LUZ ESPÍRITA
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Série André Luiz - SEXO E DESTINO

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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 28, 2012 10:31 pm

Série André Luiz - SEXO E DESTINO Sexoedestino
SEXO E DESTINO
FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER E WALDO VIEIRA

DITADO PELO ESPÍRITO ANDRÉ LUIZ
(14)

ÍNDICE

Prece no Limiar
Sexo e Destino


PRIMEIRA PARTE
Médium: WALDO VIEIRA

CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7

CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14

SEGUNDA PARTE
Médium: FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER

CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7

CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14


Última edição por O_Canto_da_Ave em Sáb Jun 02, 2012 8:58 pm, editado 2 vez(es)
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 28, 2012 10:32 pm

Prece no Limiar

Pai de Infinita Bondade!
Este é um livro em que permitiste ao nosso André Luís traçar, em lances palpitantes da existência, alguns conceitos da Espiritualidade Superior, em torno de sexo e destino — fotografia verbal de nossas realidades amargas que entremeaste de esperanças eternas.

Entregando-o aos companheiros reencarnados no mundo, queremos recordar Jesus — o Enviado de Tua Ilimitada Misericórdia — naquele dia de sol em Jerusalém...

Na praça repleta de acusadores, escribas e fariseus apresentaram-lhe sofredora mulher que diziam haver apanhado em transgressão, ao mesmo tempo que o inquiriam, experimentando-lhe a conduta:
— Mestre, esta mulher foi encontrada em adultério...
A lei manda apedrejar.
Tu, porém, que dizes?

O Mestre contemplou demoradamente os zeladores de Moisés, e, porque nada mais adiantaria explicar-lhes ao cérebro embotado de preconceitos, disse-lhes, alongando a palavra a todos os moralistas dos séculos porvindouros:
— Quem estiver sem pecado, atire a primeira pedra!...

Jerusalém, agora, é o mundo!

Na praça extensa das convenções humanas, empenha-se o materialismo na dissolução dos valores morais, com escárnio manifesto à dignidade humana, enquanto religiões veneráveis digladiam com a Natureza, tentando, em vão, bloquear a vida, qual se quisessem ilaquear a si próprias.

Ao tremendo conflito dessas forças gigantescas que lutam pelo domínio moral da Terra, enviaste, a Doutrina Espírita, em nome do Evangelho do Cristo, para asserenar os corações e comunicar-lhes que o amor é a essência do Universo;
que as criaturas te nasceram do Hálito divino para se amarem umas às outras;
que o sexo é legado sublime e que o lar é refúgio santificante, esclarecendo, porém, que o amor e O sexo plasmam responsabilidades naturais na consciência de cada um e que ninguém lesa alguém nos tesouros afectivos, sem dolorosas reparações.

Este volume pretende afirmar, ainda, que, se não podes subtrair os culpados às consequências do erro em que se tornaram incursos, não permites que os vencidos sejam desamparados, desde que te aceitem a luz rectificadora para o caminho. Mostra que, em tua bênção, os delinquentes de ontem, hoje redimidos, se transfiguram em teus mensageiros de redenção para aqueles mesmos que lhes caíram, outrora, nas ciladas sombrias.

Abençoa, pois, o presente relato estuante de verdade e esperança, e, ao confiá-lo aos nossos irmãos do mundo, deixa possamos lembrar-lhes que a existência física, seja na infância ou na mocidade, na madureza ou na velhice, é sempre dom inefável que nos cabe honorificar e que, mesmo detendo um corpo carnal rastejante ou disforme, mutilado ou enfermiço, devemos repetir diante da tua Sabedoria Incomensurável:
— Obrigado, meu Deus!

EMMANUEL

Uberaba, 4 de julho de 1963.

(Página recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier.)
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 28, 2012 10:32 pm

Sexo e Destino

Sexo e destino, amor e consciência, liberdade e compromisso, culpa e resgate, lar e reencarnação constituem os temas deste livro, nascido na forja da realidade quotidiana.

Entretanto, leitor amigo, após a oração do benfeitor, que se pronunciou no limiar, nada mais nos compete que não seja entregar-te a narrativa que a Divina Providência nos permitiu alinhavar, não pelo exclusivo propósito de desnudar a verdade, mas sim no objectivo de aprender com a biblioteca da experiência.

Cremos seja desnecessário esclarecer que os nomes dos protagonistas desta história real foram substituídos por óbvias razões e que a presente biografia de grupo não pertence a outras criaturas senão a eles mesmos que no-la permitiram redigir, para a nossa edificação, depois de naturalmente consultados.

Solicitamos, ainda, permissão para dizer-te que não foi retirado um só til das verdades que a entretecem — verdades da verdade, que, fremindo de capítulo a capitulo, carreia consigo, em passagens numerosas, a luz de nossas esperanças e o amargo sabor de nossas lágrimas.

ANDRÉ LUIZ

Uberaba, 4 de julho de 1963.

(Página recebida pelo médium Waldo Vieira.)
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 28, 2012 10:32 pm

PRIMEIRA PARTE
Médium: WALDO VIEIRA

Capítulo 1

Qual acontece entre os homens, no Mundo Espiritual que os rodeia, sofrimento e expectação esmerilam a alma, disciplinando, aperfeiçoando, reconstruindo...

Enquanto envergamos a veste física, habitualmente imaginamos o paraíso das religiões encravado para lá da morte.

Sonhamos o apaziguamento integral dos sentidos, o acesso à alegria inefável que anestesie toda lembrança convertida em chaga mental.

No entanto, atravessada a fronteira de cinza, eis-nos erguidos à responsabilidade inevitável, ante o reencontro da própria consciência.

Uma vida humana, a continuar-se naturalmente no Além, assume, assim, a forma de partida, em dois tempos distintos.

Diferem campos e vestimentas; entretanto, a luta da personalidade, de um renascimento a outro na Terra, afigura-se laborioso prélio em duas fases.

Anverso e reverso da experiência.
O berço inicia, O túmulo desdobra.

Com raríssimas excepções na regra, somente a reencarnação consegue transfigurar-nos de modo fundamental.

Deixamos no esquife o casulo mirrado e transportamos connosco, na mesma ficha de identificação pessoal, para outras esferas, os ingredientes espirituais que cultivamos e atraímos.

Inteligências em evolução na eternidade do espaço e do tempo, os Espíritos domiciliados na Moradia Terrestre, em abandonando o invólucro de matéria mais densa, assemelham-se, figuradamente, aos insectos.

Larvas existem que se retiram do ovo e revelam-se na condição de parasitas, enquanto que outras se transformam, de imediato, em falenas de prodigiosa beleza, ganhando altura.

Encontramos criaturas que se afastam do estojo carnal, entrando em largos processos obsessivos, nos quais se movimentam à custa de forças alheias, ao lado de outras que, de pronto, se elevam, aprimoradas e belas, a planos superiores da evolução.

E entre as que se agarram profundamente às sensações da natureza física e as que conquistam a sublime ascensão para estágios edificantes, no Grande Além, surge a gama infinita das posições em que se graduam.

Emergindo na Espiritualidade, após a desencarnação, sofremos, a princípio, o desencanto de todos os que esperavam pelo céu teológico, fácil de granjear.
A verdade aparece por alavanca renovadora.

Padecendo ainda espessa amnésia, relativamente ao passado remoto, que descansa nos porões da memória, somos então defrontados por velhos preconceitos que se nos entrechocam no íntimo, tombando despedaçados.

Suspiramos pela inércia que não existe.

Exigimos resposta afirmativa aos absurdos da fé convencionalista e dogmática que reclama a integração com Deus para si só, excluindo, pretensiosamente, da Paternidade Divina, os que não lhe comunguem a visão acanhada.

De semelhantes conflitos, por vezes terríveis e extenuantes, nos recessos da mente, muitos de nós saímos abatidos ou revoltados para extensas incursões no vampirismo ou no desespero;
a maior parte dos desencarnados, porém, a pouco e pouco se acomoda às circunstâncias, aceitando a continuidade do trabalho na reeducação própria, com os resultados da existência aparentemente encerrada no mundo, à espera da reencarnação que possibilite renovação e recomeço...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 28, 2012 10:33 pm

Essas ponderações afogueavam-me o pensamento, reparando a tristeza e o cansaço do meu amigo Pedro Neves, devotado servidor do Ministério do Auxílio. (1)

Partilhando expedições arrojadas e valorosas em actividade benemérita, ainda não lhe víramos hesitações quaisquer.

Veterano de empreendimentos socorristas, jamais entremostrara desânimo ou fraqueza, por mais opressivo se lhe evidenciasse o peso de compromissos e obrigações.

Advogado que fora, na existência última, caracterizava-se por extrema lucidez, no exame dos problemas que as eventualidades do caminho apresentassem.
Sempre denodado e humilde; agora, porém, enunciava sensíveis alterações de comportamento.

Soubera-o com breves encargos, na esfera física, para atender, de modo mais directo, a necessidades de ordem familiar, cuja extensão e natureza não me houvera sido possível perceber.

Desde então, mostrava-se arredio e desencantado, copiando o feitio de companheiros recém-chegados da Terra.

Isolava-se em funda reflexão.
Fugia à conversação fraterna.
Queixava-se disso ou daquilo.

E vez por outra, em serviço, denotava lágrimas que não chegavam a cair.
Ninguém ousava sondar-lhe o sofrimento, tal a fibra moral em que se lhe exprimiam as atitudes.

Provocando, porém, algumas horas de desafogo, num banco de jardim, busquei habilmente lançá-lo à extroversão, alegando dificuldades que me preocupavam. Referi-me aos descendentes que deixara no mundo e às inquietações que me causavam.

Pressentia-lhe na tristeza a presença de lutas domésticas a lhe torturarem a alma, quais ulcerações em recidiva, e não me enganei.

O amigo absorveu a isca afectiva e desenovelou os sentimentos.

A princípio, falou vagamente das apreensões que lhe assomavam ao espírito agoniado.
Aspirava a esquecer, alhear-se; no entanto... a retaguarda familiar no mundo lhe infligia dolorosas reminiscências difíceis de extirpar.

— É a esposa quem o aflige, assim tanto?
— Aventurei, procurando localizar o carnicão da mágoa que lhe abria as comportas do pranto silencioso.

Pedro fitou-me com a postura dolorida de um cão batido e respondeu:
— Há momentos, André, nos quais será preciso biografar-nos, ainda que superficialmente, para vasculhar o pretérito e extrair dele a verdade, somente a verdade...

Meditou, algo sufocado por instantes, e prosseguiu:
— Não sou homem que me deixe governar por sentimentalismos, embora aprecie as emoções pelo justo valor.

Além disso, a experiência, desde muito, me ensinou a raciocinar.
Há quarenta anos, moro aqui e, há quase quarenta anos, a esposa compeliu-me a absoluto desinteresse do coração.

Deixei-a quando a mocidade das energias físicas lhe estuava no sangue, e Enedina, compreensivelmente, não pôde sustentar-se a distância das exigências femininas.

E prosseguiu esclarecendo que ela se associara a outro homem, num segundo casamento, entregando-lhe seus três filhos por enteados.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 28, 2012 10:33 pm

Esse novo marido, entretanto, arredou-a completamente de sua convivência espiritual.

Homem ambicioso, assenhoreou os cabedais que ele ajuntara, logrando multiplicá-los imensamente, à força de astúcia em arrojadas empresas comerciais.

E agiu com tanta leviandade que a esposa, dantes simples, se apaixonou pelas comodidades demasiadas, gastando o tempo terrestre em prodigalidades e trafulhices, até que se rojou às derradeiras viciações nos desvarios do sexo.

Observando o esposo em aventuras galantes, de modo permanente, na posição de cavalheiro rico e desocupado, quis desforrar-se, estabelecendo para si mesma, desordenado culto ao prazer, mal sabendo que apenas se transviava, em lamentáveis desequilíbrios.

— E meus dois filhos, Jorge e Ernesto, ludibriados pelo fascínio do ouro com que o padrasto lhes comprava a subserviência, enlouqueceram no mesmo delírio do dinheiro fácil e se animalizaram a tal ponto que nem de leve guardam qualquer traço de minha memória, não obstante serem actualmente negociantes abastados, em idade madura...

— A esposa, no entanto, ainda se encontra no mundo físico? — arrisquei, cortando a pausa longa, para que a explicação não esmorecesse.
— Minha pobre Enedina voltou, há dez anos, abandonando o corpo pela imposição da icterícia, que lhe apareceu por verdugo invisível, evocado pelas bebidas alcoólicas.

Fitando-a, edemaciada, vencida, ensaiei alarmado todos os processos de socorro à minha disposição...
Atemorizava-me a perspectiva de vê-la escravizada às forças aviltantes a que se jungira sem perceber;
ansiava retê-la no corpo de carne, como quem resguarda uma criança inconsciente em disfarçado refúgio.

Entretanto, ai de mim!
Colhida por entidades infelizes, às quais se consorciou levianamente, em vão procurei estender-lhe algum consolo, porquanto ela mesma, depois de desencarnada, se compraz na viciação, tentando a fuga impossível de si própria.

Não há outro recurso senão esperar, esperar...

— E os filhos?
— Jorge e Ernesto, hipnotizados pela riqueza material, para mim fizeram-se inabordáveis.
Mentalmente, não me registam a lembrança.

Intentando captar-lhes cooperação e simpatia, o padrasto chegou a insinuar que não seriam meus filhos e sim dele próprio, através de união com minha esposa, ao tempo de minha experiência terrestre, o que Enedina, infelizmente, não desmentiu...

O companheiro esboçou um sorriso amarelo e considerou:
— Imagine!

Na carne, o medo é comum, à frente dos desencarnados e, em meu caso, fui eu quem se afastou do ambiente doméstico, sob sensações de insopitável horror...

Ainda assim, a bondade de Deus não me arrojou à solidão, em se tratando da ternura familiar.

Tenho uma filha de quem jamais me separei pelos laços do espírito...
Beatriz, que deixei na flor da meninice, suportou pacientemente as afrontas e conservou-se fiel ao meu nome.

Somos, assim, duas almas, na mesma faixa de entendimento...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 28, 2012 10:33 pm

Pedro enxugou os olhos e acrescentou:
— Agora, com quase meio século de existência entre os homens, presa embora ao carinho que consagra ao esposo e ao filho único, prepara-se Beatriz para o regresso...

Minha filha vem atravessando os derradeiros dias terrenos, com o corpo torturado pelo câncer...

— Mas, atormenta-se você por isso?
A ideia do reencontro pacífico não será, antes, motivo para alegrar-se?
— E os problemas, meu amigo?
Os problemas do grupo consanguíneo?

Por muitos anos, estive à margem de todas as tricas do navio familiar...
Fizera-me ao oceano largo da vida...

Agora, por amor à filha inesquecível, sou compelido a topar, com espírito de caridade, a irreflexão e o descaramento.

Estou inapto, desambientado...
Desde que me postei à cabeceira da doente querida, vejo-me na condição do aluno debilitado pela expectativa de erros constantes..

Dispunha-se Neves a prosseguir, mas urgente chamado de serviço nos impeliu à separação e, conquanto diligenciando acalmá-lo, despedi-me, sob o compromisso de irmanar-me a ele, nas tarefas de assistência à enferma, de modo mais intenso, a partir do dia seguinte.

(1) Organização de “Nosso Lar”. — Nota do Autor espiritual.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 28, 2012 10:33 pm

Capítulo 2

Repousava Dona Beatriz no leito bem-posto, patenteando enorme cansaço.

A doença, decerto, consumia-lhe a forma física, desde muito, porquanto aos quarenta e sete anos de idade mostrava o rosto singularmente engelhado e o corpo leve.

Reflectia, ensimesmada, tristonha...
Fácil de se lhe ver a preocupação, ante a crise iminente.

Ideias a lhe fluírem, vivas e nobres, indicavam que se habituara à certeza da desencarnação próxima.

Notava-se-lhe fixada no pensamento a convicção do viajante que atingira o término de espinhosa trilha, da qual, por fim, lhe competia sair.

Conquanto tranquila, inquietava-se pelos vínculos que a prendiam no mundo.

Apesar disso, visualizava as portas do Além, plasmando formosos quadros íntimos, como quem sonha à luz da vigília, e recordava Neves, o pai que perdera na infância, qual se visse prestes a recuperá-lo, em definitivo, tal a extensão do amor que os acolchetava um ao outro.

Observávamos, porém, sem dificuldade, que a alma afectuosa da enferma se dividia mais fortemente, na Terra, entre o esposo e o filho, dos quais se reconhecia em gradativo processo de inevitável separação.

No aposento acolhedor, que alguns adereços ataviavam, tudo transparecia limpeza, reconforto, assistência, carinho.

Ante o leito, encontramos sisudo enfermeiro desencarnado que Neves abraçou, demonstrando guardá-lo à conta de imensa estima.

E apresentou-nos:
- Amaro, temos aqui André Luiz, amigo e médico que, doravante, nos partilhará os serviços.

Saudamo-nos cordialmente.
Neves inquiriu, atencioso:
— O irmão Félix veio hoje?
— Sim, como sempre.

Informei-me, então, de que o irmão Félix, desde muitos anos, era o superintendente de importante casa socorrista, ligada ao Ministério da Regeneração, em Nosso Lar (2).

Famoso pela bondade e paciência, era conhecido como sendo um apóstolo da abnegação e do bom-senso.

Não dispúnhamos, entretanto, de qualquer tempo para considerações pessoais.

Dona Beatriz experimentava dores agudas e o companheiro mostrou o propósito de aliviá-la, através do passe confortativo, enquanto a senhora se via aparentemente a sós.

Em grande prostração física, revelava profunda sensibilidade mediúnica.
Oh! os sublimes pensamentos do leito de dor!...

De olhos cerrados, a doente, embora não assinalasse a presença paterna, lembrava a ternura do progenitor, que lhe parecia distante e inacessível no tempo.

Identificava-se, de novo, com a ingenuidade infantil...
Na acústica da memória, ouvia as canções do lar, voltava, encantada, às horas da meninice...

Reconstituindo na imaginação as relíquias do berço, sentia-se no regaço paternal, à maneira da ave de regresso à penugem do ninho!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 28, 2012 10:34 pm

Dona Beatriz chorava.
Lágrimas de enternecimento inexprimível perolavam-lhe a face.

E sem que a boca enunciasse o menor movimento, clamava intimamente com toda a alma: «pai, meu pai!...”

Meditai, vós que, no mundo, admitis para os desencarnados a indiferença da cinza! Para lá dos túmulos, amor e saudade muitas vezes se transformam, no vaso do coração, em pranto comburente!

Neves cambaleou, agoniado... Enlacei-o, contudo, a pedir-lhe coragem.
A ventania da angústia, porém, sobre o ânimo do companheiro atribulado, perdurou apenas alguns momentos.

Refeito, a recompor o semblante que o sofrimento transfigurara, espalmou a destra na fronte da filha e orou, suplicando o amparo da Bondade Divina.

Chispas de luz, quais minúsculas flamas azulíneas, evolavam-lhe do tórax, a se projectarem naquele corpo fatigado, revestindo-o de energias calmantes.

Emocionado, observei que Dona Beatriz se acomodava a suave torpor.

E antes que pudesse enunciar qualquer impressão, uma jovem, figurando-se nas vinte primaveras da experiência física, entrou cautelosamente no quarto.

Renteou connosco, sem perceber-nos, de leve, e tomou o pulso da enferma, verificando-lhe as condições.

A recém-chegada esboçou o gesto de quem reconhecia tudo em ordem.

Encaminhou-se, logo após, na direcção de pequenino armário próximo e, munindo-se dos recursos necessários, voltou à cabeceira da dona da casa, aplicando-lhe injecção anestesiante.

Dona Beatriz não mostrou a mínima reacção, continuando a descansar, sem dormir.
O concurso magnético de minutos antes insensibilizara-lhe os centros nervosos.

Perfeitamente tranquila, a moça, na qual observávamos a posição da enfermeira improvisada, retirou-se para um dos ângulos do aposento, a largar-se em acolhedora poltrona de vime.

Em seguida, descerrou um dos segmentos da janela quadripartida, atraindo a corrente de ar fresco que nos bafejou sem alarde.

Respirando à saciedade, a jovem, com grande surpresa para mim, acendeu um cigarro e passou a fumar distraidamente, dando a ideia de quem diligenciava fugir de si mesma.

Neves fitou-a, deitando-lhe significativo olhar em que se mesclavam piedade e revolta e, indicando-a, discreto, informou-me:
— Trata-se de Marina, contadora de meu genro, que se dedica ao comércio de imóveis...
Agora, a pedido dele, desempenha funções de assistente...

Evidente sarcasmo transparecia-lhe da palavra reticenciosa.
- Imagine! — voltou a dizer — fumar aqui numa câmara de dor, onde a morte está sendo esperada!...

Contemplei Marina, cujos olhos denotavam recôndita inquietude.

Manifestando ainda alguns laivos de respeitosa estima para com a nobre senhora estirada no leito, soprava, para além da janela, as baforadas cinzentas que lhe escapavam da boca.

Repartindo a própria atenção entre ela e Amaro, o nosso amigo da esfera espiritual, Neves, conquanto mudo e constrangido, parecia querer falar à vontade e desinibir-se.

Tentei, porém, adquirir mais amplo conhecimento da posição.

Aproximei-me reverentemente da jovem, no propósito de sondá-la em silêncio e colher-lhe as vibrações mais íntimas; contudo, recuei assustado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 28, 2012 10:34 pm

Estranhas formas-pensamentos, retratando-lhe os hábitos e anseios, em contradição com os nossos propósitos de socorrer a doente, fizeram-me para logo sentir que Marina se achava ali, a contragosto.

A sua mente vagueava longe...
Quadros vivos de esfuziante agitação ressumavam-lhe na cabeça...

De olhar parado, escutava, adentro de si própria, a música brejeira da noite festiva, que atravessara na véspera, e experimentava ainda na garganta a impressão do gim que sorvera, abundante.

Apesar de surgir-nos, superficialmente, à guisa de menina crescida, sob o turbilhão de névoa fumarenta, exibia telas mentais complexas, a lhe relampaguearem na aura imprecisa.

Trazido pelas circunstâncias a colaborar na solução de um processo assistencial, sem qualquer intuito menos digno, passei a estudar-lhe o comportamento isolado.

A Medicina terrestre, no futuro, para atender com eficácia, ao doente, examinar-lhe-á, com minúcias, a feição espiritual de todas as peças humanas que lhe articulam a equipe.

Respeitoso, iniciei os apontamentos de ampla anamnese psicológica.

Marina apresentou, a princípio, a figura de um homem amadurecido, cunhada por sua própria imaginação, a repetir-se-lhe, muitas vezes, acima da fronte.

Ela e ele, juntos...
Percebia-se-lhes, de pronto, a intimidade, adivinhava-se-lhes o romance...

Fisicamente, semelhavam pai e filha;
entretanto, pelas atitudes sentimentais, não conseguiam disfarçar a estuante paixão um pelo outro.

Nos painéis subtis que surgiam e se desfaziam, alternadamente, mostravam-se ambos extasiados, ébrios de prazer, fosse aboletados no automóvel de luxo ou enlaçados na areia morna das praias, aconchegados sob a protecção de arvoredo tranquilo ou sorridentes em tumultuados abrigos de encantamento nocturno...

Deslumbrantes paisagens de Copacabana ao Leblon desfilavam por admirável fundo pictórico.

A moça entrefechava as pálpebras para assenhorear, com mais segurança, as reminiscências que lhe empolgavam os sentidos, para, logo após, mentalizar, surpreendentemente, outro homem, tão jovem quanto ela mesma, evidenciando-se-nos entregue às cenas de um filme interior, diferente...

Formava novo tipo de palco para exibir a lembrança das próprias aventuras, no qual se destacava igualmente ao pé do rapaz, como se estivesse afeiçoada aos mesmos sítios, desfrutando companhias diversas...

Ela e ele também juntos, no mesmo carro entrevisto ou na condição de pedestres felizes, saboreando refrescos ou repousando em animados entendimentos nos jardins públicos, sugerindo o encontro de crianças enamoradas, a entretecerem aspirações e sonhos..

Naqueles rápidos minutos de fixação espiritual, em que se exteriorizava tal qual era, Marina revelava a personalidade dúplice da mulher dividida entre o carinho de dois homens, jugulada por pensamentos de medo e inquietude, ansiedade e arrependimento.

Neves, que de algum modo me partilhava a inspecção, quebrou a calma reinante, enunciando, abatido:
— Está vendo?
Julga que é fácil para mim, pai da doente, suportar aqui semelhante criatura?

Tratei de consolá-lo e, por solicitação dele próprio, passamos a pequeno salão de leitura, contíguo ao aposento da enferma, a fim de que pudéssemos reflectir e conversar.

2) Organizações no Plano dos Espíritos. Nota do Autor Espiritual.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 28, 2012 10:34 pm

Capítulo 3

Na peça isolada, o amigo cravou os olhos lúcidos nos meus e obtemperou:
— Após a desencarnação, achamo-nos na segunda fase da própria existência e ninguém, na Terra, imagina as novas condições que nos tomam de assalto...

De começo, renovamos a vida...
Equipas salvadoras, apoio na prece, estudo das vibrações, escola da caridade.
Ensaiamos, felizes, o culto dos grandes sentimentos humanos...

Depois, quando trazidos, de retorno, ao trabalho mais íntimo, na arena doméstica, que supúnhamos varrida para sempre da memória, como na situação especial de meu caso, a didáctica é outra...

É preciso espremer o sangue do coração para confirmar o que ensinamos com a cabeça...

Avalie que me encontro nesta casa, em serviço, apenas há vinte dias e já recebi tantas punhaladas na alma, que, não fossem as necessidades de minha filha, teria fugido, incontinenti...

Sem minhas observações pessoais, não teria admitido tanta leviandade em meu genro...
Bilontra, fanfarrão despudorado.

Sim, sim... — tentei cortar as doloridas alegações.
Comentei, breve, a excelência do olvido de todo mal, argumentei quanto ao merecimento do auxílio silencioso, através da oração.

Neves sorriu, meio desconsolado, e ajuntou:
— Compreendo que você se reporta à vantagem do pensamento positivo na fixação do bem e creia que, de minha parte, farei quanto puder para não esquecê-lo.

Agora, porém, tolere, por favor, as minhas considerações talvez descabidas...

A Medicina é ciência luminosa, recheada de raciocínios puros;
no entanto, muitas vezes é obrigada a descer da alta cultura para dissecar os cadáveres...

Endereçou-me o olhar de alguém que anseia derramar-se noutro alguém e continuou:
— Saiba você que na quinta noite de minha permanência aqui, notando Beatriz em aguda crise de sofrimento, diligenciei buscar meu genro para assisti-la em pessoa...

E sabe onde o encontrei?
Nada de escritório, segundo a falsa informação que deixara em casa.
Indignado, fui surpreendê-lo numa furna penumbrosa, em plena madrugada, junto da menina que você acaba de conhecer.

Os dois unidos, qual marido e mulher.
Champanhe correndo e música lasciva.

Entidades perturbadoras e perturbadas, jungidas ao corpo dos bailarinos, enquanto outras iam e vinham, a se inclinarem sobre taças, cujo conteúdo lábios entediados não haviam conseguido sorver totalmente.

Em recanto multicolorido, onde algumas jovens exibiam formas semi-nuas em coleios esquisitos, vampiros articulavam trejeitos, completando, em sentido menos digno, os quadros que o mau-gosto humano pretendia apresentar, em nome da arte.

Tudo rasteiro, impróprio, inconveniente...
Fisguei meu genro e a colaboradora, nos braços um do outro, recordei minha filha doente e revoltei-me.

Súbito desespero apossou-se de mim.
Oscilou minha razão escurecida, pois cheguei a justificar, de relance, a deplorável atitude dos companheiros desencarnados que se transformam em vingadores intransigentes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 29, 2012 10:37 pm

O «homem velho que eu fora e o «homem renovado» que aspiro a ser digladiavam em minhas fibras recônditas...

Estacou numa pausa, rearticulando os pensamentos, e continuou:
— Tinha visto, apavorado, em outro tempo, aqueles que se animalizavam, depois da morte, nos lares que lhes haviam sido reduto à felicidade, a se precipitarem, violentos, sobre os entes amados que lhes desertavam da afeição...

Funcionara, entusiasmado, em diversas comissões socorristas, procurando esclarecê-los e modificá-los para o bem, a fazer-lhes sentir que as lutas morais, depois da desencarnação, se erigiriam igualmente em penosa herança para todos aqueles com os quais se desarmonizavam;
advertia-os de que o túmulo esperava também quantos, na Terra, lhes sonegavam lealdade e ternura...

E, bastas vezes, lograva acalmá-los para a retirada benéfica. Mas ali..

Imprudentemente agastado contra a insensibilidade do homem que me desposara a filha querida, vi-me chamado a praticar os bons conselhos que havia administrado...

O amigo fez ligeiro intervalo, enxugou as lágrimas que lhe corriam no rosto, ao evocar a própria inconformação, e completou a frase, aditando:
— Mas não pude. Tomado de cólera incoercível, avancei, qual fera desacorrentada, e, irreflectidamente, esmurrei-lhe a face.

Ele deixou-se cair nos ombros da companheira, acusando agoniada indisposição, como se estivesse sob o impacto de súbita lipotimia...

Dispunha-me, em seguida, a torcer-lhe o corpo, em meus braços rijos; entretanto, não consegui.

Uma senhora desencarnada, de semblante nobre e calmo, aproximou, desarmando-me o íntimo.

Não entremostrava sinais exteriores de elevação. Patenteava-se, aliás, tão profundamente humana, quanto nós mesmos.

Diferenciava-se apenas através de minúsculo distintivo luminoso, que lhe brilhava palidamente no peito, qual jóia rara a emitir discreta radiação.

Afagou-me, de leve, a cabeça e induziu-me à serenidade.
Envergonhado, fitei-a, constrangido.
A dama inesperada não me censurou, nem fez qualquer alusão ao meu gesto infeliz.

Ao revés, falou-me com bondade, quanto à filha doente.
Demonstrava conhecer Beatriz, tanto quanto eu próprio.
E acabou convidando-me a sair do recinto, para acompanhá-la até ao quarto da enferma.

Atendi sem relutância.
E porque a gentil interventora, no trajecto, somente se reportasse aos méritos da compreensão e da tolerância, sem qualquer referência aos desvarios da casa que vínhamos de deixar, procurei reprimir-me, para cogitar, exclusivamente, de socorro à filha em dificuldade.

A mensageira anónima recolocou-me no lar, despedindo-se, delicada;
e depois disso não mais a vi, pelo que, ainda agora, me lembro dela, positivamente intrigado...

Ensaiava alguma observação reconfortante, rememorando minhas experiências, quando Neves, interpretando-me os pensamentos, obtemperou depois de longa pausa:
— Você, André, nunca se viu defrontado por acontecimentos assim desagradáveis?

Recordei, emocionadamente, as primeiras impressões que me haviam transtornado a sensibilidade, após a desencarnação.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 29, 2012 10:37 pm

Reconstituí na memória todas as telas em que me surpreendera desanimado, excitado, dilacerado, vencido...

As transformações domésticas, os empeços familiares, os impositivos da luta humana e as sugestões da natureza física que me haviam alterado a esposa e os filhos, na Terra, quando se reconheceram sem a minha presença directa, retornaram-me ao coração.

Senti-me mais estreitamente ligado ao meu interlocutor, assimilando-lhe o torturado influxo mental, e comentei:
— Sim, meu amigo, atravessada a grande barreira, os meus problemas, a princípio, foram enormes...

Entretanto, não foi possível desabafar-me.
Cavalheiro maduro e simpático penetrou o recinto, compreensivelmente sem perceber-nos.

Neves, contrafeito, indicou-o, explicando-me:
— É Nemésio, meu genro...

O recém-chegado mirou-se, atenciosamente, em espelho próximo, repassou lenço alvo sobre a testa suarenta e, quando reajustava a gravata bem-posta, escutou prolongado suspiro.

Lançou-se, incontinenti, para a câmara contígua e seguimo-lo.

Marina veio recebê-lo com amável sorriso, conduzindo-o à cabeceira da senhora, que passou a fitá-lo entre confortada e abatida.

Dona Beatriz estendeu a mão descarnada que o marido beijou.

Trocando com ela enternecido olhar, acomodou-se Nemésio rente aos travesseiros, a endereçar-lhe perguntas carinhosas, ao mesmo tempo que lhe alisava a descuidada cabeleira.

A doente pronunciou algumas palavras breves, diligenciando agradá-lo, e ajuntou:
— Nemésio, você me perdoará se volto ao caso de Olímpia...
A pobre criatura perdeu a casa quase que totalmente...

É necessário que você lhe garanta abrigo seguro...
Penso nela com os filhos ao desamparo. Tire-me dessa aflição...

O interpelado mostrou profunda emotividade e respondeu, cortês:
- Beatriz, não há dúvida alguma.
Já enviei um amigo, construtor experiente, ao local.
Não se preocupe, tudo faremos sem qualquer sacrifício.

Questão de tempo...

— Receio partir de uma hora para outra...
— Partir para onde?

Nemésio acariciou-lhe a fronte descolorida, sacou um sorriso amargo e prosseguiu:
— Enquanto você estiver em tratamento, nossas viagens estão sustadas.
Não é hora de São Lourenço...
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 29, 2012 10:38 pm

— Minha estação curativa será outra.
— Não me fale em pessimismo... Ora, ora...
Onde a primavera de nossa casa?
Você anda esquecida de que nos ensinou a colocar alegria em tudo?

Largue os ares sombrios...
Ainda ontem, ouvi nosso médico.
Você entrará em convalescença, já, já...

Amanhã, tomarei providências definitivas para que o barraco seja levantado.
Você estará restabelecida em breve e ambos iremos ao primeiro café em casa de nossa Olímpia...

Dona Beatriz, ante o carinho dele, pareceu reanimar-se.
Entreabriu-se-lhe a boca num largo sorriso, que se me afigurou uma flor de esperança num cacto de sofrimento.

Aqueles olhos imensamente lúcidos derramaram duas lágrimas de felicidade que o esposo enxugou com gracioso gesto.

Na face amarelada, lampejaram raios de confiança.

Experimentando-se mentalmente renovada, a enferma acreditou no reerguimento do corpo físico e ansiou viver, viver por muito tempo ainda no aconchego familiar. Manifestando o próprio reconforto, solicitou de Marina uma chávena de leite.

A enfermeira atendeu, comovida.
E, enquanto a doente sorvia o líquido, gole a gole, reflecti na bondade daquele homem que a palavra do companheiro me apresentara noutras cores.

O pensamento de Nemésio revelara-se-nos, até ali, claro e puro.
Trazia Dona Beatriz no cérebro, nos olhos, nos ouvidos, no coração.
Dispensava-lhe a compreensão de um amigo, a ternura de um pai.

Neves endereçava-me estranho olhar, qual se estivesse, tanto quanto eu, defrontado por indizível assombro.

Alguns momentos escoaram-se, rápidos.
Quando a enferma devolveu a xícara, outro quadro se nos desdobrou à visão.

Nemésio levantara-se rente ao leito e, por trás da cabeceira alteada, estendeu à Marina, que se mantinha do lado oposto, a mão grossa e hirsuta a que ela entregou a destra alva e leve.

O marido passou, então, a falar brandas palavras para a esposa satisfeita, afagando, simultaneamente, os róseos dedos da jovem que, pouco a pouco, se desinibia, através do olhar brejeiro.

Contemplei Nemésio, admirado.

Alteravam-se-lhe agora os pensamentos, que me pareceram, então, incompatíveis com a sensação de respeitabilidade que ele nos inspirava.

Voltei-me, instintivamente, para Neves, e ele, indicando-me as duas mãos que se acariciavam, uma à outra, exclamou para mim:
— Este homem é um enigma.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 29, 2012 10:38 pm

Capítulo 4

Acomodados, de novo, no aposento próximo. buscava soerguer o ânimo de Neves, positivamente desapontado.

Arrojara-se o companheiro ao clima da dignidade ofendida, dando a impressão de que a família encarnada ainda lhe pertencia.

Exprobrava a conduta do genro.
Exalçava os merecimentos da filha.
Aludia ao passado, quando ele próprio vencera lances difíceis na luta sentimental.

Desculpava-se.
Ouvia-lhe, condoído, os apontamentos, a reflectir, de minha parte, quanto à dificuldade com que somos todos nós defrontados para dissipar a ilusão da posse sobre os outros.

Não fosse a obrigação de respeitar-lhe os sentimentos e, certo, me exorbitaria, ali mesmo, em comprida tirada filosófica, recomendando o desprendimento:
contudo, logrei apenas confortá-lo:
— Não se aflija.

Desde muito aprendi que para as pessoas desencarnadas, quase sempre, as portas do lar se fecham no mundo, quando a morte lhes cerra os olhos.

Entretanto, não pude prosseguir.
À guisa de duas crianças enlevadas e jubilosas, Nemésio e Marina penetraram a câmara, fugindo claramente à presença da enferma.

Guardavam no semblante a expressão dos namorados felizes, quando alimentam o clássico «enfim sós», trancando-se contentes.

Dispus-me, instintivamente, a sair, mas Neves sustou-me o impulso de retirada, convidando-me, aturdido:
— Fique, fique...

Não louvo a indiscrição;
no entanto, estou, ao lado de minha filha, em sentido directo, simplesmente há alguns dias e devo saber o que ocorre, para ser útil...

A esse tempo, Nemésio enlaçara a enfermeira, qual se voltasse, de improviso, aos arrebatamentos da juventude.

Amimava-lhe as mãos miúdas e os cabelos sedosos, reportando-se ao futuro.
Justificava-se, copiando as preocupações de um adolescente, interessado em vacinar a escolhida contra o ciúme.

Deveriam ser bons para Beatriz, às portas do fim, e agradecer ao Destino que os livrava dos aborrecimentos e percalços de um desquite, mesmo amigável...

Ouvira o médico, na véspera, informando-se de que a doente não conseguiria viver mais que algumas semanas.

E sorria, qual menino travesso, explicando que não admitia a sobrevivência da alma;
no entanto, a seu ver, se houvesse vida além da morte, não desejava que a esposa partisse, nutrindo por eles ressentimentos quaisquer.

Apaixonado, procurava convencer-se de que se via correspondido, cravando a atenção nos olhos enigmáticos da companheira, a quem se reconhecia imanizado por intensa atracção.

Marina retribuía, como quem se deixava querer bem;
no entanto, apresentava o fenómeno singular da emoção jungida a ele e o pensamento voltado ao outro, empenhando-se, por todos os meios, a encontrar nesse outro o incentivo necessário a essa mesma emoção.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 29, 2012 10:38 pm

Nemésio comentava os próprios empeços, sensibilizado.
Confessava-lhe devoção inexcedível.
Não a queria de ânimo inquieto.

De futuro, abandonaria os negócios.
Viveriam felizes, na casinha de São Conrado, que transformaria em bangaló confortável, entre o verde do mar e o verde da terra.

Mandaria aprestar a reconstrução em estilo novo, a fim de que a moradia os recebesse, no momento oportuno.

Que ela confiasse.
Aguardaria apenas a modificação do próprio estado social para conferir-lhe o título de esposa, esposa para sempre.

Isso tudo era dito num jogo de manifestações carinhosas em que a sinceridade prevalecia num lado e o cálculo no outro.

Assinalei, porém, estranha ocorrência.

Ele e ela comunicavam-se, entre si, as mais ternas expansões de encantamento recíproco, sem ser dissoluto, e pareciam aderir, automaticamente, às impressões que esboçávamos, de vez que acompanhávamos os mínimos gestos dos dois, com aguçada observação, prejulgando-lhes os desígnios com o fundo de nossas próprias experiências inferiores já superadas.

Semelhantes registos que formulamos, com absoluta imparcialidade, são dignos de nota, porquanto, atento qual me achava ao estudo, vimo-nos obrigados a reconhecer que a nossa expectativa maliciosa, aliada ao espírito de censura, estabelecia correntes mentais estimulantes da turvação psíquica de que ambos se viam acometidos, correntes essas que, partindo de nós na direcção deles, como que lhes agravava o apetite sensual.

O marido de Beatriz acentuava, em transportes de felicidade juvenil, embora a voz ciciante, o anseio com que lhe aguardava o carinho permanente no refúgio caseiro.

De inopinado, porém, a jovem prorrompeu em pranto copioso.
O companheiro beijou-lhe a face, aspirando a aliviar-lhe a tensão convulsiva.

De nosso lado, entretanto, reparávamos que Marina se fixava, cada vez mais, no moço cuja figura se lhe engastava à imaginação.

Escabroso, sem dúvida, o conflito de que se verificava possuída, à vista da sinceridade inequívoca de todas as promessas que lhe eram endereçadas.

Olvidando os compromissos abraçados, perante a esposa, que lhe requisitava, naquela hora, mais amplas evidências de fidelidade e ternura, bandeara-se o chefe da casa, apaixonadamente, para ela, entregando-se-lhe sem reservas.

Inteligente bastante para entender quanto se lhe debilitara o raciocínio de homem circunspecto, a menina identificava a fase perigosa da partida infeliz a que se lançara e aturdia-se, ali, confundida entre aflições e remorsos a lhe arpoarem o coração.

Compelidos pelas circunstâncias à penetração dos assuntos em exame, assinalávamos as telas mentais da moça, a se lhe derramarem do Intimo, irradiando-lhe a história.

Fizera-se querida pelo maduro genro de Neves, sem dedicar-lhe outros sentimentos que não fossem reconhecimento e admiração...

Todavia, agora que os acontecimentos lhe impeliam a alma na direcção de laços mais profundos, tremia pelas indébitas concessões que lhe havia feito.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 29, 2012 10:39 pm

Remoía-lhe no espírito as recônditas reminiscências de sua aventura afectiva, recapitulando todos os sucessos pelos quais havia atraído o protector experiente aos seus métodos subtis de sedução, para concluir, assustada, que amava até à loucura aquele rapaz franzino, que se lhe destacava do pensamento, através de cativantes apelos da memória.

Dentro dela, embatia-se guerra terrível de emoções e sensações.
Nemésio consolava-a, formulando frases de paternal solicitude.

E, ao responder-lhe às reiteradas perguntas, quanto ao choro intempestivo, a jovem adoptou largo processo de perfeita dissimulação, invocando problemas domésticos para articular evasivas com que encobria a realidade.

Tentando esquivar-se de si mesma, reportou-se a supostas agruras do lar.

Salientou exigências maternas, falou em dificuldades financeiras, alegou fantásticas humilhações que colhia no trato da irmã adoptiva, mencionou incompreensões do progenitor, em rixas constantes nos círculos da família...

O interlocutor reconfortou-a.
Que não se amofinasse.
Não estaria a sós.

Partilhar-lhe-ia todos os impedimentos e dissabores, fossem quais fossem.
Tivesse paciência.
O desenlace de Beatriz, indicado para breves dias, ser-lhes-ia o marco fundamental da ventura definitiva.

Exprimia-se Nemésio em tom de súplica.
E talvez percebendo que apenas à força de palavras não conseguiria subtrai-la aos soluços, arrancou de pasta próxima um livro de cheques, colocando-lhe expressivo concurso amoedado nas mãos que o lenço molhado humedecera.

A moça pareceu mais comovida, exibindo no rosto a apreensão de quem se recriminava sem qualquer justificativa de consciência, ao passo que ele a enlaçava, afectuoso.

No silêncio que sobreveio, voltei-me para Neves, mas não consegui pronunciar palavra.
Não obstante desencarnado, o amigo se me afigurava agora um homem positivamente vulgar da Terra, que a revolta azedava.

Sobrecenho crispado alterava-lhe a feição no desequilíbrio vibratório que precede as grandes crises de violência.

Receava se lhe transfigurasse a calamidade emotiva em agressão, mas sucedeu o imprevisto.

A súbitas, venerando amigo espiritual penetrou a câmara.
Arrebatadora expressão de simpatia marcava-lhe a presença.

Radioso halo circundava-lhe a cabeça;
no entanto, não era a luz suave a se lhe extravasar docemente da aura de sabedoria que me impressionava e sim a substância invisível de amor que lhe emanava da individualidade sublime.

Fitei-lhe os olhos, de relance, com a ideia enternecedora de quem revia um companheiro, longamente esperado por aflitivas saudades acumuladas no coração.

Fluidos calmantes banhavam-me todo, qual se fosse visitado no âmago do ser por inexplicáveis radiações de envolvente alegria.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 29, 2012 10:39 pm

Onde teria conhecido, nas trilhas do destino, aquele amigo que se me impôs ao sentimento qual irmão de velhos tempos?

Debalde vasculhei a memória naqueles segundos inolvidáveis.
Num átimo, vi-me recambiado às sensações puras da infância.

O emissário, que estacara à frente de nós, não me fazia retomar simplesmente a segurança a que me habituara, quando menino, ante os braços paternos, mas também ao carinho de minha mãe, que nunca se me apartara do pensamento.

Oh! Deus, em que forja da vida se constituem esses elos da alma? em que raízes de júbilo e sofrimento, através das reencarnações numerosas de trabalho e esperança, dívidas e resgates, se compõe a seiva divina do amor que aproxima os seres e lhes transfunde os sentimentos numa só vibração de confiança recíproca?

Levantei meus olhos de novo para o benfeitor que se avizinhava e fui compelido a sofrear a própria emotividade a fim de não retê-lo instintivamente em arremessos de regozijo.

Erguemo-nos de chofre.
Após cumprimentá-lo, disse Neves, então desanuviado, a apresentar-me quase sorrindo:
— André, abrace o Irmão Félix...

Adiantou-se, porém, o recém-chegado, ofertando-me um abraço e proferindo saudação calorosa, com o evidente propósito de frustrar quaisquer elogios no nascedouro.

— Grande contentamento o de vê-lo — disse, benevolente.
— Deus o abençoe, meu amigo...

A comoção, entretanto, imobilizava-me.
Não logrei arrancar do coração à boca as expressões com que anelava pintar o meu enlevo, mas osculei-lhe a destra com a simplicidade de uma criança, rogando-lhe mentalmente receber as lágrimas que me caíam da alma, por mudo agradecimento.

Ocorreu, em seguida, algo de inusitado.
Nemésio e Marina transferiram-se, de repente, a novo campo de espírito.

Confirmei a impressão de que a nossa curiosidade enfermiça e a revolta que dominava Neves até então haviam funcionado ali por estímulos ao magnetismo animal a que se ajustavam os dois enamorados, que nem de leve desconfiavam da minuciosa observação a que se viam sujeitos, porquanto bastou que o irmão Félix lhes dirigisse compassivo olhar para que se modificassem, incontinenti.

A visão de Beatriz enferma cortou-lhes o espaço mental, à feição de um raio.

Esmoreceram-se-lhes os estos de paixão.
Assemelhavam-se ambos a um par de crianças, atraídas uma para a outra, cujo pensamento se transfigura, de improviso, ante a presença materna.

E não era só isso. Não podia auscultar o mundo Intimo de Neves;
contudo, de minha parte, súbita compreensão me inundou a alma.

E se eu estivesse no lugar de Nemésio?
Estaria agindo melhor?
Silenciosas indagações se me incrustavam na consciência, impelindo-me o espírito a raciocinar em nível mais alto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 29, 2012 10:39 pm

Fitei o atribulado chefe da casa, possuído de novos sentimentos, percebendo nele um verdadeiro irmão que me cabia entender e respeitar.

Embora confessando a mim mesmo, com indisfarçável remorso, a impropriedade da atitude que assumira, momentos antes, prossegui estudando a metamorfose espiritual que se processava.

Marina passou a revelar benéfica reacção, como me estivesse admiravelmente conduzida em ocorrência mediúnica, de antemão preparada.

Recompôs-se, do ponto de vista emotivo, patenteando integral desinteresse por qualquer forma de entretenimento físico, e falou, com delicadeza, da necessidade de voltar aos cuidados que a doente exigia.

Nemésio, a reflectir-lhe a renovada posição interior, não ofereceu qualquer embargo, acomodando-se em poltrona próxima, enquanto a jovem se retirava, tranquila.

Reparei que Neves ansiava conversar, desabafar-se;
no entanto, o benfeitor, que nos granjeara os corações, apontou o esposo de Dona Beatriz e convidou:
— Meus amigos, nosso Nemésio está seriamente enfermo, sem que ainda o saiba.

Ignoro se já lhe notaram a deficiência orgânica...
Procuremos socorrê-lo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 29, 2012 10:39 pm

Capítulo 5

Imperfeitamente refeitos do assombro que semelhante atitude nos causava, passamos a colaborar com o irmão Félix, na aplicação de recursos, a beneficio do amigo que, embora nos desconhecesse a presença, se mantinha agora em aturada reflexão.

Ao contacto das mãos do benfeitor que mobilizava, proficiente, a energia magnética, Nemésio expunha as deficiências do campo circulatório.

O coração, consideravelmente aumentado, denotava falhas ameaçadoras com endurecimento das artérias.

O examinando, rebuçado por fora, era enfermo grave por dentro.

Entretanto, a característica mais constrangedora que apresentava surgia na arteriosclerose cerebral, cujo desenvolvimento conseguíamos claramente positivar, manejando diminutos aparelhos de auscultação.

Comprovando longa experiência médica, o irmão Félix apontou-nos determinada região, em que notei a circulação do sangue reduzida, e informou:
— Nosso amigo permanece sob o perigo de coágulos bloqueadores e, além disso, é de temer-se a ruptura de algum vaso em qualquer acidente mais importante da hipertensão.

Como se nos percebesse a movimentação e nos registasse os apontamentos, o genro de Neves, na cadeira estofada a que se recolhera, instintivamente respondia ao inquérito afectuoso a que lhe submetíamos a memória, elucidando-nos todas as dúvidas, através de reacções mentais específicas.

Acreditava-se afundado na imaginação, ignorando que se nos revelava, por inteiro, na feição de um doente voltado para os esclarecimentos da anamnese.

Rememorou as tonturas ligeiras que vinha experimentando amiúde.

Vasculhava a lembrança, atendendo-nos às perguntas.
Alinhava acontecimentos passados, fixava pormenores.

Reconstituiu, quanto possível, as fases do desconforto a que se vira atirado, subitamente, com a perda dos sentidos que sofrera, no escritório, dias antes.

Sentira-se desamparado, de chofre. Ausente.
O pensamento esvaíra-se-lhe da cabeça, como se expulso por martelada interior.
Pavoroso delíquio que se lhe representara infindável, quando perdurara simplesmente por segundos.

Retomara a noção de si mesmo, atarantado, abatido.
Curtira apreensões, ensimesmado, por muitos dias.

Para desafrontar-se, expusera a ocorrência perante velho amigo, na antevéspera, já que não sabia como destrinçar o fenómeno.

A tela rearticulada por ele, na imaginação, salientava-se tão nítida que lográvamos contemplá-los juntos, Nemésio e o companheiro que lhe tomara confidências, como se estivessem filmados.

O marido de Beatriz, inconscientemente, configurava informes precisos, acerca do desmaio experimentado, das inquietações consequentes, da entrevista que provocara com o colega de negócios e do entendimento cordial havido entre ambos.

Consignamos os avisos que o interlocutor lhe transmitira.
Não lhe cabia adiar providências.
Devia procurar um médico, analisar as próprias condições, definir os sintomas.

Traçou advertências. Verificava-se-lhe facilmente a fadiga.
No Rio, obteria melhoras em alguma clínica de repouso.
Umas férias não lhe fariam mal.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 29, 2012 10:40 pm

Qualquer síncope, a seu ver, equivalia a puxão de campainha, no apartamento da vida.
Sério vaticínio, enfermidade à porta.
Nemésio, calado, sem perceber que se comunicava connosco, repetia espiritualmente as alegações que formulara.

Difícil a consulta.
Responsabilidades em penca, o tempo escasso.
Acompanhava a esposa, na travessia das horas derradeiras, em doloroso término de existência e não encontrava meios de cuidar de si.

Não discutia a oportunidade das admoestações, mas admitia-se obrigado a transferir o tratamento para quando pudesse.

No entanto, no âmago do pensamento, por noticiário vivo secretamente arquivado no cofre da alma, desvelava, para nós, motivos outros que não tivera coragem de expender.

Enternecido ao toque de amor fraterno do benfeitor que o auscultava, liberou, em silêncio, as mais fundas preocupações.

Semelhava-se a menino peralta, quando espontâneo e obediente no clima dos pais.
Aclarou, positivo, a razão da fuga a qualquer assunto relacionado com a provável submissão a preceitos médicos.

Receava conhecer o próprio estado orgânico.
Amava, novamente, crendo-se de regresso às primaveras do corpo físico.

Identificava-se espiritualmente jovem, feliz.
Qualificava a afeição de Marina como sendo o reencontro da mocidade que ficara para trás.

Alinhavando recordações e meditações, exibia, diante de nós, a trama dos acontecimentos que lhe sedimentavam as noções precárias da vida, possibilitando-nos retratar-lhe a realidade psicológica.

Beatriz, a companheira em vésperas de desencarnação, erigia-se-lhe, agora, no ânimo, em forma de relíquia que situaria, reverentemente, em breve, no museu das lembranças mais caras.

Imperturbavelmente correcta e simples, transformara-lhe a volúpia em admiração e a chama juvenil em calor de amizade serena.

Estranho ao benefício da rotina construtiva, colocara a esposa no lugar da progenitora que a morte levara. Disputava-lhe, por instinto, o sorriso benevolente e a bênção da aprovação.

Queria-lhe a presença, como quem se acostuma ao serviço de um traste precioso.
Harmonizava-se consigo próprio, ao chegar, suarento, em casa, descansando a cabeça fatigada em seu olhar.

Entretanto, Nemésio, de formação materialista e de índole utilitária, conquanto generoso, desconhecia que as almas nobres colhem no amor esponsalício da Terra o fruto da alegria sublime, cuja polpa o tempo sazona e torna mais doce, eliminando os caprichos transitoriamente necessários da casca.

Insistia na conservação de todos os impulsos emotivos da juventude corpórea.
Andava em dia com todas as teorias da libido.

Vez por outra, demandava cidades próximas, em noitadas boémias, asseverando, de retorno, aos amigos que assim procedia para desenferrujar o coração.

Dessas escapadas, voltava trazendo à esposa corbelhas de alto preço que Beatriz acolhia, enlevada.
No decurso de algumas semanas, mostrava-se para ela mais compreensivo e mais terno.

Reconduzido, porém, mais dilatadamente, aos freios do hábito, não sabia consagrar-se às construções espirituais que só a disciplina favorece e garante.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 30, 2012 10:17 pm

Varava, de novo, as fronteiras que os compromissos morais estabeleciam, à maneira de animal arrombando cerca.

Em determinadas ocasiões, acontecia fixar a esposa, invariavelmente abnegada e fiel, perguntando à própria alma o que sucederia se ela adoptasse conduta igual à dele, e aterrava-se.

Isso nunca, pensava.
Se Beatriz pusesse, ainda que de leve, o voto feminino em outro homem, era capaz de matá-la. Não hesitaria.

Nesses momentos, impressões contraditórias agitavam-lhe o espírito limitado.
Não se interessava absolutamente pela mulher, mas não toleraria concorrência à posse daquela a quem confiara o seu nome.

Inquietava-se, imaginava coisas, mas recompunha-se, tranquilo, recordando a esquisita conceituação de velho amigo que consumira a existência alcoolizado entre os despojos endinheirados de parentes ricos, e que lhe tisnara os sonhos do lar, quando menino, a repetir-lhe, frequentemente:
«Nemésio, mulher é chinela no pé do homem.

Quando não presta mais, é preciso arranjar outra.

Compreensível que, regando a raiz do carácter com as águas turvas de semelhante filosofia, atingisse o genro de Neves o marco dos sessenta anos com os sentimentos deteriorados, no tocante ao respeito que um homem deve a si mesmo.

Por todos esses motivos, na quadra difícil e obscura que atravessava, reaprendera os cuidados da preservação individual.

Readquirira o gosto de vestir-se com distinção, seleccionando figurinos e alfaiates.

Refinara a sensibilidade masculina, afeiçoara-se aos programas radiofónicos de ginástica, no que, aliás, lograra despojar-se da adiposidade oscilante.

Disputava o ingresso em agremiações festivas para actualizar a linguagem e requintar o porte.
Não lhe importavam as tochas brancas que lhe esmaltavam de prata a cabeleira densa.

Elegia nos perfumes raros e nas gravatas coloridas motivos de leveza e elegância sempre novos.

Pagara habilmente instruções e pareceres de improvisados professores em renovação da personalidade e embelezara-se, vaidoso, lembrando antigo edifício sob nova decoração.

Evidentemente, não — raciocinava, apreensivo —, não se resignaria a qualquer terapêutica que não fosse a de se lhe acentuar disposições ao prazer.

Recusaria, peremptório, toda medida endereçada a suposto reajustamento orgânico, já que se supunha perfeitamente idóneo para comandar as próprias sensações.

Euforia, o problema.
Providência medicamentosa, apenas a que lhe arejasse o espírito, rejuvenescendo-lhe as forças.

O irmão Félix voltou a dizer-nos:
— Nemésio demonstra enorme esgotamento, à vista dos hábitos demolidores a que se rendeu.

A inquietação emotiva descontrola-lhe os nervos e os falsos afrodisíacos usados solapam-lhe as energias, sem que ele mesmo perceba.

Diante da afirmativa, o esposo de Beatriz fixou agoniado vinco mental, entremostrando haver assimilado, mecanicamente, o impacto do grave enunciado.
— E se piorasse? — considerou de si para si.
A figura de Marina repontou-lhe da alma.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 30, 2012 10:17 pm

Nemésio divagou, cismarento.
Concordaria, sim, em recuperar a saúde, mas somente depois...
Depois que retivesse a jovem no lar, entregue a ele, em definitivo, pelos laços do matrimónio.

Enquanto não a recolhesse, nos braços, sob regime de compromisso legal, não aceitaria protecção médica.

Cabia-lhe sustentar-se capaz e moço aos olhos dela.

Fugiria deliberadamente de conselhos ou disciplinas tendentes a desviá-lo da ronda de passeios, excursões, entretenimentos e bebedices que, na posição de homem enamorado, acreditava dever-lhe.

O irmão Félix não contrapôs qualquer argumentação.
Ao revés, administrou-lhe recursos magnéticos em toda a província cerebral, dispensando-lhe assistência.

Ao término da longa operação socorrista, Neves, taciturno, não encobria o próprio desapontamento.

A desaprovação esguichava-lhe da cabeça, plasmando pensamentos de censura, que, não obstante respeitosa, nos alcançavam em cheio, por chuva de vibrações negativas.

Talvez, por isso, o benfeitor sugeriu ao dono da casa abandonar o recinto, solicitação muda que Nemésio atendeu, de pronto, já que se munira das escoras que o amigo espiritual espontaneamente lhe oferecia.

Os três, a sós, tornamos à conversação.

Félix, sorrindo, afagou de leve os ombros do meu companheiro e ponderou:
— Entendo, Neves, entendo você...

Encorajado pela inflexão de carinho com que semelhantes palavras eram ditas, o sogro de Nemésio desafogou-se:
— Quem entende menos sou eu.
Não admito tanto resguardo para um cachorro de má qualidade.

Um homem igual a este, que me desrespeita a confiança paterna!
Quem não lhe vê no espírito a poligamia declarada?
Um sessentão desavergonhado que enxovalha a presença da esposa agonizante!

Ah! Beatriz, minha pobre Beatriz, porque te uniste a um cavalo?
Dementara-se Neves, diante de nós.

Retrocedera mentalmente ao círculo acanhado da família humana e chorava, transtornado, sem que lhe pudéssemos cercear a emoção.

— Faço força — gemia acabrunhado —, mas não aguento.
De que me vale trabalhar odiando?
Nemésio é um mascarado!

Tenho estudado a ciência de perdoar e servir, tenho aconselhado serviço e perdão aos outros, mas agora...

Divididos por simples parede, vejo o sofrimento e o vício debaixo do mesmo tecto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 30, 2012 10:17 pm

De um lado, minha filha conformada, aguardando a morte;
de outro, meu genro e essa mulher que me insulta a família.

Deus do céu! que me foi reservado?
Andarei auxiliando uma filha doente ou sendo chamado à tolerância?
Mas, como suportar um homem desses?

Não adiantou um aceno à prudência, na pausa curta.
— Antigamente — tartamudeou ele, desesperado — acreditava que o inferno, depois da morte, fosse pular em vão num cárcere de fogo;
hoje aprendo que o inferno é voltar à Terra e estar com os parentes que já deixamos...

Isso é a purgação de nossos pecados!...

Félix aproximou-se e ponderou, segurando-lhe afectuosamente as mãos:
— Calma, Neves.
Sempre surge para todos nós o dia de provar aquilo que somos naquilo que ensinamos.

Além disso, Nemésio deve ser entendido...
— Entendido? — entaramelou-se o interlocutor — não chegará ter visto?

E acrescentou, quase irónico:
— Sabe o senhor qual é o rapaz que vem ocupando o pensamento dessa moça?

— Sei, mas deixa-me explicar — clareou Félix com brandura.
Principiemos por aceitar Nemésio na posição em que se encontra.
Como exigir da criança experiência da madureza ou pedir raciocínio certo ao alienado mental?

Sabemos que crescimento do corpo não expressa altura de espírito.
Nemésio é aluno da vida, qual nós mesmos, sem o benefício da lição em que estamos sendo instruídos.

Que seria de nós, na situação dele, sem a visão que actualmente nos favorece?
Provavelmente, cairíamos em condições piores...

— Quer dizer que devo aprová-lo?
— Ninguém aplaude a enfermidade, nem louva o desequilíbrio; no entanto, seria crueldade recusar simpatia e medicação ao doente.

Consideremos que Nemésio não é um companheiro desprezível.

Emaranhou-se em sugestões perigosas, mas não fugiu da esposa a quem presta assistência;
mostra-se engodado por extravagâncias emotivas de carácter deprimente que lhe dilapidam as forças;

contudo, não esqueceu a solidariedade, resolvendo oferecer casa própria e gratuita à senhora que lhe presta serviços remunerados;

acredita-se dono de juvenilidade física absolutamente irrisória, quando, na realidade, carrega um corpo em prematuro desgaste;
dedica-se apaixonadamente a uma jovem que o menoscaba, conquanto lhe consagre apreço respeitoso...

Não bastariam estas razões para merecer benevolência e carinho?
Quem de nós com a possibilidade de auxiliar?
Ele que anda cego ou nós que discernimos?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 30, 2012 10:18 pm

Não posso enaltecer-lhe as manobras lamentáveis, na esfera do sentimento;
entretanto, sou obrigado a confessar que ele, na ficha de analfabeto das verdades da alma, ainda não tombou de todo...

Com significativo tom de voz, o instrutor acentuou:
— Neves, Neves! A sublimação progressiva do sexo, em cada um de nós, é fornalha candente de sacrifícios continuados.

Não nos cabe condenar alguém por faltas em que talvez possamos incidir ou nas quais tenhamos sido passíveis de culpa em outras ocasiões.

Compreendamos para que sejamos compreendidos.

Neves silenciou, decerto controlado pela influência do amigo venerável, e, quando consegui fitá-lo, depois de alguns momentos de expectativa, percebi que se pusera, humildemente, em oração.
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