LUZ ESPÍRITA
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Página 1 de 4 1, 2, 3, 4  Seguinte

Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2019 11:49 am

Páginas e Contos
JOÃO NUNES MAIA

PELO ESPÍRITO - IRMÃO HORTA

SUMÁRIO
Prefácio

Quem é Deus?
Procurei
0 Canto da Dor
Sou um Anjo
Tonhão
Caridade
Quem era o Burro
Súplica
Com Deus no Coração
Nós Somos
São Francisco
A Caridade Crescente
0 Meu Mestre
Abre
Uma Lição a Mais
Caridade Interna
A Pousada Mais Cara da Minha Vida
A Caminho da Vida
Noção de Justiça
Rogativa do Idoso
A Força do Exemplo
Caridade Activa
Até o Sangue de Cristo
Onde Estiveres
Lição Dolorosa
A Terapia do Perdão
Bicho-de-pé
Como Ser o Melhor
O Relógio Abençoado
Hoje
O Defunto que Moveu os Braços
Vivemos Juntos
Renúncia Mentirosa
A Mais Linda das Canções
O Velho Chapéu
Onde Está Ele?
Lobo com Pele de Cordeiro
O Único Caminho
A Língua em Chamas
Passeio às Origens
Segue-me
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2019 11:49 am

PREFACIO
Este é um livro que apresenta de maneira diferente os casos e lições que enveredam, às vezes, por caminhos que o leitor não poderia esperar.
São usados todos os meios para mostrar o valor do bem e a amplitude dos ensinamentos de Jesus, os dons mediúnicos e a continuação da vida, sem esquecer o valor de todas as coisas, mesmo as mais íntimas da natureza; tudo o que vive, podes saber, tem um programa na pauta evolutiva dos espíritos.
Quem se aprimora na arte de contar casos, leva uma grande vantagem, porque diverte o leitor e instrui aquele que gosta de literatura.
Esses contos, escritos pelo nosso Irmão Horta, não intentam desprezar nenhum culto a Deus, principal mente aquele que lhe serviu de instrumento, para o seu burilamento espiritual.
Abraçamos todos eles com todo o respeito que o nosso coração em Cristo possa dispensar.
Toda religião é boa nos seus fundamentos; alguns religiosos é que disfarçam a sua própria crença, na altura de sua evolução.
Esperamos que todos compreendam o objectivo desta obra, entremeada de humorismo, que não se esquece do Mestre dos mestres um só momento, mostrando fatos e trazendo acontecimentos onde o Bem se faz luz.
O exemplo de amor e caridade nos traz a verdadeira serenidade.
Páginas e Contos nos faz, viver na tela mental, quando o estamos lendo, momentos de alegria e emoções elevadas, nos quais o autor nos deixa à vontade com os fenómenos que no espiritismo são muito comuns.
No seio da Igreja Católica Apostólica Romana, sempre foram fartos os acontecimentos medi únicos, explicados com outros nomes, o que não ocorre na Doutrina dos Espíritos, que mostra às claras e explica todos os fenómenos que o raciocínio, na área física, não tem capacidade de interpretar.
Contudo, chegou o momento de tudo ser estudado à luz do dia, na luz de Deus.
Ninguém pode negar a verdade por muito tempo; quem nega, vai se enfraquecendo e perdendo seus próprios argumentos, para que a realidade brilhe como um sol.
Quantos personagens da Igreja não foram instrumentos dos espíritos para que se fizessem presentes as verdades espirituais?
Quantos deles não foram esquecidos pela própria religião, por serem dotados da faculdade medi única?
A Reforma, igual mente, está cheia de médiuns de todos os tipos, cujas qualidades muito nos tem ajudado a difundir o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, em todas as nações do mundo.
Existe o médium inconsciente e o médium consciente, mas todos estão a serviço de Jesus, no sentido de educação das criaturas.
Se não é atingido, não deixa de ser algo de divino que o mundo recebe, para a paz de todos.
Confiemos em Deus, que Ele confia em nós.
O nosso Irmão Horta está estreando com este livro, e pede desculpas se ele não saiu ao agrado de todos.
Sabe que haverá recusas de alguns que o têm na escala dos santos, que desconhecem o íntimo do verdadeiro homem, aquele que se mostra pelo esforço da auto-educação, mas, quem tiver olhos de ver, nas linhas da psicologia espiritual, abrirá as suas páginas dos sentimentos e lerá sem nenhum constrangimento.
Não estamos preocupados com o facto de os antigos fariseus reconhecerem a presença do benfeitor espiritual, que volta para conversar com os que ficaram na carne, mas sim, que os trabalhadores do Cristo reconheçam as gemas imperturbáveis do Evangelho, mudando um pouco a conduta dos homens de bem para melhor e despertando aqueles que dormem, para o bem e a caridade.
Mesmo os espiritualistas têm grande preocupação em saber que grau ocupa o escrevente, na escala espiritual, e qual o medianeiro que recebeu as mensagens.
O que deveria pensar; em primeiro lugar, seria sobre o conteúdo dos escritos, onde está o verdadeiro valor da obra.
Não estamos aqui para ferir a quem quer que seja; amamos a todos e respeitamos todas as facções, porém, não podemos deixar de falar o que nos vem à lembrança, para não cairmos em novas tentações.
Queremos, aqui, deixar bem nítido o nosso agradecimento a todos aqueles que nos ajudam, mesmo com as críticas.
Estamos todos nos mesmos caminhos, em busca de Deus, pelas mãos do Cristo.
Saudamos, pois, o nosso Irmão Horta, na luz da gratidão, pedindo a Jesus, a quem ele tanto ama, que o abençoe sempre.

Belo Horizonte, 17de Janeiro de 1983. M/RAMEZ
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2019 11:49 am

1 - QUEM É DEUS?
Deus é o Amor. Ele é a Luz divina.
E paz e alegria. E vida, é sinfonia.
E amparo à orfandade, é sabedoria, é bondade.
É perdão ao semelhante.
E pura mansidão, é benevolência altruística.
É o trabalho operante. É o piscar das estrelas.
É o correr dos riachos, é o canto dos pássaros.
Deus é a suprema justiça.
E o homem comum, é o soldado na liça.
Ë a vida dos missionários, é a voz dos profetas.
E o plano e a meta de tudo o que existe.
Deus é muito mais: é a Luz das luzes, é a grande clemência, sem se contradizer!
Deus é solicitude.
Deus é a virtude, é também, o saber.
E a essência das essências, é a harmonia dos mundos, é a solução profunda de todos os problemas.
Deus é o amor das mães, é o contentamento dos filhos na casa paterna.
E a fraternidade em expansão.
Deus é o entendimento dos - anjos, o gozo dos arcanjos, é o universal coração.
Deus é todo o bem.
E mais que o futuro, o presente e o aquém.
E a pureza da decência, é a arte da clemência, é a juventude em recta linha, é a experiência sua e minha, é o aprendizado do velho, é o equilíbrio da natureza.
E a fé do místico e, do santo, a certeza Deus é a ciência em expansão, é a filosofia instruindo, é pura religião.
E a educação, a nobreza.
Deus é o Céu, é o mar.
E todo bem que emana de Si.
E toda a vida expressa, soberana.
Deus está em mim, em você, em todos os filhos da Luz.
Deus é Jesus Cristo em nós, a nos mostrar a porta do Céu, através da cruz.

Irmão Horta
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2019 11:50 am

2 -PROCUREI
Parti da Terra sem medo do infinito.
A morte não me fazia descrer das promessas do Cristo.
O corpo dava a entender que não queria permitir a minha saída; de quando em vez, sugava as minhas energias mentais, a ponto de me desfalecer, mas algo mais forte dizia-me:
"Vem, que a vida maior te espera, com a paz."
Não tive sofrimento ao adentrar a Pátria do Espírito; fui isolado dos turbilhões agressivos da própria natureza, pelo grão de mostarda a que se refere o Evangelho de Nosso Senhor.
Alguém me segredou aos ouvidos, no momento das grandes emoções:
"Volta e agradece ao cavalo que te serviu com obediência, pois Deus também palpita nele.
Confere-lhe a tua gratidão, nesta hora de paz que desfrutas.
Se o amor não tem barreiras, que ele seja extensivo â velha roupagem que o Senhor te deu, por misericórdia."
E foi o que fiz, como reconhecimento pela oportunidade física.
Olhando para o corpo como se ele fosse parte integrante da própria vida, chorei, sem que estivesse pensando em lágrimas.
Reconheci a pobreza de sentimentos da minha parte, ante a pureza e a harmonia do Universo.
O que sentia em torno de mim era uma força que diminuía minha personalidade, e entendi que era um verdadeiro ignorante das coisas do espírito.
Eu, verdadeiramente, não merecia o que estava vendo e ouvindo.
Reconheci imediatamente a misericórdia de Deus para com os Seus filhos e, principalmente, comigo, alma analfabeta frente à grandeza da Vida.
Procurei, nesse impasse, saber qual a verdadeira religião.
Busquei dentro de mim e encontrei um vazio interminável; somente residia no meu íntimo alguma coisa de fé natural, que já nascera comigo.
O bagaço filosófico era pasta imprestável que serviu a alguns roedores de templos, restos de lavagem cerebral dos que se acomodaram no espaço, a condicionar ideias e a ajustar o bridão nas suas mãos inquisitoriais, não permitindo os voos da alma em direcção aos segredos de Deus.
Eu era uma besta de sela, servindo de montaria para outras almas que confiavam mais no animal que nelas próprias, quando precisavam das vantagens de uma oração.
Já livre do corpo, olhei para cima, ou para o que me pareceu ser em cima...
Subi, usando o combustível da vontade; subi mais e mais, sem perder a atmosfera da terra santa que me serviu de berço.
Ajoelhei-me em plena sala da casa de Deus e quis conversar com Ele, vendo o Seu magnânimo rosto através das maravilhas que eu contemplava e falei, com certa dificuldade em ser humilde.
Senhor! Quero saber. Bondade Infinita, qual a melhor religião estabelecida na Terra!
E pensei na que eu tinha pertencido.
Firmei o meu olhar no Sol, onde senti o Criador mais visível, o sol apagou-se...
Desliguei a mente, algo triste pela pergunta, e fiz outra semelhante:
— Meu Deus, e a Reforma?
Pelos Teus filhos, responde-me!
E virei os olhos para a Lua e os planetas do nosso Sistema, vendo e sentindo o Senhor em todos eles.
Eles desapareceram; apagaram-se no infinito...
Tornei a olhar, melancólico, para mais além, e interroguei de novo:
— Deus meu, Deus de todas as criaturas do Universo, tem piedade de mim!
Brada a Tua Voz, pelos recursos que dispões e fala-me, pelos meios que eu possa entender: qual a melhor religião do mundo?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2019 11:50 am

Ë aquela que se assegura no Alcorão, que tem como base os Seus preceitos, os quais respeitamos?
E olhei para uma guirlanda de estrelas que pareciam mais acesas, entendendo que a Grande Voz poderia falar por elas...
Fiquei, por instantes, a escutar, mas elas também se apagaram e desapareceram da minha visão.
Atordoado, resmunguei enfraquecido:
^|3Grande Poder do Universo!
E as ramificações da Reforma?
Será que elas estão certas, mostrando a religião do espírito, como a verdadeira religião?
Fixei novamente o olhar, agora por toda a Galáxia a que pertencemos, abrangendo pelo pensamento toda ela, e esperei a Voz do Senhor:
toda ela se apagou diante de mim, e desapareceu do infinito, como que um pingo d'água em uma chapa quente.
Fui mencionando todas as filosofias e religiões, e aquilo em que eu fixava a mente para ouvir a resposta, desaparecia como por encanto.
Fiquei só, no negrume do espaço.
Não via mais a Terra, porque ela sumira também.
Eu, então, chorando, sem saber o que fazer, lembrei-me de Jesus e orei com lágrimas.
Senti o silêncio penetrar em meu coração e a harmonia apossar-se da minha mente.
Levantei-me, reuni todas as energias de que dispunha no peito, e gritei:
— Meu Deus! Ouve-me de novo,
Compassivo Senhor!
Será que a religião que eu procuro é aquela que Teu filho amado pregou, pela palavra e pelo exemplo, pela alegria e pela dor, na paz e mesmo na guerra?
Será que a religião verdadeira é o Amor?
Eis que, aí, acendeu-se o Sol, apareceram os mundos e a luz voltou em todo o infinito.
Sopraram os ventos e cantaram os anjos, pela harmonia do Universo; os raios das estrelas orquestraram a vida, e, eu, nada diante do Tudo, vi e ouvi uma voz terna e meiga, na brandura da própria vida, ressoar um verbo que parecia nascer de tudo que existe, falando na voz dos Céus:
— É o Amor, meu filho, a verdadeira religião, a filosofia e a ciência de Deus no coração.
Ama, e serás feliz;
ama, e terás paz;
ama, e ser-te-á dada a vida na eternidade do Senhor!...
De braços abertos no jardim das estrelas, curvei-me com reverência.
Beijei o vento da vida, que soprava de todos os lados como se fosse o coração de Deus pulsando no peito de todas as criaturas.
E uma mão amiga, pegando a minha mão e acariciando-a, me disse:
— Vamos, Horta, à horta da Terra!
As tuas mãos precisam trabalhar, para que permaneça acesa a luz do Amor dentro de ti!
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2019 11:50 am

3 - 0 CANTO DA DOR
A noite me falava de algo que eu não compreendia bem.
Escutava, ao longe, um canto, sufocado pelo barulho das grandes indústrias e pela indiferença dos transeuntes, transitando agitados em busca de pão.
Era noite profunda, caía finíssima garoa que, no ar, tinha a aparência de um fino talco esvoaçando no espaço.
E eu tornava a ouvir uma voz na diligência de socorro.
Eu, quente no meu leito acolchoado, sentia o prazer do descanso, mas a inquietação da consciência fazia com que eu me perdesse no mundo das deduções à procura da paz que eu perdera...
Além disso, perdera o sono.
E, no ambiente em que proliferava a inquietação no meu coração, levantei-me e me pus a orar, porque era na oração, em muitas vezes, que o meu íntimo reclamava o dever, e, somente quando a tarefa se cumpria, eu em assegurava e ganhava a harmonia espiritual.
Passei à súplica.
E, num ambiente de alegria e de firmeza, ouvi de novo o Canto da Dor, transformado em entendimento.
Os sons audíveis faziam-me entender o que deveria ser feito, naquela operação do verbo.
Aos meus ouvidos chegou uma palavra mansa, mas séria; de amor, mas firme, de ordem indicativa, onde não havia espaço para o adjectivo, porque ela já era a expressão de maior entendimento que acalmava todas as necessidades.
Ela se chama Caridade.
Antes de abrir os olhos, gesto que marcava a finalização da prece, já via uma luz pequena, mas muito viva, bailando no espaço do quarto.
Fiquei encantado com os encantos do fenómeno, e ela, feliz com a minha felicidade, riscou sem palavras o meu caminho daquela noite, sem conhecer portas ou paredes, obstáculos de qualquer natureza, falando sem palavras.
Compreendi que deveria seguir seu roteiro, pela claridade manifesta.
E foi o que fiz.
Descemos ruas e subimos estradas, passamos por becos e atravessamos lugarejos, e eu acompanhando a luz que me servia de guia.
Ela me levava para o dever, sendo neste que eu deveria reconhecer os meus compromissos assumidos, diante das necessidades humanas e espirituais.
Andei por mais de duas horas, sempre guiado pela luz que se fazia cada vez mais interessante em minha frente.
Nada ela falava, porém, fazia que eu entendesse o seu maior objectivo, pelo encanto dos seus meigos gestos que comecei a entender...
Chegamos a uma porta que mal podia ficar em pé; a luz entrou e eu bati, levado pela intuição que, com certeza, ela me dera.
Alguém gemia, dentro do pobre recinto.
Tudo estava às escuras, mas agora clareava, e uma voz falou, do outro lado da porta:
— Entra, quem está aí fora! Graças a Deus, chegou alguém que pode socorrer meu filho!
Forcei a porta e ela obedeceu.
Vi um quadro comovedor: uma criança recém-nascida, ao lado da mãe morta.
Quase caí ao chão, pelo impacto dos sentimentos...
Enrolei o filhinho de Deus na rota batina que usava, depois de ter cortado o laço que o prendia à progenitora, e, quando ia sair com o fardo divino nos braços, a luz se fez mulher e me disse:
— Eu -sou a mãe dele, e lhe peço para fazer com ele o que o seu coração, em Cristo, lhe ordenar.
Eu já não sou mais eu; estou sendo, a partir de agora, e pela luz da caridade, o canto sublimado da Dor!...
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2019 11:50 am

4 - SOU UM ANJO
Sou conhecido por todos os povos, por todas as nações e, por vezes, por todas as criaturas.
Sou aquela força que conhece do vírus á célula, da célula aos órgãos e destes ao conjunto orgânico.
Sou um Anjo!
Mas ninguém gosta de mim; os homens me atraem pelos actos, porém, quando atendo ao chamado, pelas suas acções ou porque se afinizaram comigo, repudiam-me, e procuram, usando métodos errados, todos os meios de expulsar-me.
Eles, os humanos, choram com a minha presença e blasfemam com a minha estadia em suas companhias; contratam ingredientes para matar- me e buscam sábios para expulsar-me da convivência deles...
Sou perseguido; quero falar ao que me procura, mas ninguém quer ouvir-me,- quero induzir a quem acompanho para a luz do entendimento, não obstante, esse fecha os ouvidos para não me ouvir.
Sou expulso das casas e da colectividade; entretanto, aqueles que me escorraçam me chamam pelas atitudes e nem mesmo meus carrascos estão seguros ou livres de mim.
Nestas horas que a humanidade vive, nem o progresso anda sem o meu concurso.
Eu sou, verdadeiramente, o companheiro de todos.
Asseguro a fé nas criaturas e ando vigiando os homens, para que eles não venham cair em tentações piores.
Revisto-me de sombras, mas a minha presença cura; assombro, aparentemente, mas sou de paz.
Sou enviado pelo pai para socorrer a humanidade, e rasgo o véu da ignorância, expulsando do coração, a dúvida.
Finalmente, é com a minha presença que se instala a fé no imo d'alma.
Sabes quem sou eu, filho meu?
Eu sou o Anjo da Dor...
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2019 11:51 am

5 - TONHÃO
Passei um dia de muita alegria, por não ter descansado um minuto sequer, e à tarde, fui chamado às pressas para ver um doente que agonizava.
Pus-me a caminho com o guia que viera me buscar.
Conversa vai, conversa vem, as distâncias foram se encurtando, a sequência de casos se foi prolongando entre nós dois, de maneira que não percebemos que estávamos chegando.
Eu já conhecia aquela família generosa, que sempre me ajudava a ajudar a pobreza da região, cujos sofredores amávamos muito.
Havia um córrego a passar, águas claras, sem a poluição de que tanto se fala hoje.
A mula que fazia a gentileza de me levar deu uma parada, e eu entendi que ela tinha algo a fazer:
ela entrou na água para aliviar a sua necessidade e aquela visão agiu psicologicamente em mim, despertando- me a vontade de aliviar a minha.
Como já estava perto, falei ao guia que continuasse a caminho, pois eu demoraria um pouco.
Ele compreendeu, e partiu sem perguntas desnecessárias.
A mula dentro d'água sentiu a frescura do líquido grandioso e empenhava-se em sorvê-lo. A demora me fez ficar a pensar.
A Lua clareava como se fosse um segundo sol, e eu via as ondas das águas tremularem e o riacho cantando, como se fosse um pássaro sozinho entre grandes árvores que nos cobriam.
Fui inspirado para orar e obedeci, formulando sentida súplica a nossa Mãe Santíssima, pedindo a ela que me guiasse para os melhores caminhos que eu deveria seguir.
Quando eu estava no meio da oração, notei que as águas do córrego fervilhavam; pensei em peixes, que sempre em noite quente vêm à flor das águas buscar melhor conforto, e passei a verificar, sob a luz intensa da Lua, mas não eram peixes!
Fiquei agitado intimamente, porém, conservei a tranquilidade, pondo-me a observar atentamente.
A mula acabou de beber a sua água, no que demorou bastante, virou a cabaça para o meu lado, entreabriu um pouco a boca de forma a dar para ver, perfeita mente, a carreira dos seus brancos dentes, e eu escutei uma voz saída da sua boca, com uma expressão esquisita:
PP Irmão Horta! Estou sofrendo muito; pelo amor de me ajuda!
Olhei para todos os lugares e não vi ninguém.
Fiz algumas perguntas com respeito à voz que me falava, mas nada respondeu.
Devo confessar que os meus cabelos arrepiaram das pernas à cabeça, todavia, não tive medo.
Reconheci, pelo que sabia, que era uma alma sofredora em busca de oração e de paz de consciência.
Falei com a mula, espalmei a mão em sua anca para partirmos, mas, ela não obedeceu.
A água do riacho tornou a ferver, pus-me a observar novamente e vi, filhos meus, como estava vendo a própria Lua, esta frase escrita na água:
"Sou Tonhão".
Senti um calafrio na espinha, agitei as pernas em cima da sela e a mula partiu em disparada rumo à fazenda, onde as pessoas estavam começando a se preocupar com a minha demora.
Cheguei cantarolando um hino da Igreja, mas entre os sons da melodia pensava em Jesus, e pedia socorro para aquilo que tinha visto na presença das águas e da mula.
Desci do animal, preocupado, e a minha mente começou a rememorar para descobrir quem era esse Tonhão, que escapava à minha lembrança.
Entretanto; ao observar alguns dos familiares que me esperavam com ansiedade, esqueci-me do caso e preocupei-me somente com o assunto da família.
Abracei a todos com o carinho que eles achavam de que eu era portador, beijaram minhas mãos como se eu fosse um dos santos famosos, e eu me sentia diminuído com aqueles gestos, por ser um dos mais necessitados dos homens, diante do Cristo e dos meus deveres.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2019 11:51 am

Perguntei pelo doente e me conduziram rapidamente até ele.
Colocaram uma cadeira rente à cama e logo tive as suas mãos nas minhas como que duas barras de gelo.
Sua cabeça estava quente qual chaleira fervente ao fogo.
Os seus olhos fisgavam os meus e somente lágrimas escorriam nos cantos dos mesmos; a sua voz estava entrecortada pela emoção e não podia falar.
Olhei para os familiares ali a postos junto a mim, e eles entenderam que nós dois deveríamos ficar sós.
Ficamos sozinhos no grande quarto e demoramo-nos alguns minutos olhando um para o outro.
Notei que ele queria confessar; era aquela hora extrema em que a vergonha passa a ser força em louvor da verdade.
Eu, como sacerdote, não podia recuar diante de uma consciência em chamas.
Lembrei-me de Jesus e pedi a Ele que me ajudasse, transformando a minha palavra em água para aquele sedento, para acalmar aquele coração aflito.
Que Ele pudesse me ajudar no sentido de realizar um dos pequenos milagres citados nas "bem-aventuranças", herança para os sofredores.
Senti que o ambiente asserenou e imperceptível força se apoderou da sua garganta, a me dizer:
— Irmão Horta! Tem piedade de mim!
Eu estou à beira da morte, tenho disso consciência absoluta!
0 senhor sabe que fui um homem honesto e que fiz alguma caridade por seu intermédio; no entanto, a minha consciência pesa e não quero levar esse peso no coração, para onde devo partir...
Parou um pouco, porque já escorria o suor em seu rosto.
Dei a ele um gole de água pura, com o pensamento em Cristo, e ele sorveu-o como se fosse a melhor coisa do mundo, o que na verdade deveria ser.
E continuou, com extrema serenidade, o que muito me comoveu:
— Padre! 0 senhor se lembra de Tonhão?
Quando ele pronunciou aquele nome, quase me levanto da cadeira, por força desconhecida.
Eu é que comecei a suar, como se estivesse tomando banho.
Lembrei-me da mula, da água do córrego, do que ele tinha me dito pela mula, a escrita na água...
Pensei, pensei, e ele, com mais força acrescentou:
— António de...
Veio na lembrança quem era, e um fato mais ou menos ao longe... retruquei:
— Sim, sim, lembro-me.
— Pois é ele, o Tonhão, padre.
Eu desejo contar ao senhor um caso, que já hoje mora no meu peito, como sendo a última coisa que devo revelar no mundo, mas sinto que devo falar com quem possa me ouvir, ajudando-me.
Não suporto mais esse peso na consciência!
Tive um descuido moral, meu santo Padre, fraqueza que, para mim, não tinha reza que me fizesse esquecer.
Que Deus me perdoe, e que o senhor me abençoe, se achar conveniente...
O Tonhão, ao chegar em casa uma certa noite, me encontrou lá, profanando seu leito.
Ele, como o senhor deve se lembrar, era um homem violento.
Eu perdi os sentidos no momento, e ele teve uma emoção tão grande, que foi fulminado na hora, por um ataque do coração, falecendo.
Quando fui acordado pela mulher dele, saí às pressas pelo quintal e desapareci na noite/sem que ninguém ficasse sabendo da verdade.
E ainda fui ao enterro no outro dia, para despistar.
Não sei como estou tendo forças para lhe contar este caso!
Pede a Deus por mim, padre, pede!..
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2019 11:51 am

Eu estou morrendo!...
Ajudei-o a fechar a boca e os olhos com os dedos, e ele partiu para a eternidade.
Quando anunciei aos familiares que o doente morrera, foi aquele alvoroço.
Eu fiquei acalmando aqui e ali.
Asserenaram-se todos, mas ficaram chorosos, devido ao fato de ser aquele o pai da família e de ele ter deixado esse mundo de Deus.
Fiz as minhas orações em seu favor, entreguei a Deus a sua alma, pelos processos que eu conhecia na área da religião à qual pertencia.
A dona da casa acalmou-se, retorcendo-se toda e espumando pelos cantos da boca.
Fiquei pensando sobre o que fazer.
Não tive outra alternativa, a não ser providenciar, pela experiência que tinha em alguns socorros de ervas, a busca de remédio da mãe natureza, doadora universal e onde também as bênçãos de Deus ficam mais visíveis.
Pedi um instrumento de escrever e papel.
Logo trouxeram-me os apetrechos.
Passei para uma pequena mesa onde, sob a luz de uma vela, dei uma receita de charlatão, mas, consciente, de médico pela fé, chama divina que sempre procurei alimentar no coração.
Quando terminara escrita, a mão continuou presa ao lápis, e este deslizou no caderno, sem que eu tomasse parte no assunto.
Não relutei e minha mão corria sobre as folhas que sucediam, escrevendo mais ou menos nestes termos:
— Irmão Horta!
Pelo amor de Deus, estou sofrendo muito, me ajuda!
Não sei o que fazer, mas conto com a tua bondade, que várias vezes me serviu.
Eu sou Tonhão, que esse infeliz, estirado nesse catre, mencionou.
O que ele falou é verdade, verdade que ficou escondida por muito tempo, e que, se perdão for esquecimento, neste momento estou esquecendo a punhalada que ele me desferiu no coração, por causa de facto maior que está para acontecer agora, com minha filha e com o filho deste que acabou de morrer.
Ele está espreitando o meu lar e vai estragar a vida de minha filhinha inocente.
Ele é pior do que o pai.
Quero dar-lhe uma lição!
Depois que morri não tive sossego.
Acho que sou uma alma penada e preciso de tudo o que o senhor puder me dar do teu bondoso coração.
Monta na besta, padre, e volta sem demora.
Vai directamente à porta de minha casa!
Se ela estiver fechada, chama!
Vamos logo, Tonhão"
Senti como se estivesse em um leve sono.
Quando o lápis caiu na mesa, abri os olhos e li o que estava escrito.
A vela chiava de mansinho, parecendo que queimava algo em pequenos estalos.
Olhei para a borra do espermacete, e nela estava desenhado o rosto, perfeito, de Tonhão.
Coisa incrível que eu nunca tinha visto.
Fiquei inquieto e apaguei a vela com os dois dedos, para que o fenómeno passasse despercebido do povo da casa.
Depois de um rápido chá, tirei a vela do pires onde se encontrava segura pelo seu próprio material, e a coloquei na mesa.
Que Deus me perdoe!
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 23, 2019 10:19 am

Levei o pires no bolso da batina, envolvido com todo cuidado de um velho lenço de proporções incomuns.
Fiquei assombrado.
Nunca me tinha acontecido aquilo.
Dei uma ligeira explicação e parti sem demora.
Precisava, se fosse verdade, salvar a mocinha, como estava relatado no escrito que eu acabara de receber.
O guia queria me acompanhar e eu o desobriguei disso.
A família relutou para que eu dormisse, mas apresentei desculpas.
Montei na besta com uma facilidade incrível, que nunca tive.
A mula parecia voar nas estradas que conhecia bem.
Ela nunca fora dessas espertezas.
Tudo estava estranho para mim.
Entrei na cidade e fui logo para a casa do Tonhão, como ele havia pedido.
Lá chegando, vi, de imediato, um vulto que procurou fugir do barulho das ferraduras, avançando para a porta da casa do falecido.
Notei que a porta estava meio aberta, quando ele deu um salto para alcançar o interior da residência.
O portal era baixo e de madeira de lei, que o carapina soube esquinar, e, pela violência do pulo, o rapaz esqueceu-se de abaixar; a sua testa deu de encontro com o portal.
Ouvi um gemido e vi o moço cair para trás.
Eu já estava mais perto e pude dar os primeiros socorros.
O rapaz fracturou o crânio e a poça de sangue denunciava o estrago da aventura.
Morreu imediatamente.
Chamei uns vizinhos e remove o cadáver para lugar conveniente, mas, antes, sem que ninguém desconfiasse, fechei o trinco da porta, que logo me obedeceu.
E fiquei a cismar:
"Meu Deus, que coisa horrível!
Será que foi o...?
Como as coisas acontecem!"
A interferência do além parece estar em toda parte.
O pai morreu, e em seguida o filho, sem que ninguém soubesse do drama de um e de outro.
Fiquei muitos dias meditando sobre esses acontecimentos.
Quantos fenómenos eu presenciaria!...
Depois de uma semana, fui à casa do Bispo de M.
A minha consciência pedia que eu lhe contasse os factos, para que ele me ajudasse, como chefe, a precaver-me de futuros embaraços, e desse melhores explicações sobre o que ocorrera, e o que sempre acontecia comigo nas minhas andanças de caridade.
Com muito custo, tive a oportunidade de falar com o pastor e ele me recebeu friamente.
Não tive dúvidas de que ele não gostava da minha presença, das minhas roupas um pouco estragadas pelo tempo, e mesmo pelo desleixo que sempre me ocorria, além dos sapatos que não resistiam às minhas caminhadas.
Beijei-lhe as mãos perfumadas, procurando com a boca um lugar em que não houvesse anéis, para atingir a pele do reverendo senhor.
Este fez um gesto de bênção forçada, e pediu rapidez no caso.
Contei tudo para ele, que mal me escutava, dando maior atenção à limpeza do crucifixo de ouro, pendurado em seu pescoço volumoso.
Depois de tudo narrado, ele, apresentando nervosismo, deu-me uma advertência:
— Olha Horta, tu tens nos dado muito trabalho.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 23, 2019 10:19 am

Até hoje te temos tolerado.
De agora em diante, abre os olhos e não sejas cego.
0 diabo está andando contigo!
Será que não dá para desconfiar?
Onde já se viu mula falar, água de córrego escrever nome e mão escrever sozinha?
Isso somente pode ser trama de Satanás, que está fazendo as dele por aqui.
Até retrato em borras de vela!
Ele pode enganar a ti, a mim não!
E me despediu.
Eu queria explicar ao bispo que nunca procurara essas coisas, que elas aconteciam espontaneamente, mas não tive chance.
Saí dali contrariado, por ele não compreender e nem me ajudar no entendimento daquela verdade que palpitava em meu coração.
Mas logo me esqueci, por dar às mãos trabalho, e sempre em favor dos sofredores.
Aconteceu que esse bispo foi transferido e ocupou-lhe o lugar um outro, ao qual me afeiçoei e, parece, ele por mim.
Conversávamos longas horas sobre todos os assuntos, e, um dia, toquei nesses fenómenos com ele, meio ressabiado.
Ele levantou-se alegre, bateu em meu ombro sorrindo e falou com bom humor:
— Horta!. . Horta! ...
Tu também conheces isso por experiência?
A Bíblia1 está cheia destes factos e isso vai ser comum no futuro.
Moisés ouvia a voz de Deus na sarça que queimava ...
Isso são recursos usados pelos Céus, irmão Horta, e podem vir de Satanás também; depende aí, sabe de quê?
Do que se fala.
E por isso, tu tens razão ao avaliar o que ouves.
Entendeste?
Fiquei radiante de alegria pelo apoio dado ao meu coração, aos fenómenos que aconteciam comigo e aos meus sonhos que sempre eram avisos, quando não era trabalho para o bem comum.
Saí assoviando pela rua, coisa que não tinha costume de fazer,- no entanto, a alegria não respeitava a educação que eu tivera.
Eu estava cantando por dentro e comecei a compreender melhor o Evangelho, a encontrar nele as mais belas histórias, onde nunca faltava a intervenção das almas e dos anjos, como personagens viventes, objectivando ajudar a humanidade.
E, naquela noite, sonhei com o Tonhão, que assim me disse:
— Desculpa-me, irmão Horta.
Não fui eu quem fez aquilo.
Eu só queria impedir que acontecesse o mesmo com a minha filha, porque a mulher já debandou, a ponto de facilitar o erro para a menina.
Eu quero te dizer, padre — e começou a chorar — que eu fiz a mesma coisa com a mulher do Janjão, mas foi ela que me induziu.
Eu acordei chorando também e rezei pela alma de Tonhão, que pareceu já renovado pelo arrependimento.
Devemos ter cuidado nas nossas atitudes, porque a lei não nos perdoa; ela cobra, no silêncio das reencarnações, tudo o que ficamos devendo, pela escrita do passado.
Hoje, por misericórdia divina, estão todos reunidos em um lugar, os protagonistas deste drama, lutando com as consciências para se livrarem das soleiras das portas do mal, que estão aí por toda parte.
Ninguém engana ninguém!
Deus é, verdadeiramente, Justiça!
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 23, 2019 10:19 am

6 - CARIDADE
A caridade é um génio de mil atitudes, que flui de Deus pelos canais de Jesus Cristo, usando todos os espíritos na luz do amor.
A caridade se divide ao infinito, por onde passa, na claridade do bem.
A caridade anima e consola, fortifica e eleva, educa e instrui, deixando nos ambientes a verdadeira fé, consubstanciando os corações em uma liberdade maior, com a responsabilidade que palpita no bom senso.
A caridade pode ser, e é, pensamentos nobres, palavras edificantes, gestos de paz, mão amiga, vida exemplar, trabalho educativo, escrita benfeitora, um copo d'agua com carinho, bênção de compreensão, perdão aos ofensores, sorriso amigo...
A beneficência é todo o bem que tenha o selo da fraternidade, aliada ao desprendimento.
Caridade é amor, caridade é luz, caridade é o Mestre dentro das almas; caridade é Deus em Cristo e Jesus em nós!
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 23, 2019 10:20 am

7 - QUEM ERA 0 BURRO
Bateram apressadamente em minha porta.
Eu estava quase a deitar, pois já havia feito as minhas obrigações espirituais, mas, como era frequente esse hábito de chamados, levantei-me de um velho banquinho onde tinha o costume de me sentar para lavar os pés em água esperta.
Abri a porta.
Era um senhor aflito, que me pedia com emoção e respeito, a minha ida a sua casa, pois a sua mulher estava passando mal para dar à luz, um mal que iria converter-se em bem, talvez, para a própria humanidade.
Convidei-o para entrar; ele recusou, declarando que deveria ir correndo atrás de uma parteira, que não morava perto, e me ensinou o caminho, com a aflição peculiar ao homem preocupado.
Pediu a minha bênção e eu pedi ao Cristo que o abençoasse. E tratei de partir.
Era um pouco distante, e a distância fez-me procurar o animal, a mula amiga, que sempre me conduzia.
Daí a pouco estava a caminho.
A noite estava escura.
Era noite na verdadeira significação da palavra, no dizer popular, "um breu".
Não sendo o breu muito escuro, poderemos dizer, hoje, que era "um petróleo".
Conversei com a besta que iria me transportar, bati a mão de leve em sua crina e falei :
— Vamos, minha filha!
Tenho pressa!
É alguém que sofre!...
E partimos, sem esquecer a oração, hábito que eu tinha em todas as saídas, para qualquer lugar.
Tudo sereno, parecia que até os grilos haviam feito greve.
O silêncio apoderou-se de tudo; somente estava escutando as ferraduras da minha companheira, que fazia a caridade de me conduzir.
Em um certo momento, ela estacou; esperei um pouco, com respeito às suas necessidades, mas não era esse o motivo.
Balancei as pernas dos lados da sua barriga, porém, ela não atendeu. Falei com ela para prosseguir, tudo em vão.
Eu não carregava espora, por dó de ferir o animal; fiz o ruído costumeiro com a boca, ordenando-a que andasse. Nada!
Desci do animal com a rédea no braço, puxei-o, mas ele se escorava e não dava um passo sequer.
Começou a trovejar, surgindo algumas gotas de chuva.
Eu, puxando a mula com todas as minhas forças, e ela, gemendo, não andava.
Já fazia bem tempo que eu estava nesta labuta infrutífera.
Nisto, deu um relâmpago clareando todo o caminho, e eu notei, com espanto, que estávamos à beira de um abismo.
Uma ponte que ligava os dois paredões de um vale, havia caído de maneira espectacular.
Se eu desse mais uns passos, cai ria dentro do abismo e estaria selado meu destino, e eu na eternidade, pelo preço de alguns metros.
Quando verifiquei o porquê do animal não querer prosseguir, conclui que eu é quem era o burro, que deveria estar carregando o animal nas costas.
Pedi perdão a minha mula, acariciando-a pelo pescoço e agradecendo-lhe por ter salvado a minha vida, depois de Deus.
E, ainda mais, pude observar que errara o caminho que me fora ensinado pelo senhor.
Fiquei, logo depois da alegria de ser salvo', meio triste, por já se ter passado muito tempo.
E a mulher que estava para dar à luz?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 23, 2019 10:20 am

Lembrei-me de Maria, mãe de Jesus, e nossa mãe do coração.
No clarão de outro relâmpago, avistei uma árvore caída; passei a rédea no seu galho, sentei-me e passei a balbuciar uma oração a Deus...
Um leve sono tomou meu ser, e não sei bem quanto tempo fiquei dessa forma; só sei que, quando voltei a mim, montei no animal e este, antes mesmo que eu firmasse o corpo na sela, já estava em disparada.
Peguei o caminho certo, e dentro de meia hora mais ou menos, estava descendo na porta da casa do homem que fora me chamar.
Dava para ver seu rosto no clarão dos foguetes que soltava sorrindo.
Pressenti logo que o menino nascera.
Desci do animal, às pressas, e fui entrando no casebre.
Alguém abriu a porta com alegria e eu vi o rosto da mãe desmanchando-se de prazer, tendo ao lado uma linda criancinha, dormindo como um anjinho sob o calor da mãe.
Olhei para ela, com a consciência pesada, mas ela olhou para mim, dizendo sorrindo:
— Irmão Horta!
... O senhor voltou?
Graças a Deus!
Passe o resto da noite connosco.
Fiquei perturbado com aquele "voltou" — só depois que desencarnei é que fiquei sabendo o que havia acontecido...
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 23, 2019 10:20 am

8 - SÚPLICA
Senhor!
Queremos pronunciar o Teu nome ...
Estamos presos na atmosfera da Terra, pelas nossas promessas e dívidas com ela.
Ajuda-nos, Pai Celestial, a ajudar neste campo de tanta carência!
Aumenta as nossas forças, para que elas sejam distribuídas em favor dos que sofrem, em amparo aos que estão cegos, em favor dos estropiados.
Permite, meu Deus, que as Tuas bênçãos não faltem nos nossos impulsos de caridade de cada dia, a caridade que não exige nada dos sofredores, onde se doa por amor.
Senhor!
Não nos deixes esquecer as nossas obrigações materiais e espirituais, na sequência de cada dia, e que todos os dirigentes das nações e religiões do mundo, não se esqueçam de valorizar a Tua criação, respeitando os que são desprezados pela abundância.
Grande Alma!
Permite que possamos, encarnados e desencarnados, darmo-nos as mãos e, juntos, dar glória aos Céus, pelo conforto que recebemos na Terra, cuja posição, na fase em que se encontra, corre perigo, assim como as vidas que viajam com ela.
Senhor!
Ajuda-nos a ajudar mais, com as mãos, com os pés, com a cabeça e com o coração, em todos os sentidos, porque, com a confiança em Cristo que palpita em nós, seremos vivos na vida de Deus.
A caridade, nesse avanço, toma a forma dinamizada nos conceitos da Doutrina Espírita, quando assim se expressa no iluminado portal do edifício doutrinário:
Fora da caridade não há salvação!
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 23, 2019 10:20 am

9 - COM DEUS NO CORAÇÃO
Eu admirava muito, quando estava encarnado, um personagem conhecido por todos os brasileiros, um dos que assentaram os princípios religiosos neste país de Deus, e nos corações dos primitivos da terra: o valoroso padre Anchieta.
Procurava saber sempre mais sobre sua história, que estava ligada à história da religião a que eu pertencia.
Lia, por vezes, sobre ele, e me empolgava com a sua humildade, sua cultura e seu amor pelos homens e pelos animais.
Ele era verdadeiramente um homem santo, pelo ritmo que lhe caracterizava a vida.
Eu, quando tinha contacto com as crianças, sempre me lembrava desse personagem, narrando historinhas que ilustravam as lições, na edificação daquelas criaturinhas de Deus.
Sentia um prazer imenso em dadas comparações, e o ambiente parecia diferente, a alegria mais espontânea e a minha própria mente mais lúcida, em contacto com as crianças.
Quando passei para o mundo espiritual, tive a mesma vontade de conhecer a sua magnífica vida e, naquela oportunidade, conheci uma história que passo a contar:
O padre Anchieta tinha necessidade de estar em uma determinada aldeia de índios, e, para tanto, pediu a dois deles que estavam por ali, e que sempre o acompanhavam nas suas andanças pelas vilas, pelas praias e pelas matas, que o guiassem até lá.
Eles aquiesceram com toda alegria e obediência.
O santo padre confabulou com os dois primitivos, que explicaram ao sacerdote que deveriam andar um pouco a pé, para depois pegarem um pequeno barco, que os transportaria para o outro lado do rio, cuja passagem era muito perigosa, devido às fortes correntezas.
Padre Anchieta, acostumado com os perigos da região, e confiante nos dois homens, que sempre deram testemunhos de fidelidade e de coragem, aquiesceu.
Partiram solfejando algumas canções da época, que os próprios índios igualmente aprenderam.
Os indígenas gostam muito de música e adoram danças.
Um deles era de compleição helénica, atleta por natureza.
Sempre andava atrás do reverendo, porque via as coisas que poderiam acontecer na frente, bem como era a defesa para o que poderia, por ventura, ocorrer por trás.
Para ele, nada era difícil na defesa do padre Anchieta, que considerava como pai.
O mais franzino ia na frente, cantando e dançando como se fosse criança a passeio, mas sempre atento a qualquer mudança no ambiente.
O padre, nessas caminhadas, às vezes não percebia as distâncias, por passá-las lendo breviários e mesmo livros, que o seu mundo religioso preparava no alto escalão português.
Os vigilantes não perdiam de vista seu tutelado, nem as margens dos caminhos.
Logo avistaram o grande rio, águas meio turvas pelo seu volume e ligeiro pelas correntezas.
Era para fazer temer qualquer viajante que não o conhecesse.
No entanto, ali era a passagem costumeira dos índios, nas suas próprias embarcações.
O padre Anchieta entrou no barco com a mesma simplicidade que uma criança entra em qualquer lugar desconhecido, confiante em alguma coisa ou em alguém.
O rio estava a inspirar temor; os próprios índios olharam um para o outro, e os seus olhos denunciaram o perigo.
Afrouxaram o cipó que segurava a embarcação a uma árvore e partiram.
Eles, como remadores conscientes dos seus deveres na água que corria acelerada, notaram que deveriam acompanhar as correntezas sem forçar muito o barco, para atravessarem directamente e alcançar o outro lado.
A margem onde deveriam aportar era bastante longe.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 23, 2019 10:21 am

Com os cuidados devidos, nada temeriam, pois faziam inveja, se fosse o caso, até aos peixes, no domínio das águas, mas, e o fardo precioso que estavam conduzindo?
Para eles era como se fosse um deus.
O padre se postara serenamente no meio da embarcação, como que em êxtase: estava em profunda oração...
Nisto, sem que os dois índios percebessem, o casco do barco bateu em algo no fundo do rio:
havia um tronco de árvore preso, que balançou toda a embarcação, suspendendo uma ponta para cima e a emborcando nas águas, sem recurso para que os remadores pudessem tomar providências.
Os dois índios, como relâmpagos, desfizeram-se do perigo e saíram nadando; confabularam um com o outro acerca do passageiro, viraram o barco à posição normal e nada do santo padre.
O mais forte deu ordens para que o outro tomasse conta do barco, que ele iria procurar o padre Anchieta.
Mergulha aqui, mergulha ali o índio tinha um fôlego incomparável, difícil de ser entendido até pela ciência — mesmo sabendo que o rio era fundo, e na época da cheia, e deu grito de aviso e foi para o fundo.
Chegando lá, o índio estatelou os olhos ao ver que o padre Anchieta estava assentado no leito das águas, serenamente, porque ainda não tinha terminado a sua oração, que começara antes do barco virar.
Já com o fôlego no fim, nadou para o sacerdote, agarrou-o com os possantes braços, dirigindo-se para a tona com seu fardo sagrado, mas pensando que ele estivesse morto, pelo tempo que passara submerso.
O índio, quando atingiu a flor das águas, já estava quase morto, por faltar-lhe o ar, mesmo assim respirou como um guerreiro, agarrado ao seu tesouro.
E partiu para a margem, onde o outro o esperava, ajudando a colocá-lo em terra.
O atlético homem primitivo, tomado de um cansaço natural, fez algumas evoluções no ar, para retornar à harmonia da respiração, olhou para o padre Anchieta e este continuava na sua mansuetude, peculiar aos santos.
Bateu de leve em seu rosto, chamou-o pelo nome, e o reverendo, na sua graciosidade de falar, terminou sua oração, dizendo agora com o auxílio dos lábios:
Amém.
Abriu os olhos e perguntou aos índios:
— O que foi que aconteceu?
No entanto, ele mesmo ao ver a batina molhada, concluiu que o barco havia virado.
Abraçou os índios e, beijando as suas mãos, lhes disse:
— Deus vos pague pelo que fizestes por mim, meus filhos; que a nossa Mãe Santíssima vos abençoe em nome de Jesus! Os dois nativos olhando para o padre, choraram como crianças . . .
O índio grandalhão estava inquieto.
Viu que o padre tinha demorado muito no fundo do rio sem afogar-se e pensou que o padre Anchieta tinha mais fôlego que ele, muitas vezes mais.
Achou que deveria aprender a ficar dentro das águas, do mesmo modo de seu protegido.
Permaneceu sentado ao lado do padre e o interrogou:
— O que o senhor tem diferente dos outros, que pode demorar dentro das águas sem afogar-se, esse tempo todo?
Eu quero aprender isso, eu preciso conhecer esse modo que o senhor encontrou!
O padre olhou para o índio tranquilamente, pensando em como responder-lhe e disse, dentro da sua profunda simplicidade:
— Isso meu filho, é Deus no coração.
O índio alegrou o semblante e respondeu sorrindo:
— Eu quero aprender a botar Deus no meu coração, como o senhor!
Padre Anchieta ficou algo embaraçado com a insistência do indígena; o que fazer para acalmá-lo?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 23, 2019 10:21 am

Respondeu com benevolência:
— Deus, para entrar no nosso coração, nos aconselha a orar com humildade ...
0 índio, mais alegre, confabulou com respeito:
— Ah, sim! ...
Então é mais fácil, porque o senhor pode me ensinar a orar com humildade, não é?
E Deus entrará no meu coração!
Deitou-se no chão, ali mesmo, rolou para todos os lados, como vencedor da própria respiração dentro das águas, e levantou-se como aprendiz do padre Anchieta, dizendo:
— Quero aprender!
Padre Anchieta, admirado com a inteligência do índio, meditou por alguns instantes, sem ser interrompido por ele, e falou inspirado:
Olha, meu filho, tu vais dormir e o próprio Deus te ensinará no céu o que tens que fazer para não precisares respirar dentro das águas, como os homens.
O índio, meio desiludido, falou baixinho ao ouvido do reverendo:
— Eu estou com sono padre, quero dormir, para me encontrar com Deus.
Padre Anchieta, apertado com o índio, naquela noite fez sentida oração ao Senhor, pedindo a Ele que explicasse ao índio o que ele queria saber, no entendimento dos próprios índios, coisa muito difícil para um pobre padre.
O índio dormiu e sonhou com um velho ancião, que ele supôs ser Deus, que respondeu sua pergunta ao padre Anchieta, nestes termos:
Olha, meu filho, para me colocares no teu coração, e nadares igual aos peixes sem precisares respirar como fazem os homens, precisas fazer igual ao Sol.
Vê como é . . .
E o índio viu o Sol iluminando a Terra, e se foram passando os quadros nos quais a sua luz era benfeitora, fazendo florescer as plantas, purificando a atmosfera, conservando as águas, secando as roupas, fazendo nascer as árvores e crescerem os frutos, aquecendo os corpos e alegrando todos os viventes da Terra.
E muitas coisas mais que o índio poderia entender, procurando transformar-se em um benfeitor da humanidade.
O índio acordou desesperado e logo de madrugada procurou o padre Anchieta.
Este já havia levantado também e estava andando, observando o magnetismo das estrelas, antes que o sol saísse.
Viu o índio a sua procura e ficou a cismar...
Sentou-se em uma grande pedra e o índio veio devagarinho.
Encostou a cabeça em seu ombro e falou chorando:
— Padre, não posso colocar Deus no meu coração! É tão difícil!...
Somente o senhor consegue, porque para fazer o que o Sol faz para todos, tem-se que ser muito santo!
Deus me disse que não vem de outro modo.
E soluçava, já no colo do padre Anchieta.
O padre, passando a destra na cabeça do silvícola, falou-lhe ao coração:
— Meu filho, para fazer o que tu fazes nas águas e nas matas, é preciso ser filho de Deus, e isso já basta para a nossa verdadeira alegria! ...
O índio levantou-se com os olhos tristes, pegou nas mãos do seu tutor espiritual e disse com interesse:
— Quando eu mergulhei nas águas para procurar o senhor, padre, e que o encontrei, o senhor estava vestido com uma roupa por cima de sua roupa, que brilhava muito.
O que era aquilo?
Padre Anchieta, já alerta com a inteligência do índio, respondeu sem tropeços:
— Aquela roupa, meu filho, foi o Sol que me emprestou por misericórdia, para que eu não morresse.
Vê como ele é bom!
O índio se calou, não fez mais perguntas, saiu de mansinho e daí a instantes o padre Anchieta o encontrou ajoelhado diante do altar da igreja, querendo conversar com a imagem de Maria, mãe de Jesus, como fazia seu guia espiritual.
Anchieta, quando viu aquele gesto comovente do indígena, fechou os olhos e, na sua ternura de pastor, pediu a Deus no silêncio d'alma:
— Meu Deus!
Ouve-me, entre no coração deste irmão, da maneira mais conveniente ...
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 23, 2019 10:21 am

10 - NÓS SOMOS
Nós somos um conjunto de coisas e podemos manifestar aptidões separadas, na unificação de um bem aprimorado.
Eu sou o tecido!
Oriundo da natureza, onde o laboratório divino operou milagres para que eu surgisse e me destinasse a servir aos homens.
Sou base das vestes.
Eu sou a tinha!
Em fios grossos, e, por vezes, tenuíssimos, entrelaço as peças, ajustando-as para que a forma se embeleze no conforto e na postura dos seres humanos.
Eu sou o botão!
Sirvo para a segurança e o acomodamento das vestes no corpo e a confiança dos que se servem das roupas.
Eu sou o zíper!
Apareci recentemente para maior facilidade da vestimenta e para a ajuda dos companheiros, moradores das casas.
Eu sou a máquina!
Costuro, unindo as peças em plena harmonia, usando os fios em várias direcções, para que o tecido tome a forma desejada pelo que usará o traje.
Eu sou o ferro de passar!
Estico o pano enrugado, no sentido de melhorar as condições da modelagem.
Eu sou a tesoura!
Não posso ser esquecida nas divisões do tecido; trabalho pela obtenção das variadas formas.
Eu sou o lápis!
Indico os caminhos para a tesoura trabalhar em harmonia.
Eu sou o alfinete!
Tenho cabeça, mas não penso; obedeço à orientação de quem costura.
Nós somos as mãos!
Trabalhamos a fim de que todos se unam e embelezem o conjunto.
Estamos unidos no mesmo ideal...
Pouco somos sozinhos, pois a operação em conjunto enriquece o que fazemos.
Nós, que aqui falamos, apelamos para os seres humanos, para que se unam em tudo o que idealizarem, para que formem um todo, como força divina, na divina extensão do Bem.
Porque, se nós confeccionarmos as roupas físicas, os homens, em conjunto, na presença do Amor, e com o material da caridade, poderão preparar as suas roupagens espirituais e, ainda, dar exemplos para que outros façam o mesmo, tendo como base o tecido das virtudes.
Entrelacemos esforços, espíritos e objectos, neste trabalho, com alegria, porque nós somos filhos do mesmo Deus...
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 24, 2019 9:12 am

11 - SÃO FRANCISCO
São Francisco de Assis é um dos santos que eu sempre admirei.
Ele, para mim, foi a expressão mais pura dos servidores de Cristo, e deu testemunho disso pela época em que nasceu, na Idade Média, entre dois terríveis movimentos: as Cruzadas e a Inquisição.
Era para ter sido influenciado pelo meio em que viveu, pelo ambiente em que trabalhou, pela sua formação, pelos amigos e até mesmo pelas guerras das quais tomou parte.
Mas, não:
Francisco de Assis foi ele mesmo em todas as circunstâncias da vida, a expressão mais alta do amor, depois de Jesus Cristo.
A literatura que trata de sua vida simples, porém, profunda, é vasta em muitos países do mundo.
A quantidade de livros que existe sobre a sua vida, e de casos narrados sobre ele, é sobremaneira impressionante.
Entretanto, o modo mais gostoso de saber algo sobre esse incomparável santo, é aquele em que as narrativas nos vêm de boca em boca, na inspiração do povo simples como ele foi.
E eu, empolgado com a vida real do grande poverello de Assis, comecei a fazer parte da sua comunidade, mesmo sem pertencer à iluminada Ordem dos Franciscanos.
Verifiquei, e o próprio tempo me deu confirmação que, para purificar os sentimentos, não bastava pertencer a essa ou aquela congregação religiosa, como a que eu pertencia, ou às suas divisões: era preciso entender e começar a viver o que o Divino Mestre ensinou para todas as criaturas de Deus.
Contudo, sempre pensava nesse ardoroso poeta das estrelas, amante da natureza e amigo incondicional dos animais, em como ele derramava o seu mais puro amor para os homens, seus irmãos em Cristo.
Fez da renúncia o seu instrumento sagrado; da caridade, sua profissão diária; do perdão, a força da amizade; do entendimento, sua mais alta escola, e buscava no amor verdadeiro o alimento da alma, por ser ele o atributo central de Deus.
Francisco me fascinava!
Não era totalmente inveja o que eu sentia desse seresteiro das virtudes, mas uma atracção irresistível para copiara sua conduta e sorver os seus exemplos, na ampla concepção da palavra.
Eu era seu discípulo do coração e pelo coração.
Via todos os bispos e padres, dos mais renomados, falarem sobre sua vida, com respeito e gratidão, e passei a ser um deles.
Certa vez, rebuscando o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, empolgado no Sermão da Montanha, na subida do Calvário e na alegria da Ressurreição, tive uma ideia, talvez, infantil.
A tarde era bela.
Procurei um rio próximo, onde os sons das águas faziam-me lembrar dos peixes que ouviam Francisco e dos pássaros que cantavam com ele.
E comecei a pregar na beira do rio, de maneira que os peixes pudessem me ouvir.
A minha voz retumbava do outro lado e vibrava nas águas como se fosse um famoso cantor de ópera da velha Itália.
Visualizei cardumes e mais cardumes de peixes a me ouvirem, todos à flor das águas, registando a minha fala.
A garganta anunciava cansaço, por ]á se passarem mais de duas horas e nada de peixes; somente o silêncio.
Pus-me a caminho, meio triste.
O sol despedia-se no ocidente e, no caminho, encontrei uma árvore frondosa, cujos galhos tinham tantos pássaros pousados como suas folhas.
Alegrei-me, suspendi os braços para o alto e passei a cantar, como fazia São Francisco em se encontrando com os viventes voadores que vinham pousar em seus braços.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 24, 2019 9:13 am

Esperei o mesmo, mas, eles se espantaram com a minha presença e voaram, tomando rumos desconhecidos.
Chorei naquele momento, ao notar a minha fragilidade moral, no tocante a algo que faltava em mim e que existia com abundância em São Francisco de Assis.
Falei desconsolado em voz alta:
— Meu Deus! 0 que preciso corrigir no meu modo de ser, no meu pobre coração, para que cresça o amor em mim, na medida dos santos?
Vivo agredindo meus sentimentos para que eles acompanhem meus ideais, e quando somo minhas qualidades, vejo que me falta muito no que tange ao Amor.. .
Sou sempre um sino que tine ou uma harpa que toca, mas sempre por mãos que não são as minhas.
Sei que o coração do santo é um sol e uma fonte de águas espirituais inesgotáveis, na sublimação que Deus lhe deu.
Tudo isso é uma actividade de Amor e só o Amor pode entender o Amor.
Vejo, meu Deus, que sou uma ferramenta imprestável em Tuas mãos benfeitoras.
Peço-Te que me ajudes a melhorar, na sequência dos dias, nos caminhos do bem que eu deseje fazer.
Perdoa a minha ignorância em querer fazer o que fizeram e fazem os grandes santos, aqueles reconhecidamente santos!
Peço Tuas bênçãos para os meus passos, ainda trôpegos no ideal da fraternidade, e que meu Pai Francisco, dos Céus, perdoe também este que está pisando na Terra e padecendo do mal da época: a ignorância .. .
Não vi bem o panorama dos caminhos percorridos até em casa.
Quando dei por mim já estava deitado, com uma melancolia profunda e aquela falta de interesse pela vida.
Perdi até a fome que nunca me faltava.
Daí a uns dias, fui chamado pelo bispo aquele que tinha sucedido ao outro que não ia muito com os meus modos — em sua residência.
Recebeu-me sorrindo, deixando-me à vontade; e eu, já refeito das contradições, sorri junto com ele.
Contamos histórias do dia-a-dia, até que me lembrei de contar para o senhor bispo o que havia ocorrido comigo.
E foi o que fiz.
Narrei para ele tudo, desde o princípio até o fim, quando os pássaros se apavoraram com minha presença.
Ele não perdia uma só palavra minha.
Quando terminei, esperando que a sua fala autorizada pudesse me consolar e me dar algumas directrizes, notei ao seu lado, como que feita de luz, uma boca que se sobrepôs à sua, que permanecia fechada, e que falou com brandura, diante do meu coração aflito:
— Horta! ... Para conversares com os peixes e fazeres amizade com os pássaros, a ponto de eles pousarem em teus braços; para entenderes os animais e conversares com eles; para andares sobre as águas e emprestares a tua boca para o Cristo, é preciso muito Amor no coração.
Certamente foi o que te faltou, e falta a todos nós.
São Francisco de Assis era um instrumento de Jesus, em plena harmonia com Deus.
E sabe quem pode te doar esse amor?
Primeiramente Deus; depois de Deus, uma coisa que se chama tempo!
Nós todos temos o amor dentro do coração, revestido por várias camadas de espessos véus, que somente serão rasgados por uma força incomum, que se chama Caridade ...
Os peixes talvez te ouvissem, mas, do fundo do rio, tiveram medo da tua presença.
Se desejas fazer amizade com eles e com todos os reinos da natureza, expulsa do teu coração os fantasmas que te podem corromper os sentimentos, que são a inveja, o orgulho, a vaidade, o ciúme, o apego às coisas materiais, o egoísmo...
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 24, 2019 9:13 am

E nunca feches a tua mente a uma verdade que tu conheces.
Existem outras que podem completar a tua e dar-te mais vida.
O bispo deu um intervalo, para que eu assimilasse a lição, e continuou com solicitude:
— Irmão Horta!
Eu também sou carente do Amor que tanto procuras.
Eu sou doente diante do Cristo e tenho fome d'Ele.
0 que nós precisamos dominar são os peixes, pássaros e animais que vivem dentro de nós, em forma de instintos inferiores, para que o amor ache guarida, entre para o nosso coração e more nele para sempre, para depois então, vestirmos o bu rei de franciscanos e vivermos como ele, ligados ao Cristo e dentro de Deus...
Comecei a chorar diante do bispo; tirei um grande lenço que me acompanhava, doação de uma pessoa que eu muito amava, e passei a enxugar as lágrimas que não eram poucas.
0 meu superior, comovido, chorou comigo, por sentir que falou coisas que não vinham da sua mente.
Cheguei em casa confortado, por ter visto com os próprios olhos uma boca de luz falar pela boca de carne do senhor bispo.
Isto era uma maravilha!
Pendurei o lenço na parede, bem visível, de maneira a vê-lo todos os dias, e quando o via, sentia a necessidade de amar a tudo e a todos, com aquele mesmo amor que eu manifestava pelo grande santo de Assis.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 24, 2019 9:13 am

12 - A CARIDADE CRESCENTE
A Caridade é força crescente no coração humano, no entanto, carece, essa bênção do Senhor, do esforço próprio daquele de quem já emana tal sentimento.
Beneficência não se prende somente a dádivas materiais; ela alcança a vida em todas as suas actividades, como instrutora, restabelecendo a harmonia.
Oferta o pão ao que se encontra faminto, mas oferta, igual mente, um sorriso ao coração cansado e oprimido.
Dá agasalho ao maltrapilho; não obstante, é bom que entregues o teu coração, nesse gesto de fraternidade.
Ajuda ao sem tecto, na aquisição de uma casa, porém, o amor não pode ficar esquecido por ti.
Esses caminhos são indispensáveis ao bem-estar da consciência, e, mesmo assim, filho meu, não te esqueças de vigiar e orar para que não entres em tentação, quando das investidas das sombras.
Cultiva, no campo interno, a paz onde o trabalho seja a função da vida.
Não deixes que o ódio enfraqueça a tua disposição de amor, não permitas que a vingança elimine a tua disposição de amizade, nem dês lugar à maledicência, que diminui o teu interesse pelo perdão.
E avança, companheiro em Cristo, laborando no bem sem exigência, que a própria Vida Maior ofertar-te-á luz da consciência e a paz crescente do coração.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 24, 2019 9:13 am

13 - O MEU MESTRE
Quando comecei a vestir a batina de sacerdote, ocorreu algo em minha vida que me fez feliz, segredo esse que guardei por muito tempo.
Certa ocasião, apareceu no seminário um grande orador recém-chegado de Portugal.
Homem ilustre, além das suas prerrogativas alusivas à religião a qual eu me afeiçoara, tinha uma inteligência lúcida; era capaz de gravar um arsenal de conhecimentos sem precedentes sobre a vida do Cristo e ilustrar o que sabia com uma imaginação poderosíssima.
Prendia os ouvintes por horas e horas, sem que se cansasse de ouvi-lo.
Esse dia em que o estávamos assistindo, ele narrou um caso de um leproso que apareceu a Francisco de Assis, estendendo-lhe a mão, e Francisco, ao primeiro contacto teve repugnância, mas, com espaço de alguns minutos acedeu ao pedinte e dominou a aversão, dado o clima de bem-estar que o viandante desprendia de si.
E Francisco, satisfeito, passara às mãos do pedinte o seu óbolo, e esse lhe disse:
"Deus lhe pague!"
E Francisco começou a ver nele a imagem de Nosso Senhor, irradiando a grandeza que era peculiar ao Filho de Deus.
O filho de Assis desceu os joelhos em terra para beijar as mãos do Mestre e não conseguiu, porque Ele desaparecera.
Mas Francisco beijou o perfume que ficara da Sua expressão de amor e carinho.
Este fora o tema daquela noite, inesquecível para mim, e o reverendo que tinha magia na boca, sabia dar vida ao que falava, as suas ideias pareciam ficar povoando a mente de quem o ouvisse, como no meu caso.
Terminada a palestra de que eu tanto gostara, aconteceu o que sempre ocorre com os grandes oradores; são sempre festejados pelos ouvintes mais impetuosos, desejosos de uma bênção.
Ele foi cercado por inúmeras pessoas, principalmente pelo clero local.
Alguns ouvintes foram saindo e os poucos que ficaram não deixaram vaga para quem quisesse, como eu, dar uma olhadinha para o grande personagem que acabara de falar.
Porém, eu era meio teimoso e fiquei assentado em um dos bancos, esperando que surgisse á oportunidade para que eu pudesse, pelo menos, vê-lo mais de perto.
Quando o grande sacerdote desceu da tribuna, sorrindo, pude observar algumas coroas de ouro que reluziam entre os dentes bem cuidados daquele homem de Deus.
Com sua batina impecável e brilhante, era um homem simpático e inteligente, daqueles que não suportam os extremos e que não toleram as santidades.
Vi que abriram alas para ele passar, e como eu estava só no referido banco, ele parou em minha frente, olhando para mim como que desejando falar.
Levantei-me entusiasmado, beijei-lhe as mãos macias e jovens, sentindo verdadeiramente uma coisa estranha a percorrer-me o corpo.
A fé fez-me compreender que ele era dotado de alguma coisa que os outros padres não possuíam.
Ele segurou minhas mãos ansiosas pelas suas e passou a conversar comigo, dispensando toda a atenção para quem não era nada diante dos grandes que o circulavam, com reverências.
Fiquei junto a ele, cercado por padres e bispos que eu, havia muito, já conhecia, e por quem eu não era bem visto.
Daí a pouco, senti algo pesado sobre meu pé, a que o sapato não dava toda a protecção, por estar bem velho.
Deslizei os olhos devagarinho para o chão, e notei que um dos professores mais intelectuais da região, que era um dos sacerdotes que não se afeiçoava comigo, pisara em meu pé, com uma botina de que ele gostava, e que o povo chamava de "testa de jegue", dada a sua formação e resistência.
Fiquei sem lugar; a dor era tanta que eu mal ouvia a palavra sábia do ministro de Cristo.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 121590
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 1 de 4 1, 2, 3, 4  Seguinte

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos