LUZ ESPÍRITA
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Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

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Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia - Página 4 Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2019 10:43 am

33 - RENÚNCIA MENTIROSA
Todas as religiões carregam em seus ombros uma grande responsabilidade: a de ensinar.
E por vezes, recolhe em seus livros sábios preceitos.
Mas, o mal está nos seus dirigentes, que decoram fórmulas e pregam moral; que ensinam meios de se elevarem as criaturas e mostram condições para a libertação, que falam e escrevem sobre caridade, que cantam louvores a Deus, de gratidão pelo bem-estar que desfrutam, porém, que se esquecem da melhor parte do engenho misterioso da felicidade, que é viver o que falam e exemplificar o que escrevem.
As renúncias que até então temos visto, são muitas vezes mentirosas* se procuramos observar as vidas deles, em particular, e isso é tão antigo como o próprio cristianismo.
Jesus já falava, naquela época, desses fariseus.
Vejamos o que Lucas teve a oportunidade de registar, no capítulo 11, versículo 46:
Ai de vós também, intérpretes da lei, porque sobrecarregais os homens com fardos superiores às suas forças, mas, vós mesmos nem com o dedo os tocais.
A doutrina de Jesus Cristo é da mais alta estrutura moral e espiritual.
Ela, no futuro, vai ser o código de todas as nações do mundo, porque o progresso vai abrindo a visão dos homens, e eles, descobrindo o que já está na Terra, há dezenas de séculos, esperando que as criaturas acordem e sejam felizes.
É de grande proveito que consultemos, igualmente, Mateus, no capítulo 23, versículos 3 e 4, que assim se refere:
Fazei e guardai, pois, tudo quanto vos disserem, porém, não os imiteis nas suas obras, porque dizem e não fazem, pois atam fardos pesados e os põem sobre os ombros dos homens, entretanto, eles mesmos nem com o dedo querem movê-los.
E é neste sentido que os Céus têm tido misericórdia de todos os homens sofredores, e enviado os grandes santos no seio das grandes religiões/ nunca, como pensam muitos, feitos pela religião.
Eles desceram para ensinar aos dirigentes, aos que representam o Cristo na Terra.
É Jesus falando pelos lábios deles.
Nós podemos ver na vida de Francisco de Assis, o Evangelho vivido, o Cristo reflectindo Seu amor, o Evangelho na carne, se fazendo humano para nos ensinar o que é a verdadeira renúncia, o que é o verdadeiro exemplo, falando, escrevendo e vivendo.
Como é duro vestir uma batina de sacerdote, dado à aliança que fazemos com Jesus Cristo e com a nossa consciência!
Muitas vezes eu fazia coisas, obrigado pela religião, que o meu coração não aceitava.
Mas muitas vezes também, deixei de fazê-las, mesmo sofrendo certas corrigendas.
Porém, as sofria com a consciência tranquila, por ter cumprido um dever que me impunha o coração em Cristo.
Não quero aqui espezinhar nenhuma religião, pois muito as respeito, como a religião Católica Apostólica Romana, a que pertencia, talvez por provação.
Amo todas elas e sei o bem que todas têm feito à humanidade.
Até certo ponto, elas são instrumentos de despertar dos homens para Deus.
Tivemos a oportunidade de estar em P., cidade maravilhosa que sempre nos convida à meditação.
Do alto em que ela se localiza, podemos respirar um ar mais puro e sentir as belezas da natureza, desfrutando-as, por misericórdia do nosso Pai Celestial.
À noite, o céu é todo estrelas...
Que coisa linda!
Foi-nos dada a felicidade de fazer parte de um colegiado de padres, que ali se reuniam, para melhor aprimoramento das ideias e unidade dos ensinamentos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2019 10:44 am

Encontrei, nessa ocasião, verdadeiros homens de bem.
Não sabia, até então, quantos valores tinha a nossa comunidade, valores esses escondidos em frades humildes e padres sem nenhuma expressão política e social.
É sempre assim, os melhores tesouros escondem-se bem ao fundo, entre cascalhos de pouco valor.
Não tínhamos, especificamente, tribunos para nos encher os ouvidos de literatura decorada, mas homens de boa vontade, com os quais iríamos conversar sobre aquilo que eles já tinham vivido no dia a dia das suas lutas, em variadas paróquias. Conheciam, na própria pele, a dor humana e o sofrimento dos pobres, por serem eles pobres também.
Esses homens não pregavam a renúncia, viviam renunciando; não ajuntavam, distribuíam.
Não impondo suas ideias a ninguém, eles pregavam o Evangelho pelo exemplo.
Pude conversar com cada um deles e pesquisar seus sentimentos.
Nada possuíam que não pudessem dar com alegria.
Disfarçavam o conhecimento adquirido nos cursos que a escola da vida lhes proporcionara, quando conversavam com os humildes, mesmo que fossem padres e freiras, e distribuíam com parcimónia a sua sabedoria, ao se encontrarem com intelectuais, respeitando as qualidades do companheiro de conversação.
Para mim, foi maravilhoso tal encontro, e dele tirei ricas deduções.
Como aprendi com os companheiros de crença!
Que Deus os abençoe sempre.
Terminado o nosso retiro, altamente instrutivo, deveríamos fechar a aprendizado no Palácio Episcopal, e nós é que escolheríamos o tema para que o prelado da bela cidade pudesse encerrar o nosso congraçamento com a sua alta sabedoria e o amor que poderia nos dispensar.
Eu tinha minhas dúvidas, como muitos dos meus companheiros de meditação; no entanto, era ordem superior que deveríamos acatar.
O tema que escolhemos foi "Renúncia" e a vida focalizada foi a do Poverello de Assis.
O fechamento da palestra da Sua Excelência Reverendíssima deveria ser "Teoria e Exemplo", sem esquecer à base de todas as nossas aspirações: a palavra e a obra de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Esses assuntos que nós escolhemos não precisavam ser entregues à autoridade religiosa, antes, pois ele não precisava de se preparar, dada a sua alta cultura teológica, capacidade espiritual e intelectual.
Verdadeiramente, não podíamos negar, ele era mesmo dono de uma retórica invejável. Pena que não fosse totalmente entregue à influência da verdade...
Um santo, com aquela facilidade de falar, assombraria o mundo!
Recebeu-nos em palácio com muita alegria.
Acomodamo-nos no piso do grande salão, que não era aberto aos visitantes, mas, pela graça da Sua Excelência, nos foi concedida essa liberdade.
Ele assentou-se em sua luxuosa poltrona, que temos vergonha de descrever, pelo abuso e desperdício de dinheiro saído de mãos caleja- das e de suores impregnados de preocupação no sustento das famílias.
Levantou-se um dos padres.
Na sua simplicidade, pediu licença e entregou ao bispo o assunto que queríamos ouvir dos seus lábios, compartilhando o seu coração.
Ele recebeu com contentamento o pergaminho muito bem escrito por hábeis mãos escolhidas.
Em instantes, perlustraram os seus olhos lívidos o papel.
Cerrou o cenho, a sua feição como homem inteligente mudou por completo, perdeu totalmente a graça diante de nós.
No papel preparado pela comissão, eram citados muitos capítulos do novo testamento, referentes à renúncia dos bens materiais, inclusive o encontro de Ananias e sua mulher Safira, em Actos dos Apóstolos, no capítulo cinco, versículos de um a onze, que rogamos ao leitor que leia, tão logo o possa fazer.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2019 10:44 am

Notei e não fui somente eu, que ele meditava, fazendo um retrocesso em sua vida, e encontrando somente o contrário do que queríamos ouvir da sua boca.
Eu o via claramente pensando sobre onde morava, no lugar que estava ocupando como guia de milhares de ovelhas, às quais deveria dar exemplo, e, principalmente, guia de nós, sacerdotes, que seríamos reflexo dele onde estivéssemos.
Passou os olhos de leve para as mãos e o anel emitiu reflexos luminosos em todas as direcções; correu os dedos no crucifixo, com a educação que ganhara no tempo e nas escolas, olhando em seguida para nós, sentados no piso como servos daquele que deveria viver o que falava e exemplificar o que escrevia.
Notei o seu corpo agitar-se, e a consciência não deixou que ele falasse a nós naquele momento.
Tive pena dele, confesso, e acho sinceramente que ele foi grande em não mentir para nós.
Ele percebeu a armadilha que armamos para ele, sem ferir, sem falar, sem impor, na peculiaridade dos que têm fome do pão espiritual.
Vi a sua cor, antes de maçã madura, mudar para uma palidez de tornar a sua feição irreconhecível.
Dois auxiliares que se postavam ao lado do reverendo senhor, se assustaram e dele se aproximaram, colocando-se às suas ordens, e o prelado, com humildade, pelo abatimento, segredou algo em um dos ouvidos curvados à sua altura.
Aquele que ouviu, tomou posição e nos falou com delicadeza, que orássemos para o nosso protector, que estava sentindo um ligeiro mal-estar e que iria se recolher.
Saíram amparando o magnânimo preceptor, voltando um deles com o papel na mão, e assumiu o lugar da Sua Excelência com tranquilidade.
Notamos que ele iria nos orientar acerca do assunto por nós escolhido, mas, quando ele abriu o papel que ainda não tinha lido, fechou-o, considerando-o irreverente, e nos disse sem titubear:
Olhem, meus irmãos, como vocês viram o que ocorreu há instantes, fica, em nome de Deus e de Jesus Cristo, encerrado o assunto com todo o amor que ele tem para nos dar e a sabedoria que verte sempre de Seus lábios.
De lá do quarto em que repousa, ele envia a sua bênção de maior entendimento entre todas as suas ovelhas, pedindo a Jesus para lhes guiar hoje e sempre!
E nos despediu.
Nós todos saímos dali de cabeça baixa, demonstrando tristeza pelo mal-estar da Sua Excelência, mas é fácil imaginar o que se passava por dentro do nosso coração e dos nossos pensamentos...
Não estamos aqui generalizando nossa opinião, pois conhecemos grandes bispos na direcção de muitas ovelhas, verdadeiramente santos, e padres com a mesma elevação moral, porque vivem o que falam e pregam o que vivem; entretanto, existem alguns que negam, pela vida que levam, a própria religião a que pertencem.
Temos de ter muita vigilância, para não sermos vítimas da renúncia enganosa!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2019 10:44 am

34 - A MAIS LINDA DAS CANÇÕES
Pai Nosso que estais nos céus...
Luz das luzes de todos os tempos, paz de todas as épocas,
Criador da obra infinita, abençoai nossos esforços, despertando nossos sentimentos.
Que seja pelas vias de luz,
Que seja pelas mãos de Jesus.
Santificado seja o Vosso nome...
0 Vosso nome comanda todos os nomes, a Vossa força domina todas as forças, na luz do dia ou nas trevas da noite.
0 Vosso nome nos encanta e nos alegra.
Herdamos o Vosso nome pelas vias da luz.
Que seja pelas mãos de Jesus.
Venha a nós o Vosso reino, faça-se a Vossa Vontade!...
Que venha a nós o Vosso reino, por misericórdia ao nosso coração, e que a Vossa vontade seja feita em todos os nossos pedidos, nas nossas intenções...
O Vosso reino nos conforta pelas vias da luz.
Que seja pelas mãos de Jesus.
Assim na Terra como no Céu.
Que a Vossa vontade harmonize todos os planos, se for do Vosso querer.
Que seja feita a Vossa vontade nos corações de todos os homens, em todas as coisas...
Que a Vossa vontade nos ajude pelas vias da; luz.
Que seja pelas mãos de Jesus.
O pão nosso de cada dia, dai-nos hoje...
Que os alimentos dos Céus desçam para todos os homens.
Que os alimentos da Terra multipliquem-se para todas as criaturas, mas, dai-nos hoje, a compreensão.
Esperamos o pão da alma junto ao pão do corpo.
Que seja pelas vias da luz.
Que seja pelas mãos de Jesus.
E perdoai as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores.
Que o Vosso perdão encontre ambiente em nós, para que possamos esquecer as faltas, e ajudai-nos a compreender os nossos companheiros.
Que o perdão seja o nosso caminho, pelas vias da luz.
Que seja pelas mãos de Jesus.
E não nos deixeis cair em tentações, mas livrai-nos do mal...
Que a Vossa luz nos ajude a conquistar o Bem, e que essa força do Amor nos faça esquecer de todo o mal, transformando as tentações em aprendizado, pelas vias de luz.
Que seja pelas mãos de Jesus.
Pois Vosso é o reino, o poder e a glória, para sempre!
Senhor!
Sabemos do Vosso poder sobre todas as coisas criadas.
Ajudai-nos a respeitá-las.
Ajudai-nos a Vos amar sobre todas as coisas, a amar ao próximo como a nós mesmos, e sermos felizes.
Cabe-nos uma parcela na vida; abençoai-nos neste trabalho dentro de nós.
Alimentai o nosso poder de amar, mas que seja pelas vias da luz.
Que seja pelas mãos de Jesus.
Assim seja!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2019 10:44 am

35 - 0 VELHO CHAPÉU
Eu, na verdade, lia muito sobre todos os assuntos.
Desde cedo, nunca obedeci aos censores, não por falta de obediência, mas, por achar extravagantes determinadas regras.
A leitura é um alimento, e eu achava que quem deve escolher o alimento é aquele que vai utilizá-lo.
Para os que caíam em minhas mãos, e que logo me interessavam, eu arranjava tempo para deliciar-me na leitura.
Para mim, era uma das coisas mais agradáveis aos sentimentos.
Como estudante, e mesmo como padre, as oportunidades de encontrar livros eram muitas.
Alguns dos nossos professores eram da mesma opinião que a minha, o que me deixava contente, por achar companheiros dos mesmos ideais.
Conheci muitos livros fora da órbita católica, que me ensinaram coisas grandiosas, mostrando-me outro lado da vida que eu até então desconhecia.
Livros sobre cristianismo, pendurado no Índex pela nossa religião, que eu verdadeiramente admirei, pelos modos com que os autores mostravam a grandeza do Cristo, o Cristo Universal que nós sonhávamos.
Nunca em minha vida tive a pretensão de colocar Jesus fechado em uma religião.
Isto seria diminuir a grande personalidade do Maior dos espíritos que vieram à Terra, nos trazer directamente a mensagem de Deus.
Jesus é um sol espiritual, e, se o sol físico não escolhe nação para derramar seus raios benfeitores, como o sol espiritual vai escolher?
Quanto mais o corpo ia envelhecendo, mais a minha mente e o meu coração se tornavam livres dos preconceitos forjados pelos homens, e dos enxertos doutrinários que os teólogos adaptavam na doutrina cristã.
Sabia, graças a Deus, sentir a verdade onde ela palpitasse; no entanto, a religião da qual eu fazia parte, por altos compromissos, mesmo antes de nascer, não me permitia ir contra determinadas regras e velhos conceitos que não tinham nada a ver com Jesus.
Porém, a humanidade nem sempre está preparada para as verdades, que poderão perturbar os motivos da sua própria crença.
0 aprimoramento é gradativo, de acordo com a evolução da criatura.
Isso faz parte das primeiras aulas que nós recebemos depois do túmulo.
É por isso que não temos ainda na Terra, um só rebanho e um só Pastor, como descreve o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Somente o amanhã comportará essa força de unidade pela qual trabalham as grandes almas:
fazer da Terra um lar, onde todos são irmãos na verdadeira acepção da palavra.
A cidade de M. e adjacências formavam uma força poderosa onde o clero era respeitado, no seio da própria religião.
Vinham grandes autoridades eclesiásticas para se reunirem connosco, a fim de tratarem de assuntos relevantes, políticos e religiosos.
Em um desses encontros, por motivos que eu desconhecia, fui convidado pelos prelados da região, para ser um membro do pequeno colégio apostolar.
Quem era eu!...
Na verdade, tinha muita vontade de assistir a essas altas conversações, para poder sentir o que se passava na cúpula da direcção da nossa Igreja, em se referindo aos destinos religiosos do país.
No dia pré-determinado, preparei-me como de costume, tanto o corpo quanto o espírito.
Sempre que recebia esses convites, mesmo para tratar de assuntos terrenos, tinha o costume de suprimir quase totalmente as refeições, pois descobri que o jejum nos traz possibilidades maiores de entrarmos em contacto com as forças superiores, e isso para mim era muito válido.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 30, 2019 9:43 am

O Palácio Episcopal, nesse dia, estava movimentadíssimo, as ruas, cheias de gente de fora.
Uma multidão de padres e de irmãs de caridade vibrava na cidade, querendo conhecer, e mesmo tornar a ver, os visitantes ilustres.
Para mim, já não era novidade;
eu os conhecia, por servir de mensageiro de um "reino" para outro, o que foi muito bom, porque enriqueci meu aprendizado, conhecendo os homens, os pastores sobre cujos ombros pesavam os destinos dos conhecimentos espirituais...
Pela educação que me deram desde criança, cheguei e não fui directamente entrando na grande casa.
Fiquei em sala determinada para espera, até que fosse chamado para tal ou qual actividade, na qual eu haveria de tomar parte. Sala cheia.
Havia mais de cem pessoas, de todas as classes, à espera.
Muitos olhavam para mim, admirados, embora eu não atinasse porquê.
Conservei-me calado, aproveitando o tempo para 1er.
Passaram-se as horas, corriam minutos e segundos, e o povo impaciente, cuja inquietação comecei também a sentir; no entanto, busquei reforçar a minha paciência.
Eu era um padre, e como tal, deveria dar exemplo de disciplina.
Alguns foram embora.
Foi servido um lanche, sem que ninguém perguntasse nada sobre a reunião ou sobre qualquer outro assunto.
Eu também não perguntei.
Em certa hora, quando eu achei que a paciência poderia converter-me em bobo da corte, suspirei, pela força da liberdade.
Olhei para os lados; estava quase sozinho; fiz menção de levantar-me.
Espreguicei e solicitei um copo de água a um dos servidores da noite, que tinha acesso aos departamentos da casa, e fui servido com eficiência.
Conversei um pouco com ele, que já era meu conhecido.
Por sinal, eu o estimava muito, pela sua obediência aos superiores.
Falei baixinho:
— Olha, meu filho, se alguém perguntar por mim, diga que fui embora.
Eu acho que devo ir-me.
Ele, prestativo, retrucou com respeito:
— Olha padre, eu sei que o senhor faz parte da comissão, mas ainda não me ordenaram chamar-lhe, por isso... e fez um gesto de exclamação.
— Sei... Sei..., respondi-lhe.
Está tudo bem, eu devo ir embora.
Ele sorria para mim, mas notei a sua tristeza, porém, o que fazer?
Ele tinha de respeitar as leis e regulamentos da Casa.
Com reverência, respondeu às minhas despedidas.
Fui à parede, peguei o chapéu e a bengala, meus velhos companheiros.
Olhei para ele e sorri como último cumprimento.
Aí, não deu para que eu entendesse o espanto do moço, quando apanhei o chapéu e a bengala, mas como nada havia ocorrido de excepcional para que eu deduzisse que aquilo significava espanto, saí, ganhando a rua.
Ele subiu correndo; escutei seus ligeiros passos nas escadarias.
Daí a pouco, estava voltando e correndo atrás de mim na rua. Disse-me:
— Padre!... Padre!...
Eles lhe chamam com urgência!
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 30, 2019 9:43 am

Eles tinham se esquecido do senhor e pedem desculpas.
Senti indiferença no coração; eles sempre se esqueciam de mim nestas horas. Somente se lembravam, e faziam questão de lembrar, quando tinham um trabalho que contrariasse os seus costumes de macias poltronas.
Mas, estava tudo bem, e voltei. 0 vigilante, com a respiração ofegante, foi me dizendo com a voz entrecortada:
— Padre Horta! 0 senhor me perdoa, mas o povo lá dentro está assustado com o senhor!
Naquela hora eu é que fiquei assustado com a notícia, e perguntei apressado:
— Por que, meu filho?
0 moço, meio pálido, esclareceu.
Hoje padre, o senhor, quando se despediu de mim, e tirou da parede o chapéu e a bengala, não tinha nada os segurando.
Que coisa incrível!
Todo mundo coloca essas coisas nos cabides, e o senhor os pôs na parede limpa!
Eu corri lá dentro e contei o caso ao Senhor Bispo.
Os outros ouviram e me mandaram lhe chamar imediatamente, já que o senhor faz parte da comissão.
Pedem para o senhor subir com urgência.
Pensei comigo mesmo:
— Meu Deus, o que é isso?
Lembro-me perfeitamente que ao colocar chapéu e bengala, vi um pequeno torno na parede.
Estranhei um pouco por ser diferente, na verdade, mas, como naquela casa tudo mudava de vez em quando, não me admirei.
Porém, estava lá um cabide onde pendurei meus objectos!
Quando comecei a subir as escadarias, o prelado da casa estava me esperando no fim da escada, sorrindo, e me estendendo as mãos que logo beijei.
Ele disse:
— Olha, padre, peça desculpas por sua demora.
Não podemos fugir da linha hierárquica que sustenta a Igreja, e do respeito que devemos ter aos superiores.
Assim, tudo fica bem...
Não havia tempo para réplica, e nem posição que me desse esse direito.
Engoli a bucha sem mastigar e fiz do coração um saco, para encestar tudo o que viesse para dentro dele.
Mudei logo a feição e fomos entrando no salão, cuja atmosfera fazia sentir que ali estavam à espera de uma marionete.
Pedi desculpas pela demora com toda a humildade que dispunha.
Eles reconheceram as minhas deficiências e riram todos juntos.
Um deles me disse:
OH Padre, o senhor já aprendeu a magnetizar as pessoas?
— Parece que sim, replicou outro, pois o moço aí viu o senhor tirando o chapéu da parede onde não havia cabide, como também a sua bengala.
Quer fazer isso para nós?
Pedi desculpas, e disse com humildade:
— Não, senhores, eu desconheço esse facto.
Acho que é engano do nosso irmão.
Não aconteceu nada disso.
Tomei assento à grande mesa, onde os assuntos não me agradaram, e a reunião se arrastou até dobrar da madrugada, quando, então, decidimos ir embora.
Fui ao local onde havia posto o chapéu e a bengala.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 30, 2019 9:44 am

O vigilante estava com a razão; não havia mesmo nenhum cabide na parede.
O chapéu ficara pendurado em cabide invisível e a bengala ajustou-se à parede, sem que eu entendesse como...
Mas, não era de se admirar muito, porque esses fenómenos sempre aconteciam comigo.
Eu os guardava, sem poder falar abertamente, a não ser quando o povo descobria.
Mais tarde, eu vi ria a saber que se tratava de fenómeno mediúnico, hoje tão propalado e estudado no nosso Brasil.
Sem a força mediúnica, as religiões não existiriam com tanto esplendor...
A noite nos dava o exemplo mais puro de silêncio.
As estrelas pareciam inteligências vivas, bailando nos espaços de Deus, a nos mostrar a grandeza da criação.
A mente avançava em todos os rumos, buscando algo que muito nos interessava na vida...
Veio o sono e a ele eu me entreguei.
A vontade de conhecer a Grande Luz que Se manifesta em tudo e que tudo fez, vibrava dentro de mim sem que eu a pudesse conter.
Reuni forças no coração.
Busquei através da mente todos os meios possíveis para viajar, e parti como se fosse um raio de luz.
Mas, eu era mais que a luz, alcançava velocidade maior, e o poder dos meus pensamentos ultrapassava a minha própria vontade.
Então, busquei o infinito e viajei no espaço, de forma que anos e milénios passavam em grande velocidade, como se fossem ficando para trás.
Visitei astros de todos os tipos, alcancei estrelas de todas as grandezas, deixei para trás constelações de todas as posições, e pude contar galáxias até perder os números.
Passaram-se milhões de anos nessa viagem vertiginosa, e„ uma ideia acendia cada vez mais no meu coração: vê-Lo!
Os meus cabelos e barba formavam um rastro no infinito, qual os gigantescos cometas que visitam os mundos.
Eu dominei o tempo e saí do domínio do espaço.
Parei diante de um gigantesco palácio feito de estrelas de todas as nuances, e nos seus raios estavam escritas todas as virtudes.
Entrei e vi um trono imponente, onde faiscavam pedras de luz e o ouro mais puro formava o piso.
Olhei para o trono e nele vi assentado o Maior dos imortais com um sorriso encantador, que não posso descrever por me faltar condição.
Não podia bem observar Suas feições, mas, mesmo assim falei, curvando-me diante daquela angelitude que eu não podia compreender, com a voz trémula, pedindo perdão pela curiosidade.
— Meu Deus! Perdoa-me!
Perdoa esse Teu servo inconveniente, que queria Te ver.
Abençoa meu destino e põe-me de novo na Tua escola...
Ele olhou para mim — foi a impressão que tive — e me disse com ternura:
— Meu filho, não sou quem procuras.
Eu não sou Deus...
Estou aqui esperando ordens do mais alto, para descer à Terra onde viverei como humano.
O Deus que procuras não mora nos confins do infinito.
Ele está pertinho de ti, de mim e de todas as criaturas.
Não viajes mais, procurando o Criador...
O sublimado espírito fez uma pausa e eu perguntei sem constrangimento:
— Onde está Ele?
Vi que os lábios do Grande Ser moviam-se harmoniosamente, dizendo:
— Ele, Aquele a quem procuras, está dentro de ti; busca-O e O acharás!
Parece que ele tocou a mão de luz em minha cabeça e acordei com o coração em saltos e a mente recordando a lição...
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 30, 2019 9:44 am

36 - LOBO COM PELE DE CORDEIRO
Eu, quando criança, ouvi meu pai dizer para a minha mãe, um nome que achei esquisito: ladrão.
Foi em uma certa idade, em que pude registrar esse nome e querer conhecer o seu significado.
O que é ladrão? - perguntei ao meu pai, certa vez.
E ele, homem de ampla cultura, que dominava várias línguas, amante das boas leituras e respeitado como um verdadeiro mestre, tanto que foi convidado para leccionar nas famosas escolas de O. P., onde o destino lhe cobrou muito caro a sua ida para essa cidade, me disse:
— Ladrão, meu filho, é aquele que envergonha a sua própria consciência, exigindo pela força ou pela astúcia, o que não lhe pertence.
Este é o ladrão mais grosseiro; entretanto, ainda existe outro tipo de ladrão, disseminado por toda parte:
é o ladrão que rouba na subtilidade;
é o que rouba o tempo seu e dos outros com futilidades; é o ladrão que desperdiça as economias de Deus, que gasta os pensamentos em coisas vãs, distribuindo pérolas aos porcos.
Ladrão é mais ou menos isso aí.
Notei que meu pai ficou em dúvida se eu entendera ou não, mas, eu percebera muito bem o significado e fiquei pensando num jeito de falar aos ladrões que não deveriam fazer aquilo, que Deus não gostava destes actos, que não era certa essa vida...
E falei sobre isso com minha mãe.
Ela se mostrou agitada com minhas perguntas e procurou meu pai, que achou conveniente me levar ao padre da paróquia, onde eu poderia receber instruções sobre o meu comportamento, relativo àquele assunto.
O vigário conversou comigo por muito tempo, porém, não me satisfez.
Ele separava o ladrão da sociedade, como sendo um pária da comunidade humana, como sendo filho do satanás.
Eu fiquei vencido, mas não convencido, com os seus argumentos.
Certa vez, um nosso professor nos dissera que em um espaço de uma ponta de alfinete, do mais pequeno que fosse, Deus estaria lá com todo o Seu fulgor, com toda a Sua sabedoria, com toda a Sua amplitude...
E eu sempre monologava:
— Se um ladrão, daquele tamanho, ocupava um lugar muito e muito maior do que uma ponta de alfinete, será que Deus não estaria nele?
E, se estivesse, seria justo alijar o ladrão da sociedade, impedir todas as possibilidades dele se regenerar?
Que fazer do ladrão?
Quais os processos que a justiça apresentava para melhorar o ladrão?
Por que ele roubava?
Isso se passava sempre em minha mente infantil.
Depois, eu esquecia e vinham outras coisas para que eu me ocupasse.
Sempre existiram ladrões, assassinos, mentirosos etc...
Como cuidar deles?
Não seriam eles doentes?
Bem mais tarde, já no mundo espiritual, foi que encontrei essa equação que há milhares de anos a própria ciência humana busca e não encontra.
Mas, quem busca algum dia haverá de encontrar a verdade, por ser Deus infinitamente bom e cheio de justiça e amor.
Todos esses defeitos da personalidade são processos delineados pela natureza, são forças biogenéticas que lutam uma com a outra para que surja o equilíbrio no futuro, com o objectivo de fazer surgir o super-homem.
A humanidade, na área evolutiva em que se encontra, tem todos esses defeitos.
Uns têm mais, outros menos; uns estão avançados, outros na retaguarda, mas todos têm.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 30, 2019 9:44 am

Conhecemos duas escolas que podem educá-la com muito proveito: a escola do tempo e a escola evangélica.
A primeira desperta e a segunda, educa.
Bem, eu tinha sido chamado, como sempre, para ver um doente, cuja enfermidade o afastava da sociedade, por ser chamada, pela ciência, de contagiosa.
Mas, para mim, a mais contagiosa não era a própria doença física: era a mental, e eu ia ao encontro dessas pessoas com toda a fé em Deus e em Jesus, sem medo nenhum.
O pobre homem estava isolado num quarto pelos familiares, e somente uma velha preta, de mais de oitenta anos, poderia assisti-lo.
Além dela estar com idade avançada, já no fim da vida, era do dito popular, que a tuberculose não é transmissível ao ancião.
Entretanto, a preta era obrigada a fazer aquele tipo de serviço, do qual, porém, ela gostava muito.
O patrão ou o doente, mudava de comportamento para com quem quer que fosse.
Doença do pulmão, naquela época, em que não era conhecido o antibiótico, em que não havia os recursos da época em que estamos escrevendo, fazia mais medo do que fantasma.
Entrementes, o padre, sendo um homem de fé, era obrigado a enfrentar todos os tipos de problemas.
Também eu, no fim da minha vida, contraí essa doença, porém, não foi ninguém que a transmitiu para mim, mas, sim como prova pela qual eu haveria de passar, como outras enfermidades que muito me ajudaram a despertar o Cristo no meu pobre coração.
O homem, quando me viu, se desfez em lágrimas.
A preta, ao lado da cama, quis sair à minha entrada, mas eu não permiti.
Peguei-a pelo braço e disse a ela, conhecendo seus sentimentos:
— Fique, minha filha.
Nós três vamos conversar e pedir socorro a Deus.
Nós dois é que somos a família dele, pois já sei o que se passa aqui nesta casa.
A servidora emocionada, chorava como o patrão.
Nunca pudera ficar tão junto a um sacerdote, como naquele momento, e, talvez, ouvir a lição que eu extraíra do Evangelho.
0 que eu falava não era nada meu, mas, sim o que aprendera nas escolas, como os outros padres.
Ali sentado no confortável quarto, onde o terapeuta não entrara mais, em vista do estado do doente, e onde somente a velha enfermeira podia penetrar pela força do coração, eu, munido pela fé (se não a tivesse, talvez não entrasse), falei do Evangelho o tanto que pude e quis.
Os dois ouviram em silêncio, bebendo a água da vida, que a mim também saciara.
A minha fome, parece, era maior.
O ambiente do quarto mudara; estávamos todos felizes e mesmo os sorrisos já se notavam em todos, completando com certa disposição do doente, em se mover.
A servidora daquela casa, ficando familiarizada comigo, por estarmos todos à vontade no recinto, me disse com profundo sentimento de caridade :
— Olha, padre, o senhor que me perdoe se eu estiver errada, porque sei que o senhor sabe de tudo, mas, veja bem:
eu escuto, de vez em quando, uma voz falando no meu ouvido, que não é gente.
Não sei quem é, só sei que é muito boa e disso já tenho prova.
Quem me fala é alguém que sabe tudo, igual ao senhor.
A princípio me deu medo, depois, eu fui me acostumando, e hoje eu sinto saudade quando ela demora a me visitar.
Essa voz, padre, me ensina, como já me ensinou muitas vezes, a curar as minhas próprias doenças.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 30, 2019 9:44 am

Ela sabe de tudo, conhece todas as raízes da região e o lugar em que elas existem, bem como a época de arrancá-las.
Eu, hoje, gozo de muita saúde, graças a Deus e a essa voz que também tem, de uns tempos prá cá, me ensinado até a conversar.
O senhor pode notar o meu desembaraço, embora sendo uma... escrava.
Eu estou contando ao senhor, porque essa voz me ensinou um remédio para o nosso doente, mas, eu estou com medo de dar a ele esse remédio, com medo da família dele.
O senhor sabe, os raizeiros são perseguidos pela polícia e também pelo senhor bispo, e eu não quero...
Olhei para a preta velha, e notei algo diferente nela, na sua fala.
Verdadeiramente, a conversa que travamos, o seu nível não poderia nascer de uma simples empregada caseira, e, ainda mais, analfabeta.
Confesso que fiquei impressionado com a mulher.
Não tive dúvidas, na verdade, de que o verbo saía com facilidade de seus lábios, e o seu modo de ser me impressionara sobremaneira.
Perguntei-lhe firmemente:
0 que essa voz lhe disse para dar ao nosso irmão enfermo?
Eu queria saber, se fosse da vontade de Jesus Cristo.
Pensei muito em Jesus e Maria Santíssima, naquele momento.
A preta alterou um pouco a feição e me disse:
— A voz está aqui, padre, e manda lhe dizer que ele, o nosso patrão, tem cura desta enfermidade que estraga os seus pulmões, e que o remédio se encontra na natureza, na sua simplicidade mais profunda.
É só arrancar um pé de Santa Maria, que chamamos de mastruço, machucar com leite de cabra tirado na hora, e dar a ele um bom copo duas vezes por dia.
Depois, tirar a seiva pura de jatobá, e misturar com um vinho bom, meio a meio e servir-lhe toda noite um bom trago.
De resto é uma comida sadia, e não ficar muito dentro de casa; ele precisa de ar fresco para recuperar a saúde.
Isso é todo o tratamento.
O senhor, padre, não está pedindo, mas como a voz me disse agora, repito:
tenha cuidado com o seu aparelho digestivo, que se encontra em fase difícil.
O senhor não tem hora certa de comer e esquece a regra de trituração dos alimentos!
Conversamos com o doente e ele se propôs a tomar o remédio que a própria preta deveria fazer.
Despedimo-nos e fui embora, impressionado com o que presenciei.
Não tanto por já conhecer determinados fenómenos ocorridos mesmo comigo e com outras pessoas, mas, daquele jaez, era diferente.
Daí a noventa dias, o fazendeiro estava recuperado de forma que os próprios médicos ficaram abismados.
Mas, eles mesmos afirmaram que foi a minha visita o fundamento da cura do doente e os familiares me concederam o título de santo.
Eu fiquei engasgado por não falar a verdade, como tinha combinado com a preta velha e a voz que ela ouvia.
E eu, depois, curei com esse mesmo remédio uma grande personalidade de 0. P., que sofria a mesma doença disseminada pelos bacilos de Koch.
E quanto ao meu estômago e fígado, se não fosse essa voz, eu teria vindo para cá há mais tempo.
No meu caso, foi como ela falou:
era que eu não obedecia às leis naturais do sono, as horas de comer e o trabalho que somente os dentes têm de fazer.
Como aprendi com essa irmã em Cristo!
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 30, 2019 9:44 am

Grande instrumento, por quem falava um sábio da natureza, conhecedor da flora medicinal, e o maior beneficiado fui eu, que ainda lhe roubei o nome de santo, que a ele pertencia!
Já tarde da noite, procurei a minha besta que deixara amarrada numa árvore, e que se encontrava sem o freio na boca.
Estava somente de cabresto, comendo o milho que a preta lhe dera.
Sem que a gente percebesse, ela tinha saído por alguns momentos para preparar algo para nós comermos, e não se esquecera do animal que nos trouxe.
Que coração maravilhoso!
Despedimo-nos com saudade, e parti.
Ao meio da estrada a mula estacou.
Como eu já conhecia sua natureza, pensei ser alguma coisa que a impedira de andar.
Desci, sem temor, e pude observar alguém estrebuchando debaixo de uma árvore.
Procurei saber quem era e não o reconheci.
Mas, ele me conheceu, dizendo o meu nome.
Fiquei mais tranquilo.
Ele foi logo dizendo que fora atacado por ladrões naquele momento, que estava machucado e sem roupas.
Isso era perto de outra fazenda muito grande, onde eu também era conhecido.
Quis dar a ele uma garupa, mas ele não aceitou, desculpando-se de que sofria de certas coisas que o impediam de montar.
Não o forcei, e coloquei-me aos seus préstimos para o que pudesse fazer em seu favor.
Ele me disse:
— Irmão Horta, eu preciso de uma roupa para ir embora, como é que eu faço?
Moro aqui perto, nesta fazenda.
Lá eles dormem tarde, muita gente se encontra acordada, e para eu chegar nu é muito desagradável.
O que o senhor pode fazer por mim?
Lembrei-me logo de tirar a calça comprida que usava por baixo da batina, o que resolveria o seu problema imediato.
No entanto, ele mesmo foi me dizendo:
— Padre, eu sou muito mais gordo do que o senhor, ela não me serve...
E era verdade.
Pensei noutro jeito, e a solução nasceu dele mesmo.
— Somente existe um jeito, padre.
Perguntei:
— Qual?
— Sua batina...
Senti um calafrio na espinha.
Dar a minha batina a um desconhecido?
Seria um sacrilégio, mas não havia outro recurso, e, a caridade falava mais alto que a própria razão.
Diante do drama, não pensei duas vezes.
Tirei a batina, já um pouco
estragada, e fiquei com as roupas de baixo.
Eu estava montado e era noite, por isso não tinha muita importância.
Despedimo-nos e fui embora, sem me lembrar de que estava de uniforme diferente.
Cheguei em casa, dormi o sono daqueles que a consciência não interfere, dando graças a Deus por ter sido útil para algumas criaturas, e pelo que recebera como bênçãos de Deus.
Aquele moço a quem eu emprestara a batina, ficou de levá-la no outro dia, e eu expliquei a ele que era a melhor que tinha.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 30, 2019 9:45 am

A outra estava em difícil estado.
Passou-se o outro dia, e nada de o homem levar-me a batina.
Passaram-se dois, três dias, e eu já inquieto, por necessidade tive de usar a que já encostara, mas, com acanha- mento de sair nas ruas.
Certa noite, bateram à porta.
Abri com alegria.
Cumprimentamo-nos.
Era o fazendeiro que morava próximo de onde eu tinha encontrado o homem que fora assaltado.
Tive logo a ideia de que o moço não pudera vir e encarregou o patrão de me trazer a batina.
Fiquei feliz.
Apontei para o embrulho.
A minha batina! disse sorrindo.
O homem, com o cenho cerrado, foi me dizendo:
Ainda bem que o senhor está reconhecendo o seu erro!
Estranhei aquela conversa e indaguei:
— Como assim?
Não estou entendendo!
— Pois o senhor vai entender, retrucou o fazendeiro.
E foi desenrolando a batina:
— Veja se é verdadeiramente a sua!
— Acho que sim.
— Olha dentro dos bolsos! Coisas que lhe pertencem, que todos conhecemos, inclusive o seu próprio relógio, além do lenço com o seu próprio nome.
Lembrei-me de que esquecera mesmo de tirar o relógio, no momento de passar a batina para o moço que pedira.
Fiquei sem entender o porquê daquele drama, e porque viera o fazendeiro trazer a batina e não o moço.
A sua linguagem nunca fora assim.
E dei andamento à conversa, para compreender o que realmente estava acontecendo, ou o que tinha acontecido.
Ele, jocosamente, falou “entre os dentes":
Olha, padre, será que é preciso eu dizer para o senhor, o que o senhor fez em minha fazenda?
Eu não estava entendendo nada, mas, desconfiado.
E comecei a narrar o caso para ele, porém, ele não permitiu, dizendo que aquelas desculpas não explicariam o facto.
E já que eu não confessava, ele começou a narrar com energia.
— Olha, reverendo!
Nunca pensara na vida que um padre fizesse isso, e muito menos o senhor.
O senhor entrou na minha casa tarde da noite, invadiu o quarto das minhas filhas, querendo coisas inconfessáveis, e ainda roubou o dinheiro que havia em minha residência, que ninguém sabia onde eu guardava.
Não o matei porque reconheci ser o senhor.
Avancei, por saber que o senhor não carrega armas, e agarrei a sua batina.
Ela saiu pela sua cabeça, e aí está!
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 30, 2019 9:45 am

O senhor nega que essa batina é sua?
Eu senti uma coisa no coração, que nunca senti antes.
Quase que morri na hora da acusação, mas, tive a feliz ideia de conservar-me em oração a quem tanto confiava, pedindo a Deus para me dar forças naquele momento de prova difícil.
E falei com serenidade, mesmo forçada:
— Meu filho, que Deus o abençoe, como também à sua família.
Essa batina é minha, como esse relógio que ganhei de um grande amigo meu, além de amigo, meu pastor e mestre. Mas, lhe garanto, o senhor está enganado.
Não fui eu quem invadiu a sua casa, pois eu não faria tal coisa.
O caso foi o seguinte... e narrei para ele todo o acontecimento.
Ele já sabia da minha ida à casa do enfermo e não acreditou no meu caso.
Para ele, esse fato enriquecia a prova.
A confirmação de que eu tinha ido à casa do seu vizinho lhe dava a certeza de que fora eu quem tinha entrado e assaltado sua casa.
Despediu-se sem querer ouvir mais nada, pedindo que me esquecesse da sua existência como amigo, e que não ia dar parte de mim às autoridades competentes, como também ao clero, pelo tanto que me devia, pelo que eu tinha feito antes não só para a sua família, mas também pela colectividade. Saiu com passadas firmes.
E, de facto, não falara a ninguém sobre o ocorrido.
Todavia, o leitor pode sentir o que eu passara.
Por muitas noites não conciliara o sono.
Trazia a consciência tranquila, mas outra coisa dentro de mim me perturbava constantemente, chegando ao ponto de todos os meus amigos reconhecerem a minha tristeza.
A dor moral, mesmo a inventada, é terrível!
Quando dormia um pouquinho, tinha pesadelos incríveis, pois sonhava que estava roubando mesmo.
Cheguei ao ponto de esquecer-me de uma coisa de que gostava muito: orar.
Concluí depois que deveria continuar meu trabalho, como vinha fazendo; entretanto, pensava todos os dias sobre qual seria a solução para que eu voltasse a ser o mesmo Irmão Horta de antes, com aquela mesma alegria perante a vida e as pessoas.
Ficava me lembrando constantemente daquele acontecimento que me abatia cada vez mais.
Chegava em casa todos os dias e punha-me a pensar na solução, que não chegava.
Certo dia, quando eu ia para casa, já pensativo, alguém me chamou pelo nome:
— Irmão Horta! Irmão Horta!
Olhei com interesse e vi uma criança batendo a mãozinha para mim.
Dei um sorriso de satisfação e aproximei-me dela.
Era uma menina cujos pais eram protestantes, e a menina era minha aluna na escola em que eu era professor de religião, e dava lições de Evangelho.
Ensinava para todas as crianças como se passou a vida de Jesus na Terra. Esta menina tinha feito um desenho, cuja arte denunciava o dom aflorando nas sensibilidades.
Ela fez o rosto do Cristo que pediu à mãe para me presentear, e a mãe assentiu com muita alegria e lhe falou:
— Deixe que eu escreva alguma coisa neste seu desenho, minha filha.
E por baixo do lindo rosto do Mestre ela escreveu, certamente Inspirada por Ele mesmo, essa frase; O Cristo é a nossa solução.
Quando vi essa frase que me parecia cheia de vida, e o rosto do nosso Guia, que me parecia falar nas ondas dos pensamentos, senti um alívio por dentro, que vinha do coração.
Abracei a criança, beijando as suas faces rosadas, agradecendo a Deus.
Cheguei a casa e desfazendo-me em alegria, por ter encontrado a solução.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 30, 2019 9:45 am

A solução era Cristo, de quem eu tinha me esquecido.
Procurei o lugar em que sempre orava, desci os joelhos com tamanha certeza, e pedi a Deus e Cristo que me ajudassem, para que eu pudesse fazer entender ao fazendeiro, que não havia sido eu o assaltante da sua casa.
Nunca faria isso, e pus nas mãos do Mestre a solução indicada por aquela criança.
Não sei quanto tempo durou a minha súplica, só sei que saí feliz de lá, e daquele momento em diante não me veio mais a tristeza.
Mesmo lembrando do caso, sentia-me animado e confiante.
Daí a uns dias, novamente batendo em minha porta, chegou o fazendeiro.
Todo tristonho, antes de cumprimentar-me tomou as minhas mãos, beijando-as da maneira que nunca mereci, pedindo perdão pelo que ele pensou de mim.
Puxei-o pelo braço e fiz que o irmão se assentasse, querendo saber como ele tinha chegado a tal conclusão.
E o fazendeiro foi me contando, interrompido, de vez em quando, pelos soluços que cortavam a sua conversa:
Padre, foi um homem lá em casa, em hora que eu estava de "boa veia", fez o que eu estou fazendo com o senhor, pedindo perdão pelo que ele fez.
E narrou todo o caso para mim, do assalto, inclusive da sua caridade em ofertar-lhe a própria batina, e, naquela expressão de humildade, me pediu para fazer a ele o que eu achasse justiça, que pudesse entregá-lo à polícia.
E pedia, chorando, que eu viesse à sua casa pedir perdão por ele, também.
Parou um pouco, e me disse:
— Não quero conversar mais sobre isso, padre, eu quero o seu perdão.
Quis fazer outras manifestações de humildade, mas eu não permiti, perdoando da maneira que ele pediu.
E terminou dizendo:
Sei que o senhor quer saber o que vou fazer ao ladrão.
Eu respondi com interesse:
— Sim... Sim..., quero!
— Pois bem, respondeu; o ladrão, padre, eu o mandei embora, e não darei parte dele em canto nenhum.
Eu sou devedor desse ladrão, pois
ele me ajudou a desfazer-me de um grande equívoco, um grande pecado que a consciência não iria me perdoar.
E me disse com a voz quase sumida:
— Reverendo, eu quero, mais do que nunca, a sua amizade e a presença do senhor em minha casa, sempre!
Despediu-se com as mesmas reverências, que não pude interromper, e eu senti um grande conforto no coração, por ver no Cristo, mais uma vez, a solução de todos os problemas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 01, 2019 11:39 am

38 - 0 ÚNICO CAMINHO
Certamente que fora da caridade não há salvação, porque a caridade se estende ao infinito, reunindo todos os factos bons, reunindo todas as virtudes no seu mais elevado conceito de fraternidade.
A caridade é a harmonia em todos os aspectos, desde o gesto mais simples na vida, até a própria vida no universo. Deus é a Caridade Universal, porque é o Amor derramando-se em nuances de luzes, na Sua eterna policromia divina...
É caridade:
Pensar com dignidade.
Falar com proveito.
Escrever com elevação moral.
Entender os que nos cercam.
Respeitar os direitos alheios.
Ajudar aos que estão carentes.
Olhar para os outros com brandura.
Vestir os nus.
Visitar os enfermos.
Dar pão a quem tem fome.
Alegrar os tristes.
Perdoar aos que nos ofendem.
Amar sem distinção ...
A caridade é isto e muito mais...
Ela vai do mínimo ao máximo; ela é a chuva, é o ar.
Ela é o fogo e a água.
Ela é a árvore, ela é a terra!...
Ela é o esplendor das estrelas, ela é o céu, os anjos e os homens de bem!...
Se queres ser caridoso, observa a tua extensão grandiosa e avança sem temer os percalços.
Avança, sem esmorecer, em todas as direcções, abre o teu coração à luz de Deus e às bênçãos do Cristo, e deixa o Sol fecundar a tua alma...
A caridade maior é aquela feita contigo mesmo, estudando as tuas reacções em todos os sentidos, aparando as arestas que te fazem sofrer, harmonizando a tua mente todos os dias...
É conferir os teus pensamentos com as ideias do Cristo, em todos os momentos.
É condicionar boas ideias constantemente e suprimir todos os vícios e hábitos inconvenientes.
É examinar os teus impulsos e corrigi-los.
É vencer a melancolia sempre, e cuidar da tua alimentação com critério.
É não ferir a ninguém, em nenhuma circunstância.
É estar no meio da guerra e viver na paz!
Caridade é isto e muito mais...
É tudo aquilo que ainda não descobrimos de bom para nós, com a aprovação de Jesus.
Caridade é a natureza que nos acode e nos ensina, a todos os segundos, a viver e realizar a verdadeira benevolência, que não se transforma em comércio e que não exige nada em recompensa, porque a caridade é, essencialmente, AMOR!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 01, 2019 11:39 am

39 - A LÍNGUA EM CHAMAS
Certa ocasião, fui convidado para os festejos de Reis, que se davam em uma cidadezinha de Minas Gerais.
0 povo dessa cidade era muito devoto, cuidava bem da igreja, tanto que dava gosto de ver e entrar no templo.
Eu, que já conhecia a formação religiosa daquela comunidade, sentia-me bem quando era chamado para conviver com eles por alguns dias.
Lá, a chegada do padre era um facto que merecia comentários entre a população.
Quando saiamos às ruas,
éramos saudados pelas pessoas que nos viam.
Eu gostava desse contacto, porque através deste meio, poderia lançar nos corações simples a semente do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, e era o que eu fazia com todo prazer.
Quando convidado para visitar as casas, não perdia a oportunidade de saborear a excelente comida que eles me ofertavam, além do bom vinho.
Eu ficava até com certo acanhamento, entretanto, aquilo era um prazer para eles, que eu tinha de respeitar.
Antes das refeições, orávamos juntos com toda a família e com as outras pessoas que normalmente eram convidadas.
O irmão Horta, ali e nas redondezas, era conhecido qual os políticos.
Eles nos tinham na conta de um santo, representante directo de Deus, coisa que não nos sentíamos bem em ouvir.
Sei que não merecia o tanto que recebia naquela aldeia de gente simples, mas amorosa. Para falar a verdade, era visitado até pelos cães.
Certa feita, quando o sol começara abrir o olho para o mundo, ouvi latidos na janela do quarto onde dormia.
A insistência dos latidos foi tanta, que me pus a abrir a janela com certa alegria, entendendo a mensagem desses animais que muito amo, e, a surpresa me emocionou; era uma matilha de cachorros que eu pude contar.
Eram quinze. Saudei-os como que abençoando a todos e eles me festejaram, acenando as caudas como expressão de alegria.
Na verdade, posso dizer também que, sempre que podia, eu lhes dava os alimentos que sobravam naquelas fartas mesas.
Chegava ao ponto de levar, enrolados, pedaços de carne e restos de galinha, dentro da batina, para dar ao que primeiro encontrasse nas vias públicas.
Os cães eram todos meus amigos, e sempre que eu saía eles me acompanhavam.
Até nos sermões eu notava os cachorros entre o povo, certamente farejando alguma comida.
Seja como for, eram meus amigos, e isso era muito bom para meu coração.
No dia em que marquei minha partida, chegaram visitas interessantes na residência que me hospedara.
Era uma família de longe e bem aquinhoada na vida.
Bem conhecidas na região, vinham conduzindo, com todo cuidado, uma moça doente, porque souberam que eu fazia milagres.
— Coitado de mim, precisando de quem curasse as minhas enxaquecas!
Quando soube do ocorrido, não tive outro jeito e me dispus a orar para aquela criatura de Deus, a pedir a Nosso Senhor Jesus Cristo por ela.
O dono da casa em que eu ficava sempre, era muito amigo dessa família que trouxera a doente, e me pediu que fizesse alguma coisa pela enferma, contando-me rapidamente o caso.
Fiquei admirado porque nunca vira outro igual a esse, e me interessei logo em ver a doente, já recolhida em um quarto para descansar e ficar longe da curiosidade do povo.
Era um pouco humilhante, a situação da moça.
Fui adentrando onde ela estava, estendi a mão para cumprimentá-la, vendo somente seus olhos e nariz, e pude constatar que era uma mulher de beleza rara.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 01, 2019 11:39 am

Não respondeu aos meus cumprimentos, por não lhe permitir a emoção, e ela chorou o tanto que a sua natureza emocional exigiu. Também fui atingido pelo ambiente, e chorei com ela.
Se eu já era feio ao natural, façam ideia de mim chorando, mas o coração não pensa nestes termos; ele obedece aos sentimentos, e Deus abençoa todos os gestos de fraternidade e de amor.
Conversei com ela, que somente ouvia.
Logo os familiares deixaram o quarto e ficamos a sós. Cerrei a porta e todos respeitaram a nossa posição, no sentido de que a moça ficasse à vontade e pudesse conversar com mais liberdade e me ouvir com maior discernimento.
Disse-lhe baixinho que desejaria orar naquele momento ,se ela permitisse.
Não respondeu, mas aprovou pelo gesto, de maneira a fazer-me compreender a sua satisfação.
Respeitei o seu silêncio, tirei do bolso uma pequena figura do Cristo modelada em metal, mostrei para ela, fazendo-a compreender que eu iria pedir a Ele, por ela, que confiasse e ajudasse na oração.
Notei um leve sorriso em seus lábios, através do brilho dos olhos, a demonstrar sua alegria.
E passei a orar:
Senhor!
Abençoa esta casa em que ora estamos, que serve de encontro para todos nós.
Encontro que traduzimos como momentos saudáveis para os nossos corações.
Quanta alegria já tivemos em conhecer inúmeros irmãos de lugares diferentes, que trouxeram para nós muita paz, e nos encheram de esperança!
Agradecemos por tudo, e pelo que ainda continuas a nos dar.
Agora, a felicidade para nós dobrou, por conhecermos essa família que veio de distante lugar, nos favorecer com o conforto da sua presença.
Abençoa, Senhor, a todos eles.
Eu Te peço, Mestre dos mestres, para essa irmã, ora no leito, cujo sofrimento e necessidade Tu bem conheces.
Não temos nada para dar a essa criatura, mas o Senhor tem tudo.
E se for da Tua vontade, podes ofertar-lhe a saúde, a paz, a alegria amor...
Sei que nada sei e nada sou diante de Ti, mas peço-Te, como servo de todos, para a nossa irmã que se encontra diante de nós, cujas lágrimas marcam os seus sentimentos de religiosidade e de compreensão! ...
Terminei com um Pai Nosso, e quando dei por mim estava com a mão em sua testa, transmitindo-lhe o que poderia dar, servindo de canal para as forças divinas.
Quando minha mão se aproximou da sua boca, que eu não vira por estar oculta pelo lenço colorido, senti um calor que não dava para compreender.
Demorei com a mão no local e era para crer que se tratava de um fogo na região da fala da linda moça.
Quando terminei a operação de imposição da mão no rosto desta criatura, dei graças a Deus pelo que estava sentindo de bom em favor dela.
Fiquei na posição de antes e passei a conversar com a enferma em um tom de voz agradável, para ver se ela falava alguma coisa; no entanto, o silêncio marcava a sua posição, mas ela mostrava certa satisfação no rosto.
Entre os intervalos da minha conversação, ela ficou descontraída, suspendeu a mão direita levemente e tirou o lenço que lhe cobria a boca.
Eu quase que sofri um desmaio.
Nunca tinha visto tal coisa!
A boca estava aberta e a língua congestionada, de um tamanho descomunal, para fora, entre os dentes.
Olhei com atenção e pareceu-me que de dentro dela, saíam chamas, provocando a alta temperatura que incomodava, e muito, a enferma.
Fiquei impressionado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 01, 2019 11:39 am

Levei de novo a mão, quase tocando a língua, e novamente senti o calor.
Tirei-a novamente e perguntei:
— Filha, você está sentindo este calor?
Ela fez que sim.
Tornei a perguntar:
— Permanente?
Ela deu sinal que era. A minha compaixão extravasou-se em lágrimas e logo usei o lenço costumeiro que os sentimentos faziam humedecer.
A língua da moça estava em chamas!
Já tinha sido tratada por renomados clínicos da região e do Rio de Janeiro, sem nenhum resultado.
Já tinha recebido bênçãos de famosos sacerdotes e continuava do mesmo jeito.
Aceitava, a família, até tratamento de raizeiros e benzedeiras, alguns dos quais davam certo alívio, mas, a posição da doença era a mesma, desafiando o tempo e o espaço.
Pensei comigo mesmo:
"Como explicar esse fato?
Porque o destino implica em destruir uma criatura tão meiga a demonstrar uma paciência que os próprios sacerdotes talvez não tivessem?"
Se choro for revolta, era o seu defeito, pois, de vez em quando ela chorava em silêncio.
Quando me levantei do tamborete que me servia de assento, notei que ela queria beijar-me as mãos.
Aceitei; ela o fez por gesto, que compreendi agradecendo.
Retirei-me do quarto em profunda meditação.
Monologuei pelo corredor a fora; "Meu Deus!
Eu desejaria compreender qual o motivo que levou a natureza a alterar esse lindo rosto, trazendo a essa criatura de altos sentimentos, uma feição de monstruosidade.
Poderia ser uma professora em actividade, uma mãe de família, uma peça construtiva na sociedade.
Mas, no estado em que se encontra, inutilizada com a sequência de sofrimentos inenarráveis, e ainda mais, fazendo sofrer toda a família e amigos .. . "
A minha mente fixou-se neste drama, e não consegui a tranquilidade que sempre tinha.
Orei várias vezes, porém, a ideia fixava cada vez mais, pedindo solução, pedindo resposta da própria vida.
Eu, como sacerdote, queria conhecer o porquê daquele drama que tanto me abalara.
Soube, mais tarde, que ela tivera um pouco de melhora, que a fez dormir sem a intervenção de remédios, facto que também ocorrera quando tratada por benzedores e raizeiros.
Tarde da noite, tomei um chá, recusando os biscoitos, mas, tinha a mente presa no fenómeno.
Procurei o leito, me apropriei das roupas necessárias para o sono, fazendo uma rápida oração, porém, não conseguia dormir.
Pus-me a ler o Livro Sagrado, como se o espírito estivesse com fome e sede de conhecimentos.
Depois de mais de uma hora de confabulações com o Livro de Deus, a mente estava melhor.
Tomei um pouco de água, que uma jarra de lado guardava, e deitei-me.
Em estado de vigília, notei alguém dentro do quarto.
Fazia força para ver melhor, mas não conseguia constatar quem era.
Senti um entorpecimento começando pelo cérebro, que foi descendo pela espinha.
Quis chamar alguém de casa, mas a voz não safa; fiz força para abrir os olhos e não consegui.
Os braços foram ficando esquecidos e apaguei-me por instantes.
Daí a minutos, acordei, mas não no corpo; estava no meio do quarto, vendo vultos entrando e saindo.
Pensei que tivesse morrido; quis voltar para o corpo, mas, não deu certo.
Lembrei-me de rezar, e foi o que fiz com toda a humildade que possuía.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 01, 2019 11:40 am

Depois da prece, diante de mim, apareceu a figura luminosa de um cardeal, pelo qual eu tinha muita afeição, e mais outras almas que o acompanhavam.
Estendeu-me a mão e me desejou felicidade.
Como eu estava ainda um pouco preocupado com a doença da moça, pensei fortemente em perguntar-lhe qual o desejo de Deus em manter aquela moça naquele estado horrível, onde todas as humilhações do mundo nada significavam diante daquela provação em que uma linda mulher estava perdendo a sua existência, que poderia ser útil à sociedade.
Como ele responderia às perguntas dos interessados na recuperação daquela criatura e do povo em geral?
Muita gente já estava deixando de acreditar em mistérios.
palavra existe por falta de explicação, e penso que o dever de toda a filosofia religiosa é estudar e explicar todos os factos à luz da razão ...
Calei-me, e esperei que o nosso cardeal respondesse algo que pudesse me tirar daquela confusão.
E ele, serenamente, respondeu interessado:
— Horta, verdadeiramente, tudo tem um motivo.
As leis de Deus não escondem de nós a sua acção perante a humanidade.
Se os engenhosos livros das colunas teológicas não conseguem responder com eficiência certos factos, fenómenos que acontecem entre os homens, devemos, por raciocínio, pela razão apurada, buscar noutras fontes.
Sei que não ignoras a lei dos renascimentos.
Somente ela pode nos responder certas perguntas e explicar determinados fatos, como esse caso que ora deparamos.
Nós estamos, meu filho, te acompanhando nos teus trabalhos nesta aldeia, e tu não deves pensar que estás só, com essa responsabilidade espiritual.
Somos muitos, e alguns estão invisíveis, pois a tua visão ainda não os pode alcançar.
Não estás vendo o teu corpo?
Por aí deduzes que ninguém morre, e que essa alma que és pode animar esse corpo que dorme, pode voltar quantas vezes precisar, quando esse envelhecer e ficar imprestável.
O corpo para o espírito é como a roupa para o corpo; quando fica rota é lançada ao monturo, junto aos detritos da natureza.
Tu já leste e ouviste alguma coisa sobre a reencarnação, tão temida na religião católica.
Pois é ela que responde a essa pergunta que ora fazes, o porquê dessa moça estar sofrendo assim ...
Fez um pequeno intervalo, e eu pude me lembrar dos assuntos referidos por ele, e comecei a entender o drama.
Ele prosseguiu serenamente:
Essa moça fez parte da Inquisição na Espanha, há centenas de anos atrás.
Ela inspirava os carrascos, pela sua fácil conversação, para pendurar pela língua os que eram considerados hereges, em ganchos afiados, em determinados estaleiros.
E eles, já sem vida e em praça pública, ficavam expostos com as línguas enormes para fora, que, em seguida eram envolvidas em óleo inflamável.
Após leitura da condenação, onde o inferno era citado como o lugar para receber os condenados, era ateado fogo ao óleo.
Deu para entender, Horta, por que a moça, que aparentemente mostra uma certa beleza física e uma transformação espiritual, sofre?
Por dentro, a sua consciência está em chamas, devolvendo à sua própria língua de carne, a maldade que praticou com os outros, na ilusão de que estava a serviço da Igreja, trucidando demónios.
Nós outros também não tivemos passado muito bom.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 01, 2019 11:40 am

Quando voltamos à carne é para limpar, ou esvaziar, o nosso fardo.
Esse é o jugo a que se referia nosso Divino Mestre.
Balancei a cabeça e comecei a chorar, pedindo a Deus para me ajudar a compreender melhor tudo o que ouvira do nosso companheiro.
Acordei soluçando.
Olhei o relógio, e ele marcava três horas da madrugada.
Fui me lembrando de tudo com certo esforço, e senti-me aliviado, mas com pena da enferma naquele estado deprimente.
Ao raiar do dia, procurei a moça.
Notei certa melhora psicológica, mas a língua estava do mesmo jeito.
Tornei a sentir uma reacção profunda de piedade, fixando a mente novamente naquele drama, cuja origem eu conhecia.
À noite, procurei a igreja, por ter resolvido não ir embora naquele dia que passou.
Ajoelhei-me diante de respeitáveis imagens e pedi que, se fosse possível, eu queria experimentar aquele sofrimento para aquilatar o que se passava com a moça em questão.
Em oração, senti-me envolvido por algo que desconhecia.
Vi a moça diante de mim como se estivesse no quarto dela, e mãos se movimentando entre eu e ela, em operações difíceis.
Caí em transe demoradamente ...
Quando saí daquele estado, comecei a sentir certa quentura na boca, e o tal estado incómodo começou a piorar.
Com mais ou menos duas horas, eu já não podia conversar, a língua cresceu na boca, mas permaneci com ela fechada.
Fui ficando desesperado.
Entreabria os lábios, e a impressão era que saía por eles uma labareda insuportável.
Isso durou três dias. Não pude conversar com ninguém, e muitos que me procuravam e me falavam sem que eu respondesse, balançavam a cabeça e, tenho certeza, pensavam:
"Coitado do Irmão Horta!
Nesses últimos dias ele tem piorado muito!"
E aqueles que não gostavam da minha presença, viam naquilo a confirmação da minha loucura.
Soube depois que a moça melhorou durante os três dias em que fiquei doente.
Chegou ao ponto de conversar muito e idealizar planos de vida nova.
No entanto, tudo voltou ao que era, e ela pediu para me ver novamente.
Eu entendi o drama da enferma, mas, não me conformei com seus sofrimentos.
Só depois de muito tempo, já no mundo espiritual, é que verifiquei que aquela doença, para ela, era o caminho da verdadeira saúde.
Quando em casa, orava sempre em favor dela, e certo dia, abrindo um velho livro editado em Ribeira Velha, Portugal, com a chancela de altos dignatários da Igreja, deparei com uma frase que me pôs a pensar, pois assim dizia:
"0 boi que ajuda na debulha do milho, tem direito a comer dele.
Mas, o que usa os chifres para agredir seu dono, pode perder a vida".
"Fisguei" a citação, colocando-a no caso da moça da língua em chamas, e observei que a lei devolve para nós o que fazemos na vida, de bem e de mal.
E o dever de quem deve é pagar, seja qual for o preço estipulado pela vida.
A esperança maior é que sempre há justiça, por toda parte do universo.
Convidamos a todos, como simples companheiros que somos, para ajudar a debulhar o milho, matando a fome das criaturas em todos os sentidos, mas nunca usar a força para agredir aos companheiros que viajam connosco no caminho!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 01, 2019 11:40 am

40 - PASSEIO AS ORIGENS
Rogamos a Jesus, nosso Mestre, que nos abençoe sempre.
Assim como existe na Terra o trabalho maravilhoso dos correios e telégrafos, do rádio e da televisão, por misericórdia de Deus, ofertando aos homens mais conforto e mais alegria, as mesmas leis operam entre os dois mundos, encarnados e desencarnados, obedecendo às mesmas directrizes, no campo onde conseguimos firmar as ideias que deverão ser transmitidas aos que ainda estão na Terra.
A mediunidade é o aparelho que usamos para transmitir nossas mensagens e a Doutrina Espírita viu nesta faculdade, o ponto chave para a sua sustentação, o trabalho em todos os sentidos para o seu aperfeiçoamento, coisa que as outras religiões negam por conveniência, para não mudar algo nas suas convicções carcomidas pelo tempo, desrespeitando o próprio progresso, filho de Deus.
0 intercâmbio entre os espíritos desencarnados e os encarnados existiu sempre, não somente no campo religioso, mas em todas as actividades dos seres humanos; mesmo nos factos indignos de serem relatados, notaremos o exercício da mediunidade.
E foi mais nesse sentido que os Espíritos do Senhor, em nome d "Aquele que foi, é e será o nosso Guia, desceram ao planeta, fazendo surgir o novo Consolador, para que dele surgisse uma nova escola para educar os sentimentos na mesma feição do Cristianismo, revivido em todo o seu esplendor.
Antes, a mediunidade era desordenada, mesmo nos meios de certa compreensão, por não encontrar as bases de uma senda mais pura, e direcção segura do verdadeiro intercâmbio com o amor.
0 mediunismo entre os homens precisa ser aprimorado com mais cuidado.
As deficiências são enormes e as dificuldades inúmeras, fazendo com que se perca muito da originalidade das ideias que são transmitidas.
Os mesmos homens compuseram a máxima, que usamos da forma como fala o próprio povo:
"quem não tem cão, caça com gato"".
Nós estamos caçando com os gatos que temos, e, mesmo estes são um pouco difíceis, no meio dos bicha- nos que a Terra tem.
Os médiuns que nos perdoem; não queremos ofendê-los, pois também trabalhamos permanentemente dentro de nós, para melhorar as condições de nossos sentimentos.
Estamos falando a todos por amor, para que possamos melhorar o nosso trabalho de transmissão das mensagens que deverão modificar o mundo, se tiverem guarida em cada coração.
Somente o futuro haverá de conhecer o trabalho benfeitor de Allan Kardec, no sentido de modificar, aprimorando os sentimentos humanos.
A Doutrina dos Espíritos está revivendo, apesar das deficiências dos seguidores, o ''Cristianismo do Cristo", e será a bandeira do Evangelho no alvorecer do amanhã.
O maior empenho de Jesus é a modificação do homem, e o maior milagre que as Suas generosas mãos irão operar, é a renovação interior de cada criatura.
Tudo se faz, em todos os campos de trabalho na Terra, para acender a luz do amor no mundo maravilhoso do coração; o mais é acréscimo que deverá vir como força do ideal de renovar-se.
Quando os irmãos foram à M., eu já lá os esperava, por amor a quem tanto devo.
Os gestos de caridade que haviam feito em meu nome, que deveria ser apagado para que o do Cristo aparecesse, nos ligam para a eternidade.
A caridade, nos moldes ensinados por Jesus e pelo que já se pode observar, copiando os roteiros do Evangelho, é um beijo de luz do Sol Divino no coração da Terra.
O acto de caridade com amor é a mais visível presença de Deus entre os mesmos.
0 ato de doar sem exigências, sem especular quem está recebendo, abre o coração em flor e o perfume dos Céus se faz sentir nos caminhos das criaturas, transformando as provações em cânticos de gratidão e aliviando todos os fardos que por vezes nos fazem curvar diante do peso das faltas cometidas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 01, 2019 11:40 am

É o amor que cobre a multidão dos pecados.
Quando observaram o letreiro em uma das casas comerciais, também lá estávamos nós olhando.
Eles usaram o nosso nome para vender mais, ao invés de doar mais.
Entramos primeiro no museu, para afastar certas influências, e no abraço fraternal, sentido espiritualmente, colocamos todo o carinho que o nosso coração devedor conseguiu sentir.
Somos almas frágeis em busca do Cristo, Rocha Inconfundível, em quem deveremos confiar e de quem deveremos viver o exemplo.
Estávamos também dentro do ónibus e choramos de emoção, quando alguém elevou uma prece às alturas dos Céus, e a resposta iluminou todo o veículo que rodava em disparada.
Os passageiros inconscientes somente sentiam bem-estar.
Tivemos a oportunidade de verificar o quanto vale uma oração, nos moldes daquela que estávamos analisando.
Dois espíritos terríveis que acompanhavam dois ocupantes do veículo, como sanguessugas que se agarram às pernas de um ser humano, quando este entra na água estagnada, estavam sendo descolados pela luz da oração, e os laços que os prendiam estalavam como milho de pipoca ao fogo.
Fomos convidados pela consciência a orar também, e agradecemos a Deus por aquele fenómeno de difícil explicação para nós, que nos deu muita alegria.
Estávamos sentados em poltrona vazia, e como viajávamos de graça, achamo-nos no dever de fazer algo em favor daquela empresa e de quem estava nos conduzindo, quase como encarnado.
Meditamos sobre o que fazer e, como por encanto, alguém que não estávamos vendo convidou-nos para ficar ao lado do médium que viajava connosco e, ao ligar-nos a ele, vimos uma luz pálida sair de certo ponto do seu corpo ser envolvida em
fluidos que saíam de nós, em direcção à cabeça do motorista.
Pudemos observar uma veia quase em ruptura em sua cabeça, onde o sangue já encontrava certa dificuldade na irrigação.
Firmamos a ideia e pedimos a Deus para que não deixasse acontecer nada aos passageiros, que abençoasse aquele irmão.
Lembramo-nos do Cristo, na Sua função divina de Curador e extasiamo-nos na súplica.
Que coisa linda, meu Deus!
Pudemos verificar, no plano em que nos encontrávamos, dois dedos brilhantes, onde o verde sublimado era a tónica da expressão, passar pela referida veia e ela se recompor.
Começamos novamente a chorar e o médium percebeu, molhando também as faces, mesmo inconsciente do facto maravilhoso.
A intuição o fez ciente do que estava ocorrendo.
Dentro de um simples veículo, os Céus trabalhavam na caridade, em nome do amor.
O trabalho existe em toda parte, onde quer que estejamos, e o Cristo opera em qualquer lugar, dependendo apenas de nós, pelos fios dos sentimentos.
Aprimoremos pois, as nossas faculdades de servir, para que o coração sinta a presença do Mestre e possa operar maravilhas, independente do lugar onde estivermos.
Nas proximidades da cidade que me serviu de valioso campo de trabalho, existe um lugarejo que recebeu o nosso modesto nome, homenagem que não merecemos.
No plano espiritual, ligada a ela, existe uma colónia de espíritos infelizes, e a misericórdia divina nos induziu para que cuidássemos dos irmãos ali jungidos em situações dolorosas.
Logo lembrei-me de uma frase de um dos livros de teologia, à qual muito nos afeiçoamos, que diz o seguinte:
'Todo malfeitor busca com as suas próprias mãos a custódia da dor."
Foi o que vimos e estamos presenciando nesse ambiente, em que estamos trabalhando, em nome do Cristo de Deus.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 01, 2019 11:41 am

Não vamos revelar detalhes, para que os encarnados não liguem seus pensamentos a esse ambiente, por não ser aconselhado tal intercâmbio, mesmo mentalmente, a não ser quando a utilidade pedir como lição proveitosa.
Nessa pequena aldeia, para que vocês possam sentir o drama de sua população, existem dois espíritos terríveis, que foram cardeais na Terra, no século passado, e que até hoje não cedem à ideia de renovação interior, fazendo-se assentados nos mesmos postos que a Igreja lhes dera, por conveniência própria.
Lá estão, igualmente, seis espíritos apegados ao mal, da época da Reforma e que foram personagens relevantes na noite de São Bartolomeu.
Há um outro que foi espírita, aparentemente nobre, mas que tem uma língua terrível na prática do mexerico.
Outro, ainda, muito fiel ao dever, que foi materialista e o continua sendo aqui, tem grandes probabilidades de melhorar, porém, continua preso ao egoísmo incrustador.
No mais, é a mesma população da Terra, que somente tirou a roupa de carne, e cujas ideias são aquelas que vocês conhecem e que lutam para se livrarem delas.
A consciência pode ser um acúmulo de fatos inconvenientes, ou um celeiro de bênçãos, dependendo do modo que se vive no dia-a-dia.
0 que encontramos aqui, depois do túmulo, nos faz pedir a todos os encarnados para banirem os hábitos e vícios contrários às virtudes, para que o amor alcance e acenda a luz em seus corações.
Nós agradecemos a Deus sempre, por essa oportunidade de servir.
Quando não somos ouvidos, não nos toma a irritação, por sabermos, por experiência própria, que também já fechamos muitas vezes os ouvidos aos convites da verdade.
Continuemos o nosso trabalho nas linhas que a caridade valiosa determinar, sem enfado nos momentos em que surgirem os problemas, pois eles são testes aos passos de quem se dispôs a servir em nome do Amor.
Acompanhamos a equipe todas as semanas, nesse teatro benfeitor de vestir, os nus, levando alegria aos rostos sofredores das mães.
Não perdemos, nenhum, no nosso olhar de gratidão.
Quantas mães que já vieram para cá, cujos frutos de amor estão sendo vestidos por essas mãos que brilham, pela força da caridade!
Elas, aquelas que já despertaram, oram connosco em favor de todos!
Temos as fichas de todos os que trabalham nesse entrelaçamento da fraternidade, onde vibra o interesse maior, que é o de servir.
Rogamos as bênçãos de Deus para todo o mundo, e, principalmente para a casa que nos serviu de berço nas terras do Cruzeiro, Brasil, que Deus e Cristo te abençoem!
Configuremos as nossas ideias com as ideias do Evangelho, e tudo o que fizermos, façamos por Amor!
Quando sentirmos a sensação de pisar na Terra, lembremos o dever dos nossos passos, e, quando orarmos, as lágrimas responderão que devemos enxugá-las nos nossos rostos sofredores.
Queremos pedir a Jesus, pela mediunidade dos homens que nos servem de instrumento para falar com os que ficaram no mundo das formas, porém, não podemos esquecer de lhes pedir para que cuidem dessas faculdades, como os discípulos do Mestre cuidaram, para que a Verdade possa libertar a nós outros com o verdadeiro conhecimento e a vivência da Boa Nova.
Se assim podemos fazer, abençoamos a todos, sob a protecção da divina mão do Cristo!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 01, 2019 11:41 am

- SEGUE-ME
Eu sou aquele anunciado pelas profecias; sou também um profeta.
Sou a luz do mundo; eu sou o Messias!
Bato a porta do teu coração e feio, na suavidade da tua emoção.
Venho libertar os teus sentimentos.
Quero a tua paz, e oferto-te amor.
Quero que andes comigo vencendo a dor.
Eu sou o caminho, a vida e a verdade; sou o ar que respiras, eu sou a bondade!
Sei da tua fraqueza, sei todos os teus compromissos com o passado, sei e sinto o ambiente em que vives; porém, sei que és amado por Deus.
Segue-me, que alcançarás a compreensão!
Segue-me de novo, que a tua vida se modificará!
Torna a me seguir, que ganharás novo coração!
Vê o que quero te dizer:
— observa as leis da natureza, harmoniza-te com Deus, e Ele fundirá o teu passado no presente, e o presente no futuro.
E viverás no eterno da vida, no moderno...
Segue-me, companheiro, que serei teu Mestre onde quer que seja.
Eu te ajudarei na conquista do profundo que almejas e da tranquilidade de consciência.
Mostrar-te-ei os meios de viver na clemência e na alegria com abundância.
Serei por dentro teu cicerone, no silêncio de ti, sem revelar meu nome.
Eu te mostrarei o valor do perdão, da paciência, da solicitude, do amor, de todas as virtudes!
Segue-me, te peço.
Confia em mim; pois eu sou Jesus.
Antes, passa pelo sacrifício da CRUZ ...

Irmão Horta

* * *
Notas
[?1] "Então o Senhor fez falar a Jumenta, a qual disse a Balaão:
Que te fiz eu, que me espancaste já três vezes?" Números 22: 28.
[?2] Refere-se a viagem mental. Nota de Miramez.

§.§.§- Ave sem Ninho
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