LUZ ESPÍRITA
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CONTOS E APÓLOGOS - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 22, 2011 9:34 am

CONTOS E APÓLOGOS
FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER

PELO ESPÍRITO IRMÃO X

Caro Amigo


Se você gostou deste livro e tem oportunidade de adquiri-lo, faça-o, pois os direitos autorais são doados a instituições de caridade.
Muita Paz

ÍNDICE

01 - A CAPA DE SANTO
02 - O CANDIDATO INTELECTUAL
03 - JUSTIÇA DE CIMA
04 - O FAROLEIRO DESPREVENIDO
05 - EU CONTRA EU
06 - O BENDITO AGUILHÃO
07 - A FICHA
08 - O REMÉDIO OBJECTIVO
09 - O CAÇADOR PROVIDENCIAL
10 - PARÁBOLA SIMPLES
11 - SEARA DE ÓDIO
12 - O EXAME DA CARIDADE
13 - LOUVORES RECUSADOS
14 - A LIÇÃO DO DISCERNIMENTO
15 - O ENIGMA DA OBSESSÃO
16 - O COMPANHEIRO DOS ANJOS
17 - O HOMEM QUE NÃO SE IRRITAVA
18 - NO CAMINHO DO AMOR
19 - A DIVINA VISÃO
20 - IDEIAS
21 - O ENCONTRO DIVINO
22 - A CONDUTA CRISTÃ
23 - DÍVIDA E RESGATE
24 - O AVISO OPORTUNO
25 - AS ROSAS DO INFINITO
26 - A ÚLTIMA TENTAÇÃO
27 - DAR E DEIXAR
28 - O CONFERENCISTA ATRIBULADO
29 - NO REINO DAS BORBOLETAS
30 - O ESCRIBA ENGANADO
31 - JUDICIOSA PONDERAÇÃO
32 - A CONSULTA
33 - A ESTRADA DE LUZ
34 - A ESCOLHA DO SENHOR
35 - QUESTÃO DE JUSTIÇA
36 - DEUS SEJA LOUVADO
37 - LENDA SIMBÓLICA
38 - A ESMOLA DA COMPAIXÃO
39 - INFORTÚNIO MATERNO
40 - NOS DOMÍNIOS DA SOMBRA


Última edição por O_Canto_da_Ave em Qui Jan 03, 2013 10:10 pm, editado 2 vez(es)
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 22, 2011 9:34 am

OFERENDA

Meu amigo:

A maneira dos velhos peregrinos que jornadeiam sem repouso, busco-te os ouvidos pelas portas do coração.

Senta-te aqui por um momento.
Somos poucos junto à árvore seivosa da amizade perfeita.

Muitos passaram traçando-te o caminho...

Visitaram-te muitos outros, compelindo-te a dobrar os joelhos perante o Céu...

Não te imponho um figurino para atitudes exteriores.

Ofereço-te o lume da experiência.

Não te aponto normas para a contemplação das estrelas.

Rogo veja no firmamento a presença divina da Divina Bondade.

Trago-te apenas as histórias simples e humildes, que ouvi de outros viajares.

Recebe-as, elas são nossas.

Guardam o sorriso dos que ensinam no templo do amor e as lágrimas dos que aprendem na escola do sofrimento.

Assemelham-se a flores pobres entretecidas de júbilo e pranto, dor e bênção, que deponho em tua alma para a viagem do mundo.

Acolhe-as com tolerância e benevolência!

Dir-te-ão todas elas que, além da morte, floresce a vida, tanto quanto da noite ressurge o esplendor solar, e que se há flagelação e desespero, ante o infortúnio dos homens, fulgem, sempre puras e renovadas, a esperança e a alegria, ante a glória de Deus.

Irmão X

Pedro Leopoldo, 30 de outubro de 1957
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 22, 2011 9:35 am

01 - A CAPA DE SANTO

Certo discípulo, extremamente aplicado ao Infinito Bem, depois de largo tempo ao lado do Divino Mestre recebeu a incumbência de servi-lo entre os homens da Terra.

Desceu da Esfera Superior em que se demorava e nasceu entre as criaturas para ser carpinteiro.

Operário digno e leal, muita vez experimentou conflitos amargosos, mas, fervoroso, apegava-se à protecção dos santos e terminou a primeira missão admiravelmente.

Tornou ao céu, jubiloso, e recebeu encargos de marinheiro.
Regressou à carne e trabalhou assíduo, em viagens inúmeras, espalhando benefícios em nome do Senhor.

Momentos houve em que a tempestade o defrontou ameaçador, mas o aprendiz, nas lides do mar, recorria aos Heróis Bem-Aventurados e entesourou forças para vencer.

Rematou o serviço de maneira louvável e voltou à Casa Celeste, de onde retornou ao mundo para ser copista.

Exercitaram-se, então, pacientemente, nos trabalhos de escrita, gravando luminosos ensinamentos dos sábios;
e, quando a aflição ou o enigma lhe visitaram a alma, lembrava-se dos Benfeitores Consagrados e nunca permaneceu sem o alívio esperado.

Novamente restituído ao Domicílio do Alto, sempre louvado pela conduta irrepreensível, desceu aos círculos de luta comum para ser lavrador.

Serviu com inexprimível abnegação à gleba em que renascera e, se as dores lhe buscavam o coração ou o lar, suplicava os bons ofícios dos Advogados dos Pecadores e jamais ficou desamparado.

Depois de precioso descanso, ressurgiu no campo humano para exercitar-se no domínio das ciências e das artes.

Foi aluno de filosofia e encontrou numerosas tentações contra a fé espontânea que lhe sustentava a alma simples e estudiosa;
todavia em todos os percalços do caminho, implorava a cooperação dos Grandes Instrutores da Perfeição, que haviam conquistado a áurea da santidade, nas mais diversas nações, e atravessaram ilesas, as provas difíceis.

Logo após, foi médico e surpreendeu padecimentos que nunca imaginara.

Afligiram-se milhares de vezes ante as agruras de muitos destinos lamentáveis;
refugiou-se na paciência, pediu socorro dos Protectores da Humanidade e, com o patrocínio deles, venceu, mais uma vez.

Tamanha devoção adquiriu que não sabia mais trabalhar sem recurso imediato ao concurso dos Espíritos Glorificados na própria sublimação.

Para ela, semelhantes benfeitores seriam campeões da graça, privilegiados do Pai Supremo ou súbdito favorecidos do Trono Eterno.

E, por isso, prossegui trabalhando, agarrando-se-lhes à colaboração.
Foi alfaiate, escultor, poeta, músico, escritor, professor, administrador, condutor, legislador e sempre se retirou da Terra com distinção.

Vitorioso em tantos encargos foi chamado pelo Mestre, que lhe falou, conciso:
- Tens vencido em todas as provas que te confiei e, agora, podes escolher a própria tarefa.

O discípulo, embriagado de ventura, considerou sem detença:
- Senhor, tantas graças tenho recebido dos Benfeitores Divinos, que, doravante, desejaria ser um deles, junto da Humanidade...

- Pretenderias, porventura, ser um santo? - indagou o Celeste Instrutor, sorrindo.
- Sim... - confirmou o aprendiz extasiado.

Continua...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 22, 2011 9:35 am

Continua...

O senhor, em tom grave, considerou:
- O fruto que alimenta deve estar suficientemente amadurecido...

Até hoje, na forma de operário, de artista, de administrador e orientador, tens estado a meu serviço, junto dos homens, junto de mim.
Há muita diferença...

Mas, o interlocutor insistiu, humilde, e o mestre não lhe negou a concessão.
Renasceu, desse modo, muito esperançoso, e, aos vinte anos de corpo físico, recebeu do Alto o manto resplandecente da santidade.

Manifestaram-se nele dons sublimes.
Adivinhava, curava, esclarecia, consolava.
A inteligência, a intuição e a ternura nele eram diferentes e fascinantes.

E o povo, reconhecendo-lhe a condição, buscou-lhe, em massa, as bênçãos e directrizes.

Bons e maus, justos e injustos, ignorantes e instruídos, jovens e velhos, exigiram-lhe, sem consideração por suas necessidades naturais, a saúde, o tempo, a paz e a vida.

Na categoria de santo, não podia subtrair-se à luta, nem desesperar, e por mais que fosse rodeado de manjares e flores, por parte dos devotos e beneficiários reconhecidos, não podia comer, nem dormir, nem pensar, nem lavar-se.
Devia dar, sem reclamação, as próprias forças, à maneira da vela, mantendo a chama por duas pontas.

Não valiam escusas, lágrimas, cansaço e serviço feito.
O povo exigia sempre.

Depois de dois anos de amargosa batalha espiritual, atormentado e desgostoso, dirigiu-se em preces ao Senhor e alegou que a capa de santo era por demais espinhosa e pesava excessivamente.

Reparando-lhe o pranto sincero, o Mestre ouviu-o, compadecido, e explicou:
- Olvidaste que, até agora, agiste no comando.

Na posição de carpinteiro, modelavas a madeira;
lavrador determinava o solo;
médico, ordenavas aos enfermos;
filósofo arregimentava ideias;

músico, tangias o instrumento; escultor cinzelava a pedra;
escritor dispunha sobre as letras;
professor instruía os menos sábios que tu mesmo;
administrador e legislador interferiam nos destinos alheios.

Sempre te emprestei autoridade e recurso para os trabalhos de determinação...

Para envergares a capa de santo, porém, é necessário aprender a servir...

A fim de alcançares esse glorioso fim, serás, de ora em diante, modelado, brunido, aprimorado e educado pela vida.

E enquanto o Mestre sorria complacente e bondoso, o discípulo em pranto, mas reconfortado, esperava novas ordenações para ingressar no precioso curso de obediência.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 22, 2011 9:36 am

02 - O CANDIDATO INTELECTUAL

Conta-se que Jesus, depois de infrutíferos desentendimentos com doutores da lei, em Jerusalém, acerca dos serviços da Boa-Nova, foi procurado por um candidato ao novo Reino, que se caracterizava pela profunda capacidade intelectual.

Recebeu-o o Mestre, cordialmente, e, em seguida às interpelações do futuro aprendiz, passou a explicar os objectivos do empreendimento.

O Evangelho seria a luz das nações e consolidar-se-ia à custa da renúncia e do devotamento dos discípulos.

Ensinaria aos homens a retribuição do mal com o bem, o perdão infinito com a infinita esperança.

A Paternidade Celeste resplandeceria para todos. Judeus e gentios converter-se-iam em irmãos, filhos do mesmo Pai.

O candidato inteligente, fixando no Senhor os olhos arguciosos, indagou:
-A que escola filosófica obedecerá?
-A escola do céu respondeu complacente, o Divino Amigo.

E outras perguntas choveram, improvisadas.

-Quem nos presidirá à organização?
-Nosso Pai Celestial.
-Em que base aceitará a dominação política dos romanos?
-Nas do respeito e do auxílio mútuos.

-Na hipótese de sermos perseguidos pelo Cinéreo, em nossas actividades, como proceder?
-Desculparemos a ignorância, quantas vezes for preciso.
-Qual o direito que competirá aos adeptos da Revelação Nova?
-O direito de servir sem exigências.

O rapaz arregalou os olhos aflitos e prosseguiu indagando:
-Em que consistirá desse modo, o salário do discípulo?
-Na alegria de praticar a bondade.
-Estaremos arregimentados num grande partido?
-Seremos, em todos os lugares, uma assembleia de trabalhadores atenta à Vontade Divina.

-O programa?
-Permanecerá nos ensinamentos novos de amor, trabalho, esperança, concórdia e perdão.
-Onde a voz imediata de comando?
-Na consciência.

-E os cofres mantedores do movimento?
-Situar-se-ão em nossa capacidade de produzir o bem.
-Com quem contaremos de imediatos?
-Acima de tudo com o Pai e, na estrada comum, com as nossas próprias forças.

-Quem reterá a melhor posição no ministério?
-Aquele que mais servir.

Continua...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 22, 2011 9:36 am

Continua...

O candidato coçou a cabeça, francamente desorientado, e continuou, finda a pausa:
-Que objectivo fundamental será o nosso?

Respondeu Jesus, sem se irritar:
-O mundo regenerado, enobrecido e feliz.
-Quanto tempo gastará?
-O tempo necessário.

-De quantos companheiros seguros dispomos para início da obra?
-Dos que puderem compreender-nos e quiserem ajudar-nos.
-Mas não teremos recursos de constranger os seguidores à colaboração activa?
-No Reino Divino não há violência.

-Quantos filósofos, sacerdotes e políticos nos acompanharão?
-Em nosso apostolado, a condição transitória não interessa e a qualidade permanece acima do número.
-A missão abrangerá quantos países?
-Todas as nações.

-Fará diferença entre senhores e escravos?
-Todos os homens são filhos de Deus.
-Em que sítio se levanta as construções de começo?
Aqui em Jerusalém?
-No coração dos aprendizes.

-Os livros de apontamento estão prontos?
-Sim.
-Quais são?
-Nossas vidas...

O talentoso adventício continuou a indagar, mas Jesus silenciou sorridente e calmo.

Após longa série de interrogativas sem resposta, o afoito rapaz inquiriu ansioso:
-Senhor, porque não esclareces?

O Cristo afagou-lhe os ombros inquietos e afirmou:
-Busca-me quando estiveres disposto a cooperar.

E, assim dizendo, abandonou Jerusalém na direcção da Galileia, onde procurou os pescadores rústicos e humildes que, realmente nada sabiam da cultura grega ou do Direito Romano, mantendo-se, contudo, perfeitamente prontos a trabalhar com alegria e servir por amor, sem perguntar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 22, 2011 9:36 am

03 - JUSTIÇA DE CIMA

Quatro operários solteiros quase todos da mesma idade compareceram ao tribunal de Justiça de Cima, depois de haverem perdido o corpo físico, num acidente espectacular.

Na Terra, foram analisados por idêntico padrão.
Excelentes rapazes, aniquilados pela morte, com as mesmas homenagens sociais e domésticas.

Na vida espiritual, contudo, mostravam-se diferentes entre si, reclamando variados estudos e diversa apreciação.

Ostentando, cada qual, um halo de irradiações específicas, foi conduzido ao juiz que lhes examinara o processo, durante alguns dias, atenciosamente.

O magistrado convidou um a um a lhe escutarem as determinações, em nome do Direito Universal, perante numerosa assembleia de interessados nas sentenças.

Ao primeiro deles, cercados de pontos escuros, como se estivesse envolvido numa atmosfera pardacenta, o compassivo julgador disse, bondoso:
-De tuas notas, transparecem os pesados compromissos que assumiste, utilizando os teus recursos de trabalho para fins inconfessáveis.

Há viúvas e órfãos, chorando no mundo, guardando amargas recordações de tua influência.

E porque o interpelado inquirisse quanto ao futuro que o aguardava, o árbitro amigo observou, sem afectação:
-Volta à paisagem onde viveste e recomeça a luta de redenção, reajustando o equilíbrio daqueles que prejudicaste.

És naturalmente obrigado a restituir-lhes a paz e a segurança.

Aproximou-se o segundo, que se movimentava sob irradiações cinzentas, e ouviu as seguintes considerações:
-Revelam os apontamentos a teu respeito que lesaste a fábrica em que trabalhavas.

Detiveste vencimento e vantagens que não correspondem ao esforço que despendeste.

E, percebendo-lhe as interrogações mentais, acrescentou:
-Torna ao teu antigo núcleo de serviço e auxilia os teus companheiros e as máquinas que exploraste em mau sentido.

É indispensável resgates os débitos de alguns milhares de horas, junto deles, em actividade assistencial.

Ao terceiro que se aproximou, a destoar dos precedentes pelo aspecto em que se apresentava, disse o juiz, generoso:
-As informações de tua romagem no Planeta Terrestre explicam que demonstraste louvável correcção no proceder.

Não te valeste das tuas possibilidades de serviço para prejudicar os semelhantes, não traíste as próprias obrigações e somente recebeu do mundo aquilo que te era realmente devido.

A tua consciência está quite com a Lei.
Podes escolher o teu novo tipo de experiência, mas ainda na Terra, onde precisas continuar no curso da própria sublimação.

Em seguida, surgiu o último.
Vinha nimbado de belo esplendor.
Raios de safira claridade envolviam-no todo, parecendo emitir felicidade e luz em todas as direcções.

O juiz inclinou-se, diante dele, e informou:
-Meu amigo, a colheita de tua sementeira confere-te a elevação.
Serviços mais nobres esperam-te mais alto.

Continua...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 22, 2011 9:37 am

Continua...

O trabalhador humilde, como que desejoso de ocultar a luz que o coroava, afastou-se em lágrimas de júbilo e gratidão, nos braços de velhos amigos que o cercavam, contentes, e, em razão das perguntas a explodirem nos colegas despeitados, que asseveravam nele conhecer um simples homem de trabalho, o julgador esclareceu persuasivo e bondoso:
-O irmão promovido é um herói anónimo da renúncia.

Nunca impôs qualquer prejuízo a alguém, sempre respeitou a oficina em que se honrava com a sua colaboração e não se limitou a ser correcto para com os deveres, através dos quais conquistava o que lhe era necessário à vida.

Sacrificava-se pelo bem de todos.
Soube ser delicado nas situações mais difíceis.
Suportava o fígado enfermo dos colegas, com bondade e entendimento.

Inspirava confiança.
Distribuía estímulo e entusiasmo.
Sorria e auxiliava sempre.

Centenas de corações seguiram-no, além da morte, oferecendo-lhe preces, alegrias e bênçãos.

A Lei Divina jamais se equivoca.

E porque o julgamento fora satisfatoriamente liquidado, o tribunal da Justiça de Cima, encerrou a sessão.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 22, 2011 9:38 am

04 - O FAROLEIRO DESPREVENIDO

O soldado Teofrasto, homem de excelente coração, fora nomeado faroleiro por Alcebíades, na expedição da Sicília, a fim de orientar as embarcações em zona perigosa do mar.

Por ali, rochedos pontiagudos esperavam sem piedade as galeras invigilantes.

Ainda mesmo fora da tempestade, quando a fúria dos deuses não soprava sibilante sobre a Terra, derribando casas e arvoredo, os pequenos e grandes barcos eram como que atraídos aos penhascos destruidores, qual ovelhas precipitadamente conduzidas ao matadouro.

Quantos viajantes havia já perdido a vida e os bens na traiçoeira passagem?
Quantos pescadores incautos não mais regressaram à bênção do lar?

Ninguém sabia.
Preservando, porém, a sorte de seus comandados, o grande general situou Teofrasto no farol que se erguia na costa, com a missão de iluminar o caminho equóreo, dentro da noite.

Para garantir-lhe o êxito, mandou-lhe emissários com vasta provisão de óleo puro.

O servidor, honrado com semelhante mandato, permaneceria no ministério da luz contra as trevas, defendendo a salvação de todos os que transitassem pelas águas escuras.

De início, Teofrasto desenvolveu, sem dificuldade, a tarefa que lhe competia.
Findo o crepúsculo, mantinha a luz acesa, revelando a rota libertadora.

Quando os vizinhos, porém, souberam que o soldado guardava um coração terno e bondoso, passaram a visitá-lo, amiúde.

Realmente estimavam nele a cordialidade e a doçura, mas o que procuravam, no fundo, era a concessão de óleo destinado às pequenas necessidades que lhes eram próprias.

O soldado, a breve tempo, era cercado de envolventes apelos.
Antifon, o lavrador, veio pedir-lhe meio barril do combustível para os serões de sua fazenda.

Eunice, a costureira, rogou-lhe duas ânforas cheias para terminar a confecção de algumas túnicas, além das horas do dia.

Embolo, o sapateiro, alegando que o pai agonizava, implorou-lhe a doação de alguns pratos de azeite, a fim de que o progenitor não morresse às escuras.

Crisóstomos, o fabricante de unguentos, reclamou cinco potes destinados à manipulação de remédios.
Cor Ciro, o negociante, implorou certa quota mais elevada para sustento de algumas tochas.

Todos os afeiçoados das redondezas, interessados em satisfazer as exigências domésticas, relacionaram solicitações simpáticas e comoventes.

Teofrasto, atingido na sensibilidade, distribuiu o combustível precioso pela ordem das rogativas.

Não podia sofrer o quadro angustioso, afirmava.
As requisições, no seu parecer, eram justas e oportunas.

Assim foi que, ao término de duas semanas, se esgotou a reserva de doze meses.

O funcionário não pôde comunicar-se facilmente com os postos avançados de comando e, tão logo se apagou o farol solitário, por várias noites consecutivas os penhascos espatifaram embarcações de todos os matizes.

Prestigiosos contingentes de tropas perderam a vida.
Confiados pescadores jamais tornaram ao ninho familiar.

Comerciantes diversos, portadores de valiosas soluções e problemas inquietantes da luta humana, desceram aflitos ao abismo do mar.

Alcebíades, naturalmente indignado, exonerou o servidor do elevado encargo, recomendando lhe fosse aplicado às penas da lei.

O médium cristão é sempre um faroleiro com as reservas de óleo das possibilidades divinas, a benefício de todos os que navegam a pleno oceano da experiência terrestre, indicando-lhes os rochedos das trevas e descerrando-lhes o rumo salvador:
todavia, quantos deles perdem a oportunidade de serviço vitorioso pela prisão indébita nos casos particulares que procedem geralmente de bagatelas da vida?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 22, 2011 9:38 am

05 - "EU " CONTRA "EU"

Quando o Homem ainda jovem desejou cometer o primeiro desatino, aproximou-se o Bom Senso e observou-lhe.
-Detém-te! Porque te confias assim ao mal?

O interpelado, porém respondeu orgulhoso:
-Eu quero.

Passando, mais tarde, à condição de perdulário e adoptando a extravagância e a loucura por normas de viver, apareceu a Ponderação e aconselhou-o:
-Pára! Porque te consagras, desse modo, ao gasto inconsequente?

Ele, contudo, esclareceu jactancioso:
-Eu posso.

Mais tarde, mobilizando os outros a serviço da própria insensatez, recebeu a visita da Humildade, que lhe rogou, piedosa:
-Reflecte! Porque te não compadeces dos mais fracos e dos mais ignorantes?

O infeliz, todavia, redarguiu colérico.
-Eu mando.

Absorvendo imensos recursos, inutilmente, quando poderia beneficiar a colectividade, abeirou-se dele o Amor e pediu:
-Modifica-te! Sê caridoso!
Como podes reter o rio das oportunidades sem socorrer o campo das necessidades alheias?

E o mísero informou:
-Eu ordeno.

Praticando actos condenáveis, que o levaram ao pelourinho da desaprovação pública, a Justiça acercou-se dele e recomendou:
-Não prossigas! Não te dói ferir tanta gente?

O infortunado, entretanto, acentuou implacável:
-Eu exijo.

E assim viveu o Homem, acreditando-se o centro do Universo, reclamando, oprimindo e dominando, sem ouvir as sugestões das virtudes que iluminam a Terra, até que, um dia, a Morte o procurou e lhe impôs a entrega do corpo físico.

O desditoso entendeu a gravidade do acontecimento, prosternou-se diante dela e considerou:
-Morte, porque me buscas?
-Eu quero - disse ela.

-Por que me constranges a aceitar-te? - gemeu triste.
-Eu posso - retrucou a visitante.

-Como podes atacar-me deste modo?
-Eu mando.

-Que poderes te movem?
-Eu ordeno.

-Defender-me-ei contra ti - clamou o Homem, desesperado -, duelarei e receberás a minha maldição!...

Mas a Morte sorriu imperturbável, e afirmou:
-Eu exijo.

E, na luta do "eu", contra "eu", conduziu-o à casa da Verdade para maiores lições.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 22, 2011 9:39 am

06 - O BENDITO AGUILHÃO

Atendendo a certas interrogações de Simão Pedro, no singelo agrupamento apostólico de Cafarnaum, Jesus explicava solícito:
-Destina-se a Boa-Nova, sobretudo, à vitória da fraternidade.

Nosso Pai espera que os povos do mundo se aproximem uns dos outros e que a maldade seja esquecida para sempre.

Não é justo combatam as criaturas reciprocamente, a pretexto de exercerem domínio indébito sobre os patrimónios da vida, dos quais somos todos simples usufrutuários.

Operemos, assim, contra a inveja que ateia o incêndio da cobiça, contra a vaidade que improvisa a loucura e contra o egoísmo que isola as almas entre si....

Naturalmente, a grande transformação não surgirá do inesperado.
Santifiquemos o verbo que antecipa a realização.

No pensamento bem conduzido e na prece fervorosa, receberemos as energias imprescindíveis à acção que nos cabe desenvolver.

A paciência no ensino garantirá êxito à sementeira, a esperança fiel alcançará o Reino divino, e a nossa palavra, aliada ao amor que auxilia, estabelecerá o império da infinita Bondade sobre o mundo inteiro.

Há sombras e moléstias por toda a parte, como se a existência na Terra fosse uma corrente de águas viciadas.

É imperioso reconhecer, porém, que, se regenerarmos a fonte, aparece adequada solução ao grande problema.

Restaurado o espírito, em suas linhas de pureza, sublimam-se-lhe as manifestações.

Em face da pausa natural que se fizera, espontânea, na exposição do Mestre, Pedro interferiu, perguntando:
-Senhor, as tuas afirmativas são sempre imagens da verdade.

Compreendo que o ensino da Boa-Nova estenderá a felicidade sobre toda a Terra...
No entanto, não concordas que as enfermidades são terríveis flagelos para a criatura?

E se curássemos todas as doenças?
Se proporcionássemos duradouro alívio a quantos padecem aflições do corpo?
Não acreditas que, assim instalaríamos bases mais seguras ao Reino de Deus?

E Filipe, ajuntou algo tímido:
-Grande realidade!...
Não é fácil concentrar ideias no Alto, quando o sofrimento físico nos incomoda.

É quase impossível meditar nos problemas da alma, se a carne permanece abatida de achaques...
Outros companheiros se exprimiram, apoiando o plano de protecção integral aos sofredores.

Jesus deixou que a serenidade reinasse de novo, e, louvando a piedade, comunicou aos amigos que, no dia imediato, a título de experiência, todos os enfermos seriam curados, antes da pregação.

Com efeito, no outro dia, desde manhãzinha, o Médico Celeste, acolitado pelos apóstolos, impôs suas milagrosas mãos sobre os doentes de todos os matizes.

Continua...
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CONTOS E APÓLOGOS - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS E APÓLOGOS - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 22, 2011 9:40 am

Continua...

No curso de algumas horas, foram libertados mais de cem prisioneiros da sarna, do cancro, do reumatismo, da paralisia, da cegueira, da obsessão...

Os enfermos penetravam o gabinete improvisado ao ar livre, com manifesta expressão de abatimento, e voltavam jubilosos.

Tão logo reapareciam, de olhar fulgurante, restituídos à alegria, à tranquilidade e ao movimento, formulava Pedro o convite fraterno para o banquete da verdade e luz.

O Mestre, em breves instantes, falaria com respeito à beleza da Eternidade e à glória do Infinito;
demonstraria o amor e a sabedoria do Pai e descortinaria horizontes divinos da renovação, desvendando segredos do Céu para que o povo traçasse luminoso caminho de elevação e aperfeiçoamento na Terra.

Os alegres beneficiados, contudo, se afastavam céleres, entre frases apressadas de agradecimento e desculpa.

Declaravam-se alguns ansiosamente esperados no ambiente doméstico e outros se afirmavam interessados em retomar certas ocupações vulgares, com urgência.

Com a cura da última feridenta, a vasta margem do lago contava apenas com a presença do Senhor e dos doze aprendizes.

Desagradável silêncio baixou sobre a reduzida assembleia.

O pescador de Cafarnaum endereçou significativo olhar de tristeza e desapontamento ao Mestre, mas o Cristo falou compassivo:
-Pedro, estuda a experiência e aguarda a lição.

Aliviemos a dor, mas não nos esqueçamos de que o sofrimento é criação do próprio homem, ajudando-o a esclarecer-se para a vida mais alta.

E sorrindo, expressivamente, rematou:
-A carne enfermiça é remédio salvador para o espírito envenenado.

Se o bendito aguilhão da enfermidade corporal é quase impossível tanger o rebanho humano do lodaçal da Terra para as culminâncias do Paraíso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 23, 2011 10:34 am

07 - A FICHA

João Mateus, distinto pregador do Evangelho na seara espírita, na noite em que atingiu meio século de idade no corpo físico, depois de orar enternecidamente com os amigos, foi deitar-se.

Sonhou que alcançava as portas da Vida Espiritual, e, deslumbrado com a leveza de que se via possuído, intentava alçar-se para melhor desfrutar a excelsitude do Paraíso, quando um funcionário da Passagem Celeste se aproximou, a lembrar-lhe, solícito:
- João, para evitar qualquer surpresa desagradável no avanço, convém uma visita de olhos em sua ficha...

E o viajante recebeu primoroso documento, em cuja face leu espantadiço:
-João Mateus.
-Renascimento na Terra em 1904.
-Berço manso.
-Pais carinhosos e amigos.

-Inteligência preciosa.
-Cérebro claro.
-Instrução digna.
-Bons livros.

-Juventude folgada.
-Boa saúde.
-Invejável noção de conforto.
-Sono calmo.

-Excelente apetite.
-Seguro abrigo doméstico.
-Constante protecção espiritual.
-Nunca sofreu acidentes de importância.

-Aos 20 anos de idade, empregou-se no comércio.
-Casou-se aos 25, em regime de escravização da mulher.
-Católico romano até os 26.
-Presenciou, sem maior atenção, 672 missas.

-Aos 27 de idade, transferiu-se para as fileiras espíritas.
-Compareceu a 2.195 sessões de Espiritismo, sob a invocação de Jesus.
-Realizou 1.602 palestras e pregações doutrinárias.
-Escreve cartas e páginas comoventes.

-Notável narrador.
-Polemista cauteloso.
-Quatro filhos.
-Boa mesa em casa.

-Não encontra tempo para auxiliar os filhos na procura do Cristo.
-Efectuou 106 viagens de repouso e distracção.
-Grande intolerância para com os vizinhos.

-Refractário a qualquer mudança de hábitos para a prestação de serviço aos outros.

Continua...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 23, 2011 10:35 am

Continua...

-Nunca percebe se ofende o próximo, através da sua conduta, mas revela extrema susceptibilidade ante a conduta alheia.

-Relaciona-se tão-somente com amigos do mesmo nível.
-Sofre horror às complicações da vida social, embora destaque incessantemente o imperativo da fraternidade entre os homens.

-Sabe defender-se com esmero em qualquer problema difícil.

-Além dos recursos naturais que lhe renderam respeitável posição e expressivo reconforto doméstico, sob o constante amparo de Jesus, através de múltiplos mensageiros, conserva bens imóveis no valor de Cr$ 600.000,00 e guarda em conta de lucro particular a importância de Cr$ 302.000,00.

-Para Jesus, que o procurou na pessoa de mendigos, de necessitados e doentes, deu durante toda vida 90 centavos.

-Para cooperar no apostolado do Cristo, já ofereceu 12 cruzeiros em obras de assistência social.

-Débito.............................................................

Quando ia ler o item referente às próprias dívidas, fortemente impressionado, João acordou.
Era manhãzinha...

À noite, bem-humorado, reuniu-se aos companheiros, relatando-lhes a ocorrência.

Estava transtornado, dizia.
O sonho o modificara-lhe o modo de pensar.
Consagrar-se-ia doravante a trabalho mais vivo no movimento espírita. Pretendia renovar-se por dentro, reuniria agora palavra e acção.

Para isso, achava-se disposto a colaborar substancialmente na construção de um lar destinado à recuperação de crianças desabrigadas que, desde muito, desejava socorrer.

A experiência daquela noite inesquecível era, decerto, um aviso precioso.
E, sorridente, despediu-se dos irmãos de ideal, solicitando-lhes novo reencontro para o dia seguinte.

Esperava assentar as bases da obra que se propunha levar efeito.

Contudo, na noite imediata, quando os amigos lhe bateram à porta, vitimado por um acidente das coronárias, João Mateus estava morto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 23, 2011 10:35 am

08 - O REMÉDIO OBJECTIVO

Isidoro Vianna, colaborador nos serviços da caridade cristã, não obstante o devotamento com que se entregara aos princípios evangélicos torturava-se, infinitamente, ante os golpes da crítica.

Nas sessões do grupo, vivia em queixas constantes.

Tão logo se incorporava Policarpo, o benfeitor espiritual que dirigia a casa, intervinha Isidoro, reclamando:
-Irmão Policarpo, está exausto!
Que me aconselha?

O mau juízo sufoca-me.
Se cumpro minhas obrigações, chamam-me bajulador;
se me afasto do dever durante alguns minutos, acusam-me de preguiçoso.

Toma-se a iniciativa do bem, declaram-me afoito, e, se aguardo a cooperação de alguém, classificam-me de tardio.
Que fazer?

O mentor desencarnado contornava o problema, delicadamente, e acabava asseverando:
-O plano Terrestre, meu amigo, ainda é de enormes contrastes.
A luz é combatida pelas trevas, o mal pelo bem.

A hostilidade que a ignorância nos abre favorece o trabalho geral de esclarecimento.
Tenhamos calmas e prossigamos a serviço de Nosso Senhor, que nos ajudou até à cruz.

O companheiro choramingava e, na próxima reunião, voltava a pedir:
-Irmão Policarpo, que tentar em favor da harmonia?
Minha boa-vontade é inexcedível, entretanto, como proceder ante os adversários gratuitos?

O cerco dessa gente é insuportável.
Não consigo caminhar em paz.

Renda-se culto à gentileza, abrindo o espírito à ternura dos amigos, dizem que sou explorador da confiança alheia e, se busco isolar-me, atento aos compromissos que assumi, afirmam que não passo de orgulhoso e mau irmão.

O protector respondia tolerante:
- A tarefa, meu amigo, será mesmo assim.
Quem conhece Jesus deve desculpar a leviandade daqueles que ainda o não conheço.

Aliás, a obra de evangelização das almas demanda paciência e perdão, com o sacrifício de nós mesmos.

Se não nos dispusermos a sofrer, de algum modo, pela causa do bem vitorioso, quem nos libertará do mal?

Tenhamos suficiente valor e imitemos o exemplo da suprema renúncia, do Mestre.

Isidoro gemia, concordando a contragosto;
contudo, na semana seguinte, repisava:
-Irmão Policarpo, que será de mim?
A opinião do mundo é obstáculo intransponível.

Não aguento mais.
Em tudo a censura castiga.

Continua...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 23, 2011 10:36 am

Continua...

Dão-se recursos materiais, contribuindo nas obras da compaixão fraternal, sou apontado por vaidoso com mania de ostentação, e, se procuro retrair-me, de alguma sorte, gritam por aí que tenho um coração empedernido e gangrenado.

A incompreensão dá para enlouquecer. Como agir?

O amigo generoso replicava sereno:
-Semelhantes conflitos são injunções da luta santificante.
Quem muito fala aprenderá, mais tarde, a calar-se...

Não se prenda às desarmonias alheias.
Ligue-se ao bem e acompanhe as sugestões mais nobres.

Enquanto a imperfeição dominar as almas, a crítica será um estilete afiado convocando-nos à demonstração das mais altas virtudes.

Coloque sua mente e seu coração na Vontade do Senhor e caminhe para frente.
As árvores ressequidas ou estéreis jamais recebem pedradas, Não têm fruto que tente os que passam.

Avancemos corajosos no trabalho cristão.

Isidoro lamentava-se e o assunto transferia-se à reunião imediata.

De semana a semana, o aprendiz chorão multiplicava perguntas, até que, certa noite, agastado talvez com os incessantes apelos à serenidade que o instrutor lhe propunha, exclamou desesperado:
-O que eu desejo irmão Policarpo, é uma orientação decisiva contra os ataques indébitos.

Que medida adoptar para não sermos perturbados?
Como anular a reprovação desalentadora?

Porque processo nos livrar-nos dela?
Como furtar-nos ao remoque, à deturpação, à maldade?

O benfeitor espiritual sorriu magnânimo, e acentuou:
-Ah! Já sei... Você pede um remédio objectivo...

-Isto mesmo! -tornou Isidoro, ansioso.

- Pois bem - concluiu o amigo espiritual, benevolente -, a única medida aconselhável é a paralisia da consciência.

Tome meio quilo de anestésicos por dia, descanse o corpo em poltronas e leitos, durma o resto da existência, despreocupe-se de todos os deveres, fuja à aspiração de elevar-se, resigne-se à própria ignorância e cole-se a ela, tanto quanto a ostra se agarra ao penedo, e, desde que você se faça completamente inútil, por mais nada fazer, a crítica baterá em retirada.

Experimente e verá.

Isidoro escutou a estranha fórmula, de olhos arregalados e, daí em diante, começou a servir sem perguntar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 23, 2011 10:36 am

09 - O CAÇADOR PROVIDENCIAL

Conversávamos acerca do sofrimento, quando o orientador hindu que nos acompanhava contou uma simplicidade infantil:
- O Anjo da Libertação desceu do Paraíso a este mundo, pousando num cômoro verdejante, a reduzida distância do mar.

Aproximaram-se dele um melro, um abutre, uma tartaruga e uma borboleta.

Reconhecendo que essa era a assembleia de que podia dispor para a revelação que trazia, o iluminado peregrino começou ali mesmo, a exalar as virtudes do Alto, convidando-os à Vida Superior.

Com frases convincentes, esclareceu que o melro, guindando aos cimos de luz, transformar-se-ia num pombo alvo, que o abutre seria metamorfoseado numa ave celestial, que a tartaruga receberia nova forma, suave e leve, em que lhe seria possível planar na imensidão azul e que a borboleta converter-se-ia em estrela luminescente...

Os ouvintes assinalaram as promessas com emoção;
no entanto, assim que o silêncio voltou a reinar, o melro alegou:
-Anjo bom, escuse-me!

Um ninho espera-me no arvoredo...
Meus filhotes não me entenderiam a ausência...
E afastou-se, apressado.

O abutre confessou em tom enigmático:
-Comovente é a vossa descrição do Plano Divino, entretanto, possuo interesses valiosos no mundo.

Preciso voar...
E partiu, batendo as asas, a fim de arrojar-se sobre carniça próxima.

A tartaruga moveu-se lentamente e explicou:
-Quisera seguir-vos, abandonando o cárcere sob o qual me arrasto no solo, contudo, tenho meus ovos na praia...

E regressou pachorrenta, à habitação que lhe era própria.

A borboleta achegou-se ao pregador da bem-aventurança e disse delicada:
-Santo, não posso viajar convosco.
Moro num tronco florido e meus parentes não me desculpariam a fuga.
E tornou à frescura do bosque.

O anjo, que não podia violentá-los, marchou sozinho, para adiante...

A borboleta, porém, apenas avançara alguns metros, na volta a casa, viu-se defrontada por hábil caçador que lhe cobiçava as asas brilhantes.

Após longa resistência, tentou alcançar a árvore em que residia, mas, perseguida, presenciou a morte de alguns dos familiares que repousavam.

Chorosa, buscou refugiar-se em velha furna, sendo facilmente desalojada pelo implacável verdugo.
Ensaiou, debalde, esconder-se entre velhos barcos esquecidos na areia...

Tudo em vão, porque o homem tenaz era astucioso e sabia frustrar-lhe todas as tentativas de defesa, armando-lhe ciladas cada vez mais inquietantes.

Continua...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 23, 2011 10:36 am

Continua...

Quando a pobre vítima se sentia fraquejar, lembrou-se do Anjo da Libertação e voou ao encontro dele.

O mensageiro divino recebeu-a, contente, e, oferecendo-lhe asilo nos próprios braços, garantiu-lhe a salvação.

O narrador fez pequena pausa e considerou:
-O sofrimento é assim como um caçador providencial em nossas experiências.

Sem ele, a Humanidade não se elevaria à renovação e ao progresso.
Quem se acomoda com os planos inferiores, dificilmente consegue descortinar a Vida Mais Alta, sem o concurso da dor.

Saibamos, assim, tolerar a aflição e aproveitá-la.

Quando a criatura se vê na condição da borboleta aflita e desajustada, aprende a receber na Terra o socorro do céu.

Calou-se o mentor sábio, e, porque ninguém comentasse o formoso apólogo, passamos todos a reflectir.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 23, 2011 10:37 am

10 - PARÁBOLA SIMPLES

Diversos aprendizes rodeavam o Senhor, em Cafarnaum, em discussão acesa, com respeito ao poder da palavra, acentuando-lhes os bens e os males.

Propunham alguns o verbo contundente para a regeneração do mundo, enquanto outros preconizavam a frase branda e compreensiva.

Reparando o tom de azedia nos companheiros irritadiços, o Mestre interferiu e contou uma parábola simples.

¯ Certa feita - narrou, com doçura, - o Génio do Bem, atendente à prece de um lavrador de vida singela, emitiu um raio de luz e insuflou-o sobre o coração dele, em forma de pequenina observação carinhosa e estimulante, através de uma boca optimista.

No peito do modesto homem do campo, a fagulha acentuou-se, inflamando-lhe os sentimentos mais elevados numa chama sublime de ideal do Bem, derramando-se para todas as pessoas que povoavam a paisagem.

Em breve tempo, o raio minúsculo era uma fonte de claridade a criar serviço edificante em todos os círculos do sítio abençoado;
sob a sua actuação permanente, os trigais cresceram com promessas mais amplas e a vinha robusta anunciava abundância e alegria.

Converteu-se o raio de luz em esperança e felicidade na alma dos lavradores e a seara bem provida avançou, triunfal, do campo venturoso para todas as regiões que o cercavam, à maneira de mensagem sublime de paz e fartura.

Muita gente ocorreu aquele recanto risonho e calmo, tentando aprender a ciência da produção fácil e primorosa e conduziu para as zonas mais distantes os processos pacíficos de esforço e colaboração, que o lume da boa vontade ali instalara no ânimo geral.

Ao fim de alguns poucos anos, o raio de luz transformara-se numa época de colheitas sadias para a tranquilidade popular.

O Mestre fez ligeiro intervalo e continuou:
Veio, porém, um dia em que o povo afortunado, orgulhando –se agora do poderio obtido com o auxílio oculto da gratidão que devia à magnanimidade celeste e pretendeu humilhar uma nação vizinha.

Isso bastou para que grande brecha se abrisse à influência do Génio do Mal, que emitiu um estilete de treva sobre ao coração de uma pobre mulher do povo, por intermédio de uma boca maldizente.

A infortunada criatura não mais sentiu a claridade interior da harmonia e deixou que o traço de sombra se multiplicasse indefinidamente em seu íntimo de mãe enceguecida...

Logo após, despejou a sua provisão de trevas, já transbordante, na alma de dois filhos que trabalhavam num extenso vinhedo e ambos, envenenados por pensamentos escuros de revolta, facilmente encontraram companheiros dispostos a absorver-lhes os espinhos invisíveis de indisciplina e maldade, incendiando vasta propriedade e empobrecendo vários senhores de rebanhos e terras, dantes prósperos.

A perversa iniciativa encontrou vários imitadores e, em tempo curto, estabeleceram-se estéreis conflitos em todo o reino.

Administradores e servos confiaram-se, desvairados, a duelo mortal, trazendo o domínio da miséria que passou a imperar, detestada e cruel para todos.

O Divino amigo silenciou por minutos longos e acrescentou:
- Nesta parábola humilde, temos o símbolo da palavra preciosa e da palavra infeliz.

Uma frase de incentivo e bondade é um raio de luz, susceptível de erguer uma nação inteira, mas uma sentença perturbadora pode transportar todo um povo à ruína...

Pensou, pensou e concluiu:
- Estejamos certos de que se lhe oferece à paisagem, a treva rola também, enegrecendo o que vai encontrando.

Em verdade, a acção é dos braços, mas a direcção vem sempre do pensamento, através da língua.

E sendo todo homem filho de Deus e herdeiro d'Ele, na criação e na extensão da vida, ouça quem tiver “ouvidos de ouvir”.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 23, 2011 10:37 am

11 - SEARA DE ÓDIO

- Não! Não te quero em meus braços! - dizia a jovem mãe, a quem a Lei do Senhor conferira a doce missão da maternidade, para o filho que lhe desabrochava do seio - não me furtarás a beleza!
Significas trabalho, renúncia, sofrimento...

- Mãe, deixa-me viver!...
Suplicava-lhe a criancinha no santuário da consciência - estamos juntos!
Dá-me a bênção do corpo!

Devo lutar e regenerar-me.
Sorverei contigo a taça de suor e lágrimas, procurando redimir-me... Completar-nos-emos.

Dá-me arrimo, dar-te-ei alegria.
Serei o rebento de teu amor, tanto quanto serás para mim a árvore de luz, em cujos ramos tecerei o meu ninho de paz e de esperança...

- Não, não...
- Não me abandones!
- Expulsar-te-ei.
- Piedade mãe! Não vês que procedemos de longe, alma com alma, coração a coração?
- Que importa o passado?
Vejo em ti tão-somente o intruso, cuja presença não pedi.

- Esqueces-te, mãe, de que Deus nos reúne?
Não me cerres a porta!...
- Sou mulher e sou livre.
Sufocar-te-ei antes do berço...
- Compadece-te de mim!...
- Não posso. Sou mocidade e prazer, és perturbação e obstáculo.

- Ajuda-me!
- Auxiliar-te seria cortar em minha própria carne.
Disputo a minha felicidade e a minha leveza feminil...
- Mãe, ampara-me! Procuro o serviço de minha restauração...

Dia a dia, renovava-se o diálogo sem palavras, até que, quando a criança tentava vir à luz, disse-lhe a mãezinha cega e infortunada, constrangendo-a a beber o fel da frustração:
- Torna à sombra de onde vens! Morre! Morre!
- Mãe, mãe! Não me mates! Protege-me! Deixa-me viver...
- Nunca!

- Socorre-me!
- Não posso.

Duramente repelido, caiu o pobre filho nas trevas da revolta e, no anseio desesperado de preservar o corpo tenro, agarrou-se ao coração dela, que destrambelhou, à maneira de um relógio desconsertado...

Ambos, então, ao invés de continuarem na graça da vida, precipitaram-se no despenhadeiro da morte.
Desprovidos do invólucro carnal, projectaram-se no Espaço, gritando acusações recíprocas.

Continua...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 23, 2011 10:37 am

Continua...

Achavam-se, porém, ligados um ao outro, pelas cadeias magnéticas de pesados compromissos, arrastando-se por muito tempo, detestando-se e recriminando-se mutuamente...

A sementeira de crueldade atraía a seara de ódio.
E a seara de ódio lhes impunha nefasto desequilíbrio.

Anos e anos desdobraram-se, sombrios e inquietantes, para os dois, até que, um dia, caridoso Espírito de mulher recordou-se deles em preces de carinho e piedade, como a ofertar-lhes o próprio seio.

Ambos responderam, famintos de consolo e renovação, aceitando o generoso abrigo...
Envolvidos pela caricia maternal, repousaram enfim.
Brando sono pacificou-lhes a mente dolorida.

Todavia, quando despertaram de novo na Terra, traziam o estigma do clamoroso débito em que se haviam reunido, reaparecendo, entre os homens, como duas almas apaixonadas pela carne, disputando o mesmo vaso físico, no triste fenómeno de um corpo único, sustentando duas cabeças.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 24, 2011 10:06 am

12 - O EXAME DA CARIDADE

Em populosa cidade do Brasil, os três amigos, Ribeiro, Pires e Martins, inspirados no Espiritismo consolador, fundaram prestigioso núcleo doutrinário, exclusivamente consagrado a estudos da caridade cristã.

Expressivo número de companheiros se lhes agregaram ao ideal e entidades amigas, através de médiuns devotados à Causa, se revelaram simpáticas, ao trabalho que se propunham desenvolver, colaborando brilhantemente para que a melhor compreensão do Evangelho reinasse no grupo;
dentre elas, salientava-se a benfeitora Custódia, que tomou a si o encargo maternal de orientar os três companheiros que haviam entrelaçado esperanças e aspirações, em torno da redentora virtude.

Irmã Custódia ensaiava as mais belas tarefas verbais, na condição de iluminada instrutora;
e Ribeiro, Pires e Martins completavam-lhe a obra, proferindo comentários luminosos, junto à comunidade acolhedora.

Livros edificantes eram interpretados com inimitável brilho.
A protectora invisível aos trabalhadores encarnados rejubilava-se, feliz.

Explicava-nos, exultante, que encontrara, finalmente, uma sementeira promissora, que lhe dava direito à mais ampla expectativa.

A caridade, ali, seria, a breve tempo, árvore abençoada e frondosa, resultando em fonte para sedentos, mesa farta aos famintos e refúgio calmo aos sofredores.

Conferências evangélicas multiplicavam-se em admiráveis torneios oratórios.
Convertera-se a casa num florilégio precioso.

Cada irmão na fé, amparando-se, sobretudo, nas convicções dos três fundadores, incansáveis nas prelecções reconfortantes, era portador de observações fraternas e convincentes.

Inúmeros estudiosos visitaram, com enlevo, aquele reduto iluminativo e, ao se despedirem, quase sempre tinham lágrimas copiosas, ante a emoção recolhida nos discursos sublimes.

Autores quais Richet, Delanne e Crookes, inclinados às perquirições cientificas, quando lidos em semelhante parlamento de amor, soavam estranhamente, porque, no fundo, a instituição era um templo exclusivamente dedicado ao evangelismo salvador.

Avizinhando-se o décimo aniversário da instalação, Custódia, a benfeitora, pediu que fizessem orações comemorativas, especiais.

As irradiações da caridade do Alto visitariam os três pilares humanos daquela obra divina e, por isso, convidava o trio a solenizar o acontecimento com palavras de louvor ao Mestre dos mestres.

Ribeiro, Pires e Martins exultaram de contentamento.

Combinaram pronunciar três palestras diferentes, no dia indicado.

Um deles falaria sobre o tema “Caridade e Humanidade”, o segundo discorreria sobre “Caridade e Iluminação” e o último sobre “Caridade e Harmonia”.

Chegada a noite de paz e luz, no templo ornado de flores, a trindade orientadora encantou os ouvintes com as suas dissertações renovadoras e inspiradas.

Houve preces tocantes, de mistura com lágrimas insofreáveis.

Continua...
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 24, 2011 10:07 am

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A mentora espiritual da casa comunicou-se, através de conceitos construtivos e comoventes, esclarecendo que, por haver reservado pequena tarefa para si mesma, durante as horas próximas, tornaria ao agrupamento na semana seguinte, de maneira a apreciar os júbilos da efeméride com a desejável amplitude.

E a notável sessão foi encerrada com indisfarçáveis sensações de ventura no espírito colectivo.

Ribeiro, Pires e Martins, não cabendo em si de contentes, evitaram o bonde, para melhor se entregarem à conversação íntima e longa, no retorno ao ambiente doméstico.

Não haviam caminhado um quilómetro, quando foram defrontados por uma senhora de humilde expressão.

Não se lhe viam os traços fisionómicos, com suficiente nitidez, mas os pés calçados pobremente, a roupa modesta e limpa e o chalé escuro infundiam-lhe dignidade venerável.

Abordou-os, franca e reverente:
– Senhores! ajudem-me, em nome da caridade!
Estou sozinha e é mais de meia-noite...
Tenho trabalho urgente em arrabalde próximo, entretanto, na posição em que me vejo, sou desconhecida na cidade.

E, em tom súplice, acentuou:
– Qual dos três me concederá um abrigo até manhãzinha?
Somente até o nascer do Sol...

Os cavalheiros entreolharam-se, assustadiços.

Ribeiro, constrangido, manifestou-se, hesitante:
– Infelizmente, não posso.
Minha mulher não compreenderia.

Pires, encorajado, ajuntou:
– Eu também sinto dificuldade.
Sem dúvida, estou pronto a praticar o bem;
contudo, a senhora, apesar de credora de todo o meu respeito, é mulher, e meus vizinhos não me perdoariam, notando-lhe a presença, junto de mim...

Martins, por último, falou, firme:
– Por minha vez, nada posso fazer.
Realmente não sou um homem sem lar.

Minha família, entretanto, não entenderia a concessão que a senhora está pedindo.
Aliás, não é mesmo razoável o que solicita a uma hora destas...
Não posso arriscar...

Enorme silêncio abateu-se, ali, sobre os quatro, mas Ribeiro lembrou que se quotizassem, oferecendo-se-lhe um leito, por algumas horas, num hotel barato.

Cada qual ofereceu cinco cruzeiros e a senhora afastou-se, com palavras de agradecimento.
Acontece, no entanto, que nem Ribeiro, nem Pires, nem Martins conseguiram repousar.

Preocupados com o incidente, ergueram-se, antes do amanhecer, e encontraram-se, infinitamente surpreendidos, à porta da pensão modesta que haviam indicado à forasteira.

Continua...
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 24, 2011 10:07 am

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Algo lhes feria a consciência e o coração.
Desejavam saber como havia passado a senhora que lhes dirigira a palavra com tão grande confiança e intimidade.

Não conseguiram, porém, a mínima notícia, até que, na reunião da semana seguinte, consoante a promessa que formulara, Custódia apareceu e, muito bem-humorada, através do médium, explicou ao trio assombrado:
– Sim, meus amigos, aquela senhora era eu mesma.

Com a graça de Jesus, materializei-me, em plena rua, a fim de examinar-lhes o progresso em matéria de caridade.

Reparei que para vocês ainda é muito difícil abrir a porta do lar.

Mas, se com dez anos de estudo, puderam desatar a bolsa e ceder quinze cruzeiros, sentir-me-ei muito feliz se conseguirem abrir o coração ao verdadeiro amor fraterno, daqui a cem anos...

Sorriu, expressivamente, embora um tanto desapontada, e rematou:
– O essencial, porém, é não interromperem, de nenhum modo, o estudo e o trabalho na direcção do Alto...

Não há motivo para desânimo!
Vamos continuar.
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13 - LOUVORES RECUSADOS

Conta-se no plano espiritual que Vicente de Paulo oficiava num templo aristocrático da França, em cerimónia de grande gala, à frente de ricos senhores coloniais, capitães do mar, guerreiros condecorados, políticos ociosos e avarentos sórdidos, quando, a certa altura da solenidade, se verificou à frente do altar inesperado louvor público.

Velho corsário abeirou-se da sagrada mesa eucarística e bradou, contrito:
– Senhor, agradeço-te os navios preciosos que colocaste em meu roteiro.
Meus negócios estão prósperos, graças a ti, que me designaste boa presa.

Não permitas, ó Senhor, que teu servo fiel se perca de miséria.
Dar-te-ei valiosos dízimos.
Erguerei uma nova igreja em tua honra e tomo os presentes por testemunhas de meu voto espontâneo.

Outro devoto adiantou-se e falou em voz alta:
– Senhor, minhalma freme de júbilo pela herança que enviaste à minha casa pela morte de meu avô que, em outro tempo, te serviu gloriosamente no campo de batalha.

Agora podemos, enfim, descansar sob a tua protecção, olvidando o trabalho e a fadiga.
Seja louvado o teu nome para sempre.

Um cavalheiro maduro, exibindo o rosto caprichosamente enrugado, agradeceu:
– Mestre Divino, trago-te a minha gratidão ardente pela vitória na demanda provincial.

Eu sabia que a tua bondade não me desprezaria.
Graças ao teu poder, minhas terras foram dilatadas.
Construirei por isso um santuário em tua memória bendita, para comemorar o triunfo que me conferiste por justiça.

Adornada senhora tomou posição e exclamou:
– Divino Salvador, meus campos da colónia distante, com o teu auxílio, estão agora produzindo satisfatoriamente.

Agradeço os negros sadios e submissos que me mandaste e, em sinal de minha sincera contrição, cederei à tua igreja boa parte dos meus rendimentos.

Um homem antigo, de uniforme agaloado, acercou-se do altar e clamou estentórico:
– A ti, Mestre da Infinita Bondade, o meu regozijo pelas gratificações com que fui quinhoado.

Os meus latifúndios procedem de tua bênção.
É verdade que para preservá-los sustentei a luta e alguns miseráveis foram mortos, mas quem senão tu mesmo colocaria a força em minhas mãos para a defesa indispensável?

Doravante, não precisarei cogitar do futuro...
De minha poltrona calma, farei orações fervorosas, fugindo ao imundo intercâmbio com os pecadores.

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