LUZ ESPÍRITA
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Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

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Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia - Página 2 Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 24, 2019 9:14 am

Quando eu fazia força para tirar o pé que estava em baixo, era pior, porque ele apertava mais.
Se eu quisesse algum alívio era preferível deixar o pé.
Veio-me à lembrança um animal que eu andara montado e que, de certa feita, ao pará-lo, como coçasse seu pelo, ele pisou no meu pé, com seu casco ferrado e eu senti uma dor muito grande.
Mas esse teve condescendência comigo, pois logo tirou seu casco de cima do meu frágil pé.
Que animal compreensível! ...
O orador despediu-se de mim com benevolência e eu senti uma grande alegria no coração, mas, por outro lado, estava mesmo era querendo que ele se fosse, porque somente com a sua partida é que eu poderia ficar livre da "testa de jegue", o que, graças a Deus, fiquei!
Todos saíram ...
Eu, ficando a sós, tive a ideia de agradecer a Deus por tanta dádiva em ouvir aquele homem, pela sua atenção para comigo.
E, como tudo tem um preço, paguei pela felicidade da noite, com a pisada de um que se dizia representante do Cordeiro de Deus.
Terminada a oração, notei que no salão havia mais uma pessoa, cuja cabeça estava coberta por um capuz e de que não se via também a boca nem o nariz.
Fiquei a cismar:
Quem seria aquele personagem que ficara?
Por que não fora igualmente com os outros?
Quis sentir receio, mas logo acomodei meus sentimentos, porque era tempo de frio e muito usados os abrigos.
Refresquei a mente e procurei o estranho, para saber porque ficara.
Eu tinha desculpa: fora escolhido para fechar a casa e cuidar da limpeza.
Procurei falar com ele; o homem, sereno, olhos fixos nos meus, dava a impressão de que sorria.
Cumprimentei-o com certa reserva.
Notei que a sua palavra tinha dificuldade em sair, mas que a conversa era boa.
Nos sons de seu verbo havia algo por vezes melhor que a voz do próprio orador da noite.
Fui colocando a casa em ordem e conversando com o companheiro da noite, que logo se dispôs a me ajudar na limpeza do salão.
Fiquei contente com a espontaneidade do cavalheiro.
Quando ele falava, eu chegava mais perto para ouvi-lo com mais nitidez.
Terminamos o trabalho, convidei-o para nos assentarmos um pouco, já de portas fechadas, e ele passou a narrar- me a sua vida, sem que eu perdesse um só detalhe da sua fala.
A conversa foi mais ou menos assim;
— Olha, padre! ...
Eu nasci de um encontro que minha mãe teve, ao passar por aqui uma grande figura da nossa nação.
Não me faltaram boa educação e conforto nos primeiros anos de minha vida.
Nasci mesmo num berço de ouro.
Mesmo sem ser o dono do ouro, desfrutava das bênçãos que ele trazia.
Cresci no meio da alta literatura e desfrutei da presença de bons mestres.
Guardo, por isso, uma cultura razoável dentro de mim.
No entanto, ela não está me servindo diante de ninguém, pois todo mundo me repele ao ver o estado de calamidade em que me encontro.
Mal posso falar, como vês.
Fui também professor da universidade local* e conhecia, como conheço, com certa profundidade, "Os Lusíadas".
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 24, 2019 9:14 am

Admiro Camões em todos os seus aspectos.
Ele era verdadeiramente, um mestre da língua portuguesa.
Tive contacto com os Pais da Igreja, através dos livros que eles deixaram escritos.
A teologia para mim não mostra novidades que eu não conheça.
Os dois teólogos que eu mais admiro, São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, são surpreendentes na conjuntura que escreveram, inspirados nos mais altos conceitos para uma vida recta.
Sou feliz, porque conheço alguma coisa que nos ajuda a libertar a alma.
No entanto, sou infeliz pelo que sou, carregando este fardo em péssimas condições.
0 que me consola, padre, é que tenho certas visões do desconhecido para os homens, mas que sinto e reconheço serem a realidade.
Esses Pais da Igreja vivem sim, mas não na eternidade, do modo que a Igreja prega.
Eu os vejo junto a nós, e interessados nos mesmos valores dos homens de bem.
Alguma coisa que o reverendo falou nesta noite, que talvez o senhor também tenha admirado muito, não foi dele:
foi inspiração desses instrutores que estão fora do corpo, que tanto ajudam os homens, no que tange ao bem-estar do espírito.
Não sei se o bom padre está entendendo o que quero dizer.
Queira Deus que entenda, porque os mortos estão mais vivos do que nós, que nos achamos de posse de toda a vida material.
Não sei se o padre vai compreender o meu drama e se depois que souber da verdade, vai continuar me dando atenção como está fazendo agora ..."
E continuou a narração, quase chorando:
— Eu, padre, sou leproso.
E como um infortúnio nunca vem sozinho, retirei-me para um sítio de um amigo que entendeu minha situação, e lá, ao dormir em uma sombra de árvore amiga, as moscas me visitaram sem que eu percebesse, deixando as varejeiras em meu nariz, e como na época o tratamento era insuficiente, principalmente para um hanseniano, os bichos devoraram essa parte do meu rosto.
Talvez o bom padre não suportasse ver esse quadro e permanecer comigo, me ouvindo.
A coisa é muito triste!...
Fez um intervalo, notando que eu queria ver o seu rosto.
Ele, extravasando as lágrimas, deixou o capuz soltar-se do seu rosto, e eu sofri um abalo emocional que quase desmaiei.
O susto foi tanto que o coração acelerou seu ritmo, sem condições de parar.
Não posso descrever como estava a feição do irmão.
Que coisa horrível! ...
Nunca vira antes tamanho padecimento, envolvido em tanta ternura no falar.
A sua presença era algo de fazer a gente pensar.
Ele calou-se, já quase sem fala, pelo esforço despendido.
E chorava sem aflição.
Eu ouvi tudo o que ele queria dizer, com toda a pretensão de quem quer ajudar.
Aproximei-me dele, lembrei-me do conferencista da noite e dentro do meu íntimo dizia de mim para comigo:
“Será, meu Deus, que esse homem é ... "
Peguei em suas mãos grossas, que o tempo fez ásperas na mudança de trabalhos, e beijei-as com toda ternura, como se fossem as mãos de minha santa mãe ou do meu querido pai.
E ele pôs a destra em minha cabeça e me disse com dificuldade:
— Meu filho! . ..
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 24, 2019 9:14 am

Após um grande intervalo, que eu não quebrei, tornou a dizer:
— Queiras ser meu filho, para que eu possa sentir-me teu pai!
Queiras ser meu aluno, para que eu possa ser. .. — e, sem falar o que deveria real mente dizer, anunciou, com todo amor que tinha no coração:
— que eu possa passar para ti as minhas fracas experiências .. .
E pelo que eu conhecia do Evangelho, pude observar que ele não era como no conto do reverendo, narrado para nós.
Não, ele não era o Cristo, mas era o reflexo do Mestre, pelas lições imortais que pôde me ensinar, pela palavra, que era cada vez mais difícil.
Passei a frequentar seu rancho todas as semanas, e para mim era uma felicidade poder encontrá-lo, e ele sentia alegria em me ver.
Fiquei sabendo de muitos fenómenos por seu intermédio, e passei a entender a minha missão na Igreja, pelos seus argumentos.
Ele era, verdadeiramente, um sábio.
Na noite em que ele desencarnou eu estava presente.
Notei muitos vultos em torno do seu cadáver, e beijei os seus pés por gratidão, notando que a sua feição iluminara-se, mesmo deformada pela doença.
A alegria é tão divina que pode ocupar qualquer lugar e transformar a desarmonia em beleza imortal ...
E quando chegou a minha hora de partir para a eternidade, pude observar duas mãos de luz pegando nas minhas, sem que pudesse ver bem
Mas, distingui aquele ex-hanseniano, com a formosura de um anjo, e da sua boca partiam raios calmantes ao meu encontro, que tinham, igualmente, o poder de tecer roupas luminosas para que eu pudesse aparecer no meio dos imortais.
E beijei novamente as suas mãos, pedindo a Deus pelo reverendo da noite inesquecível, na qual tive a oportunidade de encontrar aquele homem que passou, daquele dia em diante, a ser meu mestre.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 24, 2019 9:14 am

14 - ABRE
Abre a tua mente aos pensamentos altruísticos, que a paz reinará em teu coração, pelo coração de Deus.
Abre a tua boca para falar aos outros, mas não te esqueças de dizer coisas e factos que enobreçam.
Abre o teu jeito de ser, para que os semelhantes entendam o bem que devem gerar, sem que a usura lhes corrompa os sentimentos.
Abre a tua compreensão no ajustamento de compreender o amor que os outros ofertam, sem que o abuso rasgue os impulsos.
Abre a tua fé, de sorte que a confiança maior te visite sempre, porque sem ela não poderás viver.
Abre os teus olhos, vê o bem que Deus manda pelas mãos da natureza, e busca aprender a favor dos teus companheiros.
Nunca esqueças de abrir as tuas possibilidades, todas que o Senhor te concedeu, enriquecendo o teu coração, no coração de Deus.
Nesse regime de vida, todos chegaremos a atingir a vida do Criador!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Abr 24, 2019 9:15 am

15 - UMA LIÇÃO AMAIS
Era uma tarde encantadora, onde a limpidez do céu nos mostrava o azul esperançoso do infinito ... e eu era um dos que conjecturavam na área das interrogações:
"Como seria além, no infinito?
Qual a ordem dos mundos?
O que poderiam ser as estrelas?
Como Deus comandava toda a criação?
Onde estaria o verdadeiro Céu, de que tanto falam a teologia, as religiões e os homens?"
Por vezes eu sentia tudo isto numa simples oração...
Como conversar com o próprio Senhor?
Isso era envolvido em mistérios e mais mistérios, que o coração desconhecia e intrigava o povo, junto ao qual vivíamos, por misericórdia de Deus.
A vivência de uns com os outros é aprendizado grandioso, na grandeza da mesma vida.
Ao conversar com uma criança que atravessava a rua, eu me alegrava com sua angélica feição, ou com as suas perguntas infantis e respostas naturais, peculiares ao seu entendimento, lições imortais que me punham a pensar...
Parava de vez em quando, embaixo de uma árvore, e alguns dos meus sentidos me faziam entender o que eu sentia: a minha carência de conforto e, muitas vezes, de esperança.
E eu recebia o que não poderia compreender naquele momento; elas, as árvores, sabem responder às necessidades dos homens.
"E o que precisam os animais, dentro de uma harmonia, que foge às nossas conjecturas?"
Sentava-me, de vez em quando, às margens dos riachos, no silêncio da natureza, a ouvir o canto das águas, como terapia para o corpo e o espírito.
Via na simplicidade dos peixes que dominavam as águas, a verdadeira expressão do Amor.
E o Sol beijava o lençol líquido na ternura de que só ele é capaz, estimulando vidas e enriquecendo os encantos.
Em um desses momentos de êxtase que me foi dado desfrutar, por misericórdia do Suprimento Maior, pude registar — na época não distingui se foi pelos meus ouvidos físicos ou pela acústica espiritual — o desfilar, córrego abaixo, de um grupo de espíritos encarregados de zelarem pelas águas, cantando um hino de saudação ao Criador, de modo que, por onde eles passavam, deixavam um rastro de magnetismo deslumbrante a se acomodar, afinizando-se ao líquido da vida, renovando toda a composição do mesmo.
E aquela pequena falange de almas desceu rio abaixo como um cometa, que presenciamos de quando em quando passar pelos céus.
E, como espírito, passamos a saber que tal grupo é encarregado da purificação das águas, em favor dos que têm sede, da nascente do rio à embocadura.
Ao chegar à casa, meditando sobre o que presenciei, disse-me a razão:
Quanto somos cegos!
Chegamos ao ponto de duvidar da existência de Deus e da vida que continua em todas as dimensões! ...
Quando chegamos a compreender alguns princípios da lei, queremos coordená-la, classificando os santos e condenando os que não nos convém.
Criamos, por ignorância, uma chave, e a impusemos a Simão Pedro para que andasse com ela, como sendo a chave do Céu, de maneira que ele somente possa abrir a porta para aqueles que os homens acharem dignos de entrar, podendo essa entrada até custar algumas gramas de ouro...
Jesus, voltando à Terra, cumprindo Sua promessa registada no Evangelho, pelos canais da mediunidade, nos faz constatar que o céu não está
longe de nós, que as distâncias são as mesmas para todas as criaturas e que somos iguais na extensão infinita da vida.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 25, 2019 10:06 am

O Céu de Deus e de Cristo está dentro de nós, e a chave é a caridade, a renovação das almas em todas as modalidades da vida.
Que coisa grandiosa!
Isso tudo, filho meu, é serviço do Amor, do Amor de Deus!
Certa manhã, em que o sol convidava a um passeio a pé, pus-me a andar.
E queria conhecer o ambiente onde estava, em viagem que os meus superiores me encarregaram.
Olhando aqui, olhando ali, parava de vez em quando.
Não pude conter as lágrimas diante da festa da natureza.
A vida me falava, dispensando palavras.
Deslizava os olhos por todos os lados; era um grande parque onde os homens não se esqueceram de preservar o ambiente ecológico.
Surgiu em minha frente um pequeno macaco fazendo suas proezas.
Pelo que eu notava, ele desfrutava da alegria espraiada em toda a comunidade dos animais e aves daquela região.
Observei, em determinado ponto do parque, uma gata extravasando afecto pelos gatinhos, limpando-os com a própria língua, certamente carregada pela força do amor.
Ela cerrava os olhos naquele ato de carinho e dava a entender que ali estava todo o seu céu.
Sua feição denunciava o que se passava por dentro daquele animal de Deus .. .
O macaquinho, na sua ingenuidade, dando saltos e mais saltos, e por vezes caminhando no seu jeito desengonçado, ao desperceber da mãe gata, apanhou um dos filhotes e passou a brincar com ele, como se fosse o próprio pai.
0 gatinho, vendo que não era a mãe e não o reconhecendo como pai, fechou o semblante, abriu as unhas com ferocidade, dando uns espirros de raiva e deslizou suas afiadas unhas na cara do macaco, que logo o largou, todo arranhado e triste.
O bichaninho correu e acomodou-se no seu quente leito, sob a protecção da mãe.
Esta, olhando para o macaco que começara a afastar-se constrangido, apanhou o filho com os dentes, ajeitou-o debaixo das patas, mudou o semblante de carinho que tivera antes, para uma energia mesclada de justiça, e cortou todas as suas afiadinhas unhas com os dentes, em uma difícil operação.
E soltou-o com certo desprezo, que ele entendeu...
No mesmo momento, lembrei-me de uma festa em família, onde pude presenciar quase a mesma coisa: um senhor, amigo da casa, apanhara no colo a aniversariante com toda a ternura de avô, e a criança, como não queria sair do meio da multiplicidade dos presentes, arranhou o rosto do ancião com as unhas que a mãe esquecera de cortar, e no mesmo momento, correu um filete de sangue no triste rosto do senhor, que tanto amava as crianças ...
A mãe, sem jeito, olhou para mim, que logo entendi, conhecedor que era do respeito que a criança tinha para comigo.
Chamei-a a sós, no que logo fui obedecido, e com palavras que poderiam conduzir educação e disciplina, pude expressar o meu protesto, em nome da mãe e de toda a família.
A criança molhou os olhos, sentindo a correcção, e abraçou o meu pescoço, soluçando.
Mas eu me esqueci da melhor lição, de que a gata não se esquecera: cortar-lhe as unhas, pois esse ato natural ficaria mais gravado na sua consciência para sempre.
Eu, como sacerdote, não sabia, e aprendi essa lição com uma gata! ...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 25, 2019 10:06 am

16 - CARIDADE INTERNA
Falamos muito de caridade e lemos o bastante sobre a sua prática.
Pensamos muito em como fazer a caridade e eis que começamos a viver nesse clima de esperança, dessa força que nos ajuda a nos salvar da impetuosa ignorância que sempre nos sufoca, porque sem ela entramos em pânico espiritual; sem ela os conflitos nos castigam e os problemas nos dilaceram a todos.
Todavia, ainda não aprendemos a fazê-la, pois a caridade verdadeira é a pura expressão do amor, consubstanciado na verdade.
A caridade com Jesus deve começar na conduta de cada um, sem preocupação com a vida alheia, pois, quando isso ocorre, desvirtuamos nossas forças e perdemos o caminho da benevolência.
Se desejamos entender e praticar a caridade como sendo o amor, vejamos a educação da palavra, vigiando o que falamos, em todo o campo da comunicação.
Se idealizamos aprender essa grande virtude, procuremos analisar os nossos actos de cada dia e consertemos o que deve ser mudado no conserto da existência, porque se não nos iluminarmos por dentro, a caridade exterior nos será sem proveito.
A caridade é paz; a caridade é luz ...
A caridade nos faz todo o bem com Jesus ...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 25, 2019 10:06 am

17 - A POUSADA MAIS CARA DA MINHA VIDA
Estávamos em uma época de muitas festas na comunidade católica, e o trabalho mais recomendado para o irmão Horta era o de atender aos chamados de fora, às vilas e aos lugares distantes, cujos moradores faziam doações para a Santa Madre Igreja, de maneira a favorecer a ida de um reverendo, de vez em quando, à sua comunidade, como sendo o representante do Cristo, nosso Senhor.
Eu, já acostumado a essas viagens, esperava a qualquer hora as ordens dos meus superiores, que, nestes momentos, não se esqueciam de mim.
Uma tarde, fui chamado às pressas ao palácio episcopal, e não me fiz esperar.
Demandei para lá, solfejando canções no silêncio de minha mente, cumprimentando os transeuntes que sempre faziam a caridade de me destacar com um adeus e um sorriso carinhoso que, para mim era um conforto.
Ao cumprimentar as pessoas, amávamo-nos mutuamente; esses amigos transmitem para a gente alguma coisa do coração, mesmo inconscientes dessa ciência de Deus.
Como é bom sentir a amizade!
E, graças a Deus, eu tinha muitas, como portas da felicidade.
O amigo nos fala da existência de Deus e nos deixa vislumbrar o ambiente do céu, pelo amor conjugado à alegria que nos oferta, ao nos encontrarmos.
Chegando à casa bem posta, a qual eu deveria ir, entrei apressado, com um rápido cumprimento ao vigilante que muito me conhecia.
Busquei as escadarias, mais devagar, meditando no que poderia ser e para onde eu deveria ir daquela vez.
Mas logo tirei isso da mente, alegrando o semblante, forçando alguns sorrisos para que eles saíssem na hora certa, mais ou menos espontâneos, mostrando aos meus superiores o prazer que eu tinha de servi-los.
O Senhor Bispo estava à minha espera.
Depois de beijar-lhe as mãos delicadas, ele foi sucinto para comigo e, ao invés de falar, foi me entregando um escrito que continha o meu roteiro, sem que eu pudesse fazer perguntas, para ele, desnecessárias.
Peguei o bilhete e, por ser falta de ética lê-lo na hora, enfiei-o no bolso da batina, curioso, mas quase adivinhando para onde ia ...
Os lugares a visitar demandavam muita coragem cristã, muita vontade e mesmo, amor às criaturas.
No entanto, eram verdadeiramente as melhores oportunidades de servir aos que sofrem todas as espécies de injustiça e ignorância.
Despedi-me com reverência e desci as escadarias com o mesmo calor que despendi ao subi-las.
O porteiro assustou-se com a minha rapidez; sorri para ele e ele para mim, e ganhei a rua movimentada, já desanuviando os pensamentos com os olhares afectuosos e os sorrisos sinceros.
Enfiei a mão nos guardados da batina e peguei no bilhete ainda quente; a curiosidade fez-me tirá-lo do bolso.
Encostei-me em uma parede vizinha e passei a ler as ordens do comando maior.
Assustei-me com a urgência de minha ida, mas, como sempre, busquei a tranquilidade na oração.
Orei ali mesmo, em plena rua, e meus pensamentos voaram para o nosso Mestre e Maria Santíssima, pedindo forças e coragem para a minha missão.
Quando terminei a prece, senti que alguém puxava minha batina devagarinho.
Abri os olhos na serenidade que a oração me emprestara, por misericórdia, e vi diante de mim o sorriso de um demente, que sempre, ao me ver, me procurava par saudar, sem pedir nada, sem pelo menos esperar que lhe desse coisa alguma.
Notei com mais nitidez as falhas dos seus dentes, como nunca antes tinha observado, imagem essa da qual eu não conseguia me livrar.
A minha consciência pode se expressar com clareza e passei a ouvi-la, como se fosse alguém lendo uma página para mim com muito interesse:
"Horta! ... As falhas desses dentes que te perseguem, estão a mostrar as falhas que existem em teus caminhos, por te faltar obediência aos teus deveres".
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 25, 2019 10:07 am

E quando eu quis retrucar, por achar que eu era profundamente obediente às minhas obrigações, ela, a consciência, não deixou que eu falasse, e continuou:
"Obediência não é somente fazer o que alguém determina; é, e muito mais, deixar de criticar pelos pensamentos, sem que a voz participe.
ÉS incorrigível na arte de desdenhar os deveres que a religião que abraçaste te impõem, e os teus superiores recebem por ondas, o que a tua crítica desfere, força que desconheces e que se transformam em antipatia contra ti mesmo.
A obediência verdadeira haverá de nascer nos dois campos de entendimento nas ideias e nas acções.
Quando fizermos algum mandado, que façamos tudo por Amor.
Em todos os caminhos, Horta, encontrarás meios de fazer o bem, de fazer a caridade, de ajudar.
Se pensas que estás sendo usado como pária, e enviado para os piores lugares como castigo, enganas-te, pois eis aí a oportunidade para que possas iluminar-te por dentro.
Quem serve a Deus não pode escolher o modo de servir ao próximo.
ê fiel aos teus compromissos espirituais, onde quer que seja, porque Deus está em toda parte, esperando pela parte que aos homens cabe realizar".
Quando dei por mim, já estava entrando em casa, e me pus a pensar nas minhas necessidades espirituais.
De facto, eu era incorrigível; às vezes a boca não participava com fortes argumentos contra meus superiores, todavia, era mordaz nas ideias que saíam na subtileza dos pensamentos, colocando os meus colegas e, por vezes todo o clero, nas mais baixas posições a que o pior pudesse chegar.
Tomei alguns goles d'água que a garganta exigia, e não tive outra alternativa que não fosse providenciar meios de viajar naquela mesma tarde.
Sem demora, saí de novo à rua, talvez em busca de alguma inspiração, e notei adiante um carro-de-boi, conduzido por dois homens, carregado de variadas coisas de uso indispensável nas fazendas.
Notei que eu conhecia os dois mulatos, e eles, ao me verem, esperaram a minha aproximação com contentamento.
Cumprimentamo-nos e fui logo perguntando para onde partiam com o carregamento.
Fiquei feliz em saber que iriam exactamente pela mesma estrada que eu deveria tomar, em cumprimento à minha missão.
Pedi uma carona.
Dava para notar a satisfação dos dois em me conduzirem e eu, muito mais, em ir com eles. Boas companhias! ...
Partimos sem demora.
Acomodamo-nos bem no meio dos sacos e o carro-de-boi, pelo peso, passou a cantar o hino peculiar, no encontro dos cocões com o eixo de madeira.
Nós íamos a conversar, no nível que nos favorecia a alegria.
As estrelas começaram a aparecer no céu, como que olhos de Deus a vigiarem a Terra.
Em uma descida difícil, com os bois "amarrando" o carro para que não disparasse, um dos canzis quebrou e um dos bois saiu de lado tornando-se difícil a parada do carro.
Mas ele parou, fechado pelo barranco, quebrando-se também um cocão.
Os companheiros, atentos, tomaram todas as providências para que não acontecesse nada aos bois e à carga.
Como estavam preocupados comigo, logo desci e os ouvi falar com simplicidade:
— Padre, temos de dormir aqui.
Só amanhã de manhã poderemos consertar o carro e fazer novo canzil para a canga.
O senhor deve dormir ali mesmo, em cima daqueles sacos.
Nós nos arranjamos aqui embaixo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 25, 2019 10:07 am

Não há perigo algum, nada aconteceu, graças a Deus! ...
Pensei bastante no ocorrido e tomei uma decisão:
continuar a viagem a pé.
O carro era muito moroso, principal mente porque estava cheio, e, ainda por cima, quebrado.
Falei com eles, agradecendo a companhia, e mesmo diante dos seus protestos, parti.
O céu, bastante claro, ajudava-me a vislumbrar o caminho e a saber onde pisava.
Alta madrugada, as pernas já recusando a estrada, pude observar ao longe um vulto, que logo constatei ser um cachorro.
Ao aproximar-se, me cheirou sem imprudência.
Acariciei sua cabeça e ele voltou comigo fazendo-me companhia, no que senti grande alegria, porque não mais estava só; ele andava comigo, era a minha defesa.
O cão, que morava ali, me conduziu para a casa do seu dono, uma hospedaria à beira da estrada.
Senti muita alegria ao chegar a uma pousada e o animal, todo alegre, abanando o rabo, corria e voltava para mim.
Não precisei chamar o dono da pousada; o alarme do cachorro bastou para que ele se levantasse, vindo às pressas ao nosso encontro.
Era bastante tarde, porém, ele tinha o costume de receber viajantes a qualquer hora que fosse.
Ao clarão das estrelas, que se postavam encantadoras no céu, pôde ele observar-me, e, logo que viu que eu era padre, o seu semblante mudou; não gostou do visitante.
Cumprimentamo-nos cordialmente e entramos.
Fui conduzido para o lugar no qual deveria dormir.
Estava bastante cansado e o corpo pedia descanso.
Dormi como um anjo, mesmo sendo homem pecador.
Pela manhã, acordei disposto a enfrentar o caminho e a chegar ao ponto desejado, que ordenara o meu superior, mas, antes conversei com um daqui, com outro dali, e me descontraí muito pela variação dos assuntos.
A família do dono da casa me procurou, como sempre fazem os simples quando encontram um padre, achando que somos realmente representantes do Cristo.
Trocamos ideias e pude, no que sabia sobre discórdia, falar do antídoto dessa distorção das virtudes, dar algumas orientações para chegarmos à amizade, ao amor.
Vi que o semblante da senhora iluminou-se, como o de suas filhas que a acompanhavam.
O almoço naquela época era cedo:
lá pelas dez horas da manhã, já era hora de alimentar o estômago.
A mulher, servindo a mesa, toda contente, e eu, já sentado, ouvi pelo meu radar de audição, aguçadíssimo, uma conversa ao longe, que pude registar com eficiência ...
— Marido! . ..
Esse padre é diferente dos outros, conversei com ele e estou animada para a vida.
Eu desejo agora viver mais ao teu lado sem exigências que empanem meus bons sentimentos.
Como é bom falar com um homem de Deus, qual esse reverendo!
Que alegria, a que estou sentindo no coração!
O carrancudo senhor respondeu meio áspero:
— Que nada, mulher, todo padre é a mesma coisa!
Eu não confio nessa gente; de nós, eles só querem levar o dinheiro.
O clero está empobrecendo o mundo.
A Igreja Católica é a empresa mais rica da Terra!
Pelo que ouço falar, Roma vive nadando em dinheiro.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 25, 2019 10:07 am

Até a cadeira do papa é feita de ouro!
Você é muito boba, mulher!
Os padres mesmos, nas suas pregações, falam que existem lobos vestidos de ovelha, e garanto que são eles!
E começou a rir diferenciando as palavras em tom sarcástico:
— Olha, mulher, se virarmos esse padre de cabeça para baixo, eu aposto que não cai um tostão que seja!
Ela saiu às pressas para me servir...
A mulher, meio triste, logo renovou a alegria, fazendo-se contente diante de nós.
Quando o ouvi falar que se me virasse de cabeça para baixo não cairia um tostão que fosse, lembrei-me do dinheiro que eu preparara para trazer na viagem.
Enfiei a mão no bolso e tomei um susto: esquecera-o em casa!
Perdi toda a fome, que não era pouca naquele momento.
Custei a controlar-me e a tristeza invadia meu coração e os pensamentos desordenaram-se, diante da minha fragilidade mental.
Quis orar naquele instante, mas nem isso consegui.
O dinheiro era a solução, pois a fama dos padres por ali não tinha classificação.
As lágrimas quiseram descer às faces e as interrompi, desculpando-me como se fosse limpando a boca com o meu velho lenço ...
Como são terríveis esses apertos!
Porém, como Deus não despreza ninguém, passei a confiar n'Ele, para que eu pudesse resolver bem aquele assunto.
A conversa entre nós rodou sobre política, depois religião e terminou como sempre, em negócios, no domínio do ouro, enfim, na honestidade dos homens.
E eu cada vez mais constrangido com o que deveria acontecer, estava até arrependido de ter feito aquela viagem.
Mas, como fazer!?
Se não viesse, seria pior ainda ...
Pensei nos carreiros, na simplicidade sem nenhuma exigência, dos animais que nos puxavam sem nada cobrar do seu árduo serviço.
Lembrei-me do cachorro que me buscara à noite, no caminho, com toda a alegria, sem pedir nada em troca...
E aí, as lágrimas exigiram passagem, e, não tive jeito: deixei-as brincarem nas faces, denunciando os meus sentimentos, desabafando o peito oprimido.
O estalajadeiro, sorrindo, disse com ironia disfarçada:
— Como os padres choram com facilidade!
Com certeza está se lembrando dos famintos, tendo à sua frente uma mesa farta ...
Mas isso é da vida, padre!
O mundo nunca mudou; sempre temos famintos por toda parte.
São aqueles que não desejam trabalhar, e quem não trabalha não deve comer.
O senhor não acha?
Algumas considerações foram tecidas pelas mulheres ali reunidas e eu, enxugando as lágrimas, não tive palavras, deixei que o silêncio falasse por mim, nos sons correspondentes a todos os entendimentos, e parece que deu certo:
fiquei como vítima.
Foi se desanuviando o ambiente e retornamos à alegria, pela força das circunstâncias.
Peguei uma garfada de feijão e comecei a triturá-lo, extraindo-lhe o excelente sabor.
Subitamente notei que os meus dentes, acostumados a tal operação, foram interrompidos por algo diferente, rangendo com o ruído peculiar ao encontrar um corpo estranho: era uma pedra.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 25, 2019 10:07 am

Os companheiros da mesa puderam escutar, e o dono da casa chegou a falar:
— Pode jogar fora, seu padre, isso sempre acontece,
É O feijão colhido em terreno batido, onde tem muita pedra, e escapa aos olhos da cozinheira ...
Mexi com a língua, encostando a pedra para um lado da boca, depois para o outro, querendo disfarçar.
Mas, a pedra era grande, e não tive outro jeito senão pegá-la sem cerimónia, com os dedos.
Notei que ela tinha um brilho diferente das outras, e a sua dureza me fez crer que se tratava de uma pedra preciosa, e, não era outra coisa.
Continuei a comer com satisfação, brincando com a pedra entre os dedos.
O estalajadeiro, ao olhar para o pedregulho, reconheceu imediatamente tratar-se de um pequeno diamante de quase dois quilates, pois era comprador dessas preciosidades naquela região.
Mudou completamente o seu tratamento para comigo; quis pegar a pedra em meus dedos, porém, pelo facto de ter saído da minha boca eu o recusei, dando certas explicações.
Ele insistiu em ver de perto e não tive outra alternativa; passei para ele a pedra.
Verificou com atenção, dando para se notar o seu contentamento, virando-a nos dedos gorduchos.
Pedi para que ele a devolvesse e o companheiro mudou de assunto, na mais cordial fraternidade, me dizendo:
— Olha, padre, a sua vinda aqui em casa foi providencial.
Nunca esse nosso cão de estima saiu ao pátio, à noite, e ele foi ao seu encontro.
Essa mulher vivia reclamando da vida, e essas meninas querendo mudar desta casa para a cidade.
Depois que conversaram com o senhor, modificaram as ideias, e isso para mim é o céu.
E para que eu não me esqueça mais nunca do senhor, padre, eu quero ficar com essa pedra, mesmo sendo ela comum como tantas outras que há por aí, como lembrança do que o senhor fez por mim e por minha família.
Por favor, diga que ela pode ser minha.
Será minha relíquia ...
O senhor é um homem, verdadeiramente, de Deus.
Quem não nota isso?
Até os animais reconhecem!
Eu, sem jeito, olhei para seus olhos e vi dentro deles a usura palpitando.
Falei sem constrangimento:
A pedra é tua, meu irmão.
Encontrei-a dentro de tua casa.
Que Deus te abençoe na tua fé, mas, quando estiveres em dificuldades, não te lembres de mim, que nada sou diante da vida; lembra-te de Deus e de Cristo, que nos dirigem a todos.
Ele, todo alegre com a dádiva, bateu de leve em meu ombro, dizendo com bom humor:
— Padre, o senhor não precisa pagar nada nesta hospedaria!
Para o senhor é tudo de graça.
Cobrar do senhor é cobrar de Deus, e que Ele me livre desse ato de heresia.
Levantei-me da mesa, despedi-me e me pus a caminho das minhas obrigações, agradecendo a Deus pela oportunidade de desprendimento, mas, em seguida sorri para o infinito e pedi igualmente ao Senhor, o direito de fazer um desabafo, mesmo sozinho na estrada.
E como Deus não respondeu, eu falei em voz alta:
— Essa foi a pousada mais cara de minha vida!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 25, 2019 10:08 am

18 - A CAMINHO DA VIDA
Penso na morte: mais na vida.
Fico triste, depois alegro-me.
E algo me fala: — "Fala, José!
Quem serás tu?... O que tu és?"
Torno a pensar no Céu, na Terra, no mundo, e bate-me acelerado o coração.
Ele fala e não fala.
Ele pensa e não pensa.
Profundo, ele conhece os caminhos da vida, os caminhos do mundo.
As mãos se erguem diante do infinito, sem compreender os mistérios do Senhor.
A mente as acompanha em êxtase de esplendor.
E pensa no pensamento, na dor... E eu, como fico?...
Devo andar sem limites.
Andar... Andar sempre.
Buscar os segredos do inocente, pelas vias da intuição.
Devo andar, complacente...
Cantando e sorrindo, sorrindo e cantando dentro da lição de ajudar, e compreender que Deus trabalha em tudo, operando em todos os sóis.
E surge a vida.
A vida é procurada em todos os ângulos; é estudada, é lida.
Tu que me ouves, fala, responde.
Tu que me vês, tu que me sentes, diz para que eu ouça:
Conheces a vida? Ninguém responde...
Silêncio, a harmonia é o ambiente; não responde nenhum crente, por temer não acertar.
Quem sou eu?
Quem sou, eu vou falar.
O mistério dos mistérios, onde vibra o desconhecido, e fala, sem dizer, algo de esperança.
Fala de caridade, fala de perdão, fala da alegria, fala do amor na linguagem do coração!
A vida vibra... na tela da emoção.
Ela canta nos espaços, ela divide os tempos, ela fracciona as horas em minutos, segundos e momentos.
Ela ganha os Céus, ela domina a Terra, se mostra nas planuras longínquas e nos sonos indescritíveis das serras.
A vida é Deus, na solução da permuta.
A vida é CRISTO que se pôs à escuta, do que deveremos fazer da própria vida.
A vida é força juvenil, a vida é o nosso céu de anil.
A vida, meus filhos, esplende com mais fulgor, no Brasil.
A vida para nós, despertou nas conchas de luz... saída dos lábios do Santo dos santos, nos braços da CRUZ!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 25, 2019 10:08 am

19 - NOÇÃO DE JUSTIÇA
Pelo que sabemos, as leis de Deus estão por toda parte, vivas e quase falantes.
Todos os homens e animais conhecem essas leis, sentem-nas palpitando no íntimo como sendo o próprio Juiz Supremo a distribuí-las para todos os seres, para todas as coisas...
E isso se chama Justiça.
Fui chamado às pressas para ver uma criancinha doente, em um sítio próximo da cidade em que eu morava.
Como era domingo, tudo facilitava a minha ida.
O povo em geral, nesses dias, bem como nos feriados, sente mais alegria por não trabalhar e dispensa a gente de muitas obrigações e certos deveres sociais.
Demandei com rapidez para o casarão de certo senhor, que nunca se esquecera de nós nos seus apertos, principalmente nos de família.
Nós éramos sempre a solução para ele, que esquecia com facilidade determinadas leis que precisavam ser observadas, no sentido de que a paz de consciência pudesse instalar-se em seu coração, embora estivéssemos sempre a recordar ao querido irmão, tais leis.
Chegamos à residência confortável.
Muitos criados iam e vinham com ordens determinadas, roupas limpas, olhos vivos e ouvidos na mais perfeita sensibilidade, sempre prontos a atenderem gestos e sinais dos seus senhores.
Confesso que não me sentia bem naquele ambiente de muito mando.
Tinha experiência própria na comunidade à qual pertencia, por provação, no entanto, precisamos de determinadas corrigendas que não são atribuídas aos anjos.
Fomos recebidos com grande reverência, como sempre acontecia, e depois de todos os cumprimentos, veio o assunto, pelo chefe da família:
— Padre, pedimos para o senhor vir até aqui, pelo fato de a nossa criança, que o senhor já conhece, estar à beira da morte.
Já foi levada a todos, ou a quase todos os médicos da redondeza, sem nenhum proveito.
Não sabia o que fazer e nos lembramos de que a sua presença pudesse resolver este problema de difícil solução.
Rogamos a Deus que nos ajude, e que o senhor nos abençoe com a bondade que nunca faltou em seu amável coração.
Fez uma pausa e falou, como se estivesse inspirado:
— Padre! Sei que o senhor é um santo, dentre os muitos da Igreja de Deus, e que poderá
nos abençoar a todos, especialmente a essa criança inocente, e curá-la na paz de Jesus!
Pude observar o anjinho vestido de carne, em rico leito, onde as rendas ofuscavam a nossa visão e o brilho dos metais levavam a atenção dos visitantes, para as coisas efémeras...
Estava, real mente, esquelética; mal respirava, mostrando o contorno de todos os ossos, como se já houvesse abandonado o corpo.
Orei ali com o fervor que pediam os meus sentimentos.
Pedi ao nosso Mestre que ajudasse aquela criança e que abençoasse aquela casa, mas que se fizesse a vontade d'Ele e não a minha, imperfeita e incerta.
Terminada a oração, tive vontade de ir ao quintal, e não fui impedido de concretizar tal ideia.
Andei na grande área toda cuidada pelos servidores, ali firmes no trabalho.
Busquei Deus mais de perto, o que não ocorreu dentro da casa.
Soprava um ar fresco e minhas narinas o aproveitaram enchendo os pulmões de energia pura.
Contemplei as árvores, em cujas folhas os ventos brincavam, e a minha mente viajou livre no encanto da natureza.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 25, 2019 10:08 am

Por alguns instantes, meu coração sentiu o aroma da felicidade, bafejado pela vibração de natureza humana e celestial.
Andei mais um pouco e pude observar uma cadela com quatro cachorrinhos.
Procurei vê-los mais de perto e encantei-me com o ato mais sublime da vida: a mãe cuidando dos filhos.
Nisto, uma servidora da casa apareceu, trazendo um pequeno cesto com quatro pães, pediu-me licença e deixou no limpo piso, o alimento para os cãezinhos.
Estes, ao verem-no, avançaram como crianças na hora de comer; todavia, um deles era atrofiado e mal podia andar.
Os outros três, na sua jovialidade dinâmica, apossaram-se cada um do seu pão.
0 primeiro, mais esperto, comeu o seu e desejou o outro pedaço pertencente ao doentinho.
A cadela-mãe, quando notou que o cachorrinho atrofiado ia ficar sem alimento, pela ganância do outro, levantou a pata, pisou em cima do pedaço de pão e rosnou com energia.
0 filhote usurário abaixou a cabeça e recolheu-se ao ninho costumeiro.
Observei que a mãe olhava para todos os lados, para ver se havia mais pedaços de pão; ela também tinha fome, e o demonstrava pela saliva que escorria de sua boca, mas, não vendo outro, esperou o último cachorrinho e quando este chegou perto dela com dificuldade, ela retirou a pata de sobre o pão e mudou o semblante, de modo a ofertar com carinho a porção de alimento para o filho.
Fiquei maravilhado com a noção de justiça da cachorra.
Como eu aprendi com isso!
E aprendi ainda mais, a renúncia, pois ela também tinha fome.
O mais interessante foi observar que a cadela também sabia contar, pois quando a servidora deixou os quatro pedaços de pão no solo, ela passou os olhos em todos e eu li em seus olhos a lembrança dos quatro filhos, e ela não comeu nenhum, mesmo tendo fome.
Voltei para dentro da casa, tornei a olhar a criancinha, já com sinais de melhora, e tive uma ideia, perguntei à senhora "X":
— A senhora amamenta esta criança?
Ela aceita o leite?
Veio a resposta constrangida:
— Não, padre.
A preta Maria tem um negrinho de quase a mesma idade, e ela está aqui para isso.
Eu não tenho tempo, pelas muitas obrigações que a nossa posição impõe.
Como o senhor sabe, os servidores existem para isso, e o leite dos negros é recomendado pelos melhores terapeutas ...
Senti uma punhalada no coração ao ver e sentir a injustiça ante a escrava.
Pude notar que o filho da servidora estava raquítico, por falta de alimento natural, por faltar-lhe o leite da mãe, ao qual ele tinha direito.
Pedi para que todos saíssem do quarto, ficando a sós com a senhora e falei-lhe com energia:
— Olha, minha senhora, se quiser salvar o seu filhinho, amamenta-o com o seu próprio leite.
O leite de Maria não serve para ele, e, ainda mais, o filho dela está morrendo igualmente, e é de fome.
Faça isso, pelo amor de Deus!
A mulher, apavorada, respondeu com temor:
— Padre, será isso?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 26, 2019 9:07 am

Respondi com segurança:
— É isso, e que Jesus a abençoe para que o seu amor de mãe possa sair pelo leite e curar o seu filho!
Daí a duas semanas soube que as duas crianças estavam perfeitamente bem, e, como eu havia feito seguidas orações à noite, pelas crianças em questão, sonhei com um médico muito meu conhecido, quando estava vestido de carne, dizendo-me:
- Olha, padre!
Aquele dia em que foste àquela fazenda ver a criança enferma à beira da morte, eu também fui e te inspirei sobre o que devias fazer.
O mal da criança do casarão era o ódio de Maria, que a atingia na intimidade do leite, que era obrigada a dar ao filho da patroa.
E o dela estava real mente morrendo de fome, porque no leite, esteja certo, vai algo que a ciência mais tarde deverá reconhecer: uma coisa divina que se chama Amor, e isso acontece da árvore para o fruto, do animal para os filhotes e da mulher,
como nesse caso, para a criança.
Continua José, acertando os desacertos e — continuou sorrindo — nunca deixes de observar a justiça da natureza, a justiça de Deus, operando em toda parte, que tudo se restaurará.
Acordei sorrindo e propondo a mim mesmo ser mais fiel à justiça, onde quer que estivesse.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 26, 2019 9:07 am

20 -ROGATIVA DO IDOSO
Senhor de toda a humanidade!
... Não Te pedirei nada, por saber que és omnisciente de todas as necessidades.
O que necessitamos, já nos deste pelos canais que achaste conveniente.
Agradeço-Te pela Tua constante manifestação de carinho e amor para comigo.
Através da natureza, já recebi o ar que respiro, a água que mata minha sede, o calor do sol que me fortalece a vida, os alimentos gerados na terra e as abundantes matérias para as vestimentas ...
Vejo tudo descendo do céu, fonte inesgotável que nunca faltou em favor de todos os seres.
Como velho, sinto falta somente da parte dos homens, daquela que toca a eles fazer; por isso, é a eles que vou dirigir minhas palavras.
Disse Jesus:
"Pedi e obtereis".
Meu filho, peço-te ouvir-me!
Desejo que me ouças, por amor a Deus!
Somos milhões, sofrendo o desgaste imposto pela própria lei natural.
Nada podemos fazer para nos tornarmos jovens nesta mesma matéria que ora vestimos.
Nascer e morrer é lei irremovível, processo de despertar da alma para os sentimentos mais elevados.
A reencarnação é a porta estreita que nos leva ao aprimoramento espiritual; por vezes, recusamos a dor e a troca de veste física, todavia, elas existem para o nosso bem.
Se assim não fora, Deus não criaria tais meios, tais processos de evolução.
Queremos pedir, principalmente àquele em que a juventude está florida pela energia e pela saúde, para nos ajudar.
Que nos procure onde estivermos, e venha conversar connosco, trazendo o calor da alegria e da esperança, porque nos sentimos abatidos.
O corpo já não nos fornece meios para que possamos fazer o que fazíamos quando jovens.
Temos vontade de correr, de cantar, de frequentar os meios sociais, de viajar como antes; no entanto, o corpo não suporta mais nem mesmo as emoções dos divertimentos.
Ouve o nosso pedido!
Tu estás no mesmo caminho nosso; amanhã serás idoso também, e não desejamos que passes o que estamos passando.
É muito triste a solidão! ...
As casas que recolhem os anciãos são bênçãos de Deus, reconhecemos.
No entanto, queremos ver, ouvir a palavra da juventude.
Sentimos carência do ambiente das crianças, pois essas são as que chamamos de visitas renovadoras.
Poucos sabem o quanto valem para nós, uns minutos de conversações e de presença, onde esperamos e temos a certeza da chegada da libertadora, que desliga os laços que nos prendem ao corpo.
Vem nos ver, pedimos novamente!
Se nada tens para nos trazer, traz o que Deus te deu com abundância: a palavra, as histórias ...
Conta-nos algumas coisas que o progresso te doou, e, se possível, alguma coisa que a tua religião pode nos oferecer, em termos de esperança, já que estamos de partida.
Já sentimos o sinal a nos falar alto: Vamos!
Somos muitos, jogados nas ruas, sofrendo o frio da noite e às vezes até a fome e a nudez.
Quantos estamos no ambiente agrário ...
Ficamos afastados completamente dos jovens, por estes não gostarem dos nossos assuntos, sempre repetitivos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 26, 2019 9:07 am

Pedimos que nos perdoes.
O aparelho físico se desgastou em todas as modalidades de trabalho.
Vivemos dentro dele pelo querer de Alguém que entende o que é a vida, por isso estamos pacientes, esperando.
Sabemos que a família à qual pertencemos por misericórdia do Senhor, sofre connosco.
Somos espinhos ou entraves na casa em que vivemos, mas, pedimos por Deus, tem paciência mais um pouco, e nos ajuda a aprender o que a juventude já sabe, por merecimento.
Confiamos em ti e pedimos, em nome da vida, que faças cumprir esse dever espiritual, e todos seremos felizes, e essa felicidade, no amanhã, será festejada em teus caminhos.
Quase todos os dias choramos em silêncio, pedindo a Deus que nos ajude a conversar com os homens sadios e jovens, e que aproxime de nós as crianças, porque todos para nós, representam a vida pulsando em um ritmo de luz.
Esperaremos!
Que Deus te abençoe.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 26, 2019 9:08 am

21 - A FORÇA DO EXEMPLO
Atravessava eu uma faixa muito negativa.
Naquele ano, tudo para mim acontecia ao contrário; poderia dizer que era um ano de contradição.
Fazia minhas orações, tanto em casa quanto nos templos, lia permanentemente os melhores livros, rebuscava sempre o Evangelho, meditando em seus conceitos, e, pela fé, bebia aquela água que Jesus dera à samaritana.
No entanto, a minha sede era insaciável, e o constrangimento por dentro do coração não me dava sossego.
Eu já me levantava triste e deitava com melancolia no peito.
Monologava no silêncio do aposento:
Será, meu Deus, que não encontro uma saída para libertar-me desse estado depressivo?
Vinha-me a ideia de procurar um especialista neste ramo de enfermidade, mas logo passavam tais pensamentos, e eu continuava com a dor que mais dói na vida: era a consciência me acusando de algo que eu não sabia bem o que era.
Como o ser humano é cheio de problemas, e como as religiões são fracas para ajudá-los!...
Tive outra ideia: a de recorrer a um companheiro religioso, fora do ambiente em que vivia.
Procurei um irmão em quem eu podia confiar e ele recebeu-me com toda a amabilidade.
Era de facto, um padre que conhecia as necessidades dos seus semelhantes, e o seu coração não esquecia o amor.
Senti imenso conforto em conversar com ele, porém, continuei sofrendo uma espécie de amarra por dentro, um fechamento de sentimentos.
Nada me agradava, nem mesmo o Bem.
Em casa, coisa que nunca tinha acontecido, eu mudara o comportamento para com os meus familiares; quando dava por mim, já havia pensado e falado o que não deveria pensar, nem falar.
E todo mundo dizia:
Horta mudou de vida; ele está doente e não quer admitir.
Eu estava assustando a todos os meus amigos, dentro e fora do clero.
Numa manhã muito clara, em que o céu estava bem azul, levantei-me bem cedo e procurei uma estrada, a qual eu seguia como companheira de solidão.
Graças a Deus, nunca me esqueci das orações, e eram elas que me confortavam um pouco.
0 sol ainda não tinha beijado plenamente o solo terreno, e o sereno nas folhas era amostra da madrugada ...
Notei que no mesmo caminho, em sentido contrário a mim, vinha uma pessoa.
Firmei a vista e pude constatar que era um homem robusto, solfejando uma canção sertaneja.
Reconheci que era um velho amigo, sitiante e sofredor, cujo fardo o destino não deixava aliviar; entrementes, ele não se esquecera da alegria.
Ele também me reconhecera e sorriu ao me encontrar, dizendo:
Padre, para mim, encontrar o senhor é um grande contentamento.
Estou com o dia salvo, graças a Deus!
Fiz questão de tocar-lhe nas mãos calejadas e sentir de perto o seu calor.
Conversamos alguma coisa referente às famílias, ao bom tempo, sobre a lavoura, e juntos agradecemos a Deus por tudo o que estávamos recebendo, por misericórdia.
Vi em seu semblante o contentamento e, no meu intimo, sentia como que um gosto de fel, cuja procedência eu desconhecia.
Havia muito interesse em sua conversa para comigo, e fiquei a pensar.
O camponês, aliviado do compromisso que abraçara, pediu licença para me falar mais na intimidade, e eu o deixei à vontade, coisa que não faziam os nossos colegas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 26, 2019 9:08 am

0 povo tinha de se manter mais à distância, pelo respeito aos representantes dos Céus, facto com o qual nunca concordei, por achar que todos somos filhos de Deus.
Ao lado, o caminho se bifurcava, e entramos para escapar aos olhos dos transeuntes, para que não perturbassem a nossa conversa que, pelo jeito, deveria ser muito extensa.
Andamos um pouquinho em silêncio.
Eu, pensando nos meus problemas, e ele, talvez, buscando meios mais práticos para me dizer que deveria transmitir-me uma mensagem, a qual, depois de ouvir, achei ser o de mais belo que os meus ouvidos puderam escutar na Terra!
Alcançamos uma mina d'água borbulhando o líquido precioso; tive sede e experimentei bebê-la.
Que coisa saudável!
Ele fez o mesmo, ensinando-me como beber por intermédio de uma folha, dobrando-a e segurando com os dois dedos.
Sorvemos água à vontade, no seio da natureza.
Eu já me sentia muito melhor.
Sentamo-nos em duas grandes pedras, contemplando o burburinho do nascer das águas dentre as rochas, que a natureza arrumara.
Izídio Hera o nome do companheiro — olhou para mim com simplicidade e falou-me ao coração:
— Padre, eu pediria sua permissão para dizer ao senhor algumas coisas que talvez não o alegrem, porém, não sou eu quem vai falar:
é um recado que trago, não sei bem de quem é; só sei que é coisa boa.
E, se o senhor não aceitar, me perdoe, ficará somente entre nós dois.
Nasceu e morreu aqui.
Mas só falarei, se o senhor me perdoar, no caso de não gostar, porque, irmão Horta, eu o considero como pai e tenho o maior respeito pelo senhor.
Fiquei intrigado com o assunto, mas, como essas coisas sempre aconteciam comigo, fui logo perdendo o receio, e ficando a querer saber de que se tratava.
Respondi com amabilidade:
— Pode falar meu irmão, pois nunca reprovarei as coisas de Deus, desde quando forem ideias nobres.
Onde Jesus é o tema, fico alegre.
Agradeço-te pelo teu interesse em me falar.
Fala! Fala, meu filho, o que quiseres que eu ouça.
Naquele momento, pude sentir pelo que eu conhecia de sua vida, que as palavras não eram verdadeiramente dele; havia alguma interferência naquele recado de Deus para o meu triste coração.
Ele, com respeito à minha pessoa, esperava a minha nova aquiescência para falar.
Notei o silêncio, e, ansioso pela notícia, disse com expectativa:
— Começa, meu filho, fala o que deseja, em nome de Deus!
Izídio disse com ponderação:
— Olha, padre, eu não sei se vai lhe agradar, porém, o que vou falar para o senhor vem de Deus, eu tenho absoluta certeza.
Não sei se o senhor conhece uma preta velha que tem o nome de Rochedo.
Ela sofre muito.
Eu sei, porque tenho acompanhado a sua vida há muitos anos.
É uma criatura, não digo santa, porque os santos são escolhidos pelo clero romano, e ela não é romana, é filha desta terra aqui, oriunda de escravos que vieram para essa região, trazidos pelos portugueses.
Se hoje eia não é escrava pelas leis dos senhores de engenho, é escrava, padre, pela dor e pelas contingências de família.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 26, 2019 9:08 am

A paciência dela, e o que ela aceita sem reclamar, é impossível para um ser humano.
Eu, no lugar dela, já teria feito coisas que somente a cadeia pode contar, e os rábulas descreveram para quem não sabe.
Rochedo tem muitos tipos de doença; já teve onze filhos e tem um marido terrível que, ao beber, surra-a todos os dias.
Parece que ele sente necessidade de bater nela.
Eu vou à casa desta irmã de vez em quando, mas peço a Deus que não me deixe ir lá e presenciar certos espectáculos, dos quais o companheiro
dela é o artista, porque eu tenho certeza de que eu iria para a cadeia. Deus me livre!
Eu já estava impaciente com Izídio; queria saber o que ele estava querendo me falar e não estava suportando mais a demora.
Disse-lhe com energia:
— Vamos, meu filho, fala o que tens a dizer!
Eu quero ouvir o recado que vieste trazer-me.
Izídio olhou novamente para a fonte, bebeu mais uns goles com prazer, raspou a garganta, acomodou-se no lajedo de onde saíra, e falou com segurança.
- — irmão Horta, eu passei uma época triste em minha vida, há uns meses atrás, e uma pessoa me levou à casa de Rochedo.
Lá eu encontrei a paz.
A partir daí, frequento sempre a casa dela, e notando que o senhor está cada vez mais triste...
Há muito tempo que Rochedo, quando dorme, fala coisas maravilhosas para a gente, e eu pedi pelo senhor em uma vez dessas.
Ela me disse que o senhor estava mesmo sofrendo de umas coisas que eu não iria entender, mas que ela queria conversar com o senhor urgente, e que eu desse o recado.
Quando nos encontramos neste caminho, eu ia para sua casa dar-lhe este recado, mas, como Deus é bom, trouxe o senhor aqui, para que conversássemos no caminho, na casa da natureza tomando essa água do céu, abençoada por Ele.
Este é o recado, padre.
Que o senhor me perdoe se errei; sou apenas um carteiro, apenas um carteiro. Me desculpe ...
Os meus pensamentos viajaram por todas as experiências que eu tinha tido.
Quando ele me falou que Rochedo dormia, pude constatar que falava por seu intermédio alguma entidade, mas logo veio em minha mente: o que poderia ser?
Rochedo era muito ignorante, coitada, e o que poderia saber das coisas subtis do espírito?
Como eu me enganei!
Depois, pude sentir que Deus está em toda parte, e não escolhe lugar para falar, na determinação dos homens.
Fala onde quer que seja, como disse Jesus, comparando o espírito com o vento: "ele sopra onde quer, e ouves a sua voz, mas ninguém sabe de onde ele vem, nem para onde vai..." — João, 3:8.
As coisas de Deus não estão presas, às vãs filosofias dos homens; elas são livres.
Olhei para Izídio com ternura de pai e falei ao seu coração:
— Meu filho, eu estou sentindo a verdade em tuas palavras.
Eu sou padre católico, romano, mas irei lá e atenderei ao pedido de quem me chama.
Se essa é a vontade de Deus, que se faça.
0 camponês, todo alegre, beijou as mãos daquele que sofria mais que ele, e partimos juntos.
Quando estávamos chegando à casa de Rochedo, ele, que andou calado por todo o caminho, me disse com determinação:
— Olha, padre, eu tenho uma ordem, também, a observar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 26, 2019 9:09 am

Paramos juntos e ele explicou:
— O senhor espera aqui, enquanto eu chego lá, e, na hora que Rochedo dormir eu venho te chamar para conversar com ela dormindo.
O senhor pode fazer isso?
Respondi:
— Sim, sim, perfeitamente ...
Daí a momentos, vi ao longe uma mão acenando e parti para lá.
Vi realmente a Rochedo toda transformada.
O camponês quis sair e eu pedi para que ele ficasse.
A minha vida não tinha segredos; ele poderia ouvir.
Notei que a preta velha alegrou o semblante naquele gesto meu, e falou com contentamento:
— José! Quem te fala é Agostinho, aquele a quem denominam de santo, que pôde nascer em espírito e viver para as coisas de Deus.
A Igreja Católica Apostólica Romana é mesmo uma mãe para todos aqueles que tiveram como experiência uma vida, ou vidas, sob a sua égide.
Não podemos desdenhar o que muito nos serviu para o nosso despertar espiritual, pois somos almas imortais dentro da eternidade.
Nós escolhemos, sim, instrumentos para falar aos homens, mas, não pelos modos seleccionados pelos homens; não é pela posição, nem pela intelectualidade presente, e sim, pelo coração.
Estás sofrendo muito, por isso é que pedi para o nosso irmão te chamar...
Vejo tudo e conheço todos os teus passos, mesmo aqueles que vais dar.
Toda a agressão dos teus superiores surge como testemunhos para o teu caminho.
Se te revoltares contra as violências, não aproveitarás as lições.
Tu és obediente; todavia, os teus pensamentos são potros indomáveis e incorrigíveis.
Continuando assim, sofrerás mais.
A humildade, meu filho, não pode ser somente exterior; a verdadeira procede de dentro do coração.
Não deves preocupar-te se os outros, e principalmente os teus superiores, vivem o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo ou não; faz a tua parte e esforça-te para vivê-lo.
Se nós construirmos os nossos próprios destinos, Deus fará o resto, como tem feito.
Agradece a quem te fere, provando a tua fé, porque quem te ama não te ataca.
Agradece a quem te calunia, experimentando, assim o perdão, porque o verdadeiro amigo não te julga.
Agradece, José, aos que exigem de ti até o impossível, porque eles medem, para ti, a tua própria força, mostrando o quanto precisas melhorar na escola de Deus.
Não blasfemes em hora alguma e em nenhuma circunstância, porque os nossos sentimentos estão temperando o íntimo de todos os problemas da Terra, para que a luz nasça em nossos corações.
Não julgues a ninguém por seres julgado.
Anda paciente no clima do bem comum, sem esmoreceres, e a vida haverá de te premiar com o reino da tranquilidade imperturbável, no centro da consciência.
Lembra-te de que o clima dos anjos é a caridade que não descora com as exigências, e que não se perturba com os valores transitórios.
Compadece-te dos que sofrem, ajudando-os, e não sofrendo com eles para que não lhes aumente os sofrimentos.
Sê recto e verdadeiro, onde houver forças que possam suportar tal rectidão e tal verdade.
A luz do sol, directamente, sem interferências, poderá queimar ou matar as criaturas.
Sê humilde, mas não tolo.
Tolerante, mas não conivente com erros que possam desorientar a colectividade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 26, 2019 9:09 am

O que estás passando, é o teu passado entornando no presente qual o copo que transborda; é o sujo que está se esgotando.
Dá graças a Deus e lembra-te de que toda reforma custa um preço, por vezes exorbitante aos nossos olhos imperfeitos.
A dor, em qualquer dimensão, á terapia para a alma, bem como conserto para o corpo.
Continua trabalhando e exercitando as qualidades elevadas, e tem como Guia dos teus caminhos, o Cristo.
Que Ele te abençoe sempre.
Fiquei engasgado ao ouvir tamanha lição.
E, de onde?
De um grande santo venerado pela igreja, mas, pela boca de uma preta velha que se chamava Rochedo.
Antes que ela acordasse, eu saí, ficando o nosso Izídio para despistar o ocorrido com Rochedo.
Ela, com certeza, não poderia me ver ali. Um padre! ...
Foi tão bom para mim, que daquele dia em diante mudou muito a minha vida, pois passei a encontrar sempre meios para me livrar das tristezas e de muitos infortúnios, e ainda ajudar muita gente.
Combinei com Izídio e, sempre que precisávamos, voltávamos lá, e falei, a bem da verdade, com muitos santos.
Que alegria, a que eu tive!
E que lições maravilhosas!
Bem que Izídio tinha me falado que Rochedo, quando dormia, falava mais bonito do que todos os oradores juntos!
Antes eu não acreditara, mas quando presenciei o seu sono, passei a crer nessa verdade.
E o exemplo da vida de Rochedo?
Sua aceitação, seu sofrimento sem reclamação, para mim foram as melhores lições que tive na vida.
E quantos Rochedos não existem no mundo?
Eu bem os conheço: estão escondidos em roupagens simples, mas com uma vida educativa para todos nós, porque ensinam pelo exemplo e suportam todos os pesos do destino sem blasfemar.
O que transcrevi aqui, que Santo Agostinho me falou, é pálida imagem do seu dizer; ele, grande doutor da Igreja no IV século depois do Cristo, mostrou ao mundo, pela sua coluna teológica, grande renovação espiritual, e mesmo em vida, já aceitava a reencarnação, o que podemos 1er nas entrelinhas dos seus escritos famosos.
Foi um santo que teve a coragem de fazer a sua autobiografia, mostrando com mais ênfase o que fez de errado e o valor da transformação que gerou em seu íntimo pela força da fé e da compreensão mais profunda das coisas de Deus.
Vejamos como ele falava sobre a pluralidade das vidas:
"Se eu pudesse dizer, eu diria que Platão era Plotino, pela compatibilidade de seus ideais".
Quem tem olhos, que veja!
Abracei Izídio muitas vezes e beijei-lhe as mãos, mesmo sem ele querer, pela notícia que me trouxe e pela paz que pude conquistar ao ouvir a mensagem.
Não era para eu supor que um dos maiores tribunos da igreja pudesse me falar por intermédio de uma preta velha, assediada por variados
tipos de enfermidade.
Só depois fiquei sabendo que as dores são antenas de luz, por onde os Céus podem descer à Terra, fazendo com que todos os que sofrem ouçam a mensagem de esperança e salvação.
Compreendi, assim, que o exemplo é a maior força de educação entre nós.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 26, 2019 9:09 am

22 - CARIDADE ACTIVA
Consultando o empenho da natureza em nos ajudar em todos os rumos que lhe cabe actuar, notamos como a sua caridade é activa por excelência; não perde um só segundo, desempenhando o papel de mãe, como doadora incansável, em sofisticados trabalhos, para garantir a harmonia dos vários reinos, dando exemplos inumeráveis de solicitude, de amor e de justiça.
A literatura da natureza universal é imensurável.
Os livros são infinitos, escritos por Deus nas páginas da criação; todavia, necessário se faz que aprendamos a estudar neles.
Deves notar que em cada centímetro do espaço que te rodeia, existem páginas e mais páginas escritas que podes estudar, se já tiveres aprendido essa arte divina de ler as coisas de Deus, onde elas estiverem.
Uma árvore é um mundo, com todas as suas qualificações de vida, e sempre diferente uma da outra.
Ao nos aproximarmos dessas nossas irmãs do mundo vegetal, tudo nos parece em silêncio; entretanto, a quietude é verdadeiramente aparente.
Ali, naquela estrutura, canta a mais linda harmonia, que fala de modo peculiar a sua linguagem e ensina os mais belos conceitos de justiça e de beleza, de paz e de trabalho, de fraternidade e de amor.
Assim acontece com o animal, o homem, e mesmo os astros, os ventos e as águas...
Moramos dentro da biblioteca divina, que nos convida para o aprendizado, sendo a instrução nessas páginas naturais, puras, os verdadeiros conceitos da própria vida.
Os livros escritos pelos homens são pálidas cópias da natureza.
O processo que deveremos usar para principiar o nosso entendimento com as coisas naturais é a oração.
Saber orar significa dar os primeiros passos ante o aprendizado.
Quem nega o valor transcendental da prece, ainda não atingiu, nem sentiu, o ambiente harmonioso da conversa que podemos travar com o Criador de todas as coisas.
Se ainda não o fizeste, experimenta, meu irmão, orar com fé.
Podes ligar a tua mente com a Mente Maior, pelos fios do pensamento, e notares uma força vigorante penetrar em teu coração, vinda do coração de Deus!
A súplica é uma ciência, e das mais engenhosas.
Ela sustenta a vida, enriquecendo-a.
Jesus, o Mestre dos mestres, a usou e ensinou aos Seus discípulos como orar.
O Senhor está sempre presente; nós outros é que criamos, pela ignorância, a Sua ausência, e nos isolamos dos fluidos benfeitores, por não abrirmos as portas do coração com a chave mágica da vivência do amor.
E para nos colocarmos permanentemente no céu, junto aos espíritos superiores, é nosso dever entrarmos nas linhas da caridade activa e nos tornarmos um sol na constelação de Jesus.
Nunca deves pensar que és homem e que, como tal, estás distante da perfeição!
É pelos pés humanos que começarás a sentir os primeiros raios do Sol Divino, que ajuda a ritmar o coração de carne, para a iluminação da própria consciência!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 26, 2019 9:09 am

23 - ATÉ 0 SANGUE DE CRISTO
Tive a oportunidade de ir à “Cidade Maravilhosa" e não perdi tempo; daí a poucas semanas estava eu na grande metrópole, respirando as baforadas do mar, o gigante de água, cheio de encantos e fenómenos que tanto admiramos.
Ali a geografia da natureza pôs um quê de beleza, guardando no coração da cidade a alegria de que desfrutam os seus habitantes em variadas épocas do ano.
Andando nas praias, lembrei-me profundamente dos primeiros desbravadores desta nação, e os meus pensamentos os buscaram onde estivessem, agradecendo-lhes os trabalhos monumentais da colonização deste país, onde a Luz se faz veículo para todos os comportamentos educativos das criaturas.
Será este o maior berço de entendimento a ajudar a todas as nações no desempenho da fraternidade legítima.
Os meus olhos não se cansaram de olhar para o Atlântico, talvez, quem sabe, recordando, pátrias distantes.
Por toda a vida tive saudades de lugares que o próprio coração desconhecia.
Se passei por lá, através de outras vidas, assim pensava, a consciência não podia me revelar, para não causar maiores desastres junto àqueles que já me faziam sofrer, por força do destino.
Depois de encher minha visão e minha mente das belezas naturais, depois de todo aquele encanto penetrar em meu ser, por encantos mil, passei a pensar nos sofredores nas favelas do Rio de Janeiro e tomei outro destino, indo no rumo de uma delas, que todos já conheciam pelo seu porte e ambiente degradante.
Não tive pressa; fui subindo o morro passo a passo, trocando, de vez em quando, alguns cumprimentos.
Um padre, nesses lugares, é sempre coberto de reverências.
Eu parava várias vezes para dar maior atenção e conversar com quem passava.
Nisto, um mocinho interrompeu-me, dizendo:
- Padre, o senhor, como se chama?
— Horta.
— Padre, por Deus, vai lá em casa agora!
Eu levo o senhor, É urgente, o meu pai quer matar a minha mãe.
Ele é perigoso e minha mãe não é menos violenta!
Está para acontecer uma desgraça!
Eu tenho outros irmãozinhos pequenos!
Não devemos conversar muito!
Vamos logo!
Senti um calafrio na espinha.
0 que fazer? Sabia da fama daquelas favelas; eu era padre e não polícia.
Se eles não respeitavam nem os soldados, quanto mais um padre!
No entanto, lembrei-me da grande arma que todos podemos possuir: a fé e a coragem, nascidas da oração, e pus-me a caminho com o pequeno guia.
Percorrer os caminhos para chegar ao barraco, só mesmo sendo guiado, do contrário, nunca chegaria lá.
As pernas precisavam de muito treino para resistir às subidas e por vezes descidas íngremes.
Os favelados são verdadeiros alpinistas!
O jovem foi chegando, abrindo a porta e dizendo:
— Entra, padre!
As pessoas lá dentro se assustaram, e eu muito mais.
Firmei meu pensamento na nossa Mãe Santíssima, pedindo a ela para nos ajudar na conversa naquele lar, ao qual eu fora chamado em nome de Deus, por aquela criança.
Adentrei-me, desarmando o casal com uma saudação cristã e com um tom que pudesse manifestar amor por todos eles.
O rosto do homem parecia em brasa.
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