LUZ ESPÍRITA
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Página 1 de 4 1, 2, 3, 4  Seguinte

Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 07, 2011 9:27 pm

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA
FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER

PELO ESPÍRITO IRMÃO X

“O bom livro é tesouro de Amor e Sabedoria.
Na sua claridade, santificamos a experiência de cada dia, encontramos horizontes novos e erguemos o próprio coração para a vida mais alta.”


Emmanuel – Cartas do Coração.

Meu amigo:
Os direitos autorais de livros espíritas são doados a instituições de caridade, por isso se dispõe de recursos para comprá-los, compre-os, pois seu auxílio é muito importante.

DE INÍCIO

1 - MEDIUNIDADE
2 - FÁBULA SIMPLES
3 - O FERREIRO INTRANSIGENTE
4 - APRENDIZES E ADVERSÁRIOS
5 - O ANJO CINZENTO
6 - TELEFONEMA INESPERADO
7 - SERVIR MAIS
8 - MACÁRIO FAGUNDES
9 - EXAME DE VIRTUDE
10 - EM NOME DE JESUS
11 - APUROS DE UM MORTO
12 - VERDUGO E VÍTIMA
13 - A ÚNICA DÁDIVA
14 - A RESPOSTA DO BENFEITOR
15 - POSIÇÕES
16 - A LIÇÃO MAIOR
17 - FESTAS
18 - DIÁRIO DE UM MÉDIUM
19 - A CASCA DE BANANA
20 - T. B. C.
21 - RELIGIÕES IRMANADAS
22 - PUREZA EM BRANCO
23 - ELES VIVERÃO
24 - O ANJO, O SANTO E O PECADOR
25 - SURPRESA
26 - O SEGREDO DA JUVENTUDE
27 - NA VINHA DO SENHOR
28 - EXAME DE FÉ
29 - O ESCRIBA INCRÉDULO
30 - CANDIDATO À REDENÇÃO
31 - A CAMPANHA DA PAZ
32 - UM DESASTRE
33 – NOTÍCIAS DE JONAS
34 – O MANCEBO RICO
35 - TALIDOMIDA
36 - CARTA SINGULAR
37 - MÉDIUNS ESPÍRITAS
38 - DECISÃO NAS TREVAS
39 - ÁLBUM MATERNO
40 - O GRUPO PERFEITO


Última edição por O_Canto_da_Ave em Qui Jan 03, 2013 10:10 pm, editado 2 vez(es)
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 07, 2011 9:28 pm

DE INÍCIO

Devotado amigo espiritual costuma dizer-nos que há livros – revelações, livros – tesouros, livros – bálsamos, livros – refeições, livros – venenos, livros – bombas.

Propomo-nos definir este volume como sendo prato inofensivo – lanche mental leve e simples –, aspirando a ser útil aos viajores da terra, seja na travessia de pequenas dificuldades ou na indagação construtiva para a escolha de rumos.

Ao alinhavar-lhe as páginas, no texto das quais reunimos, despretensiosamente, algumas sugestões e lições do quotidiano, não tivemos a menor preocupação de artesanato e nem qualquer intento de impressionar pelo manejo de citas e cinzéis.

Aqui, neste punhado de crónicas humildes, encontrará o leitor amigo apenas o desejo de aprender com todos, na permuta de ideias e sentimentos que nos restaurem as energias da alma, em ágape ligeiro, sem mergulhar, de modo profundo, nas realidades da vida.

Em nos referindo a repasto breve nos valores do espírito, sem maior imersão no conhecimento superior, dir-se-á talvez que ignoramos o engano de Esaú, trocando com Jacob os direitos da primogenitura por uma tigela de lentilhas, atitude estouvada num caçador exímio qual o neto de Abraão, perfeitamente capaz de esperar pelos quitutes de Rebeca.

Cabe-nos declarar, formalmente, que não desconsideramos, de maneira alguma, a necessidade do estudo e da meditação, diante dos problemas do Universo, que nos compelem ao trato dos livros – luzes;
nós, porém, os homens desencarnados - companheiros e devedores da multidão terrestre, atormentada pela fome de paz e esclarecimento -, não podemos olvidar que Jesus, ante o povo exausto e doente, ensinou a verdade mas multiplicou também o pão.

Irmão X
Uberaba, 20 de janeiro de 1964.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 07, 2011 9:28 pm

1 - MEDIUNIDADE

No limiar do sono, Adelino Saraiva inquiria em prece:
“Senhor, por que motivo tanta indiferença dos homens, perante a mediunidade?

Prodígios aparecem, maravilhas se fazem.
A sobrevivência, para lá da morte, é matéria provada.

Há mais de um século, Senhor, medianeiros inúmeros hão nascido entre os homens, entregando às nações constantes mensagens da vida eterna.

Porque razão a distância entre a fé e a ciência?
Não seria justo obrigar o poder humano a render-se?

Porque adiar a padronização da energia mediúnica, através da qual os desencarnados se exprimam, de maneira inequívoca, compelindo os povos a reconhecerem a vida, além?

Sob o crivo de mentes múltiplas, a mediunidade parece combater a si própria...

Entretanto, Senhor, se controlada pela administração terrestre, indiscutivelmente proporcionará demonstrações matemáticas, afirmando-se em certezas irremovíveis, qual acontece à radiofonia e à televisão.”


Saraiva entrou em sonho e, como se fosse arrebatado de improviso, reconheceu-se em cidade enorme.

Ele, médium abnegado, continuava médium;
contudo, facto estranho, via-se num carro faustoso, escoltado por assessores atentos.

Sentia-se nimbado de importância pessoal, mas constrangido por fiscalização rigorosa.

Depois de longo trajecto por ruas e praças, em que lhe era dado observar o temor e a veneração que os circunstantes lhe tributavam, atingiu palácio soberbo, onde outros médiuns o esperavam.

Reparou que ele e os demais trajavam roupa a carácter, conforme o grau de autoridade que lhes era atribuído.

Túnicas douradas, faixas róseas, auréolas de prata, símbolos, anéis, amuletos...
Ante as ordens de um chefe, acomodaram-se em poltronas para a recepção da palavra nascida nos planos superiores.

Surpreendido, porém, notou que ali, naquele monumento de governança onde a mediunidade era absolutamente reverenciada e reconhecida, a mensagem dos instrutores desencarnados não encontrava curso livre.

As lições e apelos da Esfera Sublime sofriam podas e enxertos, segundo as conveniências dos maiorais.

Espíritos generosos e amigos deviam ceder lugar a vampiros astuciosos que inspiravam projectos de exploração e influência.

Conservava-se o nome de Deus e a custódia do Evangelho nas legendas da luzidia reunião;
contudo, à socapa, os directores do conclave, não obstante aparente respeito aos dons medianímicos, torciam as revelações na pauta dos interesses políticos.

Finança e prestígio social, luxo e dominação surgiam na ponta.
Ninguém queria saber de justiça divina e fraternidade humana.
Que a Humanidade ficasse onde estava, que o povo era besta de carga, desde o princípio do mundo.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 07, 2011 9:29 pm

Progredisse quem quisesse.
Nada de auxílio espontâneo.
Só o grupo prepotente devia mandar.

Conversava-se, em nome de Jesus, mas não faltava ali mesmo quem se referisse ao suposto fracasso do Mestre.

Nem o Cristo havia escapado à condenação.
Que companheiro algum fosse tão tolo ao ponto de provocar o levantamento de novas cruzes.

Que o mundo espiritual existia, era assunto pacífico; no entanto, que ninguém se despreocupasse do bolso cheio e da mesa farta, na própria Terra, ainda que isso custasse suor e sangue dos semelhantes.

Ergue-se Adelino, corajoso, e protestou veemente.
Esclareceu que a mediunidade é instrumento do Senhor para alívio e instrução de todas as criaturas.

Não devia sofrer restrições ou converter-se em agentes de sindicatos das trevas, à maneira dessa ou daquela preciosa força da Natureza, jugulada pelos empresários do crime e pelos fazedores da morte...

Saraiva gritou, agitou-se, explicou e indignou-se, mas, por resposta, foi atado de pés e mãos e, em seguida, lançado ao silêncio do cárcere.

Debatia-se, apavorado, na laje fria, cercado de aranhas e escorpiões, quando acordou, no leito, suarento e desfigurado, verificando que a experiência não passara de um pesadelo...

Saraiva sentou-se e reflectiu maduramente.

Logo após, colocando-se em prece para agradecer a lição recebida, viu Rogério, o amigo espiritual, que o assistia nas tarefas comuns, a dizer-lhe, bem-humorado:
- Compreendeu, meu filho?

Vocês consideram estranha a atitude do Plano Superior, deixando a mediunidade ao alcance de todos, muitas vezes submetida aos caprichos de cada um, embora com a luz da Doutrina Espírita a plasmar-lhe o roteiro;
contudo, enquanto os governantes do mundo não se edificarem nos merecimentos do espírito, se não quisermos ser dinamite no carro da perturbação e da violência, é necessário sofrer o desprezo dos poderosos e continuar assim mesmo.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 07, 2011 9:30 pm

2 - FÁBULA SIMPLES

Quando o diamante já talhado se abeirou da pedra preciosa, saída de cerro áspero, clamou, irritadiço:
- Que coisa informe!
Rugosidades por todos os lados!...
Que farei de semelhante aborto da Natureza?


E roçou, com superioridade, sobre a pedra bruta.
A pobrezinha, mal saída do solo em que dormira por milénios, sentindo-se melindrada, tentou reclamar;
entretanto, ao observar o clivador, cheio de esperança na utilidade que ela podia oferecer, calou-se.

Findo o dia, o operário recebeu o salário que lhe competia e contemplou-a, tomado de gratidão.

A pedra intimamente compensada, esperou.

No dia seguinte, veio o martelo cónico e, desapiedado, riu-se dela, exclamando:
- Nariz de rochedo, quem teria o mau gosto de aperfeiçoar-te?
Porque a infelicidade de entrar em comunhão contigo, seixo maldito?

O cristal sofredor ia revidar, mas vendo que o trabalhador, que mobilizaria a massa contra ele, o mirava com enternecimento, preferiu silenciar, entregando-se paciente à nova operação de lapidagem.

Sabendo, em seguida, que o operário obtinha, feliz, substanciosa paga, reconheceu-se igualmente enriquecido.

Mais tarde, apareceu o pó de diamante, que gritou, irónico:
- Porque a humilhação de trabalhar essa pedra amarelada e baça?
Quem teria descoberto esse calhau feio e desvalioso?

A pedra ia responder, protestando; contudo, reparou que o lapidário a fixava com respeito, denotando entender-lhe a nobreza interior, e, em homenagem àquele silencioso admirador de sua beleza, emudeceu e deixou-se torturar.

Quando o lapidador recolheu o pagamento que lhe cabia, deu-se ela por bem remunerada.

Logo após chegou a mó de polir, que falou, mordaz:
- Esta velha cristalização de carbono é indigna de qualquer tratamento...
Que poderá resultar dela?
Porque perder tempo com este aleijão da mina?

A pedra propunha-se aclarar a situação; contudo, notando a jubilosa expectativa do artífice, que lhe identificara a grandeza, aquietou-se, obediente, e suportou com calma todos os insultos que lhe foram desferidos sobre as faces, até que o próprio polidor a acariciou, venturosamente.

Sem perceber-lhe o valor, o diamante talhado, o martelo, o pó de diamante e a mó viram-na sair, colada ao coração do operário, em triunfo, permanecendo espantados e ignorantes, na sombra da suja caverna de lapidação em que a presença deles tinha razão de ser.

Passados alguns dias, a pedra convertida em soberbo brilhante foi engastada no ceptro do governador do seu país natal, passando a viver, querida e abençoada, sob a veneração de todos.

Se encontras-te no mundo criaturas que se fizeram diamante descaridoso, martelo impiedoso, pó irónico ou mó sarcástica sobre o réu coração, suporta-as com paciência, por amor daqueles que caminham contigo, e espera, sem desânimo, porque, um dia, transformada a tua alma em celeste clarão, virás à furna terrestre agradecer-lhes as exigências e os infortúnios com que te alçaram à glória dos cimos!...
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 07, 2011 9:30 pm

3 - O FERREIRO INTRANSIGENTE

Comentávamos o problema da compaixão, quando se abeirou de nós antigo orientador e narrou, bem-humorado:
- Conheci um caso interessante na Idade Média.

Em que pequenina aldeia do Velho Mundo que os séculos já transformaram, jovem ferreiro apaixonou-se pelo rigor da justiça.

Integrando certa facção política, considerava todas as pessoas que lhe não esposassem os pontos de vista por inimigos a combater.

Atrabiliário e sectarista, imaginava os mais difíceis processos de perseguição aos adversários.

A tolerância representava para ele grave delito.
Se alguém não rezasse por sua cartilha, ficava assinalado a ponto escuro.

Disposto a contendas, embora a posição humilde que desfrutava, sabia complicar a situação dos desafectos, urdindo intrigas e ciladas contra eles.

Assim é que, certa feita, procurou o juiz que regia a comuna com benevolência e equidade e propôs-lhe a reconstrução do cárcere.

A enxovia desmoronava-se.
Qualquer malfeitor provocava facilmente a evasão.
As grades frágeis cediam ao assalto de qualquer um.

Impossível o trabalho da detenção.
Era necessário sustar o insulto à polícia.
Oferecia-se, desse modo, para sanar o problema.

Daria novo aspecto ao cubículo.
Prisão que fosse prisão.

O magistrado, velho experiente e bondoso, observou:
- Meu filho, a justiça deve ser exercida com amor, para que se não converta em crueldade, porque lá vem um dia em que precisamos ser justiçados por nossa vez.

O moço, porém, insistiu.
A cadeia menosprezada não merecia respeito.
Tanto reclamou que atingiu o objectivo a que se proponha.

Recebendo a concessão para reformar o cárcere, esmerou-se quanto pôde.

Deu nova feição às grades.
Criou um sistema de cadeados, pelo qual era impossível a escapatória.

E no centro do acanhado recinto levantou pesada coluna de ferro, com algemas laboriosamente trabalhadas, impedindo a movimentação de quem fosse jungido a semelhante pelourinho.

A ideia foi bem sucedida.
O serviço revelou-se tão eficiente que o jovem artífice foi procurado por autoridades de outros recantos e larga prosperidade abriu-lhe as portas.

A novidade ofereceu-lhe fama e fortuna.
Durante vinte anos, coadjuvado por operários diversos, o nosso ambicioso amigo fabricou prisões para numerosas cidades do seu tempo.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 07, 2011 9:31 pm

Senhor de vasto património material, transferiu residência do vilarejo provinciano para grande metrópole e, certa noite supondo defender-se, cometeu leve falta que inimigos gratuitos se incumbiram de solenizar.

O antigo ferreiro foi preso, de imediato.

Internado, mentalizou a ajuda de companheiros que o auxiliassem na fuga, mas, assombrado, reconheceu, pela marca dos ferros, que fora trancafiado num cárcere de sua própria fabricação, sofrendo rigorosa pena que, começando por acabrunhá-lo, acabou por infligir-lhe a morte.

Terminada a história rápida, fixou-nos de maneira expressiva e rematou:
- Somente a compaixão pode salvar-nos, soerguendo-nos do abismo de nossas próprias faltas.

Qualquer punição extremada que receitarmos para os outros será como a prisão do ferreiro intransigente.

Os laços que armarmos contra o próximo serão inevitável flagelo para nós mesmos.

Logo após, sem dar-nos tempo para qualquer indagação, sorriu com serenidade e seguiu adiante.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 07, 2011 9:31 pm

4 - APRENDIZES E ADVERSÁRIOS

Jonathan, Jessé e Eliakim, funcionários do, Templo de Jerusalém, passando por Cafarnaum, procuraram Jesus no singelo domicílio de Simão Pedro.

Recebidos pelo Senhor, entregaram-se, de imediato, à conversação.

- Mestre ¯ disse o primeiro ¯, soubemos que a tua palavra traz ao mundo as Boas Novas do Reino de Deus e, entusiasmados com as tuas concepções, hipotecamos ao teu ministério o nosso aplauso irrestrito.

Aspiramos, Senhor, à posição de discípulos teus...
Não obstante as obrigações que nos prendem ao sagrado Tabernáculo de Israel, anelamos servir-te, aceitando-te as ideias e lições, com as quais seremos colunas de tua causa na cidade eleita do Povo Escolhido...

Contudo, antes de solenizar nossos votos, desejamos ouvir-te quanto à conduta que nos compete à frente dos inimigos...

- Messias, somos hostilizados por terríveis desafectos, no Santuário - exclamou o segundo - , e, extasiados com os teus ensinamentos, estimaríamos acolher-te a orientação.

- Filho de Deus- pediu o terceiro - , ensina-nos como agir...

Jesus meditou alguns instantes, e respondeu:
- Primeiramente, é justo considerar nossos adversários como instrutores.

O inimigo vê junto de nós a sombra que o amigo não deseja ver e pode ajudar-nos a fazer mais luz no caminho que nos é próprio.

Cabe-nos, desse modo, tolerar-lhe as admoestações, com nobreza e serenidade, tal qual o ferro, que após sofrer, paciente, o calor da forja, ainda suporta os golpes do malho com dignidade humilde, a fim de se adaptar à utilidade e à beleza.

Os visitantes entreolharam-se, perplexos, e Jonathan retomou a palavra, perguntando:
- Senhor, e se somos injuriados?

- Adoptemos o perdão e o silêncio- disse Jesus.
- Muita gente que insulta é vítima de perturbação e enfermidade.

- E se formos perseguidos?- indagou Jessé.
- Utilizemos a oração em favor daqueles que nos afligem, para que não venhamos a cair no escuro nível da ignorância a que se acolhem.

- Mestre, e se nos baterem, esmurrarem? - interrogou Eliakim - que fazer se a violência nos avilta e confunde?

- Ainda assim - esclareceu o brando interpelado -, a paz íntima deve ser nosso asilo e o amor fraterno a nossa atitude, porquanto, quem procura seviciar o próximo e dilacerá-lo está louco e merece compaixão.

- Senhor - insistiu Jonathan - que resposta oferecer, então, à maledicência, à calúnia e à perversidade?

O Cristo sorriu e precisou:
- O maledicente guarda consigo o infortúnio de descer à condição do verme que se alimenta com o lixo do mundo, o caluniador traz no coração largas doses de fel e veneno que lhe flagelam a vida, e o perverso tem a infelicidade de cair nas armadilhas que tece para os outros.

O perdão é a única resposta que merecem, porque são bastante desditosos por si mesmos.

- E que reacção assumir perante os que perseguem?- inquiriu Jessé, preocupado.
- Quem persegue os semelhantes tem o espírito em densas trevas e mais se assemelha ao cego desesperado que investe contra os fantasmas da própria imaginação, arrojando-se ao fosso do sofrimento.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 07, 2011 9:32 pm

Por esse motivo, o socorro espiritual é o melhor remédio para os que nos atormentam...

- E que punição reservar aos que nos ferem o corpo, assaltando-nos o brio?- perguntou Eliakim espantado.
Refiro-me àqueles que nos vergastam a face e fazem sangrar o peito...

- Quem golpeia pela espada, pela espada será golpeado também, até que reine o Amor Puro na Terra - explicou o Mestre, sem pestanejar.

- Quem se rende às sugestões do crime é um doente perigoso que devemos corrigir com a reclusão e com o tratamento indispensável.

O sangue não apaga o sangue e o mal não rectifica o mal...

E, espraiando o olhar doce e lúcido pelos circunstantes, continuou:
- É imperioso saibamos amar e educar os semelhantes com a força de nossas convicções e conhecimentos, a fim de que o Reino de Deus se estenda no mundo...

As Boas Novas de Salvação esperam que o santo ampare o pecador, que o são ajude o enfermo, que a vítima auxilie o verdugo...

Para isso, é imprescindível que o perdão incondicional, com o olvido de todas as ofensas, assegure a paz e a renovação de tudo...

Nesse ínterim, uma criança doente chorou em alta voz num aposento contíguo.

O Mestre pediu alguns instantes de espera e saiu para socorrê-la, mas, ao regressar, debalde buscou a presença dos aprendizes fervorosos e entusiastas.

Na sala modesta de Pedro não havia ninguém.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 07, 2011 9:32 pm

5 - O ANJO CINZENTO

Para que o Homem adquirisse confiança em Sua Bondade Infinita, determinou o Senhor que vários Anjos o amparassem na Terra, amorosamente...

Em razão disso, quando mal saía do berço, aproximou-se dele um Anjo Lirial que, aproveitando os lábios daquela que se lhe constituíra em mãezinha adorável, lhe ensinou a repetir:
- Deus...Pai do Céu... Papai do Céu...
Era o Anjo da Pureza.

Mais tarde, soletrando o alfabeto, entre as paredes da escola, acercou-se dele um Anjo de Luz Verde que, por intermédio da professora, o ajudou a pronunciar em voz firme:
- Deus, Nosso Pai Celestial, é o Criador de todos os seres e de todas as coisas...
Era o Anjo da Esperança.

Alongaram-se-lhe os dias, até que penetrou uma casa de ensino superior, sob cujo tecto venerável foi visitado por um Anjo de Luz de Ouro que, através de educadores eméritos, lhe falou acerca da glória e da magnificência do Eterno, utilizando a linguagem da filosofia e da ciência.
Era o Anjo da Sabedoria.

O Homem compulsou livros e consultou autoridades, desejando a comunhão mais directa com o Senhor e fazendo-se caprichoso e exigente.

Olvidando o direito dos semelhantes, propunha-se conquistar as atenções de Deus tão-somente para si.

A Majestade Divina, a seu parecer, devia inclinar-se aos petitórios, atendendo-lhe as desarrazoadas solicitações, sem mais nem menos;
e, porque o Criador não se revelasse disposto a personalizar-se para satisfazê-lo, começou a cultivar o espinheiro da negação e da dúvida.

Por mais insistisse o Anjo Dourado, rogando-lhe reverenciar o Senhor, acatando-lhe as leis e os desígnios, mais se mergulhava na hesitação e na indiferença.

Atormentado, procurou um templo religioso, onde um Anjo Azul o socorreu, valendo-se de um sacerdote para recomendar-lhe a prática do trabalho e da humildade, com a rectidão da consciência e com a perseverança no bem.
Era o Anjo da Fé.

O Homem registou-lhe os avisos, mas, sentindo enorme dificuldade para render-se aos exercícios da virtude, clamava intimamente:
- “Deus? Mas existirá Deus realmente?
Porque razão não me oferece provas indiscutíveis do seu poder?”


Frequentando o templo para não ferir as convenções sociais, foi auxiliado por um Anjo Róseo que lhe conduziu a inteligência à leitura de livros santos, comovendo-lhe o coração e conduzindo-lhe o sentimento à prática do amor e da renúncia, da benevolência e do sacrifício, de maneira a abreviar o caminho para o Divino Encontro.
Era o Anjo da Caridade.

O teimoso estudante aprendeu que não lhe seria lícito aguardar as alegrias do Céu, sem havê-las merecido pela própria sublimação na Terra.

Ainda assim, monologava indisciplinado:
- “Se sou filho de deus e se Deus existe, não justifico tanta formalidade para encontrá-lo...”

E prosseguia surdo aos orientadores angélicos.

Casou-se, constituiu família, amealhou dinheiro e garantiu-se contra as vicissitudes da sorte;
entretanto, por mais se esforçassem os Anjos da Caridade e da Sabedoria, da Esperança e da Fé, no sentido de favorecer-lhe a comunhão com o Céu, mais repudiava os generosos conselheiros, exclamando de si para consigo:
- “Deus? Mas existirá efectivamente Deus?”
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 07, 2011 9:34 pm

Enrugando-se-lhe o rosto e encanecendo-se-lhe a cabeça orgulhosa, reuniram-se os génios amigos, suplicando a compaixão do Senhor, a benefício do rebelde tutelado.

Foi quando desceu da Glória Celeste um Anjo Cinzento, de semblante triste e discreto.

Não tomou instrumentos para comunicar-se.
Ele próprio abeirou-se do revoltado filho do Altíssimo, abraçou-o e assoprou-lhe ao coração a mensagem que trazia...

Sentindo-lhe a presença, o Homem cambaleou, deitou-se e começou a reconhecer a precariedade dos bens do mundo...

Notou quão transitória era a posse dos patrimónios terrestres, dos quais não passava de usufrutuário egoísta...

Observou que a sua felicidade passageira era simples sombra a esvair-se no tempo...

E, assinalando sofrimento e desequilíbrio no âmago de si mesmo, compreendeu que tudo que desfrutava na vida era empréstimo divino da Eterna Bondade...

Meditou... Meditou... reconsiderando as atitudes que lhe eram peculiares e, em lágrimas de sincera e profunda compulsão, qual se fora tenro menino, dirigiu-se pela primeira vez, com toda a alma, ao Todo Poderoso, suplicando:
- Deus de Infinita Misericórdia, meu Criador e meu Pai, compadece-te de mim!...
O Anjo Cinzento era o Anjo da Enfermidade.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 08, 2011 10:50 pm

6 - TELEFONEMA INESPERADO

Laurindo Matoso sentia-se no auge da exaltação doutrinária.

Iniciava os comentários de uma trintena de noites, que seriam consagradas a estudos sobre o dinheiro à face do Cristianismo, e exprimia-se, severo.

Lembrava a história dos grandes sovinas, relacionava os desastres morais surgidos da finança inconveniente...

- O ouro, meus irmãos - pontificava, solene - , é o pai de quase todas as calamidades da Terra.

Abre a vala da prostituição, gera a delinquência, incentiva a loucura e corrompe o carácter...

Onde apareça a miséria, procurai, por perto, a fortuna.
É preciso temer a posse e extinguir a avareza.
O dinheiro destrói o amor e a felicidade, o dinheiro enche cadeias e manicómios...

A assembleia escutava, escutava...
Entretanto, o exame do assunto permitia o debate fraterno e, porque muitos companheiros de raciocínio acordado não podiam esposar plenamente as teses ouvidas, Matoso viu-se para logo encurralado em perguntas directas.

- Mas você não considera o dinheiro como recurso da vida? - ponderava Montes, o irmão mais velho da turma.

A direcção é que vale.
Água governada faz a represa, a represa sustenta a usina, a usina cria trabalho e o trabalho é a felicidade de muita gente.

- Ora, ora! - gritava Laurindo, esmurrando a mesa - lá vem você, o filósofo espírita.
- Como assim? - sorriu o ancião prestimoso.

E Laurindo:
- Qualquer dinheiro desnecessário a quem o possua é porta aberta à demência.

- Ouça, matoso - interferiu Dona Clélia - imagine-se você mesmo, num catre de provação, recolhendo o amparo amoedado de algum amigo.
É impossível que você amaldiçoe o auxílio espontâneo...

- A assistência é tarefa para Governos - tergiversou o orador.
- Sim - concordou a interlocutora ¯, mas, por vezes, a representação dos Governos, embora respeitável, custa muito a chegar.

- E o dinheiro generoso que pode ajudar nos casos de família? - acentuou Dona Zulma.
- naturalmente, o senhor não tem, como nos acontece, um filho acusado por um desfalque no Banco.
A quantia que nos foi emprestada, para salvar-lhe o nome, funcionou como bênção.

- Nada disso - protestou Laurindo, excitado.
Não houvesse o dinheiro e não surgiriam viciações.
A paga dourada é que faz os defraudadores.

Estudei a questão quanto pude.
Em todas as civilizações, o dinheiro é responsável por mais da metade dos crimes...

A prelecção seguia animada, com apartes ardentes, quando o telefone chamou Laurindo em pessoa.
O aviso procedia do recinto doméstico e, por isso, o monitor não conseguiu esquivar-se.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 08, 2011 10:50 pm

Ao telefone processou-se o seguinte diálogo:
- É você, Laurindo?
- Sim, sim.
- Olhe - informava a esposa distante - , um portador chegou agora...

- Que há? - inquiriu Matoso, austero e preocupado.
- Meu avô morreu e deixou-nos todos os bens...
A fazenda, os depósitos, as apólices...
Venha!... Precisamos combinar tudo.
É muito problema por decidir, mas creio que a herança nos libertará de todo cuidado material para o resto da vida...

- Bem, filha - e a voz do Matoso adocicou-se, de inesperado -, vou já...
Logo após, algo atarantado, pediu desculpas, alegando que precisava sair.

- E o final da palestra? - disse Osvaldo Moura, um amigo que acompanhava as instruções, empunhando notas.
- Temos o mês inteiro para discutir o temário - explicou o orador.

O dinheiro é o flagelo dos homens.
É imperioso guerreá-lo sem tréguas.
Continuarei amanhã...

Os dias se passaram e, por mais solicitado ao regresso, Laurindo nunca mais voltou...
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 08, 2011 10:51 pm

7 - SERVIR MAIS

Efraim bem Assef, caudilho de Israel contra o poderio romano, viera a Jerusalém para levantar as forças da resistência, e, informado de que Jesus, o profeta, fora recebido festivamente na cidade, resolveu procura-lo, na casa de Obede, o guardador de cabras, a fim de ouvi-lo.

- Mestre - falou o guerreiro - não te procuro como quem desconhece a justiça de Deus, que corrige os erros do mundo, todos os dias...
Tenho necessidade de instrução para a minha conduta pessoal no auxílio do povo.

Como agir, quando o orgulho dos outros se agiganta e nos entrava o caminho?...
Quando a vaidade ostenta o poder e multiplica as lágrimas de quem chora?

- É preciso ser mais humilde e servir mais - respondeu o Senhor, fixando nele o olhar translúcido.

- Mas... e quando a maldade se ergue, espreitando-nos a porta? Que fazer, quando os ímpios nos caluniam à feição de verdugos?

E Jesus:
- É preciso mais amor e servir mais.

- Senhor, e a palavra feroz?
Que medidas tomar para coibi-la?
Como proceder, quando a boca do ofensor cospe fogo de violência, qual nuvem de tempestade, arremessando raios de morte?

- É preciso mais brandura e servir mais.

- E diante dos golpes?
Há criaturas que se esmeram na crueldade, ferindo-nos até o sangue...
De que modo conduzir nosso passo, à frente dos que nos perseguem sem motivo e odeiam sem razão?

- É preciso mais paciência e servir mais.

- E a pilhagem Senhor?
Que directrizes buscar, perante aqueles que furtam, desapiedados e poderosos, assegurando a própria impunidade à custa do ouro que ajuntam sobre o pranto dos semelhantes?

- É preciso mais renúncia e servir mais.

- E os assassinos?
Que comportamento adoptar, junto daqueles que incendeiam campos e lares, exterminando mulheres e crianças?

- É preciso mais perdão e servir mais.

Exasperado, por não encontrar alicerces ao revide político que aspirava a empreender em mais larga escala, indagou Efraim:
- Mestre, que pretendes dizer por servir mais?

Jesus afagou uma das crianças que o procuravam e replicou, sem afectação:
- Convencidos de que a justiça de Deus está regendo a vida, a nossa obrigação, no mundo íntimo, é viver rectamente na prática do bem, com a certeza de que a lei cuidará de todos.

Não temos, desse modo, outro caminho mais alto se não servir ao bem dos semelhantes, sempre mais...

O chefe israelita, manifestando imenso desprezo, abandonou a pequena sala, sem despedir-se.
Decorridos dois dias, quando os esbirros do Sinédrio chegaram, em companhia de Judas, para deter o Messias, Efraim bem Assef estava à frente.

E, sorrindo, ao algemar-lhe o pulso, qual se prendesse temível salteador, perguntou, sarcástico:
- Não reages, galileu?

Mas o Cristo pousou nele, de novo, o olhar tranquilo e disse apenas:
- É preciso compreender e servir mais.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 08, 2011 10:51 pm

8 - MACÁRIO FAGUNDES

Quando o Espírito de Macário Fagundes bateu à porta da Esfera Superior, sobraçava à altura do peito elegante volume da Bíblia.

A Bíblia resumira-lhe na Terra as preocupações e os objectivos.

Estudara religiões.
Simpatizara com todas.
Contudo, refugiara-se na Bíblia, dela fazendo argumento de última instância.

Fora a Macário que um amigo, certa feita, ponderara, delicado:
“Fagundes, não tenho dúvidas quanto ao Novo Testamento, em que realmente sentimos presença do Cristo, mas, no que se reporta aos antigos profetas, creio tudo devamos examinar com raciocínio e discernimento.

Você acredita, por exemplo, no caso de Jonas, qual vem relatado pelos cronistas?
Aceita que Jonas tenha sido tragado por uma baleia, viajando são e salvo dentro dela?”

E Macário respondera, firme: “
A letra do Velho Testamento não pode falhar.
Acredito piamente que a baleia engoliu Jonas para que ele cumprisse a missão de que estava incumbido, e, se estivesse escrito na Bíblia que Jonas engolira a baleia, eu aceitaria a informação com a mesma fé.”

Pois era Macário quem se perfilava agora, reverente, ao pé da Sagrada Porta.

Mensageiro espiritual atendeu, presto.
E Fagundes explicou a própria condição.
Vinha do mundo.

Fora cristão fiel.
Perdera o corpo de carne, no fenómeno da morte, e queria lugar para descanso.
Para isso, acrescentava, vivera o temor da Bíblia, consagrando-se a ela de alma e coração.

- Entretanto, Fagundes, que fez você com a Bíblia? – indagou o amanuense, calmo.
- Peço licença para alongar-me um tanto na resposta – rogou o recém-chegado -, pois gastei a existência analisando ensinamentos e confrontando textos.

- Perfeitamente.
Você esclarecerá a própria situação como deseje.

E Macário passou a elucidar:
- Adorei a Bíblia como sendo a palavra de Deus, em todos os meus dias.

Sei que outros estudantes possuem apontamentos mais ou menos diversos de minha estatística pessoal, efectuada em longo tempo de estudo;
no entanto, posso dizer que a Bíblia está contida em 69 livros, sendo 42 no Velho Testamento e 27 no Testamento Novo.

E prosseguiu:
- O Tesouro Eterno, dentro dos livros referidos, está formado de 1.189 capítulos.
Os 1.189 capítulos estão divididos em 31.138 versículos.
Os 31.138 versículos possuem 774.748 palavras.
As 774.748 palavras estão articuladas com 3.566.512 letras.

O meio da Bíblia fica no versículo 8, do Salmo 118, em que o profeta diz claramente:
“É melhor confiar no Senhor do que confiar no homem.”
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 08, 2011 10:52 pm

O versículo mais longo é o de número 9, do capítulo VIII, do Livro de Ester, que relaciona uma ordem de Mardoqueu, e o versículo mais curto é o de número 35, do capítulo XI, do Evangelho de João, que dá notícias do pranto de Jesus por Lázaro morto.

Creio seja desnecessário alinhar anotações vulgarmente sabidas, mas é importante apontar que a Bíblia gastou cerca de mil anos para ser escrita, e está traduzida em mais de mil línguas e dialectos.

Macário silenciou.

Admitindo que ele apresentara quanto pretendia, o mensageiro replicou:
- Efectivamente, a sua cultura do livro sagrado é espantosa, mas houve um mal-entendido.
Desejamos saber o que você realizou com a Bíblia no coração e nas mãos...

- Ah! – tornou Fagundes, repentinamente desapontado.
Já disse o que consegui...
Minha confiança na Bíblia diz tudo...

- Sim, os seus conhecimentos são admiráveis;
no entanto, a Esfera Superior pede obras, obras edificantes...

A Lei determina seja cada um de nós julgado pelas próprias obras...
É preciso que você relacione os próprios feitos...

- O apóstolo Paulo – adiantou Macário, desculpando-se – declara no versículo 1, do capítulo 5, na Epístola aos Romanos, que “justificados pela fé temos paz com Deus, por Nosso Senhor Jesus-Cristo”.

- Sem dúvida – atalhou o amigo espiritual -, a fé constitui o alicerce de todo trabalho, tanto quanto o plano é o início de qualquer construção.

O apóstolo Paulo deve ser atenciosamente ouvido, mas não podemos esquecer a palavra do Divino Mestre, no versículo 34, do capítulo 13, no Evangelho de João:
“Amai-vos uns aos outros como vos amei”.
Não ignoramos que Jesus nos amou em plena renunciação de si mesmo para melhor servir.

- É... é... de facto...

E Fagundes indagou:
- E agora? Se me dediquei completamente à fé, que fazer agora?
- É preciso voltar à Terra e nascer de novo para fazer o bem que ensinamos.

O próprio Cristo não teve outro programa, perante Deus, e Paulo de Tarso, que exaltou a fé, não viveu outras directrizes diante do Cristo...

Crer, sim, mas fazer também.
Fazer muito e sempre o melhor...

Macário resmungou, chorou, lastimou-se, reclamou;
contudo, não teve outro remédio senão aceitar a verdade e nascer de novo.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 08, 2011 10:52 pm

9 - EXAME DE VIRTUDE

Narra-nos um episódio autêntico que certo orientador do mundo israelita enviou um discípulo, que se notabilizara na interpretação dos Profetas, para determinada cidade, cujos habitantes se chafurdavam em vícios e enfermidades de toda espécie, com a recomendação de prestar-lhes concurso activo.

Dois lustros correram, e porque as notícias do burgo fossem cada vez mais inquietantes, o guia do povo chamou o enviado, que compareceu, em atitude hierática, mostrando, na túnica lirial e no semblante mortificado de jejuns, a rigorosa observância da Lei.

Às primeiras interpelações ouvidas, respondeu, em tom grave:
- Mestre, para dar exemplo de virtude, retirei-me para o campo, onde todos sabem que existo.

- Compreendo – disse o mentor -, a solidão é necessária para que o pensamento se refaça com a inspiração divina;
contudo, sem ligação com as criaturas humanas, é impraticável qualquer obra de auxílio.

E o entendimento continuou:
- Para não errar, vivo em completo mutismo, no fervor da oração.
- Medida essencialmente importante, mas, ainda que tenhamos de aprender em duras experiências, é preciso falar para que o bem seja feito.
- Expondo a pureza dos meus sentimentos, visto-me exclusivamente de branco...
- Costume honroso;
no entanto, isso não deve impedir que nossa roupa se enodoe no trabalho de ajuda aos outros, para ser novamente lavada em momento oportuno.

Minhas refeições são apenas de ervas.
- Hábito excelente;
contudo, para trazer o corpo em condições de servir, é importante não desertar dos sistemas da alimentação comum, embora seja nossa obrigação garantir a simplicidade e fugir aos desregramentos, usando a carne, o leite, os ovos, as folhas, os frutos e as raízes dos animais e das plantas, tão somente na quota indispensável à manutenção da existência.

- Durmo sem qualquer agasalho, fustigando as tendências inferiores...
- Louvável propósito, mas, na preservação da saúde orgânica, é justo repousar, nos moldes em que os outros descansam, a fim de que a vida no corpo nos ofereça rendimento para o melhor.

- Faço, porém, muito mais...
Tenho o leito eriçado de pregos, castigando a volúpia da carne...
- Nobre intento, sem dúvida...
Entretanto, vale mais combater a nós mesmos, na prestação de serviço ao próximo, para que a nossa luta não seja vã...

Silenciando o pupilo, indagou o chefe:
- E a tarefa de que te incumbiste?

- Mestre – replicou o mensageiro, desapontado -, sinceramente devo dizer que os cuidados na apresentação da virtude me tomam o tempo todo...

Nisso, belo cavalo de alvo pêlo entrou no átrio da casa, conduzindo pobre ferido, cujas últimas energias o deserto esgotara...

O velho orientador comandou as providências iniciais de socorro e, trazendo o discípulo à frente do soberbo animal que escavava o solo, falou com bondade:
- Pois olha, meu filho, este cavalo igualmente mora no retiro da Natureza, não se expressa em linguagem humana, veste-se todo em cabelos cor de neve, come apenas a erva do chão, dorme ao relento, é calçado de cravos perfurantes e não passa de um cavalo...

Mesmo assim, é o companheiro dos viajantes fatigados e, ainda agora, acaba de arrebatar um mercador prestimoso à sepultura de areia...

Em seguida, demandou o interior para confortar o recém-chegado, deixando o aprendiz a meditar quanto à vontade da virtude vazia.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 08, 2011 10:53 pm

10 - EM NOME DE JESUS

Quando João Rigueira partiu da Terra, ardia ele no ideal de fazer o bem.

Espírito prestimoso, não adquirira, no entanto, merecimento para grandes alturas.
Era preciso trabalhar mais, estudar mais...

Por isso, Nicésio, o benfeitor que desde muito o tutelara, foi claro no conselho, ao recebê-lo no espaço:
- João, você, para elevar-se, precisa mais tempo entre os homens.
- Para quê? – indagou surpreso, o recém-desencarnado, que aspirava aos cimos.

- A fim de aprimorar-se, através do serviço em nome de Jesus – falou o guia.
E acrescentou:
- Além disso, você deixou no mundo a filha pequenina.

Rosalva precisará de você...
Lembrou Rigueira o laço mais forte que o prendia na Terra.
Sim, Rosalva...

O anjinho que a esposa inconsequente lhe deixara nos braços, quando seguira no encalço de aventuras inferiores...
Desde a separação da companheira, entrara ele em duras lições de entendimento para esquecer, mas ficara a menina.

Recordava agora...
Antes de libertar-se do corpo físico, entregara-a aos cuidados de pobre amigo, que se prontificou a interná-la em humilde orfanato.
Oh! Deus, como poderia esquecer a filhinha que deixara mal saída do regaço materno?!

Rigueira começou a chorar;
contudo, Nicésio consolou-o:
- João, seja forte.
Você recomeçará aqui suas tarefas, em nome de Jesus.

Tenho um grupo de amigos encarnados, junto do qual permanecerá você em actividade, repartindo forças e atenções, entre o burilamento próprio e o amparo à criança.

- Sim, sim... – acentuou o interpelado em pranto copioso -, procurarei servir, servir...

E realmente, desde então, escolhendo a legenda “em nome de Jesus”, João Rigueira passou a ajudar em casa do Dr. Vicentino de Freitas, distinto advogado que tentava adaptar-se à Doutrina Espírita.

A esposa, Dona Guiomar, aquiescera em formar uma equipe doméstica para estudos do Evangelho, à qual se juntara Dona Clélia, uma cunhada viúva, e seus dois filhos: Martinho e Luís Paulo.

Eram desse modo, cinco aprendizes à mesa, quando Rigueira ocupou a mediunidade de Dona Clélia, pela primeira vez, dando-se a conhecer como sendo o mensageiro que passaria a servir ao conjunto, mais directamente.

Emocionou-se, chorou e pediu a Inspiração Divina...
E, desde aquele instante, foi promovido pela família confortada e alegre ao posto de “Irmão João”.
Duas vezes por semana reunia-se o grupo e o amigo espiritual velava fiel.

Mas não só isso.
Era compelido a trabalho diário.
Os serviços do Dr. Vicentino reclamavam-lhe assistência, a saúde de Dona Guiomar pedia abnegação, os problemas de Dona Clélia multiplicavam-se e os rapazes não lhe dispensavam apoio na luta íntima.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 08, 2011 10:53 pm

Dois filhinhos de Dona Guiomar surgiram no berço.
Rigueira fora o pagem vigilante, desde os primeiros dias da gestação, amparando e providenciando...
Os gémeos, Jorge e Jarbas, eram seguidos por ele, quais se lhe fossem rebentos do coração.

Atalaia incansável.
Passes magnéticos e rodo para que os meninos se ajustassem.
Enfermagem no sarampo e auxílio na coqueluche.

Socorro contínuo ao campo orgânico de Dona Guiomar, que aleitava dificilmente.
Bálsamo invisível nos nervos do Dr. Vicentino.
E, no sector de Dona Clélia, concurso incessante.

Mas, na esfera sentimental dele mesmo, o pobre Espírito de João Rigueira acompanhava agoniado, os padecimentos da filha.

Rosalva despedira-se do orfanato, já crescida, para servir na copa de família abastada e, aos catorze anos de idade, já sofria vexames.

O primogénito da casa perseguia e injuriava a mocinha.
Muitas vezes, o Irmão João comparecia às preces e estudos, no lar dos Freitas, de alma em frangalhos;
no entanto, nunca faltava.

Os filhos do Dr. Vicentino cresceram.
Luís Paulo e Martinho conquistaram diplomas nobres.
E Rigueira, no batente, alentando a cada um.

À vista de tamanho devotamento, toda a família condecorava-lhe o nome com referências especiais.

- O Irmão João é o herói da caridade que conhecemos – dizia Dona Clélia, entusiasta.

- Espírito algum nos ensinou a prática da virtude, tanto quanto ele – rematava Dona Guiomar, fazendo gesto confirmativo com a cabeça.

Estimulado por semelhante carinho, Rigueira, certo dia, tomou decisiva resolução.
Insistiu mentalmente com a filha para sair da luzidia residência em que se achava na bica de grave queda moral.

Rosalva, na primavera dos vinte anos, estava desfigurada, abatida...
E tão atormentada se via na trama dos pensamentos inferiores, que não resistiu, de modo algum, às sugestões do Espírito paterno.

Pôs-se a deambular, rua a fora, acompanhada de perto por ele, que a conduziu, mecanicamente, para o lar do Dr. Vicentino de Freitas, estuante de optimismo e ternura.

A família, à noitinha, aguardava o momento exacto do Evangelho, quando a jovem tocou a campainha.

Recebida no caramanchão de acesso, falou inspirada por Rigueira.
Via-se abandonada, pedia trabalho honesto, era órfão, sozinha...

Mas o Dr. Vicentino, algo ríspido, explicou que não precisava de empregada.
Dona Guiomar esclareceu que não dispunha de possibilidade para examinar a proposta.

E Dona Clélia, mais generosa, deu-lhe vinte cruzeiros para um lanche, recomendando-lhe fosse à casa da esquina próxima, onde, segundo ouvira dizer, necessitavam de cozinheira.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 08, 2011 10:54 pm

Rosalva retirou-se em lágrimas e, além do portão, ouviu Dona Guiomar que comentava severa:
- Deve ser uma perdida qualquer...
Ao que Dona Clélia ajuntou com sarcasmo:
- De moça que se oferece, Deus me livre!

Transcorrida meia hora, os componentes do círculo reuniam-se à mesa.
Todos reverentes, em atitude submissa.
Finda a prece de abertura, foi lido e minuciosamente interpretado formoso trecho sobre a beneficência.

Em seguida, o amigo espiritual incorporou-se em Dona Clélia para o serviço do passe curativo;
entretanto, como jamais acontecera no curso de quase vinte anos, o benfeitor guardava silêncio, mostrando sinais de imensa amargura.
- Que houve irmão João? – perguntou o Dr. Vicentino. – Você, triste?

Rigueira, porém, fez um sorriso desapontado e respondeu paciente:
- Não se preocupe meu amigo. Tudo vai bem...

E concluiu:
- Continuemos trabalhando... em nome de Jesus.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 08, 2011 10:54 pm

11 - APUROS DE UM MORTO

Quando Apolinário Rezende acordou, além da morte, viu-se terrivelmente sacudido por estranha emoção.

Ouvia a esposa, Dona Francina, a chamá-lo em gritos estertorosos.
E qual se fosse transportado a casa por guindaste magnético, reconheceu-se, de chofre, diante dela, que se descabelava chorosa.

- “Ingrato! Ingrato!” – era o que a viúva dizia em pensamento, embora apenas tartamudeasse interjeições lamentosas com a boca.

Julgando no corpo de carne, Rezende, em vão, se fazia sentir.
Gritava pela companheira. Pedia explicações.
Esmurrava a mesa em que a senhora apoiava os cotovelos.

Dona Francina, entretanto, procedia como quem lhe ignorava a presença.
O infeliz, no primeiro instante, julgou-se dementado. Acreditava em pesadelo e queria retornar à vida comum, despertar...

Beliscava-se inutilmente.
Nisso, escutou o próprio nome no andar térreo.

Despencou-se e encontrou Maria Iza, a copeira que se habituara a estimar como sendo sua própria filha, em conversação discreta com o advogado que lhe era amigo íntimo.

O Dr. Joaquim Curado ouvia, atento a moça, que lhe confidenciava uma infâmia.

A empregada, que sempre lhe recolhera a melhor atenção, não se pejava de acusá-lo, afirmando que o pequeno Samuel, o menino que lhe nascera, quatro anos antes, do coração de mãe solteira, era filho dele, Rezende.

A serviçal, no extremo da calúnia, dramatizava em pranto.

Dizia despudorada, que seu filhinho Samuel não podia privar-se da herança, que ela, em outros tempos, vivia sofrendo injuriosas cenas de ciúme, por parte da patroa, e que estava agora resolvida a colocar a questão em pratos limpos.

Apolinário cerrou os punhos e dispunha-se a esbofeteá-la, quando o causídico asseverou:
“Bem, desde que o Rezende morreu...”

O pobre Espírito liberto sofreu tremendo choque.
Morrera então?
Que significava tudo aquilo?

Sentia-se louco...
Gritou desesperado, lembrando fera aguilhoada no circo, mas os dois interlocutores nem de leve lhe perceberam a reacção, e o entendimento contínuo...

Chorando copiosamente, Apolinário ficou sabendo que o inventário dos seus bens seguia em meio, que Maria Iza alegava-se seduzida por ele e exigia mais de dois milhões de cruzeiros, parte igual ao montante que se reservava a cada um de seus filhos.

O Dr. Joaquim falava em exame de sangue e pedia provas.
A moça notificou que Renato, o filho caçula de Dona Francina, fora testemunha da experiência infeliz a que se submetera, em acedendo às tentações que lhe haviam movidas pelo morto.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 08, 2011 10:55 pm

Aterrado, Rezende viu seu próprio filho mais novo entrar, a chamado, no parlatório doméstico, apoiando a invencionice.

O jovem, que ultrapassara os vinte e dois de idade, preocupava-o sempre, pelo carácter leviano;
contudo, não foi sem espanto que passou a escutá-lo, confirmando a denúncia.

Perante o advogado, surpreendido, Renato anunciou que simplesmente tocado pela compaixão, deliberara ajudar Maria Iza, declarando que o pai, pilhado por ele em vários encontros com ela, resolvera confiar-lhe a verdade, salientando que, um dia, quando viesse a falecer, o menino Samuel não devia ser esquecido, de vez que lhe devia a paternidade.

Rezende, tomado de repugnância, desmentia tudo, até que lhe pareceu ouvir os pensamentos do filho, compreendendo, por fim, que Renato se mancomunara com a copeira, de modo a senhorear metade da importância que a ela fosse atribuída pela Justiça.

Entendeu a chantagem.
O rapaz pretendia o maior quinhão e, para isso, não vacilava enxovalhar-lhe o nome.

Abatido, procurou Reinaldo, o filho mais velho, moço de comportamento exemplar;
entretanto, foi achá-lo no gabinete, conformado com a situação.

O irmão desfechara habilmente o golpe e o primogénito preferia perder parte da herança a desrespeitar a memória do pai.

Voltou Rezende ao quarto da esposa e debalde quis confortá-la.
Dona Francina ensopara o lenço de lágrimas.
Não chorava tanto o dinheiro de que deveria dispor.

Lastimava a suposta infidelidade do falecido marido.
Recordava todos os dias felizes, em que ambos haviam desfrutado confiança perfeita...
Era preciso ser desumano para que lhe mentisse, qual o fizera, dentro do próprio lar.

Ansiava conservá-lo puro, na lembrança, viver o resto da existência preparando-se para reencontrá-lo; entretanto...

Esforçava-se Rezende para consolá-la, a procurar em si mesmo a razão por que sofria semelhante prova, quando lhe ocorreu um estalo na consciência.

Via-se recuar, recuar...
Sim, sim, Maria Iza recebera dele tão-somente considerações respeitosas;
contudo, Julieta surgia-lhe agora...

Fora-lhe a companheira da juventude, quarenta anos antes...
Menina de condição modesta aguentara-lhe a ingratidão.
Cedera aos seus caprichos de moço impulsivo e passara a aguardar-lhe um filhinho, confiando no casamento.

Examinando, porém, as próprias conveniências obrigara Julieta a sujeitar-se a vergonhoso processo abortivo e, em seguida, ao vê-la frustrada, abandonou-a na vala do meretrício.

Rezende, atormentado em dolorosas reminiscências, inquiria a si próprio se a calúnia de Maria Iza seria a resposta do destino ao sarcasmo em que lançara Julieta...

Onde encontrar a vítima de outra época?
Por outro lado, ali estava Dona Francina, a reclamar-lhe assistência, e Maria Iza, a quem devia perdoar a seu turno.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 08, 2011 10:55 pm

Tacteava o crânio em fogo.
Atravessava o primeiro dia de consciência acordada, depois da morte, e parecia estar no inferno mental, desde muito tempo.

Caiu a noite e Rezende permaneceu aflito junto da esposa, tentando em vão, falar-lhe durante o sono...

Manhã cedo, Dona Francina levantou-se, orou à frente da própria imagem dele, na foto de cabeceira, tomou grande ramo de flores e saiu na direcção de um templo.

Apolinário seguiu-a, reconhecendo emocionado, que a esposa encomendara um ofício religioso, a benefício da sua felicidade.

Findas as preces, Dona Francina tocou para o cemitério.
Só então Rezende veio saber que a leal companheira comemorava o sexto mês de sua partida.

Cento e oitenta e três dias de inconsciência na vida espiritual!
Assombrado, fitou a esposa, que se ajoelhara à frente do seu próprio túmulo.

Entre angustiado e curioso, inclinou-se para a lápide e soletrou espantadiço:
“Aqui jaz Apolinário Rezende.
E, em letras menores: “Orai pelo descanso eterno de sua alma”.

Quando leu as palavras “descanso eterno”, Rezende passou a reflectir sobre as agonias morais a que era submetido, desde a véspera, e, embora sentindo imenso desejo de chorar esqueceu a quietude do campo santo e desferiu, em desespero, enorme gargalhada...
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 08, 2011 10:56 pm

12 - VERDUGO E VÍTIMA

O rio transbordava.

Aqui e ali, na crista espumosa da corrente pesada, boiavam animais mortos ou deslizavam toras e ramarias.

Vazantes em torno davam expansão ao crescente lençol de massa barrenta.
Famílias inteiras abandonavam casebres, sob a chuva, carregando aves espantadiças, quando não estivessem puxando algum cavalo magro.

Quirino, o jovem barqueiro, que vinte e seis anos de sol no sertão haviam enrijado de todo, ruminava plano sinistro.

Não longe, em casinhola fortificada, vivia Licurgo, conhecido usuário das redondezas.
Todos o sabiam proprietário de pequena fortuna a que montava guarda vigilante.

Ninguém, no entanto, poderia avaliar-lhe a extensão, porque, sozinho envelhecera e sozinho atendia às próprias necessidades.

- “O velho – dizia Quirino de si para consigo – será atingido na certa.
É a primeira vez que surge uma cheia como esta.

Agarrado aos próprios haveres, será levado de roldão...
E se as águas devem acabar com tudo, porque não me beneficiar?

O homem já passou dos setenta...
Morrerá a qualquer hora.
Se não for hoje, será amanhã, depois de amanhã...

E o dinheiro guardado?
Não poderia servir para mim, que estou moço e com pleno direito ao futuro?...”

O aguaceiro caía sempre, na tarde fria.
O rapaz, hesitante, bateu à porta da choupana molhada.
- “Seu” Licurgo! “Seu” Licurgo!...

E, ante o rosto assombrado do velhinho que assomara à janela, informou:
- Se o senhor não quer morrer, não demore.
Mais um pouco de tempo e as águas chegarão.
Todos os vizinhos já se foram...

Não, não... – resmungou o proprietário -, moro aqui há muitos anos.
Tenho confiança em Deus e no rio...
Não sairei.

- Venho fazer-lhe um favor...
- Agradeço, mas não sairei.

Tomado de criminoso impulso, o barqueiro empurrou a porta mal fechada e avançou sobre o velho, que procurou em vão reagir.
- Não me mate assassino!
A voz rouquenha, contudo, silenciou nos dedos robustos do jovem.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 08, 2011 10:57 pm

Quirino largou para um lado o corpo amolecido, como traste inútil, arrebatou pequeno molho de chaves do grande cinto e, em seguida, varejou todos os escaninhos...

Gavetas abertas mostravam cédulas mofadas, moedas antigas e diamantes, sobretudo diamantes.

Enceguecido de ambição, o moço recolhe quanto acha.
A noite chuvosa descerra completa...

Quirino toma os despojos da vítima num cobertor e, em minutos breves, o cadáver mergulha no rio.
Logo após, volta à casa despovoada, recompõe o ambiente e afasta-se, enfim, carregando a fortuna.

Passado algum tempo, o homicida não vê que uma sombra se lhe esgueira à retaguarda.
É o Espírito de Licurgo, que acompanha o tesouro.

Pressionado pelo remorso, o barqueiro abandona a região e instala-se em grande cidade, com pequena casa comercial, e casa-se, procurando esquecer o próprio arrependimento, mas recebe o velho Licurgo, reencarnado, por seu primeiro filho...
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122481
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier Empty Re: CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA - IRMÃO X / Francisco Cândido Xavier

Mensagem  Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 1 de 4 1, 2, 3, 4  Seguinte

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos