotep, médico do rei Dsejer, da terceira dinastia, e Amenhotep, arquitecto e médico de Amenofis 3º, da décima oitava dinastia, passam lentamente da categoria de deuses-familiares para a de deuses-universais, adorados como entidades-terapeutas, para chegarem depois ao limiar da categoria superior de deuses-cósmicos, encarnando a própria medicina ou os poderes curadores da natureza.

Quando vemos todo esse processo de transformação realizar-se aos nossos olhos, através dos estudos históricos, compreendemos a maneira por que a família cósmica de Osíris, Ísis e Hórus, o deus-pai, a deusa-mãe e o deus-filho, foram elevados da terra ao céu.

Assim como Imhotep e Amenhotep, anteriormente adorados na família real, como deuses-familiares, depois se tornam deuses-populares, e por fim se transformam em divindades mitológicas ou deuses-cósmicos, assim também aconteceu, forçosamente, com a família osiriana.

E isso quer dizer, pura e simplesmente, o seguinte:
que aquilo que hoje chamamos, no Espiritismo, de espíritos-familiares, ou seja, a manifestação mediúnica dos parentes e amigos mortos, que velam pelos nossos lares, é a fonte da mitologia, a base do processo de racionalização e a própria origem das religiões.

O caso do anão Bês é também bastante elucidativo.
Esse anão tornou-se um espírito-popular, isto é, passou do culto familiar para o culto do povo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 29, 2013 10:10 pm

Costumava aparecer cercado de macacos.
Devia ter sido um anão que tratava de macacos sagrados.
Depois de morto, seu espírito aparecia aos videntes, ou nos momentos de aparição mediúnica, da mesma maneira por que ele vivera.

E como possuía virtudes que interessavam ao povo, além de apresentar-se de maneira curiosa, em breve rompeu os limites do culto familiar.

Os macacos que o cercavam eram remanescentes da zoolatria, aliás muito abundante no Egipto, onde a zoolatria imperou até o fim da civilização.

O anão Bês é um caso típico de universalização de um deus-familiar.
O facto de não ter esse processo atingido a categoria do deus-cósmico nada tem de extraordinário.

Os processos naturais nem sempre se completam.
Os egípcios mantiveram-se apegados à zoolatria, como os indianos se mantêm até hoje.
O escaravelho dos amuletos, a adoração do Boi Apis em Mênfis, de Ibis na bacia do Nilo, dos Crocodilos em Tebas e do Bode de Mendes no Delta, são exemplos da arraigada zoolatria egípcia.

Mas há casos de ambivalência, como o do Crocodilo, que era adorado em Tebas e na região do Lago Noeris, mas caçado em Elefantina.

A zoolatria passa por uma fase de humanização, que culmina na fusão de elementos animais com as figuras humanas.

O caso da deusa Hator é típico.
Essa deusa, que equivale à Ceres dos romanos e à Demeter dos gregos, ora é apresentada com orelhas de vaca, ora com chifres, ora com o bucrânio, ou ainda com este e o sistro.

A lei de adoração de que fala Kardec, evolui dos animais para as formas humanas, mas de maneira lenta. Os resíduos animais se conservam ainda nas figuras dos deuses antropológicos, como nas próprias imagens de Hórus, com cabeça de falcão.

A humanização dos deuses animais, que é fatal, pois a zoolatria não é mais que uma projecção anímica, vai implicar também a organização familiar do panteão divino.

Os deuses são reunidos em famílias, e a forma mais simples destas famílias é a tríade, constituída pelo pai, a mãe e o filho, como vimos no caso de Osíris.

Essa tríade familiar, derivada do sistema patriarcal do horizonte agrícola, é uma das formas mais antigas da trindade divina.

O conceito de espírito, entretanto, fará sentir a sua influência nesse processo de socialização dos deuses.

Assim como, de um lado, os elementos animais serão fundidos nas figuras humanas das divindades, de outro, o conceito de espírito, ou seja, a ideia de espírito como forma sobre-humana de existência, fará a sua intervenção, em sentido contrário, na organização das famílias humanas.

Digamos isto de maneira mais clara, se possível.
No processo de desenvolvimento da lei de adoração, os resíduos animais são projectados nas figuras humanas dos deuses, como no caso das orelhas e dos chifres da deusa Hator.

Mas, ao mesmo tempo, o conhecimento que o homem obteve, através da experiência mediúnica, da existência de seres espirituais, semelhantes aos seres humanos, permitirá o agrupamento dos deuses em famílias e fará que as famílias humanas sofram a intervenção divina.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 29, 2013 10:10 pm

É o caso dos deuses gregos, que se enamoravam das “filhas dos homens”.
O caso de Pitágoras, que não era filho de seu pai humano, mas do deus Apolo.
O caso da teogamia egípcia, de que derivam as doutrinas teogâmicas das religiões cristãs.

A teogamia egípcia atingiu sua forma perfeita, ou pelo menos a mais definida, com a rainha Hatsepshut, cerca de 1.500 a. C., conservando o seu vigor até os Ptolomeus, no 4º século a. C.

Segundo essa doutrina, os Faraós eram portadores de dupla natureza, a humana e a divina, porque eram filhos da rainha com o deus-solar.
Não eram, portanto, filhos de um homem, e nem mesmo de um homem-deus, mas do próprio Deus, que através de processos divinos fecundava a rainha.

O conhecimento desses processos históricos é indispensável ao espírita, para imunizá-lo contra as deturpações místicas ou supersticiosas da doutrina, tão comuns num mundo que, apesar de se orgulhar do seu progresso científico, ainda não se libertou de sua pesada herança mitológica.
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3. OS MITOS AGRÁRIOS — A vida agrária, como já acentuamos, marcou profundamente o espírito humano, em seu desenvolvimento nos rumos da civilização.

Os mitos do horizonte agrícola exercem ainda poderosa influência em nosso mundo. Isso contribui para o descrédito das religiões, em face dos estudiosos de história, e mais ainda, dos que tratam de mitologia.

Osíris, por exemplo, como típico deus agrário, parece constituir uma prova das origens míticas do dogma da ressurreição.
Quando os cristãos proclamam a ressurreição de Cristo, os estudiosos sorriem com desdém, lembrando a ressurreição de Osíris.

Vejamos porquê.
Osíris, filho da Terra e do Céu, cresce, viceja, resplende, e então é ceifado, retalhado ou moído, e por fim enterrado.

Mas da terra, como as sementes, Osíris renasce, para começar novo ciclo, semelhante ao anterior.
Morto e espostejado por Set, seu irmão, é ressuscitado por sua esposa e irmã, a deusa Ísis, através de ritos especiais.

Está bem visível a analogia agrária.
Osíris é como o trigo, que depois da ceifa sofre a debulha, volta a ser enterrado na semeadura, e por fim renasce.

Às vezes, associado ao Nilo, é um deus fluvial.
Cresce com a inundação, declina e morre na vazante, mas depois ressuscita e faz nascerem as plantas, com o poder mágico das águas.

Osíris, deus-fluvial, está naturalmente ligado ao cultivo da terra.
No seu aspecto fluvial, porém, apresenta-nos um elemento novo, que é a magia da água.

Vemos nele a “água pura”, que serve para purificar a terra seca, estéril, poeirenta, e com ela os homens e os animais, a “água da renovação”, usada largamente nas abluções sagradas e utilizada nas formas baptismais, como no caso clássico de João Batista, e, por fim, a “água fecundante”, que representa a virilidade do deus-fluvial, fecundando a terra.

Por isso, na sua mais alta expressão mitológica, o Nilo flui das mãos de Osíris, para se derramar como uma bênção sobre a terra árida.
“Deus-agrário, — diz John Murphy — deus da inundação e de uma vida nova, a todos levava a esperança da ressurreição.”

Essa esperança mantinha o prestígio do deus.
Assim como ele morrera para ressuscitar, através dos ritos agrários de Lis, assim também os homens, uma vez submetidos a ritos semelhantes, ressuscitavam.

Essa crença ingénua faz lembrar o dogma cristão, nas palavras do apóstolo Paulo:
“Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou.” (1. Cor. 15:12.)

O sentido osírico da ressurreição cristã torna-se mais evidente, quando os ritos agrários são exigidos para que a alma se salve, ou seja, para que realmente possa ressuscitar.

Por outro lado, há um paralelismo histórico bastante comprometedor.
Osíris, graças à ressurreição, mostrou-se capaz de superar os outros deuses egípcios, da mesma maneira por que, mais tarde, graças à ressurreição, o Cristianismo superaria as demais religiões orientais que invadiram o Império Romano.

O dogmatismo religioso não consegue furtar-se ao impacto dessas comparações.
A fé ingénua, imposta pela autoridade e a tradição, derrete-se como cera frágil, ao fogo da razão.

Somente a fé racional, ou a “fé raciocinada”, como queria Kardec, pode enfrentar serenamente essa análise histórica, sem perder-se na negação ou extraviar-se na dúvida.
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O ESPÍRITO E O TEMPO / J. HERCULANO PIRES Empty Re: O ESPÍRITO E O TEMPO / J. HERCULANO PIRES

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 29, 2013 10:11 pm

De outro lado, a razão céptica, por mais cultivada que seja, não consegue penetrar a essência do mito agrário.

Assim como a fé necessita da luz da razão, esta luz, por sua vez, necessita do pavio da fé.
O Espiritismo demonstra que o mito agrário é essencialmente analógico, nasce do poder comparativo da razão.

Esse poder assimilou, desde a era tribal, a ressurreição humana, demonstrada pelos factos mediúnicos, à ressurreição vegetal.

Sem a prova material da existência do espírito, da sobrevivência do homem, o mito agrário se reduz ao seu aspecto analógico, não deixando perceber os motivos profundos da analogia.

Daí a descrença e o sorriso irónico dos “sábios”, que na verdade deviam esperar para sorrir mais tarde, uma vez que os que riem por último riem melhor.

Agrário, também, é o mito da Virgem-Mãe, que adquire amplitude social e política na doutrina da teogamia egípcia, como já vimos.

A terra, deusa-mãe, é virgem antes e depois do parto, pois não sai maculada da fecundação e está sempre em estado de pureza.

Fecundada pelo deus celeste, floresce nas messes, embalando no seu colo materno o Messias, ou seja, o deus-solar, que traz a luz, a vida e a fartura das colheitas, após o inverno.

O mito agrário da Virgem-Mãe tem ainda o seu aspecto astronómico, à semelhança de todos os deuses-agrários, uma vez que a terra e o céu se conjugam no mistério da fecundação.

A constelação da Virgem é a primeira a aparecer no céu, após o solstício do inverno.

Dela nasce o Sol, o Messias.
E a constelação continua virgem, após o nascimento.

A palavra “messe”, como se vê, tem um grande poder mítico:
dela derivam o nome do Messias e do culto que lhe atribuem, mais tarde representado na liturgia da Missa.

Assim também o mistério do pão e do vinho.
O pão representava nos mistérios gregos a deusa Demeter, ou a Ceres para os romanos, mãe dos cereais.

O vinho representava Baco ou Dionísio, deuses da alegria, da vida, e portanto do espírito.
Comer o pão e beber o vinho era simbolizar a fecundação da matéria pelo poder do espírito.

A matéria impregnada pelo poder do espírito era representada, nas cerimónias religiosas pagãs, pelo pão embebido de vinho.

Quando os hebreus chegaram a Canaã encontraram essa prática entre os cananitas.
Todo o horizonte agrícola se mostra dominado por essa simbologia mágica do pão e do vinho, de que o próprio Cristo se serviu, não para sujeitar os homens ao símbolo, mas para ilustrá-los através dele.

Bastam esses exemplos, para vermos a intensidade da impregnação mítica do pensamento religioso contemporâneo.

O Espiritismo luta contra essa impregnação, libertando o homem do peso esmagador do horizonte agrícola, para conduzi-lo ao horizonte espiritual, que Jesus anunciou à mulher samaritana.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 30, 2013 9:32 pm

4. JEOVÁ, DEUS AGRÁRIO — Quando estudamos religião comparada, ou história das religiões, o exame do “horizonte agrícola” nos revela a natureza agrária do deus bíblico Iavé ou Jeová.

As diferenças fundamentais existentes entre o Deus bíblico dos hebreus e o Deus evangélico dos cristãos decorre da diferença de “horizontes”.

Jeová é um deus mitológico, em fase de transição para o “horizonte espiritual”.

Nasceu, como todos os deuses agrários, por um processo sincrético.
Nele se fundem a experiência concreta da sobrevivência humana, obtida através dos factos mediúnicos, e a exigência de racionalização do mundo, manifestada nas elaborações mitológicas.

Ao mesmo tempo, concepções várias, e até mesmo contraditórias, originadas ao longo da vida tribal e da vida agrícola, também se misturam nessa figura bíblica.

Daí as suas contradições, que dão margem a tantas críticas, oriundas da incompreensão do fenómeno e da ignorância do processo histórico.

Encontramos em Jeová, num verdadeiro conflito, as características de deus-tribal e deus-universal, de deus-familiar e deus-popular, de deus-lar e deus mitológico.

Como deus-tribal, Jeová é o guia e o protector das tribos de Israel, e como deus-universal, pretende estender suas leis a todos os povos.

Como deus-familiar, é o clássico “Deus de Abraão, Isaac e Jacó”, protector de uma linhagem de pastores, e como deus-popular, é o protector de todos os descendentes de Abraão.

Como deus-lar, é o Espírito que falava a Terá e a Abraão em Ur, à revelia dos deuses-nacionais dos caldeus, e como deus-mitológico, é aquele que declara na Bíblia “Eu sou o que sou”, tendo a terra por escabelo de seus pés e o céu por morada infinita de sua grandeza sobre-humana.

O mesmo sincretismo que já estudamos no caso dos deuses egípcios aparece no deus hebraico.
Se a deusa Hator, por exemplo, tinha orelhas de vaca, Jeová ordena matanças, misturando em sua natureza características humanas e divinas.

Protege especialmente um povo, uma raça, com ferocidade tribal, e se não exige mais os antigos sacrifícios humanos, entretanto exige os sacrifícios animais e vegetais.

Suas monumentais narinas, embora invisíveis, dilatam-se gulosas, como as de Moloc, aspirando o fumo dos sacrifícios.

No Templo de Jerusalém, à maneira do que acontecia com os templos gregos, havia locais especiais para os sacrifícios sangrentos e os incruentos.

Assim como Pitágoras, vegetariano, podia oferecer ao deus Apolo, na ara especial do templo, sacrifícios vegetais, assim também os hebreus podiam escolher a espécie de homenagens que deviam prestar a Jeová.

A história dos sacrifícios ainda está por ser escrita, embora muito já se tenha escrito a respeito.
No dia em que a tivermos, na extensão e na profundidade necessárias, veremos uma nova confirmação histórica do desenvolvimento da lei de adoração.

Dos sacrifícios humanos passamos aos de animais, destes aos vegetais, e destes aos cilícios, às penitências e aos simples ritos devocionais.

Correrá muita água por baixo das pontes, antes que Paulo, apóstolo, possa proclamar, apoiado no ensino espiritual de Jesus, que existe um culto racional, consistente em oferecermos a Deus nosso próprio corpo, como “Hóstia imaculada”.

No entanto, Jeová já proclamara:
“Misericórdia quero, e não sacrifício”, demonstrando a sua evolução irrevogável para o “horizonte espiritual”, que raiaria mais tarde.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 30, 2013 9:32 pm

Muitos estudiosos estranham a afirmação espírita de que o Deus bíblico é o mesmo Deus de Jesus.
Fazendo uma distinção, que nos parece natural e necessária, entre a Bíblia, como Velho Testamento, e os Evangelhos, como Novo Testamento, diremos que o Deus bíblico é o mesmo Deus evangélico.

As diferenças entre ambos se explicam através da lei de evolução.
Se os homens do horizonte agrícola não podiam conceber o Deus único senão por uma forma sincrética, uma mistura de Deus e de Homem, os do horizonte espiritual irão concebê-lo de maneira mais pura.

Não se trata, porém, de dois Deuses, e sim de um mesmo Deus, visto de duas maneiras.

Por trás de todas as formas de Deus, encontra-se uma realidade única, que é o próprio Deus.
Isso o que permitia a Jesus dizer-se filho de Jeová e ao mesmo tempo apontar o seu Pai como pai universal, em espírito e verdade.

Da mesma maneira, os princípios fundamentais da Bíblia não são negados, mas confirmados pelos Evangelhos.

A Lei não é destruída, mas confirmada.

Mais de uma vez nos servirá de esclarecimento a afirmação de Paulo:
“A lei era o pedagogo, para nos conduzir a Cristo.”

A Tora judaica não valia pelas suas normas exteriores e transitórias, circunstanciais, mas pela sua substância.

Essa substância é que prevalece, sendo confirmada por Jesus, nos dois mandamentos principais:
“Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.”

O processo histórico não é contraditório, mas progressivo.

Quando não sabemos enxergar as linhas da evolução, em seu desenvolvimento natural, enxergamos apenas as aparentes contradições das coisas.

Assim como a ideia de Deus evolui com os homens, desde a litolatria até as formas mitológicas, e destas à concepção espiritual que hoje aceitamos, assim também os princípios e os postulados bíblicos vão atingir sua verdadeira expressão nos Evangelhos, e por fim sua espiritualização no Espiritismo.

Há um encadeamento perfeito no processo histórico, que não podemos perder de vista.
Graças a esse encadeamento os Espíritos puderam dizer a Kardec que o Espiritismo é o restabelecimento do Cristianismo, o que vale dizer: a última fase do desenvolvimento histórico do Cristianismo.

Quando sabemos que este originou-se no solo do Judaísmo, representando um desenvolvimento natural da religião judaica, então compreendemos que o Espiritismo, como queria Kardec e como sustentava Leon Denis, é o ponto mais alto que podemos atingir, até hoje, em nossa evolução religiosa. Jeová, o deus-agrário, transforma-se no Pai evangélico, para chegar à “Inteligência Suprema”, no Espiritismo.

Jeová se depura, e com ele se depuram os ritos do seu culto, que por fim se transformam na “adoração em espírito e verdade”, de que falava Jesus.

O “horizonte agrícola” permanece subjacente em nossa mentalidade moderna.
Ainda não conseguimos libertar-nos de suas fórmulas agrárias, de seus deuses e seus cultos, carregados de sacrifícios animais e vegetais.

O “horizonte civilizado” desenvolve-se sob os signos agrícolas.
Mas virá, por fim, o momento de transição para o “horizonte espiritual”, que assinalará uma fase de transcendência na vida humana.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 30, 2013 9:32 pm

3 - HORIZONTE CIVILIZADO: MEDIUNISMO ORACULAR

1. OS ESTADOS TEOLÓGICOS
— Os grandes impérios da antiguidade, as chamadas civilizações orientais, passaram lentamente do horizonte agrícola para o horizonte civilizado.

O mesmo aconteceu com os impérios ocidentais, que constituiriam mais tarde a civilização clássica greco-romana.
Os gregos, e posteriormente os romanos, tiveram bem marcado o seu horizonte agrícola.

Roma nunca se livrou das marcas profundas da sua origem camponesa.

Mas antes que a Grécia e Roma superassem a fase agrária, já as civilizações orientais haviam desenvolvido todo um ciclo evolutivo, atingindo o horizonte civilizado, com as gigantescas estruturas de seus Estados Teológicos.

Realmente, os grandes impérios do Egipto, da Assíria, da Babilónia, da China, os reinos da Índia, o pequeno reino de Israel, o fabuloso império da Pérsia, constituem verdadeiros Estados Teológicos, em que o humano e o divino se fundem e se confundem, numa estrutura única.

A Pérsia vai assinalar o apogeu das civilizações orientais, que encontrarão na sua grandeza e no seu esplendor, ao mesmo tempo, a síntese e o arremate disse espantoso ciclo evolutivo.

O império persa será o último elo da grande cadeia, e com ele começará uma fase nova, cujo desenvolvimento, entretanto, caberá aos gregos e aos romanos: a fase de libertação do Estado do domínio teológico.

Essa libertação não se processará com rapidez, mas de maneira lenta.
Assim, a própria civilização grega, e sua herdeira directa, a romana, apresentarão ainda, no horizonte civilizado, acentuado aspecto teológico.

Mas com os persas já se inicia a separação dos dois poderes, o político e o religioso.
Curioso notar-se que essa separação, iniciada pelos persas no terreno da educação, vai projectar-se na Grécia em duas formas diferentes de estrutura estatal:

Esparta será o Estado Político por excelência, com a religião submetida aos interesses temporais, e Atenas o Estado Teológico, dominado pelos deuses, mas já impulsionado, graças ao desenvolvimento económico e cultural, nos rumos da emancipação política.

Esparta recebe, por assim dizer, a herança persa como um impacto, que a modela de maneira rígida. Atenas, pelo contrário, absorve lentamente a contribuição persa e a reelabora através da crítica.

A separação dos dois poderes, o civil e o religioso, se acentuará em Atenas com o desenvolvimento da democracia.

Esparta oporá ao domínio teológico a supremacia estatal. Atenas, pelo contrário, oporá a reflexão crítica e o individualismo, ou seja, os direitos do homem, como indivíduo.

Os Estados Teológicos das civilizações orientais nos oferecem, portanto, o primeiro panorama desse novo ciclo da evolução humana, que chamamos horizonte civilizado.

Analisando esses Estados, verificaremos que sua estrutura é herdada do horizonte tribal.
O monarca egípcio, babilónico, hindu ou chinês, é um cacique tribal, cujas dimensões foram aumentadas quase ao infinito.

Suas prerrogativas são as mesmas da vida tribal: domínio absoluto sobre o povo, que o deve respeitar e adorar, como a um deus.

A evolução económica e técnica do horizonte agrícola, que determinaram acentuado desenvolvimento do animismo, darão estrutura racional, mais subtil e complexa, a essas prerrogativas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 30, 2013 9:33 pm

Mas as civilizações orientais, dominadas pelo absolutismo tribal, serão estruturas teológicas asfixiantes, em que não haverá lugar para o indivíduo.

O homem civilizado, à maneira do homem-tribal, será apenas uma peça da gigantesca engrenagem do Estado Teológico, que lhe determinará, de maneira irrevogável, as formas
de pensar e de sentir.

O estatismo espartano será uma espécie de reacção política a esse absolutismo teológico, mas servindo-se do mesmo processo de absorção.

Somente a democracia ateniense abrirá possibilidades a um individualismo, tão novo e tão fascinante, que acabará por embriagá-la, fazendo-a perder-se nos excessos do liberalismo.

Nos Estados Teológicos, a estrutura política assemelha-se à estrutura metafísica ou divina.

A Religião e o Estado se modelam reciprocamente, uma sobre o outro, e vice-versa.
A classe sacerdotal, racionalmente organizada, elabora os mitos no plano intelectual, criando a teologia, estruturando o ritualismo, estabelecendo a genealogia dos deuses e as formas de relações entre estes e os homens.

A teogamia egípcia, de que já tratamos, é um dos mais perfeitos exemplos dessas formas de relações: a genealogia divina se prolonga na genealogia humana dos faraós, graças à fecundação da rainha por um deus.

Amalgamados assim os dois poderes, o temporal e o divino, na própria carne dos monarcas, os Estados Teológicos tornam-se monolíticos.

Ainda na Grécia vemos isso:
a figura humana de Zeus, na sua corte olímpica, reflectindo no espaço a estrutura política da nação.

Murphy acentua esse aspecto do horizonte civilizado, da seguinte maneira:
“No horizonte que chamamos civilizado, a religião reflecte o sistema político e social:
é em geral politeísta, com um grupo de deuses semelhante ao Senado de uma República ou, mais frequentemente, à corte de um monarca supremo e mais ou menos autocrata.

Os deuses são principalmente as forças da natureza, como anteriormente, sob o horizonte agrícola, mas, agora, mais profundamente personalizadas e dotadas de uma realidade dramática, que resulta do progresso da reflexão mental, entre as classes que dispuseram de lazer nessas antigas nações civilizadas.”

Os Espíritos presentes nesse horizonte — devemos acentuar, por nossa vez — são ainda os da tribo e os do horizonte agrícola, mas enriquecidos pela experiência e pelo desenvolvimento do pensamento abstracto.

Um novo Espírito, entretanto, marcará esse horizonte.
Murphy considera o seu aparecimento, e com razão, como “acontecimento de imensa importância”.
Trata-se do “Espírito Civilizado”, como o chama Murphy, ou o que poderíamos chamar Espírito de Civilização.

Esse Espírito se caracteriza por três funções especiais:
a capacidade de formulação de conceitos abstractos, de formulação de juízos éticos e morais, e de formulação de princípios jurídicos.

Dessas funções surgirá o indivíduo, como a mais bela afirmação do horizonte civilizado.
Como vemos, o homem se liberta de si mesmo, da sua condição humana, construída penosamente através das estruturas sociais do horizonte tribal e do horizonte agrícola, procurando uma forma mais precisa de definição de sua natureza.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 30, 2013 9:33 pm

Na organização tribal, ele se libertou da condição animal e do jugo absoluto das forças da natureza, para elaborar a sua condição própria.
Na organização agrícola, ele aprendeu a dominar a natureza e submetê-la ao seu serviço, mas caiu prisioneiro da estrutura social.

No horizonte civilizado, ele começa a romper os liames da organização social, para descobrir-se a si mesmo, o que só fará quando se tornar um indivíduo.

A evolução do Espírito está bem clara nesse imenso processo de desenvolvimento histórico da humanidade.

O homem se eleva progressivamente da selva à civilização, através de períodos históricos que podem ser definidos como “horizontes”, ou seja, como universos próprios, nos quais os diferentes poderes da espécie vão sendo treinados em conjunto, até que o desenvolvimento da razão favoreça o processo de individualização.

Primeiramente, o homem se destaca da natureza através do conjunto tribal, depois, reafirma a sua independência através dos conjuntos mais amplos das civilizações agrárias, e, depois, ainda, constrói os conjuntos mais complexos das grandes civilizações orientais.

Nestes conjuntos, porém, o homem descobre a possibilidade de destacar-se individualmente da estrutura social.

O espírito humano se afirma como individualidade, como entidade autónoma, capaz de superar não somente a natureza, mas a própria humanidade.
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